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Aprendendo a Lidar com a Raiva - Thich Nhat Hanh.pdf

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  • T H I C H N H A T H A N H

    A P R E N D E N D O A L I D A R COM A

  • T H I C H N H A T H A N H

    A P R E N D E N D O A L I D A R C O M A

    R A I V A S A B E D O R I A P A R A A P A Z I N T E R I O R

    S E X T A N T E

  • SUMRIO

    Introduo 7

    1 Consumindo a Raiva 15 2 Apagando o Fogo da Raiva 23 3 A Linguagem do Verdadeiro Amor 41 4 A Transformao 54 5 Comunicando-se com Compaixo 67 O Sutra do Corao 80 7 Sem Inimigos 91 I David e Angelina: A Energia Habitual da Raiva 101

    9 Abraando a Raiva com Plena Conscincia 109 1 0 A Respirao Consciente 118 ; 1 Reconstruindo a Terra Pura 126

    Apndice A Tratado de Paz 136 Apndice B Os Cinco Treinamentos da Plena

    Conscincia 139 Apndice C Meditaes Dirigidas para Fazer um

    Exame Profundo e Libertar a Raiva 142 Apndice D Relaxamento Profundo 145

    O Autor 150

  • Introduo *

    A prtica da felicidade Para mim, ser feliz significa sofrer menos. Se no fssemos

    capazes de transformar a dor que existe dentro de ns, a feli-cidade seria impossvel.

    Muitas pessoas procuram a felicidade fora de si mesmas, mas a verdadeira felicidade precisa vir de dentro de ns. Nos-sa cultura tem muitas receitas de felicidade, e afirma que a atingimos quando possumos uma grande quantidade de di-nheiro, muito poder e uma elevada posio na sociedade. Mas, se voc observar com cuidado, ver que numerosas pessoas ricas e famosas no so felizes. At voc j viveu esta expe-rincia: depois de alcanar um bem material que desejava ardentemente, experimentou alegria durante um certo tempo, mas rapidamente voltou insatisfao inicial, passando a dese-jar outra coisa. Este um processo interminvel e frustrante.

    O Buda e os monges da poca dele no possuam nada, a no ser trs mantos e uma tigela de comida, mas eram felizes porque tinham algo extremamente precioso - a liberdade.

    De acordo com os ensinamentos do Buda, a condio bsi-ca para a felicidade a liberdade. No estamos nos referindo aqui liberdade poltica, e sim liberdade que conquistamos quando nos libertamos da raiva, do desespero, do cime e das iluses. Buda os descreve como venenos. Enquanto eles esto no nosso corao, impossvel ser feliz.

    Neste livro vou lhes falar sobre a raiva, porque esta uma

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  • emoo extremamente destrutiva e muito presente na nossa civilizao. Vou procurar lhes ensinar a libertar-se dela, prati-cando o que chamo de exerccio da Plena Conscincia, inde-pendentemente de sermos cristos, muulmanos, budistas, hindus ou judeus. Vou lhes dar instrues concretas sobre como transformar o anseio, a raiva e a confuso que existem dentro de ns. Se seguirmos essas instrues e aprendermos a cuidar do nosso sofrimento, alcanaremos a paz e podere-mos ajudar outras pessoas a fazer a mesma coisa.

    Estamos muito estruturados em nossos comportamentos. Vivemos num mundo violento e reproduzimos, desde muito cedo, sem nos darmos conta, essa violncia nos pequenos gestos do cotidiano, na relao com nossos parceiros, filhos, famlia, companheiros de trabalho, pessoas com quem cruza-mos na rua. Regamos abundantemente a semente da raiva existente dentro de cada um de ns, e nos descuidamos das sementes do amor, da compaixo, da doura, da solidarieda-de. Solidificamos os hbitos agressivos e recebemos agresso de volta, num processo sem fim.

