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1 ANA LUÍZA ARTIAGA RODRIGUES DA MOTTA O SUJEITO NO DISCURSO ECOLÓGICO SOBRE A PESCA NA CIDADE DE CÁCERES ESTADO DE MATO GROSSO Dissertação a ser apresentada ao Curso de Lingüística do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Lingüística. Orientadora: Profa. Dra. Eni Puccinelli Orlandi UNICAMP Instituto de Estudos da Linguagem 2003

Artiaga Rodríguez o Sujeito No Discurso Ecológico Sobre a Pesca Na Cidade de Cáceres Estado de Mato Grosso

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Artiaga Rodríguez

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    ANA LUZA ARTIAGA RODRIGUES DA MOTTA

    O SUJEITO NO DISCURSO ECOLGICO SOBRE A PESCA NA CIDADE DE CCERES ESTADO DE MATO GROSSO

    Dissertao a ser apresentada ao Curso de

    Lingstica do Instituto de Estudos da Linguagem da

    Universidade Estadual de Campinas como requisito

    parcial para obteno do ttulo de Mestre em

    Lingstica.

    Orientadora: Profa. Dra. Eni Puccinelli Orlandi

    UNICAMP

    Instituto de Estudos da Linguagem

    2003

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    FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA IEL - UNICAMP

    M858s

    Motta, Ana Luza Artiaga Rodrigues da O sujeito no discurso ecolgico sobre a pesca na cidade de Cceres

    Estado de Mato Grosso / Ana Luza Artiaga Rodrigues da Motta. - - Campinas, SP: [s.n.], 2003.

    Orientadora: Eni de Lourdes Pulcinelli Orlandi Dissertao (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas,

    Instituto de Estudos da Linguagem. 1. Paraguai, Rio, Bacia. 2. Turismo - Preservao. 3.

    Conscientizao. 4. Anlise do discurso. 5. Desenvolvimento sustentvel. 6. Pescadores. I. Orlandi, Eni de Lourdes Pulcinelli. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Ttulo.

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    BANCA EXAMINADORA:

    ____________________________________________ Prof. Dr. Eni Puccinelli Orlandi - Orientadora

    _____________________________________________ Prof. Dr. Suzy Lagazzi-Rodrigues

    _____________________________________________ Prof. Dr. Leila da Costa Ferreira

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    Para Carlos Otvio, companheiro,

    parte desta trajetria.

    Para meus filhos Flvio e Matheus,

    meninos com quem tenho

    compreendido o porqu em ser forte

    neste percurso.

    Para meus pais, Lcio e Maurcia,

    figuras importantssimas na minha

    formao.

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    AGRADECIMENTOS

    Eni, mesmo antes de ser minha orientadora, o seu trabalho com a

    linguagem j provocava em mim rupturas, escutas. Pelas leituras e orientaes, pelo

    estmulo, pela segurana, pela sua pessoa, a minha admirao.

    Suzy Lagzzi, pela ateno e seriedade, pelas leituras e contribuies

    neste trabalho.

    Leila Ferreira, pela maneira receptiva e acadmica no IFCH, pelas

    leituras e sugestes para o meu dizer sobre o movimento ecolgico.

    Aos pescadores ribeirinhos, que permitiram-me momentos de reflexes,

    conhecimentos do seu lugar de pescador, de sua relao com o rio Paraguai em

    Cceres-MT.

    Mnica Zoppi-Fontana, pelos momentos de leituras e escutas, a sua

    presena significativa em Cceres, na UNEMAT.

    A Eduardo Guimares, pelo dilogo proporcionado.

    meus irmos, Admar, Avany, Edgar, Luciene, Luciana, Ivana e Aderbal

    (in memria) pelo carinho e incentivo:

    Para meus sogros, Sr.Otvio e D. Leonora, pelas palavras de incentivo.

    Fundao Estadual do Meio Ambiente FEMA, Polcia Florestal,

    IBAMA, Secretaria de Turismo e Meio Ambiente - Cceres, ONGS, JUVAM, Colnia

    de Pesca Z-2, pescadores amadores e turistas pelas entrevistas e materiais

    concedidos para este trabalho.

    CAPES, pela bolsa concedida.

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    Universidade do Estado de Mato Grosso UNEMAT, pelo apoio e

    afastamento concedido.

    A todos os colegas pelas trocas de experincias, conversas: Ana Di

    Renzo, Gleide, Edna Andr, Mirami, Vera Regina, Taisir, Elizethe, gueda,

    Wellington, Eliana de Almeida, Valdir e Maria Teresa. A Neuza Zattar pelas leituras

    e sugestes.

    Vianez, pelos inmeros atendimentos e conversas tranqilizadoras

    diante dos clipes da informtica.

    A D. Lurdes, Sr. Pedro (in memria), Snia, Idenir, Sandra, D. Kel, D.Iracy,

    Maria, Idevil, Ighinardo, Juliana, Inara, Amanda, Robson, Iury, Gilson, Bila, Tatiana,

    Zez, amigos conquistados em Campinas.

    Ana Rosa, pelo carinho e dedicao, requisitos de suma importncia

    que permitem as minhas viagens.

    Tereza, da Escola e Berrio Baro de Teff ( Campinas), pelo gesto

    de carinho com meu pequeno Matheus.

    A meus filhos, Flvio e Matheus, que deixaram seus espaos em Cceres

    para acompanhar-me em Campinas; minha me pela visita, companhia, pelos

    cuidados com Matheus em Campinas; e a Carlos Otvio, pelo incentivo e

    compreenso.

    A todos os amigos que, diretamente ou indiretamente, contriburam com

    um gesto, uma palavra de incentivo.

    Deus, Jesus, So Judas Tadeu, pela luz e sabedoria, sempre.

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    (...)Todo mundo ama um dia

    Todo mundo chora um dia

    A gente chega

    E o outro vai embora

    Cada um de ns

    Compe a sua histria

    Cada ser em si carrega o dom de

    ser capaz

    De ser feliz

    preciso amor pra poder pulsar

    preciso paz pra poder sorrir

    preciso a chuva para florir(...)

    Tocando em frente - Almir Sater/Renato Teixeira

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    SUMRIO

    APRESENTAO............................................................................................... 15

    1 DISCURSO ECOLGICO: UM DIZER EM MOVIMENTO ............................. 1.1 1970 Impactos Ambientais nos Estados Unidos e no Brasil .................1.2 A Posio do Movimento Ecolgico........................................................ 1.3 A Questo Ambiental na Dcada de 90 ................................................ 1.4 Ecologia: O Discurso da Contraposio ................................................ 1.5 O Desafio da Institucionalizao de Um Dizer .......................................

    1. 6 O Estado de Mato Grosso ........................................................... ........ 1.6.1 Breve Caracterizao .......... ............................................................ 1. 7 A Estratgia Poltica do Estado de Mato Grosso................................... 1.8 FEMA: Lugar de porta-voz ambiental institucional em Mato

    Grosso.....................................................................................................

    19 20 24 26 31 34 36 37 40

    2 O RIO PARAGUAI NO DIZER DA CIDADE .................................................. 2.1 A Cidade Como Sentido ....................................................................... 2.2 Textualizao: O Rio na Cidade. ........................................................... 2.3 A linguagem estampa a cidade .............................................................

    2. 3.1 As Placas........................................................ .................. ..................

    2.4. As Pinturas Ecolgicas................................................................... ... 2.5 Sujeito pescador... ................................................................................ 2.6 Pesca: Gestualidade e silncio ........................................................... 2.7 O Lugar da Pesca: Uma Organizao Poltica.......................................

    51 53 55 59 59 59 65 66 68

    75 3 PIRACEMA: UM SLOGAN.............................................................................

    3.1 Texto: Uma Escuta ................................................................................. 3.2 O Dizer e Saber: Uma Posio do sujeito .............................................

    77 80 87

    4 A SUSTENTABILIDADE DO DIZER .............................................................. 4.1 Cidado e Sustentabilidade ...................................................................

    4.2 O Turismo e a Cidade ....................................................................... . 4.3 Os diferentes sentidos da palavra: Conscientizao e Preservao .....

    93 99 102110

    CONSIDERAES FINAIS .............................................................................

    ABSTRAC..........................................................................................................

    123 127

    BIBLIOGRAFIA.................................................................................................. 129

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    RESUMO

    Neste trabalho buscamos compreender, a partir do discurso ecolgico,

    os efeitos de sentido no dizer institucionalizado e no-institucionalizado sobre a

    pesca no rio Paraguai, na cidade de Cceres Mato Grosso.

    Procuramos dar visibilidade espessura semntica da linguagem,

    interrogando a materialidade simblica, explicitando as leituras possveis de uma

    discursividade. Para isso, tomamos, como corpus, discursos institucionalizados e

    no-institucionalizados que cruzam a cidade ribeirinha. Frente a essa materialidade,

    o nosso referencial terico-analtico o da Anlise de Discurso de linha francesa de

    Michel Pcheux, Eni Orlandi e outros colaboradores.

    A opo em desenvolver este trabalho nasce do prprio lugar onde

    vivemos, o Pantanal Matogrossense. Nesta regio, a pesca tem uma tradio

    cultural, uma memria que vem desde a fundao da cidade, e, que no h como

    negar, no tem como no ser afetado pelo discurso ambiental que significa nesta

    cidade, nesta regio.

    a partir desses discursos, dessa disperso de textos que se

    estampam na cidade sobre a comunidade pesqueira, que procuraremos trabalhar as

    anlises nesse territrio poltico em que significamos.

    No decorrer de nossas anlises, observaremos que o rio tem uma

    corporidade que o significa, que d vida cidade. Devido localizao da cidade,

    nesta regio, s margens desse rio, ela conhecida como O Portal do Pantanal, a

    Princesinha do Paraguai. esse discurso ecolgico que, pelo efeito de sua

    naturalizao, a nosso ver, produz e constitui no social matogrossense um sujeito.

    E, ento, nos interrogamos: que sujeito esse que se quer constituir no social a

    partir desses textos que jogam com os possveis interlocutores do espao urbano?

    PALAVRAS-CHAVE: Rio Paraguai, Pescador, Peixe, Cidade, Estado, Leis de Pesca,Conscientizao, Preservao, Turista, Desenvolvimento sustentvel, Sujeito

    e Anlise de Discurso.

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    APRESENTAO

    Neste estudo, onde se analisa o dizer sobre conscientizao e

    preservao do peixe no Pantanal de Cceres, cabe destacar que o Estado de Mato

    Grosso, no seu contexto histrico, considerado o lugar que detm a maior reserva

    de biodiversidade da Amrica do Sul: o Pantanal.

    A cidade de Cceres (MT), por estar geograficamente localizada nesse

    cenrio, considerada o Portal do Pantanal. Fundada em l778, por Luiz de

    Albuquerque de Melo Pereira e Cceres, est situada margem esquerda do rio

    Paraguai. uma cidade de ares exticos que tem a sua historicidade, a sua

    memria, que se textualizam no espao urbano a partir do sentido que o rio produz

    nesse lugar.

