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Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI ISSN 1809-1636 Vivências. Vol. 14, N.27: p. 239-251, Outubro/2018 239 UTILIZAÇÃO DO ANEXO 3 DA NR-15 PARA SUBSIDIAR SOLUÇÕES ARQUITETÔNICAS NA REDUÇÃO TÉRMICA EM UMA EDIFICAÇÃO DE USO MISTO Use Of Annex 3 Of Nr-15 To Subsidize Architectural Solutions For Thermal Reduction In A Joint- Use Building Geraldo Alves BRAGA 1 Giulliano Calenzani ALPOIN 1 Glaubert da Fonseca SOARES 1 Rogério Alexandre ARAÚJO 2 Jorge Luiz Freitas RODRIGUES 3 RESUMO O aproveitamento da ventilação natural nas edificações assegura a qualidade do ar, promove o resfriamento da edificação e proporciona conforto térmico para o desempenho de tarefas e para moradia, além de trazer mais eficiência energética para a edificação e redução de gastos com energia. Este artigo tem por objetivo principal propor soluções para a melhoria do conforto térmico a partir do uso da ventilação natural em edificação mista (residência e comércio) e como instrumento, a apresentação de um projeto arquitetônico de intervenção/modificação. Para atingir este objetivo, foi realizada pesquisa de campo e análise quantitativa, comparando os dados levantados com os conceitos identificados na literatura e normas pertinentes, como: NBR 15575 (ABNT, 2013) e Norma de Higiene Ocupacional – NHO 06 da Fundação Jorge Duprat Figueiredo (FUNDACENTRO, 2002), e principalmente o anexo 3 da NR-15 (MINISTÉRIO DO TRABALHO, 2017) avaliando a exposição ao calor através do IBUTG – Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo. Os dados foram coletados por intermédio de entrevistas informais, análise de documentos da edificação em estudo e observação participativa, no decorrer do mês de março de 2017. O estudo verifica se as tipologias arquitetônicas da edificação que podem interferir no bom uso e desempenho de recurso da ventilação natural. Os resultados desta pesquisa sugerem soluções arquitetônicas que visam o melhor aproveitamento da ventilação natural e consequentemente o conforto térmico satisfatório, diante das variações dos fatores climáticos locais. Palavras-chave: Conforto Térmico, Ventilação Natural e Edificação de Uso Misto. ABSTRACT The use of natural ventilation in buildings ensures air quality, promotes cooling of the building and provides thermal comfort for the performance of tasks and housing, in addition to bringing more energy efficiency for building and reducing energy costs. This article aims to propose solutions for the improvement of thermal comfort from the use of natural ventilation in mixed construction (residence and commerce) and as an instrument, the presentation of an architectural intervention / modification project. To achieve this objective, field research and quantitative analysis were 1 Arquitetos e Urbanistas com Especialização em Engenharia de Segurança do Trabalho. E-mail: [email protected]. 2 Arquitetos e Urbanistas com Especialização em Engenharia de Segurança do Trabalho. E-mail: [email protected]. 3 Professor Orientador. Engenheiro Mecânico (Universidade Católica de Minas Gerais), Engenheira de Segurança do Trabalho (UFES). E-mail: [email protected].

ARQUITETÔNICAS NA REDUÇÃO TÉRMICA EM UMA …

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Vivências. Vol. 14, N.27: p. 239-251, Outubro/2018 239

UTILIZAÇÃO DO ANEXO 3 DA NR-15 PARA SUBSIDIAR SOLUÇÕES ARQUITETÔNICAS NA REDUÇÃO TÉRMICA EM UMA EDIFICAÇÃO DE USO MISTO

Use Of Annex 3 Of Nr-15 To Subsidize Architectural Solutions For Thermal Reduction In A Joint-