    Para que essa estrutura seja desmanchada, para que as sementes positivas sejam nutridas e para que o hbito se transforme, necessrio ouvirmos muitas vezes os novos con-ceitos, as novas prticas, os novos ensinamentos. Por isso eles sero repetidos no correr deste livro, para que impregnem o seu ser, condicionem uma nova conscincia, comecem a se traduzir nas suas atitudes, e tragam, para voc e para o mun-do, a paz, a felicidade e a harmonia que todos buscamos.

    Mudando para melhor Suponhamos que, numa determinada famlia, pai e filho esto

    com raiva um do outro. Eles no conseguem mais se comunicar

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  • e por isso sofrem muito. Nenhum dos dois quer permanecer preso raiva que esto sentindo, mas no sabem como domin-la.

    Quando estamos com raiva, sofremos como se estivsse-mos ardendo no fogo do inferno. Quando sentimos um gran-de desespero ou cime, estamos no inferno. Precisamos, nes-ses momentos, procurar um amigo ou uma amiga que nos ajude a transformar a raiva e o desespero que ardem em ns.

    Ouvir com compaixo alivia o sofrimento Quando as palavras de uma pessoa esto cheias de raiva,

    .sinal de que ela est sofrendo profundamente. Por sofrer tan-to, ela fica cheia de amargura, torna-se agressiva e est sem-pre pronta a se queixar e culpar os outros por seus proble-mas. Por isso voc acha muito desagradvel escutar o que ela tem a dizer e procura evit-la.

    Para compreender e transformar a raiva, precisamos apren-der a ouvir com compaixo e usar palavras amorosas. Com-paixo no pena, solidariedade, colocar-se no lugar do outro para compreender o que ele sente. Existe um Bodisatva -um Grande Ser - capaz de ouvir profundamente e com gran-de compaixo. Quando somos capazes de ouvir algum com compaixo, como este Grande Ser, conseguimos aliviar o so-frimento e oferecer uma orientao concreta queles que nos procuram em busca de ajuda. No tenha pressa. Fique tran-< |ilamente ao lado da pessoa durante o tempo que for neces-srio e escute o que ela tem a dizer, deixando que ela se ex-presse livremente. Repito, voc poder aliviar grande parte do sofrimento dela se mantiver viva a compaixo durante todo o tempo em que a estiver ouvindo.

    Voc precisa se concentrar bastante enquanto escuta, ou-vindo com todo o seu ser: com os olhos, os ouvidos, o corpo e a mente. Se voc apenas fingir que est ouvindo e no se

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  • esforar para prestar ateno com a totalidade do seu ser, a outra pessoa perceber isso e o sofrimento dela no ser aliviado. No fcil manter essa concentrao, porque o nos-so pensamento se evade muitas vezes. Mas se voc respirar serena e profundamente e trouxer de volta a ateno sempre que ela se dispersar, com o desejo sincero de ajudar a pessoa a encontrar alvio, voc ser capaz de sustentar a compaixo enquanto estiver ouvindo.

    Ouvir com compaixo uma prtica muito profunda. Voc no ouve para julgar ou culpar ningum. Voc s escuta por-que quer que a outra pessoa sofra menos. Ela pode ser seu pai, seu filho, sua filha, seu companheiro ou algum amigo. Ouvir a outra pessoa pode efetivamente ajudar a transformar a raiva e o sofrimento dela.

    Uma bomba prestes a explodir Conheo uma mulher catlica que mora na Amrica do

    Norte. Ela sofria muito porque seu relacionamento com o marido era extremamente difcil. O casal tinha uma formao acadmica elevada, mas o marido estava em guerra com a mulher e os filhos, no conseguindo muitas vezes nem mes-mo falar com eles. Todos na famlia procuravam evit-lo, por-que ele era como uma bomba prestes a explodir. A raiva dele era enorme, o que o fazia sofrer bastante. Ele achava que a mulher e os filhos o desprezavam, porque se afastavam dele. No era desprezo o que a mulher e os filhos sentiam, era me-do. Ficar perto daquele homem era perigoso, porque ele podia explodir a qualquer momento.

