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Aprender A reEduCar

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Crianças e Jovens em Risco

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  • Aprendera RE-EDucar

    1988-2008 - 20 ANOS DE PRESSLEY RIDGE

    EM PORTUGAL

    Ktia Almeida

  • Edio: Fundao Luso-Americana para o Desenvolvimento

    Coordenao: Ktia Almeida

    Design: Agente Provocador

    Paginao: Antnio Gonzalez Lopes

    Impresso: Cadavalgrfica

    Tiragem: 1000 exemplares

    Lisboa, Abril 2008

    Pressley Ridge e Fundao Luso-Americana. Proibida a reproduo desta obra, no todo ou emparte, sob qualquer forma ou meio, sem autorizao prvia e por escrito por parte da PressleyRidge e da Fundao Luso-Americana.

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  • 3AGRADECIMENTOSA edio deste livro nasce da proposta feita pela Fundao Luso-Americana parao Desenvolvimento (Flad) Pressley Ridge para a publicao de um documentocom a histria da instituio no nosso pas. Abramos este desafio com umgrande carinho e empenho e prestamos a nossa sincera homenagem e profundoagradecimento Flad, na pessoa do Exmo. Sr. Dr. Charles Buchanan Jr.

    Queremos ainda manifestar o nosso agradecimento a todas as instituies eindivduos que cruzaram o nosso caminho ao longo de quase duas dcadas e queacreditam tal como ns, que possvel um mundo melhor para as nossas crianas,jovens e famlias.

    De um modo particular, queremos agradecer s seguintes instituies:- Direco Geral de Reinsero Social do Ministrio da Justia (por ser o nossoparceiro mais antigo e por continuar a desejar fortalecer ainda mais os laos coma Pressley Ridge atravs da prestao de servios);- Junta de Freguesia da Damaia (pela forte parceria e trabalho em equipa,possibilitando os programas de interveno que fazemos h 4 anos para jovens efamlias em situao de risco);- Instituto da Droga e da Toxicodependncia do Ministrio da Sade (por teracreditado no projecto PES pAndar e permitir a continuidade das nossasintervenes com a Junta de Freguesia da Damaia no Bairro da Estrada Militardo Alto da Damaia, atravs do subsdio do Programa de Interveno Focalizada);- Fundao Calouste Gulbenkian (pela aposta no Nova_Mente Programa dePreservao Familiar e Formao Parental que nos ir permitir melhorar osservios para crianas e jovens em risco atravs da implementao decomponentes dos modelos da Pressley Ridge no mbito do trabalho com famlias.)- Santa Casa da Misericrdia de Lisboa (SCML) (por acreditar nos nossos modelose filosofia de interveno e procurar-nos h quase 7 anos para a formao esuperviso dos tcnicos que trabalham com crianas, jovens e famlias nos larese nas equipas de menores em risco);- Bombeiros Municipais do Gavio (por todo o carinho e apoio prestados na1 formao da Pressley Ridge em educao vivencial e terapia pela aventura e

  • pela disponibilidade para continuar a apoiar-nos);- Cmara Municipal do Gavio (por nos acolher to calorosamente no Concelho eabrir as portas para o Centro de Educao Vivencial e Terapia pela Aventura);- Cmara Municipal de Vila de Rei (por abraar os desafios e propostasrelacionadas com o programa Trilhos do Centro e por todo o apoio prestado nasactividades com os jovens);- Centro Paroquial e Social S. Vicente de Paulo do Alto da Serafina (por ter aceiteo desafio da interveno da Pressley Ridge no Movimento Juvenil ao longo de umano lectivo, com o apoio da Cmara Municipal de Lisboa);- Prosalis (por ter sido um dos primeiros parceiros e por ter aberto as portas parao inicio da internacionalizao da Pressley Ridge e para o nosso primeiroprograma de interveno junto de crianas e famlias em risco);- Departamento de Psicologia da Universidade Lusfona de Humanidades eTecnologias (por ter apostado na Ps-graduao e aberto as portas PressleyRidge para o mundo acadmico);- Instituto de Estudos da criana da Universidade do Minho (por ter acreditadonas propostas de Mestrado e de Conferncia apresentadas pela Pressley Ridge epor ter conseguido concretizar estas iniciativas);- Federao Acadmica do Desporto Universitrio (por ter disponibilizadorecursos materiais para algumas das nossas actividades no passado).

    Queremos igualmente prestar a nossa homenagem aos seguintes indivduos:Dr. Domingos Saraiva (por ter dado os primeiros grandes passos da PressleyRidge em Portugal); Professor Clark Luster (por ter viso, por acreditar em nadamenos do que o melhor e por ser quem ); Dr. Stephanie Vlahos (pela dedicaoe por ser um exemplo vivo dos princpios da reeducao); Professor William J.Cammarata (por ter caracterizado os primeiros passos do programa internacionalda Pressley Ridge e por ter feito a proeza de encurtar as distncias que separamos pases); Dr. Teresa Cavaleiro (pela competncia e simpatia com que levou acabo os trabalhos da Pressley Ridge em Portugal); Dr. Paulo Zagalo (poracompanhar-nos desde o incio e por acreditar em ns); Dr. Maria Helena Paes(por ter acreditado e apostado na Pressley Ridge); Dr. Ana Mafalda Lobo deCarvalho (pelo seu testemunho e por ter colaborado sempre com a Pressley Ridgeem todas as fases do seu desenvolvimento); Professor Peter Pecora (por terajudado a visionar o futuro para a Pressley Ridge em Portugal); Dr. Joo Cias(por conseguir levar o barco a bom porto e por estar sempre presente nos trilhosda Pressley Ridge em Portugal); Dr. Lisa Shepard (por ter supervisionado com

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  • 5tanta percia e estratgia o crescimento da Pressley Ridge em Portugal);Dr. Duarte Lopes (pela consultoria e viso estratgica); Sr. Jorge Lopes (porfacilitar e apoiar sempre as intervenes da Pressley Ridge no Concelho de Vilade Rei); Dr. Nuno Jernimo (pela criatividade e sentido de humor com que nosajudou a escolher nomes); Dr. Isabel Gomes (pela viso, planeamentoestratgico e por ter integrado com mestria componentes dos modelos da PressleyRidge nos lares da Direco de Acolhimento e Infncia e Juventude da SCML);Dr. Daniela Mourato (por ter aberto as portas da escola para a Pressley Ridgee por fazer a diferena na vida dos alunos); Dr. Adelaide Cordovil (obrigada poracreditar sempre e por ser um modelo de perseverana, exigncia e compaixo);Dr. Matilde Fernandes (pelo seu testemunho, competncia e pela colaboraonas diferentes iniciativas da Pressley Ridge); Sr. Nuno Quintas (pelo apoioincondicional prestado na resoluo de problemas informticos); Professor ScottErickson (pela liderana, viso, estratgia, confiana e orientao das actividadesda Pressley Ridge em Portugal); Dr. Manuel Branco Mendes (pela amizade, pornunca abandonar o barco e acima de tudo por demonstrar os princpios dareeducao na sua forma de estar); Dr. Armando Leandro (por acreditar naeficcia dos nossos modelos e filosofia de interveno); Dr. Andrea Gruber (porfazer connosco um percurso paralelo do outro lado da Europa); Dr. Ana Manso(pelo testemunho, pelo carinho e competncia); Dr. Leonor Furtado (poracarinhar todos os sonhos e iniciativas e pelo desejo em fazer melhor); Dr. SofiaSilva (pelo testemunho e pela garra com que abraa os desafios); Sr. JooMendes (pelo carinho, competncia e por nos ter aberto as portas da sua casa noGavio); Dr. Ricardo Machado (pela competncia e iniciativa de construir umregisto digital do 1 fim-de-semana de educao vivencial e terapia pela aventurada Pressley Ridge); Dr. Mathew Liddle (pela mestria e entusiasmo com quecolabora connosco no Centro de Educao Vivencial e Terapia pela Aventura); Dr.Steve Kozak (por acompanhar o percurso da Pressley Ridge Portugal desdeo incio e por contribuir activamente para a escolha dos melhores caminhos);e Professora Mary Beth Rauktis (por ter traado em conjunto connosco os trilhosda Pressley Ridge em Portugal nos ltimos anos e por nos ter mantidoorientados).

    Por ltimo, queremos listar e homenagear as pessoas que ao longo dos anostrabalharam (ou trabalham) directamente para a Pressley Ridge Portugal dandoo seu contributo para os desafios que abraamos no dia-a-dia com as crianas,jovens e famlias: Ana Mafalda Lobo de Carvalho, Ana Tavares Vaz, Antnio

  • Alves, Artur Marinho, Carlos Santos, Celestino Cunha, Filipa Mesquita,Ktia Almeida, Maria do Rosrio Alvarenga, Mathew Liddle, Miguel Duarte,Nuno Fazenda, Patricia Morgado, Patricia Sarmento, Rita Pinto Barreiros, SofiaSilva, Stephanie Vlahos, Steve Kozak, Susana Bernardo, Susana Veloso, TeresaCavaleiro e Telma Almeida.

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  • 7NDICEIntroduoCharles Buchanan e Ktia Almeida 9

    Seco IA Pressley Ridge no mundo

    Captulo IO poder das organizaes orientadas por valoresB. Scott Finnell 13

    Captulo IIPressley Ridge, Nicholas Hobbs e a reeducaoJames Doncaster e Ktia Almeida 29

    Captulo IIIPara alm das nossas fronteiras: a histria da Pressley Ridge na EuropaMary Elisabeth Rauktis 65

    Seco IIA Pressley Ridge em Portugal

    Captulo IVA Pressley Ridge em Portugal: passado, presente e futuro 75

    Captulo VPor Trilhos AlternativosPatricia Sarmento, Ktia Almeida, Susana Bernardoe Mary Elisabeth Rauktis 123

    Captulo VIFormao e superviso. Resultados no novo milnio.Ktia Almeida e Patricia Sarmento 147

  • 9INTRODUOCharles Buchanan Jr.Membro do Conselho Executivo

    Fundao Luso-Americana para o Desenvolvimento

    Apesar da crtica constante ao individualismo na sociedade contempornea, anatureza humana parece ser muito mais compreensiva, interdependente e co-responsvel do que Hobbes descreveu. O desenvolvimento atravs de redes ouparcerias, to marcante no nosso tempo, no apangio das organizaes. Talcomo Carol Gilligan afirmou h quase trs dcadas atrs, o desenvolvimentomoral tem um componente de solidariedade e cooperao mais forte do que sehavia pensado, o que constitui um potencial de progresso social que no deveser desperdiado.

    Consequentemente, novas formas de interveno social so necessrias, de formaa aproveitarem todas as nossas capacidades, aumentando os seus benefcios paraa nossa sociedade, combatendo as suas falhas, lacunas e desequilbrios.

    Neste contexto, e por entender a importncia desta actividade dedesenvolvimento da nossa sociedade, a Fundao Luso-Americana tem vindo aapoiar as iniciativas da Pressley Ridge desde que esta iniciou a sua colaboraocom instituies portuguesas. O seu prestgio e a excelncia das suas actividades,assim como o carcter inovador das suas aces tm justificado esse apoio. Estelivro celebra os vinte anos de trabalho da Pressley Ridge em Portugal, definindotambm linhas orientadoras para aces futuras na rea da interveno social.

    Charles Buchanan Jr.

