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1 O BURACO DA FECHADURA DAS REDES SOCIAIS VIDA REAL VERSUS VIDA VIRTUAL Fernanda Soares de Miranda Santos INTRODUÇÃO O presente artigo aborda o tema “Vida Real versus Vida Virtual”, tendo por finalidade explorar as novas formas de interação da sociedade, suas consequências e limites. O objetivo principal deste estudo, que tem como base a revisão literária, é identificar analogias comportamentais do real e do virtual nas redes sociais, tomando na maior parte das vezes o popular facebook como exemplo. Os objetivos específicos pautam-se no aprofundamento das influências psíquicas, da moral e da cultura em geral agindo sobre as ações em rede. Busca-se a identificação das instâncias que regem as manifestações interativas e comunicacionais do indivíduo, a fim de compreender o papel do ego e do alterego neste contexto. As redes sociais se apresentam como um novo mundo que nos permite tornar público coisas que não ousaríamos dizer face a face. Estudar as formas de expressão através de imagens e frases feitas, bem como comentários e páginas relacionadas ao usuário pode delimitar novos perfis de conduta na sociedade. Empresas, por exemplo, já buscam os perfis de candidatos, procurando entender a postura e valores pessoais de quem pretendem contratar. A tecnologia nos mostrou um novo caminho. Neste caminho precisamos de um saber diversificado, entramos em contato com nós mesmos e com o outro. Precisamos entender o isolamento que aproxima e os limites de algo que parece sem fronteira. Transformamo-nos em vozes, imagens e palavras. Já fomos transformados em números e agora somos perfis, que às vezes são múltiplos. Somos seres sociais e tentamos nos inserir, abrindo-nos para uma sociedade virtual. Essa realidade traz consigo maneiras distintas de comunicação, que podem vir a ajudar ou podem criar estruturas de maior distanciamento da realidade. Pode-se dizer que neste novo mundo a realidade passaria a ser aquela que outrora era chamada de virtual. Os extremos se confundem e essa confusão abre brechas para novos públicos sedentos de participação e atenção. Essa tênue linha entre o real e o virtual que vem mudando as relações sociais já foi percebida por vários autores que trazem em suas narrativas visões diversificadas sobre o assunto. Para alcançar os objetivos deste artigo, utilizaremos as visões de alguns desses autores para

Artigo Nanda Soares O Burraco Da Fechadura Das Redes Sociais

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O Burraco Da Fechadura Das Redes Sociais

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    O BURACO DA FECHADURA DAS REDES SOCIAIS

    VIDA REAL VERSUS VIDA VIRTUAL

    Fernanda Soares de Miranda Santos

    INTRODUO

    O presente artigo aborda o tema Vida Real versus Vida Virtual, tendo por finalidade

    explorar as novas formas de interao da sociedade, suas consequncias e limites. O objetivo

    principal deste estudo, que tem como base a reviso literria, identificar analogias

    comportamentais do real e do virtual nas redes sociais, tomando na maior parte das vezes o

    popular facebook como exemplo. Os objetivos especficos pautam-se no aprofundamento das

    influncias psquicas, da moral e da cultura em geral agindo sobre as aes em rede. Busca-se

    a identificao das instncias que regem as manifestaes interativas e comunicacionais do

    indivduo, a fim de compreender o papel do ego e do alterego neste contexto.

    As redes sociais se apresentam como um novo mundo que nos permite tornar pblico coisas

    que no ousaramos dizer face a face. Estudar as formas de expresso atravs de imagens e

    frases feitas, bem como comentrios e pginas relacionadas ao usurio pode delimitar novos

    perfis de conduta na sociedade. Empresas, por exemplo, j buscam os perfis de candidatos,

    procurando entender a postura e valores pessoais de quem pretendem contratar.