Use Building

Geraldo Alves BRAGA1 Giulliano Calenzani ALPOIN1

Glaubert da Fonseca SOARES1 Rogério Alexandre ARAÚJO2

Jorge Luiz Freitas RODRIGUES3

RESUMO O aproveitamento da ventilação natural nas edificações assegura a qualidade do ar, promove o resfriamento da edificação e proporciona conforto térmico para o desempenho de tarefas e para moradia, além de trazer mais eficiência energética para a edificação e redução de gastos com energia. Este artigo tem por objetivo principal propor soluções para a melhoria do conforto térmico a partir do uso da ventilação natural em edificação mista (residência e comércio) e como instrumento, a apresentação de um projeto arquitetônico de intervenção/modificação. Para atingir este objetivo, foi realizada pesquisa de campo e análise quantitativa, comparando os dados levantados com os conceitos identificados na literatura e normas pertinentes, como: NBR 15575 (ABNT, 2013) e Norma de Higiene Ocupacional – NHO 06 da Fundação Jorge Duprat Figueiredo (FUNDACENTRO, 2002), e principalmente o anexo 3 da NR-15 (MINISTÉRIO DO TRABALHO, 2017) avaliando a exposição ao calor através do IBUTG – Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo. Os dados foram coletados por intermédio de entrevistas informais, análise de documentos da edificação em estudo e observação participativa, no decorrer do mês de março de 2017. O estudo verifica se as tipologias arquitetônicas da edificação que podem interferir no bom uso e desempenho de recurso da ventilação natural. Os resultados desta pesquisa sugerem soluções arquitetônicas que visam o melhor aproveitamento da ventilação natural e consequentemente o conforto térmico satisfatório, diante das variações dos fatores climáticos locais. Palavras-chave: Conforto Térmico, Ventilação Natural e Edificação de Uso Misto. ABSTRACT The use of natural ventilation in buildings ensures air quality, promotes cooling of the building and provides thermal comfort for the performance of tasks and housing, in addition to bringing more energy efficiency for building and reducing energy costs. This article aims to propose solutions for the improvement of thermal comfort from the use of natural ventilation in mixed construction (residence and commerce) and as an instrument, the presentation of an architectural intervention / modification project. To achieve this objective, field research and quantitative analysis were

1 Arquitetos e Urbanistas com Especialização em Engenharia de Segurança do Trabalho. E-mail: [email protected]. 2 Arquitetos e Urbanistas com Especialização em Engenharia de Segurança do Trabalho. E-mail: [email protected]. 3 Professor Orientador. Engenheiro Mecânico (Universidade Católica de Minas Gerais), Engenheira de Segurança do Trabalho (UFES). E-mail: [email protected].

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performed, comparing the data collected with the concepts identified in the literature and relevant standards, such as: NBR 15575 (ABNT, 2013) and Occupational Hygiene Standard - NHO 06 of the Jorge Duprat Figueiredo Foundation (FUNDACENTRO, 2002), and especially Annex 3 of NR-15 (MINISTRY OF LABOR, 2017) evaluating the exposure to heat through the IBUTG - Globe Humidity Index Globe Thermometer. The data were collected through interviews, document analysis of the building under study and participatory observation, during the month of March 2017. The study verifies if the architectural typologies of the building that can interfere in the good use and performance of resource of the natural ventilation. The results of this research suggest architectural solutions that aim at the best use of natural ventilation and consequently the satisfactory thermal comfort, given the variations of local climatic factors. Keywords: Thermal Comfort, Natural Ventilation and Mixed Use Building. 1 INTRODUÇÃO

As condições de conforto térmico requerem o estudo e incorporação de diversas variáveis climáticas e, por sua vez, o melhor aproveitamento térmico no interior da edificação dependerá, também, da resposta térmica da edificação (FROTA, 2007). Deste modo, a temperatura, a umidade, a velocidade do ar, a radiação solar incidente sobre o corpo e a temperatura radiante média das superfícies vizinhas alteram a sensação de conforto térmico das pessoas (CORBELLA, 2011, p. 27). Ainda, neste contexto, cabe destacar que a função da ventilação natural nas edificações é de assegurar a qualidade do ar, promover o resfriamento da edificação e proporcionar conforto térmico aos usuários, sempre que as condições do clima externo forem favoráveis. Esta qualidade do ar vincula-se aos benefícios da saúde e à segurança dos usuários (SORGATO, 2009).

A edificação a ser analisada nessa pesquisa se encontra no município de Serra – ES. Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2017) a Serra possui um clima tropical litorâneo com grande influência do tropical de altitude e dentro desta zona, apresenta clima nas áreas mais altas e a temperatura é razoável (com variação entre 18°C e 22°C). De acordo com estudo realizado pela Empresa Capixaba de Pesquisa Agropecuária-Agricultura / Núcleo de Estudos de Planejamento e Uso da Terra – EMCAPA/NEPUT (1999), o território da Serra possui três zonas naturais climáticas sendo que a edificação em estudo se encontra situada na zona 8, definida como terras quentes, planas e transição chuvosa/seca. Portanto, uma análise das características do clima da região se faz necessária para um melhor aproveitamento dos condicionantes locais. Desta maneira, o projeto arquitetônico de intervenção/modificação visa melhorar as condições de conforto térmico a partir do aproveitamento da ventilação natural, reduzir os gastos com condicionamento artificial do ar e, assim, proporcionar aos usuários bem-estar e satisfação com as condições térmicas do ambiente.

