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Área de Competências-Chave
Cultura, Língua e Comunicação
RECURSOS DE APOIO À EVIDENCIAÇÃO DE COMPETÊNCIAS
Recursos de apoio ao desenvolvimento do processo de RVCC, nível secundário
Núcleo Gerador 1 – EQUIPAMENTOS E SISTEMAS TÉCNICOS
DR4 – Tema: Transformações e evoluções
técnicas
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Tema 4: Transformações e evoluções técnicas
COMPETÊNCIA: Relacionar transformações e evoluções técnicas com novas formas de acesso à
informação, à cultura e ao conhecimento proporcionado também pelos novos suportes
tecnológicos de comunicação.
Revolução Industrial e inovações tecnológicas na 2.ª metade do século XVIII e primeira metade do século XIX
O arranque industrial O processo de industrialização iniciou-se em Inglaterra, na segunda metade do século XVIII, sob o
impulso de um conjunto vasto de fatores: os avanços agrícolas, a dinâmica demográfica, o alargamento
dos mercados, a capacidade empreendedora dos britânicos e, é c/aro, o avanço tecnológico.
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Nesta época, uma cadeia de inovações revolucionou a indústria. A aplicação de um melhoramento
técnico numa das fases de fabrico gerava quase de imediato desequilíbrios na produção, que só podiam
ser corrigidos através de novos inventos e adaptações. O
mundo em que hoje vivemos mostra-nos bem que, uma
vez desencadeada, "a inovação tecnológica é um processo
que tende a acelerar-se"'.
Um exemplo claro desta espiral tecnológica é-nos
fornecido pela indústria têxtil que liderou o arranque
industrial inglês. Alguns inventos técnicos
desempenharam um papel importante na revolução
ocorrida no setor têxtil. Antes de mais a lançadeira volante
inventada por John Kay. Seguiu-se a invenção da máquina
de fiar, a jenny, de J. Hargreaves. Se consideramos a
existência de um arranque industrial nos finais do século XVIII, indubitavelmente ele ocorreu no setor
têxtil.
O desenvolvimento do setor têxtil foi acompanhado,
de perto, pelo da metalurgia que, fornecedora de
máquinas e outros equipamentos, se tornava
indispensável aos progressos da industrialização.
No início do século XVIII, Abraham Darby, ferreiro de
Birmingham, deu o primeiro passo para resolver o
problema do combustível necessário a este setor,
utilizando, na fusão do ferro, o coque em vez
de carvão vegetal. Obtido a partir da hulha,
muito abundante no subsolo inglês, o uso do
coque não exigia, como o carvão de madeira,
o abate maciço de árvores, que colocava
grandes entraves à expansão da indústria.
A maior capacidade calorífica do coque, a
aplicação de foles para ventilação dos altos-
fornos e outros melhoramentos introduzidos nas fundições permitiram melhorar a qualidade e aumentar
a produção.
Em breve, o ferro, agora mais barato e mais
resistente, começou a substituir, com vantagem,
outros materiais.
No século XIX, o crescimento deste setor
intensificou-se. A partir da década de 1830, a
metalurgia, ultrapassando o têxtil, tornou-se no
principal setor industrial.
Em todo este processo de modernização, coube ao
engenheiro escocês James Watt um papel central. Havia
muito tempo que se procurava aproveitar a força
Máquina de fiar de J. Hargreaves
Lançadeira volante de Jonh Kay:
Crianças a operar com teares mecânicos ao tempo da
Revolução Industrial
Metalurgia ao tempo da Revolução Industrial
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expansiva do vapor como força motriz. No entanto,
permaneciam por resolver diversos problemas técnicos,
pelo que as poucas máquinas existentes pouca aplicação
tinham.
Dono de uma oficina de instrumentos matemáticos,
Watt foi, certa vez, chamado a reparar uma bomba de
Newcomen. A partir de então, impôs a si próprio o desafio
de conceber uma "bomba de fogo" eficiente e versátil.
A máquina a vapor de James Watt
constituiu o primeiro motor artificial da
História. Com ela foi possível mover teares,
martelos, locomotivas, enfim, todo o tipo de
maquinismos que, anteriormente, dependiam
do trabalho humano ou das forças da
Natureza.
Um século depois da invenção de Watt, as
máquinas a vapor efetuavam, na Grã-
Bretanha, um volume de trabalho que teria exigido, anteriormente, cerca de 40 milhões de homens! A
manufatura cedera lugar à maquinofatura, cerne da Revolução Industrial.
A importância das máquinas no desenvolvimento económico em
contexto de Revolução Industrial
A industrialização constituiu, historicamente, o fator mais poderoso no processo de aceleração do
crescimento económico. O setor industrial exerceu impacto dinâmico sobre os outros setores da
economia e sobre todo o ambiente social e institucional.
Estudos recentes têm sustentado que a grande conquista da Revolução Industrial em Inglaterra foi a
criação da primeira indústria mecânica de grande porte que poderia produzir máquinas em massa,
aumentando a produtividade. A produção de
máquinas, alegam alguns, terá sido a base de três
desenvolvimentos que explicam o contínuo
crescimento económico mundial até a Primeira
Guerra Mundial. Os três desenvolvimentos foram:
a mecanização geral da indústria, os caminhos de
ferro e a indústria naval movida pela energia a
vapor.
A mecanização da indústria aumentou a
produtividade da Grã-Bretanha, e os caminhos de
ferro, os navios e a energia a vapor criaram uma
economia global, que, com o aumento da divisão
Máquina a vapor de James Watt
Teares na 1.ª fase da Revolução Industrial. Imagem disponível
em: https://www.emaze.com/@AIZLCFWQ/Revolu%C3%A7%C3%A3o-
Industrial
Os caminhos de ferro impulsionaram a Revolução Industrial. Imagem disponível em: http://ftc.com.br/a-
empresa/historia/as-locomotivas-e-as-ferrovias
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do trabalho, foi responsável pela elevação do padrão de vida em toda a Europa. Até meados do século
XIX, a Grã-Bretanha teve uma estrutura industrial desequilibrada, em que o algodão era produzido em
fábricas altamente mecanizadas, enquanto a
restante indústria manufaturada produzia de forma
tradicional. A partir de meados do século XIX, as
máquinas propagaram-se para outras partes da
indústria britânica e essa foi uma das causas do
contínuo crescimento da produção. Até esse
período, a indústria do algodão havia sido o
mercado mais importante do setor de máquinas na
Inglaterra.
Alguns autores têm sustentado que a passagem
das ferramentas rudimentares para as máquinas
durante a Revolução Industrial foi muito mais lenta
do que se costuma descrever. Os principais
utilizadores iniciais de ferramentas (geralmente talhadeiras e limas) foram carpinteiros e construtores de
moinhos, que utilizavam práticas rudimentares. Com a passagem para a utilização das máquinas, os
maquinistas e os engenheiros tornaram-se os principais utilizadores de instrumentos mecanizados de
precisão. A mudança não foi rápida porque, apesar de os artesãos do século XVIII estarem familiarizados
com grande variedade de máquinas (tornos, máquinas de furar, brocas e máquinas de cortar), essas eram
pouco precisas e muito lentas, porém adequadas à indústria da época. O progresso técnico na indústria
de máquinas inicialmente foi implementado por artesãos criativos, que modificaram instrumentos antigos
e projetaram novos, ou seja, a mudança foi gradual e cumulativa.(…)
Na segunda metade do século XIX, alguns fabricantes e construtores de máquinas operavam com
modelos padronizados, sendo possível a venda a partir de descrições em catálogos. Esse progresso
aconteceu graças, em grande parte, a muitas pessoas talentosas que aprendiam umas com as outras e
que formaram uma espécie de família de fabricantes de instrumentos.
Não obstante o progressivo aperfeiçoamento das máquinas, no período inicial da Revolução Industrial,
elas não possuíam grande precisão e não revolucionaram
o modo de produção e o ritmo do trabalho. O artesão
trabalhava ainda com padrões tradicionais, com
especificações pouco uniformes e controlando o próprio
desempenho. No entanto, já se havia iniciado a transição
para um novo tipo de construção mecânica que iria
possibilitar a produção em massa a preços acessíveis de
bens de consumo modernos no século XX, tais como a
bicicleta, o automóvel, o frigorífico e o televisor. As peças
intercambiáveis, ou seja, partes muito precisas que se
encaixam e se integram noutras e estas num equipamento
maior, foram essenciais para essa revolução. (…)
Entre meados do século XIX e a Primeira Guerra
Mundial, assistiu-se a uma expansão da indústria
mecânica britânica. O aumento da especialização e a
diferenciação na indústria mecânica britânica foram uma
resposta do setor ao desenvolvimento de novos produtos e novas técnicas na segunda metade do século
XIX. Como a indústria de máquinas-ferramentas foi fornecedora primária de máquinas para a produção de
Máquina a vapor da 1.ª fase da Revolução Industrial. Imagem disponível em: http://fazdesign.com.br/a-
revolucao-industrial-nao-acabou/
Ferramentas da 1.ª fase da Revolução Industrial. Imagem disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Industrial
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novos produtos, houve a necessidade de mudança técnica constante. O desenvolvimento tecnológico na
indústria de máquinas-ferramentas entre 1850 e
1914 foi um processo constante de acumulação
de conhecimento, e não uma série de invenções
isoladas, como no período anterior. A maioria
das ferramentas foi inventada antes de 1850.
A indústria de máquinas do continente
europeu teve sua origem na década de 1820,
sendo os franceses e os belgas os pioneiros na
conceção das próprias máquinas. Em meados do
século XIX a Alemanha desenvolveu uma
produção independente de máquinas, mas os
seus produtores tinham dificuldade em
encontrar materiais locais adequados, e muitas
firmas compravam máquinas-ferramentas
mecânicas auxiliares no exterior. O desenvolvimento de uma indústria mecânica no continente foi
possível devido a um conjunto de fatores como a importação de mão-de-obra inglesa, empenho dos
governos, altas barreiras tarifárias e outros tipos de restrições à concorrência externa. A expansão da
indústria continental iniciou-se com a imitação e a reprodução dos modelos ingleses, com algumas poucas
alterações para atender a necessidades específicas locais. (…)
As características da indústria de máquinas no continente faziam com que algumas indústrias de bens
de consumo, como a indústria têxtil, produzissem as próprias máquinas em oficinas especializadas. As
empresas de bens de consumo menores dependiam de técnicos e mecânicos locais, já que esses
ofereciam assistência técnica imediata, facilitando a manutenção do equipamento. As oficinas de
reparação foram fábricas embrionárias onde o progresso empresarial foi rápido para muitos mecânicos
de poucos recursos, com autofinanciamento pelos seus próprios lucros e alguns empréstimos. Entretanto,
a especialização da indústria de máquinas no continente aconteceria apenas na segunda metade do
século XIX, com o aumento da procura da
indústria de mineração, metalurgia e
principalmente pela construção de caminhos de
ferro.
O desenvolvimento da indústria mecânica nos
Estados Unidos foi possível com a "revolução nos
transportes". Os produtores de máquinas
especializadas surgiram no mercado americano
após 1840, coincidindo com a expansão da rede
nacional de caminhos de ferro. (…)
Após 1900, o setor de máquinas-ferramentas
manteve o papel central na invenção e na difusão
tecnológica das indústrias estabelecidas, da
indústria automobilística e noutras novas
indústrias. Entretanto, surgiram inovações nas indústrias do aço e da eletricidade, como novos recursos
para as máquinas-ferramenta, sendo que as ciências dos materiais e a eletrificação influenciaram as
indústrias metalúrgicas.
Marson, Deliberali Michel. (2014) A evolução da indústria de máquinas e equipamentos no Brasil: Dedini e Romi, entre 1920 e 1960In. Disponível na Internet em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-63512014000300685
Metalurgia 1.ª fase da Revolução Industrial. Imagem disponível em: http://fazdesign.com.br/a-revolucao-industrial-
nao-acabou/
Teares à época da Revolução Industrial. Imagem disponível em:
http://educacaoalemdasparedes.blogspot.pt/2010/09/revolucao-industrial.html
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2.ª Revolução Industrial: Iigação ciência-técnica, novos inventos e
novas formas de energia na 2.ª metade do século XIX
Os primeiros avanços da indústria ao tempo da 1.ª Revolução Industrial (finais do século XVIII e 1.ª
metade do séc. XIX), fizeram-se com maquinismos simples, concebidos por artesãos ou pequenos
empresários que se aplicaram no melhoramento dos seus instrumentos e técnicas de trabalho.
Em meados do século XIX, esta situação alterou-se profundamente. Por um lado, o progresso técnico
transformou os maquinismos industriais em estruturas complexas, que exigiam sólidos conhecimentos
teóricos. Por outro lado, a concorrência cada vez maior entre as várias empresas do mesmo ramo
obrigava a uma atualização permanente das tecnologias de fabrico.
Neste contexto, os institutos e as universidades assumem um papel fundamental, formando técnicos
especializados com a necessária preparação científica. Inaugura-se, assim, a época dos engenheiros e da
estreita ligação entre a ciência e a técnica. Na mira de
um produto revolucionário ou de aperfeiçoamentos
que lhes permitissem vencer a concorrência e
conquistar o mercado, as grandes empresas
começam a investir somas enormes na investigação,
equipando modernos laboratórios, onde trabalhava
uma equipa de "sábios" credenciados. Doravante, a
invenção raramente será produto de, um génio
solitário, mas resultará, quase sempre, de um
trabalho coletivo e cientificamente conduzido.
À descoberta do laboratório segue-se a conceção
do novo produto ou da nova máquina, que a
indústria se apressa a produzir. Cada avanço dá ori-
gem a novos desafios, aos quais a ciência, mais uma vez, se esforçará por dar resposta. Gera-se, desta
forma, um novelo de progressos cumulativos que resultam num progresso tecnológico sem paralelo:
novas formas de energia, novos setores produtivos, novos meios de transporte e uma multiplicidade de
objetos novos transformam o mundo industrializado. Pela sua amplitude, este conjunto de inovações
transporta-nos para um novo período, muitas vezes designado por Segunda Revolução Industrial.
Inovações na indústria química e na siderurgia
Um dos exemplos mais claros desta ligação entre a investigação científica e a fábrica é-nos dado pela
indústria química. O arranque da indústria química ficou a dever-se à procura de corantes artificiais
suscetíveis de serem produzidos em larga escala, de modo a satisfazer as necessidades do setor têxtil. Foi
a pesquisa e a produção destes corantes - as anilinas e as alizarinas - que fizeram nascer os primeiros
gigantes da indústria química, como a Badische Anilin und Soda Fabrik (BASF) e a Farbenfabriken Vorn,
Friedr. Bayer & Co., que investem fortunas no equipamento de grandes laboratórios de investigação.
Estreitamente ligada à pesquisa e à inovação, a indústria química foi um dos setores mais
característicos da Segunda Revolução Industrial. Verdadeira indústria de base, ela forneceu um sem-
número de componentes essenciais aos mais variados setores, tendo, além disso, desenvolvido um m
conjunto de produtos próprios, como os inseticidas, os fertilizantes ou os medicamentos.
Laboratório de Química da segunda metade do séc. XIX
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Fornecedora de máquinas, carris, locomotivas e outros equipamentos, a siderurgia transformou-se na
indústria de ponta da Segunda Revolução
Industrial. O progresso mais significativo deste
setor ocorre em meados do século XIX,
quando H. Bessemer inventa um conversor
capaz de transformar, de forma rápida e
barata, o ferro em aço. As potencialidades do
aço, material que alia às vantagens do ferro
uma maior plasticidade e dureza, alargam o
mercado siderúrgico, tanto na área da
indústria pesada (bens de equipamento,
cascos de navios, pontes, construções, peças
de artiIharia, etc.), como na produção de bens
de consumo. Entre 1870 e 1914, a produção mundial de minério de ferro mais do que quintuplicou.
Novas formas de energia
Os progressos da industrialização fizeram-se à custa do carvão como força motriz. Durante todo o
século XIX, foi a hulha que alimentou as caldeiras das fábricas e dos meios de transporte. Em 1913, cerca
de 90% da energia produzida na Europa dependia
ainda deste combustível. No entanto, nas últimas
décadas do século XIX, desenvolveram-se as duas
fontes de energia que marcariam o nosso tempo:
o petróleo e a eletricidade.
Foi a descoberta das técnicas de refinação que
veio abrir novas perspetivas de aproveitamento do
petróleo. Em 1859, perfura-se na Pensilvânia o pri-
meiro poço e em breve os derivados de petróleo
se tornam correntes como lubrificantes (fueloil) e
como combustíveis para a iluminação. Porém, a real valia do "ouro
negro" só se revela depois de 1886, ano em que Gottlieb Daimler
inventa o motor de explosão, movido a gasolina. Poucos anos
depois (1897), Rudolf Diesel concebe um motor semelhante que
utiliza o óleo pesado (gasoil) e que, tal como o de gasolina, é
aplicável às mais variadas máquinas. Os derivados do petróleo
tornam-se, assim, os combustíveis do futuro, assumindo no
século XX um declarado protagonismo.
