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APRENDER E ENSINAR LÍNGUA PORTUGUESA NA ESCOLA Pode-se considerar o ensino e a aprendizagem de Língua Portuguesa na escola como resultantes da articulação de três variáveis: o aluno, a língua e o ensino. O primeiro elemento dessa tríade, o aluno, é o sujeito da ação de aprender, aquele que age sobre o objeto de conhecimento10. O segundo elemento, o objeto de conhecimento, é a Língua Portuguesa, tal como se fala e se escreve fora da escola, a língua que se fala em instâncias públicas e a que existe nos textos escritos que circulam socialmente. E o terceiro elemento da tríade, o ensino, é, neste enfoque teórico, concebido como a prática educacional que organiza a mediação entre sujeito e objeto do conhecimento11. Para que essa mediação aconteça, o professor deverá planejar, implementar e dirigir as atividades didáticas, com o objetivo de desencadear, apoiar e orientar o esforço de ação e reflexão do aluno. Tem-se observado que a afirmação de que o conhecimento é uma construção do aprendiz vem sendo interpretada de maneira espontaneísta, como se fosse possível que os alunos aprendessem os conteúdos escolares simplesmente por serem expostos a eles. Esse tipo de desinformação — que parece acompanhar a emergência de práticas pedagógicas inovadoras — tem assumido formas que acabam por esvaziar a função do professor12 . Diversidade de textos A importância e o valor dos usos da linguagem são determinados historicamente segundo as demandas sociais de cada momento. Atualmente exigem-se níveis de leitura e de escrita diferentes e muito superiores aos que satisfizeram as demandas sociais até bem pouco tempo atrás — e tudo indica que essa exigência tende a ser crescente. Para a escola, como espaço institucional de acesso ao conhecimento, a necessidade de atender a essa demanda, implica uma revisão substantiva das práticas de ensino que tratam a língua como algo sem vida e os textos como conjunto de regras a serem aprendidas,bem como a constituição de práticas que possibilitem ao aluno aprender linguagem a partir da diversidade de textos que circulam socialmente. Toda educação verdadeiramente comprometida com o exercício da cidadania precisa criar condições para o desenvolvimento da capacidade de uso eficaz da linguagem que satisfaça necessidades pessoais — que podem estar relacionadas às ações efetivas do cotidiano, à transmissão e busca de informação, ao exercício da reflexão. De modo geral, os textos são produzidos, lidos e ouvidos em razão de finalidades desse tipo. Sem negar a importância dos que respondem a exigências práticas da vida diária, são os textos que favorecem a reflexão crítica e imaginativa, o exercício de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, os mais vitais para a plena participação numa sociedade letrada. Cabe, portanto, à escola viabilizar o acesso do aluno ao universo dos textos que circulam socialmente, ensinar a produzi-los e a interpretá-los. Isso inclui os textos das diferentes disciplinas, com os quais o aluno se defronta sistematicamente no cotidiano escolar e, mesmo assim, não consegue manejar, pois não há um trabalho planejado com essa finalidade. Um exemplo: nas aulas de Língua Portuguesa, não se ensina a trabalhar com textos expositivos como os das áreas de História, Geografia e Ciências Naturais; e nessas aulas também não, pois considera-se que trabalhar com textos é uma atividade específica da área de Língua Portuguesa. Em conseqüência, o aluno não se torna capaz de utilizar textos cuja finalidade seja compreender um conceito, apresentar uma informação nova, descrever um problema, comparar

Aprender e Ensinar Língua Portuguesa Na Escola

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APRENDER E ENSINAR LNGUA PORTUGUESA NA ESCOLAPode-se considerar o ensino e a aprendizagem de Lngua Portuguesa na escola como resultantes da articulao de trs variveis: o aluno, a lngua e o ensino. O primeiro elemento dessa trade, o aluno, o sujeito da ao de aprender, aquele que age sobre o objeto de conhecimento10. O segundo elemento, o objeto de conhecimento, a Lngua Portuguesa, tal como se fala e se escreve fora da escola, a lngua que se fala em instncias pblicas e a que existe nos textos escritos que circulam socialmente. E o terceiro elemento da trade, o ensino, , neste enfoque terico, concebido como a prtica educacional que organiza a mediao entre sujeito e objeto do conhecimento11. Para que essa mediao acontea, o professor dever planejar, implementar e dirigir as atividades didticas, com o objetivo de desencadear, apoiar e orientar o esforo de ao e reflexo do aluno. Tem-se observado que a afirmao de que o conhecimento uma construo do aprendiz vem