Portanto, o artigo tem como objetivo, propor intervenções de modificação do projeto arquitetônico atual da edificação mista situada no bairro Novo Horizonte, Carapina, Serra, ES. A análise do desconforto térmico na edificação baseou-se na literatura estudada, NR-15 anexo 3 (MINISTÉRIO DO TRABALHO, 2017), NBR 15575 (ABNT, 2013) e Norma de Higiene Ocupacional – NHO 06 (FUNDACENTRO, 2002). Ao final são propostas melhorias projetuais, afim de, otimizar o aproveitamento e uso da ventilação natural neste tipo de construção.

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2 ABORDAGEM METODOLÓGICA

Para se alcançar o objetivo proposto, foi realizado um estudo sobre literatura e normas que tratam do assunto em questão, afim de, elaborar um referencial teórico com o intuito de embasar a análise da edificação. Após a análise, foi verificado que existem algumas inconsistências e, assim, foram preparadas propostas de intervenção, baseadas nas soluções e informações apresentadas no referencial teórico. Entretanto, antes disso, foi feito um levantamento das informações do local de intervenção, analisando as características da edificação.

Para a complementação da coleta de dados foram realizadas entrevistas informais com o proprietário e demais usuários do imóvel residencial e comercial, para identificar os pontos críticos que causam o desconforto térmico no interior da edificação. Deste modo, evidenciou-se que a edificação recebe grande incidência solar na maior parte do dia e que o comércio (marcenaria) além desta situação, possui deficiência na ventilação natural, principalmente pela barreira provocada pelas paredes e muros que cercam o edifício, com quase 8 metros de altura. E, ainda, realizou-se um levantamento arquitetônico junto ao proprietário e, também, pesquisa de campo, em que foi possível apurar todas as informações pertinentes à edificação, tais como: sistema construtivo; orientação de fachada; tamanho de abertura; tipo de cobertura e tipo de revestimento utilizado na fachada.

Durante a pesquisa de campo, realizaram-se dez (10) dias de avaliação de calor na edificação, sendo seis (06) pontos avaliados internamente e dois (02) pontos externos para comparação. Os pontos externos avaliados tiveram enquanto propósito comparar a temperatura externa com a interna, conforme apresentado na figura 1. Figura 1: Localização dos pontos de medição nos dois pavimentos da edificação, térreo e pavimento superior (sem escala).

Fonte: O autor.

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Para realização das avaliações de calor supracitadas, foi utilizado um aparelho modelo TGM100 Termômetro Globo, marca Politeste Instrumentos de teste, conforme apresentado na figura 2. Apenas uma pessoa realizou as medições, no caso, o autor desse artigo. As avaliações foram divididas em 03 (três) pontos na marcenaria em períodos consecutivos e em 03 (três) pontos na residência, também em medições seguidas. O período destinado às avaliações ocorreu do dia 19/03/2017 à 30/03/2017, sendo realizadas na parte da manhã entre o horário de 09h00min a 12h00min e na parte da tarde entre o horário de 14h00min a 17h00min. Os intervalos de horários foram definidos conforme a disponibilidade de acompanhamento do proprietário do imóvel.

Figura 2: Foto do aparelho de avaliação de calor utilizado.

Fonte: O autor.

Os procedimentos utilizados na avaliação de calor referem-se: o método da Norma de

Higiene Ocupacional – NHO 06 da Fundação Jorge Duprat Figueiredo (FUNDACENTRO, 2002) para os usuários da marcenaria e o método da NBR 15575 (ABNT, 2013) para os usuários da residência.

Para efeito de análise dos usuários da marcenaria, conforme o anexo 3 da NR-15 (MINISTÉRIO DO TRABALHO, 2017) adotada na metodologia, foi determinado o IBUTG – Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo – média ponderada, a partir da equação 1 abaixo, em que se utilizaram os valores de IBUTG dos pontos representativos das distintas situações térmicas que comportam o ciclo de exposição.

