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ARDENAS 1944A ÚLTIMA JOGADA DE HITLER
ANTONY BEEVOR
ARDENAS 1944A ÚLTIMA JOGADA DE HITLER
Tradução deFernanda Oliveira
Para Adam Beevor
9
Índice
Lista de Ilustrações .................................................................... 11Lista de Mapas ........................................................................... 15Glossário ................................................................................... 17Lista de Patentes Militares ......................................................... 20
1. A Febre da Vitória ............................................................... 252. Antuérpia e a Fronteira Alemã ............................................. 413. A Batalha de Aachen ............................................................ 544. Rumo ao Inverno da Guerra ................................................ 675. A Floresta de Hürtgen ......................................................... 856. Os Alemães Preparam-se ..................................................... 1117. Falha do Serviço de Informações ......................................... 1318. Sábado, 16 de Dezembro ..................................................... 1469. Domingo, 17 de Dezembro .................................................. 170
10. Segunda-Feira, 18 de Dezembro .......................................... 19511. Skorzeny e Heydte ............................................................... 21412. Terça-Feira, 19 de Dezembro ............................................... 22213. Quarta-Feira, 20 de Dezembro ............................................. 24414. Quinta-Feira, 21 de Dezembro ............................................. 26415. Sexta-Feira, 22 de Dezembro ............................................... 27616. Sábado, 23 de Dezembro ..................................................... 29017. Domingo, 24 de Dezembro .................................................. 30818. Dia de Natal ......................................................................... 32719. Terça-Feira, 26 de Dezembro ............................................... 33920. Preparação da Contraofensiva Aliada ................................... 35121. A Dupla Surpresa ................................................................. 36922. Contra-Ataque ..................................................................... 38623. Dominar o Maciço ............................................................... 40524. Conclusões............................................................................ 419
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Agradecimentos ......................................................................... 427Ordem de Batalha, Ofensiva das Ardenas .................................. 429Notas ......................................................................................... 451Bibliografia Selecionada ............................................................. 497Índice Remissivo ........................................................................ 503
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Lista de Ilustrações
1. Infantaria americana avança através da Linha Siegfried, ou Westwall,em outubro de 1944
2. Guarnição de morteiros dos Fallschirmjägers na Floresta de Hürtgen3. Primeira Divisão de Infantaria na Floresta de Hürtgen4. Elementos do corpo médico com um soldado ferido5. Tropas francesas nos Vosges6. Encontro de Maastricht com Bradley, Tedder, Eisenhower, Mont-
gomery e Simpson7. Prisioneiros alemães capturados no início de dezembro na Flores-
ta de Hürtgen8. Generalfeldmarschall Walter Model, comandante-chefe do Grupo
de Exércitos B (IWM MH12850)9. Marechal de campo Montgomery a pregar um sermão a Eisenhower,
que se mostra cada vez mais exasperado10. General von Manteuffel do Quinto Exército Panzer11. Oberstgruppenführer-SS Sepp Dietrich do Sexto Exército Panzer12. Oberst e depois Generalmajor Heinz Kokott13. Oberstleutnant Friedrich Freiherr von der Heydte14. Instruções aos comandantes dos Panzers antes da ofensiva das
Ardenas, a 16 de dezembro de 194415. Dois Panzergrenadiers SS a fumarem cigarros americanos captu-
rados16. Um tanque Königstiger com soldados da 3.a Divisão Fallschirm-
jäger17. Volksgrenadiers avançam sobrecarregados com fitas de metralha-
dora e Panzerfausts18. O primeiro massacre de prisioneiros americanos pelo Kampfgruppe
Peiper em Honsfeld
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19. Panzergrenadiers SS passam por um comboio de veículos ameri-canos em chamas
20. Americanos feitos prisioneiros pela 1.a Divisão Panzer SS Leib-standarte Adolf Hitler
21. O 26.o Regimento de Infantaria chega para defender Bütgenbachna base da crista de Elsenborn
22. Membros do mesmo regimento a manobrar um canhão antitan-que ao mesmo tempo que os alemães se aproximam
23. Refugiados belgas a deixar Langlir ao mesmo tempo que o QuintoExército Panzer avança (IWM 49925)
24. À medida que os alemães avançam sobre St. Vith, a população deSchönberg abriga-se em grutas
25. Membros do corpo médico americano transformaram esquis emtobogãs para transportar os feridos a fim de serem evacuados
26. Tropas americanas abrem trincheiras na orla avançada de uma flo-resta (IWM 050367)