  • Ktia Almeida(Directora Geral da Pressley Ridge Portugal)

    A histria da Pressley Ridge em Portugal no poderia estar mais ligada aosprincpios da reeducao. extraordinria a forma como uma relao deamizade e a cumplicidade entre pessoas que acreditam que possvel fazer adiferena levaram a que a viso de alguns tornasse possvel a existncia daPressley Ridge no s em Portugal, mas noutros cantos do mundo.

    As relaes interpessoais, a crena na mudana e a confiana, foram desdesempre os alicerces para o desenvolvimento e a implementao da nossaorganizao em Portugal, mas igualmente o carto de visita junto de todasas entidades com as quais temos trabalhado ao longo dos anos e pelas quaisnutrimos um profundo carinho.

    A par do interesse em nos relacionarmos e colaborarmos com outrasorganizaes, existe um profundo sentido de misso e crena de que realmente possvel a construo de um mundo melhor para as crianas, jovense famlias com problemas de comportamento e ajustamento emocional esocial.

    Numa altura em que atravessamos profundas mudanas essencialmentepolticas e econmicas, enfrentamos tambm os desafios de uma novasociedade com novos paradigmas de famlia e onde h uma falncia de valorestradicionais e procura incessante de novos (ou antigos) valores que funcionemcomo alicerces para um bom desenvolvimento, desempenho e insero social.

    neste contexto de crise que a Pressley Ridge emerge e procura emconjunto com outras entidades da nossa sociedade, trilhar os caminhos pararespostas eficazes e acima de tudo, estruturantes. Para ns, a crise vistacomo uma oportunidade: oportunidade essencialmente de mudana,aprendizagem e crescimento.

    Mais do que a histria de uma organizao, esta a histria de muitosindivduos e instituies que se juntaram ao longo dos anos porque tm umdenominador comum: as crianas, jovens e famlias. para eles que existimose por eles que continuamos a abraar desafios, a ultrapassar obstculos, a

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    fortalecer as nossas fundaes e acima de tudo a procurar continuamentemelhorar as nossas prticas.

    A Fundao Luso-Americana para o Desenvolvimento acompanha o nossopercurso desde o incio, e sempre nos apoiou nas diferentes iniciativasformativas e acadmicas, oferecendo suporte e orientao nas prospeces eprocura de caminhos para a Pressley Ridge ao longo da ltima dcada.O nosso muito obrigado!

    Ktia Almeida

  • A PRESSLEY RIDGENO MUNDO

    SECO I

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    CAPTULO I

    O PODER DE ORGANIZAESORIENTADAS POR VALORES

    B. Scott Finnell1

    (Presidente e CEO da Pressley Ridge)

    No seu best seller Built to Last, Jim Collins enfatiza a importncia que os valoresdesempenham num negcio sustentvel e com fins lucrativos. A nossaexperincia diz-nos que os valores desempenham igualmente um papel crtico nasorganizaes sem fins lucrativos dedicadas a causar um impacto positivo nasvidas das crianas e famlias. Quando as actividades de uma organizao estoem sintonia com os seus valores, podem ser alcanados objectivos e metaspoderosos e as vidas das crianas e famlias podem ser melhoradas.

    Em 1832, a Pressley Ridge foi fundada porque um grupo de senhoras de umaigreja local da cidade de Pittsburgh na Pensilvnia (EUA) tinham este valor:as crianas importam. Este valor central juntamente com a crena de que elaspoderiam fazer a diferena, estiveram na origem de uma das primeirasorganizaes para crianas e famlias nos EUA. De muitas formas diferentes, estevalor bsico ainda o centro de muitas das coisas que fazemos nos dias de hoje.

    A forma como os valores so comunicados na sociedade varia medida que asociedade evolui. Durante os primeiros 120 anos, a Pressley Ridge prestoucuidados em orfanatos, mas por volta de 1950 a sociedade americana mudou econsequentemente a Pressley Ridge tambm. Durante as ltimas 6 dcadas, aPressley Ridge continuou a ajustar os seus servios para responder snecessidades das crianas na comunidade. Como exemplo, segue uma lista dasmudanas/alteraes revolucionrias mais significativas nos nossos cuidadoscontinuados ao longo das dcadas (sculo XX):

    1Este texto resulta da traduo e adaptao da conferncia plenria apresentada pelo Professor Scott Finnell noPrimeiro Congresso em Interveno com Crianas, jovens e famlias organizado pela Pressley Ridge e pelaUniversidade do Minho de 8 a 10 de Fevereiro de 2007.

  • Dcada de 50: O orfanato encerra Comea o foco no tratamento

    Dcada de 60: Adopo da primeira filosofia de tratamento baseada nainvestigao

    Incio dos servios educativos para crianas perturbadas

    Dcada de 70: Comea a prestao de servios de camping teraputico(therapeutic wilderness camping) usando tcnicas deaprendizagem vivencial

    Dcada de 80: Incio da prestao de servios de acolhimento familiarteraputico

    A Pressley Ridge lidera o trabalho na avaliao de programase estudos sobre os resultados

    Dcada de 90: Comea a prestar servios centrados na comunidade/famlia A Pressley Ridge inicia as actividades de formaointernacional

    2000: Comea a prestar servios internacionais

    Sentimo-nos orgulhosos da nossa histria de 175 anos e extremamente motivadospela mesma. Os nossos valores continuam a guiar as actividades da organizao.Ainda acreditamos que as crianas importam e que podemos fazer a diferena nassuas vidas. Actualmente comunicamos os nossos valores de uma forma um poucodiferente, mas a essncia est ainda intacta. Hoje em dia, os valores soexpressos em 6 curtas afirmaes que nos do a direco em relao ao quefazemos e de que forma estruturamos os nossos servios. Vou partilhar convoscotodos os nossos valores, dando apenas nfase a dois.

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    Valores da Pressley Ridge:1. O IDEALISMO IMPERATIVO

    O nosso foco est em servir crianas e famlias que no alcanaram o sucessonoutros contextos. Desenhmos os nossos servios para que todas as crianaspossam maximizar o seu potencial, com base na crena de que mesmo as crianasmais desafiadoras podem desenvolver competncias e as famlias com problemasigualmente complexos e duradouros podem ser bem sucedidas. Acreditamos queeste valor a chave para o nosso sucesso. o idealismo que nos prepara para aceitar o maior desafio de todos e paraquestionar se no formos ns, ento quem?. Durante os perodos mais difceisdo trabalho, o nosso compromisso no pra. De facto, fortalecido pela crena deque os mais jovens e as famlias apenas falham quando ns falhamos na ajudaprestada. o nosso idealismo que nos d fora para nunca desistir das crianase famlias que servimos.Se quiser uma carreira fcil, no escolha os servios para crianas e famlias. bastante difcil e para sermos bem sucedidos, imperativo que acreditemos quepodemos fazer a diferena, tal como aquelas senhoras da igreja em 1832.

    2. A ALEGRIA NO NOSSO TRABALHO ESSENCIAL

    Ns esforamo-nos muito no nosso trabalho e acreditamos que devemos encontraralegria em tudo o que fazemos. Para as crianas e famlias com quemtrabalhamos, a nossa crena fundamental que no crescimento, a criana deveencontrar alguma alegria em cada dia. Acreditamos que isto verdade tambmpara ns. Para conseguirmos desempenhar um trabalho difcil por longosperodos de tempo, temos que nutrir os nossos espritos, abraar a esperana e ooptimismo e encontrar a alegria no que fazemos. impossvel sermos eficazes agentes de mudana nas vidas das crianas e dasfamlias se no nos renovamos pelo prprio trabalho e se no o consideramos umafonte sincera de satisfao.

    3. LUTAMOS PELA QUALIDADE NADA MENOS DO QUE O MELHOR

    Durante quase dois sculos trabalhmos com o intuito de proporcionar a maiorqualidade possvel nos servios disponveis para as crianas e famlias. Sentimo-

  • nos motivados por um desejo apaixonado de dar nada menos do que o nossomelhor. O primeiro indicador de sucesso quando as crianas e as famliasatingem o seu potencial mximo. Avaliamos continuamente todos os aspectos donosso servio para determinar o seu impacto nas crianas e famlias queservimos. Atravs da partilha dos nossos resultados e quantificao do queresulta, podemos convencer as outras pessoas que trabalham neste campo amelhorar a qualidade dos seus servios. Desta forma, tocamos as vidas no s dasnossas crianas, mas de milhares de crianas em todo o mundo.

    4. SOMOS TODOS PROFESSORES E SOMOS TODOS APRENDIZES

    Na Pressley Ridge, acreditamos que cada um de ns, independentemente dottulo, tem a oportunidade de interagir com as crianas e famlias de um modoteraputico. Todas as interaces deixam uma marca em cada um de ns. Nasnossas relaes interpessoais e nas interaces com as crianas e famlias,devemos sempre ensinar competncias, procurar competncia, ser aprendizesfogosos e estimular o desenvolvimento de relaes interpessoais positivas.Para sermos professores eficazes, temos que estar abertos s nossas prpriasoportunidades de aprendizagem. A Pressley Ridge assume o compromisso deproporcionar a atmosfera onde os nossos profissionais podem ganhar experincia,conhecimento e competncias necessrias para serem eficazes na intervenocom as crianas e as famlias. Encorajamos o crescimento nos nossos profissionaise promovemo-lo atravs de um conjunto diversificado de actividades dedesenvolvimento. S conseguimos prestar os servios de maior eficcia atravs deprofissionais empenhados no desenvolvimento pessoal e crescimento profissional.

    5. A REEDUCAO A NOSSA FUNDAO

    A reeducao foi a primeira filosofia de tratamento com base na evidnciadesenvolvida na Amrica do Norte. Durante a dcada de 60, o Dr. NicholasHobbs, psiclogo na Peabody College em Nashville, Tennessee comeou adesenvolver o que mais tarde vem a ser conhecido como a reeducao. Hobbsacreditava que:

    O tratamento o ensino activo ancorado no presente. A linguagem da patologia substituda pela linguagem daeducao e a designao dfice substituda pela designaocapacidade.

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    O distrbio emocional no um sintoma da patologiaindividual, mas sim de um ecossistema disfuncional.

    Os mais jovens so melhor servidos no ambiente maisnormativo possvel.

    Na equao do tratamento, quem mais perto est da criana quem tem mais importncia.

    A abordagem de equipa melhor.Ao longo das ltimas 5 dcadas a usar a reeducao como a nossa fundao,procurmos novas formas de apresentar as suas verdades intemporais. Hoje emdia, estamos a explorar o uso de um modelo que demonstra a forma como osprincpios da reeducao esto em sintonia com o desenvolvimento e maturaoda criana. Esta a nossa viso desse modelo:

    Esta figura representa no s os domnios de desenvolvimento comuns mastambm proporciona uma estrutura para a integrao dos princpios dareeducao.A filosofia da reeducao construda com base em 12 princpios. 3 destesprincpios so aplicveis a todos os domnios e os restantes 9 podem ser aplicadosa diferentes domnios em simultneo. A figura enfatiza que os 4 domnios estoconectados atravs das relaes de confiana, com o contexto do tempo em redor.Vamos analisar cada elemento do modelo:

  • Corpo (Body): O corpo a armadura do eu A competncia faz a diferena O auto-controlo pode ser ensinado

    atravs do nosso corpo que enquanto crianas vivenciamos o mundo fisicamentepela primeira vez. atravs do corpo que exploramos, alcanamos ecompreendemo-nos e aprendemos a diferenciarmo-nos do outro. Maslow, Piaget,e Erickson identificaram a importncia do nosso eu fsico nas suas teorias dedesenvolvimento. Os jovens perturbados demonstram a sua ambivalncia com ocorpo atravs do uso de drogas, lcool e outras formas de comportamento nosaudvel, porque aprenderam atravs da experincia que os seus corpos no tmvalor e no so dignos de respeito. Ns acreditamos que as crianas e os jovenspodem reaprender a honrar e confiar nos seus corpos como fonte de alegriaverdadeira, prazer, confiana e mestria. As nossas intervenes tm como focotransformar o corpo em algo a ser valorizado, nutrido, honrado e confiado.