Equação 1: IBUTG média ponderada.

Fonte: FUNDACENTRO, 2002.

Devido à disponibilidade do aparelho a maior parte das avaliações ocorreu na estação de

outono, apenas o dia 19/03/2017 pertencia à estação verão.

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3 ADEQUAÇÃO DA ARQUITETURA AO CLIMA

Conforme Frota (2007, p. 53 e p.139) a adequação da arquitetura ao clima vai significar a construção de espaços que possibilitem ao homem condições de conforto adequado e para que isso ocorra será necessário considerar as necessidades humanas e adotar partido arquitetônico adequadas ao clima e às funções da edificação.

Outro ponto importante para adequação da arquitetura ao clima é por meio de diagramas do tipo rosa-dos-ventos, que proporciona ao arquiteto conhecer as probabilidades de ocorrência de vento para as principais orientações e sua velocidade (LAMBERTS; ROBERTO; DUTRA, 2014, p. 79). Assim, a harmonização acima mencionada depende de alguns fatores como: ventilação, aberturas, paredes, dispositivos de sombreamentos e cobertura. 3.1 Ventilação, aberturas, paredes, dispositivos de sombreamentos e cobertura

Segundo Dutra (1994) há uma influência razoável da quantidade de ventilação de um ambiente

nas suas condições de conforto térmico. Deste modo, a ventilação abundante em dias quentes e úmidos pode representar um rápido acréscimo na temperatura do interior, que tenderá a ter um comportamento bastante próximo da temperatura do exterior. Em dias quentes e secos, a ventilação poderá ser útil para diminuir a temperatura interior a níveis de conforto e em dias frios o valor deve ser pequeno para evitar perdas excessivas de calor no ambiente.

Frota (2007, p. 41) afirma que os elementos da edificação, quando expostos aos raios solares necessitam de controle de insolação que ocorre por meio de elementos de proteção solar podendo ser através de quebra-sol – ou brise-soleil – que representa um importante dispositivo para o projeto do ambiente térmico. Segundo ainda a visão de Frota (2007, p.121 e p. 123), prever a carga térmica a ser gerada no interior do edifício é fundamental no que diz respeito às decisões do projeto referentes ao partido arquitetônico a ser adotado, as exigências funcionais e humanas são diferentes para os diferentes tipos de clima. Portanto, a radiação solar torna-se uma variável climática e deve ser medida levando em consideração que haverá dificuldades para a obtenção de dados medidos devido à complexidade ocasionada pelo movimento do sol e, também, pela conversão dos dados já que os instrumentos existentes registram dados referentes à incidência sobre o plano normal aos raios e são necessários dados relativos à radiação incidente sobre as fachadas e coberturas dos edifícios.

No entanto, um melhor aproveitamento do clima pode ser obtido pelo planejamento apropriado de detalhes da edificação. Desta maneira, a escolha do tipo da edificação e layout adequados, bem como a orientação certa é de fundamental importância (GOULART, 1993). Esse autor afirma, ainda, que algumas decisões sobre a localização de aberturas, por exemplo, podem melhorar a ventilação cruzada de um ambiente e ganho de calor solar no inverno. Para isto os dispositivos de sombreamentos devem ser usados de maneira a evitar a penetração de radiação solar durante o verão e permitir a entrada durante o inverno. 3.2 Zona climática da região em estudo

A NBR-15220-3 (ABNT, 2005) aborda o zoneamento bioclimático brasileiro e aponta diretrizes

construtivas para habitações unifamiliares de interesse social. Essa NBR divide o território brasileiro em oito zonas relativamente homogêneas e o estado do Espirito Santo está localizado na zona 8, como observado na figura 3. Essa norma recomenda, ainda, que para as edificações situadas na zona 8 devem ser observados os tamanhos das aberturas para ventilação, existência de proteção das aberturas e vedações externas (parede externa e cobertura).

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Figura 3: Zoneamento bioclimático brasileiro.

Fonte: Adaptado conforme NBR 15575 (ABNT, 2003).