27. À medida que os alemães avançam sobre Bastogne, os seus habi-tantes começam a fugir em carroças
28. Um pelotão de tanques M-36 perto de Werbomont29. Volksgrenadiers feitos prisioneiros no combate em torno de
Rocherath-Krinkelt30. Brigadeiro-general Robert W. Hasbrouk a receber a Estrela de
Prata do tenente-general Courtney Hodges31. Polícias militares americanos verificam a identidade de refugiados
belgas perto de Marche-en-Famenne32. Refugiados belgas apressam-se a atravessar o rio Mosa em Dinant33. Um destacamento da 28.a Divisão de Infantaria armado com ba-
zucas após três dias de combate em Wiltz34. Um jovem paraquedista das SS feito prisioneiro perto de Malmédy
(IWM EA048337)35. Civis assassinados pelo Kampfgruppe Peiper em Stavelot36. Rastos de fumo sobre Bastogne37. 23 de dezembro: a Força Aérea americana envia aviões de trans-
porte para largar provisões sobre Bastogne38. Feridos americanos em adegas em Bastogne39. Bastogne: paraquedistas da 101.a Divisão Aerotransportada en-
toam canções na véspera de Natal40. Restos da 2.a Divisão Panzer no pátio de uma quinta em Foy-Notre-
-Dame (IWM B13260)
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41. Bastogne. O general Patton com o brigadeiro-general McAuliffe eo tenente-coronel Chappuis
42. Reforços americanos avançam em terreno íngreme de floresta nasArdenas
43. Uma patrulha do XXX Corpo britânico envergando fatos de nevenas Ardenas
44. Soldados do 26.o Regimento de Infantaria avançam finalmente apartir de Bütgenbach
45. La Roche-en-Ardenne em ruínas46. Investigadores começam o trabalho de identificar os soldados
americanos massacrados em Baugnez, perto de Malmédy47. Um prisioneiro muito jovem da Waffen-SS48. Joachim Peiper a ser julgado por crimes de guerra, incluindo o
massacre perto de Malmédy
Agradecimentos relativos às ilustrações
A maior parte das fotografias provém dos Arquivos Nacionais dosEUA. As outras têm a seguinte origem: 1, 13, 16, AKG Images; 5,Documentation Française; 11, Tank Museum; 12, Bundesarchiv, Ko-blenz; 6-7, 18, 20, 25-6, 30-32, 34, 36, 38-9, 41, 46-7, Exército Ameri-cano (integra os Arquivos Nacionais); 8, 23, 26, 40, Imperial War Mu-seum, Londres; 10, Heinz Seidler, Bonn Bad Godersberg, reproduzidaa partir de W. Goolrick e O. Tanner, The Battle of the Bulge.
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Lista de Mapas
As Ardenas: Linha da frente precisamente antes daofensiva alemã ................................................................... 22
A Frente Ocidental .................................................................... 33Antuérpia e o Escalda ................................................................. 42A Batalha de Aachen ................................................................. 58A Floresta de Hürtgen ............................................................... 90A Ofensiva Alemã ..................................................................... 145O Contraforte Setentrional ........................................................ 148A Destruição da 106.a Divisão e a Defesa de St. Vith ................. 154A Destruição da 28.a Divisão ..................................................... 160O Contraforte Meridional .......................................................... 165Rocherath-Krinkelt e a Crista de Elsenborn ............................... 171Avanço do Kampfgruppe Peiper ............................................... 183Bastogne .................................................................................... 207Frente do VII Corpo e do XVIII Corpo
Aerotransportado ............................................................... 292A Investida Rumo ao Mosa ....................................................... 302O Avanço do Terceiro Exército sobre Bastogne ........................ 314Operação Nordwind, Alsácia ....................................................... 376Dominar o Maciço ..................................................................... 388As Ardenas: Ponto mais remoto do avanço alemão ................... 516
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Glossário
Abatis Barreiras em estradas e caminhos que eram fei-tas cortando árvores e largando-as aí, e que es-tavam muitas vezes minadas ou armadilhadas.
Corpo de
Contrainformação
No exército americano, o equivalente à Segu-rança de Campo britânica.
Baixas fora de combate Incluem os doentes, os que sofrem de pé detrincheira ou queimaduras de frio, e os quesofrem de esgotamento nervoso provocadopor fadiga de combate.
CSDIC O «Combined Services Detailed Interroga-tion Centre» incluía os centros de detenção ecampos prisionais, como Trent Park em In-glaterra, onde as conversas dos prisioneirosalemães eram secretamente gravadas, sobre-tudo por judeus alemães que se voluntaria-vam para o fazer.
Detonadores «Pozit» Estes detonadores de «proximidade» paraprojéteis de artilharia, usados pela primeiravez nas Ardenas, explodiam com efeitos de-vastadores sobre a cabeça dos inimigos.
Dogface Calão utilizado no exército americano paradesignar um soldado de infantaria.
Doughboy Termo utilizado durante a Primeira GuerraMundial para designar um vulgar soldadoamericano.
G-2 Oficial superior do estado-maior ou estado--maior do serviço de informações.
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G-3 Oficial superior do estado-maior ou estado--maior do serviço de operações.