Coincidindo com o petróleo, iniciou-se o aproveitamento
industrial da eletricidade, graças a uma série de invenções que
permitiram a sua produção e transporte a grandes distâncias. Em
pouco tempo, a eletricidade substituiu o gás na iluminação, privada
e pública, e os carros elétricos, bem como o metropolitano fizeram
a sua aparição, marcando o fim dos transportes urbanos de tração
animal. Embora só muito lentamente tenha substituído o carvão
como força motriz, a eletricidade foi uma das conquistas mais
Conversor de Bessemer
Poço de petróleo no final do séc. XIX
Casa da Luz, Museu da Electricidade, Lisboa
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marcantes da era industrial. Sem ela não teria sido possível a invenção do telégrafo, do telefone, do
gravador de som, da rádio e do cinema, que rapidamente se tornaram "imprescindíveis" à vida agitada
e "moderna" do início do século XX.
A confiança no progresso científico
No século XIX, tornou-se evidente que os progressos da Química, da Física, da Biologia e de tantos
outros ramos do saber se refletiam beneficamente na vida do cidadão comum. Foi neste contexto que
Augusto Comte criou o Positivismo, teoria filosófica que muito contribuiu para reforçar o valor atribuído
à ciência.
O Positivismo teve um grande impacto no pensamento da segunda metade do século XIX. A fé nas
potencialidades da ciência e nos benefícios que ela traria à Humanidade acentuou-se ainda mais.
Acreditava-se que o Universo obedecia a uma ordem lógica e funcionava segundo regras determinadas e
fixas, que à ciência competia conhecer. Neste pressuposto, considerava-se o inexplicável como fruto da
ignorância, não deixando margem à existência divina e a todo o sobrenatural.
Esta corrente de pensamento, designada por cientismo, dominou a vida intelectual da época. A ela
se deve, em grande parte, o interesse com que os Estados começaram a olhar a investigação científica,
que passou a desenvolver-se sobretudo em instituições financiadas com fundos públicos, como as
universidades, institutos, academias e outras associações.
O avanço das ciências exatas
Palco de extraordinárias descobertas, o século XIX não se limitou a acrescentar o volume dos
conhecimentos, mas revolucionou também as suas bases.
Na Química, considerada a "ciência do século”,
procedeu-se à sistematização dos elementos, tendo
Mendeleïev elaborado a primeira tabela periódica,
divulgada em 1869.
No campo da Física, abandonaram-se os velhos
conceitos da dinâmica
que, de Aristóteles a
Newton, atribuíam o
movimento dos corpos
"inertes" à ação
exclusiva de forças
exteriores. Logo no início do século, o estudo do comportamento dos
gases levou à conclusão que estes possuíam uma "força autónoma" que
os fazia variar de volume. Coube aos britânicos Joule e Maxwell formular
com precisão a teoria cinético-molecular: todos os corpos são formados
por partículas dotadas de movimento, cuja intensidade varia pela ação
de fatores externos, como, por exemplo, a temperatura.
Esta perceção, de que o mundo a que chamamos "inanimado" não
era inerte nem passivo, foi o ponto de partida para o estudo de átomos
e eletrões, da eletricidade e do eletromagnetismo. Simultaneamente, as descobertas do casal Curie e
Johan Mendel, realizando experiências com ervilhas
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Henri Becquerel sobre a radioatividade, demonstraram que, para além de se moverem, os elementos
podiam transformar-se uns aos outros.
A ideia de que na Natureza imperam o movimento e a mudança propagou-se também às ciências da
vida, tendo zoólogos e botânicos começado a colocar a hipótese da evolução das espécies animais e
vegetais. Neste campo, os trabalhos de maior impacto foram os de Charles Darwin (1809-1882) e Johan
Mendel (1822-1884).
A obra de Darwin, A Origem das Espécies (1889), defendia que os seres vivos têm a faculdade de se
adaptarem ao ambiente e que essa adaptação acarreta modificações morfológicas que se transmitem à
descendência. Pouco depois, Mendel desvendaria o complexo mecanismo que preside à transmissão dos
caracteres hereditários e explicaria como a sua combinação pode facilitar ou dificultar a "Iuta pela vida”,
que aniquila umas espécies enquanto outras conseguem sobreviver.
Ainda no campo das ciências da vida, registaram-se importantes avanços na microbiologia e na
medicina, que se influenciaram mutuamente. Os estudos de Louis Pasteur e de Robert Koch, por exemplo,
deram à medicina conhecimentos fundamentais sobre as causas da propagação das doenças.
A descrença no pensamento positivista, as novas conceções científicas na 1.ª metade do século XX
Por meados do século XIX, o positivismo estabelecera uma confiança absoluta no poder do
raciocínio e da ciência, que considerava capazes de desvendar todos os mistérios do Universo.
Acreditava-se então num mundo perfeitamente ordenado, regido por leis claras e objetivas.
No início do século XX, o pensamento ocidental rebela-se contra este quadro de estreita
racionalidade, valorizando outras dimensões do conhecimento. Foi a própria ciência, com as suas
desconcertantes descobertas, que mais contribuiu para a
ruína do pensamento positivista.
O conhecimento de que o átomo não era a unidade mais
pequena da Natureza abriu à Física um campo de estudos até
então desconhecido, o da microfísica, área em que o alemão
Max Planck (1848-1957) desempenhou um papel pioneiro.
Max Planck demonstrou que, ao contrário do que era tido
como certo, as trocas de energia não se fazem num fluxo
suave e uniforme mas em pequeníssimas unidades separadas
(a que chamou quantum - porção) que se movimentam a
velocidades inimagináveis, em saltos bruscos e descontínuos.
A teoria quântica veio a ter profundas repercussões no avanço da microfísica pois permitiu explicar
o comportamento dos átomos e das suas partes constituintes. Revelou-se assim um mundo onde, como
mais tarde ficou demonstrado por cientistas como Niels Bohr (1885-1962) e Werner Heisemberg, (1901-
1972) não existem regras fixas, sendo impossível determinar, com rigor, o que está a acontecer e prever o
que acontecerá.
Foi, no entanto, Albert Einstein (1879-1955) e a sua Teoria da Relatividade quem protagonizou a
revolução científica do início do século. Einstein destruiu as mais sólidas bases da Física ao negar o
caráter absoluto do espaço e do tempo. Ninguém poderia imaginar que o tempo fosse uma variável e
decorresse mais depressa ou mais devagar consoante a velocidade dos corpos!
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As teorias de Max Plancke Albert Einstein provocaram um profundo choque na comunidade científica
que se viu obrigada a reconhecer que o Universo era mais instável do que até aí se pensava e a verdade
científica menos universal do que se tinha acreditado.
Abriu-se assim uma nova conceção filosófica – o relativismo – que aceita a subjetividade do
conhecimento, o mistério e a desordem, como partes integrantes do Universo, rejeitando o
pensamento positivista fundado na clareza, na ordem, na explicabilidade de todos os fenómenos. Em-
bora tal mudança tenha representado, de facto, um avanço, o certo é que contribuiu para abalar a fé na
ciência e na sua capacidade para compreender e controlar a Natureza.
O progresso científico e a inovação tecnológica a partir da 2.ª metade do séc. XX
Após 1945, o progresso científico e a inovação tecnológica continuam a interagir, prosseguindo o
caminho iniciado em finais do século XIX. Estimulados pela concorrência económica entre as empresas e
pela competição política entre os Estados (veja-se o caso da corrida espacial incentivada pela Guerra Fria),
produzem-se admiráveis avanços científicos e tecnológicos.
A Física, a Química e a Biologia foram as ciências em que se processaram as maiores investigações
teóricas. Os seus efeitos tecnológicos mais marcantes fizeram-se sentir na produção da energia nuclear,
na eletrónica, na informática e na cibernética e, finalmente, nos progressos médicos e alimentares que
prolongaram a vida.
A produção de energia nuclear remonta às investigações de grandes nomes da Física, como Max
Planck (1858-1947), Albert Einstein (1879-1955), Niels
Bohr (1885-1962), Enrico Fermi (1901-1954). Sabemos
como foi trágica a sua primeira aplicação, com as
bombas atómicas lançadas sobre o Japão, em agosto de
1945.
Na década de 50, a energia nuclear conheceu fins
pacíficos, permitindo produzir eletricidade, acionar
submarinos e navios, revolucionar os sistemas de
diagnóstico na
Medicina sem o
perigo de absorção
de raios X no corpo humano, como é o caso da tomografia axial
computadorizada (TAC).
Notáveis progressos ocorreram nos domínios da eletrónica, após a
Segunda Guerra Mundial. A invenção do transístor, que substituiu as
válvulas eletrónicas, e do chip ou circuito integrado, possibilitaram a
miniaturização e aperfeiçoamento de equipamentos que se tornaram
imprescindíveis no quotidiano de grande parte da Humanidade - a
rádio, a televisão, os computadores, os telefones, os
eletrodomésticos e os automóveis. O laser, feixe de ondas luminosas
de intensidade mil vezes superior à da luz, veio a ser outra das
Circuito integrado
Esquema de funcionamento do laser
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maravilhas eletrónicas, com aplicações na medicina, no lar e na guerra, nos suportes de imagem e de
som.
De entre a tecnologia eletrónica, o computador merece uma referência especial. Registou notáveis
avanços, no período de que nos ocupamos, permitindo acelerar os cálculos, o armazenamento, a
recuperação e a distribuição de informação. Na
origem da revolução da informática, que mais não é
do que o tratamento científico da informação, os
computadores tornaram-se indispensáveis na
administração estatal, na gestão contabilística, no
controlo de processos industriais, na triagem de
correspondência, na vida académica, na pesquisa
científica.
Os progressos da eletrónica e da informática
interligaram-se com a criação da inteligência artificial
e a expansão da
cibernética.
Foram produzi-
dos os robôs, máquinas inteligentes que tomam decisões e se
deslocam. Contribuíram para a automatização da indústria e para a
exploração do espaço extraterrestre.
Às pesquisas bioquímicas do século XX se devem grandes
progressos na medicina e na alimentação, que preservaram a vida
e a prolongaram.
Descoberta em 1928 por Alexander Fleming (1881-1955) a
penicilina foi produzida industrialmente na década de 40,
permitindo salvar imensas vidas das infeções bacterianas. Efeito
análogo tiveram as vacinas, tratamentos profiláticos para as
doenças transmitidas pelos microrganismos (vírus e bactérias).
As décadas de 50 a 70 revelaram-se particularmente férteis na
obtenção de vacinas responsáveis
pela regressão da poliomielite, do
sarampo e da própria pneumonia.
Os transplantes cardíacos, iniciados em 1967, registaram uma taxa ra-
zoável de sucessos suscitando, pela complexidade
envolvida, a confiança progressiva na medicina
cirúrgica.
Cobertura mediática semelhante à dos
transplantes cardíacos teve o nascimento, em
1978, da primeira criança cuja conceção ocorreu
fora do corpo humano, aquilo a que chamamos
"fertilização in vitro". Estava dado um gigantesco
passo nas técnicas de reprodução assistida, que conheceram um grande
progresso nas décadas que se seguiram.
Unimates, 1.º robot industrial, 1960
Alexander Fleming, inventor da penicilina
Jonas Salk, inventor da e um
tipo de vacina contra a
poliomielite, 1952
ENIAC, 1.º computador do mundo, 1946
Christiaan Barnard, foi capa
da revista TIME, em 1967ao
ter realizado o 1.º
transplante do coração
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Pelas suas repercussões no ramo da
biotecnologia', pode dizer-se que a descoberta,
em 1953, da estrutura do ADN e do código
genético foi das mais atraentes e controversas do
século XX. As informações genéticas contidas nos
filamentos de ADN auxiliaram nas pesquisas
patológicas (de doenças hereditárias e de outras,
como o cancro, consideradas alterações genéticas)
e imunitárias.
Para além da medicina, a ciência salvou muitas
vidas pelas investigações que estimulou no campo
alimentar. Ainda na primeira metade do século XX,
os cientistas tinham promovido a criação de famílias
de plantas mais fortes e mais produtivas. Resultado
de avanços na agronomia, nas técnicas reprodutivas
e na genética viria a iniciar-se, em 1962, a chamada
"Revolução Verde" no México, posteriormente
alargada à índia e ao Paquistão. O cultivo de
variedades de trigo, milho e arroz, de grande
rendimento e resistência às pragas, converteu-se
num auxiliar precioso para os agricultores
empobrecidos, solucionando muitas das carências
alimentares.
De facto, se alguns malefícios têm sido
associados ao progresso científico (caso da ameaça
nuclear, da poluição, do esgotamento dos recursos
naturais, da manipulação genética), o balanço final
da evolução científico-tecnológica é
acentuadamente positivo. Mais bens de consumo
foram prodigalizados, a esperança de vida
aumentou e a humanidade ficou, como nunca,
interligada por uma rede de comunicações que fez
da Terra uma aldeia global.
Foguetão Saturno V: lançamento da Apollo 11 em 1969
Watson e Francis H. Crick olham para o seu modelo de ADN,
dupla hélice, 1953
Os OGM têm desempenhado um papel importante no combate à fome no mundo. Serão eles perigosos? Disponível na Internet:
http://rpcf-projet.fr/les-ogms-danger/
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Dimensões da ciência e da cultura no contexto da globalização
Primado da ciência e da inovação tecnológica
A economia globalizada, que se constrói a partir dos anos 80, estimula a investigação científica e a
inovação tecnológica que dela resulta. Rentabilizar
recursos humanos e materiais, gerir empresas,
dominar mercados, controlar a informação, melhorar a
qualidade de vida das populações, sem a qual o
consumo declinaria, tornam-se objetivos que o
capitalismo neoliberal persegue.
Govern
os e
entidades
privadas investem significativamente na ciência e na
tecnologia, tendo em conta a obtenção de melhores
desempenhos na educação, no exercício profissional e na
produção de bens e serviços. Assim incentivados, os
progressos, tão
férteis já no 3.º
quartel do século
XX aceleram-se nas últimas décadas. E todos parecem
interessar-se por eles. O mundo dos computadores, da
Internet, da realidade virtual e dos telemóveis, as questões
relativas ao ADN, ao genoma e à clonagem, à biodiversidade e
ao aquecimento global enchem as páginas dos jornais e das
revistas e abrem noticiários televisivos. Os livros de vulgarização científica, antes em número pouco
significativo, tornam-se comuns nas livrarias. Tratando-se de assuntos que afetam a vida à escala
planetária, dificilmente lhes ficamos indiferentes.
Nos domínios da eletrónica, da informática, da comunicação e das biotecnologias produziram-se as
mais marcantes conquistas técnico-científicas. De tal forma a vida da Humanidade se viu
irreversivelmente alterada que os especialistas não hesitam em afirmar que entramos na era da 3.ª re-
volução industrial.
Eletrónica, informática, revolução da comunicação
Aos progressos da eletrónica se deve uma autêntica revolução nas
indústrias da eletrónica, de automóveis e aeroespacial. A eletrónica,
não esqueçamos, constitui o suporte físico da informática que, desde os
anos 80, com a introdução do computador pessoal nas empresas e nos
lares, altera todos os domínios da vida humana: da robotização da
produção às transações comerciais, bancárias e financeiras; da gestão
económica aos serviços administrativos; da regulação dos transportes e
do trânsito aos meios de diagnóstico médico e aos lazeres.
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Da eletrónica e da informática deriva a revolução da informação e da comunicação que é uma das
marcas do nosso tempo. Através das chamadas autoestradas da comunicação (retransmissores de
televisão, satélites civis, rede Internet, sistemas de orientação geográfica como o GPS, cabos de fibra
ótica) chega-nos uma profusão de informações sob a
forma de palavras, imagens e sons, que podemos ler,
ver e ouvir nos mais variados suportes: aparelhos de
rádio e televisão, vulgares telemóveis, smartphones,
computadores, tablets.
Em 2010, cerca de 2 mil milhões de pessoas, isto é,
quase 30% da população mundial, estavam ligadas à
Internet, na qual, desde 2004, florescem as redes
sociais. Nos mais diversos cantos da terra, circulam
em simultâneo as mesmas informações e saberes,
sejam os eventos políticos, as cotações bolsistas, as novidades culturais e do mundo artístico ou as facetas
da vida pessoal. O mundo em que vivemos é, com efeito, o da sociedade da informação e comunicação,
também conhecido por "aldeia global". Um mundo cada vez mais uniformizado nos gostos e padrões
culturais, com as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) a converterem-se em instrumento
privilegiado da globalização.