A ASPE (Agência de Serviços Públicos de Energia do Estado do Espírito Santos) em sua

publicação Atlas Eólico Espírito Santo ano 2009, afirma que o Espírito Santo por estar situado numa zona de predomínio da influência do centro de alta pressão Anticiclone Subtropical do Atlântico Sul, há grande ocorrência de ventos de quadrante leste e nordeste. Com isso, conclui-se que o município de Serra se encontra sobre a mesma influência acentuada de ventos de quadrante leste e nordeste durante todo o ano.

Apesar de o município de Serra – local em que está situada a edificação definida para este artigo (bairro Novo Horizonte) – não constar nas tabelas da referida NBR 15575 (ABNT, 2013), serão considerados os dados climáticos da cidade mais próxima, nesse caso Vitória, dentro da mesma zona bioclimática, a qual possui a mesma altitude na ordem de grandeza. 4 ANÁLISE DA EDIFICAÇÃO EM ESTUDO

A edificação em estudo é de uso misto, situada na rua R, lote 03, quadra 231, loteamento São

Judas Tadeu, Carapina, município da Serra-ES. Atualmente a edificação apresenta problemas de conforto térmico, relatadas pelo proprietário e usuários do espaço, tanto na residência, localizada no pavimento superior, quanto no comércio (marcenaria), pavimento térreo. Conforme o Plano Diretor Municipal da Serra, a edificação em estudo pertence à Zona Especial de Interesse Social (figura 4).

Figura 4: Localização da Edificação na Zona Urbana.

Fonte: O autor.

SERRA JARDIM LIMOEIRO

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Observou-se in loco que a edificação foi construída diferente do projeto arquitetônico fornecido pelo proprietário, com uma área total construída de 286,32 m², taxa de ocupação de 65,62%, coeficiente de aproveitamento de 0,95 e não possui área permeável (todo composto por piso cimentado grosso). O terreno possui 300 m² (12,50 m de frente e 24,00 m de fundos), além de ser totalmente murado, não possuir afastamento frontal (apoiada na testada principal) e nem afastamentos laterais, conforme pode ser observado na figura 5.

Figura 5: Plantas - situação (escala gráfica), baixas do térreo e do 2º pavimento (sem escala).

Fonte: O autor.

A edificação possui dois pavimentos, sendo no térreo alocados a marcenaria, escritório,

acesso de veículos, carga e descarga e escada para acesso ao 1º pavimento. Já o 2º pavimento é destinado para a residência unifamiliar, composta de: varanda, sala, cozinha, área de serviço, quarto, suíte e banheiros.

Nota-se que a construção não possui taxa de permeabilidade desrespeitando a Lei nº. 3.820, de 11 de janeiro de 2012, que dispõe sobre a organização do espaço territorial do município da Serra. Essa lei determina a obrigatório que 30% (trinta por cento) da área destinada como área permeável do lote ou gleba esteja localizada no afastamento frontal. Em relação à ocupação da edificação por usuários, a marcenaria possui um efetivo de 03 (três) colaboradores que trabalham em turno administrativo no horário de 07h00 às 11h00 e 13h00 às 17h00.

Por meio de visitas realizadas em março de 2017 além do levantamento quantitativo (avaliações de calor), também, foi realizado um levantamento qualitativo da edificação mista e percebido alguns detalhes que serão utilizados como balizadores das propostas de intervenção, conformem ilustra a figura 6.

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Figura 6: I - Cobertura não ventilada e tipologia das janelas. II - Residência sem afastamento frontal e lateral esquerdo. III - Telhado da marcenaria de telha fibrocimento.

Fonte: O autor.

5 RESULTADOS

Como indicado na abordagem metodológica, as análises dos resultados obtidos por meio das

avaliações de calor são baseadas nas Normas de Higiene Ocupacional – NHO 06 da Fundação Jorge Duprat Figueiredo (FUNDACENTRO, 2002) para os usuários da marcenaria e os procedimentos da NBR 15575 (ABNT, 2013) e NR-15 (MINISTÉRIO DO TRABALHO, 2017) para os usuários da residência.