    Por essa via, o rio prenhe de significados para a cidade, para a

    regio. Entre os sculos XVIII e XIX foi utilizado como meio de transporte de

    mercadorias e passageiros. Conforme consta em literatura matogrossense, a lancha

    Etrria navegou o rio Paraguai por mais de 60 anos, transportando produtos da terra,

    para o escoamento da borracha e da ipecacuranha (poaia). Esse tipo de transporte,

    o aqutico, segundo Batista (l998: 34)1, at os anos 30, foi o que possibilitou a

    relao, da cidade com as outras regies do pas, por ser o nico meio de

    comunicao.

    A ponte sobre o rio Paraguai em Cceres, com extenso de 300

    metros, caracteriza a marcha para o oeste. denominada ponte Marechal Rondon,

    devido ao seu colonizador. Essa construo foi inaugurada em 21 de janeiro de

    1961, pelo ento governador do Estado Dr. Joo Ponce de Arruda.

    1 BATISTA, Martha. Estrela de uma vida inteira: a histria de Cceres contada atravs das lembranas de v Estella. (1998) A autora a partir de narrativas de antigos moradores da cidade, traz um recorte da cidade aos olhos dos entrevistados no ano de 1926.

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    Assim, podemos dizer que o rio Paraguai tem um pr-construdo2 que

    funciona no imaginrio dos antigos moradores da cidade como: os pescadores

    ribeirinhos, os pescadores amadores, os turistas, os transeuntes. Evidentemente, o

    gesto de dizer sobre a preservao do rio Paraguai, do peixe como sobre a conscientizao ambiental no Pantanal tem mltiplos sentidos. Impe mudanas, regras institucionalizadas no manejo, na relao do sujeito com o rio, com os peixes.

    H pesos e medidas pr-estabelecidos para a retirada do peixe, das espcies da

    gua, do seu habitat, conforme prescreve a Lei de Pesca 6.672 de 20 de outubro de

    1.995 do Estado de Mato Grosso.

    Para desenvolvermos esta pesquisa, deve-se dizer que o processo

    metodolgico da delimitao do corpus discursivo exige do analista uma postura

    terica, uma vez que na Anlise de Discurso a delimitao do campo discursivo no

    limita-se a anlise de um determinado eixo apenas a ser analisado. Em outras

    palavras, o corpus instvel. O acontecimento organizacional dos recortes

    discursivos so constitudos a partir das anlises.

    Para tanto, o campo discursivo de referncia o discurso ecolgico

    sobre a pesca no rio Paraguai, na cidade de Cceres, no Estado de Mato Grosso.

    Os materiais de anlise constituem-se de Lei de Crimes Ambientais de n. 9.605

    de 12 de fevereiro de 1998, Lei de Pesca Federal n. 7.679 de 23 de novembro de

    1988. e Lei de Pesca Estadual n. 6.672 de 22 de outubro de 1995. Esta Lei de

    Pesca Estadual estava em processo de reformulao e votao na Assemblia

    Legislativa, em Cuiab, objetivando uma mudana na quantidade de quilos de

    pescado para pescadores profissionais, amadores e turistas.

    Em maro de 1999, poca de nossas entrevistas, o pescador

    profissional tinha o direito a 1.000 kg, o turista a 300 kg e o amador a 100 kg por

    semana. A proposta estadual em votao seria de 100kg para o pescador

    profissional, 30 kg para o turista e 10 kg para o pescador amador, por semana.

    Dada a disperso de textos que discutem a problemtica da pesca na

    regio, sero tambm, considerados materiais de anlise, estatutos, jornais, revistas,

    slogans de campanhas entre 1990 e 1999 contra a pesca predatria no perodo da

    2 . O efeito de pr-construdo aqui citado se faz compreensvel a partir de P. Henry, como algo que j tem a sua carga significativa.

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    piracema; enunciados das placas de sinalizao da beira-rio, como da BR 364,

    permetro que liga a cidade de Cceres a Cuiab.

    Alm do que foi citado, o corpus deste trabalho ser composto de

    entrevistas realizadas com instituies governamentais e no-governamentais tais,

    como:

    1) Instituto Brasileiro do Meio Ambiente-IBAMA; Fundao Estadual do

    Meio Ambiente- FEMA; 2) Secretaria de Turismo e Meio Ambiente- SEMATUR; 3)

    Associao dos Amigos do Rio Paraguai - AARPA (ONG); 4) Colnia Z-2 dos

    pescadores, pescadores profissionais, amadores e turistas; 5)Juiz de Direito da Vara

    Criminal, Juizado Volante Ambiental - JUVAM; 6) Polcia Militar Florestal - PMF,

    Capitania dos Portos- Marinha Mercantil.

    Para proceder s anlises desse corpus, nos filiamos a perspectiva

    terica da Anlise de Discurso de linha francesa de Michel Pcheux, e no Brasil, Eni

    P. Orlandi e colaboradores. Sero consideradas as condies de produo do

    discurso ecolgico das instituies governamentais e no-governamentais sobre a

    situao pesqueira no pantanal de Cceres. No exame desse material, sero

    observados o funcionamento da linguagem e o processo de significao que a

    discusso ambientalista produz nos interlocutores. Nessa direo, analisaremos a

    interface da sociedade e a natureza, nos ancorando na literatura da Sociologia

    Ambiental brasileira, tendo como referncia Leila da Costa Ferreira, Eduardo Viola

    entre outros. Como diz Viola (1996:28), O ambientalismo, surgido como um

    movimento reduzido de pessoas grupos e associaes preocupadas com o meio

    ambiente, transforma-se num intenso movimento multissetorial.

    sobre esse discurso institucionalizado e no-institucionalizado que

    esta dissertao estar sendo dividida em quatro captulos.

    No primeiro captulo, borda-se questes polticas e sociais,

    observando o processo de institucionalizao jurdica das polticas sociais no Brasil,

    enfatizando, nesse quadro das polticas sociais o processo scio-histrico da Lei de

    Pesca n. 6672 de 22 de outubro de 1995, no Estado de Mato Grosso. No segundo

    captulo, toma-se o rio enquanto texto e discute-se os efeitos de sentido do discurso

    sobre a pesca no espao urbano da cidade. No terceiro captulo, discute-se a partir

    de textos jornalsticos e o slogan de 1998, como o dizer sobre a piracema constri

    sentidos e significa, no social. E finalmente o ltimo captulo, retrata de forma

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    analtica a inscrio do dizer sobre desenvolvimento sustentvel, sustentabilidade,

    trabalhando o jogo da lngua nesse discurso de cunho internacional.

    Dada s anlises, a disperso de textos que constituem o discurso

    sobre a pesca na cidade de Cceres, questionamos: como significa esse discurso

    ecolgico, sobre a comunidade pesqueira, na transitividade urbana? Que posio

    sujeito figura nesses dizeres? Seria o imaginrio de um sujeito eco, que figura em

    um tipo de discurso ecolgico?

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    I. DISCURSO ECOLGICO: UM DIZER EM MOVIMENTO

    Enfoca-se neste captulo uma discusso scio-histrica discursiva

    acerca do movimento ecolgico nos Estados Unidos e no Brasil. Falamos da relao

    homem x natureza, dos acontecimentos que mobilizaram uma tomada de posio

    diante dos fatos, no que se refere questo da preservao do ambiente.

    Para tanto, evidenciaremos questes polticas e sociais desses pases

    de fronteiras, culturas e infra-estrutura diferenciadas, observando o processo de

    institucionalizao jurdica das polticas de proteo ambiental no Brasil.

    Aborda-se ainda, com nfase, o processo de institucionalizao jurdica

    da Lei de Pesca n. 6.772, sancionada e publicada no dia 20 de outubro de 1995, no

    Estado de Mato Grosso.

    Assim, analisar o discurso ecolgico significa pensar o movimento

    ecolgico em suas vrias significaes scio-histricas discursivas, nesse espao

    caracterizado como poltico. Nesse espao poltico e social, os seres humanos vivem

    em uma interdependncia com a natureza, a princpio to bvio que se apagam os

    efeitos de sentido dessa discursividade sobre conscientizao, preservao e

    desenvolvimento ambiental.

    A posio-sujeito, no discurso do capitalismo e do discurso ecolgico,

    produz conflitos no social, movimentos de sentido, gestos de interpretao3. H uma

    incessante busca poltica para o desenvolvimento social, busca pelo progresso,

    pelo desenvolvimento. Este um fato que reclama sentidos, j que:

    O sujeito moderno-capitalista ao mesmo tempo livre e submisso, determinado (pela exterioridade) e determinador (do que diz): essa a condio de sua responsabilidade (sujeito jurdico, sujeito a direitos e deveres) e de sua coerncia (no-contradio) que lhe garantem, em conjunto, sua impresso de unidade e controle de

    3 Sobre Gestos de Interpretao, ver Orlandi, 1996.

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    (por) sua vontade. No s dos outros mas at de si mesmo. Bastando ter poder...(ORLANDI, l999:22)

    Buscando compreender essa relao scio-poltica entre

    desenvolvimento e ecologia, Viola (1987) trabalha o movimento ecolgico no Brasil

    (l974, l986). O autor coloca que O comportamento predatrio no novo na

    histria humana, e que isso no se restringe nem ao fim do sculo XX e nem aos

    ltimos dois sculos de industrialismo. O que novo a escala dos instrumentos de

    predao, cujo smbolo mximo so as armas nucleares (p.5).

    Na seqncia de sua reflexo, o autor se debrua sobre a questo do

    ambiente, questionando, primeiramente, a posio da humanidade a partir de

    grandes acontecimentos como Hiroshima e Nagasaki. Aponta catstrofes que

    ameaam concretamente a humanidade como: a guerra nuclear; o lixo atmico

    acumulado e acidentes em usinas nucleares; o efeito estufa e o enfraquecimento da

    camada de oznio na atmosfera4. Diante desse quadro, o autor diz que a dcada

    de 70 que se constitui como o marco, o despertar da conscincia ecolgica no

    mundo.5

    1.1 1970 - Impactos Ambientais nos Estados Unidos e no Brasil

    Os estudos ambientais nos Estados Unidos, entre as dcadas de 1970

    a 1980, sofrem grandes mudanas. Nos anos 70 surge, segundo Buttel (1987), um

    desenvolvimento da Sociologia Ambiental devido aos problemas ambientais no

    princpio dessa dcada. Conforme Dunlap (1997), os socilogos naquela poca

    estavam voltados mais para problemas gerais ambientais, distanciando-se da

    sociedade. O mesmo autor refora essa discusso pontuando que tal

    distanciamento do homem x natureza se deve abundncia em recursos e

    progressos tecnolgicos.

    Entretanto, a escassez de energia (1973 a 1974) chamou a ateno

    da Associao de Sociologia Americana, Associao Norte-Americana Internacional

    4 VIOLA,Eduardo J. ( 1987 ), discute os efeitos de tais catstrofes para a humanidade trazendo uma vasta bibliografia de pesquisadores que estudam essa relao do ser humano com seu espao. 5 VIOLA (idem) cita a conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente em Estocolmo (1972); relatrio Meadows (1972) sobre os limites do crescimento e relatrios subseqentes (Tinbergen, 1978; Laszlo, 1977; Bariloche); surgimento do paradigma terico da ecologia poltica; proliferao de movimentos sociais ecologistas no mundo norocidental (...) ( p.6)

  • 21

    (ISA), entre outras, para a formulao de questionamentos sobre os impactos

    sociais. A pensar "que o ambiente era mais do que somente um outro problema

    social e que condies ambientais poderiam realmente afetar a sociedade" (Idem).