Adaptado de: Couto, Célia Pinto de; Antónia, Maria; Rosas, Monterroso. Um Novo tempo da História. 11.º e 12.º
anos. Porto Editora, Porto, sd.
A terceira revolução industrial
Quando falamos das revoluções industriais que marcaram o período de formação e consolidação do
capitalismo mundial, não podemos interpretar o conceito de revolução no sentido de “rutura imediata”
conforme o termo parece sugerir. Trata-se, na verdade, de processos relativamente longos e gradativos,
ou seja, que vão ocorrendo aos poucos, com o passar dos anos.
Assim, considerando que a 3.ª Revolução Industrial é a mais recente dinâmica de transformação dos
sistemas produtivos, podemos dizer que ainda a
estamos a viver atualmente. Cada nova tecnologia
descoberta e lançada no mercado é, dessa forma,
um novo capítulo dentro desse episódio histórico.
A 3.ª Revolução Industrial – também chamada
de Revolução Técnico-Científica-Informacional –
iniciou-se em meados do século XX e
correspondeu ao processo de inovações no campo
da informática e suas aplicações nas áreas da
produção e do consumo. As grandes realizações
desse período, entre outros importantes avanços,
foram até agora o desenvolvimento da
chamada química fina, a biotecnologia, a
conquista espacial, a robótica, a genética.
As atividades que mais impacto tiveram no mercado estão ligadas à produção de computadores,
softwares, microeletrónica, chips, transístores, circuitos eletrónicos, e, mais recentemente à robótica com
grande aceitação pelas diversas indústrias, telecomunicações e informática em geral. A destacar ainda a
Imagem disponível na Internet em: http://www.visaolaser.com.br/blog/cuidados_e_prevencao/
trabalha-o-dia-inteiro-no-computador-veja-4-dicas-para-proteger-os-olhos/
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expansão de transmissores de rádio e televisão, telefones fixo e móvel, internet, indústria aeroespacial,
biotecnologia, etc..
A Revolução Técnico-Científica também foi responsável pela total integração da ciência, coma
tecnologia e a produção. Hoje, as descobertas científicas encontram-se, em grande parte, voltadas para o
mercado. Quando uma inovação é realizada, especula-se como aquilo poderá transformar o quotidiano
das pessoas. Quando um novo
aparelho ou tecnologia são inventados,
rapidamente passa para as prateleiras
dos locais de consumo.
Esse processo também foi
responsável pela instrumentalização
da economia financeira, mais
conhecida por Economia de Mercado,
e sua integração mundial, ligada ao
que chamamos de Globalização. Isso
aconteceu porque ela levou ao grande
desenvolvimento dos meios de
comunicação e transporte, que
alcançaram proporções jamais vistas anteriormente. As grandes distâncias e obstáculos, que antes
separavam países e regiões, não apresentam hoje os desafios de outrora.
Um exemplo disso é o que se passa na aviação em que os voos cuja trajetória ultrapassam as 12 horas
de duração (sem levar em linha de conta as escalas) são considerados de “longa duração”. Antigamente,
levavam-se dias para que uma pessoa se deslocasse de uma cidade para outra, e meses, ou até anos,
quando a distância envolvia países distantes. Atualmente, um dos voos comerciais mais longos do mundo,
que ligam a cidade de Newark (EUA) a Singapura, possuem a “longa” duração de 18 horas e meia.
Desta forma, de entres as principais consequências da III Revolução Industrial, podemos destacar:
a) os rápidos avanços e desenvolvimento nos setores de Ciência e Tecnologia;
b) a consolidação do sistema capitalista financeiro;
c) a formação e expansão das multinacionais ou empresas globais;
d) a relativa descentralização industrial (não há mais a necessidade de as indústrias estarem juntas,
apesar de isso ainda ser ainda comum);
e) a flexibilização do trabalho ou Toyotismo, com o modelo de produção just in time;
f) a terciarização da economia.
Sobre esse último ponto, é importante destacar que ele decorre do processo de substituição do
homem pela máquina. Tal ocorre, principalmente, nos setores primário e secundário da economia, isto é,
na exploração dos recursos naturais e na agropecuária, para além da produção nas fábricas e indústrias.
Dessa forma, o setor terciário (que envolve o comércio, os serviços, as administrações públicas, a
educação, a saúde, entre outros) oferece a maior parte dos empregos, que, em geral, disponibilizam
benefícios salariais menores e dificultam a capacidade de organização dos trabalhadores. Nos Estados
Unidos, por exemplo, cerca de 70% da massa de assalariados encontra-se no setor terciário.
O que se pode notar, então, é que as transformações tecnológicas não transformam somente as
indústrias e os meios de produção, mas também o próprio espaço geográfico e as relações humanas,
sejam em âmbito estrutural, sejam em âmbito cultural. Além do mais, podemos dizer que a Revolução
Técnico-Científica Informacional é, sem dúvida, o grande motor da globalização na atualidade.
In Geografia Humana. Pena, Rodolfo Alves. Terceira Revolução Industrial. Disponível na internet em: http://brasilescola.uol.com.br/geografia/terceira-revolucao-industrial.htm. (Adaptado)
Imagem disponível na Internet em: http://www.aerialphotography.co.in/industrial-robots
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No limiar da 4.ª Revolução Industrial O mundo encontra-se no limiar de uma nova revolução industrial, ou melhor, ele já está, de facto,
mergulhado nela: trata-se, obviamente, da transformação radical dos processos e produtos de nossa atual
civilização industrial por meio da aplicação do infinitamente pequeno aos mais diferentes equipamentos e
processos que usamos no quotidiano. Esta revolução é bem mais importante, e mais desafiadora, do que
aquelas que presidiram ao domínio do homem sobre as forças da natureza nas três revoluções anteriores
ou etapas precedentes de progressos materiais e tecnológicos da nossa civilização industrial.
Com efeito, a primeira revolução industrial, iniciada na Grã-Bretanha há pouco mais de dois séculos,
assistiu à transformação da energia em força mecânica, sob a forma de caldeiras e máquinas a vapor, o
que se traduziu, entre outros avanços materiais, num grande desenvolvimento das indústrias
manufatureiras (com destaque para o setor têxtil) e dos transportes aquáticos e ferroviários. Ao mesmo
tempo, começou a funcionar o primeiro instrumento verdadeiramente universal de comunicação quase
instantânea, o telégrafo (ainda funcionando à base de fios e de cabos submarinos), que representou uma
espécie de internet da era vitoriana.
Já na segunda revolução industrial, um século depois, o destaque passou para a eletricidade e a
química, resultando em novos tipos de motores (elétricos e de explosão), em novos materiais e processos
inéditos de fabricação, paralelamente ao aparecimento das grandes empresas (algumas vezes organizadas
em cartéis), do telégrafo sem fio e, um pouco mais tarde, do rádio, que permitiu a difusão instantânea da
informação.
A terceira revolução industrial, nossa contemporânea por sua vez, mobilizou circuitos eletrónicos e, de
imediato, os circuitos integrados, os famosos microchips, que transformaram irremediavelmente as
formas de comunicação e de informação, com a explosão da internet e do comércio eletrónico e voltada
crescentemente para a área do lazer.
A quarta revolução industrial, na qual estamos a entrar, mobiliza, fundamentalmente, as ciências da
vida, sob a forma da biotecnologia, bem como uma gama multidisciplinar de ciências exatas e cognitivas
que respondem pelo nome de nanociência. Esta, por sua vez, confunde-se praticamente com as suas
materializações práticas, sob a forma da nanotecnologia. Desde há várias décadas, senão há mais de um
século, os cientistas tentam domar o infinitamente pequeno, plenamente conscientes de que é ao nível
das moléculas, das partículas e dos átomos que se joga parte importante do jogo da vida e da própria
composição e funcionamento do infinitamente grande, isto é, do universo. Esta busca resultou em
enormes avanços científicos e materiais para a humanidade, assim como no desencadear de forças que
chegaram a ameaçar a própria
sobrevivência da civilização
sobre o planeta, tanto sob a
forma do holocausto nuclear
como na perspetiva de uma
guerra biológica ou química.
Agora, quando os novos
equilíbrios estratégicos e a
diminuição das tensões
permitidas pela relativa
convergência de valores e de
sistemas económico-sociais
atribuem um sentido positivo
às pesquisas científicas nas áreas da energia atómica, dos novos materiais, dos elementos químicos e da
Imagem disponível na Internet em: http://tek.sapo.pt/expert/artigo/cientistas_reunem_se_no_porto_para_falar_de_nan
otecnologia-43484cce.html
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biologia, as possibilidades abertas pela inovação tecnológica e pela cooperação internacional nessas áreas
de fronteira do conhecimento humano abrem um potencial imenso de realizações, para a humanidade
em geral, e para alguns países em particular. (...)
A gama de atividades classificadas como nanotecnologia cobrem áreas de pesquisa tradicionais como a
química e a física, chegando às atividades que envolvem ciências dos materiais, biotecnologia, etc., o que
demonstra o caráter altamente abrangente da nanociência e da nanotecnologia (N&N). De fato, uma das
particularidades da N&N é que ela requer competências científicas com os mais variados horizontes. A
N&N sendo uma área altamente interdisciplinar não permite que se tenha uma ideia exata dos aspetos
relacionados de cada uma das disciplinas implicadas. Como todas as áreas, ela está baseada em noções
fundamentais conhecidas dos cientistas e engenheiros. Aliás, a separação entre nanociência e
nanotecnologia não tem nenhum significado na prática: é exatamente por esta razão que geralmente o
termo nanotecnologia acaba por substituir o de nanociência.
O crescimento previsto pelos especialistas para os mercados de produtos nanotecnológicos é muito
superior ao crescimento de outros mercados dinâmicos, como os de computadores e telemóveis. Estima-
se que as aplicações de nanotecnologia que estarão a chegar aos mercados nos próximos anos são
evolucionárias, mais do que revolucionárias, centradas em áreas como a determinação de propriedades
de materiais, produção química, manufatura de precisão e computação. Não existe, no momento,
nenhuma possibilidade razoavelmente definida para o uso de nanomáquinas capazes de fabricar
materiais montando-os átomo por átomo. Apesar delas ocuparem espaço na imaginação de escritores,
elas não estão nos pensamentos dos estrategas das empresas inovadoras a não ser nas formas de síntese
química/bioquímica e auto-organização. No entanto, é muito provável o aparecimento – praticamente
inevitável - de aplicações revolucionárias da nanotecnologia, a médio e longo prazo.
In Revista Académica. Roberto de Almeida, Paulo. (2005). O Brasil e a nanotecnologia: rumo à quarta revolução industrial.
Disponível na Internet em: ttp://www.espacoacademico.com.br/052/52almeida.htm (Adaptado)
A Quarta Revolução Industrial chegou, e nós não passaremos imunes
Em janeiro de 2016, durante o Fórum Mundial de Davos, o chairman Klaus Schwab disse que uma
mudança estrutural está em desenvolvimento na economia mundial, no que seria o início da Quarta
Revolução Industrial. Segundo ele, esta revolução aprofundaria
elementos da Terceira Revolução, a da computação e faria uma
“fusão de tecnologias, fazendo separar as linhas divisórias entre os
campos das físicas, do digital e das biológicas”.
Na opinião de Schwab, esta nova revolução, unindo mudanças
socioeconómicas e demográficas, terá impactos nos modelos e nas
formas de fazer negócios e no mercado de trabalho. Afetará
exponencialmente todos os setores da economia e todas as regiões
do mundo. Mas não do mesmo modo. Haverá ganhadores e
perdedores. “As mudanças são tão profundas que, da perspetiva da
história humana, nunca houve um tempo de tamanhas promessas e
de tão grandes perigos”. O mercado de trabalho será afetado
dramaticamente, inclusive os trabalhos intelectuais mais repetitivos
que serão substituídos pela robotização. As mudanças são reais. Já Imagem disponível na Internet em:
http://computerworld.com.br/quarta-revolucao-industrial-chegou-e-voce-nao-
passara-imune-ela
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estão aí.
Os impactos no mercado de trabalho já têm sido debatidos, com algumas previsões apocalípticas
estimando-se que em 10 a 15 anos cerca de metade das vagas de funções como operadores de
telemarketing, corretores, carteiros, jornalistas, desenvolvedores de software e outras terão
desaparecido, pelo uso de softwares e de robótica prenhes de algoritmos inteligentes. As vendas de
robôs, segundo a International Federation of Robotics têm crescido continuamente. Em 2015 foram
vendidos, no mundo todo, 255 mil, e estima-se que em 2018 serão 400 mil.
Mas a grande ameaça aos empregos não
está mais na indústria. Os software
inteligentes estão a chegar ao setor de
serviços. Hoje são capazes de conduzir
veículos, atender clientes em serviços de
telemarketing, preencher formulários de
Imposto, etc. Por exemplo, alguns bancos
como o DBS, de Singapura, o Royal Bank of
Canada e, o Bradesco no Brasil começam a
experimentar o Watson da IBM na função de
atendimento aos clientes. Nos EUA, os gastos
com call center somam 112 bilhões de
dólares e estima-se que cerca de 270 bilhões
de chamadas de clientes não sejam atendidas
adequadamente. Uma das causas principais são os problemas de acesso às informações e o cruzamento
de inúmeros dados em tempo real, tarefa impossível para um ser humano apoiado por sistemas
tradicionais, que disponibilizam scripts pré-programados. A ideia é colocar sistemas como o Watson,
capazes de cruzar milhões de informações diferentes, como catálogos de produtos, manuais de utilização,
termos e condições contratuais, emails e chamadas anteriores dos clientes com problema similares,
fóruns de debate sobe o tema, histórico de atendimento do call center, etc., para eliminar ou diminuir
sensivelmente a taxa de solicitações não atendidas.
Ainda são os primeiros passos, mas com a evolução exponencial da tecnologia, estes passos acelerarão
muito rapidamente. Embora o discurso dos fornecedores de tecnologia e das empresas envolvidas seja
sempre o de que o produto vai melhorar o trabalho das pessoas e não substituí-las, é inevitável que por
cada habilidade aprendida pelos computadores, milhões de empregos tenderão a desaparecer. A
tecnologia, ao longo do tempo, vai reduzir a procura de postos de trabalho que exigem menos
habilidades, como acontece como os operadores de telemarketing. Foi assim nas linhas de produção
robotizadas, nas funções de datilografia, nos controladores de ascensores e hoje, na redução significativa
das vagas de secretariado.
Mas não é só. Na Suíça, drones estão a ser testados para entregar documentos em lugarejos distantes,
substituindo os carteiros humanos nestas atividades. A Amazon também está experimentar drones para
entregas rápidas nos EUA. Um artigo na Fortune “5 white-collar jobs robots already have taken” aponta
algumas outras experiências. O editor da Robot Report diz que empresas como FedEx estudam a
possibilidade de, no futuro, dispor de um centro de pilotagem com poucos pilotos voando a sua imensa
frota de aviões cargueiros. Estes aviões operarão como drones, uma vez que não deverão levar
passageiros. Cita também o CEO da empresa de tecnologia russa Mail.Ru explicando que está a investir
numa startup que usará robôs para ensino de matemática nas escolas. O risco potencial é bem real.
Imagem disponível na Internet em: http://tatamarquesnews.com.br/noticias/bem-vindos-a-quarta-
revolucao-industrial/
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À medida que os avanços nas tecnologias de Machine Learning e robótica avançarem, será inevitável a
substituição de funções ocupadas hoje por humanos. Ocupações que envolvam tarefas e procedimento
bem definidos poderão ser substituídas por algoritmos sofisticados. Como o custo da computação a cair
consistentemente ano após ano, torna-se atrativo economicamente a substituição de pessoas por
máquinas. O processo é acelerado pela
reindustrialização nos países ricos, como os EUA,
que após perderem as suas fábricas para países de
mão de obra barata como a China, começam a
trazê-las de volta, mas de forma totalmente
automatizadas. Os empregos da indústria
americana, perdidos pela saída das fábricas, não
estão a voltar com elas. Quem está a ocupar as
funções são os robôs. Este processo também está a
ocorrer na China e já existem diversas fábricas
totalmente automatizadas e cada uma delas
emprega pelo menos dez vezes menos pessoas
que as fábricas tradicionais.