5.1 Avaliações de calor in loco

Em virtude da disponibilidade do proprietário e do tempo disponível para a elaboração deste

projeto, as medições foram realizadas em datas diferentes das sugeridas pelas normas. Conforme o Instituto Nacional de Meteorologia – INMET, a temperatura média do mês de março de 2017 do município de Serra fica entre 23°C e 33°C e direção dos ventos nordeste, intensidade de fraco a moderado. As avaliações ocorreram no período compreendido entre os dias 19 a 30 de março de 2017. Na maioria o céu estava claro, pouca presença de nuvens e ventos sendo que todas as avaliações externas foram realizadas sem incidência direta solar, ou seja, na sombra. Nas avaliações internas não foi percebida circulação de vento dentro da edificação, apesar de as janelas se encontrarem abertas. O céu estava claro, ensolarado e não tinha usuário no interior dos recintos avaliados, apenas o responsável pela medição. No dia 19/03/2017 o dia estava bastante abafado e com ausência de ventos, o que elevou bastante à temperatura interna em relação à externa.

Para análise das avaliações realizadas na marcenaria, conforme normativa referenciada na metodologia que determina a classificação da atividade dos usuários (quadro 2 do anexo 3 da NR-15), esta foi realizada em pé, com movimentos de braço, trabalho contínuo moderado com movimentação e movimento de levantar ou empurrar com taxa de metabolismo de 300 Kcal/h e limite de exposição máxima ao IBUTG de 27,5°C.

Conforme o critério de análise de IBUTG média ponderada referenciada na abordagem metodológica, algumas avaliações superam o limite máximo estabelecido pelas normas. O gráfico 1 demostra o IBUTG média encontrada nas medições com o IBUTG máximo estabelecido pela norma de referência.

I II III

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Gráfico 1: IBUTG normativo x IBUTG MÉDIA avaliada da marcenaria.

Fonte: O autor.

Na análise das avaliações realizadas na residência, as normas referenciadas na abordagem

metodológica determinam que a classificação da atividade dos usuários NBR 15575 (ABNT, 2013), encontra-se em repouso e a taxa de metabolismo de 100 Kcal/h e limite de exposição máxima ao IBUTG de 32,0°C. Conforme o critério de análise de IBUTG a média ponderada referenciada na abordagem metodológica, as avaliações não superam o limite máximo estabelecido pelas normas, não sendo necessário adotar medidas preventivas e/ou corretivas.

É utilizada a tabela 11.2 da NBR 15575 (ABNT, 2013) para comparação das avaliações realizadas, porque não foi possível a realização das avaliações em período mais favorável (verão) conforme preconiza a norma. Como dito anteriormente houve indisponibilidade de aparelho de medição e do proprietário do imóvel para que as maiorias das avaliações na residência fossem realizadas no verão.

Tabela 1: Critério de avaliação de desempenho térmico para condições de verão (tabela 11.2).

Fonte: Adaptado conforme NBR 15575 (ABNT, 2013).

Como a tabela 1 determina que o resultado encontrado do valor máximo da temperatura do

ar no interior da edificação tem que ser igual ou menor que o resultado máximo da temperatura do ar no exterior da edificação e, como todas as avaliações internas foram superiores à temperatura externa, faz-se necessária a elaboração de propostas de intervenções.

5.2 Intervenções projetuais

De acordo com a pesquisa de campo, entrevistas informais, resultados das análises quantitativas,

comparação dos dados levantados com os conceitos identificados na literatura referenciada, o resultado dessa pesquisa sugere as seguintes intervenções arquitetônicas: a) Intervenção 01: Criação de ventilação natural da cobertura através de shed e substituição das

telhas de fibrocimento por telhas de cerâmicas ventiladas.

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b) Intervenção 02: Substituição das janelas atuais por esquadrias com veneziana projetável em PVC (policloreto de polivinila), mantendo as mesmas dimensões da anterior;

c) Intervenção 03: Pintura de todas as fachadas com tinta de cores mais claras, com maior coeficiente de reflexão;

d) Intervenção 04: Substituição do piso de concreto existente no pátio interno por piso concregrama e jardins com grama; e

e) Intervenção 05: Criação de área de lazer, cobertura verde na laje da marcenaria e vazio de ventilação na laje para facilitar a saída do ar quente.

a) Intervenção 01 - Para melhorar o conforto térmico no interior da residência, a proposta será a de implantação de shed com veneziana de ventilação e troca das telhas de fibrocimento por telha de cerâmica ventilada.

As intervenções acima foram fundamentadas em Corbella (2011, p. 57) em que determina que a ventilação da cobertura seja sempre importante e, que deverá ocorrer por meio de aberturas nas laterais ou zenitais. Também, baseada em Lamberts, Dutra e Pereira (2014) que a implantação de ventilação zenital é muito eficaz na retirada do ar quente que tende a se acumular nas regiões mais altas. Deste modo, o projeto consiste em criar um shed com veneziana ventilada no meio do telhado e aberturas zenitais em todo telhado (implantação de telhas ventiladas) que ajudará na renovação do ar interno, possibilitando a entrada de ar frio e saída de ar quente, conforme ilustra a figura 7.

