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O DISCURSO DA TV SOBRE O AQUECIMENTO GLOBAL A PARTIR DA SÉRIE DE REPORTAGENS TERRA , QUE TEMPO É ESSE ?” DO JORNALÍSTICO FANTÁSTICO Helaine Matos, Edinardo Santos, Jackeline Alvarenga * , Marta Celina Linhares Sales , Universidade Federal do Ceará – UFC 2014 1

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O DISCURSO DA TV SOBRE O AQUECIMENTO

GLOBAL A PARTIR DA SÉRIE DE REPORTAGENS

“TERRA, QUE TEMPO É ESSE?”DO JORNALÍSTICO FANTÁSTICO

Helaine Matos,Edinardo Santos,

Jackeline Alvarenga∗,Marta Celina Linhares Sales†,

Universidade Federal do Ceará – UFC

2014

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ÍndiceIntrodução 3Metodologia 7Resultados e Discussões 7Considerações Finais 11Referências Bibliográficas 12

Resumo

Notícias sobre as mudanças climáticasaparecem estampadas com frequência nosmais variados meios de comunicação do Bra-sil e do mundo. Como sinônimo desse pro-cesso, o aquecimento global e efeito estufaestão associados a essa realidade que temcausas incertas para a ciência. De um lado,pesquisadores que acreditam e defendem quea terra aqueceu quase 0,6oC nos últimos 150anos por fatores antropogênicos, teoria de-fendida pelo quarto relatório do Painel In-tergovernamental sobre Mudanças do Clima,chamado de IPCC-AR4. Do outro lado, osque defendem esse aquecimento como partede um processo natural e que o homem nãotem a capacidade de mudar o clima a ní-vel global, somente em escala local e con-sideram os modelos climáticos e matemáti-cos utilizados pelo IPCC não confiáveis. Nãocabe aqui defender qual das teorias é verda-deira, mas sim, analisar de que forma o temaestá chegando a população através dos meiosde comunicação. O corpus deste trabalho

∗Alunos do Bacharelado em Geografia e bolsistasdo Laboratório de Climatologia Geográfica e Recur-sos Hídricos – LCGRH.†Professora adjunta do curso de Geografia

e coordenadora do Laboratório de ClimatologiaGeográfica e Recursos Hídricos-LCGRH. e-mail:[email protected]

é a série de reportagens “Terra, que tempoé esse?” do jornalístico Fantástico, da emis-sora Rede Globo que foi exibida no ano de2010 antecipando as discussões da 16a Con-ferência das Nações Unidas sobre Mudançasdo Clima, COP-16, realizada no México nomesmo ano. Baseado na hipótese de que aTV é o meio de comunicação de maior al-cance, analisa-se neste trabalho como a in-formação transmitida contribui para o escla-recimento da opinião pública sobre mudan-ças climáticas e de que maneira o discursofoi construído.

Palavras-chave: Mudanças climáticas,divulgação científica, formação de opinião.

Abstract

News about climate change are oftenstamped in various media of Brazil and theworld. As synonym of this process, the gre-enhouse effect and global warming are asso-ciated this reality with uncertain causes forscience. On one side scientists that believeand claim that the earth heated almost 0.6o Cin the last 150 years because anthropogenicfactors, theory advocated in the fourth reportof the Intergovernmental Panel on ClimateChange, IPCC-AR4. Opposite, the scientistssay this warming as part of natural processand the man has not capacity to change theclimate globally, only locally and think theclimate models and mathematical used bythe IPCC are unreliable. This paper doesn’tdefend which two theories are true, but toanalyze how this subject is reaching to popu-lation by the media. The corpus of this workis the series of reports "Terra, que tempoé esse?"of journalistic program Fantástico,of TV Globo published in 2010 before 16thUnited Nations Climate Change Conference,

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COP-16, held at Mexico in the same year.Based on the hypothesis that the TV is thebigger media, this paper analyzes how theinformation transmitted can help in the un-derstanding of public opinion about climatechange and how the discourse was construc-ted.

Key-words: Climate change, sciencecommunication, opinion formation.