    Quanto dcada de 80, h um declnio desse movimento

    ambientalista. A preocupao dos USA com os impactos das condies

    ambientais nos humanos, mais do que os impactos dos humanos no ambiente.

    O vero quente de 1988 nos USA aquece as discusses com

    destaque em conceituados meios de comunicao, como a Revista Time, em dizer

    "terra em risco". A expanso da problemtica configura em junho de 92 a "reunio

    de cpula da Terra" no Rio de Janeiro, com o objetivo de discutir com os pases

    subdesenvolvidos o ambiente e os efeitos do desenvolvimento industrial na

    biosfera.

    Ferreira (1996:134)6 diz que: Examinando o desenvolvimento das

    duas dcadas pode-se afirmar que, durante os anos 70 e 80, os Estados Unidos e

    outros pases altamente industrializados adotaram dezenas de polticas ambientais

    e criaram novas instituies para desenvolver programas na rea. Quanto

    dcada de 90, a autora pontua que a agenda ambiental parece tornar-se mais

    complexa, o que significa uma reavaliao cuidadosa das polticas ambientais.

    No caso do Brasil, o movimento ecolgico tem seus efeitos, as suas

    particularidades. O choque da crise do petrleo, em 1973, faz com que o Brasil se

    posicione diante dos recursos naturais. A partir dessa preocupao, com a crise do

    petrleo, outros discursos que j debatiam a questo da preservao e impactos

    ambientais dariam sustentabilidade ao dizer do movimento ecolgico neste pas.

    Viola (1987), diz que, quase paralelamente ao primeiro mundo, os movimentos

    ecolgicos vo-se desenvolvendo aqui, ainda que em escala bem menor, j em

    1970. Mas o marco desse acontecimento do movimento ecolgico no Brasil tem

    registro em 1974, ano em que se inicia a poltica de distenso do presidente

    Geisel, com o conseqente afrouxamento dos controles estatais sobre a

    organizao da sociedade civil.

    O Brasil, considerado a oitava economia do mundo capitalista, um

    pas que tem uma m distribuio de renda e um distanciamento das causas sociais,

    6 Ver FRREIRA, Leila da Costa & VIOLA, Eduardo (orgs.). Incertezas de Sustentabilidade na Globalizao. Ed. UNICAMP, 1996.

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    tais como saneamento bsico, tratamento de esgoto e gua. Conforme Viola (idem),

    a qualidade das guas da rede pblica consumida em quase todo o Brasil

    pssima, segundo parmetros internacionais exigentes.

    No Brasil, "at a dcada de 1970 o Brasil se realizava no mito desenvolvimentista, e a questo ambiental, sombra de valores predatrios, era tratada como a anttese do desenvolvimento nacional. Durante a Conferncia das Naes Unidas, em 1972, o governo brasileiro expressou publicamente sua estratgia geopoltica atravs de dois trunfos: a ausncia de normas ou regras de organizao do espao de utilizao dos ecossistemas nacionais e a desvalorizao brutal da mo de obra local no mercado de trabalho mundial. Institucionalizar ou dar respostas oficiais a demandas pela melhoria da qualidade ambiental significava abdicar do j restrito poder de barganha na ordem econmica mundial" Ferreira (1993:16).7

    Assim, devido aos problemas ambientais internos e o crescimento das

    discusses sobre os impactos ambientais no mundo, o Brasil assume o

    compromisso de criar instituies governamentais, a partir da reunio em Estocolmo,

    em 1972. O objetivo de cumprir exigncias internacionais deve-se a priori para a

    aprovao de emprstimos destinados a grandes obras pblicas brasileiras. Cria-se

    a SEMA Secretaria Especial de Meio Ambiente, em 1974, sob o regime militar

    chefiada pelo Dr. Paulo Nogueira Neto.

    O movimento ecolgico no Brasil, segundo Viola, (1987), pode ser

    caracterizado em trs perodos:

    1. O movimento ecolgico na fase ambientalista ( 1974-1981) Em 1971, registra-se um grupo de pioneiros, influenciados, conforme

    Viola e Leis (1995), pelo movimento ambientalista norte-americano e europeu, e

    comandados no Sul do Brasil pelo engenheiro agrnomo Jos Lutzenberger, fundam

    a AGAPAN Associao Gacha de Proteo ao Ambiente Natural. Esta seria,

    ento, a primeira associao ecologista a surgir no Brasil e na Amrica Latina. Essa

    associao se v com grandes dificuldades de organizao durante o perodo de

    represso que se alastrava no pas, sob a presidncia de Mdici. Deve-se dizer que

    outros vultos antecederam a AGAPAN e fazem parte da pr-histria da ecologia no

    7 Sobre o desenvolvimento da poltica ambiental no Brasil, ler Ferreira, Leila da Costa. A Questo Ambiental: Sustentabilidade e polticas pblicas no Brasil. Boitempo Editorial, 1998.

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    Brasil. Nomes que tambm lutaram em prol do ambiente como o naturalista Henrique

    Roessler nas dcadas de 50 e 60, em todo o Rio Grande do Sul. Em 1974, surgem

    outras associaes ecolgicas no Sul-Sudeste, tendo como destaque Movimento

    Arte e Pensamento Ecolgico em So Paulo. So marcos que constituem 1974

    como o ano de incio do movimento ecolgico no Brasil. Uma caracterstica

    importante desse perodo do movimento ecolgico na fase ambientalista foi a

    existncia de dois movimentos paralelos identificados como apolticos: um com um

    perfil de denncia de degradao ambiental nas cidades e outro nas comunidades

    alternativas rurais.

    Em 1978, publica-se a revista Pensamento Ecolgico atravs do

    Movimento Arte e Pensamento Ecolgico. Em 1979, o movimento ganha outros

    adeptos esquerdistas voltados do exlio, como Fernando Gabeira, e nesse mesmo

    ano difundido no pas um movimento de defesa da Amaznia. 2. O ecologismo em transio (1982-1985)

    O ano de 1982, ano de transio democrtica brasileira, tambm,

    segundo Viola (op.cit), o ano de transio do movimento ecolgico. Assim, pode-se

    dizer do surgimento de candidatos a eleies estaduais com ideais de movimento

    poltico em prol do ambiente. Em 1984, vrios ecologistas ativistas decidem

    participar da campanha pelas diretas-j para presidente da Repblica. Essa

    postura dos ativistas na campanha poltica pontua discusses de que os problemas

    ambientais esto vinculados aos problemas de ordem social e poltica. preciso ter

    poder. Isto garante aos participantes dos movimentos ambientais a se candidatarem

    eleio. A batalharem por um lugar na poltica, atravs do processo eleitoral em

    prol de ideais de preservao do ambiente, do ecolgico.

    Como podemos observar o perodo de 1982 a 1985 um momento de

    transio poltica e social dentro do movimento ecolgico brasileiro. O lugar, a

    posio dos sujeitos em dizerem, em se colocarem como candidatos em defesa do

    espao ecolgico, diferente. So discursos que se fortalecem constituindo um novo

    lugar no poder institucional, de dizer sobre a conscientizao e a preservao do

    ambiente, de um lugar poltico institucionalizado.

    3) A opo ecopoltica em 1986 Em 1986, o grupo do movimento ecolgico se intensifica na perspectiva

    de participar e de intervir no processo constituinte. Nesse mesmo ano funda-se no

  • 24

    Rio de Janeiro o Partido Verde - PV, e Gabeira candidato ao governo do Rio de

    Janeiro, com apoio do PT. Esse fato coloca a cidade maravilhosa como eixo central

    do movimento ecolgico, j que a cidade o centro da comunicao de massa do

    pas. vlido dizer que o Partido Verde aos poucos vai tomando fora e constituindo

    bases em outras capitais dos Estados, como Santa Catarina, So Paulo e outras. A

    maioria das pessoas que participam do movimento ecolgico nesse perodo so

    universitrias. O trabalho de ecologizar a burguesia no to difundido nessa

    camada social, j que o consumo o alvo dessa camada e no o efeito desse

    consumismo na natureza. Em meio a essa postura ecolgica, quem participa

    ativamente dos princpios do movimento ecolgico, respeitando as normas para a

    no depredao da natureza, so as multinacionais. Estas empresas que investiram

    no Brasil, a convite de Mdici, a princpio no esto preocupadas com as causas

    ambientais, elas fixam o comrcio no Brasil em busca de espao e mo-de-obra

    barata.

    possvel observar atravs das anlises, no tecido histrico discursivo

    do movimento ecolgico, uma mudana na posio-sujeito que mobiliza sentidos

    para o dizer institucional, para o lugar do poder. Trata-se daquele que se subjetiva,

    ao falar sobre a posio da natureza e do homem nesse espao caracterizado como

    ambiente. Os dissidentes, com perfis caractersticos singulares, constituem esse

    acontecimento dentro do prprio movimento ecolgico no Brasil. So eles: os

    ecologistas realistas, ecologistas fundamentalistas, os ecocapitalistas e os

    ecossocialistas. Eles marcam, delimitam sentidos no conflito de dizer, de ver o

    homem e o seu espao, o ambiente.

    Neste item no nos deteremos a explicitar a predominncia desses

    ecologistas no interior do movimento ecolgico, mas trabalharemos os efeitos de

    sentido desse discurso ambiental na comunidade pesqueira, em Cceres, Estado de

    Mato Grosso sobre o discurso da conscientizao e a preservao do peixe no rio

    Paraguai.

    1.2 A Posio do Movimento Ecolgico

    A proteo ambiental no Brasil passa a ter respaldo legal, consistncia

    poltica no social, com a promulgao da Constituio Federal em 1988. Em 1989, o

  • 25

    governo Sarney cria e institucionaliza, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

    Recursos Naturais IBAMA. A antiga SEMA , ento, destituda, funde-se a outros

    rgos de floresta, pesca e borracha.

    Assim, o poltico tem trnsito, se ancora no jurdico, representado no

    art. 225 do Caput da Constituio Federal de 1988, congregando as muitas vozes

    que constituram os discursos de proteo ao ambiente: todos tm direito ao meio

    ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial

    sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder pblico e coletividade o dever de

    defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes. Para o movimento ecolgico que surge diante de uma situao de

    degradao social e ambiental, a proposta um novo sistema de valores sustentado

    no equilbrio ecolgico, na justia social, na no-violncia ativa e na solidariedade

    diacrnica com as geraes futuras. Essa idealizao de um mundo justo e fraterno

    deve-se postura do movimento ecolgico que trabalha com a idia-fora de

    ecodesenvolvimento. A idia-fora de ecodesenvolvimento refere-se ao equilbrio,

    um controle entre o desenvolvimento e a preservao do ambiente, enfocando-se a

    a justia social. Essa posio do movimento ecolgico um acontecimento

    significativo que, no entanto, devido ao excesso desse dizer no social, produz o

    efeito da evidncia. E isto ideolgico8.