Estima-se que cerca de 47% dos empregos
atuais, nos EUA, estão em risco. Entre outras,
estarão ameaçadas as funções de motoristas de veículos como camioes e táxis, estagiários de advocacia,
jornalistas, desenvolvedores de software, administradores de sistemas de computação, etc. Esta é uma
diferença significativa que a chamada Quarta Revolução Industrial está a provocar. Os “colarinhos azuis”
ou operários já estão diminuindo sensivelmente, mas os “colarinhos brancos”, empregos nas tarefas
administrativas, também estão a correr riscos de desparecimento. Alguns artigos mostram que os
sistemas cognitivos baseados em algoritmos inteligentes podem atuar em conjunto (às vezes
substituindo) em várias ocupações antes exclusivas das pessoas. Na medicina, por exemplo, vale a pena
ler o artigo “The Robot Will See You Now, que embora de 2013, discute ao assunto com clareza.
Os advogados não ficarão de fora. O artigo publicado no New York Times, “Armies of Expensive
Lawyers, Replaced by Cheaper Software" estima que serão necessários bem menos advogados, pois
muitas de suas funções, que são fazer buscas em documentos ou analisar casos similares poderão ser
feitas por algoritmos. No jornalismo temos alguns exemplos de reportagens financeiras feitas
automaticamente por robôs, como as descritas
no artigo “AP´s “robot journalists” are writing
their own stories now".
E em Tecnologias de Informação? Muitas das
funções desempenhadas por desenvolvedores de
código poderão ser automatizadas. Algumas
experiências já têm sido feitas, como o conceito
de Programming by Optimisation e de depuração
automática de código.
A Quarta Revolução Industrial afetará de
forma dramática o mercado de trabalho. Os
primeiros estudos de seu impacto mostram que
a classe média será a principal prejudicada, pois
ocupam trabalhos em escritórios e são autores
de trabalhos intelectuais, como advogados e desenvolvedores de software, que tenderão a desaparecer
Imagem disponível na Internet em: http://computerworld.com.br/quarta-revolucao-industrial-
chegou-e-voce-nao-passara-imune-ela
Drone transportando encomendas para a HDL, Alemanha. Imagem disponível na Internet em:
http://www.wired.co.uk/news/archive/2014-09/24/german-dhl-drone-pharmacy
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ou a ver o número de vagas diminuir drasticamente. Claro, novos empregos serão criados, mas exigirão
conhecimentos muito especializados e altos níveis de educação. Novas carreiras e funções, que ainda não
conhecemos, serão criadas, mas a dúvida é se serão em número suficiente para recompor as vagas que
desaparecerão.
Mas é inevitável que a Quarta Revolução Industrial chegue aqui também. Vai exigir um novo currículo
educacional, que abandone a memorização de factos e fórmulas para dar mais atenção à criatividade e à
comunicação, coisas que as universidades, na sua grande maioria, não estimulam. (...)
Enfim, é uma discussão que está apenas a começar. Mas a realidade virá rapidamente e ignorar a
transformação que está ocorrendo no mundo não vai impedi-la de acontecer e chegar aqui. As máquinas
são nossas ferramentas, mas pode chegar o momento em que não seremos mais capazes de controlá-las.
Portanto, precisamos decidir como queremos viver com elas. Uma discussão que não pode ser adiada.
In ComputerWorld. Taurion, Cezar. A Quarta Revolução Industrial chegou, e você não passará imune a ela (2016). Disponível na Internet em: http://computerworld.com.br/quarta-revolucao-industrial-chegou-e-voce-nao-passara-
imune-ela (Adaptado)
A nova revolução gerou mais perguntas do que respostas em Davos
É certo que os avanços na robótica, inteligência artificial e tecnologias como a impressão 3D vão
mudar o mundo do trabalho. Mas há muitas incertezas sobre a quarta revolução industrial.
A Uber – a aplicação que permite chamar um carro com motorista através de um telemóvel – é um
exemplo conhecido de um novo paradigma da economia. Pessoas com tempo e recursos livres (neste
caso, um carro que cumpra determinados critérios) podem ganhar dinheiro através de um sistema que
faz a conjugação de procura e oferta. Para algumas tarefas, o funcionamento da Uber também substitui
humanos por sistemas informáticos. Chamar um táxi de forma convencional implica fazer um telefonema
e falar com uma pessoa, que depois faz a ligação entre o cliente e o taxista (muito embora este sector
também tenha começado a disponibilizar
aplicações para telemóveis que cortam
este intermediário humano).
A startup americana foi uma empresa
que veio mais do que uma vez à conversa
no Fórum Económico Mundial de Davos,
um evento que reúne anualmente na Suíça
pensadores, empresários, gestores e
políticos de topo. O grande tema da edição
deste ano, que terminou no sábado, foi a
quarta revolução industrial, que chega
depois da máquina a vapor, da
electricidade e da produção em massa, e
do advento da electrónica e dos
computadores.
Desta nova revolução fazem parte os avanços na inteligência artificial, a criação de robôs capazes de
executar cada vez mais tarefas e ainda tecnologias como a impressão 3D, que está a mudar o
funcionamento de muitas fábricas e a facilitar a produção de objectos à medida (apesar de longe da
promessa de ser uma revolução também em ambiente doméstico). Para além disto, há também o cenário
de um mundo inteiramente conectado – Internet das Coisas tem sido o jargão usado –, onde
electrodomésticos, carros, portas e telemóveis comunicam entre si e geram quantidades avassaladoras de
Líderes mundiais no Forum de Davos. 2016. Imagem disponível na Internet em: http://www.publico.pt/tecnologia/noticia/a-nova-revolucao-gerou-mais-perguntas-do-que-respostas-em-davos-
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dados, que podem ser analisados para incentivar o consumo ou para melhorar os cuidados de saúde. É
uma revolução que veio colocar várias perguntas (mais do que as respostas) aos participantes do fórum. A
questão do trabalho foi muito frequente: o
que vai acontecer à medida que mais robôs e
algoritmos substituírem mais humanos?
A Uber tem causado a ira de empresas de
táxis em vários países, Portugal incluído. Mas,
por ora, os motoristas da Uber ainda são
pessoas e a empresa argumenta que até cria
empregos (mas sem o vínculo de um
funcionário). Num futuro não muito distante,
os motoristas da Uber podem bem vir a ser
computadores. A empresa tem estado a
trabalhar em parcerias para explorar a
tecnologia de carros capazes de andarem
sozinhos. Também o Google e muitos outros
fabricantes de telemóveis têm em curso esforços para colocar na estrada (e dentro de poucos anos)
automóveis autónomos. Já existem, são capazes de circular, mas ainda não são bons o suficiente para
serem comercializados em massa e andarem sem uma pessoa pronta a intervir - será uma questão de
tempo até a tecnologia amadurecer. E, quando esse tempo chegar, os motoristas de táxi e os da Uber,
hoje rivais, estarão no mesmo barco: obsoletos e sem trabalho.
“Com o advento das novas tecnologias, criámos sempre novos trabalhos”, comentou o cientista Illah
Nourbakhsh, especialista em interacção entre humanos e robôs na Universidade de Carnegie Mellon, que
tem uma parceria com a Uber para desenvolver carros autónomos. Este argumento tecno-optimista foi
usado por outros oradores. “Uma coisa normalmente subvalorizada é que a tecnologia não cria apenas
trabalhos na tecnologia, mas trabalhos no sector não tecnológico”, disse a directora de operações do
Facebook, Sheryl Sandberg (que falava num outro debate). O que Nourbakhsh disse a seguir também é
um exemplo dos desafios de que muitos participantes falaram, das incertezas associadas às previsões e
de um sentimento de esperança presente em várias das intervenções: “Não sei quais serão esses
empregos, mas estou confiante em que os vamos encontrar”.
A substituição de trabalho humano acontece há muito e vai desde os casos das linhas de montagem
progressivamente robotizadas até às caixas registadoras
no supermercado onde são os clientes a passar os
produtos. A tecnologia trouxe mais eficiência e uma
maior produção de riqueza. Mas também,
argumentaram vários oradores, desigualdades, tanto no
que diz respeito ao fosso digital que separa o mundo
informatizado daquele onde o uso da Internet e de
dispositivos informáticos é escasso, como à distribuição
de riqueza.
“É verdade que a tecnologia está a tornar o bolo
maior e que a criação de riqueza é maior, mas não há
nenhuma lei económica que diga que todos vão
beneficiar proporcionalmente”, observou Erik
Brynjolfsson, especialista em economia digital do MIT. O académico afirmou que as revoluções anteriores,
embora tenham obrigado a adaptações que deixaram pessoas para trás, foram “uma maré que levantou a
maioria dos barcos”. Na revolução industrial anterior, “as máquinas ultrapassaram o trabalho braçal, mas
o resto da sociedade adaptou-se: inventámos educação pública para as massas, mudámos o sistema de
Imagem disponível na Internet em: http://www.publico.pt/tecnologia/noticia/a-nova-revolucao-gerou-
mais-perguntas-do-que-respostas-em-davos-1721206
Imagem disponível na Internet em: http://belettimodelismo.com.br/category/aeromode
lismo/drones/
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segurança social”, lembrou, antes de reconhecer que “foi duro para muitas pessoas, nem todas se
adaptaram imediatamente”.
Porém, a realidade é hoje diferente.
Brynjolfsson referiu que, nas últimas duas
décadas, se estão a gerar grandes assimetrias
com a quantidade de riqueza produzida: “Há
um crescimento contínuo de produtividade, o
Produto Interno Bruto está em níveis recorde
na maioria dos países, há mais milionários e
multimilionários do que alguma vez vimos.
Mas o rendimento mediano (nos EUA) é
agora mais baixo do que no final da década
de 1990”.
Uma possível estratégia para lidar com as
pessoas cujos trabalhos sejam substituídos por máquinas veio da boca do presidente executivo da
Microsoft, Satya Nadella. “O desafio de substituição é real. A natureza do trabalho vai mudar
fundamentalmente”, previu o executivo, que gere uma empresa com 119 mil funcionários e cujos
produtos são responsáveis por uma incontável miríade de postos de trabalho indirectos. “Sinto que o
enfâse devem ser as competências, em vez de nos preocuparmos demasiado com os trabalhos que se vão
perder. Vamos ter de, como sociedade, gastar o dinheiro para educar as pessoas. Não apenas crianças,
mas também as pessoas substituídas a meio da carreira.”
Nadella defendeu que a explosão das tecnologias de informação e da inteligência artificial está a gerar
riqueza sem paralelo. Mas alinhou com outros oradores ao mostrar-se preocupado com o problema da
distribuição. “Todos precisamos de nos esforçar para criar um dividendo digital. Vai haver excedente
económico criado por causa desta quarta revolução industrial. A questão é saber o quão bem distribuído
vai ser.”
Os países emergentes, cuja economia depende sobretudo de mão-de-obra fabril e barata, estão entre
os que mais sentirão o abalo da automação nas linhas de montagem e noutros trabalhos que não exigem
qualificações elevadas. No fórum, houve quem lembrasse que a Foxconn (uma fabricante taiwanesa que
trabalha para a Apple e tem fábricas na China e outros países do sudeste asiático) tem actualmente dez
mil robôs a fazerem trabalho que antes era desempenhado por pessoas e que já anunciou planos para um
milhão de máquinas dentro de três anos (a empresa, no entanto, tem estado descontente com o
desempenho dos robôs e tem contratado mais para fazer a produção acompanhar as vendas de iPhones).
O milionário empresário indiano Anand
Mahindra, que fabrica tractores e falou no
mesmo painel que os executivos da Microsoft e
do Facebook, afirmou que a robotização acabará
por impedir a Índia de replicar o modelo chinês.
Mas disse ver oportunidades nas tecnologias da
quarta revolução. “Na Índia, 65% da população
ainda está em aldeias. De repente, é possível pôr
lá impressoras 3D. É possível fazer com que
sejam todos mecânicos independentes. É
possível ligá-los a clientes, cortar
intermediários e ter aldeias auto-suficientes.
Vai haver uma explosão de produtividade”.
Pereira João, Pedro. In Jornal PÚBLICO. Publicado em 24/01/2016
Carro sem condutor da Google 2016. Imagem disponível na Internet em:
https://www.google.pt/search?q=carro+google+sem+condutor&rlz=1C1AVNA_enPT609PT609&espv=2&biw=1309&bih=705&tbm=is
ch&imgil=WXyRAV-GI1-1pM%253A%253BTMmt0oY0j-_pwM%253Bhttp%25253A%25252F%25252Fhypescience.com%25
252Fcarro-google%25252F&source=iu&pf=m&fir=WXyRAV-GI1-1pM%253A%252CTMmt0oY0j-
_pwM%252C_&usg=__mAxlX7txppTd-4dlDhVv8ErVAVg%3D&ved=0ahUKEwjtxYSJkI_LAhVDNxQKHVp6D
4MQyjcIJg&ei=0fbMVq2ZCsPuUNr0vZgI#imgrc=WXyRAV-GI1-1pM%3A
Carro sem condutor da Google 2016. Imagem disponível na Internet em:
https://www.google.pt/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&ved=0ahUKEwjZ0YW6lJDLAhUHPxoKHQa3BvcQjRwIBw&url=http%3A%2F%2Fabcnews.go.com%2FTechnology%2Fm
obile-world-congress-phones-virtual-reality-mark-zuckerbergs%2Fstory%3Fid%3D37110943&bvm=bv.115277099,d.d2s&psig=AFQjCNHyqYHnDBh_2wV107omL4lFUnvnmA&ust=
1456395039016462
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As linguagens da hipermedia
Propiciada, entre outros fatores, pelos media digitais, a revolução tecnológica que estamos a
atravessar é psíquica, cultural e socialmente muito mais profunda do que a invenção do alfabeto, do
que foi também a revolução provocada pela invenção de Gutenberg e também do que foi a revolução
da cultura de massas, com os seus meios técnicos, mecânicos e eletrónicos de produção e transmissão
de mensagens. Muitos especialistas da cibercultura não têm deixado de alertar para o facto de que a
revolução teleinformática, também
chamada de revolução digital, está
a atingir proporções antropológicas
importantes, chegando a compará-
la à Revolução Neolítica.
Para se ter a ideia das
consequências trazidas por esta
revolução, basta dizer que a nova
ordem económica, social e cultural
mundializada não seria possível sem
ela. Na base desta revolução está o
processo digital. Via digitalização,
quaisquer fontes de informação
podem ser homogeneizadas em
cadeias de 0 e 1. Essas cadeias são
chamadas bits. Um bit não tem cor, tamanho ou peso e é capaz de viajar à velocidade da luz. É o menor
elemento atómico do DNA da informação. É um estado: ligado ou desligado. Os bits sempre foram a
partícula subjacente à computação digital, mas, ao longo das últimas décadas, o vocabulário binário
expandiu-se imenso, para incluir bem mais do que números ou mesmo letras. Diferentes tipos de
informação, como áudio e vídeo, passaram a ser digitalizados, reduzindo-se também a uns e zeros.
Além da universalização da linguagem, a digitalização possuí pelo menos dois outros méritos: por
um lado, a compressão dos dados, fenómeno suplementar que permite, de maneira cada vez menos
onerosa, armazenar e fazer circular grandes quantidades de informação; por outro lado, a
independência da informação digital em relação ao meio de transporte. A qualidade permanece
perfeita, seja ela transmitida via fio de telefone, onda de rádio, satélite de televisão, cabo, etc. Tendo a
sua base na digitalização, os fatores de aceleração da co-evolução entre homem e as máquinas usadas no
tratamento da informação têm sido a hibridização das tecnologias e a convergência dos media. Vários
setores tecnológicos e vários media, anteriormente separados, convergem para um único aparelho.
Com a digitalização da informação, um fax, uma impressora a laser, uma fotocopiadora, uma
secretária eletrónica, um scaner, um computado podem convergir para uma única máquina. O sistema de
leitura do scaner é utilizado pelo fax; o sistema de impressão a laser pela impressora ou fotocopiadora; o
modem pelo telefone. Os prognósticos da convergência não param aí. Através do acasalamento da
informática com a televisão e as telecomunicações, deverão aparecer sistemas híbridos em co-evolução
acelerada: microcomputador portátil do tipo note-pades integrando fax, televisão, telemóvel, videofonia,
telefoneinteligente com écran, ou aquilo a que alguém chamou “compuvisor”: computador televisor
ligado a telefone, a estação de viagem do futuro nas superautoestradas eletrónicas do ciberespaço.
Um dos aspetos evolutivos mais significativos dessa conjuntura revolucionária está no aparecimento
e rápido desenvolvimento de uma nova linguagem: a hipermedia. Antes da era digital, os suportes
estavam separados por serem incompatíveis: o desenho, a pintura e a gravura nos ecrãs, o texto e as
Imagem disponível na Internet em: http://jornalggn.com.br/fora-pauta/o-codigo-binario-do-jornalismo-ordinario-de-marcos-carvalho
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imagens gráficas no papel, a fotografia e o filme na película química, o som e o vídeo na fita magnética.