Introdução

AS discussões e a visibilidade que a temá-tica das mudanças climáticas ganhou

nas últimas décadas no cenário acadêmico esocial é incontestável. Os fóruns de discus-sões sobre o tema estão cada vez mais fre-quentes e notícias sobre o aumento da tempe-ratura do planeta e suas causas estão estam-padas em jornais, revistas, sites e programasde TV de todo o mundo.

Sabendo que o tema é de relevância pú-blica, visto ser o clima elemento de interessesocial e econômico sobre os mais variadosaspectos, influenciando em diversas áreas ehábitos, desde a agricultura até o modo devestir das pessoas, estudá-lo e compreen-der sua dinâmica tornou-se objeto de estudocada vez mais frequente nas universidadese notícias relacionadas ao tema estão dia-riamente chegando à população através dosmeios de comunicação.

Dentro das universidades as pesquisas so-bre esse tema dividem opiniões. De um lado,pesquisadores que acreditam e defendem quea terra aqueceu quase 0,6oC nos últimos 150anos por fatores antropogênicos, evidenci-ado nas emissões de gases que intensificaramo efeito estufa, através da produção significa-tiva de CO2 que é lançado na atmosfera, emespecial, após a revolução industrial. As pes-

quisas nessa linha seguem dados do quartorelatório do Painel Intergovernamental sobreMudanças do Clima, chamado de IPCC-AR4,divulgado em 2007 pela Organização Mete-orológica Mundial (OMM) e pela United Na-tions Environment Programme (UNEP).

Do outro lado, os que defendem esse aque-cimento como parte de um processo natu-ral e que se vale da paleoclimatologia, porexemplo, para afirmarem que já houve pe-ríodo mais quente que o atual e que o homemnão tem a capacidade de mudar o clima a ní-vel global, somente em escala local e con-sideram os modelos climáticos e matemáti-cos utilizados pelo IPCC não confiáveis e,portanto, não utilizáveis para o planejamentodas atividades humanas e o bem-estar social(Molion, 2008, p.71).

A ciência reitera que o clima varianaturalmente, independentementeda ação humana, porque dependeda intensidade da radiação solar.Com a aproximação e o afasta-mento entre Sol e Terra, em de-terminados ciclos, pode haver ummaior ou menor grau de incidên-cia de radiação solar configurandoo grau de aquecimento ou resfri-amento da Terra ao longo de pe-ríodos históricos (Rubin, 2011, p.42).

É notório que as incertezas sobre as cau-sas que levam a essa mudança climática esuas projeções são motivações de pesquisasem inúmeros centros acadêmicos do Brasile do mundo e não cabe aqui defender qualdas teorias é verdadeira, mas sim, analisar deque forma o tema está chegando à populaçãoatravés dos meios de comunicação, já que o

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jornalismo adquiriu ao longo de sua evolu-ção o papel de agente facilitador da constru-ção da cidadania e da divulgação científica(Oliveira, 2002, p.16).

Dessa forma, a veiculação de notíciassobre as mudanças climáticas configura-sedentro da chamada divulgação científica, queleva à população através dos mais variadosmeios de comunicação informações sobre ci-ência e tecnologia (C&T) como parte da pró-pria evolução da atividade jornalística quedeixou de noticiar apenas fatos corriqueirosda sociedade para ir além e divulgar pesqui-sas desenvolvidas em universidades.

(...) O acesso às informações sobreC&T é fundamental para o exercí-cio pleno da cidadania e, portanto,para o estabelecimento de umademocracia participativa, na qualgrande parte da população tenhacondições de influir, com conhe-cimento, em decisões e ações po-líticas. Entendemos que a forma-ção de uma cultura científica, nota-damente em sociedades emergen-tes como é o caso do Brasil, não éprocesso simples ou que se possaempreender em pouco tempo. Noentanto, entendemos o acesso àsinformações sobre C&T como umdos mecanismos que pode contri-buir de maneira efetiva para a for-mação de uma cultura científica edeve ser facilitado ao grande pú-blico carente delas (Oliveira, 2002,p.13).