sendo interpretada de maneira espontanesta, como se fosse possvel que os alunos aprendessem os contedos escolares simplesmente por serem expostos a eles. Esse tipo de desinformao que parece acompanhar a emergncia de prticas pedaggicas inovadoras tem assumido formas que acabam por esvaziar a funo do professor12 .Diversidade de textos A importncia e o valor dos usos da linguagem so determinados historicamente segundo as demandas sociais de cada momento. Atualmente exigem-se nveis de leitura e de escrita diferentes e muito superiores aos que satisfizeram as demandas sociais at bem pouco tempo atrs e tudo indica que essa exigncia tende a ser crescente. Para a escola, como espao institucional de acesso ao conhecimento, a necessidade de atender a essa demanda, implica uma reviso substantiva das prticas de ensino que tratam a lngua como algo sem vida e os textos como conjunto de regras a serem aprendidas,bem como a constituio de prticas que possibilitem ao aluno aprender linguagem a partir da diversidade de textos que circulam socialmente. Toda educao verdadeiramente comprometida com o exerccio da cidadania precisa criar condies para o desenvolvimento da capacidade de uso eficaz da linguagem que satisfaa necessidades pessoais que podem estar relacionadas s aes efetivas do cotidiano, transmisso e busca de informao, ao exerccio da reflexo. De modo geral, os textos so produzidos, lidos e ouvidos em razo de finalidades desse tipo. Sem negar a importncia dos que respondem a exigncias prticas da vida diria, so os textos que favorecem a reflexo crtica e imaginativa, o exerccio de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, os mais vitais para a plena participao numa sociedade letrada. Cabe, portanto, escola viabilizar o acesso do aluno ao universo dos textos que circulam socialmente, ensinar a produzi-los e a interpret-los. Isso inclui os textos das diferentes disciplinas, com os quais o aluno se defronta sistematicamente no cotidiano escolar e, mesmo assim, no consegue manejar, pois no h um trabalho planejado com essa finalidade. Um exemplo: nas aulas de Lngua Portuguesa, no se ensina a trabalhar com textos expositivos como os das reas de Histria, Geografia e Cincias Naturais; e nessas aulas tambm no, pois considera-se que trabalhar com textos uma atividade especfica da rea de Lngua Portuguesa. Em conseqncia, o aluno no se torna capaz de utilizar textos cuja finalidade seja compreender um conceito, apresentar uma informao nova, descrever um problema, comparar diferentes pontos de vista, argumentar a favor ou contra uma determinada hiptese ou teoria. E essa capacidade, que permite o acesso informao escrita com autonomia, condio para o bom aprendizado, pois dela depende a possibilidade de aprender os diferentes contedos. Por isso, todas as disciplinas tm a responsabilidade de ensinar a utilizar os textos de que fazem uso, mas a de Lngua Portuguesa que deve tomar para si o papel de faz-lo de modo mais sistemtico. Que fala cabe escola ensinar A Lngua Portuguesa, no Brasil, possui muitas variedades dialetais13. Identificam-se geogrfica e socialmente as pessoas pela forma como falam. Mas h muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que atribudo aos diferentes modos de falar: muito comum se considerarem as variedades lingsticas de menor prestgio como inferiores ou erradas. O problema do preconceito disseminado na sociedade em relao s falas dialetais deve ser enfrentado, na escola, como parte do objetivo educacional mais amplo de educao para o respeito diferena. Para isso, e tambm para poder ensinar Lngua Portuguesa, a escola precisa livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma nica forma certa de falar a que se parece com a escrita e o de que a escrita o espelho da fala e, sendo assim, seria preciso consertar a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. Essas duas crenas produziram uma prtica de mutilao cultural que, alm de desvalorizar a forma de falar do aluno, tratando sua comunidade como se fosse formada por incapazes, denota desconhecimento de que a escrita de uma lngua no corresponde inteiramente a nenhum de seus dialetos, por mais prestgio que um deles tenha em um dado momento histrico. A questo no falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar, considerando as caractersticas do contexto de comunicao, ou seja, saber adequar o registro s diferentes situaes comunicativas. saber coordenar satisfatoriamente o que falar e como faz-lo, considerando a quem e por que se diz determinada coisa. saber, portanto, quais variedades e registros da lngua oral so pertinentes em funo da inteno comunicativa, do contexto e dos interlocutores a quem o texto se dirige. A questo no de correo da