    A ideologia, enquanto prtica, produz esse efeito, em que se apaga o

    processo e naturaliza-se o acontecimento. Produz, na materialidade da linguagem, o

    efeito da evidncia, no se questiona o discurso, a textualidade, enfim, o processo.

    Pensando sobre o processo pelo qual somos afetados, isto , pelo simblico,

    Interrogamos: ao se referir idia-fora de ecodesenvolvimento, que sentidos

    atravessam esse dizer? Como se inscreve a ecologia no social? Nas relaes

    sociais, na constituio dos sujeitos enquanto sujeitos dessa sociedade na histria?

    8 Pcheux, M e Orlandi, Eni, P. discutem esse efeito da evidncia na linguagem em uma vasta literatura.Ver bibliografia final.

  • 26

    1.3 A Questo Ambiental na Dcada de 90

    Ferreira (2001)9 discute sobre as inter-relaes entre sociedade e

    ambiente no Brasil, pontuando o incio da institucionalizao desse conhecimento,

    em meados da dcada de 1980. A autora fala das primeiras iniciativas nesse

    percurso de institucionalizao desse estudo na regio sudeste, citando a

    Universidade Estadual de Campinas, a Universidade de So Paulo, e a Universidade

    Federal de Santa Catarina.

    A autora afirma que a sociologia ambiental no Brasil encontra-se em

    fase intermediria quando comparada s experincias internacionais. Menos pelo

    impacto da produo e mais pela resistncia que ainda enfrenta por parte de setores

    fortemente disciplinares das cincias sociais brasileiras (p.53).

    Observa-se que o grupo s consegue reunir-se na Associao Nacional

    de Ps-Graduao e Pesquisa em Cincias Sociais (ANPOCS), em 1986. Nessa

    data, as Cincias Sociais ainda tratavam a problemtica ambiental de forma

    incipiente.O espao prioritrio para uma discusso crtica em relao ao contexto

    brasileiro s viria acontecer em 1992, em face do evento da Conferncia das

    Naes Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento ( CNUMAD) no Rio de Janeiro.

    Aps a ECO 92, as discusses dos tericos das Cincias Sociais e

    Socilogos culminam em escritas de livros e em busca de aperfeioamento

    intelectual de pesquisadores em doutorado e ps-doutorado no exterior, j que nos

    Estados Unidos, Frana e Inglaterra, a discusso sobre as questes ambientais j se

    alargava frente do Brasil com 20 anos de literatura.

    Na primeira metade dos anos de 90, final de sculo, a preocupao era

    com a questo da globalizao. Viola (1996) diz que fundamental enfatizar que

    globalizao no homogeneizao. O autor 10 argumenta que essa nova forma de

    dizer sobre o mundo, a globalizao, importante, mas infelizmente a mdia

    simplifica o acontecimento. Diz ainda que, o ambientalismo como tecido social, seja

    na sua forma simples ou multissetorial dos anos 90, um grande laboratrio do

    complexo sistema global. E conclui. Tem uma grande vantagem quem aborda a

    9 Ver, Ferreira, Leila da Costa. No artigo Sociologia Ambiental, Teoria Social e a Produo Intelectual no Brasil, Revista Idias-ano 8 (2), 2001, a autora tece o percurso scio histrico do movimento literrio, as produes cientficas no Brasil. 10 Ver Viola, 1997. No texto Confronto e Legitimao in O Ambientalismo no Brasil : Passado, Presente e Futuro, o autor discute em conjunto com FERREIRA, Lcia da C. & LEIS, Hector Ricardo, o percurso scio histrico do movimento ambiental no Brasil.

  • 27

    globalizao pelo vis ambiental, se comparado com quem a trata pelo vis

    econmico, porque a maioria das pessoas que estudam globalizao se mantm na

    esfera econmica e tem uma concepo bem mais simples (p.31). O livro Incertezas

    de sustentabilidade na globalizao (1996), rene vrios artigos que discutem o

    processo histrico da globalizao. Viola (idem) diz que em meados da dcada de

    1980, o homem toma conta, conscincia de que faz parte de um s planeta, dos

    riscos da degradao ambiental, que na verdade j existia desde a dcada de 1950,

    dada a existncia de armas qumicas, contaminao do ar, entre outros. Segundo

    Ferreira (2001), A preocupao ecolgica no tem ptria, seu enraizamento o

    planeta. Viola (1996) enfatiza que a dimenso ecolgico-ambiental constitui o mais

    poderoso dos processos de globalizao.

    No conjunto do que se discute sobre os problemas enfrentados no

    mundo, no que se refere degradao ambiental, de similar natureza. Dada a

    relevncia do problema, observa-se na dcada de 90 uma outra forma de

    organizao poltica no social, sem fins lucrativos, com fins pblicos, com

    organismos privados, com participao voluntria - o surgimento das ONGs. Na dcada de 90, o movimento ecolgico sofre grandes mudanas, politizado, tanto

    quanto outros novos movimentos sociais.

    (PRINCER & FINGER, 1996, in PIGNATTI 2002), definem as ONGs

    como grupos no lucrativos com base ou atividades em mais de um pas, cuja

    misso principal impedir a degradao ambiental e promover formas sustentveis

    de desenvolvimento. So entidades que buscam, atravs de polticas sociais,

    solues para os problemas de desequilbrios oriundos do desenvolvimento local,

    regional e global. Essas entidades algumas vezes trabalham com algum tipo de

    colaborao do governo, mas na maioria das vezes os movimentos que pensam as

    relaes de conflito, as aes no social, passam ao largo da poltica tradicional do

    Estado Nao.

    As explicaes para o prprio surgimento das ONGs ambientalistas

    transnacionais, bem como o seu papel na sociedade moderna, so pontuadas pelos

    autores (in PIGNATTI:68) como produto da crise global. Argumentam ainda que, a

    crise ecolgica global, a destruio do meio ambiente visvel e dramtica em todas

    as partes do mundo e tem vrios efeitos sobre a vida humana e seus ecossistemas.

    Um dos pontos destacados nesse conflito homem x natureza refere-se ansiedade,

  • 28

    insegurana, ao medo e ao stress social. nesse lugar que as ONGs pressionam

    os governos a investirem em pesquisas e projetos que discutam os efeitos da

    degradao no social, sem perder de perspectiva o homem nessa relao de conflito.

    PignattI (ibidem) argumenta, que o ambientalismo poltico no Brasil

    toma outras diretrizes na dcada de noventa. A autora pontua que no Brasil as ONGs

    procuram, nos anos noventa intensificar as discusses, dividir responsabilidades com

    governos, universidades e centros de pesquisa. Essa forma de intensificar as

    responsabilidades deve-se a fatores como a globalizao da economia, como pelo

    prprio esforo de um pacto social em prol da conservao do ambiente que comea

    a partir da Conferncia das Naes Unidas em 1992. (p.70).

    No Brasil, h uma diferenciao entre ONGs ambientais e outras

    formas de associao dos atores sociais. (HERCULANO in PIGNATTI, 2002:74),

    caracteriza as ONGs como institutos e fundaes com mais originalidade formados

    por profissionais predominantemente apoiados poltica e financeiramente por

    institutos e fundaes, de mbito internacional. Estes podem ser ligados por uma

    formalidade ou no a partidos polticos, igrejas, federaes sindicais, entre outros.

    No entanto, o que chama a ateno refere-se ao pedaggica que funciona como

    uma assessoria cidadania e ao mesmo tempo como um instrumento de presso

    frente ao Estado e imprensa em favor das polticas pblicas ambientais.

    Geralmente essas entidades tm registro no Conselho Nacional de Meio Ambiente

    (CONAMA), Conselhos Estaduais de Meio Ambiente (CONSEMAS) e Conselhos

    Municipais de Meio Ambiente (CONSEMAS) so de carter deliberativo, e fazem

    parte do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). (p.71)

    Ferreira (2000) diz que as ONGs ambientalistas, que tm movimento

    em territrio nacional, tm contribudo com inmeros tipos de projetos que tm como

    pblico-alvo preferencial ndios, seringueiros, ribeirinhos, pescadores, sertanejos,

    artesos, ex-sem-terras assentados. O objetivo dessa relao entre as ONGs no

    Brasil e as comunidades trabalhar a posio do sujeito e o ambiente. Dito de outra

    forma, significa produzir mecanismos que garantam a sustentabilidade dos sistemas

    naturais e qualidade de vida s comunidades carentes que dependem diretamente

    dos recursos naturais para a sobrevivncia.

    Neste estudo, em que analisa-se o funcionamento da linguagem, a

    partir de textos que discutem a questo ambiental sobre a pesca na cidade de

  • 29

    Cceres-MT, trabalha-se com o sujeito enquanto posio, nessa textualidade.

    Pensa-se na posio sujeito que formula o discurso ecolgico para o social e isto faz a diferena. Assim, neste processo discursivo, para que se questione a

    materialidade discursiva, deslocar a palavra adequada pois, se considerarmos bem

    as coisas, disto justamente que se trata (P. Henry, l993:l52).

    Compreende-se que sentido e sujeito esto relacionados a sua

    constituio pela noo de interpretao. a partir dessa posio-sujeito constituda

    que podemos observar o processo, o jogo de que passvel a lngua, na relao

    com o simblico. E a relao do sujeito com a linguagem que nos permite pensar

    no movimento da leitura, nos efeitos de sentido11, que determinadas palavras produzem no social.

    Desse modo, o sentido da expresso degradao social globalizao

    inscreve-se em uma formao discursiva e no em outra devido s condies de

    produo desse discurso em pases de fronteiras, culturas e polticas de

    desenvolvimentos distintos. Pcheux (l990:l5) diz que a mesma palavra, a mesma

    frase no tm, o mesmo sentido. O que isto quer dizer?

    Os fatos de sentido da ordem do discurso no so remissveis ao discurso de um sujeito, nem aos de vrios conjuntos para fazer uma espcie de sujeito mdio, mas a formaes discursivas que no tm realidade no nvel do indivduo, seno pelo fato de que elas determinam as posies que pode e deve ocupar todo indivduo, para ser o sujeito de uma enunciao provida de sentido (P.HENRY idem, l62).

    Dito de outra forma, significa trazer tona as condies em que um

    determinado discurso foi organizado, constitudo. Assim, o lugar, a poca, a

    constituio histrico-social fazem parte do sentido no movimento, no gesto de

    interpretao do sujeito com o mundo. Como afirma Orlandi ( l999) sujeito e sentido

    se constituem ao mesmo tempo na articulao da lngua com a histria, em que

    entram o imaginrio e a ideologia. Da compreende-se o porqu do discurso ser o

    material concreto que oferece ao analista o lugar ao questionamento, observao.

    O discurso, enquanto materialidade simblica, o lugar onde o analista

    se debrua e compreende a relao da lngua com a ideologia. o sujeito

    11 ORLANDI, Eni, P. Do Sujeito na Histria e no Simblico in Escrito n.4 Laboratrio de Estudos Urbanos Nudecri, l999

  • 30

    assujeitado lngua na histria, ento no tem como estar no mundo sem ser

    afetado pelo simblico.