    A tecnologia nos mostrou um novo caminho. Neste caminho precisamos de um saber

    diversificado, entramos em contato com ns mesmos e com o outro. Precisamos entender o

    isolamento que aproxima e os limites de algo que parece sem fronteira. Transformamo-nos

    em vozes, imagens e palavras. J fomos transformados em nmeros e agora somos perfis, que

    s vezes so mltiplos. Somos seres sociais e tentamos nos inserir, abrindo-nos para uma

    sociedade virtual. Essa realidade traz consigo maneiras distintas de comunicao, que podem

    vir a ajudar ou podem criar estruturas de maior distanciamento da realidade. Pode-se dizer que

    neste novo mundo a realidade passaria a ser aquela que outrora era chamada de virtual. Os

    extremos se confundem e essa confuso abre brechas para novos pblicos sedentos de

    participao e ateno.

    Essa tnue linha entre o real e o virtual que vem mudando as relaes sociais j foi percebida

    por vrios autores que trazem em suas narrativas vises diversificadas sobre o assunto. Para

    alcanar os objetivos deste artigo, utilizaremos as vises de alguns desses autores para

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    discorrer sobre subjetividade, relao homem-mquina, comunicao, cognio, cultura, o

    inconsciente, o ego, o alterego, as relaes sociais, redes sociais, dentre outros que constituem

    ligaes importantes para o tema abordado.

    A atualidade se apresenta em constante mutao e, com a presena de tantos meios e redes,

    personalidades tentam se delinear. O impensvel agora j se faz possvel e o espao virtual

    est propcio para que se possa ser o que se quer ser. Mas este ser implica tambm

    mudanas no modo de se relacionar. A comunicao face a face, temida por muitos, pode ser

    colocada de lado desde que haja a conexo. Vamos adentrar nos aspectos desta conexo que

    algumas vezes precisa de mais tempo e menos distrao; precisa do receptor preocupado com

    o emissor, de limites e liberdades.

    Gil Giardelli (2012, p. 16) traz uma reflexo sobre a era em que vivemos, ressaltando que as

    pessoas se deslocam pelo tecido social como se estivessem no piloto automtico, como

    viajantes robotizados programados para no questionar, no falar, no ouvir. Apenas

    sintonizar e conectar-se. O mundo avana silenciosamente nessa bolha. Nesse sentido,

    preciso avaliar as nuances da sociedade e seus paradigmas. O mundo globalizado, tecnolgico

    e especificamente das redes sociais traz tambm a fragmentao da informao e precisa de

    filtros para que, no futuro, a comunicao mediada por mquinas no seja nica ou

    dominante.

    Diante do exposto, prope-se confrontar novos modos de perceber e viver a vida, trazendo o

    cotidiano como fonte de informao, alm de confrontar a presena do real e do virtual em

    mbito individual e coletivo. Para o desenvolvimento deste projeto determinou-se a reviso

    literria ou bibliogrfica e observao das redes sociais, mais especificamente do facebook.

    1- CULTURA E REDES SOCIAIS: OS NOVOS MODOS DE EXPRESSO E

    INTERAO

    O ser humano busca sempre novas formas de se expressar. As redes sociais tornaram-se

    caminho para uma comunicao que delineia a diversidade de interaes e interatividades nas

    relaes sociais, revelando tambm novos comportamentos e uma nova cultura.

    Motta e Caldas definem a cultura como um

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    conceito antropolgico e sociolgico que comporta mltiplas

    definies. Para alguns, a cultura a forma pela qual uma

    comunidade satisfaz as suas necessidades materiais e

    psicossociais. Implcita nessa ideia est a noo de ambiente

    como fonte de sobrevivncia e crescimento. Para outros, cultura

    a adaptao em si, a forma pela qual uma comunidade define

    seu perfil em funo da necessidade de adaptao ao meio

    ambiente. (MOTTA e CALDAS, 1997, p.16)

    Segundo Giardelli (p. 17, 2012), o computador, ou a interao mediada pelo computador,

    altera nossa cultura e nos obriga a repensar valores e costumes. Problemas que antes no

    existiam passam a fazer parte da trajetria da sociedade humana em rede e apresentam pontos

    importantes do que a vida conectada faz por ns e do que ela faz conosco.