Além de funcionar como agente media-dor desse tipo de informação científica, a ati-vidade jornalística quando o assunto são as

mudanças climáticas é alvo de inúmeras crí-ticas dentro do cenário acadêmico. É comose a relação entre pesquisadores e jornalistasentrasse em conflito. Por um lado, exigi-sedo jornalista o rigor científico na hora de co-municar, mas o jornalista, com a função detornar a informação científica clara e de fá-cil entendimento a todos os públicos esbarra,por vezes, no erro diante da ciência e recebepredicados negativos em função do discursosensacionalista com que conduz as notíciassobre o aquecimento global.

Infelizmente, tais “Cavalheiros doApocalipse” influenciam, signifi-camente, na população leiga, feitoobtido pelo sensacionalismo vei-culado por meios de comunica-ção em massa minimizando a dis-cussão e favorecendo, economica-mente e politicamente, determina-dos e limitados atores sociais. Érelevante salientar que não se deve,em hipótese alguma, desconsideraras modificações antrópicas no am-biente natural, em especial na at-mosfera; contudo, o “alarmismo”exagerado pode produzir efeitoscontrários à sociedade, ao invés deconscientizá-la (Teodoro & Amo-rim, 2008, p. 34).

Diante de críticas como essas e acredi-tando que o jornalismo tem o poder de me-diar discussões e pautar ponto de vistas eações sociais dentro desse contexto cabeneste estudo analisar a construção da notí-cia sobre o aquecimento global na TV, vistoser esse o meio de comunicação de maior al-cance em nosso país, apesar da intensa difu-são da internet.

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Fatias extremamente considerá-veis da população tomam conheci-mento das notícias da sua cidade,da sua região, do seu país, bemcomo do resto do mundo, assis-tindo diariamente a um dos progra-mas de jornalismo veiculados pe-las emissoras de televisão existen-tes (Squirra, 1989, p. 11).

A TV é o veículo que mais atinge as mas-sas. Estudar a seleção de notícias nesse meioimplica, inclusive, entender os julgamentospróprios de cada seletor, as influências orga-nizacionais, sociais e culturais que esse so-fre ao fazer suas escolhas, os agentes utili-zados na hora da filtragem e nos diferentescargos da redação, e até mesmo a participa-ção das fontes e do público nessas decisões –aqui vale lembrar os estudos de agendamento(agenda-setting) que defende que o receptortende a considerar mais importante os assun-tos pautados pela imprensa, isto é, a mídiadiz sobre o que falar e pauta os relaciona-mentos sociais.

É particularmente evidente que oque sabemos sobre numerosos as-suntos de interesse público de-pende enormemente do que nosdizem os veículos de comunica-ção. Somos sempre influenciadospelo jornalismo e incapazes de evi-tar esse fenômeno (Rivers & Sch-ramm apud Erbolato, 1991, p.51).

As notícias e o modo como elas chegamà sociedade não são determinados somentepela subjetividade dos profissionais. As exi-gências e a estrutura das organizações influ-enciam fortemente na seleção e no enquadra-

mento dado ao produto final da atividade jor-nalística. Dessa forma, ainda é a televisãoque atinge o maior número de pessoas dasmais variadas classes sociais. Compreendera construção da notícia e como ela chega atéa população por esse meio é de fundamentalinteresse não só para os estudos em Comuni-cação, mas para os estudos em Climatologia,já que as notícias divulgadas sobre as mu-danças climáticas se valem de fontes acadê-micas e estudos científicos da área.

A notícia de televisão é radical-mente diferente. Ao contrárioda notícia de jornal, que não éconcebida para ser lida na tota-lidade, embora adquirindo inteli-gibilidade, a notícia de televisãoé concebida para ser completa-mente inteligível quando visionadana sua totalidade (Traquina, 1999,p. 299).

Além do poder de alcance na TV, a notíciaé uma escolha única dos jornalistas. O pú-blico não pode escolher quais acontecimen-tos gostaria de tomar conhecimento. Nos ou-tros veículos, o receptor não pode saber so-bre todos os fatos que poderiam ter viradonotícia, mas tem uma variedade maior de as-suntos à disposição. O que é apresentado nostelejornais é uma escolha, na maioria das ve-zes, exclusiva da equipe envolvida na pro-dução do programa telejornalístico. O pú-blico pode até pautar alguma discussão, mas,ainda assim é escolha do profissional dar es-paço à informação identificada.