forma, mas de sua adequao s circunstncias de uso, ou seja, de utilizao eficaz da linguagem: falar bem falar adequadamente, produzir o efeito pretendido. As instituies sociais fazem diferentes usos da linguagem oral: um cientista, um poltico, um professor, um religioso, um feirante, um reprter, um radialista, enfim, todos aqueles que tomam a palavra para falar em voz alta, utilizam diferentes registros em razo das tambm diferentes instncias nas quais essa prtica se realiza. A prpria condio de aluno exige o domnio de determinados usos da linguagem oral. Cabe escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral nas diversas situaes comunicativas, especialmente nas mais formais: planejamento e realizao de entrevistas, debates, seminrios, dilogos com autoridades, dramatizaes, etc. Trata-se de propor situaes didticas nas quais essas atividades faam sentido de fato , pois seria descabido treinar o uso mais formal da fala. A aprendizagem de procedimentos eficazes tanto de fala como de escuta, em contextos mais formais, dificilmente ocorrer se a escola no tomar para si a tarefa de promov-la. Que escrita cabe escola ensinar ALFABETIZAO E ENSINO DA LNGUA habitual pensar sobre a rea de Lngua Portuguesa como se ela fosse um foguete de dois estgios: o primeiro para se soltar da Terra e o segundo para navegar no espao. O primeiro seria o que j se chamou de primeiras letras, hoje alfabetizao, e o segundo, a sim, o estudo da lngua propriamente dita. Durante o primeiro estgio, previsto para durar em geral um ano, o professor deveria ensinar o sistema alfabtico de escrita (a correspondncia fonogrfica) e algumas convenes ortogrficas do portugus o que garantiria ao aluno a possibilidade de ler e escrever por si mesmo, condio para poder disparar os o segundo estgio do metafrico foguete. Esse segundo estgio se desenvolveria em duas linhas bsicas: exerccios de redao e os treinos ortogrficos e gramaticais. O conhecimento atualmente disponvel recomenda uma reviso dessa metodologia e aponta para a necessidade de repensar sobre teorias e prticas to difundidas e estabelecidas, que, para a maioria dos professores, tendem a parecer as nicas possveis. Por trs da prtica em dois estgios, est a teoria que concebe a capacidade de produzir textos como dependente da capacidade de graf-los de prprio punho. Na Antiguidade grega, bero de alguns dos mais importantes textos produzidos pela humanidade, o autor era quem compunha e ditava para ser escrito pelo escriba; a colaborao do escriba era transformar os enunciados em marcas grficas que lhes davam a permanncia, uma tarefa menor, e esses artfices pouco contriburam para a grandeza da filosofia ou do teatro grego. A compreenso atual da relao entre a aquisio das capacidades de redigir e grafar rompe com a crena arraigada de que o domnio do b--b seja pr-requisito para o incio do ensino de lngua e nos mostra que esses dois processos de aprendizagem podem e devem ocorrer de forma simultnea. Um diz respeito aprendizagem de um conhecimento de natureza notacional15 : a escrita alfabtica16 ; o outro se refere aprendizagem da linguagem que se usa para escrever. A conquista da escrita alfabtica no garante ao aluno a possibilidade de compreender e produzir textos em linguagem escrita. Essa aprendizagem exige um trabalho pedaggico sistemtico. Quando so lidas histrias ou notcias de jornal para crianas que ainda no sabem ler e escrever convencionalmente, ensina-se a elas como so organizados, na escrita, estes dois gneros: desde o vocabulrio adequado a cada um, at os recursos coesivos17 que lhes so caractersticos. Um aluno que produz um texto, ditando-o para que outro escreva, produz um texto escrito, isto , um texto cuja forma escrita ainda que a via seja oral. Como o autor grego, o produtor do texto aquele que cria o discurso, independentemente de graf-lo ou no. Essa diferenciao que torna possvel uma pedagogia de transmisso oral para ensinar a linguagem que se usa para escrever. Ensinar a escrever textos torna-se uma tarefa muito difcil fora do convvio com textos verdadeiros, com leitores e escritores verdadeiros e com situaes de comunicao que os tornem necessrios. Fora da escola escrevem-se textos dirigidos a interlocutores de fato. Todo texto pertence a um determinado gnero, com uma forma prpria, que se pode aprender. Quando entram na escola, os textos que circulam socialmente cumprem um papel modelizador18 , servindo como fonte de referncia, repertrio textual, suporte da atividade intertextual19 . A diversidade textual que existe fora da escola pode e deve estar a servio da expanso do conhecimento letrado do aluno20 . Mas a nfase que se est dando ao conhecimento sobre as caractersticas discursivas da linguagem que hoje