    Figura 1 Fanpage Problemas do Mundo Real - https://www.facebook.com/ProblemasDoMundoReal

    Entende-se como interao o processo de comunicao que culmina na troca efetiva,

    colaborativa e agregadora de contedos e vivncias. Segundo Alex Primo (2007, p. 13), as

    relaes socioculturais emergentes com as tecnologias de comunicao e informao

    precisam ser confrontadas dentro do contexto de cognio e cibercultura. A partir de uma

    abordagem sistmico relacional, o conceito de interao trazido por Primo, que ser utilizado

    neste artigo, deve ser entendido como ao entre os participantes do encontro. Ou seja, no

    se pode entender interao como o mero envio e recepo de informaes, mas deve-se levar

    em conta todo o processo cognitivo de entendimento da mensagem. Vale ressaltar uma

    passagem explicativa sobre o que no interao para assimilar o que de fato .

    https://www.facebook.com/ProblemasDoMundoReal

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    Interagir no algo que algum faz sozinho, em um vcuo.

    Comunicar no sinnimo de transmitir. Aprender no

    receber. Em sentido contrrio quer-se insistir que interao um

    processo no qual o sujeito se engaja (PRIMO, 2007, p. 71).

    Ou seja, deve ocorrer uma troca significativa, que faa sentido para ambas as partes, que

    busque o envolvimento. A interao mediada por computador precisa ir alm da mquina e

    ampliar as formas de se relacionar.

    A relao em rede abre caminho para novas formas de interagir e novas possibilidades de

    relacionamento. Ao mesmo tempo em que nos aproximamos virtualmente, nos afastamos no

    cotidiano real. Vivemos a fase da proximidade distante e da distncia que aproxima.

    Nesse mundo em rede, podemos estar solitrios, mas jamais

    estaremos sozinhos. [...] Na dualidade digital, pessoas criam

    identidades imaginrias, usam avatares e passam horas, dias,

    anos em uma existncia paralela, com amigos virtuais em uma

    encenao sria da vida. O poder do computador, com seu dom

    de simulao e visualizao, muda nosso jeito de pensar e altera

    toda a nossa cultura. Precisamos repensar conceitos, revisitar

    costumes, resolver problemas que nunca sonhamos que um dia

    teramos, causados por essa interface dbia entre o real e o

    virtual. (GIARDELLI, 2012, P.17)

    Giardeli traz tona o confronto entre o mundo virtual e o real, sobre os quais cabem algumas

    analogias. A vida social real transferida para a vida social em rede, que adquire algumas

    regras equiparadas e at mesmo organizaes especficas. Ali esto as redes empresariais

    acompanhadas do perfil profissional que deve conter determinados conceitos e seguir a

    dinmica proposta. Existem os grupos dos quais se faz parte e tambm aquelas redes que

    apenas agregam meras presenas, sem qualquer participao que defina um interagente, isto ,

    pessoas que fomentem alguma troca ou interao. Sob um olhar mais simplista, pode-se citar

    atitudes e costumes como, por exemplo, o fato de observar a vida alheia. Nos tornamos

    namoradeiras beira de janelas na internet. Observar a vida dos outros e at mesmo comentar

    sobre os episdios do cotidiano alheio uma ao que ganha permisso. E no mundo das

    redes sociais muita coisa est permitida. Os caminhos se abrem para novas formas de

    expressar e do voz a quem outrora no se revelava ou manifestava. A sociedade conectada

    confunde os limites da vida, ressalta Giardelli (2012), que tambm evidencia o poder da

    comunicao intermediada pelas mquinas.

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    Quando se fala de informao, expresso e comunicao, Dominique Wolton (2003, p.103)

    traz tona o indivduo frente s novas mdias e discorre sobre as solides interativas, termo

    que se enquadra no contexto de uma sociedade permeada pela liberao de regras e

    obrigaes, num lugar onde o prato est posto na mesa e todos podem entrar em contato,

    provando o sabor sem de fato matar a fome. Em algum momento se perde a interao da vida

    real para uma mera interatividade, na qual no se tem uma troca essencial e as informaes

    apenas se encontram brevemente, dando lugar para outras conexes que tambm passam sem

    mais delongas. Na realidade, sempre chega o momento em que preciso desligar as

    mquinas e falar com algum (WOLTON, 2003, p.103).