Depois de passar pela digitalização, todos esses campos tradicionais de produção de linguagem e
processos de comunicação humanos juntaram-se na constituição da hipermedia. Para ela convergem
texto escrito (livros, periódicos científicos, jornais, revistas), o audiovisual (televisão, vídeo, cinema) e a
informática (computadores e programas informáticos). Aliada às telecomunicações (telefone, satélites,
cabo) das redes eletrónicas, a tecnologia da
informação digital conduziu à disseminação
da internet que resultou da associação de
dois conceitos, o dos servidores de
informação com o de hipertexto. O utilizador
pode navegar de um texto do servidor para
qualquer outro, bastando para isso seguir
alguns protocolos muito simples. O universo
virtual das redes alastrou tão
exponencialmente por todo o planeta que
fez emergir uma nova forma de cultura, a
cultura do ciberespaço ou cibercultura. Ora,
uma das mais importantes facetas da
cibercultura é a linguagem hipermedia. (...)
Podemos então definir hipermedia com “a
integração, sem rutura, de dados, textos, imagens, de todas as espécies e sons dentro de ambiente
digital”.
A primeira linguagem a entrar triunfalmente neste novo cenário, foi a verbal, a escrita. Na verdade, no
século XX, tido como o século da proliferação das imagens, século da película foto-fílmica e dos ecrãs
eletrónicos, a linguagem verbal escrita estava relegada para segundo plano, por ser o menos espetacular
dos meios de impressão. A sua importância, que teve durante alguns séculos, parecia para sempre
perdida. O hipertexto digital trouxe-a de volta sob a forma inédita de veículos não lineares entre
fragmentos textuais associados, interligados por conexões conceituais (campos), indicativos (chaves) ou
por metáforas visuais (ícones) que remetem, ao clicar no botão, de um percurso de leitura para outro, em
qualquer ponto de informação ou para diversas mensagens, em cascatas simultâneas e interconectadas.
Essa forma que estava apenas a ser ensaiada de modo tímido e rudimentar nas grandes enciclopédias
ainda presas à pesada materialidade dos austeros volumes em papel, transmuta-se hoje em hipermedia,
na qual a lógica do hipertexto se amplia à dimensão visual e coreográfica da linguagem.
Se nas enciclopédias e mesmo nos livros impressos, só com muito esforço a imagem se podia
desprender da função subsidiária e ilustradora das ideias, na hipermedia, ela pode estar presente
plenamente, agora ainda mais poderosamente devido às possibilidades de pela animação: movimento
resultante da computação na morfogénese das imagens que gesticulam. Na hipermedia, fotos, desenhos,
gráficos, sinais de trânsito interno, formas em multi-luz-cor, texturas, sonoras e luzes estão lá para
orquestrar os sentidos. Palavra, texto, imagens fixas e animadas podem completar-se e intercambiar
funções na trama de um tecido comum. Como isso não bastasse, a hipermedia pode incorporar sons,
vozes, música, ruídos e vídeos. Longe de ser apenas uma nova técnica, um novo meio para transmissão
de conteúdos preexistentes, a hipermedia é, na realidade, uma nova linguagem cada vez mais presente
no quotidiano dos indivíduos da sociedade e das suas organizações.
In Santaella, Lúcia. Matrizes da Linguagem e Pensamento: Sonora, Visual, Verbal. S. Paulo,2005. Editora Iluminura, Lda. [consultado 2015-04-19 22:35:39]. Disponível na Internet:https://books.google.pt/books?id=f-
Imagem disponível na Internet em: https://hilocultura.wordpress.com/2013/04/11/de-la-multimedia-a-
la-hipermedia-paloma-diaz/
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A evolução tecnológica da escrita
A escrita surge com o registo da imagem evoluindo para os símbolos. A palavra escrita não é a coisa;
ela apresenta à memória o objeto ausente.
A escrita evoluiu em diversos suportes, foi esculpida em argila, desenhada no papiro e no pergaminho,
inscrita no papel, digitalizada no
mundo virtual. Em cada suporte
foi objeto de tecnologias
diferentes.
A escrita cuneiforme dos
sumérios consistia em figuras
gravadas com estiletes sobre
tábuas. Os hieróglifos no Egito,
com mais de 6.900 sinais, eram
usados nos monumentos, nas
paredes de templos e túmulos.
No Egito usava-se o papiro,
planta com talos processados,
transformados em ‘folhas’ para o
registo de textos e contas do
império numa escrita hieroglífica
simplificada, a hierática. O papiro era exportado, e a preparação, segredo de estado. O papiro preso em
tubos de madeira formava pesados rolos e era preciso mais de uma pessoa para manipulá-los.
A escrita alfabética, nos últimos séculos do segundo milénio a.C., era composta de símbolos escritos da
direita para a esquerda. O alfabeto fenício, usado até hoje, adotado pelos gregos, era composto por 24
letras. Os alfabetos europeus tiveram origem no alfabeto fenício, e o alfabeto latino foi derivado do
grego.
O pergaminho, pele de animal preparada para a escrita, também foi muito usado na Idade Média. Os
códices ou codex, precursores do livro, eram feitos pela junção de vários pergaminhos onde os monges
escreviam. O papel, como usamos hoje, foi o sucessor do pergaminho.
Ossos molhados, pena de aves, em geral de ganso, foram usados para escrever nos papiros e
pergaminhos. A pena animal foi substituída pela de metal, e somente em 1884 foi inventada a caneta-
tinteiro e, em 1937, a caneta esferográfica.
Segundo o historiador Michael Adler, a primeira máquina de escrever documentada foi fabricada por
Pellegrino Turri por volta de 1808, para que o inventor pudesse comunicar com uma amiga cega. Mas,
muitos países reivindicam este invento.
A imprensa, técnica baseada nos tipos móveis e na prensa, com tinta à base de óleo, tornou possível a
multiplicação da escrita com Gutenberg. É uma invenção revolucionária, talvez a mais importante da era
moderna, reproduzindo mecanicamente os textos. A socialização da escrita permitiu o acesso à
informação por livros, jornais e revistas.
Depois da imprensa, a nova revolução para a escrita e a informação foi o computador. O texto sai da
página para a tela, do material para o virtual. Com o computador prevê-se a morte do livro, dos jornais,
das revistas. O códice, o livro, o texto virtual são suportes para a comunicação e o armazenamento de
informações que acompanham o desenvolvimento do ser humano.
Imagem disponível na Internet em: http://aevolucaodaescrita.blogspot.pt/2013/02/avanco-da-escrita.html
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Novas tecnologias prometem revolucionar ainda mais a escrita. O teclado da máquina de escrever,
incorporado no computador, possivelmente
será alterado. Os equipamentos digitais
cada vez menores, como telemóveis e
iphones, permitem o envio de mensagens
escritas, e estão em curso estudos para
alterar o teclado, tornando-o mais
ergonómico, permitindo movimentos
rápidos dos dedos para a composição das
palavras com as letras dispostas na diagonal
em uma “touch screen”. Já se fala, ainda, em
substituir os teclados por comandos de voz.
Em relação à impressão, houve uma
revolução para grandes tiragens
substituindo a prensa de Gutemberg, e a
impressora doméstica substituiu a gráfica na
reprodução dos textos. Já é possível reproduzir objetos em três dimensões em impressoras domésticas.
As informações escritas acessíveis a algumas classes sociais, aos escribas no mundo antigo, aos
monges copistas na Idade Média, foram democratizadas com a imprensa e a rede de computadores, o
que possibilitou a intervenção dos cidadãos, transformando-os de consumidores em produtores de
informações. O homem cria a técnica, e a técnica faz o homem reinventar-se.
As imagens também se transformaram através dos tempos. Dos desenhos inscritos em rochas
passaram aos papiros, pergaminhos e papéis e evoluíram com registo pela luz na fotografia,
transformando-se em movimento no cinema, e chegaram em pixels no ecrã da televisão e na forma digital
no computador.
Palange, Ivete. Texto, hipertexto, hipermídia: uma metamorfose ambulante. Disponível ma Internet em
https://resumosinmetro.wordpress.com/2012/04/23/di-4563-texto-hipertexto-hipermidia-uma-metamorfose-ambulante/
A evolução histórica do hipertexto
No início dos tempos da comunicação, havia uma pluralidade de sociedades, de cultura oral, vivendo
fechadas em si. Cada tribo tinha sua própria linguagem e partilhava um contexto único. O conhecimento,
limitado às lembranças dos mais velhos, era repassado, de geração a geração, apenas aos membros
daquela comunidade.
Com a escrita e mais tarde com a imprensa, abriu-se uma nova perspetiva universal de comunicação e
difusão de conhecimentos. Os “mais instruídos”, autores dos livros, repassavam s sua visão particular do
mundo, influenciando a todos e difundindo as suas ideias a quem tivesse a oportunidade de ler as suas
obras.
Na fase atual de evolução da comunicação, com a cibercultura conseguimos atingir a universalidade e
a diversidade de comunidades, com pontos de vista por vezes desiguais e conflitantes. Com a
virtualização e a globalização da sociedade, o processo de produção da informação e do conhecimento
deixou de ser hierárquico para se tornar horizontal, descentralizado e interativo. Neste período pós-
gutenberguiano, será possível imaginar buscas eletrónicas em imensos e variados acerbos textuais, à
Imagem disponível na Internet em: http://www.howtogeek.com/218266/do-you-really-need-a-
touchscreen-on-your-windows-pc/
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escala planetária com as facilidades do hipertexto para passar de uma fonte a outra no aprofundamento
do conhecimento.
O hipertexto insere-se nesse contexto da cibercultura, como uma de suas novas interfaces de
comunicação. Na verdade, o hipertexto resgata e modifica antigas interfaces da escrita, como a
segmentação em módulos (capítulos e
secções), o acesso seletivo e não linear
ao texto (índices e sumários), as
conexões a outros documentos (notas
de rodapé e referências bibliográficas),
implementadas pelas novas tecnologias.
Essa nova maneira de escrever pode
ser usada para organizar e divulgar os
conhecimentos sobre uma determinada
área do saber, sendo especialmente útil
nas áreas de gestão de informações,
comunicação e educação. A sociedade,
ao aprender a lidar com os hipertextos,
pode aproveitar todo o seu potencial
cognitivo, interativo e multimodal, como
recurso pedagógico, meio de comunicação e de divulgação de conhecimento na era da informática.
Vale a pena lembrar que toda inovação tecnológica gera fenómenos educacionais, culturais e sociais.
Entretanto, ela, por si só, não é capaz de resolver, de uma hora para outra, os problemas económicos e
sociais da era em que foi idealizada. Ela apenas contribui para o despertar de uma nova conceção, um
novo saber, transformando a capacidade de entendimento das gerações que a vivenciam. Devem surgir
iniciativas, essencialmente governamentais, para reduzir o desequilíbrio cultural e social, com intuito de
proporcionar, a uma parcela cada vez maior da população, acesso às novas tecnologias, à informação e ao
conhecimento. Cabe à sociedade examinar as potencialidades da nova tecnologia, acompanhar a sua
trajetória e identificar o seu nicho, tendo em vistas a aprendizagem, o crescimento e o desenvolvimento
humano em sociedade.
Dias, Cláudia Augusto. Hipertexto: evolução histórica e efeitos sociais. Disponível na Internet em
http://www.scielo.br/pdf/ci/v28n3/v28n3a4.pdf
A música, o digital e a internet
Hoje em dia, a música chega-nos tão facilmente aos ouvidos, que se torna quase impossível imaginar
as dificuldades em meados do século XIX para usufruir do mesmo privilégio. Um dos únicos meios era, por
exemplo, assistir às orquestras que se deslocavam às cidades de forma limitada. Esta limitação despertava
alguns fatores relevantes como o silêncio, a atenção, a memória e outros sentidos, fatores esses, que não
estarão tão presentes nos dias de hoje.
Só em 1877, com a invenção do primeiro aparelho capaz de gravar e reproduzir som, foi possibilitada a
audição doméstica de música. Nascia o phonograph, ou fonógrafo, que consistia num cone em cujo
vértice era colocada uma membrana ou diafragma com uma agulha no centro e um cilindro metálico
ligado a uma manivela que, acionada manualmente, fazia o cilindro girar com o propósito de gravar ou
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reproduzir um som. Esta tecnologia marcava o início de uma nova capacidade. Passava a ser possível ouvir
música segundo o nosso próprio critério.
Uma década após o aparecimento do
primeiro meio de captação e reprodução de
música, surgiram os primeiros discos. Alguns
dos primeiros discos funcionavam em média a
78 rpm (rotações por minuto) e permitiam
armazenar uma música de cada lado. Esta
tecnologia foi, porém, sendo desenvolvida e
melhorada ao longo dos anos, e chegou-se a
um novo resultado que viria a revolucionar
novamente o consumo de música em
ambiente doméstico. Foi descoberto um novo
tipo de material propício à transmissão de som, o vinil, que também ficou conhecido como LP (long play).
Os discos LP eram, por esses tempos, um fator de convívio social, onde familiares, amigos e por vezes
desconhecidos, se juntavam na casa de um proprietário do gira-discos e usufruíam da música que
transmitia. A denominação long play deixava de ser uma referência a termos técnicos como as rotações
por minuto e passava a ser sinónimo de longas horas de consumo sonoro. Os discos tinham, então, uma
maior capacidade de armazenamento de informação de cada lado e tornaram-se os preferidos pelo
público e pela indústria fonográfica.
Entre os anos 1960 e 1970 a venda de discos disparou devido ao surgimento de um novo conceito, a
capa. Com um conjunto extenso de informação relativa ao disco e com um requinte gráfico cada vez
maior, a capa colocou o conceito de disco na mesma categoria de valores do livro. Surgiram os álbuns,
que passaram as ser vistos como arte e a discoteca pessoal de cada indivíduo caracterizava a sua cultura
musical.
“Com o surgimento da estética do álbum, os discos passam a ser vistos como obras de arte em si. O LP
passa a ser consumido como livros, ou seja, um suporte fechado, passível de coleção em discotecas
privadas – com status de objeto cultural, afinal julga-se a cultura musical de uma pessoa pela discoteca
que possui” – De Marchi.
Apesar do longo reinado dos discos LP, estes foram destronados com o aparecimento de uma nova
tecnologia, o compact disc (CD). Feitos de alumínio, menores, mais leves e com capacidades de
armazenamento de aproximadamente 70 minutos, inauguravam, assim, a era digital, caracterizada pela
sua portabilidade e facilidade de gravação, reprodução e transporte.
Existia uma alternativa ao CD que também revolucionou os métodos de gravação em estúdio. A fita
magnética não só era adequada às inovações tecnológicas como também era maleável. Caracterizada
pela sua portabilidade, trouxe uma grande inovação ao consumo de música, possibilitando a audição em
qualquer local, com o aparecimento da fita cassete e do walkman.
O CD distinguiu-se da fita magnética, apesar de possuir o mesmo princípio de portabilidade, devido à
sua maior qualidade sonora, e surgiu, então, o discman. Houve também uma adaptação no ambiente
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caseiro em relação à nova tecnologia. Os gira-discos de madeira e aço foram substituídos por aparelhos
modernos, feitos de plástico, com CD player. Os discos LP entraram em desuso e as fábricas de vinil foram
encerrando, tudo, devido à soberania do CD.
O domínio do CD terminou de um modo semelhante ao seu começo. Com o aparecimento do motion
picture expert group layer 3 (MP3) iniciou-se uma nova era de mobilidade de informação que não está
mais limitada a um suporte material. O padrão de consumo alterou-se e a gravação sonora tornou-se
numa informação transferível entre suportes. Com a convergência tecnológica, o consumo sonoro
expandiu-se para outros meios de comunicação e setores industriais.
Com esta tecnologia, revelou-se também um problema que, apesar de já existente na época das fitas
magnéticas, atingia agora um
grau de relevância
significativamente maior. A
pirataria tomou proporções
exorbitantes com a
digitalização do processo de
gravação e reprodução. O
aparecimento do computador
no começo dos anos 1990, e
posteriormente da internet,
possibilitou o acesso direto, sem mediações nem custo, a ficheiros digitais. Uma das primeiras tentativas
de resolução deste problema foi a venda de música online, ideia levada a cabo pela empresa Apple, que
criou uma loja online, iTunes Store.
Relativamente aos dias em que a
música era expressamente
transmitida através de suportes
físicos, existiu uma tremenda
evolução que alterou o modo como
esta chega a nós nos dias de hoje.
Atualmente existem vários modos de
ouvirmos a música que pretendemos
e nem todas são moralmente
corretas. A indústria evoluiu e
continua a evoluir, sendo que
continuamente vão surgindo novos
meios de transmissão. Deixou de ser necessário o suporte físico, quer por necessidade ou por opção e
cada vez menos pessoas recorrem a este meio para adquirir a música pretendida.