Figura 7: Telhado Modificado/Proposto (fachada lateral direita).

Fonte: Autor, 2017.

b) Intervenção 02 - Para um aproveitamento maior da ventilação por meio das janelas, Cunha (2006, p. 163) apresenta um modelo de janela composto por uma persiana projetável em PVC, dois caixilhos inferiores de correr, dois caixilhos superiores, também, de correr e um protetor solar horizontal. Sua recomendação é para fachadas com orientação norte, leste e oeste. Esse tipo de esquadrias proporciona aos usuários, em especial no período noturno, manter a esquadria interna aberta e a persiana fechada e, assim, manter a entrada de ventilação natural e garantir a privacidade. c) Intervenção 03 - Quanto o tratamento térmico de todas as fachadas da edificação, a proposta consiste na pintura com cores mais claras, o que proporcionará maior coeficiente de reflexão. Segundo Corbella (2011) as cores mais claras absorvem menos radiação solar. Sendo assim, o memorial descritivo indicará as especificações do material a ser empregado na pintura e os procedimentos de aplicação. d) Intervenção 04 - Atualmente a edificação não possui área permeável, o que está em desacordo com o código de obra municipal, Lei nº. 4.459 de 11 de março de 2016, que altera a Lei Municipal nº. 3.820/2012 – PDM da Serra que, determina a obrigatoriedade de 30% (trinta por cento) da área destinada como área permeável do lote ou gleba esteja localizada no afastamento frontal. Devido à área interna ao redor da edificação ter sido totalmente pavimentada com piso de concreto,

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não atendendo os 30% de área permeável conforme determina o PDM da Serra, foi proposta a substituição do piso de concreto por piso concregrama com 75% de permeabilidade e dois jardins com grama e vegetação de pequeno porte (figura 8). A implantação dessa solução contemplará uma área total de 90,68 m², sendo 59,87 m² de piso concregrama e 30,31m² de jardins que atenderá a permeabilidade de 24,07%.

Figura 8: Localização do piso concregrama e jardins na planta de situação.

Fonte: O autor.

Como forma de compensação, será proposto a instalação uma cisterna vertical enterrada no jardim com capacidade de 5.000 litros e dimensões de 2,25mx1,55m, para armazenamento da água de chuva captada pela cobertura verde, conforme preconiza o PDM da Serra, assim atendendo por completo a permeabilidade exigida. e) Intervenção 05 - A proposta consiste em retirar todo telhado de fibrocimento da laje da marcenaria e construir uma área de lazer de 35,44 m² que além de proporcionar um local de recreação aos usuários da residência, também, protegerá a incidência direta de raios solares na laje da marcenaria. E, ainda, nesse local proposto uma abertura na laje com 5,70 m² que servirá de ventilação para a marcenaria, retirando o ar quente localizado próximo à laje de teto. A figura 9 abaixo ilustra a proposta de intervenção.

Figura 9: Proposta da área de lazer e torre de ventilação.

Fonte: O autor.

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Segundo Mascaró (2010), o emprego de vegetação em locais de clima tropical tem a finalidade principal de amenizar o rigor térmico da estação quente durante todo ano. Outra intervenção proposta é a criação de uma laje anexa de 51,97 m² com implantação de cobertura verde, que complementará a área de lazer (figura 10).

Figura 10: Planta da cobertura verde da laje da marcenaria.

Fonte: O autor.

A cobertura verde proporcionará o isolamento térmico da marcenaria, protegendo a laje contra as altas temperaturas no verão e ajudando a manter a temperatura interna no inverno. A vegetação empregada auxiliará na drenagem da água da chuva para os tanques para reutilização na irrigação dos jardins e lavagem dos recintos.