    Nessa direo, h que se pensar a lngua, o simblico na histria. E se

    a lngua para significar se inscreve no real da histria, justifica-se trazer as condies

    de produo do discurso. Neste caso, trazemos para a reflexo o dizer sobre a

    globalizao. A palavra globalizao, de uso comum, na atualidade tem a sua

    historicidade. Esse dizer intensifica-se na metade da dcada dos anos oitenta, mas

    de fato j existe desde 1950 (VIOLA, 1996). Esse dizer tem o estatuto que o

    universaliza, que o idealiza. Apagam-se as diferenas scio-econmicas entre os

    pases. O Brasil, por exemplo, tem uma das maiores biodiversidade do mundo, tem

    suas reservas naturais. Como tambm, os seus conflitos internos, uma m

    distribuio de renda e infra-estrutura, e categorizado devido as suas reais

    condies de infra-estrutura, como um pas subdesenvolvido.

    Quando tomado para uma anlise discursiva, nota-se que

    determinados discursos autorizados, como o da globalizao, circulam no social,

    tomam corpo; no entanto, necessrio que se questionem as diferenas scio-

    econmicas e polticas dos pases, os industrializados e os no-industrializados,

    nessa formulao universal. importante ver o local nesse discurso, pois o global, a

    totalidade atravessa esse discurso. E entende-se via literatura que o discurso

    ecolgico no homogneo, porm, o que se observa uma sobredeterminao de

    um discurso universal. No se diz sobre inscrio dessa palavra dentro da

    organizao histrica-poltica das naes. Cobra-se a educao ambiental,

    naturalizam-se as diferenas entre pases desenvolvidos e subdesenvolvidos, e,

    conseqentemente, somos uma s, a aldeia global.

    Sabe-se, no entanto, que cada pas se inscreve em uma particularidade

    de acordo com suas condies scio-econmica, diante do fato da degradao

    ambiental. A exemplo, so problemas tidos, at ento, como perifricos sobre

    saneamento bsico no Brasil, e que aos poucos tornam-se um problema conflitante

    no meio urbano. Isso produz um movimento, um eco no social. Em contraponto, h

    pases que discutem a degradao ambiental, mas onde saneamento e infra-

    estrutura para a sociedade no um problema. O que deixa em uma posio

    favorvel os pases desenvolvidos industrializados em relao a outros menos

    abastados.

  • 31

    A partir dessas diferentes formaes discursivas em que o dizer sobre

    o ambiente se inscreve, perguntamos: como esse discurso ambiental que se

    pronuncia na Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente em Estocolmo,

    em l972, constri uma identidade no Brasil?

    Pode-se ler nas primeiras pginas deste trabalho, o percurso sobre o

    discurso ecolgico que vai sendo constitudo no Brasil, e que, afetado pelas

    posies polticas sociais. O ano de 1974, ano em que se iniciam os movimentos

    ecolgicos no Brasil, marcado pela poltica de distenso do ento presidente

    Geisel. Conforme Ferreira & Ferreira (l995), Em Estocolmo a posio brasileira

    ainda espelhava um pouco o golpe de l964, a Ordem e o Progresso(p.l8) .12

    Viola (1996) diz que as propostas dos ecologistas no influenciaram

    debates sobre a posio ambiental no/do Brasil at o fim do regime militar. Como

    tambm no constitui uma discursividade poltica na Nova Repblica. Ou seja, o

    discurso ecologista no produz no social, a priori um discurso que mobilize uma

    estratgia poltica que legitime a posio do ecolgico. Como tambm a tomada de

    uma posio jurdica do pas em desenvolvimento, com suas necessidades e

    condies de se manter tanto em desenvolvimento, quanto em equilbrio ecolgico.

    Meados da dcada de setenta, os estados constituem normas com o

    objetivo de controlar os excessos degradativos. Entretanto, somente na dcada de

    80, os estados comeam a agir em termos de licenciamento, ancorados na

    Constituio Federal, no Art. 225.

    1.4 Ecologia: o Discurso da Contraposio

    A cincia da ecologia nasceu no final do sculo XIX e desenvolveu-se

    durante todo o sculo XX, notadamente na dcada de 1930, em volta da questo de

    ecossistema. O objeto de ateno da ecologia no est disperso no real, ele

    corresponde a um conjunto coerente e organizado. Essa organizao do

    12 FERREIRA, Leila C. & FERREIRS, Lcia . Limites ecossistmicos: novos dilemas e desafios para o estado e para a sociedade. In Dilemas Socioambientais e Desenvolvimento Sustentveled. (orgs.) Daniel J. Hogan & Paulo F. Veira. UNICAMP, l995. Nesse artigo, as autoras discutem a posio scio-histrica do Brasil no discurso sobre o ambiente.

  • 32

    ecossistema constituda pela unio do bitopo (base fsica) e de uma biocenose

    (conjunto de interaes entre vida vegetal e vida animal) Pignatti (2002: 53).

    (ACOT,1990 in PIGNATTI, idem) diz que em 1953, as conceituaes

    foram sistematizadas por Odum e substituram o espao ecolgico dividido pelo

    espao ecolgico reunificado, no qual os fatos biticos e abiticos do ambiente no

    representavam mais do que dois aspectos de uma mesma realidade (p.54).

    Esse lugar da investigao cientfica caracteriza de biosfera todo um

    conjunto de organismos vivos e o seu ambiente, o terrestre. Os estudos demonstram

    que os equilbrios dos ecossistemas como o da prpria biosfera esto ameaados

    devido eroso dos solos, poluies diversas, cujos nveis esto acima da absoro

    sistmica. So fenmenos que coloca o homem como o grande mediador para o

    equilbrio dos ecossistemas, como da prpria biosfera.

    Quando tomamos para estudo a linguagem em funcionamento, no dizer

    da ecologia faz-se necessrio e justifica-se o percurso scio-histrico da ecologia, do

    movimento ecolgico. Viola (1987) discute as origens do movimento ecolgico,

    pontuando que o primeiro estgio do movimento constituiu-se de um lugar de

    profetismo apocalptico, com temas polmicos como Ns destrumos a natureza, A

    morte do Oceano, acontecimentos que viriam pr em pauta os efeitos da relao

    do homem com o seu meio.

    O discurso ecolgico ou seja, a fala da ecologia enquanto

    dizer poltico historicamente determinado: um discurso que se constitui pela contraposio em relao a essa sociedade de consumo urbano-industrial (SILVA, 1996:50).

    de dentro desse universo de consumo, ou consumismo urbano, que

    o discurso ecolgico emerge para o social. Conforme Almino (l993), o termo

    ecologia, de uso comum no discurso da sociedade, empregado pela primeira vez, em 1866, pelo zologo e bilogo alemo Ernest Haeckel, em seu livro

    Morfologia geral dos organismos. O marco na biologia, no que se refere ao

    pensamento ecolgico, se d a partir do pensamento e enfoque holstico desse

    alemo.

    Para Almino (idem):

    Os conceitos de crescimento e desenvolvimento, que como o de ecologia, so herdados da biologia, foram incorporados economia

  • 33

    num momento em que esta alou-se ao primeiro plano das preocupaes internas e internacionais dos Estados. (p.l9)13 (grifos nossos)

    Observa-se que, ecologia, desenvolvimento e crescimento tm um

    sentido especfico no contexto da biologia. Como o discurso ecolgico um dizer

    que tem, na atualidade, um certo domnio no social, a nossa inteno trabalhar o

    movimento da linguagem nesse discurso, no qual se cristalizam e institucionalizam

    representaes ambientais dentro do Estado. A institucionalizao dessa forma de

    discurso ecolgico toma forma de discurso jurdico. Tem a sua representatividade

    dentro da Lei. H um no-dito, mas com sentido constitutivo, que funciona no dizer

    ambientalista, institucionalizado sobre a posio-sujeito no que se refere a direitos e

    deveres.

    na tentativa de se compreender, a partir da materialidade discursiva,

    como o sentido de ecologia, desenvolvimento, conscientizao e preservao

    ambiental se inscrevem nesse espao poltico-social, que fazemos nossas anlises.

    Afinal, como esse dizer ecolgico se abre para uma outra discursividade no social?

    Ao se inscrever hoje no discurso poltico, o ambientalismo/ecologismo vem se situar no espao anteriormente representado a partir de uma oposio entre o capitalismo e o socialismo, entre um discurso dominante e um discurso outro, revolucionrio 14 (SILVA, l995: l3).

    O discurso ambientalista tido como revolucionrio face sociedade

    capitalista toma corpo no discurso da sociedade capitalista, liberal, neo-liberal. Ele

    re-funcionaliza o discurso ecolgico, administrando-o ao modo capitalista.

    Dessa forma, nesse espao constitudo como poltico que tem como

    premissa o discurso de desenvolvimento, o progresso (capitalista), h um

    distanciamento, uma excluso da questo ecolgica. pensando sobre esse

    discurso ecolgico, o lugar de conflito, no que se refere ao discurso da

    13 ALMINO, Joo discute no livro Naturezas Mortas, no Captulo I: A natureza poltica do ecologismo sobre o incio da revoluo da ecologia na segunda metade do sculo XIX. O autor diz que o termo ecologia usado na Alemanha pela primeira vez em l9l5, e acrescenta que na dcada de vinte que os ecologistas comeam a se manifestar como tais. o apelo ao solo, natureza e Me Terra, a crtica ao progresso, ao mundo industrial e ao artificialismo da tecnologia moderna, a valorizao da vida rural e uma ideologia matriarcal que rejeita o que considera ser o princpio patriarcal dominante que implicaria explorar, de forma insensvel a natureza (p.22. 14 SILVA, Telma Domingues da. A biodiversidade e a floresta tropical no discurso de meio ambiente e desenvolvimento. Dissertao de mestrado, IEL-UNICAMP,1995.

  • 34

    conscientizao e da preservao do ambiente, que este estudo vai se configurar

    em anlises discursivas sobre o funcionamento do dizer institucionalizado e no-

    institucionalizado sobre a pesca, em Cceres, Estado de Mato Grosso.

    Nessa direo, o espao scio-histrico em que se consolida esse

    discurso ecolgico se faz necessrio e justifica a leitura dessa materialidade

    histrica para que compreendamos o processo discursivo. E s aps este percurso

    scio-histrico do movimento ecolgico, que nos deteremos na especificidade deste

    trabalho em termos de anlise. Pois, a partir desse percurso histrico que se torna

    possvel ao analista ir discutindo a mobilizao dessa discursividade no social.

    Pensar o processo discursivo nos remete s condies de produo

    do discurso em seu espao scio-histrico como tambm nos mobiliza a leituras

    sobre a constituio ou a difuso macia desse discurso.

    1. 5 O Desafio da Institucionalizao de Um Dizer

    A bandeira de proteo ambiental, conforme Sirvinskas (l998)15, se

    constitui, na segunda metade do sculo XlX, com a revoluo industrial, devido aos

    fatos histricos de degradao, como tambm a mentalidade dominante no tipo de

    sociedade produto do capitalismo.