    A todo momento surgem novas tecnologias, novas redes sociais e as informaes vm

    atropelando a velocidade possvel para absoro e degustao de contedos. O excesso de

    conexes e de informaes d margem para o cansao mental, que contribui para que muitas

    informaes importantes se percam no processo. E nesse meio, nesse tempo diferenciado,

    encontram-se os avatares da sociedade em rede, que so os representantes virtuais das

    personalidades que esto por trs das imagens e mensagens apresentadas nos perfis. Sob a luz

    desse contexto, as mquinas e as ferramentas tornam-se extenso do corpo.

    2 - O DILEMA DO SER OU NO SER NAS REDES SOCIAIS

    Nas redes sociais as personalidades se distinguem; fatos em fotos se misturam a uma

    quantidade imensa de informaes sobre aquilo que se faz, o que se fez ou ainda ser feito. H

    quem diga ser possvel se relacionar com todas as conexes feitas na internet, mas avaliando

    mais de perto, percebe-se que isso tambm como no mundo real: temos uma rede de amigos,

    conhecidos, referncias e admirveis que tm acesso ao nosso cotidiano, incluindo

    pensamentos e localizaes. Mas deve-se avaliar at que ponto a exposio benfica e/ou

    real, ainda mais no mundo virtual.

    O mundo on-line parece um grande palco de teatro de espelhos,

    no qual o tmido se torna extrovertido, o calmo se torna visceral,

    o rude se torna romntico. A inconvenincia da verdade criar

    um alterego digital acima da lei, viver uma vida paralela

    completamente diferente da real, que permite namorar em Paris,

    tomar caf com amigos virtuais em Roma, pular de paraquedas

    do Everest ou visitar uma praia de hedonismo no Caribe.

    (GIARDELLI, 2012, p.17)

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    Um alterego digital seria a extenso do Eu na rede. Primeiramente deve-se ressaltar que por

    trs de cada perfil est a personalidade de um ser humano, dotado de uma construo psquica

    e moral que lhe direciona na vida como um todo. Portanto, o ser ou no ser nas redes sociais

    implica tambm o modo como a pessoa enxerga sua presena nesse meio. Muitas vezes

    revelam-se gostos, valores esquecidos e renovados. No facebook, por exemplo, em cada post,

    em cada curtida, comentrio ou compartilhamento est um pouco da essncia de cada um. Em

    alguns momentos surge apenas um breve curtir para dizer que concorda. Em outras ocasies

    existem as manifestaes do que se pensa e sente, trazendo tona a carga emocional e moral

    vigente. Ali est um mundo onde tudo parece se encaixar, onde as fotos so as mais bonitas e

    as histrias da linha do tempo contam a parte interessante de si mesmo. Como disse Giardelli,

    todo mundo deseja uma vida perfeita, mesmo que seja virtual.

    Aprofundando um pouco mais sobre o tema, chegamos teoria estrutural da mente,

    desenvolvida por Freud. Pode-se dizer que nas redes sociais tambm projetamos nosso

    inconsciente, alm do consciente, isto , exibimos em comunicaes diretas ou indiretas

    nossos pensamentos, sonhos e verdades construdas. A teoria estrutural da mente aborda o id,

    o ego e o superego, instncias que funcionam em diferentes nveis de conscincia.

    Segundo Freud, o id considerado a reserva do inconsciente dos desejos e impulsos de

    origem gentica, voltados para a preservao e propagao da vida (LIMA, 2009, p. 281).