    Certo dia, a esposa pensou em se matar porque no podia mais suportar a situao. Mas, antes de cometer suicdio, ela telefonou para uma amiga que era praticante do budismo e contou o que estava planejando. A amiga a havia convidado

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  • vrias vezes para praticar a meditao, a fim de sofrer menos, mas ela sempre recusara o convite, explicando que, sendo ca-tlica, no poderia praticar ou seguir os ensinamentos budistas.

    Ao tomar conhecimento de que a amiga pretendia se matar, a mulher budista disse ao telefone: "Se voc de fato minha amiga, quero lhe fazer um pedido. Tome um txi e venha at a minha casa."

    Quando a mulher chegou, a amiga insistiu para que ela ouvisse uma fita que continha uma palestra do darma que ensinava como restabelecer a comunicao com os outros, sobretudo os mais prximos. Deixou-a sozinha na sala e, quando voltou, uma hora e meia depois, a amiga passara por uma grande transformao. Ela descobrira muitas coisas. Com-preendera que era em parte responsvel pelo prprio sofri-mento e que tambm tinha causado um grande sofrimento ao marido, pois no fora capaz de ajud-lo. Entendeu que a raiva do marido era causada por um grande sofrimento e que o fato cie evit-lo apenas aumentava sua dor. As palavras da fita a fi-zeram entender que, para ajudar a outra pessoa, ela tinha que ser capaz de ouvir com profunda compaixo. Deu-se conta de que no conseguira fazer isso nos ltimos cinco anos.

    Desarmando a bomba Depois de ouvir a palestra do darma, a mulher sentiu um inten-

    s< > desejo de ir para casa, procurar o marido e pedir-lhe que falasse de seus sentimentos, para ajud-lo. Mas a amiga budista lhe disse: "No, minha amiga, voc no deve fazer isso hoje, porque, para ouvir com compaixo, preciso treinar durante pelo menos uma < >u duas semanas." A budista convidou ento a amiga catlica para participar de um retiro, onde ela poderia aprender mais.

    Quatrocentas e cinqenta pessoas participaram do retiro, comendo, dormindo e praticando juntas durante seis dias.

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  • Praticaram a respirao consciente, permanecendo atentas ao ar que entrava e saa, para unir o corpo e a mente. Praticaram o andar consciente, concentrando-se em cada passo, e o sen-tar consciente, para se tornarem capazes de observar e abra-ar o sofrimento sua volta.

    Alm de ouvir palestras sobre o darma, todas praticaram a arte de escutar umas s outras e usar palavras amorosas. Tentaram ouvir profundamente o que a outra dizia para com-preender seu sofrimento. A mulher catlica entregou-se com muita seriedade e profundidade prtica, porque para ela se tratava de uma questo de vida ou morte.

    Ao voltar para casa depois do retiro, ela se sentia muito cal-ma, com o corao repleto de compaixo, querendo sincera-mente ajudar o marido a desarmar a bomba que pulsava den-tro dele. Ela se movia devagar, prestando ateno em seus pas-sos e respirando lenta e conscientemente para permanecer cal-ma e alimentar sua compaixo. O marido notou imediatamente a mudana e surpreendeu-se quando a mulher se aproximou e se sentou perto dele, algo que no fazia h cinco anos.

    Ela ficou em silncio durante talvez dez minutos e depois colocou delicadamente a mo sobre a dele, dizendo: "Querido, eu sei que voc tem sofrido muito nos ltimos cinco anos e sinto muito por isso. Sei que sou em grande parte responsvel pelo seu sofrimento. Cometi muitos erros e lhe causei muita dor, mesmo sem desejar. Sinto de fato muitssimo. Gostaria que voc me desse a chance de recomear. Quero fazer voc feliz, mas no tenho sabido como, e no quero mais continuar desse jeito. Por isso, querido, preciso que voc me ajude a com-preend-lo melhor para poder am-lo melhor. Por favor, me diga o que se passa no seu corao. Eu sei que voc sofre mui-to, mas preciso conhecer seu sofrimento para no repetir os mesmos erros do passado. Se voc no me ajudar, no posso

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