    Mente (Mind): A inteligncia pode ser ensinada A competncia faz a diferena O auto-controlo pode ser ensinado

    As nossas intervenes so guiadas pelo conhecimento de que como sereshumanos procuramos aprender e compreender. Ns acreditamos quesatisfazemos uma necessidade cada vez que ajudamos uma criana a tornar-secompetente numa habilidade ou tarefa, na leitura, na execuo de um jogo ou namontagem de uma tenda. Tambm acreditamos que a mente de uma criana estem desenvolvimento contnuo at idade adulta e as nossas intervenes ajudama desenvolver novas formas de compreender e aprender.

    Esprito (Spirit): A alegria faz parte a vida As cerimnias e rituais do ordem e estabilidade Os sentimentos devem ser nutridos A competncia faz a diferena O auto-controlo pode ser ensinado

    Somos todos seres espirituais. Para ns na Pressley Ridge, isso no significaseguir uma determinada f, apesar deste aspecto poder ser importante. Significaproporcionar s crianas oportunidades para explorar aspectos da f.

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    Respeitamos todas as culturas e apoiamos as nossas crianas na explorao dassuas crenas espirituais.

    Comunidade (Community): As comunidades so importantes O grupo importante As cerimnias e rituais do ordem e estabilidade A competncia faz a diferena O auto-controlo pode ser ensinado

    Ns vivemos em comunidades; temos comunidades de escolas, igrejas e clubes.Somos frequentemente definidos de acordo com a comunidade a que pertencemos. nestas comunidades que aprendemos a contribuir e a ser bons membros dasociedade. Recebemos e damos apoio atravs das nossas comunidades. Para ascrianas e em particular para os adolescentes, a comunidade uma espcie deauto-definio. Acreditamos que as crianas e adolescentes devem receber ajudanas suas comunidades atravs dos amigos, familiares, professores, escolas eigrejas. Se as crianas e jovens no so capazes de viver nas suas comunidades,ns ajudamo-los a manter os laos com as mesmas e a desenvolver crculos desuporte dentro da comunidade da Pressley Ridge.

    O contexto o tempo (the context is time): O tempo um aliado A vida para ser vivida agora

    O tempo pode ser um aliado porque as crianas esto a crescer e a mudar. O seudesenvolvimento enquanto crianas ou adolescentes pode ser rpido ou lento, masos seus corpos e mentes esto sempre em mudana. Em muitos casos, o tempotrabalha em seu favor, trazendo novas capacidades mentais e fsicas. Contudo, importante que no esperemos at que as coisas melhorem mas que procuremosexplorar o significado dos eventos medida que eles forem acontecendo,procurando ajudar as crianas a compreender o significado dos acontecimentos deacordo com o seu nvel de desenvolvimento e maturidade.A figura unida atravs da confiana e por isso to importante que a tenhamosanalisado como um valor em separado.

  • 6. AS RELAES INTERPESSOAIS SO FUNDAMENTAIS

    No nosso trabalho com crianas e famlias sabemos que nenhuma mudanaduradoura pode acontecer sem uma relao de confiana. Estudos longitudinaissobre crianas e adolescentes competentes que vivenciaram fortes adversidades,do um grande nfase importncia das relaes interpessoais para umaadaptao bem sucedida. Os nossos profissionais iniciam logo o seu trabalhoprocurando lanar as bases para esta aliana, acreditando que todas as pessoasso capazes de mudar. Esta crena, combinada com o respeito pela cultura,permite que as relaes nasam. Ns acreditamos que as crianas e famlias queservimos tm grandes pontos fortes e com base nos mesmos que aplicamos asnossas estratgias de mudana.Este valor to importante que em 1999, o departamento de investigao daPressley Ridge iniciou uma parceria com a Universidade de Vanderbilt paradeterminar se a confiana realmente faz a diferena e se sim, quais so osaspectos que a suportam. A investigao foi desenhada para medir a AlianaTeraputica (AT) entre um reeducador psicossocial (o nosso profissional da linhada frente. Em ingls teacher couselor) e o jovem.A AT definida como uma relao de trabalho entre um jovem e um reeducadorpsicossocial (REP) baseada na:

    Percepo de um lao emocional, Concordncia nos objectivos do tratamento, Concordncia nas tarefas a realizar para o alcance dosobjectivos e

    Percepo de abertura e verdade da relao(Doucette & Bickman, 2001).Esta investigao sobre aliana, fez muitas descobertas importantes, mas apenasiremos realar algumas. O estudo est publicado sob a designao TherapeuticAlliance and Re:ED: Research on building positive relationships with youth(Rauktis, Andrade and Doucette, In Press).

    Para o jovem, a Aliana estabelecida cedo.Para os jovens a relao mantm-se constante ao longo do tempo. Se a AT desenvolvida cedo e se mantm relativamente constante, isto significa que osREP podero apenas ter uma janela de oportunidade para desenvolver a relaonuma fase inicial da mesma. Assim sendo, temos que prestar ateno a esteaspecto quando comeamos a trabalhar com a criana. Considere duas situaes:

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    uma criana que entra para um programa residencial, onde cumprimentada ebem recebida pelos profissionais, mostram-lhe o seu quarto que foi obviamentepreparado para a sua chegada, ajudada a acomodar-se e apresentada a todosos residentes. Na segunda situao, a criana entra para um programaresidencial, os profissionais esto ocupados a preparar o jantar e dizem-lhe vaidesfazer as tuas malas e apresenta-te s outras crianas. Considerando os doisexemplos, qual pensa ser o profissional que ter melhores probabilidades dedesenvolver uma aliana teraputica com aquela criana?Os jovens tm uma opinio diferente da do adulto sobre a aliana teraputica.Os adultos no tm uma percepo precisa sobre o modo como a sua relao vista pelos jovens. Em mdia, os resultados dos REP so mais elevados do que osresultados dos jovens; por outras palavras, os REP percepcionam uma melhorrelao do que a que descrita pelos jovens. Estes dados indicam que devemos sermais vigilantes para tirar partido de oportunidades para o desenvolvimento derelaes. Nunca devemos acreditar que apenas porque dedicmos as nossascarreiras ao servio dos mais novos, a prxima criana que entrar para oprograma vai ter isso em considerao. As relaes so construdas uma de cadavez, um dia de cada vez.

    Pessoas com determinadas caractersticas de personalidadeparecem ser melhores a desenvolver alianas teraputicas.

    As caractersticas de personalidade dos REP associadas a maior AT so: Flexibilidade Estabilidade emocional Afecto Foco nas motivaes dos outros Genuinidade ou no estar focado em gerir as aparncias

    As caractersticas de personalidade dos REP associadas a menor AT so: Elevada conscincia das regras (limitado pelas regras,inflexibilidade, rigidez e dogmatismo)

    Elevado grau de privacidade (demasiado fechado e defensivo) Elevado perfeccionismo (apenas confortvel em ambientesaltamente organizados, dificuldade em lidar com aimprevisibilidade ou a ambiguidade)

    Elevada gesto das aparncias (tendncia para manipular a

  • fim de criar a impresso de que as coisas esto a correr bem) Elevada dominncia (forar situaes e opinies verbais,tendncia a subjugar os outros e consider-los errados ouenganados)

    Para as pessoas responsveis por seleccionar profissionais para fazerem parte deum programa ou organizao, estes dados proporcionam informao crtica sobreo tipo de indivduos que queremos escolher.

    A aliana teraputica alimentada por determinadoscomportamentos dos REP.

    Os comportamentos associados aliana mais reportados pelos jovens so: Conhecer os objectivos de tratamento de cada um dos jovens eajudar o jovem a trabalhar nos mesmos todos os dias

    Confiar nas capacidades do jovem para corresponder sexpectativas do programa

    Conhecer e implementar estratgias de tratamento noprograma

    Demonstrar capacidade de liderana com o jovem e com o grupo Manter os acontecimentos em perspectiva e modelar estacompetncia

    Ser justo nas interaces com os jovens Demonstrar como se trabalha numa equipa Ser capaz de brincar e de usar o humor de uma formaadequada

    Para as pessoas que so responsveis pelos servios, estas descobertas tmimplicaes tremendas no tipo de formao que devemos providenciar e quais oscomportamentos que devemos supervisionar e avaliar.

    Os sintomas e nvel de funcionamento dos jovens no afectamadversamente a aliana teraputica. Um jovem pode serresistente a um REP e mesmo assim reportar uma alianateraputica elevada.

    Estes dois dados parecem ser contraditrios. Contudo, a nossa investigaodescobriu que um jovem pode reportar ambas a resistncia e a aliana com

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    um REP. A AT inclui a simpatia pelo REP e ter uma relao de trabalho.A resistncia ao tratamento foi medida separadamente. Um jovem podereportar elevados nveis nas dimenses da aliana e nas dimenses daresistncia. Uma boa analogia poder ser uma relao afectiva forte entreum pai e um filho, mas onde tambm existe resistncia do segundo.

    interessante que enquanto um jovem pode ter igualmente uma aliana e serresistente ao REP, estes por sua vez pensam de uma forma diferente. Os REPacreditam que quando os jovens so resistentes, sentem uma maior dificuldadeem construir a aliana. Esta uma diferena perceptiva muito importante e umimportante aspecto a ter em considerao na formao e na superviso.Trabalhar com crianas e adolescentes perturbados pode ser frustrante. Osresultados positivos do nosso trabalho podem no ser totalmente concretizadosat aps a sada do jovem do programa. Frequentemente, no temos a satisfaode ver os jovens a mudar os seus comportamentos e progredirem para alcanarsucesso na escola, no trabalho e na vida familiar. Assim sendo, no surpreendente que os REP podero querer desistir, porque acreditam que aresistncia de um jovem significa que no estamos a conseguir chegar a estejovem. neste momento que na Pressley Ridge enfatizamos que o idealismo imperativo. No devemos nunca parar de acreditar na capacidade de uma crianaou jovem para serem bem sucedidos.

    A experincia e a educao fazem diferena para os REP.

    Os REP com elevados graus de educao (escolaridade/formao) e mais anos deexperincia parecem desenvolver melhor a aliana. Este aspecto serve apenaspara demonstrar que por vezes a sabedoria convencional prova o que estcorrecto. Aqueles que tm melhor formao e mais experincia tendem a fazer ummelhor trabalho.

    Implicaes para a prtica em Organizaes No Governamentais (ONG)

    Que significado que tudo isto tem para a prtica da prestao deservios pelas ONG ou entidades sem fins lucrativos? O que queaprendemos prestando servios com base nos nossos prprios valores?

  • Avalie os seus valores; quer os escritos quer os no escritos.