sabe-se essencial para a participao no mundo letrado no significa que a aquisio da escrita alfabtica deixe de ser importante. A capacidade de decifrar o escrito no s condio para a leitura independente como verdadeiro rito de passagem um saber de grande valor social. preciso ter claro tambm que as propostas didticas difundidas a partir de 1985, ao enfatizar o papel da ao e reflexo do aluno no processo de alfabetizao, no sugerem (como parece ter sido entendido por alguns) uma abordagem espontanesta da alfabetizao escolar; ao contrrio, o conhecimento dos caminhos percorridos pelo aluno favorece a interveno pedaggica e no a omisso, pois permite ao professor ajustar a informao oferecida s condies de interpretao em cada momento do processo. Permite tambm considerar os erros cometidos pelo aluno como pistas para guiar sua prtica, para torn-la menos genrica e mais eficaz . A alfabetizao considerada em seu sentido restrito de aquisio da escrita alfabtica, ocorre dentro de um processo mais amplo de aprendizagem da Lngua Portuguesa. Esse enfoque coloca necessariamente um novo papel para o professor das sries iniciais: o de professor de Lngua Portuguesa. O TEXTO COMO UNIDADE DE ENSINO O ensino da Lngua Portuguesa tem sido marcado por uma seqenciao de contedos que se poderia chamar de aditiva: ensina-se a juntar slabas (ou letras) para formar palavras, a juntar palavras para formar frases e a juntar frases para formar textos. Essa abordagem aditiva levou a escola a trabalhar com textos que s servem para ensinar a ler. Textos que no existem fora da escola e, como os escritos das cartilhas, em geral, nem sequer podem ser considerados textos, pois no passam de simples agregados de frases. Se o objetivo que o aluno aprenda a produzir e a interpretar textos, no possvel tomar como unidade bsica de ensino nem a letra, nem a slaba, nem a palavra, nem a frase que, descontextualizadas, pouco tm a ver com a competncia discursiva , que questo central. Dentro desse marco, a unidade bsica de ensino s pode ser o texto, mas isso no significa que no se enfoquem palavras ou frases nas situaes didticas especficas que o exijam. Um texto no se define por sua extenso. O nome que assina um desenho, a lista do que deve ser comprado, um conto ou um romance, todos so textos. A palavra pare, pintada no asfalto em um cruzamento, um texto cuja extenso a de uma palavra. O mesmo pare, numa lista de palavras comeadas com p, proposta pelo professor, no nem um texto nem parte de um texto, pois no se insere em nenhuma situao comunicativa de fato. Analisando os textos que costumam ser considerados adequados para os leitores iniciantes, novamente aparece a confuso entre a capacidade de interpretar e produzir discurso e a capacidade de ler sozinho e escrever de prprio punho. Ao aluno so oferecidos textos curtos, de poucas frases, simplificados, s vezes, at o limite da indigncia. Essa viso do que seja um texto adequado ao leitor iniciante transbordou os limites da escola e influiu at na produo editorial: livros com uma ou duas frases por pgina e a preocupao de evitar as chamadas slabas complexas. A possibilidade de se divertir, de se comover, de fruir esteticamente num texto desse tipo , no mnimo, remota. Por trs da boa inteno de promover a aproximao entre crianas e textos h um equvoco de origem: tenta-se aproximar os textos das crianas simplificando-os , no lugar de aproximar as crianas dos textos de qualidade. No se formam bons leitores oferecendo materiais de leitura empobrecidos, justamente no momento em que as crianas so iniciadas no mundo da escrita. As pessoas aprendem a gostar de ler quando, de alguma forma, a qualidade de suas vidas melhora com a leitura. A ESPECIFICIDADE DO TEXTO LITERRIO importante que o trabalho com o texto literrio esteja incorporado s prticas cotidianas da sala de aula, visto tratar-se de uma forma especfica de conhecimento. Essa varivel de constituio da experincia humana possui propriedades compositivas que devem ser mostradas, discutidas e consideradas quando se trata de ler as diferentes manifestaes colocadas sob a rubrica geral de texto literrio. A literatura no cpia do real, nem puro exerccio de linguagem, tampouco mera fantasia que se asilou dos sentidos do mundo e da histria dos homens. Se tomada como uma maneira particular de compor o conhecimento, necessrio reconhecer que sua relao com o real indireta22. Ou seja, o plano da realidade pode ser apropriado e transgredido pelo plano do imaginrio como uma instncia concretamente formulada pela mediao dos signos verbais (ou mesmo noverbais conforme algumas manifestaes da poesia contempornea). Pensar sobre a literatura a partir dessa autonomia relativa ante o real implica dizer que se est diante