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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIADEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA INSTITUTO DE GEOCINCIAS

PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA

LUCIENE SANTOS DE ALMEIDA

O VALE DO JIQUIRI NO CONTEXTO DO CIRCUITO ESPACIAL PRODUTIVO DO CACAU

Salvador 2008

LUCIENE SANTOS DE ALMEIDA

O VALE DO JIQUIRI NO CONTEXTO DO CIRCUITO ESPACIAL PRODUTIVO DO CACAU

Dissertao apresentada ao Curso de Ps-Graduao em Geografia do

Departamento de Geografia do Instituto de Geocincias da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para a obteno Geografia. do ttulo de Mestre em

Orientador (a): Prof. Dr. Rubens Toledo Jr.

Salvador 2008

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Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Shiguemi Fujimori, Instituto de Geocincias da Universidade Federal da Bahia.

A447

Almeida, Luciene Santos de, O Vale do Jiquiri no contexto do circuito espacial produtivo do cacau / Luciene Santos de Almeida. _ Salvador, 2008. 116f.

Orientador: Prof. Dr. Rubens Toledo Jnior. Dissertao (mestrado) Universidade Federal da Bahia, Instituto de Geocincias, 2008.

1. Geografia agrcola Bahia 2. Cacau Cultivo Jiquiric, Vale (BA) 3. Cacauicultura Jiquiri, Vale (BA) I. Toledo Jnior, Rubens II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Geocincias. III. Ttulo. CDU 911.3:633.74(813.8)

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LUCIENE SANTOS DE ALMEIDA

O VALE DO JIQUIRI NO CONTEXTO DO CIRCUITO ESPACIAL PRODUTIVO DO CACAU

DISSERTAO DE MESTRADOSubmetida em satisfao parcial dos requisitos do grau de MESTRE EM GEOGRAFIA Cmara de Ensino de Ps-Graduao e Pesquisa da Universidade Federal da Bahia

Salvador, 16 / 09 /2008.

APROVAO __________________________ __________________________ __________________________

BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Rubens de Toledo Junior (Orientador) Prof. Dr. Guiomar Inez Germani Prof. Dr. Sylvia Maria dos Reis Maia

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Dedico esta dissertao aos meus pais e meus irmos por sempre estiveram ao meu lado nas horas mais complicadas.

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AGRADECIMENTOSNessas pginas de agradecimentos geralmente se cita o nome de muitas pessoas, no entanto, vou citar o nome de poucos amigos, mas que estiveram sempre do meu lado e me ajudaram nas horas mais difceis no decorrer dessa caminhada. Amiga Mayara te agradeo pela pacincia, ateno, incentivos e orientaes valiosas para a realizao da pesquisa. Pelas suas manifestaes de apoio, carinho e amizade principalmente nas horas que eu mais precisei diante de desafios que sozinha no iria conseguir superar, muito obrigada. amiga Soronaide pela compreenso, apoio e companheirismo em todos os momentos dessa caminhada. Ao amigo Nilton pelas contribuies tcnicas que tanto contriburam para a realizao desse trabalho. Ao professor Rubens pela pacincia e ateno, ateno e pela suas contribuies tericas oferecidas.

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RESUMOEsta dissertao analisa a lavoura cacaueira no Vale do Jiquiri, focalizando os municpios de Mutupe, Jiquiri Laje e Ubara. O trabalho versa sobre a introduo da lavoura cacaueira nesse espao e sua ampliao a partir dos anos de 1970 com a instalao da Comisso Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira CEPLAC, em trs dos quatro municpios do Vale, sabendo-se que todo esse processo foi uma forma de aumentar a produo de cacau no perodo da modernizao da agricultura no Brasil atravs do programa Procacau, esse era um projeto do governo Federal. O trabalho aponta tambm para as relaes comerciais existentes entre o Vale do jiquiri e a regio produtora de cacau sul da Bahia que onde se encontra as condies polticas e tcnicas para a reproduo e ampliao do circuito espacial produtivo do cacau. Nessa perspectiva, o trabalho discute de que forma o Vale do Jiquiri est inserido no circuito espacial produtivo do cacau com suas caractersticas de produo e comercializao do cacau. Assim, este estudo procura discutir de que forma age o circuito produtivo do cacau e as aes das grandes firmas que controlam esse circuito no Vale do Jiquiri e quais as conseqncias para esse espao que est inserido de forma desfavorvel nesse circuito. O estudo revelou que o Vale do Jiquiri mais um espao especializado na produo de cacau na Bahia e que esse serve s grandes firmas que controlam o circuito espacial produtivo do cacau.

Palavras-chave: cacauicultura, circuito espacial produtivo do cacau, espaos especializados.

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ABSTRACTThis composition analyzes the plantation of cocoa in Jiquiri Valley, focalizing the cities: Mutupe, Jiquiri, Laje and Ubara. This paper is about the introduction of the plantation of cocoa on those cities and the its improving in 1970s with the Executive Commission of Plantation of Cocoa Plan - CEPLAC amid three cities from the Valley. Its known thal all the process was a way to improve the production of cocoa in the period of the modernization of agriculture in Brasil through procacau program (It was a Federal Government Project). The paper also indicates the commercial relationships between Jiquiri Valley and the producer region of cocoa in South Bahia, which area there are political and technical conditions to reproduction and development of the productive space of cocoa. On this perspective, the paper discusses what way the JIquiri Valley is inserted in the productive space of cocoa with its characteristics production and business of the cocoa. Therefore, this composition makes a discussion how the productive space of cocoa acts and the actions of the great companies that controls this space in Jiquiri Valley and which consequences to this circuit that it is inserted in an unfavorable way on this circuit. The paper showed that Jiquiri Valley is more one specialized place on production of cocoa in Bahia and it is serving great companies that control the space circuit productive of cocoa.

Key Words: culture of cocoa, space circuit productive of cocoa, specialized spaces.

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LISTA DE FIGURASFigura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura 5 Figura 6 Figura 7 Figura 8 Figura 9 Figura 10 Regies Econmicas do Estado da Bahia....................................... Regio Econmica Recncavo Sul.................................................. Territrios de Identidade................................................................... Vale do Jiquiri .............................................................................. Produo de cacau em amndoas segundo municpio, por ano Vale do Jiquiri, 1975-1995/6......................................................... Distribuio da populao urbana e rural no Vale do Jiquiri, 2008.................................................................................................. Mapa rodovirio do Vale do Jiquiri............................................... Fluxograma do circuito da produo de cacau em amndoas no Vale do Jiquiri, 2008..................................................................... Mapa da comercializao de cacau em amndoas para a regio sul da Bahia, 2007............................................................................ Mapa da comercializao de cacau no Vale do Jiquiri, 2007.................................................................................................. 18 18 19 20 56 66 67 78 100 101

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LISTA DE TABELASTabela 01 Tabela 02 Tabela 03 Tabela 04 Tabela 05 Tabela 06 Tabela 07 Tabela 08 Tabela 09 Distribuio do cultivo por municpio, segundo nmero de empresas, Vale do Jiquiri, 2008.................................................. Estrutura Fundiria do municpio Jiquiri 1940 a 1996................. Estrutura Fundiria do municpio de Laje, 1940.a 1996.................. Estrutura Fundiria do municpio de Mutupe, 1940.a 1996........... Estrutura Fundiria do municpio de Ubara, 1940.a 1996.............. Evoluo do ndice de GINI por municpios, Vale do Jiquiri 1920-1996....................................................................................... Populao total por municpios, Vale do Jiquiri 19202007................................................................................................. Distribuio da populao urbana e rural por municpio, Vale do Jiquiri, 2008................................................................................. Programa de crdito destinado ao custeio agropecurio, 2008......

57 59 60 61 62 63 65 65 105

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LISTA DE QUADROSQuadro 01 Estrutura da comercializao de cacau no mercado interno e externo............................................................................................ Quadro 02 Distribuio das atividades agrcolas em perodos qinqenais, segundo uso e ocupao do solo e cultivo, por municpios............

83 105

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LISTA DE SIGLASCAI CAR CEPLAC FMI IBGE ICB Complexo Agroindustrial Companhia de Desenvolvimento e Ao Regional Comisso Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira Fundo Monetrio Internacional Instituto de Geografia e Estatstica Instituto de Cacau da Bahia

PROCACAU Programa de Expanso da lavoura Cacaueira SEI SEAGRI SEBRAE Superintendncia de Estudos Econmicos e Sociais da Bahia Secretaria da Agricultura e Irrigao e Reforma Agrria Agncia de Apoio ao Empreendedor e Pequeno Empresrio

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SUMRIO1 INTRODUO............................................................................................... 1.1 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS............................................ 1.2 QUESTES DE PESQUISA................................................................ 2 A AGRICULTURA NO BRASIL E SUAS TRANSFORMAES................... 2.1 A MODERNIZAO DA AGRICULTURA............................................. 2.1.1 Os circuitos espaciais produtivos e os crculos de cooperao.............................................................................. 2.2 A MANUTENO DOS ESPAOS PRODUTORES ESPECIALIZADOS................................................................................ 15 22 23 29 31 39 44 47 48 49 51 53 57 65 68

3 FORMAO E ORGANIZAO SOCIOESPACIAL DO VALE DO JIQUIRI-BA:REGISTROS HISTRICOS................................................... 3.1 FORMAO E ORGANIZAO DA BAHIA COLONIAL.................... 3.2 FORMAO E ORGANIZAO DO VALE DO JIQUIRI............... 3.2.1 A organizao econmica: as sucessivas atividades agrcolas.................................................................................. 3.2.2 O cacau.................................................................................... 3.2.3 A estrutura fundiria.............................................................. 3.2.4 Aspectos demogrficos......................................................... 3.2.5 A localizao........................................................................... 4 A MODERNIZAO DA AGRICULTURA E SUAS REPERCUSSES NA ORGANIZAO DA ATIVIDADE CACAUEIRA NO VALE DO JIQUIRI..................................................................................................... 4.1 4.2 A EXECUSSO DO PROCACAU E A EXPANSO DA LAVOURA CACAUEIRA NA BAHIA......................................................................

69 71 73 73 77 79 79 80

O RESULTADO DA MODERNIZAO DA CACAUICULTURA......... 4.2.1 A organizao da produo................................................... 4.2.2 O setor da lavoura.................................................................. 4.2.3 A organizao do setor industrial ........................................ 4.2.4 A organizao da comercializao....................................... 4.2.5 Os agentes da comercializao do cacau............................ 5 O NOVO PAPEL DO ESTADO DIANTE DAS MUDANAS NA PRODUO AGRCOLA E O FORTALECIMENTO DAS FIRMAS LIGADAS AO AGRONEGCIO.................................................................... 86 5.1 A REESTRUTURAO DA ECONOMIA MUNDIAL E SUAS REPERCUSSES NA LAVOURA CACAUEIRA................................. 89 5.2 OS CIRCUITOS ESPACIAIS PRODUTIVOS E OS CRCULOS DE COOPERAO E AS NOVAS FORMAS DE ORGANIZAO DA

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AGRICULTURA BRASILEIRA............................................................. 5.2.1 O circuito espacial produtivo de cacau na Bahia................ 6 O CIRCUITO ESPACIAL PRODUTIVO DO CACAU E O VALE DO JIQUIRI....................................................................................................... 6.1 O CIRCUTO ESPACIAL PRODUTIVO DO CACAU NO VALE DO JIQUIRIA............................................................................................ 6.1.1 A organizao da produo de cacau no Vale do Jiquiri....................................................................................