    Muitas organizaes tm excelentes declaraes de valores em que no acreditamou que no so utilizados. Algumas organizaes tm excelentes declaraes devalores que so anulados por valores no escritos. Por exemplo a Hewlett-Packard, a grande empresa de tecnologia conhecida por um forte valor deinovao. Aps muitos anos de poucas vendas, os lderes da empresa decidiramque no contexto da valorizao da inovao, outro valor tinha surgido. Esse valorno foi inventado aqui. O resultado foi que a HP acreditava tanto na suacapacidade para inovar que perdeu o rumo e o controlo de qualquer inovao feitanoutro lado. Tenham cuidado com os vossos valores no escritos.

    Os valores da sua organizao tm que ser os seus prprios valores.

    Eu fico agradado quando profissionais de todo o mundo vm Pressley Ridgeestudar junto dos nossos profissionais e aprender as nossas tcnicas. Eu digosempre a esses profissionais que podem levar e utilizar tudo o que vem. Contudo,eles tm de compreender que os nossos valores e tcnicas foram estabelecidosnum contexto especfico. Quando se transfere qualquer tcnica as diferenascontextuais tm que ser consideradas. Se valoriza o que ns valorizamos, entotem a liberdade para usar o nosso material. Mas tenha a certeza que o que esta usar aquilo que realmente valoriza.

    Recentemente, estive a trabalhar num processo de planeamento estratgico parauma organizao com a qual estou associado. Esta uma organizao com muitosrecursos e foras. Contudo, apesar de todo o seu potencial, no estava a viver deacordo com as suas expectativas. Um dia, estvamos a fazer um brainstormingsobre qual poderia ser o problema. No contexto da conversa um dos membrosrelatou que 10 anos antes, visitaram uma organizao semelhante e decidiramusar a sua declarao de valores. Todos os objectivos desta organizao foramdesenvolvidos com base nessa declarao de valores. Para mim, esta foi umarevelao significativa. A organizao no estava a ser bem sucedida porqueestava a tentar implementar os valores de outros. Eram bons valores. Essa noera a questo. O problema que no eram os seus valores.

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    Articule a filosofia fundamental que guia os cuidados que presta.

    Ns somos claramente uma organizao de reeducao. Ns utilizamo-la todos osdias e em tudo o que fazemos. A reeducao a nossa bssola para todas asdecises que tomamos em relao aos cuidados e tratamento; guia a seleco deprofissionais e como fazemos superviso. surpreendente a quantidade deorganizaes que visitei que tm a possibilidade de articular qualquer filosofiafundamental. Se esse for o caso na sua organizao, eu encorajo-o fortemente afaz-lo brevemente.

    Valorize e apoie os que esto mais perto da criana.

    No final do dia, no importa quantos doutorados, terapeutas, assistentes sociais,psiclogos, professores, enfermeiros, etc. voc tem na sua equipa. A pessoa quetem o maior impacto nos cuidados prestados aquela que passa mais tempocom a criana. Tenha a certeza que as pessoas certas esto mais perto da criana.Depois, certifique-se que as mesmas tm apoio e so estimuladas a desempenharbem o seu trabalho. Eu acredito que o retorno no seu investimento irgrandemente exceder as suas expectativas.

  • Referncias

    Collins, J. (2001). Good to Great: Why Some Companies Make the Leap. . . and Others Dont. New York: HarperBusiness, 2001.

    Doucette, A., & Bickman, L. (2001b). Child and Adolescent MeasuringSystem: User Manual. Unpublished Manuscript. The Center forMental Health Policy, Vanderbilt University, TN.

    Rauktis, M. E., Andrade, A. R., & Doucette, A. (In Press). In Cantrell,R.P. & Cantrell, M.L. (Eds.) Helping Troubled and Troubling Children:Continuing Evidence for Re-ED's Ecological Approach. (Book 2 in theTroubled and Troubling Child series). American Re-EducationAssociation: Cleveland: OH.

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    CAPTULO II

    PRESSLEY RIDGE,NICHOLAS HOBBSE A REEDUCAO

    James Doncaster(Director Snior de Desenvolvimento Organizacional da Pressley Ridge)

    Ktia Almeida(Directora Geral da Pressley Ridge Portugal)

    Com a colaborao de:

    Manuel Branco Mendes(Sub-director geral da Direco Geral de Reinsero Social)

    Susana Bernardo(Reeducadora Psicossocial da Pressley Ridge Portugal)

    Patricia Sarmento(Coordenadora de Programas da Pressley Ridge Portugal)

    No crescimento, a criana deve sentir alguma alegria em cadadia e olhar para a frente com esperana face aosacontecimentos do amanh.Nicholas Hobbs

  • Nicholas Hobbs (1915-1983), norte-americano foi o autor do modelo deReeducao (Re-ed) como abordagem para auxiliar crianas e jovens perturbadose perturbadores.Hobbs deu um valioso contributo para as novas abordagens das crianas e jovenscom distrbios, integrando na sua experincia profissional:

    - A presidncia da American Psychological Association;- A presidncia do primeiro Comit para a elaborao do cdigotico dos psiclogos;

    - Trabalho para um nmero variado de entidades norte-americanas centradas nas crianas, na sade e na educao;

    - Membro do Select Panel para a promoo da sade infantilestabelecido em Congresso, em 1979;

    - Primeiro director de Seleco e Investigao da PeaceCorps;

    - Fundador do Centro para estudos das famlias e das crianascomo parte do Vanderbilt Institute for Public Policy Studies;

    - Nomeado Professor de Mrito de Psicologia e Provost pelaUniversidade de Vanderbilt, Nashville (EUA).

    A Reeducao tem razes profundas nos modelos da Europa Ocidental para otratamento de crianas emocionalmente perturbadas.Ao desenvolver os princpios bsicos da Reeducao, Hobbs foi estimulado, emparte devido a relatrios como o estudo de 1956 da Joint Commission on MentalIllness and Health (Comisso da Doena e Sade Mental) sobre programas desade mental para crianas na Europa Ocidental, de onde se tornam possveisnovas abordagens para o problema, afirmou Hobbs em 1982 (p.15).

    Depois da II Guerra Mundial, a Frana viu-se confrontada com a necessidade decuidar de milhares de crianas que estavam em orfanatos, crianas sem-abrigo,com deficincias e emocionalmente perturbadas. Uma vez que existiam poucosprofissionais capazes de providenciar este tipo de cuidado a um nmero togrande de crianas, aqueles que se preocupavam com o bem-estar destas crianasinventaram novas formas de responder s suas necessidades. Uma das invenesmais importantes foi o desenvolvimento de um novo profissional chamado oeducateur. Na Esccia, as crianas que estavam demasiado perturbadas para seadaptarem a novas famlias depois de serem evacuadas de Londres durante obombardeamento, foram colocadas num centro residencial de tratamento perto de

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    Glasgow. A equipa era formada por psiclogos educacionais, equiparveis na suaformao ao educateur.Esta profisso no tinha um equivalente nos Estados Unidos. A JointCommission on Mental Illness and Health encontrou estes modelos Europeusdignos de emulao e concluiu no seu relatrio para o Congresso em 1961 queDeveriam ser realizados estudos piloto no desenvolvimento de centros para areeducao de crianas emocionalmente perturbadas, usando tcnicos diferentesdos habituais As escolas funcionariam com professores cuidadosamenteseleccionados a trabalhar com consultores nas reas da sade mental. (Hobbs,1982, p.15).Esta recomendao da Joint Commission para o Congresso tem a marca deHobbs. Hobbs era o Vice-Presidente da Assembleia da Joint Commission e, noexerccio das suas funes participou no estudo de programas em vrios pases daEuropa Ocidental. As suas observaes durante visitas de estudo a Itlia, Frana,Inglaterra, Esccia, Blgica e Holanda em 1956, expandiram grandemente aviso de Hobbs sobre possveis alternativas ao modelo mdico prevalecente nosEstados Unidos para o tratamento de crianas perturbadas (Habel, 1988).

    A visita feita Europa enfatizou a Hobbs a importncia deste profissionalespecial chamado o educateur. Uma vez que no existia um paralelo profissionalnos Estados Unidos, Hobbs designou o teacher-counselor baseado na figura doeducateur. Mas existe uma diferena importante entre os dois. O educateurFrancs um profissional especializado no cuidado prestado s crianas, mas noum professor de sala de aula (esse papel em Frana deixado ao professeur). Oteacher-counselor pois aquele que ensina, desenvolve hbitos e facilita aaprendizagem para as crianas emocionalmente perturbadas. (Hobbs, 1982).

    A reeducao uma abordagem baseada no em princpios psicodinmicos masem princpios educativos, psicolgicos e ecolgicos. Procura ajudar as crianas emcontextos to prximos do natural quanto possvel, fortalecendo os sistemas desuporte, reduzindo as discordncias entre os sistemas e ajudando as crianas aaprender a fazer uso de recursos afectivos, formativos e disciplinares normais.A Re-Ed demonstrou que o tratamento mais eficaz o ensino, ou a reeducao noscontextos naturais variados em que a criana vive: programas residenciais,comunidade, escolas e casa. Esta filosofia de tratamento permanece at hoje,sendo difundida pela American Reeducation Association (AREA).

  • A Pressley Ridge, h mais de 35 anos atrs foi uma das primeiras organizaesno mundo a integrar a Reeducao nas suas prticas e filosofia de interveno,contribuindo largamente para a melhoria dos cuidados prestados s crianas,jovens e famlias.Actualmente, reconhecida como uma organizao que aplica os princpios dareeducao no seu dia-a-dia e em todos os seus programas, aumentando osfactores de proteco das pessoas com quem trabalha e contribuindo claramentepara a diminuio dos factores de risco.Os profissionais na linha da frente, os que mais tempo passam com as crianas,jovens e famlias, designados em Portugal por reeducadores psicossociais (teachercounselors), so pela valorizao, apoio e integrao dos princpios, quem maiscontribui para aplicao dos ensinamentos de Hobbs. Em Portugal, a PressleyRidge tem difundido a Re-ed atravs dos diferentes programas de interveno quecoordenou ao longo dos anos e atravs da formao a diferentes profissionais nomeio acadmico e profissional.

    Descrevemos de seguida os 12 princpios da reeducao de Nicholas Hobbs,contando com a valiosa experincia e contributo de pessoas que trabalham com aPressley Ridge e que integram naturalmente esta filosofia de trabalho na suaforma de estar e prticas profissionais.

    OS 12 PRINCPIOS DA REEDUCAO(Alguns dos contedos deste captulo foram editados como The 12 Principles ofReEDucation e publicados pela Pressley Ridge, Ed. por J. E. Robinet, 2006)

    1 Princpio: A VIDA PARA SER VIVIDA AGORAJames Doncaster

    A vida para ser vivida agora, no no passado e apenas nofuturo como um desafio do presente.

    H um campo pequeno mas importante da cincia que explora a percepo dotempo no reino animal. Os cientistas a trabalhar neste campo diferenciam entreo que o bilogo Uexkll referiu como momentos relevantes e irrelevantes. Ummomento relevante activa o organismo e focaliza a nossa ateno. Um momentoirrelevante aquele que passa despercebido.