6 CONCLUSÃO

Como visto que ausência de ventilação natural dos cômodos apontado nas avaliações realizadas contribuiu consideravelmente para a elevação da temperatura interna da edificação e para o desempenho térmico da mesma. Afirma-se que a sensação térmica na residência, pode ser mais percebida e desconfortável, principalmente, no período noturno, devido à presença de mais corpos que dissipam energia no ambiente e a ausência de saída do ar quente que se formou durante o dia. Em virtude da edificação ter sido construída sem afastamento lateral esquerdo, não sendo permitida pelo código de obras e PDM do município de Serra, a criação de abertura para circulação e renovação do ar interno, contribui para o ganho de calor no interior da edificação, provocada pela incidência direta da radiação solar nessa fachada durante o período da tarde.

Quanto aos resultados das avaliações de calor in loco foi possível perceber que há a necessidade de intervenções que proporcionem melhorias no conforto térmico da edificação. Conforme a predominância de ventos nordestes na época em que foram realizadas as avaliações, fica evidente que devido à construção não possuir afastamento lateral esquerdo impossibilitou a criação de aberturas nessa fachada para aproveitamento desses ventos, fator considerável no ganho

Vivências: Revista Eletrônica de Extensão da URI ISSN 1809-1636

Vivências. Vol. 14, N.27: p. 239-251, Outubro/2018 251

térmico da edificação. Também, essa fachada recebe a radiação solar do período da tarde e por não possuir nenhum

tratamento de pintura e/ou outro revestimento, absorve a radiação e transfere parte para o interior da edificação, o que provoca grande desconforto na circulação para a suíte e quarto.

Assim, as propostas de intervenções sugeridas foram com base nas medições térmicas realizadas, as quais se implantadas, irão proporcionar a redução do desconforto térmico percebido pelos usuários na residência e na marcenaria, o que irá atenuar as condições termo ambientais, por meio do máximo aproveitamento da ventilação natural e eliminação da incidência direta de raios solares na laje da marcenaria que atualmente impacta consideravelmente no desconforto do local. REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15220-3: desempenho térmico de edificações: parte 3: zoneamento bioclimático brasileiro e estratégias de condicionamento térmico passivo para habitações de interesse social. Rio de Janeiro, 2005. COSTA, Ennio Cruz da, Arquitetura ecológica: condicionamento térmico natural, 5ª reimpressão, São Paulo, Blucher, 1982. CORBELLA, Oscar., Manual de Arquitetura Bioclimática tropical para a redução de consumo energético, Rio de Janeiro, Revan, 2011. CUNHA, Eduardo Grala da (Org.). Elementos de arquitetura de climatização natural: método projetual buscando a eficiência energética nas edificações. 2. ed. (2006) Porto Alegre: Masquatro. DUTRA, Luciano Uma metodologia para a determinação do fator solar desejável em aberturas. 1994. 116f. Dissertação (Mestrado de Engenharia Civil) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1994. FROTA, Anésia Barros e Schiffer, Sueli Ramos, Manual de Conforto Térmico, 8ª Edição, São Paulo, Studio Nobel, 2007. FUNDAÇÃO JORGE DUPRAT FIGUEIREDO (FUNDACENTRO) Normas de Higiene Ocupacional – NHO 06 – Procedimento Técnico de Avaliação da Exposição Ocupacional ao Calor, Ministério do Trabalho e Emprego, 2002. GIL, Antônio Carlos, Como elaborar projetos de pesquisa, 5ª Edição, São Paulo, Atlas, 2010. GOULART, Solange V.G. Dados climáticos para avaliação de desempenho térmico de edificações em Florianópolis. 1993. 214f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1993. LAMBERTS, Roberto; DUTRA, Luciano; PEREIRA, Fernando O. R., Eficiência Energética na Arquitetura, 3ª Edição, Rio de Janeiro, 2014. MASCARÓ, Lúcia, Vegetação Urbana, 3ª edição. Porto Alegre. Masquarto. 2010. 212p. II. NORMA REGULAMENTADORA N°. 15 – Anexo 3 da Portaria nº. 3.214 de 08 de junho de 1978. Disponível em: <http://trabalho.gov.br/seguranca-e-saude-no-trabalho/normatizacao/normas-regulamentadoras/norma-regulamentadora-n-15-atividades-e-operacoes-insalubres>. Acesso em: 20 nov. 2017. SERRA. Código de Obras da Prefeitura Municipal de Serra, 1996. Disponível em: http://legis.serra.es.gov.br/normas/images/leis/html/L19471996.html Acesso em 18 mar. 2017. SORGATO, M. J. Desempenho térmico de edificações residenciais unifamiliares ventiladas naturalmente. 2009. 216p. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.