91 92 96 97 98 99 101

6.2.2 A comercializao de cacau no Vale do Jiquiri............... 6.1.3 A organizao dos produtores.............................................. 6.2 A MANUTENO DOS ESPAOS PRODUTORES ESPECIALIZADOS DE CACAU - O VALE DO JIQUIRI.................. 103 7 CONCLUSO............................................................................................... 107 8 REFERNCIAS.............................................................................................. 113

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1 INTRODUO

Desde a primeira metade do sculo XX iniciou-se no Vale do Jiquiri em um conjunto de municpios composto por Jiquiri, Laje, Mutupe e Ubara a atividade cacaueira. Nesses quatro municpios esta atividade no tinha a mesma tradio que em municpios do sul da Bahia, como Ilhus e Itabuna. Estudamos a produo de cacau no Vale do Jiquiri, as razes dessa produo nesse espao do Estado da Bahia, bem como sua contextualizao nas suas diversas escalas estadual, nacional e mundial. A produo agrcola sempre teve grande valor para a economia brasileira e baiana. Na Bahia primeiramente destacou-se a atividade canavieira, depois a fumageira e posteriormente a lavoura cacaueira que, a partir do sculo XIX, passou a sustentar a economia da Bahia. A implantao da cacauicultura como atividade monocultora de exportao passou a representar para a Bahia um fator dinmico da economia. Com um mercado consumidor consolidado que sempre teve uma crescente demanda, e a abundncia de terras prprias para o cultivo do cacau numa regio ecologicamente indicada, fez da Bahia um dos grandes exportadores de cacau do mundo. A atividade cacaueira se consolidou na Bahia em um momento de recesso econmico que atingia o Estado entre os sculos XVIII e XIX. Ento o surgimento de uma nova monocultura de exportao foi muito importante para a receita da Bahia e continuou sendo at os dias atuais, mesmo nesse perodo de crise. O cacau surgiu, segundo Edna Bastos (1987), nas cabeceiras da Bacia amaznica e se dispersou em duas direes: a primeira, para o leste ao longo do rio Amazonas; e a segunda, para o oeste, cruzando os Andes e avanando para a Amrica Central at o sul do Mxico. No Brasil, o cultivo do cacau comeou em 1679. Em 1746, o cacaueiro foi introduzido na Bahia atravs de sementes trazidas do Par. O cacaueiro foi plantado s margens do rio Prado, no atual municpio de Canavieiras. Na dcada final do sculo XIX, a lavoura cacaueira assume carter monocultor no eixo Ilhus-Itabuna e passou a representar uma atividade com grande influncia na esfera socioeconmica desse espao. Posteriormente, o eixo de produo Ilhus-Itabuna transformou-se numa regio produtora, convergindo servios e mo-de-obra para sustentar essa atividade

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que se tornou to prspera. Para Angelina Nobre Rolim Garcez (1977), foi a lavoura cacaueira que rompeu com o ciclo de decadncia da regio sul da Bahia no sculo XIX quando essa rea estava isolada economicamente, pois permitiu que a mesma integrasse com sucesso a comunidade econmica do Estado. A dinmica dessa atividade que comeou apenas como fornecedora de cacau em amndoas para o exterior e depois, em meados de 1930, passou a ser processada em seus subprodutos, no tem mantido um desenvolvimento regular e ascendente. Isso pode ser explicado pelas caractersticas de seu arranjo poltico, econmico e cultural responsvel pela introduo da lavoura na regio sul da Bahia e pela forma como essa vem sendo sustentada. Mesmo possuindo grande valor no mercado internacional e de grande importncia para as divisas da Bahia, a atividade cacaueira sempre oscilou entre perodos de prosperidade e de crise. Segundo Jose Alexandre de Souza Menezes e Dionsio Carmo-Neto (1993), esses perodos de crise ocorreram em 1928, 1957, 1961, 1971, 1987-1989. E o que parece que no existem novidades entre as crises anteriores e essa que se arrasta desde 1987. As causas so as mesmas, como envelhecimento dos cacaueiros, preos baixos decorrentes dos grandes estoques mundiais e a forma agrrioexportador de insero o produto no mercado internacional. Os rgos criados em momentos de crise como o Instituto de Cacau da Bahia (ICB) em 1931 e a Comisso do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), em 1956 representaram conquistas e avanos importantes para a atividade cacaueira, mas no representaram um meio eficaz para garantir a sustentabilidade da cacauicultura frente ao mercado internacional.

A referncia mais comum CEPLAC no escapa aos seus vnculos a modernizao tecnolgica da produo de cacau baseada em pesquisa e extenso. Esta modernizao, sem precedentes, foi responsvel pela elevao da produo e produtividade, que recuperou para o Brasil a posio de 2 maior produtor mundial de cacau (MENEZES e CARMONETO, 1993, p.26).

Esse avano alcanado pelo Brasil no final dos anos de 1970, como segundo maior produtor de cacau do mundo foi mrito da regio produtora sul da Bahia e dos novos espaos produtores como o Recncavo canavieiro e o Vale do Jiquiri esse situado na regio econmica Recncavo Sul. Mas tudo isso no foi o suficiente para modernizar essa atividade e fortalecer as relaes entre a lavoura e a

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industrializao, o que garante cacauicultura o titulo de commoditie mais vulnervel s crises de preos. A partir de meados da dcada de 80 do sculo XX, com a crise do Estado brasileiro e a crescente retirada de emprstimos e investimentos na lavoura e nos rgos de fomento cacauicultura, a CEPLAC tambm entra em crise e praticamente desmontada. Alm disso,nesse perodo se disseminou a Vassoura de Bruxa1 que destri a lavoura cacaueira. Paralelamente a essa situao cresce a fora das firmas multinacionais e as mesmas assumem cada vez mais o comando do circuito espacial produtivo do cacau. O resultado dessa falta de polticas capazes de integrar a produo industrializao foi a formao de um mercado de cacau em amndoas e de derivados dominado por um pequeno grupo de indstrias processadoras, em detrimento da desarticulao e descapitalizao do produtor de cacau e dos seus espaos produtores. Diante dessa situao, o Vale do Jiquiri, enquanto espao produtor de cacau, tambm sofreu as mesmas oscilaes, uma vez que sua produo est diretamente integrada regio produtora Sul da Bahia devido s relaes comerciais existentes entre os agentes do Vale e as firmas processadoras situadas em Ilhus e Gandu. Sendo assim, o presente trabalho tem por finalidade analisar a atividade cacaueira no Vale do Jiquiri, envolvendo apenas quatro municpios: Mutupe, Laje, Jiquiri. Os quatro municpios j citados podem ser entendidos a partir de algumas regionalizaes. Eles foram inseridos na regio econmica Recncavo Sul que compreende 34 municpios, como pode ser visto nos mapas abaixo, figuras 01 e 02.

Figura 01 Regies Econmicas do Estado da Bahia

1 Segundo Couto (2000) a Vassoura-de-bruxa (Crinipellis perniciosa) um fungo que ataca os tecidos de crescimento do cacaueiro principalmente os ramos e os frutos.

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Figura 02 Regio Econmica Recncavo Sul

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Outra regionalizao na qual os municpios de Laje, Mutupe, Jiquiri e Ubara esto inseridos a regionalizao mais atual que a dos Territrios de Identidade, um projeto do Governo da Bahia que visa realizar um planejamento participativo juntamente com a populao, discutindo os problemas econmicos, sociais, culturais e ambientais (Figura 03).Figura 03 Territrios de Identidade

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No entanto a escolha da regionalizao para desenvolver esse trabalho foi definida como o Vale do Jiquiri, com apenas os quatro municpios Mutupe, Laje, Jiquiri e Ubara a partir de um elemento unificador que a forte presena da cacauicultura na rea, onde observa-se a presena de trs unidades da Comisso Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC). importante ressaltar que em outros municpios que compem o Territrio de Identidade Vale do Jiquiri, como Amargosa, So Miguel das Matas e Elsio Medrado tambm produzem cacau, mas no com tanta intensidade como os quatro municpios mencionados acima que foram escolhidos para a realizao da pesquisa. (Figura 04).

Figura 04 Vale do Jiquiri

Nesse espao a lavoura cacaueira passou a compor o quadro das atividades agrcolas depois da crise do caf que afetou todas as regies produtoras da Bahia em meados da dcada de 30. Mas foi a partir da dcada de 70, com a chegada da CEPLAC, como um marco da modernizao da agricultura, que a lavoura cacaueira se estendeu com maior mpeto.

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Aps os anos de 1970, a lavoura cacaueira teve grande xito no Vale do Jiquiri at meados de 1987 quando ltima crise da lavoura passou a afetar a produo devido a queda na produtividade e da queda nos preos internacionais, outro problema que potencializou a crise foi o aparecimento da doena Vassoura de Bruxa, mas, mesmo assim, a lavoura cacaueira ainda possui grande relevncia econmica para o Vale do Jiquiri. por isso que o desenvolvimento desse trabalho de fundamental importncia para um melhor entendimento do Vale do Jiquiri enquanto espao produtor de cacau. O trabalho est tambm assentado na possibilidade de se contribuir para uma discusso socioeconmica e para uma contribuio cientifica dentro dos estudos geogrficos. A contribuio cientifica desse estudo permite avanar nas discusses respeito dos diferentes espaos agrcolas na Bahia que apresentam situaes heterogneas de funcionamento. Desse modo, nesse perodo de acirramento das aes do capital em escala global, onde vrios acontecimentos se sobrepem de forma acelerada, o que se observa a criao de diferenciaes espaciais atravs da manuteno de espaos produtores j existentes e da criao de novos espaos que so subjugadas a uma racionalidade distante. No que tange contribuio socioeconmica, esse trabalho apresenta a possibilidade de se levantar questionamentos sobre a introduo e a importncia da lavoura cacaueira para o Vale do Jiquiri-BA e a real necessidade de se manter essa lavoura, apesar de tantas crises e depresses no decorrer de sua histria. Sendo assim, ao finalizar o trabalho, o que se busca levantar inquietaes nos agentes locais envolvidos com a cacauicultura e abrir a possibilidade de se continuar essas discusses to complexas que envolvem a atividade cacaueira no Vale do Jiquiri. E essas aes propiciaro reflexes de carter socioeconmicas frente s dificuldades enfrentadas pelos produtores locais. Diante da permanncia da cacauicultura no Vale do Jiquiri desde o perodo da modernizao da agricultura e a conseqente reestruturao constante desse circuito espacial produtivo, necessrio se faz o prosseguimento desse estudo. Assim, considerando que ainda no foi realizada uma pesquisa nesses municpios, a discusso a respeito do Vale do Jiquiri dentro do circuito espacial produtivo do cacau a partir das aes de agentes relevantes ser de suma importncia para o desenvolvimento de outros estudos de cunho geogrfico.