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    medida que envelhecemos, temos a sensao que o tempo acelera. H umarealidade objectiva que explica este fenmeno: as crianas vivenciam muito maisexperincias intensivas do que os adultos. As situaes vivenciadas pela primeiravez, ou at mesmo pela segunda, terceira ou quarta vez focalizam mais eficazmentea nossa ateno. As coisas s quais nos habituamos deixam de ter esse poder.Quando os momentos so relevantes, o tempo passa devagar; quando no o so, otempo passa a correr.

    Porque as crianas e os adolescentes ainda no se habituaram ao mundo, elesesto muito mais ligados ao que se passa sua volta do que os adultos. Estasituao cria grandes oportunidades de aprendizagem e/ou de reaprendizagem nocaso de jovens perturbados e perturbadores. da nossa responsabilidadeprocurar tirar o maior partido possvel desta oportunidade.

    De que forma fazemos isto? De acordo com Nicholas Hobbs, partimos dopressuposto que cada dia tem uma enorme importncia para os mais novos;quando uma hora negligenciada, passada sem motivos ou intenes, a crianaou adolescente poder perder com isto uma vez que o ciclo de aprendizagem contnuo. Na reeducao, ningum espera por uma hora teraputica especial.Tentamos da melhor forma que conseguimos transformar todas as horas emmomentos especiais. Lutamos por um envolvimento imediato e sustentado navida com objectivos e consequncias.

    Quando Hobbs iniciou o seu trabalho, os programas para crianas e jovens erammuito mais um local do que verdadeiramente programas. A pouca terapia queacontecia nestes locais era relegada para um gabinete e para algum comcredenciais especficas e uma hora teraputica determinada.A reeducao no uma abordagem intra-psquica ao tratamento. A reeducaono assenta no aspecto das experincias passadas ou em quaisquer desenlacesfuturos relacionados com esse passado. Quando uma criana ou jovem tem umaexperincia traumtica a mesma no necessita ser compreendida para que osmesmos possam viver de um modo bem sucedido no presente. Resumindo, oinsight pode preceder ou ser precedido pela mudana de comportamento.

    Para os seguidores desta filosofia, a tnica no aqui e agora. Lutamos peloenvolvimento imediato e sustentvel na vida com objectivos e consequncias. Oobjectivo uma vivncia bem sucedida e esta por si mesma teraputica. Contudo a

  • vivncia bem sucedida no facilmente alcanvel. Requer um planeamentocuidadoso e uma orquestrao competente do dia-a-dia pelos reeducadorespsicossociais. Quando os eventos se tornam uma guerra, necessrio lidar com eles emedi-los ou resolv-los. Mesmo quando as coisas correm bem, as experinciaspartilhadas devem ser mediadas para que as aprendizagens no se percam no tempo.

    Para concluir, Hobbs afirma da melhor forma:

    O objectivo claro e passa por dar a cada aluno no decorrer do dia-a-dia uma grandequantidade de experincias de vida instrutivas e de sucesso. Fazemos tudo o quepodemos para os ajudar a ter experincias de sucesso. Isto requer que todas asactividades dirias se relacionem com as necessidades e capacidades dos sujeitos, eque o curso dos eventos em cada dia sejam modulados para manter as taxas desucesso elevadas. aqui que entra a arte do reeducador psicossocial. Numa escolade reeducao, os mais jovens aprendem no aqui e agora que a vida pode ser vividade uma forma satisfatria para a sociedade e para si prprios. Parafraseando Taft:In the mastery of this day, the child or adolescent learns, in principle, the mastery ofall days.

    2 Princpio: A CONFIANA FUNDAMENTALJames Doncaster

    A confiana entre a criana e o adulto essencial, a fundaoem que assentam todos os outros princpios o que d consistnciaao ensino e aprendizagem em conjunto; o ponto de partida dareeducao.

    E ento, agora j no s um homem assim to grande, pois no?O Bruno sentou-se amuado no corredor entrada do ginsio. Os seus olhos estofixos no cho, medida que eu creso para ele. Ele vira a sua pequena cara de 11anos de idade para mim e rebenta em lgrimas.

    Como que as coisas podem ter corrido to mal assim to depressa? Era a minhaterceira semana na reeducao e a minha segunda semana a trabalhar com umgrupo na Pressley Ridge em Pittsburgh, Pensilvnia (EUA) como reeducadorpsicossocial. Estivemos durante a manh no ginsio a fazer um jogo com bola.Estava tudo a correr bem at o Bruno ter recusado sair do campo, depois de ser

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    atingido por uma bola. O jogo parou e todos dirigiram o olhar para mim.Bruno, tens que te sentar. J conheces as regras.O Bruno refila porque lhe acertaram com a bola e recusa sentar-se no banco.Bruno precisas de ajuda para ires um pouco l fora acalmar-te? Perguntei aindamais zangado. Ele imita-me, depois grita e chama-me nomes e eu levo-o para forado ginsio.

    E ento, agora j no s um homem assim to grande, pois no? Escutei estaspalavras a sair da minha boca como se fosse observador. Eu vejo o choque na carado Bruno e desejei com todas as foras do meu ser que pudesse retirar o que disse.Lembrei-me do que me disseram apenas 10 dias antes na formao: a confiana fundamental o que d consistncia a fundao. Enquanto olhava para oBruno, pensei que tinha procedido realmente mal.

    Na fundao da filosofia da Re-ed reside a crena no poder das relaesinterpessoais. O segundo princpio da reeducao de Hobbs identifica o que bsico para esta filosofia e o que a diferencia de outro tipo de abordagens. Hobbstambm fala na forma como a confiana estabelecida: para construir umarelao interpessoal o reeducador psicossocial tem que ser uma pessoa porinteiro e no um terapeuta parcial.

    O papel do reeducador psicossocial sem sombra de dvida o aspecto que melhoridentifica a filosofia da reeducao. A inveno deste papel profissional marcouum ponto de viragem radical do pensamento convencional da poca de que umagente teraputico deveria ter formao em psiquiatria, psicologia, intervenoprecoce ou servio social. A investigao de Hobbs demonstrou que havia umaescassez na quantidade e qualidade dos servios de sade mental disponveispara crianas e jovens. Isto levou-o a reexaminar a terapia nascendo assim areeducao e o papel do reeducador psicossocial (teacher counselor).

    A confiana entre uma criana normal e um adulto o bio-produto de milhares deinteraces em que a criana aprende que o adulto algum com quem podecontar e que se comporta de um modo previsvel.As crianas perturbadas por outro lado, tipicamente tm relaes disfuncionaiscom adultos. Vejam o exemplo de uma criana que vivenciou com frequnciamaus tratos ou abusos nas mos de um adulto. Ela pode passar a acreditar quenenhum adulto digno de confiana. Esta crena leva a que a criana se torne

  • hostil, agressiva, taciturna ou distante perto dos adultos. Em contrapartida, estaatitude pode licitar hostilidade e agressividade por parte do adulto. A respostadeste a maior parte das vezes confirma as crenas da criana e refora a sua visonegativa e ameaadora do mundo.

    Existe ainda outra dinmica para este cenrio. O que pode ter o aspecto de umcomportamento desajustado num determinado contexto poder ser umcomportamento altamente adaptativo noutra situao. As crianas aprendem aauto preservarem-se atravs de comportamentos discordantes. A agressividadepode ter o poder de afastar uma ameaa. O distanciamento total pode mandarembora o agressor. Estes comportamentos so mal adaptativos apenas quandoaplicados em contextos onde a ameaa no est presente.

    De que forma pode um reeducador psicossocial ser bem sucedido? A Pressley Ridgeem conjunto com a Universidade de Vanderbilt desenvolveu uma investigaosobre a aliana teraputica que durou 5 anos e da qual emergiu um conjunto dedescobertas chave que exploram as correlaes de uma relao de confiana.

    Em primeiro lugar, os elevados nveis de aliana esto associados com agenuinidade do reeducador psicossocial ou com a sua habilidade para serverdadeiro. Isto confirma o que qualquer reeducador psicossocial com experinciasabe: as crianas e jovens conseguem rapidamente desmascarar a falsidade.

    Em segundo lugar, a empatia e o afecto so importantes no desenvolvimento dasrelaes interpessoais. No nosso trabalho com crianas e jovens perturbados,devemos liderar com o corao. A construo das relaes interpessoais comeacom a aceitao e com o que Carl Rogers chamou de apreciao positivaincondicional.

    Nveis baixos de ansiedade, humor estvel e flexibilidade foram outros aspectosidentificados como importantes para a capacidade do reeducador psicossocialdesenvolver relaes interpessoais positivas.

    Voltando histria do Bruno, gostaria de poder afirmar que a nossa interaco eas desculpas que apresentei subsequentemente foram um evento sem problemas que tudo correu bem depois disto. No foi o que aconteceu. Houve muitosburacos na estrada.

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    O Bruno terminou o seu tempo no programa e fez-nos uma visita cerca de um anodepois. Ele estava bem. Este acontecimento passou-se h muito tempo atrs.Quando olho em retrospectiva gostava de poder pensar que desempenhei umpapel por mais pequeno que fosse a ajud-lo a transformar-se numa pessoamelhor, mas no posso ter certezas quanto a isto. Raramente temos. O que euverdadeiramente sei que o Bruno desempenhou um papel muito grande namelhoria do meu desempenho como reeducador psicossocial e hoje em dia eu souuma pessoa melhor por o ter conhecido.

    3 Princpio: A COMPETNCIA FAZ A DIFERENAJames Doncaster e Ktia Almeida

    A competncia faz a diferena; as crianas e adolescentes devemser ajudados a ser bons em alguma coisa, especialmente nostrabalhos escolares.

    Durante o ano lectivo de 2000/2001, desenvolvi um programa de competncias devida para os jovens que frequentavam o Centro Juvenil do Centro Paroquial eSocial S. Vicente de Paulo, no Alto da Serafina em Lisboa.No mbito desta interveno da Pressley Ridge, desenvolvi um programa deeducao ambiental e vivencial designado Trilhos do Centro, em parceria comesta instituio e com a Cmara Municipal de Vila de Rei. Durante cerca de 6meses, passmos vrios fins-de-semana no Concelho de Vila de Rei com um grupode 4 a 8 jovens residentes no Bairro e frequentadores do Centro Juvenil, com oobjectivo de fazer a prospeco dos trilhos pedestres do Concelho, que seriamposteriormente usados para fins de turismo de natureza. Parte do trabalho comos jovens consistia na preparao de cada fim-de-semana, desde o planeamentodo programa, preparao do material, clculo dos custos e definio de objectivosde tarefa e comportamentais.Nas diferentes florestas de Vila de Rei, enquanto explorvamos caminhospossveis para os referidos trilhos, cada jovem transportava consigo um mapamilitar e uma bssola e procurvamos sistematicamente ajud-los a interpretaro mapa e a compreender onde se encontravam. Fazamos sempre esta actividadede um modo ldico e estimulante. Os jovens, habituados a falhar na escola e comos problemas de comportamento e emocionais tpicos de quem tem dificuldades deaprendizagem, demonstravam um enorme entusiasmo cada vez que lhesperguntava coisas do tipo: Digam-me onde est no mapa Penedo Furado e qual

  • a distncia entre este local e Vila de Rei. Com alguma dificuldade mas com muitoentusiasmo, observvamos os jovens a colocar a rgua da bssola entre as duaslocalizaes, a determinar os centmetros e a tentar convert-los em distncia emmetros no terreno. O seu entusiasmo crescia cada vez que eram reforados e deum modo quase incessante, diziam-nos: Mais, mais, diz-nos outro stio paradescobrirmos! Este tipo de clculos no paravam e ao longo de um dia,observmos os jovens a calcular distncias, a encontrar locais no mapa, adeterminar o tempo de progresso entre diferentes localidades usandocompetncias fundamentais relacionadas com a leitura e com o clculo.Para mim, o mais fascinante nesta histria foi quando um desses dias, enquantobrincvamos ao clculo das distncias lhes disse: percebem agora porque quea matemtica to importante? fui surpreendida com as suas pequenas caras deespanto, porque pela primeira vez, senti que tinham descoberto algo de valioso everdadeiramente til em relao aos to pouco desejados dias passados na escola,dentro das salas de aula.Todos os jovens envolvidos neste programa aumentaram a assiduidade s aulase transitaram de ano escolar. Considero que existiram claramente outros factoresque contriburam para este aspecto, mas um dos maiores contributos do trabalhoda Pressley Ridge foi sem dvida devolver-lhes um sentimento de competnciaque pensavam muito perdido no fundo do mar.