    Regido pelo princpio do prazer, o id no tem limites, podendo ser associado parte que nos

    induz a produzir mensagens e nos faz sair comentando ou compartilhando sem pensar em

    qualquer julgamento alheio. J o ego, segundo Freud, regido pelo princpio da realidade,

    que o fator que se incumbe do ajustamento ao ambiente e da soluo dos conflitos entre o

    organismo e a realidade (LIMA, 2009, p. 281). O ego faz a mediao entre o id e o mundo

    exterior, o que nas redes sociais se exemplificaria no discernimento e bom senso para realizar

    determinadas postagens, pois se utiliza da lgica e da imposio de limites e convenincia.

    Isso caracteriza tambm a reproduo de experincias e mensagens que possam

    propositalmente culminar ou repercutir positivamente sobre o autor da mensagem. So posts

    espera de curtidas, comentrios e compartilhamentos.

    J o superego definido como um juiz ou um censor relativamente ao ego. Freud v na

    conscincia moral, na auto-observao, na formao de ideais, funes do superego (LIMA,

    2009, p. 281). Ou seja, as concepes individuais que se embasam na moral advinda da

    famlia e da sociedade formam um escudo de censuras para os desejos e impulsos que advm

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    do id. Nessa instncia, mensagens inapropriadas e exacerbadas so reprimidas. Em caso

    contrrio, ocorrem as exposies sujeitas a julgamentos negativos, que posteriormente iro

    interferir no modo como as pessoas enxergam um perfil que expressa a essncia da pessoa em

    si.

    Voltando ao alterego digital citado por Giardelli, podemos inferir que, alm de transferir essas

    trs partes da personalidade para o convvio do mundo virtual (id, o ego e superego), em

    alguns casos tambm se tem agregado essa quarta parte, caracterizada como um outro Eu

    que se faz presente na inconscincia, como uma identidade secreta revelada em simples frases

    soltas ou, de modo mais direto, assumindo novas caras, nomes e perfis. Em uma breve

    pesquisa no buscador Google, possvel encontrar diversas opes para se diferenciar como

    um avatar nas redes sociais. Os servios on-line para criao desses representantes permite

    que se monte um personagem com a face pretendida a fim de se mostrar na rede. Desse modo,

    torna-se possvel at mesmo associar a prpria imagem a personagens famosos, se construir

    com melhores traos e desapegar-se da aparncia de sempre. Servios como The Simpsons

    Avatar, FaceYourManga, The Mini-mizer, Clay Yourself, Otaku Avatar Maker, South Park

    Studio, dentre outros, oferecem distintas possibilidades.

    O mundo virtual proporciona o poder para ser quem se quer ser no espao relacional, sem se

    declarar, ou, at mesmo para mostrar aquilo que no se tem coragem para ressaltar na vida

    social em geral. Para a psicanlise, o alterego o eu inconsciente, melhor descrito como

    algum bastante ntimo sobre quem se deposita total confiana (wikipedia), uma

    representao da melhor essncia, seja essa definida como a mais poderosa, ou a mais

    carinhosa, ou mais sagaz, ou herica etc.

    Neste momento, entra no somente a carga da cultura em que a pessoa est inserida, mas

    tambm toda a sua experincia de vida e subjetividade. Tomando as palavras de Suely Rolnik

    para explicar o que esta subjetividade, nos deparamos com aquilo que ainda nos passa

    despercebido e que, de algum modo, tenta se expressar nas redes sociais. Por ora, o que

    vislumbramos da subjetividade o perfil de um modo de ser de pensar, de agir, de sonhar,

    de amar etc que recorta o espao, formando um interior e um exterior (Rolnik, 2005, p.25).

    Segundo a autora, temos um olhar desatento que enxerga uma superfcie compacta, que nos

    d a impresso de que o perfil imutvel. Eis que surge a necessidade da multiplicidade de

    olhares sobre essa questo que possui diversas fronteiras ainda no ultrapassadas. A separao

    entre o mundo interior e exterior se mescla separao entre o virtual e o real. O mundo

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    interior parece se expressar muito mais no espao virtual, sem necessariamente que a prpria

    pessoa que expressa se d conta disso. H riscos e vantagens nesse contexto.