A música, o digital e a internet. In Música 2. Disponível na Intternet em http://blogs.ua.pt/novosmedia/musica2/sobre-nos/.
Adaptado
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Os novos media e a música
Hoje em dia é quase impossível falarmos de música sem colocarmos de parte a sua componente digital
e a estreita ligação às novas tecnologias. É neste sentido que se torna igualmente importante
percebermos o que são afinal os novos media e qual o seu contributo para a indústria musical.
Os novos media referidos por McLuhan na sua obra Understanding Media “The Extensions of Man” em
1964, (radio, televisão) dão hoje lugar aos novos media que marcam o ritmo de uma geração voltada para
o digital e a interação. Referimo-nos a medias assentes em tecnologias cada vez mais evoluídas, que
permitiram não só a convergência entre os antigos e novos media, como a possibilidade de gerar lucro
através do desenvolvimento de novas tecnologias e a da revenda de conteúdos já existentes noutros
novos formatos.
Durante os últimos 20 anos, os media sofreram alterações consideráveis que se traduziram,
sobretudo, na estreita interligação entre a técnica e a sociedade. Os novos medias são, sobretudo, digitais
e online, daí que a internet não possa ser colocada de parte quando falamos da relação entre a música e
os novos media, porque é nela que se encontra concentrado, na grande maioria, as possibilidades de
conectividade.
Com a ascensão dos novos media, a evolução tecnológica e a intensificação do mundo web, a
capacidade de criar conteúdos, de os divulgar e de os promover transformou-se e liberalizou-se,
estendendo-se a um público cada vez mais abrangente, com pessoas capazes de conquistar e trilhar o seu
próprio caminho, enquanto artistas, até ao topo.
Claro está que essa liberalização tem os seus pontos fracos, discutidos um pouco por todo mundo,
assentes na livre partilha e divulgação de conteúdos que facilitam a pirataria, a violação dos direitos de
autor e a proliferação de conteúdos sem qualidade.
A revolução digital alterou, inquestionavelmente, a noção coletiva de “artista”. Não obstante as
dificuldades impostas pelos novos media e as suas tecnologias, artistas por todo mundo perceberam
desde cedo o impacto e a influência da sua utilização cuidada e pensada, não só na criação de novos
conteúdos mas também na sua própria autopromoção, ligação e interação com os fãs. Já em outubro de
2003, a plataforma MySpace tornou-se a rede social online mais popular do mundo na partilha de música
online. A digitalização dos conteúdos, a articulação tecnológica e a interconetividade em rede foram as
dinâmicas-chave que mais contribuíram para a transformação das indústrias de entretenimento,
nomeadamente no setor da música.
Não é a primeira vez que a indústria musical enfrenta mudanças significativas devido à introdução de
inovações tecnológicas ao nível do formato de distribuição dos conteúdos musicais Assim aconteceu com
o vinil, as cassetes (MC), o compact disc (CD) e o digital video disc (DVD), até chagamos atualmente ao
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popular ficheiro MP3, formato que impulsionou a comercialização e uso de novos equipamentos
tecnológicos que se vão tornando progressivamente mais pequenos, portáteis, pessoais, personalizáveis,
interconectáveis e articuláveis em rede.
As transformações globais na indústria da música e as formas contemporâneas de consumo musical,
decorrentes do advento da era da música digital e em rede, caracterizam o momento atual de transição
para a nova ordem musical 2.0, que se define através dos conceitos de ubiquidade, interconectividade,
interatividade, mobilidade, online, digitalização, cultura em rede, consumos crossmedia. O
conceito provém do inglês e significa “cruzar” – ou “atravessar” – os média, ou seja, disponibilizar
o conteúdo em diferentes meios.
Entre 2003 e 2007, assistiu-se a uma
quebra na hegemonia do CD a par da
afirmação do digital. Após a emergência do
mercado legal dos downloads, a indústria
musical começou a provar a sua capacidade
de criar novas áreas de negócio,
nomeadamente na Internet e no mobile. Em
2003, através destes serviços, o consumidor
tinha disponível para download apenas 1
milhão de faixas musicais enquanto que em
2007 já dispunha de mais de 6 milhões.
Hoje, o crescimento de múltiplas
plataformas e programas online garantem acesso a todo o tipo de conteúdos que um artista queira
promover. Redes sociais como o Facebook, o Twitter e o Youtube transformam o contacto artista-público
muito mais pessoal, contribuindo para uma partilha que vai para além da música.
As novas tecnologias e os novos modelos de negócio na Internet, auxiliam o desenvolvimento de
conteúdos interativos e apelativos, levando a bandas e cantores a conseguirem envolver os seus fãs em
experiências coletivas, fortalecendo essa relação.
Nunca foi tão forte a tensão entre produtores e consumidores de conteúdos como agora, pois nunca
havia sido possível atingir um tão grande equilíbrio entre eles no controlo das mensagens.
Com isto, e com a crescente quantidade de informação gerada diariamente, a necessidade dos indivíduos
passarem por diferentes experiências obriga instituições e marcas a encontrarem argumentos mais
persuasivos para se ligarem com o público. No caso da música, as narrativas transmedia (o conceito
provém do inglês, significa “além do” média. Na prática, significa que os diferentes meios irão transmitir
diferentes conteúdos para o público, mas de
forma complementar) e a distribuição de
conteúdo em crossemedia, têm envolvido cada vez
mais os fãs de artistas musicais que acompanham
a evolução a evolução dos seus trabalhos
recorrendo aos novos meios.
Os novos media não só têm ajudado os artistas
a chegar mais perto dos seus públicos, como tem
contribuído para que os próprios públicos façam
parte do seu universo. Isto é, com as plataformas
de partilha e redes sociais, qualquer pessoa pode
vir a tornar-se um artista popular ao produzir e gerir os seus próprios conteúdos, sendo que a maior parte
Disponível na Internet em: https://support.apple.com/pt-br/HT204930
Disponível na Internet em: http://somosmusica.com.br/como-ganhar-dinheiro-atraves-do-youtube/
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dos cantores e bandas de renome, apelam à criatividade dos seus fãs, muitas vezes premiando-os e
incentivando-os.
Existe uma relação mútua que era dificilmente
alcançada antigamente, sem a ajuda da web. O artista
comunica com o fã e o fã comunica com o artista. Este
aspeto é muito comum hoje em dia, com os conteúdos
interativos que se tornam cada vez mais populares e
cada vez mais desenvolvidos pela indústria musical,
assim como a adesão às redes sociais, com o intuito de
quebrar a barreira entre público e artista.
Os novos media contribuíram para uma nova era
onde cada um de nós tem o poder de criar o seu
conteúdo dentro da indústria da música. Imensos
nomes conhecidos mundialmente começaram
precisamente da mesma forma. Partilhas no
Youtube, promoções através do Facebook, publicações em plataformas de música, tudo isto pode ser
feito por qualquer pessoa, como aconteceu com os Pentatonix, Boyce Avenue ou Justin Bieber, entre
outros guindando-os ao reconhecimento mundial.
In Música 2. Os Novos Media E A Música. 2015. Disponível na Internet em
http://blogs.ua.pt/novosmedia/musica2/2015/12/06/os-novos-media-e-a-musica/ (adaptado)
O digital e a democratização da fotografia
Quando foi criada, a fotografia passou praticamente despercebida aos olhos da sociedade da época.
Para alguns cientistas e inventores representou um novo ramo de estudo, trabalho e aperfeiçoamento.
Para os pintores significou uma ameaça, fazendo com que estes fossem confrontados com a uma decisão
difícil: unirem-se à nova atividade ou criarem um novo
estilo de pintura. Para a população em geral representou
a possibilidade de ser retratada, com fidedignidade e
certa acessibilidade, privilégio que antes, com a pintura,
estava restringido apenas aos ricos e importantes. Para a
imprensa (o jornalismo), a fotografia significou a
possibilidade de mostrar, e mais do que isso, possibilitou
comprovar as notícias por ela transmitidas.
Após passar por diferentes estágios, a fotografia
tornou-se digital, deixando de ser gravada num suporte
sensibilizado por sais de prata, e de obrigar à revelação para que pudesse ser vista. Sem revelação,
consequentemente, com menores custos de produção, a tecnologia digital difundiu-se, popularizou-se.
Esta popularização foi positiva. O fácil acesso a equipamentos fotográficos, mesmo que de baixa
qualidade, proporcionou a um número maior de pessoas o registo de momentos importantes, bem como
o contacto com uma atividade artística. Isto contribui para a democratização da fotografia, ou seja,
permitiu tornar a atividade acessível à população em geral.
Um assunto que causa divergência no mundo da fotografia é a manipulação de imagens. Barthes
afirma que a fotografia é a prova concreta de que algo aconteceu, que determinada cena de facto se
Disponível na Internet em: http://www.dualshockers.com/2014/02/21/looking-at-the-pros-
and-cons-of-an-all-digital-future/
Disponível na Internet em: http://shifter.pt/2015/11/ouvir-musica-no-facebook-vai-ser-bem-mais-facil/
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passou diante da lente de uma câmara. “Até este dia, nenhuma representação podia garantir-me o
passado da coisa, a não ser através de
circuitos. Mas, com a fotografia, a
minha certeza é imediata: ninguém no
mundo me pode desmentir”. Mas as
fotografias, por mais simples e sem
intenções que possam ser, já são uma
interpretação subjetiva da realidade.
Não se pode afirmar que as
manipulações fotográficas ou os
retoques no negativo ou por
programas de computador sejam boas
ou más. No mundo da publicidade e
até mesmo das artes a manipulação é
altamente explorada, com resultados
extremamente positivos. Entre
fotógrafos amadores estas práticas podem melhorar uma fotografia esteticamente ou estragá-la, quando
se exagera nos efeitos ou se não tem o domínio sobre as ferramentas disponíveis. Mas em muitos casos, a
manipulação fere princípios éticos, principalmente dentro do jornalismo, quando distorce a realidade que
a fotografia tem obrigação mostrar.
Inicialmente, a fotografia não foi posicionada dentro daquilo a que se chamamos artes. Ainda hoje
pode haver algumas divergências sobre quando uma fotografia deixa de ser o mero registo da realidade e
passa a ser considerada uma obra de arte.
Afinal, a fotografia é produzida a partir de
uma tecnologia e permite a reprodução, o
que pode afetar a aura e a autenticidade da
obra de arte. Parece consensual considerar
que uma fotografia é considerada uma obra
de arte a partir do momento que é feita
com a intenção e a técnica para tal
necessárias, transmitindo ao público as
mesmas sensações que as obras de arte
tradicionais costumam transmitir, como
admiração, reflexão, estranheza, choque.
A tecnologia digital acabou por banalizar
o exercício da fotografia? Novamente, não se pode dar uma resposta generalizada à pergunta, visto que
ela envolve outros pontos, muitos dos quais subjetivos. A fotografia digital, por ter sido bastante
difundida e ser uma atividade barata, permite às pessoas produzirem uma quantidade colossal de
imagens, dos mais diferentes temas, muitas das quais não são pensadas e inúmeras são excluídas pouco
depois de tiradas. Ainda hoje, muita gente aproxima- se da fotografia por motivos comuns, sem outra
intenção que não seja a de registar momentos e pessoas. Embora a produção em grande quantidade de
fotografias possa indicar banalização, os temas nelas retratados não o fazem, pois decidir o que fotografar
é algo pessoal e está totalmente ligado à democratização da fotografia.
Outro tema ligado à banalização da tecnologia digital que suscita atenção tem a ver com o facto de a
maior parte dos equipamentos serem automáticos. Como as câmaras não exigem dos fotógrafos
amadores conhecimentos técnicos, estes, embora possivelmente consigam imagens com boa iluminação
Disponível na Internet em: http://www.imagenswiki.com/imagens/foto-artistica-bosques-1-jpg
Disponível na Internet em: http://www.ipcdigital.com/turismo/dicas-de-passeio-ipc-digital-kawachi-fuji-garden-em-fukuoka/
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e focagem, dificilmente vão obter uma fotografia surpreendente. Este é o objetivo de muitos, apenas
registar o momento sem nenhuma preocupação técnica. Estamos, mas mais uma vez perante um indício
da banalização da fotografia. Mas apesar de nem sempre gerar imagens com uma técnica admirável, este
tipo de câmara expande as possibilidades de escolha do fotógrafo, contribuindo também para a
democratização da fotografia.
Apesar de eventualmente se estar perante uma forma de banalização da fotografia, a tecnologia
digital aumentou as possibilidades dentro do mundo da fotografia, com diferentes formatos de
equipamentos e permitiu a grande parte da população praticar esta atividade.
Correia, Juliana Rosa. (2009) “A evolução da fotografia e uma análise da tecnologia digital”. Disponível em:
http://www.com.ufv.br/pdfs/tccs/2012/JulianaCorr%C3%AAa.pdf (adaptado)
Convergência entre o cinema e as novas tecnologias
As primeiras perceções acerca da convergência entre produção audiovisual e a internet, partiram da
formulação das seguintes questões iniciais. Estão as novas tecnologias a provocar uma mudança efetiva
nos moldes da produção cinematográfica? Quais
as diferenças percebidas entre o cinema
convencional e o cinema digital? A nova realidade
tecnológica permite uma interação mútua, no
sentido de possibilitar a relação entre as pessoas,
usando as máquinas virtuais como meio e, dessa
forma, possibilitando a troca de mensagens e a
produção coletiva que fujam aos padrões da
comunicação de massa? O desenvolvimento dos
meios técnicos que permitem movimentos espaço-
temporais (até há pouco desconhecidos) levam os
interagentes a construir novas relações? Esse novo
processo irá intensificar o isolamento do sujeito ou
proporcionar maiores possibilidades de interação?
Como se configuram as relações e interconexões no processo de construção de uma produção
audiovisual via internet, em que todos têm a possibilidade de agir como emissores/recetores,
produtores/espetadores? Que alterações se
produzem no papel do espetador nesse tipo de
produção interativa? É possível penar o
espetador como coautor na produção
audiovisual?
Cabe referir, primeiramente, que as
tecnologias digitais foram usadas no cinema na
criação de efeitos especiais. A evolução de
hardwares e softwares (equipamentos e
programas de computação) modificou e
ampliou as possibilidades dos processos de
edição. Com o aperfeiçoamento da tecnologia Cena do filme “Avatar” realizada por James Cameron, 2009.
A internet e o digital vieram permitir novas formas de produzir, difundir e visualizar cinema.
Imagem disponível em: http://puc-riodigital.com.puc-
rio.br/Texto/Economia/Janelas-digitais-ampliam-o-
horizonte-do-audiovisual-25087.html#.Vr4hTvmLQdU
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digital, essa operação estendeu-se, também, à captação/criação de imagens com qualidade semelhante à
da película cinematográfica, deixando de ser
necessários filmes e processos de impressão química
para registar imagens, facto que deu origem ao
chamado cinema digital (e que aproxima cinema e
vídeo). No momento atual, as modificações advindas
da mistura entre cinema, telecomunicações,
informática e respetivas ferramentas, estão a levar a
produção audiovisual a um novo estádio em que se
ampliam as possibilidades de interação, formando
um híbrido que, embora não deixe de ser uma
experiência audiovisual, até então era impossível de
ser realizado.
Nesse novo estágio da produção audiovisual, o
pape l do espetador pode romper com as
características permitidas pelo cinema convencional.
Assim, tem-se como hipótese que a
utilização/incorporação da internet na produção
audiovisual estabelece uma nova forma de
expressão que permite a participação ativa/criativa
do espetador no processo de construção de uma
produção audiovisual. Conjetura-se, também, que
ao abrir as possibilidades de participação em todos
os âmbitos e fases da realização audiovisual, pode
haver uma tendência para a anarquia audiovisual, por vezes ininteligível, bem aos moldes pós-modernos
e, também, levar ao descontrolo dos resultados, o que não nega sua validade.
É provável que, assim como ocorreu com o cinema dos primeiros tempos, a uma fase de expansão e
utilização descontrolada, oriunda do entusiasmo pelas possibilidades permitidas pela tecnologia - de
participação ativa, de manipulação de imagens e do hibridismo de alternativas -, advenha uma era de
estruturação de uma nova linguagem, em contínua mutação, reflexo da nova organização espácio-
temporal da sociedade pós-moderna.
Rosa, Wagner Iván da (2005) O espectador criativo: a evolução técnica e a nova produção audiovisual. Disponível na Internet em http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=686, adapatdo
Cinema e tecnologia: do espetador passivo ao espetador criativo
O espetador é visto como o indivíduo que assiste aos filmes, ou seja, o espetador é sempre passivo.