    A Re-ed muitas vezes referenciada como um modelo de competncia de acordocom Nicholas Hobbs. A competncia e confiana so competncias essenciais parauma vivncia bem sucedida, para um bom desempenho e para nos sentirmos bemem relao a ns prprios.

    O primeiro desafio enfrentado por qualquer criana ou jovem quando entra numprograma de reeducao a incluso. Onde que eu me encaixo? Como possopertencer? So as dvidas dos jovens. O reeducador psicossocial astutoreconhece este aspecto e preocupa-se rapidamente com as questes das relaesinterpessoais, mas o seu trabalho no pra aqui. Ele compreende a importnciade ajudar a criana ou jovem a tornar-se competente em alguma coisa o mais cedopossvel. Poder ser a andar de bicicleta a montar uma tenda de campismo, masa maior parte das vezes essa alguma coisa est relacionada com os trabalhosescolares. A caracterstica mais comum de uma criana ou adolescente comgraves distrbios emocionais a dificuldade de aprendizagem escolar.

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    A relao entre o baixo rendimento acadmico e os problemas emocionais parecemser uma interaco mais do que uma causa. As dificuldades de aprendizagempodem despoletar problemas emocionais ou de comportamento ou por outro ladoos problemas emocionais podero impedir a aprendizagem. Nicholas Hobbsacreditava que devemos trabalhar os dois aspectos simultaneamente.

    prtica comum dos reeducadores psicossociais o uso do modelo de competnciapara aumentar as hipteses de sucesso de um jovem perturbado. Para um alunona reeducao, assim que o nvel de performance determinado, inicia-se oensino com objectivos especficos. Com o tempo, o reeducador psicossocialcompetente aprende a dinamizar de um modo intuitivo, actividades planeadascom base no modelo de competncia. Isto permite que as actividades sejamanalisadas por tarefa e por competncia. Por exemplo, nadar e segurana na guaso competncias aprendidas antes da canoagem. Esta abordagem garanteexperincias de vida de sucesso para as crianas e jovens e ajuda-as o a crescersolidamente em competncia e esprito.

    O modelo de competncia uma referncia bastante til para analisarmosqualquer situao prospectiva de ensino, mas no presume uma abordagem deensino especfica. O ensino naturalista usa o mundo real e a natureza como salade aula. Este tipo de experincias pode ser planeado ou espontneo, ou umacombinao de ambos. Por exemplo um reeducador psicossocial numa sala deaula pode incluir uma visita a uma floresta como parte do planeamento da aula.A aula pode ser to formal como um captulo do programa curricular sobre os riosou ecologia. Ou pode ser informal e o reeducador psicossocial capitaliza todos osmomentos ensinveis. As pegadas de um animal na lama por exemplo, podemser identificadas mas tambm podem dar incio a uma interessante discussosobre o comportamento animal.

    A competncia faz a diferena. Independentemente da forma como a competncia alcanada, tornarmo-nos bons em alguma coisa permite-nos contribuir e acontribuio alimenta a alma. medida que a criana cresce em mestria, as suascontribuies aumentam acontecendo o mesmo ao seu esprito. O ciclo torna-se autoperpetuador. Assim, para alm de ns prprios a competncia uma grande ddiva,provavelmente a maior que podemos dar a uma criana ou jovem perturbado.

  • 4 princpio: O TEMPO UM ALIADOJames Doncaster e Manuel Mendes

    O tempo um aliado, contribuindo para o crescimento numperodo de desenvolvimento em que a vida apresenta umatremenda perspectiva de esperana.

    No h tempo absoluto porque no h tempo universal, o tempo cronolgico nocorresponde ao tempo fsico ou psicolgico, o meu tempo no o dos outros.

    A adolescncia uma forma intensa do tempo passado no corpo, no esprito e nomeio envolvente e, por isso, a dor mais sofrida, o sonho maior, o outro maisimportante.

    Nesta intensidade vivencial total, a interaco reveste-se de maior ressonncia e,consequentemente, os estmulos negativos mais concorrem para o retrocesso dojovem para paragens de difcil regresso mas, se bem direccionada a interveno,o efeito teraputico mais rpido e efectivo. este o sentido da reeducao, noesforo constante de um tempo a criar com vivncias e pessoas significativas quemais facilmente lancem o jovem no seu futuro porque, como dizia Joo dosSantos, o homem uma experincia infantil de criatividade.

    assim que o princpio definido por Nicholas Hobbs ao dizer que O tempo umaliado, contribuindo para o crescimento num perodo de desenvolvimento em quea vida apresenta uma tremenda perspectiva de esperana parece emergir comoeco de um tempo antigo de 2000 anos em que j o velho pedagogo assimaconselhava o seu discpulo: Preenche todas as tuas horas! Se tomares nas moso dia de hoje conseguirs depender menos do dia de amanh. De adiamento emadiamento a vida vai-se passando. (Sneca)

    A infncia um tempo de transformaes, marcadas por dramticas mudanasfsicas, cognitivas e comportamentais. O processo originado internamente, masguiado externamente: o que a criana se torna depende em grande medida dasinfluncias externas.

    O adolescente, apesar de estar mais desenvolvido, continua ainda emcrescimento. As crenas, emoes e comportamentos esto todos em fluxo. Ao

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    contrrio dos adultos que se habituaram ao seu modo de estar, os mais novosesto ainda em desenvolvimento. Apesar de haver bastante vulnerabilidadedurante este estdio do desenvolvimento, h tambm a promessa de algo melhor.

    No seu livro The Troubled and Troubling Child, Nicholas Hobbs escreve comoptimismo sobre a capacidade das crianas em fazer mudanas positivas deinfncias difceis: No assumimos que existe uma espcie de fora de crescimentomstica como princpio explicativo, mas simplesmente notamos que os mais jovensainda esto abertos a experincias e mudanas e tm energia extra para isso. Umosso partido cura mais depressa aos seis e dezasseis anos do que aos sessenta.Assumimos que existe uma vitalidade comparvel no domnio psicolgico.

    Os reeducadores afirmam que o tempo um aliado e procuram tirar o melhorpartido deste aspecto.

    Os centros de reeducao originais, apesar de terem sido concebidos comounidades de cuidado residencial, acomodavam as crianas e jovens durante 5 diasda semana. Hobbs e outros arquitectos da reeducao consideravamfundamental que as crianas retiradas das suas famlias, no permanecessemafastadas por muito tempo. Como consequncia as crianas iam a casa aos fins-de-semana. O tempo deveria ser preenchido com actividades significativas e otempo de permanncia em unidades residenciais deveria ser o menor possvel.

    Os reeducadores psicossociais aprenderam cedo que devem cuidar honestamentede cada dia que a criana permanece afastada da sua casa, escola e comunidade(Hobbs). Isto significa assegurar que cada dia preenchido com actividades quefortalecem, ensinam e curam. Esta crena permanece verdadeira at aos dias dehoje. Isto no significa que o tempo que as crianas passam com os reeducadorespsicossociais no pode ser divertido. Pelo contrrio, o tempo em conjunto deverser preenchido com experincias agradveis. Todas as actividades devem ter umpropsito e cada hora dever aproximar cada vez mais a criana da sua casa.Fazer menos, ou seja, perder tempo, prejudicar a criana.

    Outra preocupao dos veteranos da reeducao com o tempo relaciona-secom o modo como estes definem distrbio emocional. Hobbs diz que a formacomo o problema definido, ir determinar em grande medida as estratgiasque podero ser usadas para a sua resoluo. Os reeducadores veteranos em

  • geral e Hobbs em particular, definem o distrbio emocional no como umapatologia da criana, mas sim como um sintoma do ambiente onde a crianaest inserida.

    Hobbs refere as falhas do sistema ecolgico de uma criana perturbada, quecomporta a famlia, a escola, a religio, o bairro, o local de trabalho e acomunidade. Quando o comportamento de uma criana tem como consequncia asua rejeio por uma ou mais partes do seu sistema ecolgico, os princpios dareeducao defendem que o tratamento deve ser dirigido para esse sistema e noapenas para a criana. Hobbs escreve que quando se trabalha com este sistema,prestamos especial ateno s circunstncias especficas que causaram essa falhae daremos os passos necessrios para fazer o sistema funcionar razoavelmentebem. O objectivo no curar a criana, mas fazer com que o sistema em que elavive funcione.

    O reeducador psicossocial dever tirar o melhor partido do tempo e manter osobjectivos de tratamento modestos. No estamos procura do desenvolvimentopsquico completo da criana ou o funcionamento total de um sistema. Estamossimplesmente procura de trazer mudanas suficientes no sistema de modo atornar o sucesso mais provvel do que o insucesso. Somos um elemento estranho naecologia de uma criana. Ao reconhecer este facto, procuramos que a nossa presenano mesmo no seja demasiado longa para no o tornar dependente de ns.

    Com base nestas premissas, fcil compreender que apesar dos princpios dareeducao terem a sua origem em programas residenciais, tornaram-se afundao de intervenes noutros contextos. Por exemplo: tanto o acolhimentofamiliar teraputico como o trabalho de interveno na comunidade assentam nafilosofia da reeducao. A reeducao enfatiza que os cuidados individualizados elimitados no tempo podem ser prestados de uma forma o menos obstrutiva emenos restritiva possvel, envolvendo a maior quantidade possvel de elementosdo ambiente da criana.

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    5 princpio: O AUTO-CONTROLO PODE SER ENSINADOJames Doncaster e Ktia Almeida

    O auto-controlo pode ser ensinado e as crianas e adolescentespodem ser ajudados a gerir o seu comportamento sem odesenvolvimento de insight psicodinmico; os sintomas podem edevem ser controlados directamente sem o recurso a uma terapiaformal.

    Durante a maior parte do sculo XX, acreditou-se que uma pessoa podia fazermudanas significativas se fosse capaz de lidar com as razes que causaram o seucomportamento perturbador. Acreditava-se que o comportamento problemtico temas suas origens em conflitos no resolvidos da infncia. Esta teoria defende aindaque especialistas altamente treinados so capazes de ajudar as pessoas a encontraressas razes e a analis-las. Este pensamento defende ainda que sem estes insights,os problemas actuais iro simplesmente transformar-se noutros problemas.