Pereira Júnior (2001) entende o telejornalcomo o meio mais simples, cômodo, econô-mico e acessível para conhecer e compreen-der tudo o que acontece na realidade e comose transforma a sociedade.

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A importância da notícia é geral-mente julgada de acordo com a suaabrangência, isto é, segundo o uni-verso de pessoas às quais pode in-teressar. Esse é o critério mais uti-lizado em jornalismo de televisãoque, dando ênfase ao aspecto daamplitude, pode tender a transfor-mar a notícia em entretenimentoou em espetáculo, tratando apenasde questões amenas ou desprovi-das de polêmica (Curado, 2002,p.16).

Tratando-se das mudanças climáticas, in-formações sobre o tema são cada vez maiscomuns nos telejornais. Com um discursoimediatista e isento de imparcialidade a no-tícia é construída de forma a levar o teles-pectador a um cenário catastrófico. Se va-ler desse tipo de notícia através da televisãoé ainda mais arriscado do ponto de vista daformação de opinião pública por ser a TV ummeio que se vale do visual para atrair o pú-blico.

Ela não somente relata o fato, mas utilizao movimento, a cor, o som e todas as sen-sações possíveis para aguçar os sentidos dotelespectador. Oferece uma informação maisdinâmica, mais fácil de ser interpretada, hápresença de imagens em movimento e de umtexto mais leve, que não força a visão do te-lespectador. Todos esses fatores fazem da TV

um dos mais eficientes veículos de comuni-cação. É indiscutível a força e a capacidadede convencimento presentes nas imagens, oque faz do telejornalismo um dos meios maisdinâmicos para difundir notícias se compara-dos aos demais.

O jornalismo escrito exige um es-forço: ler (evidentemente), imagi-

nar, compreender, comparar, jul-gar, reler se necessário... Ele éde manipulação bastante difícil, in-clusive materialmente. Somenteuma pessoa pode consultá-lo decada vez. (Squirra, 2004, p. 51).

Já a TV é um veículo abrangente e delongo alcance. Não distingue classe socialou econômica, atinge a todos. O telejorna-lismo tem, portanto, que considerar como vaitratar a notícia, em especial a de cunho cli-matológico, já que ela pode ser vista e ouvidade várias maneiras diferentes.

Independente da audiência ou não de qual-quer mídia que se proponha a divulgar in-formações sobre as mudanças climáticas, oque é válido aqui é analisar essas atitudese de que forma elas chegam ao público, oque as tornam atrativas e o seu poder de edu-car e formar opiniões. É certo que ao falarde televisão, não podemos esquecer que es-tamos falando de uma empresa e como talrequer lucros e crescimento e a notícia nãodeixa de ser um desses produtos e como talé pensada no ponto de vista mercadológico,mas ela não deve abandonar de fato, seu ca-ráter social de mostrar a realidade, contar ofato da forma mais clara e verídica possível eatravés da informação, contribuir com a so-ciedade. Afinal, a maioria da população as-simila o que é noticiado para o seu cotidianoatravés da TV e isso não pode ser esquecido.

O corpus deste trabalho é a série de repor-tagens “Terra, que tempo é esse?” do jorna-lístico Fantástico, da emissora Rede Globoque foi exibida no ano de 2010 antecipandoas discussões da 16a Conferência das NaçõesUnidas sobre Mudanças do Clima, COP-16,realizada no México no mesmo ano.

O que se questiona neste trabalho é até

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que ponto essa divulgação contribuiu parao esclarecimento da opinião pública sobremudanças climáticas, aquecimento global eefeito-estufa, do ponto de vista da Climato-logia e de que maneira o discurso foi cons-truído, que informações chegaram até o pú-blico, quais fontes foram ouvidas nas maté-rias e se os critérios da isenção e imparcia-lidade que devem permear a atividade jorna-lística foram seguidos.

MetodologiaUtilizou-se como metodologia para a execu-ção da pesquisa a análise do discurso, mé-todo que surgiu na década de 1960 e temcomo principal proposta analisar as condi-ções de produção do discurso levando emconta três aspectos: o contexto situacionalimediato, o contexto institucional e o con-texto sociocultural no qual se insere o eventocomunicacional (Pinto, 1999).

