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claudiavasconcellos
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O jato de sangue (1925)
de Antonin Artaud
RAPAZ – Eu te amo e tudo é belo. MOÇA - (com a voz muito trêmula) – Você me ama e tudo é belo. RAPAZ (quase sussurrando) - Eu te amo e tudo é belo. MOÇA (com voz ainda mais sussurrante) – Você me ama e tudo é belo. RAPAZ (afastando-se bruscamente) - Te amo. (Pausa) Fique de frente. MOÇA (afastando-se e se colocando de frente para ele) – Pronto.RAPAZ (em tom exaltado, agudíssimo) - Te amo, sou grande, sou lúcido, sou musculoso, sou denso. MOÇA (em um mesmo tom agudíssimo) - Nós nos amamos. RAPAZ - Somos intensos. Ah! Que bem organizado está o mundo!
Pausa. Se ouve o ruído de uma imensa roda que gira, expelindo vento. Um furacão separa-os. Nesse momento, dois astros se chocam e começam a cair, em carne viva, pernas, pés, mãos, cabeleiras, máscaras, colunas, pórticos, templos, alambiques; caem, mas cada vez mais devagar, como se caíssem no vácuo; em seguida, três escorpiões, um atrás do outro, e por último uma rã e um escaravelho, que passa com uma lentidão desesperadora, uma lentidão de dar ânsia de vomito.
RAPAZ (gritando com toda sua força) - O céu ficou louco. (Olha para o céu) Vamos sair correndo.
Empurra a Moça. E entra um Cavalheiro medieval com uma armadura enorme, seguido de uma Ama-de-leite, que segura os peitos com as mãos, resfolegante por causa de seus seios muito inchados.
CAVALHEIRO - Deixa em paz os seus peitos e traga os papéis. AMA-DE-LEITE (lançando um grito agudíssimo) - Ai! Ai! Ai! Ai! CAVALHEIRO - Porra! Que foi? AMA-DE-LEITE - Nossa filha, ali, com ele. CAVALHEIRO – Não tem nenhuma moça lá. Cala a boca! AMA-DE-LEITE - Digo que estão fornicando. CAVALHEIRO - E que me importa se estão fornicando ou não. AMA-DE-LEITE - Incesto. CAVALHEIRO – Bisbilhoteira. AMA-DE-LEITE (metendo as mãos nos bolsos, tão volumosos como seus peitos) - Cafetão.
Atira-lhe os papéis.
CAVALHEIRO – Me deixe comer.
Foge a Ama-de-leite. Então o Cavalheiro apruma-se e de cada folha tira uma enorme fatia de queijo suíço. De repente, começa a tossir e engasga.
CAVALHEIRO - Ei! Ei! Deixa eu ver os seus peitos. Deixa eu ver os seus peitos. Onde ela se meteu?
Sai correndo. Entra o Rapaz.
RAPAZ - Vi, ouvi, entendi. Aqui a praça, o padre, o sapateiro, a verdureira, a entrada da igreja, o lampião do prostíbulo, a balança da justiça. Não posso mais!
Como sombras vão chegando um padre, um sapateiro, um sacristão, uma alcoviteira, um juiz, uma verdureira.
RAPAZ – Eu a perdi. Me devolve! TODOS (em diferentes tons) - Quem? Quem? Quem? Quem? RAPAZ - A minha esposa. SACRISTÃO (astuto) - A sua esposa? Qual é, gozador! RAPAZ - Gozador? Queria ver, se fosse a sua! SACRISTÃO (batendo na testa) – Vai ver que é verdade.
Sai correndo. Por sua vez, o Padre se afasta do grupo e passa o braço em torno do pescoço do Rapaz.
PADRE (como em um confessionário) - A que parte de seu corpo você se refere com mais frequência? RAPAZ - A Deus.
O Padre, desconcertado pela resposta, adota imediatamente um sotaque suíço.
PADRE (com sotaque suíço) – Isso já não se faz. Não nos interessa. Temos de deixá-lo para os vulcões, os terremotos. Nós nos sustentamos com as imundícies dos homens no confessionário. E isso é tudo. É a vida. RAPAZ (muito impressionado) - Ah! Com que então é a vida! Pois que se danem! PADRE (com sotaque suíço) - Assim seja.
Nesse instante a escuridão invade repentinamente o palco. Treme a terra. Retumbam os trovões, com relâmpagos que zig-zagueiam por toda parte, e com os zig-zags dos relâmpagos vê-se todos os personagens que correm, se enredam uns nos outros, caem no chão, voltam a se levantar e correm como loucos. Em certo momento, uma mão enorme arrebata a cabeleira da Alcoviteira, que se inflama e cresce a olhos vistos.
VOZ DESCOMUNAL – Cadela, olha seu corpo!
O corpo da alcoviteira aparece inteiramente desnudo e repugnante sob o corpete e a saia, que são como que de vidro.
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ALCOVITEIRA – Deixa-me, Deus!
Morde o punho de deus. Um imenso jorro de sangue dilacera o cenário e, enquanto soa um relâmpago mais longo que os outros, vê-se o padre que se persigna. Quando volta a luz, todos os personagens estão mortos e seus cadáveres jazem no solo por toda parte. Apenas ficam o Rapaz e a Alcoviteira, que se devoram com os olhos. A Alcoviteira cai nos braços do Rapaz.
ALCOVITEIRA (suspirando e a ponto de ter um orgasmo) - Conta como ocorreu.
O Rapaz esconde a cara entre as mãos. Volta a Ama-de-leite levando a Moça, como um fardo, em baixo do braço. A Moça está morta. Solta-a e ela se estatela no chão, onde fica como uma panqueca. A Ama-de-leite já não tem peitos, é completamente plana. Nesse momento entra o Cavalheiro, que se atira sobre ela e a sacode com veemência.
CAVALHEIRO (com voz terrível) Onde você os meteu? Me dê o queijo. AMA-DE-LEITE (com picardia) - Toma.
Levanta a saia. O Rapaz quer fugir, mas fica rígido como um marionete petrificado.
RAPAZ (como que suspenso no ar, com voz de ventríloquo) - No faça mal à mamãe. CAVALHEIRO – Maldita.
Cobre o rosto horrorizado. Então sai de debaixo da saia da Ama-de-leite um formigueiro de escorpiões que pululan por seu sexo que incha, racha, se torna vítreo e espelha como um sol. O Rapaz e a Alcoviteira fogem como se estivessem derretendo.
MOÇA (levantando-se deslumbrada) - A virgem! Ah! Era o que eu buscava!
FIM
Tradução provisória: Silvana Garcia
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