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1.1 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

A pesquisa realizada um estudo de caso, pois apesar de existir vrios trabalhos respeito da atividade cacaueira na regio sul da Bahia, esta pesquisa versa sobre a lavoura cacaueira do Vale do Jiquiri. Busca-se analisar de que forma o Vale do Jiquiri est inserido no Circuito Produtivo do Cacau, como os Crculos de Cooperao esto organizados para manter essa atividade no Vale do Jiquiri. Os circuitos espaciais produtivos podem ser entendidos pela circulao dos produtos finais de cada ramo de produo, ou seja, os circuitos produtivos so responsveis pela circulao de produtos fsicos que foram intensificados pelos meios de transportes modernos que facilitaram a circulao de mercadorias em longas distantes, permitindo s firmas o controle da produo em diferentes lugares. J os crculos de cooperao associam a esse fluxos de matria outros fluxos que no so materiais, como capital, informao mensagens, ordens atravs dos novos objetos tcnicos ligados aos meios de telecomunicaes. Os crculos de cooperao se incubem de viabilizar as condies tcnicas e polticas para a manuteno da produo e da comercializao que constituem os crculos produtivos. Para a realizao desse trabalho, foram feitas pesquisas bibliogrficas onde se procurou informaes a respeito das relaes histricas, econmicas e polticas em livros, artigos dissertaes e teses. Ainda para tal anlise, foram realizadas pesquisa bibliogrfica e pesquisa documental em fontes institucionais e relatrios, onde se encontrou dados histricos, culturais e estatsticos em rgos como a Superintendncia de Estudos Econmicos e Sociais da Bahia (SEI), Instituto de Geografia e Estatstica (IBGE), Comisso Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC) e Secretaria de Agricultura e Irrigao (SEAGRI). O trabalho de campo tambm foi fundamental, onde foram entrevistados os diretores dos escritrios da CEPLAC de Mutupe, Laje, Jiquiri e Ubara. Foram entrevistados tambm os comerciantes de cacau, partidistas2 e produtores rurais.

2

Segundo trabalho de campo os partidistas so pessoas que compram cacau na zona rural diretamente na mo do produtor e revende o produto nas cidades aos donos de armazns.

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A escolha por esses agentes est na sua relao direta a atividade cacaueira. Todos os comerciantes foram entrevistados, o mesmo ocorreu para os diretores da CEPLAC. No caso dos partidistas e para os produtores rurais a escolha foi aleatria sendo foi utilizado a tcnica de analise do discurso. Vale ressaltar que para os produtores rurais foram escolhidos pequenos mdios e grandes produtores que esto envolvidos com a atividade cacaueira por mais tempo. Os municpios escolhidos foram aqueles no qual so abrangidos pelo fenmeno estudado com grande expresso, no caso a produo cacaueira. Os municpios escolhidos foram Jiquiri, Laje, Mutupe e Ubara.

1.2 QUESTES DE PESQUISA

Para a realizao desse trabalho se fez necessria a delimitao do problema e para tal preciso que o mesmo estivesse inserido no contexto das informaes referentes ao objeto para que as relaes sejam melhores explicitadas, facilitando a investigao. Assim, o trabalho realizado um estudo de caso que pode ser caracterizado [...] pelo estudo profundo e exaustivo de um ou de poucos objetivos, de maneira a permitir o seu conhecimento amplo e detalhado (GIL, 2006, p.72). O estudo de caso utilizado em casos de explorao de vida real cujos limites no esto claramente definidos; descreve situaes do contexto em que est sendo feita determinada investigao e explica as variveis causais de determinado fenmeno em situaes muito complexas que no possibilitam os levantamentos e os experimentos. (GIL, 2006) Assim, para se compreender de que forma o Vale do Jiquiri-BA est inserido no contexto do circuito espacial produtivo do cacau, a partir das aes dos agentes envolvidos, e como essa atividade foi introduzida nesse lugar preciso conhecer o povoamento desse lugar e entender como se deu a organizao do sistema produtivo do cacau, com suas especificidades de produo e de comercializao. O Vale do Jiquiri-BA localiza-se mais prximo das fronteiras Sul e Sudeste da Bahia, e s passou a ser ocupado efetivamente a partir dos sculos XIX e XX, depois dos sucessivos desmembramentos da Vila de Valena.

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Esse espao marcado, com maior relevncia, pela agricultura de subsistncia, tambm j abrigou sucessivas atividades de exportao, como a canade-acar, o fumo e o caf e esse ltimo perdurou at 1930. A partir de ento, esse espao agrcola passou a se ocupar da lavoura cacaueira. Mas foi a partir dos anos de 1970, com a chegada da Comisso Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), que a cacauicultura se intensificou no Vale do Jiquiri, tornando-se ento uma cultura de grande importncia socioeconmica para os municpios locais. A expanso da atividade cacaueira para o Vale do Jiquiri tinha como o objetivo aumentar a produo atravs de uma poltica produtivista e com a adoo de insumos qumicos da Revoluo Verde, tudo nos moldes da modernizao da agricultura. Neste perodo considerado como a idade do ouro do cacau, devido aos altos preos no mercado internacional, o Brasil precisava aumentar a produo e se consolidar como o maior produtor mundial de cacau em amndoas. Segundo Vitor de Athaide Couto (2000), em 1970, a CEPLAC passou a fazer o financiamento e a assistncia tcnica da produo atravs do Plano de Expanso da Lavoura Cacaueira (PROCACAU), para a regio sul da Bahia e para a introduo da cacauicultura em outros espaos baianos. A expanso da fronteira agrcola para a lavoura cacaueira se deu em solos minerologicamente mais pobres, onde o cultivo do cacau vivel, mas com grandes aplicaes de calcrio e adubaes qumicas. Esse processo s se sustentou enquanto o cacau em amndoas mantinha altos preos no mercado internacional, o que segurava a produo, quando os preos caram e o Estado passou a retirar-se enquanto financiador, a crise foi inevitvel. [...] Por causa das boas perspectivas financeiras plantou-se cacau at no Vale do Rio Jiquiri, (regio conhecida como a boca do serto) (MENEZES E CARMO-NETO, 1993, p.61). Esse processo de expanso da lavoura cacaueira a partir do uso das possibilidades da tcnica e da cincia, disponibilizadas depois dos anos de 1970, no foi suficiente para que a cacauicultura realizada na Bahia alcanasse o nvel organizacional e tcnico necessrio para superar a reestruturao imposta pelo processo de globalizao, a partir da dcada de 80, essa resultante dos ajustes polticos e econmicos que marcaram o mundo a partir de ento. Essa situao se complicou quando, em 1989, se detectou na regio sul da Bahia a doena Vassoura-de-bruxa que reduziu a produo em mais de 80% e logo

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se espalhou at o Vale do Jiquiri. Essa considerada a mais sria das doenas que j afetaram as roas de cacau. Desde 1997 a CEPLAC vem desenvolvendo um programa para a recuperao da lavoura cacaueira, atravs da substituio dos cacaueiros velhos por plantas sensveis s doenas, no entanto toda a tentativa de recuperao da lavoura parte da regio produtora tradicional que a regio sul da Bahia. Esse programa consiste na clonagem de plantas antigas e que apresentam baixa produtividade. De acordo com Marc Dufumier, Malthilde Renard, Noami Noel e Vitor de Athayde Couto (2004) a viabilidade do programa de recuperao da lavoura cacaueira ainda no foi devidamente comprovada, mesmo assim, muitos produtores do Vale do Jiquiri vm adotando esse programa com ou sem financiamento, mesmo com o custo alto da operao que chega a custar R$ 2.200,00 reais por hectare. No entanto, essas medidas no so o suficiente para romper o atraso tcnico e organizacional no qual se encontra a atividade cacaueira na Bahia, como o caso do Vale do Jiquiri-Ba, que enfrenta os mesmos problemas da regio sul da Bahia alm de outras especificidades desfavorveis. Essas particularidades esto relacionadas com a falta de desenvolvimento de tecnologias adequadas s realidades dos seus municpios, uma grande quantidade de pequenas unidades familiares que tambm so produtoras de cacau, e que no possuem um nvel tcnico e organizacional competitivo, existe tambm problemas com a comercializao, pois essa marcada por vrios atravessadores at que a produo chegue s firmas processadoras localizadas em Ilhus e Gandu e, ainda a baixa fertilidade dos solos. Alm dos problemas citados existe tambm a dependncia comercial e organizacional que o Vale do Jiquiri tem com relao a regio de Ilhus Itabuna, pois mesmo que os municpios produtores de cacau se tornassem mais competitivos no seria o suficiente para romper com a estrutura do setor de processamento dominada pelas grandes firmas internacionais Diante do que foi exposto acima, alguns questionamentos foram elaborados para o encaminhamento da pesquisa que merecem destaque. A primeira questo elaborada refere-se organizao socioespacial do Vale do Jiquiri e como esse espao se manteve at a introduo da atividade cacaueira.