Dessa forma, aplicou-se a análise do dis-curso nas nove reportagens do jornalísticosemanal Fantástico, da emissora Rede Globoque tratou dos efeitos das mudanças climáti-cas no mundo. As matérias foram exibidasde outubro a dezembro de 2010, na série en-titulada “Terra, que tempo é esse?”

Na análise das reportagens avaliou-se,principalmente, a informação que chegou atéo telespectador, as fontes consultadas para aconstrução das matérias e a isenção e impar-cialidade dos jornalistas ao construírem a no-tícia.

Resultados e DiscussõesO programa de TV Fantástico existe desde1973. É exibido nas noites de domingo,em canal aberto, pela emissora Rede Globo.

Tem sua linha editorial pautada por assuntosjornalísticos e de entretenimento e segundopesquisas do Instituto Brasileiro de OpiniãoPública e Estatística (Ibope), registra umadas maiores audiências do horário entre oscanais de TV aberta no Brasil. A série “Terra,que tempo é esse?” foi uma produção pró-pria da emissora, exibida pelo programa Fan-tástico de outubro a dezembro de 2010 atra-vés de 9 reportagens que tratam dos efeitosvisíveis do aquecimento global no mundo.Comandado pelos repórteres Sônia Bridi ePaulo Zero que viajaram 12 países do mundopara conhecerem os lugares mais ameaçadospelo aumento de temperatura, as reportagensforam exibidas antes e após a realização da16a Conferência das Nações Unidas sobreMudanças do Clima, COP-16, realizada noMéxico, em 2010. As 9 reportagens trazemas seguintes manchetes:

1. Nova série mostra por que o clima naterra está mudando – Daqui a poucomais de um mês, vai acontecer noMéxico a COP-16, mais uma reuniãodos líderes mundiais para combater oaquecimento global. Se antecipandoao evento, os repórteres Sônia Bridi ePaulo Zero viajaram a doze países paraconhecer de perto os lugares mais ame-açados pelo aumento da temperatura eencontraram paisagens deslumbrantes,sob risco de desaparecer.

2. Oceanos subiram 7 metros só com oderretimento do gelo da Groelândia –Primeira etapa dessa viagem: extremonorte do planeta, o lugar que mais sofreos efeitos das mudanças no clima.

3. Bolívia tem a riqueza do lítio no de-serto de sal do Uyuni – Nossos repórte-

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res chegam a um lugar estranho, muitobonito e não longe do Brasil. Uma pai-sagem que mais parece de outro planetae que esconde um tesouro, um metal su-per leve que pode ajudar na luta contrao aquecimento global.

4. Fazenda de cultivo de pérolas estáameaçada de extinção – A China é amaior emissora de gases que provocamo efeito estufa, responsáveis pelo aque-cimento e as mudanças climáticas.

5. Ritual do gelo sagrado no Peru já nãousa mais gelo – O Peru depende daágua do degelo para quase toda a agri-cultura. Por isso, é um dos países maissensíveis às mudanças climáticas. Afesta religiosa com 30 mil pessoas nosAndes não usa mais o gelo. Em maisum episódio da série Terra, que tempoé esse?, nossos repórteres mostram oritual do gelo sagrado, uma celebra-ção ancestral que agora, por causa doaquecimento global, não usa mais ogelo.

6. Aumento no nível das águas ameaçaVeneza e a pobre Vanuatu – Países for-mados por ilhas, como Kiribati, Tuvalue Vanuatu, também sofrem com a eleva-ção dos oceanos e correm o risco de de-saparecer ou de afundarem na pobreza.

7. Estudo mostra que o planeta está fi-cando mais seco – O aumento da tem-peratura média do planeta pode ser de4oC até o final do século.

8. Emoção e desastre natural se encon-tram no monte Kilimanjaro – Os repór-teres Sônia Bridi e Paulo Zero sobem

ao topo da África para mostra as ne-ves do Kilimanjaro. E explicam porqueelas vão acabar.

9. Em Butão, o progresso não é medidosó em dinheiro – No país, o turismo fi-nancia a educação e a nação quer cres-cer apostando em serviços, sem a in-dustrialização.