    Pignatti (2002) diz que o termo ambiental tem sido apropriado em

    diversos matizes cientficos e ideolgicos, traduzidos atualmente por um nmero

    cada vez mais significativo de estudos. Desse forma, a legitimidade do poder dizer

    sobre uma universalizao ecolgica, o de preservar a natureza, tem seus efeitos no

    social, nas suas particularidades.

    Conforme Viola (1987), o discurso ecolgico produto, poderia se

    dizer, de universitrios. Esse dizer ecolgico atinge grupos de uma massa popular,

    em que a maioria so de operrios ou proletrios que sofrem diretamente com as

    causas da degradao. Pode-se dizer, que so cidados que esto visveis ao

    desvio do capitalismo das causas sociais, por residirem prximos s fbricas

    poluentes. Tais como: sangradouros, logradouros, rios que recebem esgotos, detritos

    15 Sirvinskas, Luis Paulo, em Tutela Penal do Meio Ambiente, tece breves consideraes Lei n. 9.605, de 12-2-1998.

  • 35

    de produtos produzidos pela sociedade, sem que lhe seja atribudo os tratamentos

    adequados. Vejamos:

    A partir do Relatrio Meadows foi possvel reconhecer que o

    desperdcio e a poluio deixaram de representar apenas um problema referente s condies de vida e de consumo das populaes humanas, mas que diz respeito prpria base de reproduo da esfera produtiva. (FERREIRA & FERREIA, l995:l9).

    (BRUSEKE, 1995; VIGEVANI, 1997 in PIGNATTI, 200216) pontuam a

    Conferncia de Estocolmo, realizada 1972, como uma das formas de

    institucionalizao da temtica sobre o ambiente. J que a os efeitos da poluio

    eram preocupao de pases transfronteirios. Dizem ainda que apesar da

    Conferncia no ter chegado a grandes resolues ou acordos, foi um marco por

    introduzir o tema ambiental na agenda diplomtica mundial. (p.75)

    esse percurso scio-histrico do movimento ecolgico que migra,

    atravessa as fronteiras e produz no social gestos de leitura17. Quando falamos aqui

    em gestos, no podemos esquecer de dizer da filiao terica que essa palavra tem na perspectiva discursiva, que desloca a noo de ato pensado na pragmtica, sem

    desconsidera-la. Para Pcheux (1969), h signos no-lingusticos que so possveis

    de intervir na materialidade discursiva de um dizer em um determinado lugar, trata-se

    de uma prtica fsica. Podemos citar, a exemplo, os aplausos, risos, cochichos,

    assobios e outros gestos que Pcheux chama de atos no nvel do simblico (p.78). Para Orlandi (2001), falar sobre gestos de interpretao, significa

    aproximar a noo de interpretao e de gesto. A autora, desloca a noo de gesto

    pensado por Pcheux, e considera a interpretao como uma prtica simblica, uma prtica discursiva que intervm no mundo, que intervm no real do sentido.(p.25) Assim, possvel pensar em gestos de interpretao porque, se de um lado, o sentido, o espao simblico no se fecha, marcado pela incompletude,

    e de outro, a prtica discursiva, intervm no real dos sentidos atravs do gesto de

    interpretao.

    16 Ler Pignatti, Marta G. O Ambientalismo no Estado de Mato Grosso: ONGs ambientais na conformao da poltica ambiental na dcada de 90. Tese de Doutorado, UNICAMP, 2002. 17 Pcheux. M. Ler o Arquivo Hoje in Gestos de Leitura, l997. O autor discute a pluralidade de questionamentos em que se deve deter o leitor em relao materialidade simblica.

  • 36

    Dessa forma, ao falarmos sobre gestos de leitura a partir de Pcheux

    ( 1997), significa que h maneiras diferentes nos gestos de leituras subjacentes na

    constituio do arquivo18.

    1.6 O Estado de Mato Grosso

    1.6.1 Breve Caracterizao

    O Estado de Mato Grosso considerado o lugar que detm a maior

    reserva de biodiversidade da Amrica do Sul, composta por trs ecossistemas: o

    pantanal, o cerrado e a floresta amaznica. Nesta parte nos limitaremos a falar

    sobre o Pantanal.

    No Brasil, o Pantanal localiza-se nos Estados de Mato Grosso e Mato

    Grosso do Sul. O Estado de Mato Grosso foi dividido em 1977 criando-se o Mato

    Grosso do Sul, aps um longo perodo de busca por lideranas polticas.(MATO

    GROSSO, 1999).

    A regio do Pantanal, ou o complexo do Pantanal como tambm

    conhecido, a maior plancie inundvel do planeta. Apresenta uma grande

    variedade de flora e fauna, so 650 espcies de aves, 80 de mamferos, 260 tipos

    de peixes e 50 de rpteis. Tal variedade originada das reas do Chaco, dos

    Cerrados e da Mata Atlntica, o que contribui para maximizar sua diversidade

    biolgica. A paisagem pantaneira influenciada e modificada pelo ciclo das guas.

    H perodos de chuva, cheia, vazante e seca. Piaia (1999:195).

    A hidrografia mato-grossense destaca-se em mbito nacional por ser

    um grande divisor de guas. Compreende duas bacias: a Bacia Amaznica e a

    Bacia Platina. Neste trabalho nos limitaremos a falar sobre a Bacia Platina. O rio

    Paraguai, cuja nascente est localizada na Serra do Apor a 100Km de Cuiab

    (MT), atravessa o Pantanal, cruza o territrio Paraguaio e desgua no rio Paran, j

    na Argentina. o encontro entre os rios Paran, Uruguai e Paraguai, na fronteira

    entre a Argentina e o Uruguai, do origem ao Rio da Prata.

    18 Ler o Arquivo em Pcheux, (1997) entendido no sentido amplo de campo de documentos pertinentes e disponveis sobre uma questo. (p.57)

  • 37

    O rio Paraguai no perodo das chuvas, sai do seu leito natural cobrindo

    a vasta rea que forma o complexo do Pantanal, fazendo extravasar as baas, nome

    regional que recebem as lagoas, onde comum ocorrer a reproduo dos peixes.

    As baas so ligadas umas as outras pelos corixos, que so cursos de gua

    provisrios que so possveis no perodo das cheias. H salinas ou saleiras no

    Pantanal que so guas salobras devido elevada concentrao de sais minerais

    no solo (cloreto de sdio e magnsio). Existem tambm os chamados barreiros, so

    lagos temporrios que vm das inundaes e desaparecem no perodo da seca.

    essa mudana que possibilita ao Pantanal a vida, a riqueza do solo,

    atravs dos nutrientes deixados pelas guas.

    O Estado de Mato Grosso conta com cinco unidades de conservao

    ambiental: o Parque Nacional do Pantanal, o Parque Nacional de Chapada dos

    Guimares, as Estaes Ecolgicas de Taiam (Cceres), da Serra das Araras

    (Porto Estrela) e a de Iqu-Juruena (divisa de Vilhena e Juna) que somam juntas

    411.025 hectares, alm de outras reservas ecolgicas.

    1.7 A Estratgia Poltica do Estado de Mato Grosso

    Na dcada de 70, devido ao desenvolvimento e colonizao do Estado

    de Mato Grosso, fez-se necessrio um planejamento voltado para a poltica

    ambiental. Em 1979, atravs da Lei n. 4087 de 11 de julho, cria-se o Conselho

    Estadual de Meio Ambiente. No entanto, este Conselho fica posto como unidade

    integrada da estrutura da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social. Em

    1980 cria-se a Coordenadoria do Meio Ambiente, mas tambm vinculada mesma

    Secretria do Trabalho, com objetivo de responder pelos quadros de defesa dos

    recursos naturais.

    A preocupao com a posio do Estado de Mato Grosso, em

    crescimento no setor agropecurio, fez com que, o ento governador, Jlio Jos de

    Campos, atravs da Lei 4.600 de 6 de junho de 1983, criasse a Fundao de

    Desenvolvimento do Pantanal - FUNDEPAN. Essa Fundao era vinculada ao

    gabinete do governo, com objetivos de planejar, coordenar e executar aes que

    promovessem o desenvolvimento no/do Pantanal Matogrossense.

  • 38

    No Estado de Mato Grosso, a Legislao Ambiental tem registro em

    1981, no entanto, somente em 1995 foi promulgado o Cdigo Ambiental do Estado,

    consolidando as atribuies legitimadas pela Constituio Federal de 1988 (Mato

    Grosso, 1995).

    Em 1985, a Poltica Estadual de Meio Ambiente foi decretada e

    sancionada atravs da Lei 4.894, de 25 de setembro do corrente ano. J em 1986 foi

    baixado o decreto 1980, instituindo a Fundao Especial de Meio Ambiente.

    Devido promulgao do atual Cdigo Ambiental do Estado de Mato

    Grosso, em 1995, os decretos citados encontram-se revogados. Quanto ao ano de

    1986 o CONSEMA (Conselho Estadual de Meio Ambiente) baixou sua primeira

    resoluo instituindo o Termo de Compromisso voltado principalmente para o setor

    industririo, aquele com grandes tendncias a poluies.

    Em 1987, um outro fato vai ter o seu marco na poltica do Estado. O

    ento governador, Carlos Bezerra, cria a Secretaria de Estado do Meio Ambiente.

    Com a criao dessa secretaria, a FUNDEPAN transformada em Fundao Estadual de Meio Ambiente FEMA. No entanto, s em 1992, a Lei complementar n. 14 de 16 de janeiro, artigo 38, muda a nomeao da Secretaria de Estado de

    Meio Ambiente para Secretaria Especial de Meio Ambiente, conferindo FEMA a autonomia, a competncia dos cuidados com os recursos naturais. Romio (1998).

    Institucionaliza-se dessa maneira, via decreto n. 4.189 de 4 de fevereiro de 1994, a FEMA, como um rgo executor das polticas Ambientais no Estado de Mato Grosso. Esse rgo institui um lugar de escutas neste trabalho, dada a materialidade discursiva que se produz sobre a questo ambiental no que se

    refere pesca na regio do Pantanal. Discutiremos os efeitos de sentido que

    textualizam a Lei 6.672 de 20 de outubro de 1995 sobre a Pesca em Cceres Estado

    de Mato Grosso.

    Situar um entendimento sobre o Estado, significa refletir sobre o papel

    do prprio aparelho institucional que sinaliza de uma plataforma X o espao

    denominado Estado.