26

A

questo

seguinte

est

relacionada

com

as

aes

hegemnicas

responsveis pela intensificao da cacauicultura no Vale do Jiquiri, aps os anos de 1970, a partir da instalao da CEPLAC nesse espao. A outra questo est relacionada com o processo de reorganizao do capital e, consequentemente da lavoura cacaueira que desencadeou no acirramento da crise dessa lavoura que comeou no final dos anos de 1980. E, por fim, a ltima questo busca entender de que forma o Vale do Jiquiri est inserido no circuito Espacial Produtivo do Cacau aps os anos de 1980. Aps a definio das questes que delinearam a pesquisa foi necessria a organizao dos objetivos referentes a cada questo, tanto os especficos, como o geral. O primeiro objetivo est relacionado com a organizao do Vale do Jiquiri a partir dos aspectos polticos e econmicos relevantes para a organizao e formao desse espao. O outro objetivo especfico refere-se analise das aes hegemnicas responsveis pela intensificao da produo cacaueira no Vale do Jiquiri-BA, aps a instalao da CEPLAC na dcada de 1970 como resultado do processo de modernizao da agricultura. O terceiro objetivo visa entender de que forma ocorre a reorganizao imposta pelas novas relaes capitalistas e pelo advento da vassoura-de-bruxa no espao rural e sua repercusso para a crise da lavoura cacaueira. E, por fim o objetivo geral do trabalho que visou compreender de que forma o Vale do Jiquiri est inserido no circuito espacial produtivo do cacau. Diante de tudo que foi exposto pretende-se analisar o Vale do Jiquiri dentro do circuito espacial produtivo do cacau, a partir da identificao dos agentes relevantes responsveis pela introduo da lavoura cacaueira e sua manuteno at os dias atuais. Entende-se que as condies polticas e tcnicas existentes no Vale do Jiquiri no momento de introduo da lavoura foram diferentes daquelas existentes na regio produtora tradicional, regio sul da Bahia e essas caractersticas determinaram uma outra organizao da produo. Dessa forma, temos duas configuraes territoriais bastante distintas. O trabalho est organizado em seis captulos e a concluso. Para a construo de cada um deles foram utilizadas diferentes tipos de informaes

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resultantes de tcnicas e fontes de pesquisa para que os objetivos fossem alcanados. Nesse captulo introdutrio, se procurou deixar claras as questes que nortearam a pesquisa e as bases terica e conceitual que respaldaram seu seguimento. Nesse captulo esto explcitas tambm as principais discusses sobre a modernizao da agricultura brasileira e a expanso da cacauicultura na Bahia nesse perodo, a formao do circuito espacial produtivo do cacau e por fim, foi realizada uma discusso a respeito da manuteno dos espaos produtores especializados em cacau para servirem as firmas que controlam o j citado circuito. No segundo captulo, se buscou entender a histria da agricultura brasileira e suas transformaes no decorrer dos processos polticos e econmicos adotados no Brasil que tanto afetaram o processo de desenvolvimento da agricultura brasileira. No terceiro capitulo que tem como ttulo a Formao e organizao socioespacial do Vale do Jiquiri: Registros histricos refere-se formao desse espao onde se procurou caracterizar as relaes polticas, econmicas e tcnicas que estavam presente nesse espao que direcionaram a insero desse espao no contexto baiano. Assim, foi possvel identificar as aes e os agentes determinantes que influenciaram na organizao das atividades agrcolas e consequentemente na introduo da lavoura cacaueira posteriormente. Entende-se desencadeadas que a genealogia so do de espao e as relaes sociais para a

historicamente

fundamental

importncia

compreenso dos processos polticos e tcnicos delineados no presente, como a estrutura fundiria e as relaes tcnico-produtivas que envolvem a lavoura cacaueira no Vale do Jiquiri. O quarto captulo intitulado de A modernizao da agricultura e suas repercusses na organizao da atividade cacaueira no Vale do Jiquiri esboa historicamente o processo de introduo e desenvolvimento da lavoura cacaueira no Vale do Jiquiri. O quinto captulo intitulado de O novo papel do estado diante das mudanas na produo agrcola e o fortalecimento das firmas ligadas o agronegocio. Nesse captulo evidencia o novo padro de organizao do espao rural e consequentemente para a cacauicultura na Bahia. O sexto captulo intitulado O Vale do Jiquiri no contexto do circuito espacial produtivo do cacau, aborda o Vale do Jiquiri dentro do circuito produtivo do cacau

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e como esse espao se tornou especializado em cacau na Bahia para servir s grandes firmas que esto localizadas na regio sul da Bahia. E por fim, a ltima etapa dessa pesquisa que no uma resposta definitiva para a situao do Vale do Jiquiri enquanto espao produtor de cacau. So esboadas algumas consideraes que podem contribuir para as discusses geogrficas uma vez que o Vale do Jiquiri tambm um espao produtor de cacau e que merece ser estudado.

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2 A AGRICULTURA NO BRASIL E SUAS TRANSFORMAES

Vrias so as discusses respeito da organizao de espaos agrcolas especializados que servem s firmas ligadas ao agronegcio. Esses estudos esto relacionados com as mudanas polticas e econmicas que se delinearam no Brasil aps os anos de 1970, que deram origem modernizao da agricultura brasileira. J aps os anos de 1980 observa-se tambm a emergncia de vrios estudos que tratam da agricultura pautada por uma nova racionalidade tcnica e organizacional que tomou novos contornos com o advento do processo de globalizao dos mercados. Ento, observa-se que so dois perodos marcados por polticas e condies tcnicas diferentes, mas com propsitos semelhantes que a ampliao do grande capital no espao rural atravs do abastecimento interno e externo de bens primrios. Nesse caso, a atividade agrcola em questo a cacauicultura que foi marcada por esses dois perodos. Na dcada de 1970, a modernizao da agricultura e nos anos de 1980 o avano do capital dos agentes privados no lugar da regulao do Estado brasileiro. Foi a partir dos anos de 1980 que a lavoura cacaueira passou a experimentar dificuldades decorrentes de fatores internos da prpria produo e de fatores externos decorrentes das mudanas polticas e tcnicas impostas pelo mercado globalizado. justamente esse setor que marcado por prticas rudimentares de produo e de organizao que difere completamente de outras atividades agroindustriais como a soja e a laranja, por exemplo, onde se observa uma organizao complexa que envolve desde a lavoura at a industrializao, sendo considerados como complexos agroindustriais. No entanto, a industrializao do cacau um dos setores mais dinmicos da atividade cacaueira e um dos mais importantes do mundo, mas controlado por poucas firmas em todo mercado internacional. A marca da modernizao da cacauicultura est na utilizao dos insumos, das tcnicas e na padronizao da produo, no havendo uma integrao intersetorial. Para se entender as vrias relaes de produo existente dentro da atividade cacaueira preciso considerar o arranjo econmico, cultural, poltico e

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tcnico que fundamentou essa atividade no sul da Bahia e as relaes desenvolvidas pelas grandes firmas que controlam o setor industrial. O setor agrcola e o da industrializao so separados e possuem condies de organizao diferenciadas. O setor industrial marcado por uma grande articulao e capacidade tcnica e organizacional que o meio tcnico-cientficointernacional dispe, esse setor marcado pela incorporao das possibilidades do meio tcnico-cientifico-informacional para assegurar a produo.

Uma das caractersticas desse novo sistema temporal associa-se possibilidade de incorporao dos procedimentos e mtodos cientficos para a realizao da produo. Em face desta possibilidade, a velocidade de renovao das foras produtivas torna-se muito mais acelerada do que em todo o restante da histria. Este um dos principais signos do atual estgio do modo de produo hegemnico no mundo (ELIAS, 2001, p.27).

Diante do exposto, para se compreender a dinmica da atividade cacaueira na Bahia e no Vale do Jiquiri, ser necessrio situar a discusso no mbito do circuito espacial produtivo do cacau e os crculos de cooperao. Tanto o meio geogrfico existente nos anos de 1970, quanto o meio geogrfico que emergiu para o mundo, aps os anos de 1980, com os novos objetos tcnicos, no so usados da mesma forma. So os agentes hegemnicos do capital que fazem uso daqueles, pois possuem o domnio das tcnicas e por isso mantm espaos produtores alienados e esses so introduzidos, de forma desigual, nos circuitos espaciais produtivos atravs da criao dos crculos de cooperao. a partir dessa teoria que o Vale do Jiquiri ser entendido como um espao produtor de cacau. A discusso terico-conceitual a parte do trabalho onde se busca intercalar os problemas de pesquisa com as discusses tericas e a escolha dos conceitos. Assim, foi feita uma tentativa de discutir as questes de pesquisa, os objetivos e a discusso terico-conceitual propriamente dita. Essa ltima parte da discusso engloba conceitos como a modernizao da agricultura e os temas referentes aos circuitos produtivos e seus respectivos crculos de cooperao e a manuteno dos espaos agrcolas especializados que representa a contribuio geogrfica do trabalho.

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2.1 A MODERNIZAO DA AGRICULTURA

A dinmica da economia no Brasil sempre esteve aliada produo agrcola e, desse modo, essa produo e seus espaos produtores sempre foram alvo de polticas de fomento ao desenvolvimento das atividades, principalmente os espaos ocupados com os cultivos voltados para o mercado externo. A dinmica da lavoura cacaueira realizada no Sul da Bahia tambm sofreu os rebatimentos dessas polticas e dos fatores tcnico-produtivos no decorrer de sua existncia. Desse modo, preciso compreender o processo de modernizao da agricultura brasileira, como se deu a organizao desse circuito espacial produtivo e seus crculos de cooperao e, a partir de ento, entender como se situa a lavoura cacaueira dentro dessa dinmica e, claro os espaos produtores. Nos pases desenvolvidos, o imperativo das tcnicas e das aes polticas voltadas para a produo agrcola comeou a se firmar com maior mpeto aps a Segunda Guerra Mundial. No entanto, nos paises perifricos esse meio s comeou a se impor, com maior eficcia, nos anos de 1950. No Brasil, a difuso desses objetos tcnicos foi marcada pela necessidade de adequar o espao brasileiro s novas correntes do capital internacional, reconfigurando tanto o espao urbano, quanto o espao rural, com novas dinmicas nas relaes de produo e de trabalho, transformada em um novo meio geogrfico a partir dos anos de 1950. A partir de 1950, o Brasil j passa a experimentar uma nova organizao espacial que caracterizada pela urbanizao e uma nova dinmica industrial. Para Santos e Silveira (2006), essas transformaes s podem ser entendidas atravs de uma anlise dos quadros nacional e internacional. No quadro internacional, uma poltica que favorecia industrializao e, no quadro nacional, verificava-se uma modernizao do aparelho estatal e a insero da economia interna ao mercado internacional, alm das facilidades entrada do capital estrangeiro para o prosseguimento da modernizao do pas. Havia outra necessidade que era manter a balana comercial favorvel e atender a demanda dos centros urbanos em constante crescimento, e para isso era necessrio aumentar a produtividade agrcola.

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[...] Como os preos dos produtos agrcolas no se elevava proporcionalmente ao crescimento do preo do petrleo e dos produtos industrializados, era necessrio que a produo dos artigos primrios, demandados pelo mercado internacional, se fizesse de forma exponencial, a fim de que fosse obtido o equilbrio no balano de pagamentos. E para isso, intensificou-se ainda mais a diferena entre apoio e o incentivo dados aos produtos agrcolas nobres, aqueles destinados exportao caf, cana-de-acar, algodo, cacau, soja etc (ANDRADE, 1979, p. 32).

Em escala global, salientam-se os impactos da tecnologia gerados pelas grandes firmas, com os diversos produtos qumicos, o incentivo de determinados tipos de cultivos que tinham a possibilidade de agregar valor e gerar lucro para os seus produtores e a mudana no padro de consumo da populao. Segundo Manuel Correia de Andrade (1979), cultivos como a cana-de-acar, o caf, o algodo e o cacau juntamente com os cultivos novos como o trigo e a soja foram estimulados atravs da utilizao em grande escala do crdito agrcola, a juros baixos. Somado a esses acontecimentos, se completa o quadro de industrializao pesada no Brasil e a produo dos produtos voltados para a produo agrcola dentro do pas. A partir de ento, comea o processo que se desencadear, anos mais tarde, na industrializao da agricultura.