Que relação se estabelece entre o espetador e o espetáculo com o qual ele é confrontado. Estudos
comparam a posição do espetador à do sonho, considerando que o filme suscita uma adesão empática,
bem longe da simples passividade, próxima de um certo estado de comunhão relaxada, que lembra o
devaneio, o sonho acordado. Ao assistir um filme, a atenção volta-se intensamente para a ação no ecrã,
diminuindo e desviando a atenção para outro tipo de estímulo, percebidos por outros sentidos, inclusive
o orgânico.
O digital ao serviço da produção de filmes: o exemplo do filme Avatar
O filme Avatar tornou-se um marco do cinema de
animação 3D misturando personagens 3D e representação de atores reais. As belíssimas cenas e construções virtuais revolucionaram o género tanto esteticamente como tecnicamente, abrindo novos caminhos e representando uma grande evolução no uso da computação gráfica, dos efeitos especiais e na direção de personagens.
A computação gráfica 3D com tecnologia avançada e de ponta ao tempo de sua produção permitiu revolucionar o género de produção de filmes de ficção científica.
Para a produção do filme foram usados os seguintes programas informáticos: Autodesk Digital Entertainment Creation (DEC), Autodesk® MotionBuilder® (Ferramentas para Criação de Entretenimento Digital da Autodesk), e Maya, também chamado Autodesk Maya software.
Na produção do filme combinou-se aa ação real 3D com os efeitos visuais foto-realísticos gerados em computador, criando personagens e paisagens de um mundo noutro planeta.
Texto disponível em: http://www.jrrio.com.br/software/filme-avatar-e-
software-maya.html. (adaptado)
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Ao projetar-se no mundo proposto pelo filme, o espetador imagina-se na sociedade dentro do ecrã,
encarna os papéis representados pelos atores, tem a sensação de estar vivendo as situações engendradas
para o personagem, chegando a sentir e a
vivenciar as emoções como se fizesse parte
daquela história. No âmbito psicológico, o
mecanismo da identificação projetiva permite-
lhe imaginar que entra no outro e sentir o
mesmo que ele, ao mesmo tempo induze-o a
crer que é esse outro que está no ecrã. O
conjunto de sensações originadas em tais
circunstâncias pela identificação projetiva
culmina com o fenómeno da catarse, palavra
grega que designa o processo de dar vazão às
emoções contidas, isto é, reprimidas.
Visando descrever as possibilidades de
elevar o espetador à condição de autor ou coautor, cogita-se a viabilidade do público sair da condição de
espetador reativo ou pró-ativo e passar à condição de espetador criativo, realizador, que age
efetivamente sobre a produção audiovisual. Por espetador reativo quer-se apresentar a figura de quem
assiste ao filme e responde às mensagens que lhe são propostas pelo autor, num processo que se resume
ao estímulo-resposta, de uma forma linear, privilegiando o ponto de vista do emissor, numa operação de
ação-reação em que o espetador é considerado um recetor passivo, sem possibilidade de intervir no
processo. Nas tecnologias reativas, a participação do espetador restringe-se a poder escolher entre um
conjunto de alternativas preestabelecidas pelo produtor da mensagem.
As novas tecnologias, além de todos os avanços já citados anteriormente, podem ainda contribuir de
uma forma mais inusitada e revolucionária para a interação do espetador no processo de construção de
um filme.
Pensar o espetador criativo significa aceitar sua
participação ativa, isto é, os rumos do filme
deixam de ser decididos “apenas” pelo produtor,
roteirista e diretor (e suas equipes técnicas), em
que o público é convidado a assumir a condição de
agente no processo de construção do filme. Se até
então o cinema tem sido visto como arte coletiva,
esse coletivo restringia-se a uma equipe formal,
contratada para desempenhar as diversas
atividades do fazer cinematográfico. Conjugados,
internet e produção audiovisual são elementos
que representam novas possibilidades de reunião,
de fusão grupal, de retorno à participação, à
diversidade, aspetos que permitem a modificação drástica do papel do espetador, que passa a ser agente
criativo da obra audiovisual.
Mediante as tecnologias do imaginário e, neste caso, as tecnologias do imaginário pós-industriais, os
indivíduos dão forma ao que existe no imaginário, passando a criadores, produzindo mitologias para
novamente alimentar imaginários. Em todos esses casos, o computador reacende à mesma discussão que
já foi travada quando do surgimento da TV, do videocassete (e seus sucedâneos, o Laserdisc e o DVD).
Câmara profissional de gravação digital Imagem disponível em:
hhttp://urbanfoxtv.blogspot.pt/2011/11/red-turns-scarlet-
into-low-cost-epic.html
Projeção de filme 3D http://www.cineorlandia.com.br/curiosidades.html
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Ao misturar cinema, processos digitais, internet, respetivas ferramentas e as possibilidades oferecidas
pelo ciberespaço, já não se está a falar de cinema no
sentido restrito ou, ao menos, não no sentido que se
conhecia até então. Tal possibilidade rompe com as
características do cinema convencional, formando um
híbrido que, embora não deixe de ser uma experiência
audiovisual, até então impossível de ser realizada. Às
críticas que surgirão a esse novo híbrido, cumpre
relembrar o pensamento de Walter Benjamin (1986): “A
história de toda forma de arte conhece épocas críticas
em que essa forma aspira a efeitos que só podem
concretizar-se em esforço num novo estádio técnico,
isto é, numa nova forma de arte.”
Rosa, Wagner Iván da (2005) O espectador criativo: a evolução
técnica e a nova produção audiovisual. Disponível na Internet em http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=686, adapatado
Deuses e demónios
Homenageei Paul Newman, um dos meus mitos, com a única maneira que para mim fez sentido: fui ao
cinema e ao teatro no fim-de-semana em que soube da sua morte. Newman sempre foi um dos meus
atores de culto.
Num país ainda hoje cheio de homofobia, nunca tive pudor em dizer que o achava lindo, nem dúvidas
em afirmar como sempre admirei a sua arte de representar: vi dezenas de vezes Gata em Telhado de
Zinco Quente, Corações na Penumbra ou
O Mais Selvagem entre Mil, para só citar
os meus favoritos. E anseio por rever
Caminho para Perdição, um filme
incompreendido mas que achei fabuloso,
porque nos fala dos papéis na família e
das lealdades invisíveis através das
gerações. Quando vi este filme e soube
que Paul Newman tinha anunciado o fim
da carreira, fui a correr arranjar cópias de
outras interpretações, antes que fosse
tarde: agora é fácil, a morte prolongará a
sua glória por algum tempo.
No sábado fui ao cinema, para ver o
novo filme de Sydney Lumet, Antes Que o
Diabo Saiba Que Morreste. Tinha
curiosidade em confirmar a minha ideia de que há cineastas com mais de 80 anos a fazer grandes obras
(Resnais, Rivette, Rhomer), embora a produção desigual daquele americano não fosse garantia à partida.
Mas havia de novo uma relação com o meu ator preferido: nunca poderei esquecer aquele advogado
decadente e alcoólico do filme de Lumet O Veredicto, em que Paul Newman, vestido de negro, oferece os
seus préstimos de jurista a viúvas inconsoláveis, em velórios soturnos exemplarmente retratados.
Monitor com software digital de edição de filmes Imagem disponível em: http://gadgetynews.com/lg-4k-digital-cinema-monitor-uk-price-a-first-for-visual-
content-creators/
Imagem disponível em: https://www.google.pt/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=&url=http%3A%2F%2Fwww.tecmundo.com.b
r%2Fcinema%2F65006-cinema-futuro-tera-3-telas-proporcionar-maior-imersao-
espectador.htm&psig=AFQjCNHu35todIegzRSKE_Zuo6vvIMERcg&ust=1456400945278813
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Agora vi os demónios, Philip Seymour Hoffmann e Ethan Hawke, dois irmãos e um só destino e a
anomia em forma de estilo de vida, numa saga familiar onde nem o angustiado pai (Albert Finney)
encontra um caminho que não seja a destruição e a morte. Através de uma sucessão de flash backs,
Lumet conduz-nos às cegas por uma sucessão de acontecimentos a princípio sem sentido: é a
justaposição de planos, sempre antes e depois do assalto, que confere uma linha de compreensão do
drama e que permite depois uma leitura mais ou menos sequencial do que se passou.
O que mais me impressionou neste filme foi a ausência de justificação dos protagonistas para os seus
atos, como se os acontecimentos se precipitassem sem que alguém se detivesse para os interrogar e
como se os padrões morais, outrora importantes naquela família, tivessem deixado de ter razão para
existir: é a própria sequência de atos
cada vez mais graves que determina o
que vai acontecer, porque ninguém é
capaz de projetar um devir. Lembrei-me
de Paul Newman, claro: como seria ele
no papel do irmão mais novo? O certo é
que o sorriso triste de Ethan Hawke não
deve autorizar comparações, porque a
sua interpretação não o merece...
Encontrei-me depois com os deuses do
teatro, aqueles que devem guiar os
grandes atores. Na peça De Homem para
Homem, de Manfred Karge, em cena no
Teatro da Cornucópia (atenção, acaba
hoje: leia a crónica e vá ao espetáculo!), Beatriz Batarda é sublime. Trata-se de uma peça que atravessa as
convulsões políticas e sociais da Alemanha ao longo de cinco décadas, no percurso singular de Ella, a
única personagem, que para sobreviver assume a vida do falecido marido. Beatriz mostra o seu talento,
mas também a sua formação da boa escola do teatro inglês: poucas atrizes seriam capazes de, durante
hora e meia, nos mostrar por dentro este percurso em busca de uma identidade, quer pessoal quer social:
a certa altura Ella não sabe se é homem ou mulher, fascista ou comunista, triste ou alegre e nós,
inebriados, tomamos as suas dores e não podemos ficar indiferentes.
A possibilidade de aceder a um filme ou a uma representação teatral através de um DVD alugado ou pela
Internet não nos pode afastar das salas de cinema ou teatro: por melhores condições de receção que
possamos ter em nossas casas, a magia da sala de espetáculo só se consegue mesmo lá dentro...
Sampaio, Daniel. Deuses e Demónios. In crónica Porque sim. Publicado na Revista Pública, Jornal Público de 5 de outubro de 1908
Numa década, cinco milhões de espetadores desapareceram dos cinemas portugueses
2014 foi, tal como o previsto, o pior dos últimos 11 anos em receitas e afluência de espetadores.
Venderam-se 12 milhões de bilhetes. E os portugueses viram sobretudo The Hunger Games e Os Maias.
O fosso entre os portugueses e as salas de cinema é cada vez maior – se 2013 já fora o pior da década
em termos de idas ao cinema, os dados relativos a 2014 mostram que num ano se perderam mais 400 mil
espetadores. E recuando até 2004, quando os cinemas venderam 17,1 milhões de entradas nas salas,
Imagem disponível em: http://www.teatroleonfelipe.com/2013/12/un-sabado-muy-especial-gracias-al.html
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constata-se que desapareceram cinco milhões desses espetadores. No ano passado venderam-se apenas
12,1 milhões de bilhetes.
O ano passado tornou-se assim no pior dos últimos 11 anos com receitas de 62,7 milhões de euros –
mais uma quebra, desta feita no valor de 2,8 milhões de euros que já não entraram nas bilheteiras em
comparação com 2013. A alteração dos hábitos de consumo audiovisual, as novas tecnologias, a pirataria,
os preços dos bilhetes e a distribuição geográfica das salas têm sido fatores apontados para explicar este
declínio.
O Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) revelou esta sexta-feira os dados provisórios da
distribuição e exibição cinematográfica em Portugal sobre o ano em que o filme mais visto foi The Hunger
Games: A Revolta – Parte 1 (mais de 344 mil espetadores, 1,8 milhões de euros de receitas brutas de
bilheteira), com Lucy em segundo lugar e a quebrar o domínio juvenil ou de sequelas do top 5, seguido
de Os Pinguins de Madagáscar, O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos e Rio 2.
Com Os Maias – Cenas da Vida Romântica a confirmar-se como o filme português mais visto (114.817
espetadores e cerca de 568 mil euros de receita de bilheteira), seguido por Virados do Avesso e Os Gatos
não Têm Vertigens, em 2014 produziram-
se 27 filmes (13 longas e 14 curtas) com
o apoio do ICA, informa o organismo, que
assinala “um ligeiro aumento em relação
às obras produzidas face ao ano
anterior”. Mas que é parco em
comparação com números que ao longo
dos últimos dez anos nunca desceram de
uma média de 49 produções e que já em
2013 resvalaram para as 23, na esteira
do chamado ano zero do cinema
português, assim apelidado por não
terem sido abertos concursos de apoio à
produção.
2014 foi também o ano em que a NOS (antiga ZON) continuou intocável na sua liderança no mercado –
embora tenha também perdido receitas (menos 7% para os 7,2 milhões de euros), é o maior exibidor
português com uma quota de mercado de 61,6% contra os 63,2% de 2013. A britânica UCI é o segundo
maior exibidor, reforçando a sua posição com 12,3% do mercado contra 12,9% em 2014. A brasileira
Cineplace, que entrou no mercado português depois da insolvência da Socorama ocupando muitos dos
espaços explorados pela empresa portuguesa (como as salas em muitos shoppings da Sonae), tem agora o
terceiro lugar em Portugal com 8,7% de quota.
Cardoso, Joana Amaral . In jornal Público, publicado em 16 de janeiro de 2015
Teatro digital: será ainda teatro?
Costuma dizer-se que a matéria-prima do teatro é a presença, o encontro físico entre um grupo de
pessoas (atores e espetadores) num determinado lugar (palco) num espaço de tempo. Da junção destes
elementos “instaura-se” o teatro: representação de mundos, personagens, hábitos, costumes e narrativas
que pode ser diferente da realidade quotidiana dos espetadores .
Imagem disponível em: http://www.batanga.com.br/878/os-15-espectadores-mais-odiados-do-cinema
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A necessidade da presença ao vivo, olho no olho, calor compartilhado entre os corpos, essência do
teatro, tida como impossível de reproduzir, era o que ainda poupava as artes cénicas de serem tocadas
pelos ventos da cultura digital que começou a varrer
discos, fotografias, filmes, disponíveis ao clique do
computador. Mas de alguns bons anos para cá, os
ventos tornaram-se furacão e atingiram o teatro; as
possibilidades da internet, reforçadas pela cada vez
mais desenvolvida nanotecnologia digital, estão a
conseguir relativizar até a presença, a experiência física
do olho no olho e do calor dos corpos presentes no
palco. Com a rede mundial de computadores, estar
num lugar deixou de ser apenas uma condição real,
física, para ser também uma condição virtual, digital.
Os corpos passaram a ter a possibilidade de se
digitalizarem, de serem transformados numa série de
números binários que podem ser transportados via cabos de fibra ótica para diversos cantos do planeta,
não como um teletransporte, mas como cópias potencialmente infinitas; um corpo transforma-se em
número, que viaja, viaja, e se transforma num novo corpo, noutro lugar, via computador. Se aos corpos é
permitida a possibilidade de digitalização, ao teatro também? Poderá o olho no olho e o calor do tête à
tête ser transformado em número e ser reproduzido em diversos lugares ao mesmo tempo e ainda
continuar a ser teatro? Pode haver, assim, um teatro digital?
Como já foi dito aqui, o teatro soube aproveitar as novas tecnologias de seu tempo quase de imediato,
da luz elétrica à fotografia e ao gravador de som. A partir da segunda metade do século XX, assiste-se á
expansão dos meios de reprodução técnico industriais (jornal, fotografia, cinema, rádio, televisão e meios
eletrónicos de difusão), que, sendo cada vez mais baratos e mais pequenos, viram o seu uso alargado para
além das grandes empresas com muito dinheiro para investir. Na década de 1960, por exemplo, surgem
as primeiras câmaras de vídeo com bateria acoplada, que permitiam um ganho de mobilidade até então
inexistente nas caras e pesadas câmaras utilizadas nos estúdios de televisão.