    A Anlise de Discurso dos anos 70 buscou-se em Althusser recursos

    para se pensar o papel das instituies, bem como o modo como este autor

    compreende a ideologia. esse lugar institucional discursivo que interessa para a

    linguagem. Pensa-se a linguagem neste estudo a partir dos trabalhos de Pcheux,

  • 39

    observando como Pcheux inspira-se em Althusser. Compreende-se, pela teoria,

    como Pcheux desloca a noo de ideologia, como ocultao, para ideologia como

    prtica. E enquanto prtica, na perspectiva terica da Anlise de Discurso, o discurso

    o tecido, o lugar da materializao da ideologia. Da poder compreender que

    quando Pcheux traz a instituio para a rea da linguagem, a instituio est sendo

    pensada no modo de produzir sentidos. Pcheux desloca a instituio como um lugar

    s pensado como funcionamento de represso ou como espao ideolgico para um

    outro lugar. H um trabalho terico de Pcheux em pensar a a linguagem

    produzindo sentidos.

    a instituio governamental que produz discursos jurdicos, neste

    caso, as Leis de Pesca, slogans de campanhas sobre a piracema e outros discursos

    sobre o espao do rio, e o que vai mobilizar sentidos e anlises. Como tambm os

    discursos no-institucionais que discutem essa problemtica ambiental na

    comunidade pesqueira, mas que diferente a posio-sujeito.

    Assim, observa-se que, do ponto de vista discursivo, e a partir das

    reflexes de M. Pcheux, se torna mais complexo esse quadro institucional

    designado primeiramente por Althusser como AIE, j que, a partir das reflexes de

    Pcheux, intervm a questo da linguagem no institucional. Ao mesmo tempo,

    desloca-se a a prpria noo de ideologia.

    Como trabalhar essa mobilizao de sentidos? Diante dessa

    concepo de poder, de organizao social, no existe um sujeito fora do Estado e

    um dentro do Estado. Assim como no h instituio pblica e privada fora do

    Estado. Dada essa relao de direitos e deveres, o Estado se constitui e se legitima

    no jurdico, ou melhor dizendo, na Instituio Jurdica.

    O discurso tem um efeito ideolgico que funciona no institucional, no

    social. E isto no tem como mudar. Lagazzi (1988) diz que:

    No h como modificar as relaes internas ao aparelho do Estado, mantendo intacta a concepo de Estado, como se este se colocasse independente das relaes que o constituem. O Estado constitudo pelas relaes que se do entre proprietrios e no-proprietrios, por direitos e deveres antagnicos. O Estado o Estado-capitalista-jurdico e a divergncia de interesses, a contraposio de direitos e deveres distintos, traz a necessidade da coero, j que os interesses e direitos/deveres de uns no so os interesses e direitos/deveres de outros. Pensar uma sociedade sem desigualdade,

  • 40

    onde as relaes de poder possam se dar como no-coercivas, pensar uma sociedade sem Estado (p.l6).

    Nesse sentido, o Estado apresenta para o sujeito, para a sociedade, o

    lugar do poltico, do jurdico, do poder, atravs da Constituio Federal, das normas

    de direitos e deveres. Essas relaes hierarquizadas dentro do Estado de ordem e

    obedincia constituem lugares de tenso. Nessa direo, abre-se uma

    discursividade, j que o sujeito que sujeito a/da interpretao19sofre essa injuno

    interpretao. E quando falamos em interpretao a partir da Anlise de Discurso,

    pensamos o sentido. Ou melhor, dizendo, no h sentido sem interpretao. Assim,

    o sentido movimento, no se fecha, est no jogo de que passvel a lngua.

    Dessa forma, as palavras no tm o sentido colado literalidade. Ao

    contrrio, pela maneira como se pensa o sentido nessa perspectiva terica, desloca-

    se a noo do sentido literal. As palavras so tomadas enquanto sentido na

    materialidade, no social, pela sua inscrio na formao discursiva. , pois, nas

    formaes discursivas que as palavras tm seus sentidos instaurados. Da poder

    dizer que A formao discursiva se constitui na relao com o interdiscurso(a

    memria do dizer), representando no dizer as formaes ideolgicas.

    A partir dessas reflexes, compreende-se que o sentido no se fecha,

    que preciso a anlise, os questionamentos sobre a materialidade para que se

    compreenda, no movimento da linguagem, possibilidades de escutas. Esse efeito de

    sentido, que constitutivo da linguagem, produz no interlocutor gestos de

    interpretao, dada a relao do sujeito com o simblico.

    1.7 FEMA: Lugar De Porta-Voz Ambiental Institucional em Mato Grosso

    O texto institucional tem um perfil diferenciado do texto no-

    institucional, porque a instituio diz de um determinado lugar jurdico para o social.

    essa relao, o lugar institucional do jurdico no social da/para a sociedade, que

    buscamos, no texto de apresentao da Lei estadual n. 6.672. O acontecimento da

    legitimao da Lei n. 6.672, de 20 de outubro de l.995, coloca a Fundao Estadual

    do Meio Ambiente - FEMA - como a responsvel pelo espao hidrogrfico. Demarca,

    19 ORLANDI, E.P. Interpretao: autoria, leitura e efeitos do trabalho simblico. A autora analisa os diferentes gestos de interpretao, nas diferentes formas de linguagem (Vozes,l996) .

  • 41

    para a regio, um antes e um depois da vigncia da Lei de pesca, sobre a responsabilidade de um aparelho do Estado. H um processo institucionalizado de ruptura com a memria histrica da regio, da cidade, j que antes, quem monitorava

    a pesca no Estado eram a SUDEP, a Capitania dos Portos - Marinha Mercantil, o

    IBAMA e a Polcia Florestal.

    O Estado instaura um porta-voz - FEMA - e ela, enquanto instituio,

    que deve ser a mediadora do Estado de Mato Grosso nas questes polticas e

    sociais sobre a comunidade pesqueira.

    O destino do porta-voz circula assim entre a posio do profeta, a do dirigente e a do homem de Estado, visto que ele o ponto em que o outro mundo se confronta com o estado de coisas existente, o ponto de partida recproco no qual a contradio vem se amarrar politicamente a um negcio de Estado (PCHEUX, l990:l8)

    Entende-se aqui o Estado em uma posio poltica, institucionalizado, e

    o outro mundo, a partir do que diz o autor nessa citao, como o no-

    institucionalizado, a comunidade pesqueira. Pensamos esse setor pesqueiro

    (pescador ribeirinho), por estar submisso a posio do dizer institucionalizado Lei

    de Pesca. O pescador ribeirinho, o mais visvel, como veremos no decorrer das

    anlises, aparece no conflito entre o dizer institucionalizado e o dizer no-

    institucionalizado. essa comunidade ribeirinha que vai mobilizar sentidos,

    politicamente falando, sobre a situao da Colnia de Pescadores no Estado. O

    Estado, ou, melhor dizendo, a FEMA, por sua vez, tem a posio de ponto de

    partida, de mudana, de ao legitimada pela Lei estadual da Pesca.

    Assim, o porta-voz , em si, pela posio institucionalizada, o lugar do

    institucional, do poltico, j que a lngua tem essa relao com o poltico, com o

    social. Esse lugar , ento, lugar de conflito, de confronto. Porque ao falar nos

    filiamos a redes de sentido. Assim, o sujeito no origem de si, pois, ao nascermos,

    como diz Orlandi (l998), as palavras j esto a circulando, produzindo sentidos,

    dada a relao com o interdiscurso, a memria do dizvel. a partir desse jogo

    constitutivo da linguagem que compreendemos o processo da significao, isto , h

    um movimento, onde a lngua se inscreve no real da histria para significar.

    esse movimento, o jogo da linguagem, que permite ao analista

    observar que entre o porta-voz, que tem um lugar institucionalizado, e o social, h

  • 42

    uma mobilidade de sentido que delimitam lugares do cidado no conjunto da

    sociedade. Ao mesmo tempo, devemos pensar que governo, Estado, no discurso

    jurdico representa a prpria sociedade. H nessa relao um efeito de oposio que

    trabalha com a relao de poder. O Estado representa o cidado, a sociedade e, ao

    mesmo tempo, cobra desses seus representantes direitos e deveres.

    Devemos dizer que esse jogo no visvel. preciso trabalhar o

    processo, analisar o que est dito em determinado texto e o no-dito, mas que

    silencia e constitui sentidos. isso que pretendemos com a anlise, a escuta20. a

    partir dessa escuta que pretendemos trabalhar a constituio da formao imaginria

    entre o porta-voz (FEMA) e aquele sujeito no/do social.

    Com a Lei n 6.672, sancionada e publicada no dia 20 de outubro de 1995, Mato Grosso deu um importante passo, no sentido de coibir a pesca predatria nos rios estaduais. Elaborada com ampla participao da sociedade civil, a nova Lei de Pesca, assim como da comercializao e industrializao do pescado, estabelecendo severas sanes para as condutas que coloquem em risco a fauna aqutica. Essa mudana iniciada com a nova lei, representa uma opo pela pesca desportiva e turstica e sua implementao, seguramente, trar como conseqncia, o aumento de nosso estoque pesqueiro21. (grifos nossos)

    Observando a construo do texto acima, vemos que o Estado se

    constri em uma posio categrica, hierarquizada no poder das relaes sociais

    institucionais, do lugar do jurdico e do executivo.

    Conforme Lagazzi (1988):

    Essas relaes hierrquicas e autoritrias de comando obedincia, presentes nas mais diversas situaes e diferentes contextos sociais, levam as pessoas a se relacionarem dentro de uma esfera de tenso permeada por direitos e deveres, responsabilidades, cobranas e justificativas. Temos, assim, um juridismo inscrito nas relaes pessoais (p.2l).

    20 ORLANDI (l998), diz que Essa escuta, essa prtica de leitura discursiva, faz a crtica da interpretao enquanto representao de contedos e procura compreender como sujeito e sentido se constituem.(p.l0) Revista RUA, n.4. 21 Carta assinada pelo ento, Secretrio Especial do Meio Ambiente e Presidente da FEMA, Sr. Frederico Guilherme de Moura Muller

  • 43

    A partir dessa posio jurdica de apresentao da Lei 6.672, tem-se

    um porta-voz institudo a falar sobre a forma do funcionamento da pesca no Estado

    de Mato Grosso.

    Nesse sentido, o porta-voz diz e se confronta, no social, de diferentes

    formas. Ao dizer (...) no sentido de coibir a pesca predatria nos rios estaduais,

    configura-se a a presena fecunda e imaginria do pescador atravs do Estado.

    Quem o predador? H uma ordem Jurdica em funcionamento nessa formulao

    marcada no verbo coibir. Parafrasticamente, o sentido dessa expresso pode ser

    deslocado para proibir, interditar. Por outro lado, nesse processo discursivo, o

    funcionamento da lngua carregado de um certo eufemismo ao se dirigir ao

    possvel interlocutor. O mesmo sentido se estende em (...) estabelecendo severas

    sanes para as condutas que coloquem em risco a fauna aqutica. Em condutas,

    emerge o fato. O acontecimento22. A infrao s leis postas em circulao representa

    o ato do punvel, da aplicabilidade da resoluo em que o Estado se ampara no

    cdigo das Leis ambientais. Esse efeito de sentido23, o da penabilidade, pe em

    funcionamento no social o sujeito com direitos e deveres. Ao mesmo tempo, o sujeito

    nesta direo assujeitado s leis, a conhecer os limites, os sentidos que

    asseguram essa organizao penal no social.