Jabo Abreviatura alemã para caça-bombardeiro ouJagdbomber.
Kübelwagen Fabricado pela Volkswagen, este veículo utili-zado pelo exército alemão era o equivalentedo jipe, embora fosse ligeiramente maior emais pesado.
Pé de trincheira O pé de trincheira era oficialmente designadopor «pé de imersão» no exército americano,mas toda a gente continuou a usar o termo daPrimeira Guerra Mundial «pé de trincheira».Era uma forma de necrose do pé devido àsua exposição continuada à humidade, semtrocar as meias molhadas por meias secas, etambém à falta de mobilidade. Podia dar ori-gem a uma gangrena.
«Picadora» Calão utilizado no exército americano paradesignar as metralhadoras antiaéreas quádru-plas de calibre .50 montadas numa meia--lagarta, quando usadas contra a infantariainimiga.
PX «The Post Exchange», que vendia artigos, in-cluindo cigarros, ao pessoal do exército ame-ricano.
Rio Mosa O rio a que franceses e ingleses chamamMeuse e que os falantes alemães, holandesese flamengos designavam por Maas.
Rio Roer Rio Rur em alemão, mas aqui referido, emprol de uma maior clareza, pelo nome fla-mengo/francês/inglês de Roer, mesmo emterritório alemão.
SA Sturmabteilung, as tropas de assalto nazis,também chamadas «camisas castanhas».
Schloss Castelo alemão ou grande casa de campo.Screaming meemies Calão utilizado pelo exército americano para
o lança-foguetes alemão Nebelwerfer de seiscanos, que fazia um som aterrador.
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SHAEF Supreme Headquarters Allied ExpeditionaryForce: Quartel-General Supremo da ForçaExpedicionária Aliada. Quartel-General dogeneral Eisenhower baseado em Versalhes eque comandava os três grupos de exércitosna frente ocidental.
Ultra A interceção de mensagens alemãs prepara-das em máquinas Enigma e que eram desco-dificadas em Bletchley Park.
Volksgrenadier Divisões da infantaria alemã reconstituídasno outono de 1944 com menos efetivos.
Wehrmachtführungsstab Corpo de operações da Wehrmacht chefiadopelo Generaloberst Jodl.
Westwall Nome alemão para a linha de defesa na fron-teira ocidental do Reich, a que os americanose britânicos chamavam a Linha Siegfried.
ZCOM A Zona de Comunicações comandada pelogeneral Lee responsável por todas as provi-sões e soldados substitutos.
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A Febre da Vitória
No dia 27 de agosto de 1944, o general Dwight D. Eisenhowersaiu bem cedo de Chartres para ver a recém-libertada cidade de Paris.«É domingo», disse o comandante supremo das forças aliadas ao gene-ral Omar Bradley, que levou consigo. «Toda a gente vai dormir atémais tarde. Podemos fazer isto sem alarido.» No entanto, os dois ge-nerais dificilmente passaram despercebidos enquanto rumavam rapida-mente à capital francesa na sua alegada «visita informal». O Cadillacverde-azeitona do comandante supremo era escoltado por dois blinda-dos e precedido por um jipe com um brigadeiro-general.
Quando chegaram à Porte d’Orléans, aguardava-os uma escoltaainda maior do 38.o Esquadrão de Reconhecimento de Cavalaria emuniforme de revista, sob as ordens do major-general Gerow. LeonardGerow, um velho amigo de Eisenhower, ainda fervia de cólera pelofacto de o general Philippe Leclerc da 2.a Divisão Blindada francesa terdesobedecido sistematicamente a todas as suas ordens durante o avan-ço sobre Paris. No dia anterior, Gerow, que se considerava o gover-nador militar de Paris, tinha proibido Leclerc e a sua divisão de partici-parem no desfile do general De Gaulle desde o Arc de Triomphe atéNotre-Dame. Tinha-lhe dito antes para «continuar a presente missãode libertar Paris e arredores de inimigos». Leclerc tinha ignorado Gerowao longo da libertação da capital, mas naquela manhã enviara parte dasua divisão para norte da cidade contra posições alemãs em torno deSaint-Denis.
As ruas de Paris estavam vazias porque os alemães em retirada ti-nham-se apropriado praticamente de todos os veículos em condiçõesde circular. Até o Metro era imprevisível devido ao deficiente forneci-mento de energia; na verdade, a chamada «Cidade da Luz» estava re-duzida a velas compradas no mercado negro. Os seus belos edifícios
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1 Ver Glossário.
tinham um ar deslavado e cansado, embora estivessem misericordiosa-mente intactos. A ordem de Hitler para reduzi-la a «um campo de es-combros» não tinha sido cumprida. No rescaldo imediato da alegriaque se seguiu, os grupos nas ruas continuavam a dar vivas sempre queavistavam um soldado ou um veículo americano. Contudo, não tarda-ria muito para que os parisienses começassem a murmurar entre den-tes «Pire que les boches» (Pior do que os boches).