A crise do complexo rural e o surgimento do novo Complexo Cafeeiro Paulista - simultneo ao processo de substituio de importaes significaram o desenvolvimento do mercado interno. Foi um longo processo que ganhou impulso a partir de 1850, acelerou-se aps a grande crise de 1929 com a orientao clara da economia no sentido da industrializao e se consolidou nos anos de 1950 com a internanalizao do setor industrial produtor de bens de capital e insumos bsicos (D) (SILVA, 1998, p. 5)3.

Aps essa internalizao da indstria fornecedora de insumos para a agricultura, a produo agrcola brasileira tomou novos rumos j que possua as condies tcnicas disponveis para acelerar a produo internamente. A partir dos anos de 1970 o processo de modernizao se acelera. Nesse perodo o Brasil foi governado por um modelo poltico e econmico, onde a idia de desenvolvimento passou a ser questo nacional e levada ao extremo. Os espaos rurais passaram a representar apenas o lugar da produo agrcola, sendo excludos das polticas a preocupao com os grupos sociais ali presentes.3

Para Jos Graziano da Silva (1998), o D representa as indstrias de tratores, implementos, fertilizantes, defensivos destinados s atividades agrcolas modernas.

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nos anos de 1970, com o advento das polticas desenvolvidas pelo governo militar, que o longo processo de transformao da base tcnica denominado de modernizao da agricultura culminar na industrializao da mesma. Assim, a modernizao da agricultura:

[...] consiste num processo genrico de crescente integrao da agricultura no sistema capitalista industrial, especialmente por meio de mudanas tecnolgicas e de ruptura das relaes de produo arcaicas e do domnio do capital comercial, processo que perpassa vrias dcadas e se acentua aps a dcada de 60 (SILVA, 1998, p. 60).

Ainda de acordo com Jos Graziano da Silva (1998), o processo de modernizao da agricultura brasileira passou por trs momentos; o da constituio dos Complexos Agroindustriais (CAIs), o da industrializao da agricultura e o mais recente que o momento da integrao de capitais intersetoriais sob o comando do capital financeiro. A constituio do Complexo Agroindustrial (CAI) surge como resultado da modernizao da agricultura brasileira. A partir de ento a manuteno do mesmo passa a ser o motor principal para a continuao do processo modernizador. A produo agrcola passou a integrar uma cadeia produtiva, negando as velhas estruturas do antigo complexo rural fechado.

Em resumo, a estrutura e a evoluo do CAI na dcada de 70 refletem de forma clara a nova dinmica agrcola do perodo recente: uma dinmica que no pode mais ser apreendida s a partir dos mecanismos internos da prpria atividade agrcola (como a propriedade da terra, a base tcnica da produo, a fronteira), nem a partir do segmento do mercado interno versus mercado externo. Trata-se de uma dinmica conjunta da indstria para a agricultura-agricultura-agroindustria (SILVA, 1998, p.25).

A fase de modernizao da agricultura pode-se dizer que essa foi marcada por um controle ainda maior da natureza, onde as condies naturais passaram a ser cada vez mais criadas artificialmente em prol de uma produo cada vez mais tecnificada e eficiente. A industrializao uma etapa mais elevada da modernizao da agricultura, no se resume apenas utilizao de insumos modernos, a fase em que a agricultura passa a depender ainda mais das indstrias que oferecem os produtos e

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tambm das indstrias processadoras, pois essas possuem maior capacidade de negociao e articulao.

A industrializao do campo um momento especfico do processo de modernizao a reunificao agricultura-indstria num patamar mais elevado que o do simples consumo de bens industriais pela agricultura. o momento da modernizao a partir do qual a indstria passa a comandar a direo, as formas e o ritmo da mudana na base tcnica agrcola (SILVA, 1998, p.32).

Por fim, cabe destacar a integrao dos capitais intersetoriais sob o comando do capital financeiro que se solidificou com estabelecimento das relaes dentro dos Complexos Agroindustriais onde favoreceu a interligao entre o capital comercial, industrial e financeiro. Ou seja, os grandes capitais envolvidos em algum ramo agrcola esto verticalmente inseridos, e so beneficiados porque tanto conseguem financiamento para a produo, quanto ganham com a venda de insumos e posteriormente com o processamento, distribuio e venda do produto final. Essa dinmica intersetorial abrange a relao entre agricultura e indstria. No entanto, essa integrao restrita aos grandes capitalistas.

[...] ainda que todos os produtores estejam submetidos ao mesmo processo de formao de preos de um dado CAI, apenas os grandes capitais efetivamente se integram. Ou seja, apenas no nvel dos grandes capitalistas, ou, em outras palavras, da grande burguesia, no h uma distino setorial clara entre os ramos da atividade produtiva em que aplicam seus capitais (SILVA, 1998, p.45).

Dentro desse processo o Estado teve grande atuao com o intuito de favorecer os empreendimentos ligados ao agronegcio. Segundo Santos e Silveira (2006), essa renovao da materialidade no Brasil representada por novas infraestruturas, como as rodovias, ferrovias, portos, a expanso da oferta de energia eltrica, bases materiais das telecomunicaes e at o aumento do uso de insumos no solo e semoventes. As polticas de crditos elaboradas tambm pelo Estado foi outro fator principal para a consolidao da modernizao da agricultura brasileira. Elas representaram a possibilidade de os grandes produtores obterem crditos fartos para a adoo do pacote tecnolgico.

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O estado mantinha polticas especficas para cada complexo com o intuito de regular os lucros advindos dos ramos que compem cada um e definir formas de conter as contradies resultantes dos interesses dos representantes dos diferentes setores produtivos dentro de um complexo. Em se tratando do padro tecnolgico, de acordo com Leonel Mazzali (2000), a base tcnica da Revoluo Verde utilizada na modernizao da agricultura, assentou-se em um conjunto de inovaes mecnicas, fsico-qumicas e biolgicas, e essas inovaes passaram a ser usadas na criao de variedades de vegetais altamente exigentes em adubao qumica e irrigao. Ainda de acordo de Leonel Mazzali (2000), a esfera pblica desenvolvia as inovaes biolgicas, como o melhoramento gentico, o controle de pragas e molstias etc. J a esfera privada se encarregava das inovaes mecnicas e fsicoqumicas. O controle dessa produo sempre foi dominado pelas grandes empresas multinacionais, que passou a impor um padro para a realizao da produo cada vez mais rgido.

[...] A agricultura converteu-se numa indstria que se dever desenvolver base de uma tecnologia cada vez mais refinada e do emprego de contingentes cada vez mais restrito de mo-de-obra direta. Noutros termos seria absurdo continuarmos a pensar em agricultura como aquela atividade caracterizada pela tecnologia mais primitiva de todos os setores do sistema econmico, condenada a contentar-se com os contingentes de mo-de-obra residual, isto , aquela que por fora do seu despreparo ainda, no se houvesse sentido atrado pelos setores progressivos ou de ponta (RANGEL, 2004, p.159-160).

O resultado da modernizao da agricultura foi a contnua proletarizao do trabalhador rural. [...] O avano do modo de produo capitalista no campo processa-se graas as grandes propriedades, expanso horizontal das culturas (ANDRADE, 1979, p. 24) A atuao das firmas tornou-se ainda mais efetiva aps os anos de 1980. As aes que delinearam toda a economia mundial que esteve em vigor desde a Segunda Guerra Mundial foram abaladas e um novo modelo econmico passou a se impor em escala global. As repercusses desse processo abalaram todos os setores da economia, inclusive o modelo de desenvolvimento agrcola no Brasil. Antes de analisar as mudanas ocorridas na organizao da produo agrcola no Brasil preciso salientar os acontecimentos que levaram o centro

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capitalista mundial a empreender um novo modelo poltico-econmico que entrou em vigor em escala global. A crise que atingiu o sistema capitalista abalou a economia dos pases desenvolvidos, onde se verificou uma diminuio da demanda interna para os seus produtos. Para resolver essa situao, esses pases foraram o aumento das exportaes de bens, servios e capital para as economias perifricas. [....] Em sntese, a causa bsica da globalizao econmica a necessidade das economias desenvolvidas de expandir os seus mercados (GONALVES, 2003, p. 29). Essas realizaes prticas foram colocadas em vigor, a partir das possibilidades de negociao abertas pelas idias neoliberais. Segundo Gonalves (2003), as idias neoliberais esto assentadas na liberalizao, que a reduo das barreiras comerciais de acesso aos mercados nacionais e na desregulamentao, que envolve a eliminao ou afrouxamento das normas reguladoras das atividades econmicas favorecendo as prticas produtivas, comerciais e financeiras [...] A exportao gera empregos nos pases desenvolvidos e aos bancos internacionais estimulam o investimento externo, que materializa as oportunidades de negcios no exterior, isto , a acumulao de capital e de riqueza nacional (GONALVES, 2003, p.30). Assim, as polticas neoliberais, traadas nos anos de 1980, promoveram abertura econmica dos anos de 1990 e delinearam o processo de globalizao que pode ser entendido segundo Reinaldo Gonalves (2003), como a ocorrncia simultnea de trs processos, a saber: crescimento extraordinrio dos fluxos internacionais de produtos e capital, o acirramento da concorrncia internacional e maior interdependncia entre empresas e economias nacionais. Para Chesnais (1996), o que existe uma nova configurao do capitalismo mundial e nos mecanismos que comandam o seu desempenho e sua regulao. Ainda de acordo com o mesmo autor a globalizao pode ser melhor explicada a partir da expresso mundializao do capital, que representa a capacidade estratgica de todo grupo oligopolista de atividades manufatureiras e de qualquer servio em adotar, por conta prpria, uma conduta global. Ainda de acordo com o mesmo autor, a mundializao possibilitou ao capital, graas s polticas de liberalizao que surgiram em 1979-1981, o poder de escolha, em total liberdade, onde vai atuar, escolhendo os pases e as camadas sociais que o interessa.

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[...] A mundializao do capital e a pretenso do capital financeiro de dominar o movimento do capital em sua totalidade no apagam a existncia dos Estados nacionais. Esses processos, no entanto, acentuam os fatores de hierarquizao entre os pases, ao mesmo tempo, que redesenham sua configurao.

Para Milton Santos (2008), existiam outros fatores para o desencadear da globalizao que so as possibilidades tcnicas que permitiram a

internacionalizao da economia e permitiu, tambm, por em prtica as polticas neoliberais. O crescimento extraordinrio dos fluxos internacionais de produtos e capital, o acirramento da concorrncia internacional e maior interdependncia entre empresas e economias nacionais so assegurados pelo sistema tcnico atual.Em nossa poca, o que representativo do sistema de tcnicas atual a chegada da tcnica da informao, por meio de ciberntica, da informtica, da eletrnica. Ela vai permitir duas grandes coisas: a primeira que as diversas tcnicas existentes passam a se comunicar entre elas. A tcnica da informao assegura esse comrcio, que antes no era possvel. Por outro lado, ela tem um papel determinante sobre o uso do tempo, permitindo, em todos os lugares, a convergncia dos momentos, assegurando a simultaneidade das aes e, por conseguinte, acelerando o processo histrico. (SANTOS, 2008, p.25)

Essas realizaes no mbito da poltica e a concretizao das idias neoliberais s foram postas em prtica devido s nova tecnologias que

possibilitaram uma maior eficcia das operaes das firmas internacionais, na medida em que as firmas melhor controla as suas filiais em todo o mundo. Ento passou a observa-se um aumento do comrcio de bens e servios e, por fim, as operaes financeiras dos grandes bancos foram internacionalizadas atravs da formao de um mercado global. Tudo isso ocorre com o consentimento dos Estados Nacionais perifricos como o Brasil.