    Gil Giardelli evidenciou uma questo importante sobre o ser ou no ser nas redes sociais,

    trazendo uma reflexo intitulada Voc o que voc compartilha. Se existe separao entre o

    real e o virtual, pode-se dizer que inteiramente somos o que compartilhamos? A presena na

    rede tambm sofre a influncia da moral e da cultura na qual a pessoa est inserida. Portanto,

    pode-se dizer que existem manifestaes das instncias psquicas mais profundas, como o id,

    e tambm que aflora um novo modo de expresso e interao. Neste novo cenrio, criam-se

    caminhos para distores, para revelaes e confirmaes de determinadas personalidades.

    Pessoas se fazem passar por outros muito antes das redes sociais chegarem. Outras atmosferas

    que exemplificam isso so os chats, que apresentam um ambiente virtual onde possvel

    utilizar apelidos e criar verses de si mesmo.

    3- O LIMITE ENTRE O REAL E O VIRTUAL

    Atravs das redes sociais vemos pessoas expressando no somente suas ideias, mas tambm

    valores, preconceitos e sentimentos, muitas vezes dos mais ntimos. um caderno mostra,

    um dirio aberto. Conflitos como admitir um relacionamento srio ou no, por exemplo,

    passam para o status do facebook. O que se diz reflete instantaneamente na vida pessoal e

    profissional. As pessoas se conectam e se encontram em um mundo imaginrio que oferece a

    chance de interao no amplo sentido da comunicao digital.

    As palavras aparecem cada vez menos. Agora vdeos e imagens com frases feitas j so

    capazes de expressar o humor do dia. O dilogo e a leitura tornaram-se fragmentados e no

    lineares. Nesse ambiente possvel realizar atividades corriqueiras em jogos de passatempo e

    receber os parabns de mais de 200 amigos, ainda que no se tenha tido qualquer ligao ou

    abrao.

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    Figura 2 Seu Post - http://www.seupost.net/aniversrio-no-facebook-224688.html

    O contato interpessoal mudou de figura. Alex Primo (2007, p. 65) diz que o comportamento

    de uma pessoa afeta o comportamento do outro interagente, ao mesmo tempo em que o

    primeiro afetado pelo outro. Mas quando se trata de uma mera interao pessoa e mquina,

    a reao depender do que foi previamente programado.

    Avaliando tambm a qualidade da interao, fazemos referncia ao tempo utilizado para o ato

    de comunicar. Na rede somos atropelados por uma avalanche de informaes que chegam de

    todos os lados devido imensa quantidade de contatos e tambm necessidade de se saber

    muito em pouco tempo. Mas isso no implica saber profundamente, e sim apenas estar ciente.

    Dominique Wolton (2003) usou o termo solides interativas para explicar uma sociedade na

    qual as pessoas, liberadas de obrigaes e regras, tambm confirmam a dificuldade real de

    entrar em contato com o outro. Afinal, pode-se ser um exmio internauta e ter grandes

    dificuldades em estabelecer um dilogo com o vizinho do cibercaf (WOLTON, 2003, p.

    103). As dificuldades em se relacionar trazem mais pessoas para a provvel segurana do

    mundo virtual, onde se recriam prazeres e conflitos comuns do dia a dia, mas sem o

    enfrentamento necessrio do olho no olho, da comunicao face a face. Ali sempre h uma

    sada, um clique para a desconexo. Contraditoriamente, a vida est exposta nas redes sociais,

    vista para anlises, julgamentos e intervenes.

    http://www.seupost.net/aniversrio-no-facebook-224688.html

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    Figura 3 Projeto Sintonize - http://projetosintonize.wordpress.com/2011/05/26/conectado-ou-desconectado/

    Com a internet, no h mais o que se chama, de maneira inbil,

    de vida privada, mas que exprime, contudo, uma vontade de

    poder conservar uma distncia entre si e os outros, de fechar as

    portas. [...] Subsiste um espao onde cada um fabrica a sua

    liberdade. (WOLTON, 2003, p.105)