Com o início da comercialização dos aparelhos de vídeo – tanto de reprodução, como a videocassete e
de aparelhos sonoros portáteis como o
walkman, criado pela Sony japonesa em
1979, o uso de medias passou a fazer parte
do quotidiano social planetário. (...) Se
parece difícil entender, no contexto atual,
as mudanças ocorridas nas rotinas das
pessoas com o advento desses
equipamentos na rotina das pessoas,
lembremo-nos então das escassas
possibilidades de escolha do que ver e ouvir
antes do aparecimento da videocassete, da
televisão por cabo, do walkman e dos
gravadores de fita. Até então, tínhamos que esperar pela boa vontade das redes de televisão, das
emissoras de rádio, das gravadoras, dos estúdios de cinema, das lojas de discos, da programação dos
cinemas para podermos escolher aquilo que nos poderia agradar. A simples invenção da videocassete, por
exemplo, já provou uma pequena mudança na passividade reinante; ali estava um instrumento que
Disponível na Internet em: http://www.reporterosasociados.com.co/2015/04/teatro-
digital-una-entrada-para-todos-a-babasonicos/
Disponível na Internet em: http://www.funnyordie.com/videos/3e22d25f24/what-
the-red-dot-on-the-forehead-really-meansand-more-indian-stand-up-comedy-from-
indianinvasioncomedy?_cc=__d___&_ccid=sv9m9o.ny8r2e
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permitia mexer na programação que nos era imposta, gravando um programa que nos agradasse para
ver, rever e passar noutro momento. Ainda continuava a depender da boa vontade das redes de televisão
em exibir uma produção audiovisual de
qualidade, mas já havia uma pequena
possibilidade de ação e de partilha, ao invés
da mera inércia da receção. Diante desse
contexto de transformações é que surgiu o
conceito de teatro pós-dramático.
O teatro, até então essencialmente
“dramático”, baseado no texto, cede terreno à
imagem, ao uso de tecnologias mediáticas e
digitais e à incorporação de referências
explícitas de áreas como a dança, as artes
visuais, o cinema e a performance. É como se fosse uma resposta do teatro à cultura mediática.
Numa sociedade a abarrotar de medias, o uso da linguagem destas (televisão, cinema, videoclipe,
rádio) também serviu de inspiração para o teatro. São inúmeros os exemplos de teatro inspirados na
linguagem das medias desde as peças inspiradas nas linguagens das novelas aos espetáculos pop,
recheados de citações de cultura musical e cinematográfica.
Originária do teatro dos Estados Unidos, o fenómeno da Standup Comedy (“comédia em pé”), na qual
o comediante se encontra normalmente sozinho em palco sem nada mais que um microfone, é um raro
exemplo do efeito inverso, ou seja, do teatro inspirando a linguagem mediática. De natureza simples, o
stand-up aproveitou as possibilidades da internet - especialmente em sites como o YouTube – para
ampliar a fama de diversos atores e
comediantes que fizeram o seu nome na
rede e partiram à procura do sucesso nos
medias “tradicionais”, rádio, cinema,
televisão. Alguns conseguiram arrebanhar
ainda mais seguidores, outros não; o
certo é que eles passaram a ocupar
espaços praticamente em todos os canais
de TV.
Não se sabe ao certo quem, onde e
quando se ouviu pela primeira vez falar
em “teatro digital”. Mas uma das
primeiras menções a um “teatro digital”
como uma nova linguagem, enquanto
elemento fundamental na conceção da
estética da cena, surgiu com o “Manifesto Binário”, escrito em 2008 pela companhia catalã La Fura Dels
Baus, caracterizada pela mistura de elementos e linguagens nos seus espetáculos.
“Manifesto Binário
Teatro digital é a soma de atores e bits 0 e 1, movendo-se na rede. Atores no teatro digital podem
interagir a partir de tempos e lugares diversos… As ações de dois atores em dois tempos e lugares diversos
correspondem na rede a infinitos tempos e espaços virtuais.
Representação dos La Fura dels Baus , em Barcelona - Disponível na Internet em: http://www.shbarcelona.com/blog/en/la-fura-del-baus-an-
institution-in-spain/
Disponível na Internet em: http://www.brasildefato.com.br/node/6339
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No século 21, a conceção genética do teatro (da geração ao nascimento da cena) será substituída por
uma organização de atividades interativas e interculturais. Teatro digital refere-se a uma linguagem
binária ligando o orgânico com o inorgânico, o material com o virtual, o ator de carne e osso com o
avatar, a audiência presente com os utilizadores
da internet, o palco físico com o ciberespaço.
O teatro digital da La Fura dels Baus permite
interações em palcos dentro e fora da rede,
inventando novas interfaces hipermediáticas. O
hipertexto e seus protocolos criam um novo tipo
de narrativa, mais próxima dos pensamentos ou
dos sonhos, gerando um teatro interior em que
sonhos se tornam realidade (virtual).
A internet é a realização de um pensamento
coletivo, orgânico e caótico, que foi desenvolvido
sem hierarquia definida. O teatro digital
multiplica-se em milhares de representações, em
que os espetadores podem colocar imagens das suas próprias subjetividades, por meio de mundos virtuais
compartilhados.
Será que o teatro digital vai perpetuar a Pintocracia? Será que a Vaginocracia eventualmente vencerá?
Ou será que ambas se juntarão em perfeita harmonia 0-1?
No teatro digital, a abstração absoluta coexiste com o retorno ao corpo, que pode ter uma dimensão
sadomasoquista – tanto quanto uma dimensão sensual, angelical ou orgástica; ou talvez uma mistura de
todas elas. Por definição, o ato teatral envolve um excesso, um excedente de performance. É o prazer de
mostrar e ser mostrado. Uma sensação de identificação é estabelecida entre o ator e a plateia. Como
funciona essa identificação no teatro digital? Como uma mão se encaixa numa luva? Como uma extensão
de um ser? Pela integração na rede?
A tecnologia digital torna possível o antigo sonho de transcender o corpo humano. Assim, o
ciberespaço pode ser habitado por corpos com um novo invólucro de representação, entre a subjetividade
e a materialidade. Temos que deixar a nossa própria pele para chegar a uma referência comum de
perceção. Os papéis do ator, do autor e da plateia tendem a misturar-se. A cultura digital não significa
mais uma tecnologia de reprodução, mas a produção imediata. Enquanto no passado a fotografia dizia
“era assim”, congelando um instante, a imagem digital diz no presente “é assim”, unindo o ato real, o
teatro, o aqui e agora. O teatro digital permite que a imagem se altere de uma configuração para outra,
atual e virtual, deixando-a em diversos planos: um ícone da síntese que sempre será Humano.”
Mas o conceito de teatro digital não se esgotou
na ideia presente no manifesto dos Fura Del Baus.
Assistimos, a partir de então, a uma profusão de
definições sobre o que é o teatro digital. Parte das
conceções sobre o que é o teatro digital remete para
a ideia de conciliação entre o teatro tradicional e as
possibilidades abertas pelo digital, mas implicando
sempre a presença em simultânea de atores e
espetadores, pese embora o recurso a processos de
realidade virtual e de computação.
Mas na linha do manifesto dos Furos DEl Buas, há Teatro digital - Disponível na Internet em:
http://operaaragon.blogspot.pt/2012_07_01_archive.html
Disponível na Internet em: http://www.brasildefato.com.br/node/6339
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quem pense que ainda podemos falar de teatro mesmo se e quando os espetadores e atores deixam de
estar presencialmente em contacto, com acontece quando falamos de “virtual theatre” (teatro virtual),
“desktop theatre”, “telematic art” (arte telemática), “Telematic Performance Work” (trabalho de
performance telemática) e “Live Art” (arte ao vivo) - os dois primeiros relacionados com o que
conhecemos como jogos eletrónicos, os três últimos ligadas ao uso da internet e ligados à vasta área da
performance.
O que foi dito remete-nos para duas posições antagónica. Uns, os grandes adoradores das tecnologias,
defendem que o teatro tradicional acabou. Outros, mais conservadores afirmam que aquilo a que alguns
chamam de teatro digital, na verdade deixou de poder ser chamar de teatro. A primeira é escutada
normalmente da boca dos amantes da tecnologia, impressionados com as possibilidades que o elemento
digital abre hoje às nossas vidas, especialmente no campo das artes e comunicações; a segunda vem do
extremo oposto, dos puristas que se negam ao uso das novas tecnologias oriundas da digitalização por
elas supostamente “mancharem” aquilo que é tradição de séculos. Quem estará correto?
In Foletto, Leonardo. (2011) Efêmero Revisitado Conversas sobre teatro e cultura digital.ehttp://www.articaonline.com/wp-
content/uploads/2013/06/Efemero-Revisitado-Conversas-sobre-teatro-e-cultura-digital.pdf
Teatro digital
O teatro foi a última das artes a perceber que somos todos(@s) feitos de 0 e 1. A música já era mp3, o
cinema avi, os livros pdf e as fotos e quadros jpg quando,
enfim, os atores sobre um palco diante de um público se
viram representados por avatares feitos de dígitos. Estão
ali atores, palco e público, cada um num espaço e num
tempo, na mais complexa das manifestações artísticas já
produzidas por humanos. As 11 artes misturadas.
O espetador normalmente não pensa nesses termos
quando repete o gesto já habitual de apertar play num
vídeo transmitido ao vivo na internet. Para ele são
apenas indivíduos algures com uma câmara em punho a
disponibilizar na rede, em tempo real, o que as
câmaras vão gravando. Digitalizar a presença – e
portanto questioná-la, relativizá-la, expandi-la – foi o
que emancipou a cena dos seus limites físicos.
Limites. Amarras. Finitude. Controle. Até ao século vinte o teatro era (só) assim. Na segunda metade
da primeira década deste nosso novo milénio, começou, então, a falar-se em teatro digital. Será este o
termo mais adequado para nos referirmos a esta novidade? Porque não Teatralidade? Ou Audiovisual?
Nem sempre é possível estabelecer definidamente categorizações e neste tempo de incertezas tão
interessante quanto desesperante, a única certeza e a de que estamos perante uma situação
manifestamente nova.
Pretti, Lucas. (2011) in Foletto, Leonardo. (2011) Efêmero Revisitado Conversas sobre teatro e cultura
digital.ehttp://www.articaonline.com/wp-content/uploads/2013/06/Efemero-Revisitado-Conversas-sobre-teatro-e-cultura-digital.pdf
Teatro digital - Disponível na Internet em: http://www.elhype.com/es/hacia-una-escena-global-y-digital
Teatro digital - Disponível na Internet em: http://www.elhype.com/es/hacia-una-escena-global-y-
digital
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Civilização
(…)
Era ele, de todos os homens que conheci, o mais
complexamente civilizado — ou, antes, aquele que se
munira da mais vasta soma de civilização material,
ornamental e intelectual. Nesse palácio (floridamente
chamado o Jasmineiro) que o seu pai, também Jacinto,
construíra sobre uma honesta casa do século XVII,
assoalhada a pinho e branqueada a cal — existia, creio
eu, tudo quanto para bem do espírito ou da matéria os
homens têm criado, através da incerteza e dor, desde que
abandonaram o vale feliz de Septa-Sindu, a Terra das
Águas Fáceis, o doce país ariano. A biblioteca — que em
duas salas, amplas e claras como praças, forrava as
paredes, inteiramente, desde os tapetes de Carmânia até
ao teto, donde, alternadamente, através de cristais, o sol e
a eletricidade vertiam uma luz estudiosa e calma —
continha vinte e cinco mil volumes, instalados em ébano,
magnificamente revestidos de marroquim escarlate. Só sistemas filosóficos (e com justa prudência, para
poupar espaço, o bibliotecário apenas colecionara os que irreconciliavelmente se contradizem) havia mil e
oitocentos e dezassete!
Uma tarde que eu desejava copiar um ditame de Adam Smith, percorri, buscando este economista ao
longo das estantes, oito metros de economia política! Assim se achava formidavelmente abastecido o meu
amigo Jacinto de todas as obras essenciais da inteligência — e mesmo da estupidez. E o único
inconveniente deste monumental armazém do saber era que todo aquele que lá penetrava, inevitavelmente
lá adormecia, por causa das poltronas, que, providas de finas pranchas móveis para sustentar o livro, o
charuto, o lápis das notas, a taça de café, ofereciam ainda uma combinação oscilante e flácida de
almofadas, onde o corpo encontrava logo, para mal do espírito, a doçura, a profundidade e a paz estirada de
um leito.
Ao fundo, e como um altar-mor, era o gabinete de trabalho de Jacinto. A sua cadeira, grave e abacial, de
couro, com brasões, datava do século XIV, e em torno dela pendiam numerosos tubos acústicos, que, sobre
os panejamentos de seda cor de musgo e cor de hera, pareciam serpentes adormecidas e suspensas num
velho muro de quinta. Nunca recordo sem assombro a sua mesa, recoberta toda de sagazes e subtis
instrumentos para cortar papel, numerar páginas, colar estampilhas, aguçar lápis, raspar emendas, imprimir
datas, derreter lacre, cintar documentos, carimbar contas! Uns de níquel, outros de aço, rebrilhantes e frios,
todos eram de um manejo laborioso e lento: alguns, com as molas rígidas, as pontas vivas, brilhavam e
feriam: e nas largas folhas de papel Whatman em que ele escrevia, e que custavam quinhentos réis, eu por
vezes surpreendi gotas de sangue do meu amigo. Mas a todos ele considerava indispensáveis para compor
as suas cartas (Jacinto não compunha obras), assim como os trinta e cinco dicionários, e os manuais, e as
enciclopédias, e os guias, e os diretórios, atulhando uma estante isolada, esguia, em forma de torre, que
silenciosamente girava sobre o seu pedestal, e que eu denominara o Farol. O que, porém, mais
completamente imprimia àquele gabinete um portentoso carácter de civilização eram, sobre as suas peanhas
de carvalho, os grandes aparelhos, facilitadores do pensamento — a máquina de escrever, os autocopistas,
o telégrafo Morse, o fonógrafo, o telefone, o teatrofone, outros ainda, todos com metais luzidios, todos com
longos fios. Constantemente sons curtos e secos retiniam no ar morno daquele santuário. Tique, tique,
tique! Dlim, dlim, dlim! Craque, craque, craque! Trrre, Trrre, Trrre!... Era o meu amigo comunicando.
Todos esses fios mergulhados em forças universais transmitiam forças universais. E elas nem sempre,
desgraçadamente, se conservavam domadas e disciplinadas! Jacinto recolhera no fonógrafo a voz do
Retrato de Eça de Queirós, autor do conto “Civilizaão”. Imagem disponível na Internet em:
http://www.estudopratico.com.br/biografia-e-obras-de-eca-de-queiros/
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conselheiro Pinto Porto, uma voz oracular e rotunda, no momento de exclamar com respeito, com
autoridade:
— Maravilhosa invenção! Quem não admirará os progressos deste século? Pois, numa doce noite de S.
João, o meu supercivilizado amigo, desejando que umas senhoras parentas de Pinto Porto (as amáveis
Gouveias) admirassem o fonógrafo, fez romper do bocarrão do aparelho, que parece uma trompa, a
conhecida voz rotunda e oracular:
— Quem não admirará os progressos deste século? Mas, inábil ou brusco, certamente desconcertou
alguma mola vital — porque de repente o fonógrafo começa a redizer, sem descontinuação,
interminavelmente, com uma sonoridade cada vez mais rotunda, a sentença do conselheiro:
— Quem não admirará os progressos deste século? Debalde Jacinto, pálido, com os dedos trémulos,
torturava o aparelho. A exclamação recomeçava, rolava, oracular e majestosa:
— Quem não admirará os progressos deste século? Enervados, retirámos para uma sala distante,
pesadamente revestida de panos de Arrás. Em vão! A voz de Pinto Porto lá estava, entre os panos de Arrás,
implacável e rotunda:
— Quem não admirará os progressos deste século? Furiosos, enterrámos uma almofada na boca do
fonógrafo, atirámos por cima mantas, cobertores espessos, para sufocar a voz abominável. Em vão! Sob a
mordaça, sob as grossas lãs, a voz rouquejava, surda mas oracular. — Quem não admirará os progressos
deste século? As amáveis Gouveias tinham abalado, apertando desesperadamente os xales sobre a cabeça.
Mesmo à cozinha, onde nos refugiámos, a voz descia, engasgada e gosmosa:
— Quem não admirará os progressos deste século? Fugimos espavoridos para a rua. Era de madrugada.
Um fresco bando de raparigas, de volta das fontes, passava cantando com braçados de flores: Todas as
ervas são bentas. Em manhã de S. João... Jacinto, respirando o ar matinal, limpava as bagas lentas do suor.
Recolhemos ao Jasmineiro, com o sol já alto, já quente. Muito de manso abrimos as portas, como no receio
de despertar alguém. Horror! Logo da antecâmara percebemos sons estrangulados, roufenhos: «admirará...
progressos... século!... » Só de tarde um eletricista pôde emudecer aquele fonógrafo horrendo.
(…)
EÇA DE QUEIRÓS, Civilização (Excerto)
Poderá aceder à versão integral do conto Civilização de Eça de Queirós em: http://cdn.luso-
livros.net/wp-content/uploads/2013/06/Contos.pdf, onde estão disponíveis outros contos do mesmo
autor. Estes contos ao abrigo do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, artigo 31.º), já se
encontram sob domínio público (70 anos após a morte do autor).