Analisando o enunciado das matérias éperceptível o tom de alarme com que as notí-cias são construídas diante do tema: “paisa-gens deslumbrantes, sob risco de desapare-cer”, “celebração ancestral que agora, porcausa do aquecimento global, não usa maiso gelo”, “correm o risco de desaparecer oude afundarem na pobreza”, “porque elas vãoacabar”. Alarme que não se limita somenteaos enunciados e são perceptíveis durante amaioria das reportagens em frases como:

“A temperatura subiu e as geleiras quesempre quebram no verão começaram a sedesmanchar em um ritmo assustador”.

“No topo da África, um símbolo dessa tra-gédia. Durante seis dias caminhamos mon-tanha acima: a 5850 metros de altitude,mostramos o espetáculo que se prepara parao seu ato final”.

“Encontramos a geleira de Eki, imensa,imponente, um paredão congelado se er-guendo a 100 metros para fora da água.É um gigante que se desmancha diante dosnossos olhos”.

“Pedaços de gelo têm o tamanho de umônibus. Um bloco tem o tamanho de um pré-dio de 10 andares. Até que a face inteira vemabaixo e afunda no mar. É um espetáculolindo e assustador. O bloco que caiu tem aaltura das torres do Congresso Nacional”.

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“É uma imagem poética, que pode mudaros destinos de centenas de pessoas no pla-neta”.

“A velocidade com que a China chegar lávai determinar o futuro do planeta”.

“Alguns graus a mais na água e tudo podese perder”.

“Mudanças no clima sempre foram deter-minantes na história da humanidade. Agora,ameaçam também as janelas que nos permi-tem olhar o passado. Como a cidade de Ma-chu Picchu, no Peru, Centro da civilizaçãoinca”.

“O aumento do nível dos oceanos já des-trói paraísos isolados, avança pelo degraude cidades históricas e deixa evidente quequando a proximidade com a água se tornauma ameaça, as chances favorecem quemtem tecnologia e dinheiro”.

“Dias de tormenta no paraíso. Vento forte,correntes que mudam e aos poucos, refazemo mapa das praias de Vanuatu, no PacíficoSul”.

“Sem água e sem comida eles podem serexpulsos do paraíso, pagando por um pe-cado que outros cometeram, desmantelandouma cultura tão ligada a água que dela tiraarte em forma de música. Até quando?”

“Já embaixo, a 3 mil metros a equipe deapoio se despede com uma melodia que ecoana memória durante dias e ainda vai ecoarquando todas as neves do Kilimanjaro tive-rem sumido”.

Não bastasse a construção de frases deefeito sensacionalista, na primeira matéria ajornalista Sônia Bridi abre a série em tom deindagação ao telespectador. (...)a terra estáaquecendo, as espécies ameaçadas. Somosnós os culpados? Terra, que tempo é esse?Por que o clima está mudando?

O próprio nome da série associado conse-cutivamente ao termo clima não esclarece otelespectador sobre a diferença entre as duaspalavras (tempo e clima) e gera uma duplainterpretação.

Nas reportagens como um todo se percebea ausência das fontes nas informações uti-lizadas na matéria. Utilizam-se dados doIPCC, mas isso só fica claro a partir da sextareportagem que trata do aumento do níveldas águas em Veneza, na Itália e Vanuatu, noOceano Pacífico quando os dados utilizadossão de fato, creditados ao relatório. No ge-ral são utilizados termos generalizados paracreditar os dados contidos nas matérias. Ex-pressões como “os cientistas reconhecem” e“os cientistas se surpreenderam” são comu-mente utilizados após a afirmação dos da-dos quando na realidade a fonte deve ser ci-tada em sua totalidade para evitar informa-ções soltas ou que passem a impressão de seropinião do veículo ou do jornalista que emitea notícia.

Há uma tentativa de explicar em lingua-gem mais acessível o que é o efeito estufa,mas o pensamento esbarra exclusivamenteno aspecto negativo do fenômeno quando aciência reconhece que o mesmo foi de fun-damental importância para o equilíbrio tér-mico e garantia de vida na terra. Tratando-se,portanto, de um fenômeno natural que vemsendo intensificado nos últimos anos.