    Hobbs contestou este paradigma. Sendo um psiclogo jovem, racionalizou que obem-estar, a felicidade e o sentimento de auto eficcia nascem da vida medidaque ela vivida e no quando conversada. Estas ideias foram a base do modeloda reeducao na forma como foi apresentado em 1961 na proposta feita aoInstituto Nacional de Sade Mental (nos EUA), sendo implementado desde ento.

    Hoje em dia, quando falamos do insight em programas da reeducao, estamos afalar de insight numa dinmica situacional. Ajudamos crianas perturbadas adescodificar os seus comportamentos demonstrando-lhes como podem estabeleceras ligaes entre os sentimentos e os eventos externos. A compreenso destaligao o primeiro passo no trilho da auto aprendizagem. Estes insights, notm qualquer semelhana com as exploraes intra psquicas dos terapeutas deh 50 anos atrs. Pelo contrrio, eles esto sedeados no presente.

    Cerca de 80% das crianas e adolescentes que entram para os programas daPressley Ridge tm acentuados problemas de comportamento. A maior partedestes menores tem problemas de auto-controlo.

    No decurso do desenvolvimento normal, as crianas aprendem gradualmente agovernar internamente o seu prprio comportamento. Aprendem valores e de que

  • forma o seu comportamento afecta os que esto sua volta. Se cometerem muitasfalhas, sero castigados e corrigidos por adultos afectuosos. Atravs doestabelecimento consistente destas fronteiras, a maior parte das crianasaprende razoavelmente bem a gerir o seu comportamento.

    Contudo, nem todas so capazes de o fazer. Na Pressley Ridge e em outrosprogramas de reeducao em todo o mundo, vemos crianas que agemimpulsivamente sem pensar, que no so capazes de lidar com a gratificao, quedistorcem a realidade e imputam a culpa a outros. Vemos crianas com odesenvolvimento moral comprometido e crianas traumatizadas, especialistas emperder o controlo, aparentemente sem serem provocadas.

    H variadssimas formas atravs das quais a Pressley Ridge e outros programasda reeducao ensinam o auto-controlo aos mais jovens. H contudo pontos emcomum nas nossas estruturas e estratgias de interveno, alguns dos quais soapresentados de seguida:

    Em primeiro lugar, acreditamos que as tcnicas de auto gesto so melhorensinadas em casa, na escola ou em qualquer outro ambiente onde a crianaencontra as dificuldades. No h nada de hipottico ou abstracto em enfrentarum problema no contexto onde o mesmo ocorre.

    Em segundo lugar, defendemos que as intervenes de profissionais devero serto breves quanto possvel para que os objectivos desejveis sejam alcanados.

    Em terceiro lugar, as nossas estratgias para ensinar o auto-controlo assentamna relao interpessoal. A interveno tem maior probabilidade de ser bemsucedida se criarmos uma parceria com a criana para o desenvolvimento de umaestratgia de interveno do que se a interveno for imposta. Por exemplo, umprofessor na sala de aula combinou com um aluno que lhe daria um sinal visualquando ele comeasse a perder o controlo e a fazer muito barulho. Ao longo dotempo, o aluno aprendeu a falar mais baixo e a controlar o volume da sua voz eesta interveno subtil no foi mais necessria.

    Adicionalmente, continuamos a olhar para a medicao como interveno deltimo recurso apesar dos avanos feitos nas ltimas duas dcadas empsicofarmacologia.

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    Resumindo, a Pressley Ridge e outros programas da reeducao tm umapanplia de mtodos para ajudar os mais jovens com problemas de auto-controlo.No h nenhum mtodo que funcione para todos, mas todos os mtodos afuncionar em conjunto tm um efeito salutar nas nossas crianas e adolescentes.Como diz Mark Twain para quem apenas tem um martelo como ferramenta,todos os problemas parecem pregos.As nossas intervenes de hoje, por maior que seja a dificuldade em provocarefeitos, posicionam os mais novos para um amanh melhor.

    6 princpio: A INTELIGNCIA PODE SER ENSINADAJames Doncaster e Ktia Almeida

    A competncia cognitiva das crianas e adolescentes pode serconsideravelmente aumentada; eles podem aprendercompetncias genricas na gesto das suas vidas, bem comoestratgias para lidarem com a complexa variedade deexigncias que lhes so colocadas pela famlia, pela escola, pelacomunidade, ou por um emprego; por outras palavras, ainteligncia pode ser ensinada.

    No programa Trilhos Alternativos da Pressley Ridge Portugal, programaocupacional de competncias de vida desenvolvido em parceria com a Junta deFreguesia da Damaia para um grupo de jovens em risco portugueses de etniaafricana, desenvolvemos entre outras coisas um projecto de construo edinamizao da Ludoteca da Loja Social (local onde so desenvolvidas asactividades, situado no Bairro da Estrada Militar do Alto da Damaia). Os nossosjovens foram responsveis por organizar os jogos existentes, criar novos jogos eorganizar um torneio para os outros jovens da Loja Social.

    Um grupo de jovens estava sentado numa mesa, a planear cuidadosamente aelaborao de um puzzle e a ensaiar as diferentes imagens que poderiam constardo mesmo, decidindo igualmente os materiais para a sua confeco.

    Para o observador casual, o grupo poderia facilmente representar uma turma dequalquer escola com aproveitamento escolar, onde os alunos se mostram motivadospelas tarefas propostas e realizam com sucesso qualquer actividade. A sua atenoera extraordinria. Ningum poderia desconfiar que no seu dia-a-dia, estes jovens

  • enfrentam graves problemas de aprendizagem escolar, problemas de ajustamentosocial e emocional. Todos tm processo na comisso de proteco de crianas ejovens em risco e 2 encontram-se em risco de internamento num centro educativo.

    Quem poderia adivinhar que um grupo com estas caractersticas poderiatrabalhar em conjunto na tarefa mais simples? Pelo menos parte da resposta aesta questo reside neste sexto princpio da reeducao a inteligncia pode serensinada e nas prticas que dele imanam.

    No h nenhum construto da reeducao mais controverso do que a proposio deque a inteligncia pode ser ensinada. A razo simples: a sabedoriaconvencional defende que a inteligncia uma condio predeterminada equantificvel. Nicholas Hobbs, no concordou e insistiu que a inteligncia umacapacidade dinmica, envolvente e malevel de se fazer boas escolhas na vida.

    Podem ser necessrios muitos meses para que os mais jovens desenvolvamcompetncias individuais e para alcanarem o nvel de funcionamento de grupoevidente no exemplo acima. Tal aprendizagem no acontece de um dia para ooutro nem acontece de uma forma mgica. Em vez disso, os mais jovens nosprogramas da reeducao passam um tempo considervel a pensar e a conversarsobre as actividades antes de as realizarem. Aps a concluso de uma actividade,o seu desempenho discutido. O ponto de partida para experincias de vida bemsucedidas assenta na habilidade para olhar em frente, antecipar uma situao evisualizar uma resposta eficaz antes da sua emisso. Com o passar do tempo,estes procedimentos de planeamento e reflexo so interiorizados.

    Reuven Feuerstein foi um psiclogo romeno que viveu e trabalhou em Jerusalmdesde 1944. Apesar do seu trabalho inicial ter sido desenvolvido com crianas quesobreviveram aos campos de morte do Holocausto, ao longo dos anos ele trabalhoucom crianas com leses cerebrais, sndrome de Down e autismo e crianas comdistrbios emocionais. Feuerstein no se cansou de dizer que os cromossomasno tm a ltima palavra. Ele acredita que os testes de QI registam apenas o quea criana aprendeu e no o que ela capaz de aprender. A chave identificar asbarreiras existentes no processo de aprendizagem da criana e ultrapass-las.

    O trabalho de Feuerstein demonstrou largamente ao longo de 50 anos que aspessoas so modificveis e que o QI como muitos podem pensar, no a ltima

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    palavra na inteligncia. As melhorias no funcionamento cognitivo que eleproduziu em crianas desafiadoras de todos os tipos foi entendido como nada maisdo que miraculoso.

    A repetio parece ser a chave de muito do trabalho que fazemos com os maisjovens, relativamente ao desenvolvimento cognitivo. O crebro no to rgidocomo pensmos. Estudos recentes com sujeitos vtimas de traumatismoscraneanos e com sujeitos normais a aprenderem uma nova competncia, indicamque o circuito neural do crebro se auto reorganiza em resposta estimulaosensorial. Isto significa que os nossos crebros no so apenas o produto dopatrimnio gentico, mas antes o produto da constante mudana dessepatrimnio e de factores ambientais. A repetio e a ateno focalizada parecemser crticas para o processo de reorganizao.

    As implicaes destes aspectos para o nosso trabalho com crianas e jovensperturbados so claras. Temos que em primeiro lugar envolv-los, depois focalizara sua ateno e finalmente repetir o que estamos a ensinar. Somente atravsdestes passos podemos afectar a reorganizao de trilhos neurais e alcanar ascompetncias cognitivas dos nossos alunos. Podemos captar a ateno dos jovensao adicionamos um factor motivacional forte a uma actividade, como por exemplo,uma situao de competio entre grupos (jogo) ou em que h um ganho simblicona sua participao. Quando fazemos repetidamente o role playing de umasituao social com um adolescente, simulamos uma entrevista ou estamos numasituao de conflito, moldamos o comportamento e reorganizamos os circuitosneurais. Ambos resultados so necessrios para que o aluno possa repetir estaperformance de uma forma bem sucedida no futuro.

    Os contextos da reeducao so ricos em termos lingusticos e estimulantes emtermos cognitivos. A investigao sobre a plasticidade do crebro e o trabalho deFeuerstein sugerem que a inteligncia malevel. O que isto significa do pontode vista do planeamento num programa de interveno que temos que tercuidado no nosso trabalho com crianas e jovens perturbados para no fazermossuposies limitativas. Apesar do valor de QI ser a primeira palavra, nuncadever ser a ltima nas colocaes e decises do programa. Luta pelos teuslimites e eles sero teus diz Stephen Covey. Os profissionais da reeducaolutam pelo cu de elevado potencial das crianas que servem e do o seu melhorpara o alcanar.

  • 7 princpio: OS SENTIMENTOS DEVEM SER NUTRIDOSJames Doncaster e Susana Bernardo

    Os sentimentos devem ser nutridos, partilhados espontaneamente,controlados quando necessrio, expressados quando reprimidospor muito tempo e explorados com aqueles em quem confiamos.

    Quando valorizamos o relacionamento afectivo entre o Reeducador Psicossocial(REP) e um jovem problemtico, estamos a admitir o poder deste para oestabelecimento de uma relao de confiana, estando a propiciar uma relao deajuda em situaes difceis. Pois como sabemos, quanto mais forte for osentimento de confiana de um jovem para com determinado REP, maior ser aprobabilidade de aquele exteriorizar os seus sentimentos, e faz-lo como umpedido de ajuda, sabendo que o REP o compreender no criticando a sua atitude.Esta capacidade de observao e descodificao das reaces dos jovens fundamental para chegarmos aos seus sentimentos, e por fim podermosresponder de forma eficaz.

    H 10 anos atrs eu e a minha mulher tornmo-nos pais de acolhimento para oprograma de acolhimento familiar teraputico da Pressley Ridge. Abrimos asportas da nossa famlia para o Conway, um rapaz surdo que devastou outroprograma de acolhimento familiar teraputico e que tinha acabado de passar oseu 15 aniversrio num hospital psiquitrico. Apesar do Conway ter uma docedisposio, ele tinha igualmente problemas emocionais significativos o que no surpreendente para um rapaz que passou a maior parte da sua vida emacolhimento familiar e em programas residenciais. Quando se sentiaprofundamente frustrado, o Conway partia alguma coisa ou ento batia a siprprio repetidamente na face. Comemos imediatamente a tentar corrigirambos os comportamentos.