Apesar da observação de Eisenhower quanto a ir a Paris «semalarido», a sua visita tinha um objetivo definido. Iam encontrar-se como general Charles de Gaulle, o líder do governo provisório francês queo presidente Roosevelt se recusava a reconhecer. Eisenhower, um ho-mem pragmático, estava preparado para ignorar a firme instrução doseu presidente quanto às forças dos Estados Unidos em França nãoestarem lá para empossar o general De Gaulle. O Comandante Supre-mo precisava de estabilidade atrás das linhas da frente e, uma vez queDe Gaulle era o único homem com probabilidades de consegui-la, es-tava disposto a apoiá-lo.
Nem De Gaulle nem Eisenhower queriam que o perigoso caosque se seguira à libertação se descontrolasse, sobretudo numa altura deboatos frenéticos, pânicos repentinos, teorias da conspiração e horrí-veis denúncias de alegados colaboracionistas. Juntamente com umcamarada, o escritor J. D. Salinger, sargento do Corpo de Contrainfor-mação que integrava a 4.a Divisão de Infantaria, tinha detido um sus-peito numa ação próxima do Hôtel de Ville, mas isso só servira paraque a multidão o arrastasse para longe e o espancasse até à morte dian-te dos seus olhos. O desfile triunfal de De Gaulle no dia anterior des-de o Arc de Triomphe a Notre-Dame terminara em fuzilamentos des-controlados dentro da própria catedral. Este incidente convenceu DeGaulle de que tinha de desarmar a Resistência e recrutar os seus mem-bros para um exército francês regular. Nessa mesma tarde, foi entre-gue uma requisição de 15 000 uniformes ao SHAEF — Quartel-Gene-ral Supremo da Força Expedicionária Aliada1. Infelizmente, não haviatamanhos pequenos suficientes, pois o homem francês médio era niti-damente mais baixo do que o seu contemporâneo americano.
O encontro de De Gaulle com os dois generais americanos tevelugar no Ministério da Guerra, na rue Saint-Dominique. Tinha sido ali
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que ele começara a sua carreira ministerial de curta duração, no verãotrágico de 1940, e regressara ao mesmo local para reforçar a sensaçãode continuidade. A sua fórmula para apagar a vergonha do regime deVichy era majestosamente simples: «A República nunca deixou deexistir.» De Gaulle queria que Eisenhower mantivesse a divisão deLeclerc em Paris para assegurar a lei e a ordem, mas como algumasunidades de Leclerc já tinham começado a retirar, ele sugeriu que talvezos americanos pudessem impressionar a população com «uma de-monstração de força», garantindo assim que os alemães não iriam vol-tar. Porque não fazer marchar uma divisão inteira, ou mesmo duas,pelas ruas de Paris, a caminho da frente? Eisenhower, considerandoligeiramente irónico o facto de De Gaulle estar a pedir às tropas ame-ricanas «para estabelecer o seu cargo com firmeza», virou-se paraBradley e perguntou-lhe o que pensava. Bradley disse que seria perfei-tamente possível fazê-lo durante os próximos dois dias. Por isso, Eise-nhower convidou De Gaulle a passar revista às tropas, acompanhadopelo general Bradley. Ele preferia manter-se afastado.
No regresso a Chartres, Eisenhower convidou o general Sir Ber-nard Montgomery para se juntar a De Gaulle e a Bradley para a para-da, mas ele recusou-se a ir a Paris. Esse pormenor, embora relevante,não foi suficiente para impedir alguns jornais britânicos de acusar osamericanos de tentarem ficar com todos os louros. As relações entreAliados haviam de ser gravemente prejudicadas pela compulsão emFleet Street de ver quase todas as decisões do SHAEF como uma des-consideração a Montgomery e, por conseguinte, aos britânicos. Istorefletia um ressentimento generalizado pelo facto de a Grã-Bretanhaestar a ser deixada à margem. Agora, eram os americanos que coman-davam as tropas e iam reclamar a vitória para si. O adjunto britânicode Eisenhower, o marechal do ar Sir Arthur Tedder, estava alarmadocom o preconceito da imprensa britânica: «Por aquilo que ouvi noSHAEF, fiquei receoso de que este processo lançasse as sementes deuma grave divisão entre os Aliados.»
Na noite seguinte, a 28.a Divisão de Infantaria, comandada pelomajor-general Norman D. Cota, saiu de Versalhes em direção a Parisdebaixo de chuva forte. «Dutch» Cota, que tinha demonstrado umaextraordinária coragem e capacidade de liderança na praia de Omaha,tinha assumido o comando há menos de duas semanas, depois de umfrancoatirador alemão ter morto o seu antecessor. Os combates nas