[...] A retirada do Estado do processo de regulao da economia, dada como sendo um benefcio para a sociedade, est, de fato, relacionada com a possibilidade de a empresa comandar a sociedade, porque ela que acaba comandando a vida social, com o apoio das instituies internacionais, em certos casos, como o Brasil, tambm com o apoio do Estado (SANTOS, 2004, p. 30).

Diante dessa situao os maiores favorecidos

nesse processo de

globalizao so os Estados desenvolvidos, os grandes bancos e as grandes firmas

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transnacionais. J os Estados em desenvolvimento saem perdendo, pois so vulnerveis a essas polticas de ajustes econmicos devido o seu longo processo de dependncia. Descritos os fatores polticos criados para a reestruturao do capitalismo, preciso agora entender como se tornou possvel e vivel essa circulao rpida e intensa de bens materiais e imateriais que ultrapassou a esfera econmica e afetou todas as outras esferas da sociedade. A globalizao s se realiza porque existem as tcnicas que colocam em ao as polticas das empresas e dos Estados. E esse novo meio geogrfico permite essa ao, pois seus objetos tcnicos so capazes de interligar o mundo inteiro em prol da globalizao. Segundo Santos (2004) a globalizao representa o pice do processo de internacionalizao do capital e essa pode ser entendida a partir de dois processos que o estado das tcnicas e o estado das polticas. As novas tecnologias da informao so responsveis pela circulao de fluxos imateriais. A ruptura que ocorreu no paradigma tecnolgico com a juno da microeletrnica da informtica e das telecomunicaes permitiu uma reorganizao das empresas e esse fator foi determinante para o processo de globalizao, que contribuiu para o surgimento de novas formas de produzir, ocasionando em maiores oportunidades de investimentos em escala global. E, tambm, no se pode negar a circulao de bens materiais devido aos novos sistemas de engenharia, como os meios de transportes rpidos de pessoas e de cargas.

[...] So as grandes barragens, aeroportos, vias rpidas de transportes, suportes de diversas espcies, responsveis pela criao de situaes nas quais h uma solidariedade entre tcnicas de telecomunicaes, teledeteco, informtica e burtica, entre outras, que povoaram o territrio atravs de redes materiais e imateriais (SANTOS e SILVEIRA, 2006, p. 102).

A adeso por completo do Brasil ao processo de globalizao representou uma requalificao da produo agrcola, atravs da tecnificao e cientifizao dos espaos produtores da modernizao agrcola e criaram espaos novos, como manchas de modernidade dotadas de intensa racionalidade produtiva.

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A difuso dos investimentos para a renovao dos sistemas tcnicos do pas, continuou a ser feita de forma pontual, com o intuito de favorecer os grandes agentes do capital envolvidos com o agronegcio. Para Milton Santos (2006), os espaos requalificados atendem aos interesses dos agentes hegemnicos da poltica, da economia e da cultura, pois as tcnicas atuais viabilizam a flexibilidade dos regulamentos do mundo inteiro, impondo-se a todos os espaos de forma ainda mais seletiva e excludente. O que se observa a regncia das atividades econmicas, sociais e polticas pelas instituies internacionais que favorecem o grande capital e, esse modo de produo continua sendo reproduzido atravs das novas possibilidades tcnicas. A globalizao causa e conseqncia de uma nova atuao das grandes firmas em escala global, onde a produo agrcola passou a ser mais uma opo para a realizao de investimentos de grupos alheios ao setor produtivo. Para garantir os lucros diante de um mercado aberto e competitivo, essas firmas adotam novas estratgias de atuao para superar a concorrncia e aumentar os lucros. Par tal ao as firmas contam com a fragilidade de atuao poltica do Estado brasileiro e com as novas possibilidades tcnicas. A partir da dcada de 1980 muitas transformaes ocorreram na economia internacional que afetou os setores produtivos e, entre eles, as atividades agrcolas. Assim, diante das transformaes ocorridas na produo agrcola do Brasil decorrente da atuao das grandes firmas ligadas ao agronegcio a partir dos anos de 1980 e, mais precisamente nos anos de 1990, preciso considerar um referencial terico capaz de contemplar essa nova dinmica da agricultura brasileira.

2.1.1 Os circuitos espaciais produtivos e os crculos de cooperao

A escolha em direcionar o estudo a partir do conceito de circuito espacial produtivo e dos crculos de cooperao est assentada em dois fatores: Primeiro, considerar a atividade cacaueira como um Complexo Agroindustrial no correto, pois existe uma diversidade de situaes de produo e comercializao do cacau que no esto diretamente ligadas s firmas e segundo, a reorganizao da produo das firmas nesse perodo de abertura econmica fez com que emergisse

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uma srie complexibilidades impossveis de serem entendidas dentro de um Complexo Agroindustrial. Portanto os circuitos espaciais produtivos e os crculos de cooperao so duas noes mais abrangentes do que a de complexo agroindustrial. E bem verdade que o conceito de circuito produtivo no exclui o conceito de complexo agroindustrial, sendo possvel analisar o complexo agroindustrial dentro do o circuito espacial produtivo do cacau. Mas a escolha do primeiro conceito parte do entendimento de que no existe um complexo agroindustrial fechado do cacau. No entendimento aqui desenvolvido a respeito de um Complexo Agroindustrial parte da compreenso que este formado pela integrao intersetorial de toda a produo, ou seja, o capital envolvido com a lavoura tambm est envolvido com a indstria processadora e, at mesmo com a indstria fornecedora de insumos. O produtor que no estiver integrado dessa forma no pode ser considerado como parte do complexo, mas sim como um mero fornecedor de matria-prima. A atividade cacaueira, que composta pela lavoura, pela indstria processadora e pela indstria chocolateira caracterizada pela separao intensa entre o setor primrio e o setor industrial, no existe essa integrao intersetorial e, tambm os produtores rurais no esto subordinados diretamente as firmas processadoras. Existe uma srie de intermedirios que compram a produo e depois a

repassa para as firmas. A subordinao que existe ela comercial, pois ocorre entre o produtor e o atravessador. O capital dos produtores est investido dentro da fazenda e mesmo sendo um produto voltado para o mercado externo, existe uma diversidade de relaes de produo que no tem nenhum tipo de regulao que se aproxime de um complexo agroindustrial. Essas relaes podem ser evidenciadas pela liberdade que o produtor tem na hora de vender o produto e na compra de insumos, pois os produtores no adquirem esses produtos com as grandes firmas, como a Cargill. Joanes e Barry Callebout. Na grande maioria, no Brasil, existe uma quantidade de produtores rurais que no pode ser considerado sequer moderno, pois as velhas estruturas de produo servem lgica de produo atuais, configurando-se assim, em uma diversidade de organizao dos espaos produtores.

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Desse modo, considerando-se que as relaes polticas e tcnicas existentes entre as grandes firmas, o Estado, e os produtores rurais so tantas no que tange lavoura cacaueira que no possvel reduzir-las idia de complexo Agroindustrial, preciso recorrer aos conceitos de circuito espacial produtivo e aos crculos de cooperao. Isso porque na atividade cacaueira a heterogeneidade de situaes tal que somente a partir de casos concretos e especficos possvel compreender de fato a dinmica da produo, do processamento e da ligao entre esses dois setores que a comercializao.

Alm disso, a idia de um grande Complexo Agroindustrial tem o perigo de ignorar todos os segmentos que no tm esse tipo de integrao e regulao. No caso brasileiro, esse resduo no to pequeno a ponto de ser desprezado. Em termos de produtos e regies brasileiras, a integrao muito diversa. Ao trat-las agregadamente, passa-se a idia de que a centralizao de capitais muito maior do que efetivamente o (SILVA, 1998, p.79).

Por fim, necessrio considerar as novas dinmicas polticas, tcnicas e organizacionais decorrentes da reestruturao do modo de produo capitalista que se imps para o mundo aps os aps de 1980. Ento, diante de um novo modelo poltico e tecnolgico, os padres que davam sustentao estrutura do Complexo Agroindustrial foram desmontados, como a forma de atuao do Estado Brasileiro enquanto nico agente financiador da modernizao da agricultura, o modelo tecnolgico baseado na Revoluo Verde e a forma de atuao das grandes firmas ligadas ao agronegocio. No perodo atual emergem uma srie de relaes produtivas, comerciais e financeiras que ultrapassam a idia de complexo Agroindustrial. Os agentes locais relacionados com as atividades agroindustriais, principalmente a lavoura cacaueira perdem fora enquanto avana cada vez mais o poder de ao das grandes firmas, pois essas possuem maior capacidade de organizao para atuar nesse momento de competitividade global. De posse de influncias capazes de reorganizar a poltica econmica a seu favor, e de posse de objetos tcnicos presentes nesse meio geogrfico, as firmas criaram estratgias de atuao para tornarem-se mais competitivas. Elas se reestruturam atravs de fuses e aquisies entre si e utilizam as possibilidades

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tcnicas capazes de controlar todo o circuito produtivo atravs de centros de controles distantes dos locais de produo. De acordo com Milton Santos (2006) o perodo tnico-cientfico-informacional, marcado pela presena da informao, onde a mesma se tornou um dado essencial para a manuteno das aes dos agentes hegemnicos. A informao passou a ser a condio principal para a realizao das aes advindas dos agentes hegemnicos do capital, como essas grandes firmas.

Neste perodo, os objetos tcnicos tendem a ser ao mesmo tempo tcnicos e informacionais, j que, graas extrema intencionalidade de sua produo e de sua localizao, eles j surgem como informao; e, na verdade, a energia principal de seu funcionamento tambm a informao. J hoje, quando nos referimos s manifestaes geogrficas decorrentes dos novos progressos, no mais de meio tcnico que se trata. Estamos diante da produo de algo novo, a que estamos chamando de meio tcnico-cientfico-informacional (SANTOS, 2006, p.238).

A cincia e a informao esto na base de todos os processos produtivos, inclusive na produo agrcola atravs da possibilidade de criao de normas e regulaes de produo, circulao e distribuio, de acordo com as necessidades do mercado consumidor. Desse modo, os espaos so requalificados para atender aos ditames dos agentes hegemnicos do capital, atravs da dominao da informao e do conhecimento. Observa-se que os circuitos espaciais produtivos esto relacionados com as etapas do setor produtivo, ou seja, produo, circulao e consumo. J os crculos de cooperao ficam responsveis pela transferncia de capitais, ordens e informaes logsticas e com o desenvolvimento de novas tecnologias. A se pode pensar nas oportunidades que os novos objetos tcnicos oferecem para a atuao das grandes firmas, pois permite maiores possibilidades de acumulao de capital atravs da concentrao dos lucros de todo o circuito em escala global. Para Milton Santos (1986), uma atividade pertencer a um dado circuito quando o seu insumo base for derivado da fase anterior do mesmo circuito. Caso isso no ocorra, deve-se considerar que a partir desse ponto se desenvolve outro circuito a ser estudado separadamente.