de um inusitado tipo de dilogo regido por jogos de aproximaes e afastamentos, em que as invenes de linguagem, a expresso das subjetividades, o trnsito das sensaes, os mecanismos ficcionais podem estar misturados a procedimentos racionalizantes, referncias indiciais, citaes do cotidiano do mundo dos homens. A questo do ensino da literatura ou da leitura literria envolve, portanto, esse exerccio de reconhecimento das singularidades e das propriedades compositivas que matizam um tipo particular de escrita. Com isso, possvel afastar uma srie de equvocos que costumam estar presentes na escola em relao aos textos literrios, ou seja, trat-los como expedientes para servir ao ensino das boas maneiras, dos hbitos de higiene, dos deveres do cidado, dos tpicos gramaticais, das receitas desgastadas do prazer do texto, etc. Postos de forma descontextualizada, tais procedimentos pouco ou nada contribuem para a formao de leitores capazes de reconhecer as sutilezas, as particularidades, os sentidos, a extenso e a profundidade das construes literrias. A prtica de reflexo sobre a lngua Quando se pensa e se fala sobre a linguagem mesma, realiza-se uma atividade de natureza reflexiva, uma atividade de anlise lingstica. Essa reflexo fundamental para a expanso da capacidade de produzir e interpretar textos. uma entre as muitas aes que algum considerado letrado capaz de realizar com a lngua. A anlise lingstica refere-se a atividades que se pode classificar em epilingsticas e metalingsticas. Ambas so atividades de reflexo sobre a lngua, mas se diferenciam nos seus fins. Nas atividades epilingsticas a reflexo est voltada para o uso, no prprio interior da atividade lingstica em que se realiza. Um exemplo disso quando, no meio de uma conversa um dos interlocutores pergunta ao outro O que voc quis dizer com isso?, ou Acho que essa palavra no a mais adequada para dizer isso. Que tal...?, ou ainda Na falta de uma palavra melhor, ento vai essa mesma. Em se tratando do ensino de lngua, diferena das situaes de interlocuo naturais, faz-se necessrio o planejamento de situaes didticas que possibilitem a reflexo sobre os recursos expressivos utilizados pelo produtor/autor do texto quer esses recursos se refiram a aspectos gramaticais, quer a aspectos envolvidos na estruturao dos discursos , sem que a preocupao seja a categorizao, a classificao ou o levantamento de regularidades sobre essas questes. J as atividades metalingsticas esto relacionadas a um tipo de anlise voltada para a descrio, por meio da categorizao e sistematizao dos elementos lingsticos23. Essas atividades, portanto, no esto propriamente vinculadas ao processo discursivo; trata-se da utilizao (ou da construo) de uma metalinguagem que possibilite falar sobre a lngua. Quando parte integrante de uma situao didtica, a atividade metalingstica desenvolve-se no sentido de possibilitar ao aluno o levantamento de regularidades de aspectos da lngua, a sistematizao e a classificao de suas caractersticas especficas. Assim, para que se possa discutir a acentuao grfica, por exemplo, necessrio que alguns aspectos da lngua tais como a tonicidade, a forma pela qual marcada nas palavras impressas, a classificao das palavras quanto a esse aspecto e ao nmero de slabas, a conceituao de ditongo e hiato, entre outros sejam sistematizados na forma de uma metalinguagem especfica que favorea o levantamento de regularidades e a elaborao de regras de acentuao. O ensino de Lngua Portuguesa, pelo que se pode observar em suas prticas habituais, tende a tratar essa fala da e sobre a linguagem como se fosse um contedo em si, no como um meio para melhorar a qualidade da produo lingstica. o caso, por exemplo, da gramtica que, ensinada de forma descontextualizada, tornou-se emblemtica de um contedo estritamente escolar, do tipo que s serve para ir bem na prova e passar de ano uma prtica pedaggica que vai da metalngua para a lngua por meio de exemplificao, exerccios de reconhecimento e memorizao de nomenclatura. Em funo disso, tem-se discutido se h ou no necessidade de ensinar gramtica. Mas essa uma falsa questo: a questo verdadeira para que e como ensin-la. Se o objetivo principal do trabalho de anlise e reflexo sobre a lngua imprimir maior qualidade ao uso da linguagem, as situaes didticas devem, principalmente nos primeiros ciclos, centrar-se na atividade epilingstica, na reflexo sobre a lngua em situaes de produo e interpretao, como caminho para tomar conscincia e aprimorar o controle sobre a prpria produo lingstica. E, a partir da, introduzir progressivamente os elementos para uma anlise de natureza metalingstica. O lugar natural, na sala de aula, para esse tipo de prtica parece ser a reflexo compartilhada sobre textos reais.