Os pesquisadores ouvidos durante asreportagens representam ou defendem asideias do IPCC. Há entrevistas com pes-quisadores brasileiros, como Carlos Nobre,do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) eestrangeiros como o físico Jay Swally, daNational Aeronautics and Space Adminis-tration (NASA) e Mark Sereeze, do Natio-

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nal Oceanic and Atmospheric Administra-tion (NOAA).

Percebe-se uma tentativa de mostrar ateoria dos estudiosos que defendem ou-tras causas sem ser a antropogênica para oaquecimento global, os chamados “céticos”,quando relata, por exemplo, o escândalo dose-mails ocorrido no ano de 2009, conhecidocomo Climagate. Mas ao invés de emitiro pensamento dessa linha de pesquisa deforma a equilibrar os discursos e ouvir osdois lados da temática, praticando o princí-pio da neutralidade e imparcialidade jorna-lística, há um discurso de opinião por parteda jornalista. Como ocorre na frase:

“Os cientistas ainda respondem aos ar-gumentos dos que negam que o responsávelpelo aquecimento global é o homem. Comoos que dizem que a terra esquenta por causada atividade vulcânica. É bem o contrário”.

O discurso jornalístico toma o lugar dodiscurso científico; a própria mídia passa aafirmar o que é verdadeiro e o que é falsoem um assunto que até mesmo os cientistasdivergem (Moser & Neto, 2011, p. 3).

Dessa forma, para que o discurso pareça omais neutro e isento possível se faz necessá-rio dar mais espaço para a linha de pesquisacontrária as causas defendidas pelo IPCC, oque não aconteceu durante as reportagensexibidas.

Alguns pontos positivos foram observa-dos no conteúdo mostrado, como a tentativade aproximar o público brasileiro ao con-texto mostrado nos países visitados, atravésde comparações que podem facilitar a apro-ximação do telespectador ao local que estásendo mostrado geograficamente na matéria.Como em:

“Estamos na Groelândia, 400 quilômetrosao norte do Círculo Polar Ártico. A maior

ilha do mundo, uma área do tamanho dosestados do Amazonas, Acre, Rondônia e Ro-raima juntos, é coberta por um manto degelo de até três quilômetros e meio de espes-sura”.

Mas no geral, percebe-se que a discussãotoma o caminho do espetáculo, com a utili-zação de termos que apontam para uma ca-tástrofe ambiental com culpados, no caso, asociedade que produz os gases que intensi-ficam o efeito estufa. Há inclusive o uso determos exagerados que não condizem com asimagens mostradas, como na frase:

“O impacto provocou um pequeno tsu-nami que espantou as aves e foi perdendoforça até chegar ao nosso barco, afastando400 metros da geleira. Tanto quanto a visão,o barulho de trovão do gelo se quebrandoimpressiona”.

Vale ressaltar que não há uma explicaçãoclara para o telespectador sobre a escolha dascidades mostradas nas matérias, por que fo-ram escolhidas? e em quais estudos forambaseados? Após analisar os vídeos percebe-se a fundamentação no IPCC, mas isso nãofica claro para o telespectador, justamentepela carência em creditar os dados e os insti-tutos de pesquisas que os levantaram.

A mensagem da última reportagem dizque é preciso consertar o problema, mas nãose explica como, já que as alternativas, deprodução de energia limpa, por exemplo, fi-caram sob a responsabilidade dos governosde onde foram feitas as matérias e foram mí-nimas se comparadas ao contexto geral mos-trado na série como um todo. Na última fraseo discurso que resume o tom de opinião e au-sência de alternativas:

“Nos 12 países pelos quais passamos aspessoas se perguntam: que tempo é este?Um tempo transformado pela ação humana.

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E a ação humana ainda pode impedir opior”.

Considerações FinaisOs noticiários na televisão são concebidoscomo um espetáculo. São elaborados maiscomo entretenimento do que como informa-ção, ou, pelo menos, para informar atravésdo entretenimento. (Ferrés, 1998). A sérieanalisada neste trabalho reflete essa ideia deentretenimento associada ao jornalismo ao sevaler de imagens, recursos sonoros e um dis-curso alarmista para chamar atenção do te-lespectador sobre as causas ligadas ao aque-cimento global.