Os circuitos produtivos so definidos pela circulao de produtos, isto , de matria. Os circulos de cooperao associam a esses fluxos de matria

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outros fluxos no obrigatoriamente materiais: mensagens, ordens (SANTOS, 1996, p. 129).

capital,

informao,

A criao dos circuitos produtivos e os crculos de cooperao representam o resultado das aes tcnicas e polticas criadas pelos agentes envolvidos com o agronegcio, onde o Estado possui fator importante, agora como parceiro para viabilizar a produo. Isso ocorre quando o Estado desenvolve novas tecnologias, cria polticas especficas para cada ramo de produo e cria infra-estruturas para o escoamento da produo.

[....] A se conjugam as relaes de produo social, que os circuitos de ramos tipificam, as relaes sociais de produo, dados pelas firmas, mas tambm as relaes de produo do passado, mantidas ou rejuvenescidas pelas relaes atuais e representadas por relquias ou heranas, tanto na paisagem quanto na prpria estruturao social (SANTOS, 1986, p. 130).

Para Jose Graziano da Silva (1998), mesmo que parte das novas tecnologias seja de origem privada, como as novas biotecnologias e as microeletrnicas, a base para sua adaptao realizada pelo prprio Estado. Conforme Milton Santos (2006), os crculos de cooperao so alimentados pelos investimentos pblicos. Esses investimentos so voltados para a criao de um meio adensado tecnicamente, tanto para a circulao de fluxos materiais e imateriais, quanto para fomentar a cincia e a informao e promover novas descobertas aplicveis produo agrcola. O resultado desse processo a especializao da produo e a criao de novos espaos para atender s necessidades das grandes firmas ligadas ao agronegcio. Ento, a idia de Complexo Agroindustrial limitada para se analisar a atividade cacaueira pela diversidade de relao existente entre a produo e a comercializao at chegar aos setores industriais. Nesse caso, o conceito de circuitos espaciais de produo e os seus respectivos crculos de cooperao o mais adequado para a anlise dessa pesquisa realizada no Vale do Jiquiri.

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2.2 A MANUTENO DOS ESPAOS PRODUTORES ESPECIALIZADOS

Os circuitos espaciais produtivos e os seus respectivos crculos de cooperao interferem mos espaos agrcolas a partir dos centros de comando que esto situados distantes dos espaos produtores. Tudo isso possvel devido reestruturao poltica e dos novos aportes tecnolgicos do meio tcnico-cientficoinformacional. Dessa relao estabelecida entre o movimento dos circuitos, as aes polticas definidas pelos crculos de cooperao emergiram duas situaes no Brasil que merecem destaque: A primeira est relacionada com a reestruturao produtiva da agricultura propiciada pelas possibilidades do meio-tcnico-cientfico-

informacional e da globalizao. a agricultura globalizada pautada na cincia e na tecnologia aplicada.

Desde que a cincia, a tecnologia e a informao se constituram nas mais marcantes foras produtivas, o homem passa a ter o poder de induzir os progressos tcnicos e imprimir intensa velocidade de renovao das foras produtivas e, dessa forma, passa a ter grande poder de interferncia na natureza. Estas novas possibilidades modificaram radicalmente a relao homem-natureza. Desse modo, o homem, que j foi mero observador da natureza transforma-se em agente com profunda capacidade de interferncia nela, e constri rapidamente, uma segunda natureza, uma natureza artificializada, na qual os fixos artificiais so cada vez mais numerosos (ELIAS, 2001, p. 28).

So esses os espaos produtores globalizados. Antes, no perodo da modernizao da agricultura eram marcados pela qumica e pela mecanizao; agora, ganham sofisticados aportes pautados na biotecnologia e nas tecnologias da informao. Tudo isso torna ainda mais excludente a sua disperso. Os lucros dessas formas de produes hegemnicas no se estendem para todos os agentes, ficam restritos a importantes multinacionais que domina uma pequena parte da produo e uma parte considervel da comercializao e do financiamento. Essa produo se estende pelos espaos modernos e globalizados, espaos dotados de sistemas tcnicos capazes de atender s demandas dos sistemas de aes hegemnicas. No entanto, mesmo nesses espaos, o seu aproveitamento de forma favorvel no se estende para todos os agentes, ficam destinados queles que dominam os sistemas tcnicos e os sistemas de aes.

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Esses espaos globalizados e tecnicamente modernos nos paises perifricos como o caso do Brasil, so espaos que obedecem a lgicas distantes, principalmente os espaos agrcolas modernos. Esses espaos que so

privilegiados para abarcarem essa produo agrcola globalizada, seja por suas condies fsicas, seja pelo seu arranjo poltico e cultural, so inseridos na corrente globalizadora, tornando-se alheio racionalidade local. J os espaos produtores que no possuem condies deficientes para serem inseridos completamente globalizao so incorporados aos circuitos espaciais produtivos de forma parcial, ou seja, o meio tcnico-cientficoinformacional est presente, s que de forma menos intensa, pois atendem aos setores da comercializao e distribuio da produo. Mas possvel observar uma norma na produo, caso o produto esteja voltado para o mercado internacional.

Os produtos so escolhidos segundo uma base mercantil, o que tambm implica uma estreita obedincia aos mandamentos cientficos e tcnicos. So essas condies que regem os processos de plantao, colheita, armazenamento, empacotamento, transportes e comercializao, levando introduo, aprofundamento e difuso de processos de racionalizao que se contagiam mutuamente, propondo a instalao de sistemismos, que atravessam o territrio e a sociedade, levando, com a racionalizao das prticas, a uma certa homogeneizao (SANTOS, 2008, p.89).

Em se tratando de um caso especfico, o Vale do Jiquiri um espao onde os sistemas tcnicos modernos so menos presentes, e esse fato explicado pelas suas condies topogrficas e pelas suas condies polticas. Mesmo nessas condies, esse espao est tambm inserido no contexto do comercio internacionalizado e sofre as aes das regras do mercado globalizado, pois existe uma norma inerente produo cacaueira que controlado pelas grandes firmas devido ao valor apresentado por esse produto no mercado internacional. No Vale do Jiquiri as grandes firmas esto menos presentes, pois a produo agrcola est a cargo dos produtores e essas firmas se encarregam dos outros setores da produo, como o processamento de cacau em amndoas no local e, em lugares distantes, no fabrico de chocolates. O encadeamento desse processo que vai desde a compra do cacau at a fabricao final do chocolate organizado graas a existncia do circuito espacial produtivo e os seus respectivos crculos de cooperao que garante a rapidez e a fluidez na circulao dos produtos e ordens.

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Ento, mantm-se a produo para abastecer as indstrias processadoras e as indstrias chocolateiras que fazem uso do meio tcnico-cientfico-informacional em detrimento do setor primrio que no utiliza esse novo meio geogrfico. Portanto, a atuao do circuito espacial produtivo de cacau e os seus crculos de cooperao resultam em espaos produtores de especializados, tanto modernos, quanto estagnados. Nesses espaos se verificam tcnicas de produo rudimentares, com vestgios da Revoluo Verde, como o caso do Vale do Jiquiri, enquanto espao produtor de cacau.

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3 FORMAO E ORGANIZAO SOCIOESPACIAL DO VALE DO JIQUIRIBA: REGISTROS HISTRICOS

Os quatro municpios trabalhados aqui, Laje, Mutupe, Jiquiri e Ubara fazem parte do Vale do Jiquiri, que atualmente est inserido no territrio de Identidade Vale do Jiquiri. Para entender o Vale do Jiquiri dentro do contexto do circuito espacial produtivo de cacau ser necessrio levar em considerao os processos histricos que interagiram com esse espao ao longo dos tempos. O espao ser entendido como uma construo histrica mediada pela tcnica. O entendimento dos diferentes momentos histricos inscritos no espao parte do estudo dos diferentes meios geogrficos onde,em cada um desses, existe um conjunto de aes e de objetos tcnicos correspondentes. De posse dessa compreenso possvel entender as diversas relaes sociais desenvolvidas no espao, como a poltica, as relaes de trabalho, as tcnicas aplicadas e as atividades econmicas. a partir dos acontecimentos pretritos que se busca compreender a organizao do Vale do Jiquiri como um instrumento para anlise dos acontecimentos do presente. O marco do processo de ocupao espacial do Vale do Jiquiri compreende o perodo do sculo XIX, onde a Bahia j no mais era parte do Imprio Portugus, mas sim, j era uma das principais provinciais do Imprio do Brasil. Mesmo despontando no cenrio baiano s a partir do sculo XIX, o Vale do Jiquiri passou a integrar tambm o complexo econmico do Recncavo marcado pela atividade canavieira e fumageira sobre as diretrizes do seu ncleo principal que Salvador. Entender o Vale do Jiquiri requer um conhecimento mais amplo que considere as necessidades externas ditadas pelo capital mercantil e as relaes que se desenvolveram a partir da oligarquia canavieira. Nessa perspectiva, buscou-se aqui contextualizar primeiramente as aes de ocupao e organizao do Recncavo canavieiro e, posteriormente, a ocupao do Vale do Jiquiri e a localizao desse dentro das reas de produo na Bahia.