    Da interpelao do indivduo em sujeito pela ideologia resulta a forma-sujeito histrica. Em nosso caso, a forma-sujeito histrica capitalista corresponde ao sujeito-jurdico constitudo pela ambigidade que joga entre autonomia e a responsabilidade sustentada pelo vai-e-vem entre direitos e deveres. Podemos dizer, ento, que a condio inalienvel para a subjetividade a lngua, a histria e o mecanismo ideolgico pelo qual o sujeito se constitui. Por outro lado, esse sujeito, uma vez constitudo, sofre diferentes processos de individualizao (e de socializao) pelo Estado. (ORLANDI, l999: 6l).

    A tenso oriunda da relao hierarquizada se configura em formulao

    como:

    Essa mudana iniciada com a nova lei, representa uma opo pela

    pesca desportiva e turstica (...)

    22 Pcheux, M., em Discurso: Estrutura ou Acontecimento, trabalha o acontecimento enquanto fato. 23 Pcheux,M., Orlandi, Eni e colaboradores trabalham a Anlise de Discurso da escola francesa, o efeito e o sentido em relao a .

  • 44

    Observa-se nesse dizer um jogo institucionalizado para o sujeito, para o

    social. Est institudo no discurso uma opo de pesca desportista e outra turstica.

    Nesse vis perguntamos pela posio do pescador ribeirinho profissional. H um

    apagamento dessa posio-sujeito, aquele que profissionalmente mantm a

    subsistncia familiar atravs da pesca artesanal, que recebe seguro desemprego do

    governo, que tem carteira de trabalho e que juridicamente est inscrito na prpria Lei

    Estadual de Pesca, que diz:

    Art. 3. Ficam permitidas, no Estado de Mato Grosso, as seguintes categorias de pesca:

    I cientfica II _ amadora; III _ profissional.

    A posio-sujeito pescador ribeirinho reverbera sentidos nesse lugar

    textual que est em funcionamento, quando apresentado comunidade, j que, ao

    mesmo tempo, esse pescador profissional, que se apaga na carta de apresentao

    da FEMA/MT, aparece no Art. 3. enquanto categoria e no Art. 4. enquanto sujeito configurado. Vejamos:

    Art. 4. para os efeitos desta lei, considera-se: I - Pesca cientfica, a exercida unicamente com fins de pesquisa por instituies pblicas ou pessoas devidamente habilitadas para esse fim. II Pesca amadora, a que se pratica artesanalmente, com fins desportivos e/ou de subsistncia, e que em nenhuma hiptese venha a importar em atividade comercial. III Pesca profissional artesanal, a praticada por pescador profissional, com residncia comprovada no Estado de Mato Grosso, cadastrado pela FEMA, que exera a atividade da pesca como seu nico meio de vida, no compreendendo servios de terceiros. (grifos nossos)

    Essas diferentes posies tomam corpo e se subjetivam no ato de

    apresentao da Lei. No ltimo trecho da carta de apresentao, onde se l:

    seguramente trar como conseqncia o aumento de nosso estoque pesqueiro, h

    uma finalizao operacionalizando sobre uma linguagem lgica, matemtica.

    Preservou, logo h aumento do pescado. Observa-se que o Estado, pela posio

    institucionalizada, ocupa nessa afirmao a imagem histrica na ruptura da pesca

  • 45

    predatria, assumindo nessa discursividade a responsabilidade no s pela

    fiscalizao como pela continuidade das espcies de peixes nos rios .

    Enfim, nessa luta poltica ideolgica pela posio de autoria, de poder

    dizer, o Estado j a tem assegurada na carta maior as Leis. Isto pode ser lido, no art. 225, caput, da Constituio Federal que

    prescreve:

    Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes.

    nesse lugar institucional que o Estado legitima a posio dele

    enquanto Estado atravs das relaes de poder e coero. Compreende-se que,

    com a promulgao da Constituio Federal de 1988, o domnio das guas tm o

    seu limite entre a Unio e os Estados. Segundo Musetti (2001:54), so da Unio os

    lagos, rios e qualquer corrente de gua em terrenos de seu domnio, ou que banhem

    mais de um Estado, sirvam de limites com outros pases, ou estendam a territrio

    estrangeiro ou dele provenham. So dos Estados as guas superficiais ou

    subterrneas, fluentes, emergentes e em depsito, ressalvadas, neste caso na forma

    da lei, as decorrentes de obras da Unio.

    Vejamos o funcionamento da Lei n. 6.672, de 20 de outubro l995, que dispe sobre a pesca, estabelecendo medidas de proteo a ictiofauna e d outras previdncias.

    A ASSEMBLIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE

    MATO GROSSO, tendo em vista o que dispe o artigo 42 da Constituio Estadual, aprova e o governador do Estado sanciona a seguinte lei:

    Art. 1. As pessoas fsicas e jurdicas que desenvolverem a

    pesca ou exercerem as atividades de comrcio, industrializao e trnsito de pescado no Estado de Mato Grosso, observaro as disposies desta lei.

    Art. 2. - A Fundao Estadual do Meio Ambiente FEMA

    a entidade pblica do Estado de Mato Grosso responsvel pela fiscalizao das atividades da pesca em todas as suas fases, que compreendem desde a captura, extrao, coleta, transporte,

  • 46

    conservao, transformao, beneficiamento, industrializao e comercializao. (grifos nossos)

    No que diz respeito subordinao dos sujeitos s Leis de pesca, o Art

    1. ressalta a posio das pessoas tanto fsicas, quanto jurdicas diante da Lei. E o

    Art. 2. diz que o lugar institucionalizado responsvel pela cidadania, pelo equilbrio

    ecolgico. Ou seja, retoma a o discurso constitucional sobre o que diz o artigo

    duzentos e vinte e cinco, da Constituio Federal, jogando com o interlocutor as

    penalidades cabveis em Lei.

    A propsito, Ferreira (1998) diz que no Brasil a questo relacionada

    proteo desse espao caracterizado como ambiental s adquiriu status

    constitucional com a promulgao da Constituio Federal em 1988. Segundo a

    autora podem-se identificar a duas grandes posies:

    1) Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado;

    2) O poder pblico e a coletividade tm o dever de preservar e

    proteger o meio ambiente.

    A expresso meio ambiente para Ferreira (idem) compreende vrias

    acepes: natural, artificial, cultural, patrimonial, urbano, regional (...) (p.30).

    Trabalhando a linguagem discursivamente, compreende-se que o sentido est

    sempre em relao a, logo tem um movimento que possibilita que a palavra tenha o

    seu sentido dada formao discursiva em que ela se inscreve. Para Pcheux

    (1995:160),as palavras, expresses, proposies, etc., mudam de sentido segundo

    as posies sustentadas por aqueles que as empregam, dito de outra forma, o

    sentido est em referncia s formaes ideolgicas.

    O autor chama de formao discursiva aquilo que, numa formao

    ideolgica dada, isto , a partir de uma posio dada numa conjuntura dada,

    determinada pelo estado de luta de classes, determina o que pode ser dito. (p.160)

    A formao ideolgica por sua vez determinada a partir de uma luta ideolgica. Isto

    se evidencia no dizer, na formulao. Cabe-nos dizer, ainda, a partir de Pcheux,

    que as formaes discursivas textualizam na linguagem as formaes ideolgicas.

    Assim, entende-se que a transparncia da linguagem mascara o que

    Pcheux chama de o carter material do sentido. Nessa direo, a expresso meio

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    ambiente, preservao, desenvolvimento, entre outras quaisquer de uso, no importa

    qual a palavra, o que importa a formao discursiva. esse o lugar, a posio que

    faz a diferena de uma palavra em um discurso.

    O Estado de Mato Grosso, pela prpria localizao geogrfica em

    reas consideradas de riquezas hdricas, de formao vegetal heterognea e de

    variedades de espcies, j produz um dizer sobre a preservao. No entanto, o dizer

    no transparente.

    Esse dizer que se legitima, enquanto Lei, em panfletos, slogans de

    campanhas, manchetes de jornais, joga com o possvel interlocutor, produz no social

    gestos que reclamam sentidos.

    Pensando essa rede constitutiva do sujeito e sentido no social,

    compreende-se como o sujeito afetado pelo simblico.Vejamos: entre gestos,

    bocas, olhos, ouvidos e palavras, vive o sujeito. Ele est dentro dessa relao, desse

    processo discursivo. Nesse meio de linguagem, nascemos, vivemos e morremos.

    No tem como no ser afetado, no tem como ignorar essa relao e no exercit-la,

    question-la. nessa relao de linguagem que se pode perceber como diz Lagazzi:

    a lngua lugar de poder e de tenso.

    E nesse lugar do conflito, da tenso, que produzido pela linguagem,

    entre o mesmo que se repete, e o outro, o diferente, o polissmico24, que se rompe,

    que busca-se compreender o equvoco, a falha que, como diz Pcheux (l990),

    constitutiva da linguagem.

    esse eixo que desestabiliza sentidos e que instaura outros sentidos

    que na Anlise de Discurso chamado de parfrase e polissemia. Conforme Orlandi

    (1983) Esta uma relao contraditria porque no h um sem o outro, isto , essa

    uma diferena necessria e constitutiva. Mas h outros sentidos nessa contradio

    que preciso compreender. (p.5)

    O discurso o lugar da materializao da lngua, o lugar possvel de se

    ler, discutir os efeitos ideolgicos, analisar a relao da lngua com a histria. A

    histria est ligada a prticas e no ao tempo em si. Ela se organiza tendo como

    parmetro as relaes de poder e de sentidos, e no a cronologia: no o tempo

    24 ORLANDI, Eni, P. 1983 em A Linguagem e seu Funcionamento, a autora discute esse eixo da linguagem entre o mesmo que se repete e o diferente, o polissmico.

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    cronolgico que organiza a histria, mas a relao com o poder (a poltica)

    (ORLANDI, l990:35).

    Assim, no tem como estarmos fora da ideologia. A ideologia nesta

    perspectiva terica prtica, e se ela compreendida como prtica, o discurso o

    lugar onde pode-se observar, trabalhar o encontro, o ponto de toque entre lngua e

    ideologia.

    nesse lugar simblico, o discurso, que o analista questiona a transparncia da linguagem. Dito de outra forma, a linguagem no transparente,

    j que os discursos estabelecem uma histria. Observemos esse processo

    constitutivo da linguagem no discurso sobre a Poltica Estadual de Recursos Hdricos:

    (...) Mato Grosso, considerado o Estado das guas, abriga importantes nascentes de rios formadores das Bacias Amaznica, Platina e Araguaia-Tocantins, e ainda contempla ambientes geolgicos favorveis a um grande potencial de reserva de gua subterrnea25. (...) A Fundao Estadual do Meio Ambiente FEMA recebe, por fora da Lei, a competncia de Coordenadora/Gestora dos Recursos Hdricos, passando a implementar o controle dos diversos usos a que se destina a gua, de forma a evitar os conflitos nas bacias hidrogrficas. (Grifos nossos)

    A Poltica Estadual de Recursos Hdricos definida em setembro de

    1998. Atravs dessa poltica, o governo estadual cria o Conselho de Recursos

    Hdricos, em que se observa um apelo ao ecolgico, preservao dos mananciais

    do Estado. Expe para o social o epteto do Estado de Mato Grosso como Estado das guas, potencializando a a cultura, os recursos hdricos, a