    Ao mesmo tempo, comemos a trabalhar com o Conway para desenvolver alinguagem com a qual ele se podia expressar. Colocmos posters com sentimentosem casa e na escola. Expandir o seu vocabulrio de sentimentos era importante,mas era mais importante ajudar o Conway a aprender a associar a palavraadequada com a emoo. Esta foi a parte da auto percepo e foi um processobastante moroso.

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    A pea final do puzzle foi conseguir que o Conway fosse capaz de expressar os seusestados emocionais em palavras em vez de aces (comportamentos desajustados).Este processo levou literalmente alguns anos e o Conway por vezes, ainda sentedificuldades. Um dia, ele chegou a casa vindo da escola zangado, porque tinharompido com a sua namorada. Ele pediu-nos para conversarmos sobre isso e naspoucas horas seguintes, o Conway foi capaz de se expressar com grande claridade,mesmo quando discutimos o que ele deveria fazer em relao a esta situao. Foium momento de orgulho, um ponto de viragem.

    Apesar das crianas nos programas da reeducao terem problemas diversos,praticamente todas tm dificuldades significativas na regulao ou expresso dasemoes. O reconhecimento deste aspecto originou o stimo princpio dareeducao de que os sentimentos devem ser nutridos.

    Todas as situaes teraputicas iniciam-se com o reeducador psicossocial e com arelao que este estabelece com a criana perturbada. Num contexto dereeducao o reeducador psicossocial o elemento chave de confiana com quea criana explora os sentimentos e o reeducador psicossocial que primeiroatende a nutrio dos sentimentos.

    O comando das emoes de uma pessoa comea com a capacidade de asreconhecer e identificar. A maior parte dos programas da reeducao tmcurrculos especficos desenhados expressamente para responder a situaes decompetncia emocional. Quadros com os sentimentos e o currculo dossentimentos como os que usmos com o Conway, so usados em muitosprogramas da Pressley Ridge. Eles so um primeiro passo crtico para o caminhoda literacia emocional.

    Em todos os programas da Pressley Ridge existem numerosas oportunidadespara a expresso dos sentimentos. Com frequncia, pede-se s crianas paraavaliarem a actividade, a aula, um sucesso ou um dia inteiro e as verbalizaesde sentimentos so fortemente encorajadas. Os Pow-wows nos programasresidenciais so um exemplo perfeito de um contexto onde as crianas podemexpressar os seus sentimentos e expandir o seu vocabulrio emocional.

  • As reunies de resoluo de problemas so outra oportunidade para o crescimentoemocional. Raramente ocorre uma reunio de resoluo de problemas sem quehaja uma discusso dos sentimentos que deram origem ao conflito. Porque estassesses so quase sempre pblicas, pode haver a participao de uma turmainteira ou de um grupo em tratamento. Isto permite que mesmo aqueles que noestejam envolvidos no problema possam aprender com o processo.

    Nos nossos programas as relaes de proximidade desenvolvem-se entre os maisjovens. Problemas carregados de emoo que surgem naturalmente quando aspessoas crescem prximas, so ento explorados. De muitas formas diferentes, osnossos programas servem de solos emocionais para as crianas e jovens queservimos. Na segurana de um grupo com pessoas de confiana e os seusreeducadores psicossociais, as crianas e jovens podem expressar os seussentimentos e experimentar o seu comportamento. Para muitos, a intimidadeencontrada no programa poder no ser alcanada at que o prprio encontre umcompanheiro(a) ou estabelea a sua prpria famlia.

    medida que os sentimentos so explorados, as respostas empticas soencorajadas e quando ausentes, so moldadas. As crianas so ensinadas a ouvirem primeiro lugar. Reconhecer as emoes nos outros e ser capaz de assumir aperspectiva dos outros so a essncia da empatia. Idealmente, a escuta leva compreenso, a compreenso leva empatia e a empatia leva ao altrusmo. Osbons reeducadores psicossociais nos programas bem liderados ensinam scrianas o altrusmo e do-lhes amplas oportunidades para o praticarem.

    Durante um vero num passado recente, um grupo de rapazes do programa daPressley Ridge em Ohiopyle (Pensilvnia, EUA) deu apoio a um grupo de rapazesparaplgicos e tetraplgicos numa liga de basebol especial. Igualmente, um grupode alunos do Programa Day School da Pressley Ridge em Pittsburgh(Pensilvnia, EUA) ceifou prados e trabalhou em jardins de pessoas commobilidade reduzida.

    Estes so apenas alguns exemplos das prticas altrustas que so praticadas aolongo do ano na maioria dos nossos programas. Atravs deste tipo de actividades,as nossas crianas aprendem a fazer pelos outros e adquirem o prazer e satisfaoque este tipo de ddivas traz. A maior parte das crianas que servimos esto naponta final da recepo de actos de bondade. Sendo um receptor perptuo de

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    beneficncia, contudo, poder originar a eroso da autoconfiana. O acto de fazerpelos outros permite reverter este ciclo emocional. A auto-estima alcanada eum sentido de auto valorizao emerge nas crianas que de uma forma noegosta do de si prprios.

    8 princpio: O GRUPO IMPORTANTEJames Doncaster

    O desafio constante num programa de reeducao ajudar osgrupos a construir culturas que sustenham os esforos dascrianas e adolescentes para gerir as suas vidas de formassatisfatrias para si prprios e para os outros.

    Quatro crianas brincam num carrossel com cavalos giratrios num parqueinfantil. Uma delas, alcana uma quinta criana que est parte, hesitante,incerta. um pungente momento, congelado no tempo graas arte de KatherineBlackman Haven. Ela criou a escultura de bronze de vinte centmetros intituladaVem brincar aps uma conversa sobre a reeducao com Nicholas Hobbs noincio dos anos 60. A escultura permaneceu na secretria de Hobbs at suamorte em 1983. Um desenho semelhante desta escultura est presente em todasas publicaes da Associao Americana de Reeducao. um logo perfeito umavez que nada mais emblemtico da experincia da reeducao do que umacriana que no se enquadra a ser convidada para se juntar ao grupo. No seio dogrupo, reside a esperana de aceitao e a promessa de algo melhor.

    O Homem uma criatura social e a arena natural para a aprendizagem social o grupo. Muitas das necessidades que temos como a pertena, controlo, influnciae sucesso, s podem ser satisfeitas no contexto do grupo. Este conhecimento temsido desde sempre a fundao da teoria da reeducao.

    A vida num grupo da reeducao, seja num programa residencial ou noresidencial, desenhada para espelhar a vida no mundo real. Os desafiosapresentados no grupo devero aproximar-se dos desafios que os mais jovensenfrentam e iro enfrentar novamente nos seus ambientes de vida naturais. Hcontudo diferenas subtis entre a vida dentro e fora de um grupo de tratamento.Uma diferena chave nos programas da reeducao o nfase considervel noensino de competncias, simplesmente porque a maior parte das crianas e jovens

  • em tratamento falharam no desenvolvimento das competncias necessrias paraserem bem sucedidos noutros grupos.

    A aprendizagem dessas competncias requer certas pr-condies. Uma delas queum adulto competente seja capaz de criar um ambiente onde a seguranapsicolgica de todos os membros do grupo seja sempre assegurada. Muitas crianase jovens nos programas da reeducao foram gozados, feitos bodes expiatrios,rejeitados e ridicularizados. Alguns foram abusados. Tendo vivenciado em primeiramo o poder punitivo dos grupos, os jovens devero ser introduzidos e serconvencidos do poder de um grupo para ensinar e curar. O reeducador psicossocialtem a responsabilidade de criar as condies para esta aprendizagem.

    Outro aspecto essencial para o desenvolvimento de competncia a vontade deabrandar o tempo do grupo para que a aprendizagem possa ocorrer. Osrudimentos de uma vivncia bem sucedida no acontecem naturalmente acrianas perturbadas. Temos que lhes ensinar as competncias que abarcam ainteraco humana, a tomada de deciso, a resoluo de problemas, oplaneamento e a reflexo. O melhor momento para ensinar quando a crianaest a vivenciar dificuldades. Isto requer o desejo de parar uma actividade eensinar uma competncia relacionada com a situao.

    H vrias caractersticas comuns na maior parte dos grupos de tratamento evrias regras que governam a sua estrutura. Por exemplo, os grupos nosprogramas da reeducao tm tipicamente entre 8 a 12 membros. 10 crianas, o tamanho mais comum em grupos residenciais, enquanto que 12 o numerofrequente em salas de aula ou em programas no residenciais.

    A colocao de uma criana num grupo depende da sua idade, sexo, nvel dedesempenho acadmico e social, problemas apresentados, pontos fortes e dfices.Os grupos residenciais tendem a ser de apenas um sexo, enquanto os gruposnuma sala de aula so mistos. A homogeneidade relativamente idade, sexo envel de funcionamento social prefervel nos grupos de tratamento dareeducao. Contudo, relativamente aos problemas apresentados, pontos fortes edfices no se pretende essa homogeneidade porque a mesma no permite tolargamente o ensino de uma grande variedade de competncias.

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    Os grupos da reeducao, tambm tm certas regras que definem a estrutura dogrupo. Por exemplo, entende-se que cada criana ou adolescente que entra para umprograma colocada num grupo e torna-se imediatamente um membro do mesmopor inteiro. A aceitao e a pertena esto entre as nossas necessidades maisprimrias enquanto seres humanos. A afiliao ao grupo o primeiro passo pararesponder a estas necessidades dos mais jovens nos programas da reeducao.

    Uma segunda regra que o grupo trabalhe para fortalecer a identidade e coeso domesmo sempre que esto juntos. encorajado o tempo em conjunto, apesar danecessidade de cumprimento das tarefas e responsabilidades e do tempo individual.

    Um dos valores interiorizados nos grupos da reeducao que no nenhumavergonha ter-se problemas. Todos os elementos do grupo iro vivenciardificuldades numa altura ou noutra. Outro valor igualmente importante quetodos tm algo com que possam contribuir. Os pares so capazes de comunicaruma mensagem para outros elementos do grupo com uma credibilidade acimadaquela que o adulto pode oferecer.

    A palavra final acerca dos grupos e da sua cultura, pertence a Hobbs, que lembra-nos que apesar de ser tentador procurar algum sucesso espectacular no seio donosso grupo, a lio mais valiosa que podemos ensinar como podemos ser bemsucedidos nas competncias de vida do dia-a-dia. O objectivo da reeducao no preparar a criana para atravessar o Plo Norte num tren, mas ser bemsucedida em casa, na escola e na comunidade atravs de lidar com sucesso comas actividades dirias da vida.

    9 Princpio: CERIMNIAS E RITUAISJames Doncaster e Patricia Sarmento

    As cerimnias e rituais do ordem, estabilidade e confiana acrianas e jovens perturbados, cujas vidas so uma considervelconfuso e desordem.

    So 17 horas na Loja Social, na Damaia. Alguns jovens j esto a lavar as mos,outros esto ainda a entrar na Loja. Decidem-se os dois responsveis de ses