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3.1 FORMAO E ORGANIZAO DA BAHIA COLONIAL

O processo de colonizao se efetivou definitivamente com a instituio das Capitanias Hereditrias e com a criao do primeiro governador geral, o que deu dinamismo atividade canavieira e, em seguida, s outras atividades econmicas. Segundo Sylvio Bandeira de Mello e Silva (1989), diferentemente de outras regies do mundo onde o povoamento se realizou de modo espontneo, na Bahia a colonizao foi orientada para a explorao econmica. O aumento da demanda pelo acar na Europa foi fator determinante para que os portugueses se aventurassem na busca por terras abundantes e com condies edafoclimticas e por mo-de-obra barata, para aumentar a produo. De acordo com o mesmo autor, a dinmica que passou a ser imposta pela cana-de-acar deu origem a uma diferenciao espacial na Bahia devido s diferentes atividades econmicas desenvolvidas em todo o Estado para servir a essa atividade. O que criou um interessante quadro de reas complementares e interligadas, cada qual com uma funo estabelecida, esse fato deu origem a outros povoados, aumentando o povoamento da Bahia. De acordo com os mesmos autores, a Bahia poderia ser dividida em diferentes reas produtoras, a primeira a rea canavieira localizada no Recncavo, abrigava os termos de Salvador, So Francisco do Conde, Santo Amaro, Cachoeira e no final do perodo colonial, Nazar. A rea fumageira, localizada na parte no recncavo (Cachoeira, Santo amaro, Maragogipe, Muritiba, Cruz das Almas) e parte no Agreste (Santo Estevo, feira de Santana, Ipir, gua Fria, Pedro e Inhambupe). A outra, a rea da pecuria, que era a mais ampla e em parte justaposta rea fumageira, estendendo-se pelos vales dos principais rios da Capitania baiana. J as reas de minerao estavam localizadas na encosta e na parte meridional da Chapada Diamantina (Jacobina e rio de contas respectivamente). E, por fim as reas de alimentos e de matrias-primas. Assim como rea de pecuria que alimentava o recncavo canavieiro e a rea fumageira onde seu produto servia como moeda para trocar por escravos, a rea de produo de alimentos tambm possua grande importncia. medida que Salvador crescia e produo de cana se expandia mais alimentos e matrias-primas eram necessrias. Farinha, caf, milho, feijo e

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madeiras provinham do sul e oeste do Recncavo. Nessa rea marginal para o cultivo da cana-de-acar se formou uma diferenciao econmica e social interessante dentro da capitania da Bahia. A diversidade setorial e espacial da economia baiana durante o perodo colonial resultou na criao de Vilas e na abertura de novos caminhos interligando as vilas surgidas nos diferentes espaos econmicos (SILVA, 1989, p. 94). dentro dessa rea de produo e de alimentos de matrias-primas que se encontra o Vale do Jiquiri. Esse espao que despontou s no sculo XIX, j nasce sobre uma nova lgica tecnolgica. o perodo da instalao das usinas, da navegao a vapor e da implementao das estradas de ferro.

3.2 FORMAO E ORGANIZAO DO VALE DO JIQUIRI

A idia da ocupao da Bahia como um todo, parte da compreenso que todo o espao baiano tinha uma finalidade dentro da economia canavieira que se expandia. As reas produtoras que foram se formando devido s exigncias do Recncavo e depois para manter o prprio Recncavo passaram a ser fortemente interligadas e que no geral giravam em torno de Salvador e adjacncias. A ocupao do Vale do Jiquiri comeou a ser efetivada no perodo pscolonial, ou seja, aps 1823. Nesse perodo, segundo Sylvio Bandeira de Mello e Silva (1989), a economia da Bahia permaneceu isolada do resto do pas dependente do mercado externo. Posteriormente, os fluxos de exportao e importao aumentaram devido urbanizao da Europa e dos Estados Unidos e, tambm por causa do livre comrcio adotado pelo Brasil. Tudo isso refletiu diretamente no crescimento populacional e numa maior distribuio espacial do mesmo, pois a agricultura se expandiu, como resultado das demandas internas e externas. De acordo com os mesmos autores, as sedes de fazenda de pecuria bovina tiveram grande importncia no aparecimento dos ncleos urbanos. Muitas dessas fazendas que se localizavam ao longo de rotas de gado e das tropas, nos entroncamentos de estradas, nos transbordos de rios ou prxima a uma capela construda pelos proprietrios foram pontos para o surgimento de povoados.

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A diversificao das atividades produtivas no entorno da baa de Todos os Santos fez surgir vrios recncavos produtores de fumo e charutos, de artigos alimentcios, de acar de usina para o abastecimento interno, de peixes e mariscos para o mercado de Salvador (ARAUJO, 2000, p.20).

As primeiras incurses para a regio do Rio Jiquiri data s a partir de 1778, devido explorao do pau-brasil, pois nesse perodo ainda se encontrava esta rvore nativa nas matas que margeavam o j citado rio. No entanto, segundo o IBGE (1958), a explorao dessa localidade foi se efetivando com a distribuio de sesmariais. Em Ubara existiam as sesmarias denominadas de Barra da Estopa e Riacho da Torre que foi doada a Francisco de Souza Feio, o mesmo tomou posse em 1875. Essa fazenda foi desmembrada em outras, a parte que Francisco de Souza firmou residncia conhecido como Estopa foi o marco de formao do povoado que atualmente o municpio de Ubara. A primeira notcia que se tem da localidade que hoje o municpio de Mutupe, data de 1849, quando foi encontrado por viajantes a caminho de outras terras um velho ndio. Por volta de 1860, esse velho ndio vendeu as terras para Manoel Joaquim que em seguida s concedeu sua filha Ana Joaquina. Foram os descendentes de Ana Joaquina quem transformaram parte das terras e deram o nome de Fazenda Mutum. Essa denominao explicada pela abundancia no local de aves do mesmo nome. A sede da fazenda com o seu conjunto de casas como o engenho, fbrica de farinha e alambique, foi local do povoamento e que hoje a cidade de Mutupe. O municpio de Jiquiri foi iniciado por brasileiros na sua maioria tropeiros que conduziam cargas do serto de Vitria da Conquista para Nazar e Aratupe e que ali faziam pousada. Jiquiri teve origem no local conhecido como Velhas, onde j havia uma Capela sob a invocao do Senhor do Bonfim da Capela Nova. E por fim, Laje. No se sabe ao certo como surgiu o povoado, o que se sabe que uma enchente obrigou alguns moradores j existentes a reconstruir o povoado na outra margem do rio, local mais seguro e nesse mesmo perodo foi construdo uma capela sob a invocao de Nossa Senhora das Dores e em seguida se firmou um novo povoado. A histria desses quatro municpios muito parecida, pois todas esto situadas s margens do Rio Jiquiri e segue um lineamento. Segundo Sylvio

Bandeira de Mello e Silva, e (1989), nos municpios hoje conhecidos como Mutupe,

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Jiquiri, Laje e Ubara situavam-se numa estrada que ligava os sertes do sudoeste baiano a Minas Gerais que tambm servia como rota das boiadas. Com o passar dos anos e os povoados foram estabelecidos e esse espao ficou sendo passagem obrigatria para tropeiros que ali transitavam e faziam daquela localidade ponto de repouso e reabastecimento. Ento, por volta de 1860 foram se formando os povoados no Vale do Jiquiri que nas primeiras dcadas do sculo XX tornaram-se municpios. Segundo o SEBRAE-BA (1995), a evoluo poltico-institucional do Vale do Jiquiri efetivou-se em trs perodos distintos, em meados do sculo XIX quando surgiu Ubara (1832), que foi desmembrada de Valena. Depois por desmembramento de Ubara surgiu Jiquiri (1891). Depois Mutupe foi desmembrado de Jiquiri (1926). Laje surgiu em 1905, desmembrada da Vila de Aratupe que na poca fazia parte do municpio de Jaguaripe.

3.2.1 agrcolas

A

organizao

econmica:

as

sucessivas

atividades

A evoluo econmica do Vale do Jiquiri est diretamente relacionada com as necessidades estabelecidas pelo Recncavo canavieiro e fumageiro, seguindo as diretrizes da expanso do mercado interno e externo. Dento dessa lgica, a interiorizao da ocupao do espao baiano chegou at esta localidade. Alm dos j citado fatores responsveis pelo povoamento, importante ressaltar tambm as suas condies favorveis pratica agropecuria. Assim, o Vale passou a integrar a economia do Recncavo Tradicional como fornecedor de produtos alimentares e tambm de produtos exportveis como a cana-de-acar e depois o fumo, mas foi o cultivo do caf que exerceu maior influncia nesse espao.

[...] A natureza da sua economia de exportao (Recncavo aucareiro e fumageiro) condicionou a formao de numerosos ncleos urbanos e mesmo nas reas de cultura de subsistncia (Recncavo Sul) pde se criar uma vida urbana, em virtude da proximidade de Salvador (SANTOS, 1959, p. 52).

A cana-de-acar cultivada no Vale do Jiquiri era usada para o frabico da rapadura, no possua a funo aucareira como no Recncavo. Apesar de ser um

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cultivo ligado ao comrcio exterior, a rapadura era consumida pela populao local e vendida para Salvador. O fumo tambm foi um produto importante para a economia dos municpios do Vale, responsvel por parte do desenvolvimento alcanado pelas cidades de Mutupe, Jiquiri e Ubara a partir de 1890. O caf introduzido na Bahia depois de 1723, se difundiu rapidamente pelo Recncavo e Capitanias de Ilhus e Porto Seguro. Depois, esse produto teve maior dinamismo no oeste e no sul do Recncavo, onde nesses espaos, passou a ser uma atividade agrcola de grande importncia, inclusive para o Vale do Jiquiri.

[...] No passado, a ocupao do Vale do Jiquiri e a construo da Estrada de Ferro de Nazar, ligando o Planalto de Jequi ao Recncavo, foram motivados principalmente pela expanso cafeeira do sculo XIX que tambm ocupou espaos significativos na direo do extremo sul do Estado (MEDONA, 2001, p. 210).

Todos esses produtos eram voltados para abastecer a cidade de Salvador e o melhoramento do sistema virio, bem como a chegada da Estrada de Ferro de Nazar facilitou o escoamento da produo. Esse meio de transporte contribuiu como fator decisivo para o crescimento desse espao, pois impulsionou o movimento de pessoas e de mercadorias. Posteriormente, a Estrada de Ferro de Nazar fez com que povoados do Vale do Jiquiri ascendesse posio de cidade entre o perodo de 1890 at 1920.

No princpio do ano de 1905, aqueles poucos habitantes testemunharam o inicio do desenvolvimento: chegava a Ponta de Trilhos da Estrada de Ferro Tram Road de Nazar, que ali estava como concluso de um trecho dos seus servios de construo e, dali, seguiria como destino ao seu ponto final que seria a cidade de Jequi. A dita estrada partira de Nazar, chegando a Santo Antnio em 7 de novembro de 1880, dali se estender at Amargosa em 1892, tendo depois voltado construo Santo AntnioJequi, passando por So Miguel, Laje, Mutupe, Jiquiri, Areia (Ubara), Santa Ins, Itaquara, Jaguaquara, Jequi. (REBOUAS, 1992, p.19)

O comrcio das cidades foi grandemente beneficiado, tanto pelos trens de passageiros, quanto pelos trens de carga. Nestes eram exportados os produtos agrcolas que se integravam ao vapor de Nazar e depois as mercadorias seguiam para Salvador.

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Assim, no incio do sculo XX, a regio do Vale do Jiquiri j estava consolidada e passou a integrar os sistemas de transportes e o comrcio da Bahia direcionado para a exportao, este com base em dois produtos, caf e fumo. J os produtos para abastecer o mercado interno concentravam-se na carne bovina, mandioca e produtos de subsistncia. Segundo, Sylvio Bandeira de Mello (1980), Nazar, Cachoeira e Santo Amaro at 1930 coletavam e distribuam bens, atravs das conexes entre seus portos e as ferrovias. Nazar escoava toda a produo de caf, farinha e fumo arrecadado nos municpios de Santo Antnio de Jesus, Amargosa, Jiquiri, etc. Para o Vale do Jiquiri os produtos industrializados oriundos de Salvador.

3.2.2 O cacau