No entanto, faz-se necessário ir além dalinguagem acessível e dos recursos audio-visuais. É preciso comunicar esse saber,traduzi-lo sem o peso do jargão ecológico-científico, torná-lo inteligível ao maior nú-mero de pessoas” (Trigueiro, 2005).

(...) os discursos sobre o conheci-mento científico do problema dasmudanças climáticas, e sobre osinteresses e valores nele envolvi-dos, criam “o ‘milieu’, o meioou ambiente, em que as decisõespolíticas são tomadas.” (Carvalho,1999, p.6). É nesse contexto que osjornalistas adquirem um papel im-portante ao reproduzir os discursosque circulam sobre o tema no es-paço social. O sentido associado àquestão na mídia também dependede seus profissionais, valores, for-mação e experiência, bem como darelação com suas fontes. (Rubin,2011, p. 20).

No entanto, essa temática precisa evoluirno sentido da produção jornalística e da pró-pria relação entre jornalistas e cientistas, poisos profissionais parecem conhecer superfici-almente o tema e não buscam novos olharesou pontos de vista para a construção das no-tícias. O tempo passa e a impressão que setem é que o discurso permanece o mesmo epouco se evolui no sentido de produzir con-teúdos que despertem a atenção do telespec-tador para novos olhares, pontos de vistas oupara o real sentido da produção do conheci-mento científico que não possui uma verdadeabsoluta e está sempre em busca de avançarnas teorias nas mais diversas áreas.

No que diz respeitos às mudanças climáti-cas, Carvalho (2011) concluiu em seu estudoque, enquanto alguns associam as alteraçõesclimáticas à investigação científica e a veemcomo uma questão complexa, outros a asso-ciam a estados do tempo. Assim, para os úl-timos, a saliência de questões relacionadasàs alterações climáticas dá-se em função deocorrências atmosféricas específicas.

(...) não se trata de negar, contudo,certa importância que até hoje asmatérias sobre o assunto tiveram –e têm – no âmbito da divulgaçãode informações sobre meio ambi-ente, conferindo progressiva buscamundial de alternativas à poluiçãoque o homem causa ao ambiente.Não se trata também, de tomar par-tido frente à existência, ou inexis-tência, do aquecimento global; oujulgá-lo ou não como fruto do ho-mem, embora se saiba que o ana-lista de discurso nunca é neutro emsua análise. Contudo, acredita-seapós esta pesquisa que esse jul-

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gamento não cabe aos jornalistas,mas aos cientistas (Moser & Neto,2011, p.5).

Nesse caso, sugere-se uma mudança defoco da cobertura jornalística para outros te-mas de mesma relevância e que necessitamde uma discussão mais urgente, mas que amídia só aborda em fatos isolados, comoacontece com as temáticas da desertificação,perda de biomas, poluição das águas dosoceanos e tantos outros que necessitam deum diálogo e uma reflexão mais imediata emfunção das profundas alterações ambientaisque estão ocorrendo, mas que a mídia parecesó lembrar próximo ou durante a realizaçãodas grandes conferências.

A questão das mudanças climáticas pre-cisa, portanto, passar por uma apreciaçãomais refinada a fim de que se possa determi-nar, com maior consistência, o papel da natu-reza e o da ação humana no processo, mesmoporque as duas esferas podem atuar de formasolidária e intercambiar influências. Cená-rios de catástrofes, freqüentemente apresen-tados na mídia de forma simplista, sem o ne-cessário questionamento, devem ser descar-tados, pois, seguramente, o planeta não estácaminhando para o colapso, em curto prazo,e ainda não dispomos de informações se-guras para previsões muito distantes (Conti,2005, p. 74).

É preciso avançar, propor o diálogo entreessas áreas de conhecimento para que a po-pulação possa se valer do real significado eentendimento dessas questões. A populaçãonecessita de conteúdos mais neutros e impar-ciais para orientá-la de maneira mais ética ecidadã em assuntos que são do seu interesse.Da forma que está, conforme defende Oli-veira (2002), a cobertura jornalística nessa

área não oferece ao público informações queo orientem, por exemplo, sobre como parti-cipar ou influir nas decisões políticas que sãotomadas.

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