    A liberdade gerada pelas possibilidades da interao on-line deve ser confrontada quando se

    torna tambm carcereira da vida real. O quarto passa a ser a cela, o computador a porta e as

    redes sociais o buraco da fechadura por onde se pode espiar e saber o melhor momento para

    se manifestar de acordo com o que as pessoas esperam. Ou , ao contrrio, reagir de modo

    inesperado. As pessoas ficam presas em atitudes muitas vezes narcisistas, declaram a falta de

    ateno e tambm esperam serem ouvidas e pronunciadas. Uma infinidade de sentimentos

    aflora e morre nas redes sociais, sem qualquer banho de sol.

    No livro intitulado Abaixo das Nuvens (CARVALHO, Lucas M., 2012) a vida apresenta-se

    retratada atravs da era virtual. A histria se passa em 2064, um futuro no muito distante, e

    conta a saga de uma humanidade que no interage entre si, a no ser pelo plano virtual. O

    isolamento das pessoas, ou as solides interativas de Wolton (2003), aparece com fora

    total. Na trama, os usurios do plano virtual podem assumir diversas formas ou avatares e

    viver a vida por ali, ou seja, estudar, consumir, trabalhar e se relacionar atravs de imagens,

    tudo mediado por um complexo simulador eletrnico. Ali o espao livre para fazer o que

    quer, sem referncias reais sobre aqueles que esto do outro lado da mquina.

    http://projetosintonize.wordpress.com/2011/05/26/conectado-ou-desconectado/

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    O limite entre o real e o virtual totalmente ultrapassado e o alterego ganha bastante

    destaque. Na obra de Lucas M. Carvalho (2012), o usurio 097033, narrador principal, mostra

    o seu ponto de vista sobre o sistema que capaz de banir, como na vida real, as pessoas que

    no se enquadram na sociedade estipulada. Os usurios que excedem a cota de projeo do ser

    ficam endividados, tm seus avatares e dados confiscados.

    Em uma passagem do livro um homem que se dizia uma bela princesa, na verdade era um

    homem deitado em uma cama com um processador virtual, que descrito da seguinte

    maneira: um ser repugnante, medocre e digno de pena. Era um ser humano. O usurio

    274850 era quase uma aberrao, obeso mrbido, pegajoso (CARVALHO, 2012, p.12). Uma

    fico que poderia expressar o futuro da humanidade que se deixa tomar pela tecnologia e

    esquece a interao face a face, se afasta do mundo real, onde se faz necessrio aprender a

    lidar com as prprias angstias e desejos (nosso id) e dosar as culpas sentidas (nosso

    superego).

    4- CONSIDERAES FINAIS

    As relaes sociais ganham novos formatos e, ao mesmo tempo em que se tem toda a ateno

    voltada para a presena on-line, tambm se criam distanciamentos. As redes sociais revelam

    valores e comportamentos das pessoas, apresentando reforo negativo ou positivo que

    contribuem para a manuteno ou mudana de atitudes e posicionamentos.

    Por fim, conclui-se que ainda estamos no caminho, mas j encontramos indcios de uma era

    que est se configurando com muitas adaptaes: a era virtual. As mquinas nos acompanham

    e ns acompanhamos as mquinas. O mundo on-line permite que sejamos mltiplos, e nessa

    multiplicidade encontram-se inseridas a nossa cultura, nossa moral e costumes. O virtual, ao

    mesmo tempo em que abre caminhos para que as pessoas possam se expressar e ganhar voz

    na sociedade, tambm cria escudos que legitimam a distncia e prejudicam a comunicao

    face a face.

    As opes para se transformar e assumir novas personalidades geram um certo desconforto

    quando se pensa que essa no a melhor sada para resolver problemas de relacionamento e,

    por outro lado, proporciona alvio queles que de fato no conseguem se integrar e interagir

    no mundo real. Portanto, vivemos em um mundo cheio de contradies, no qual as redes

    sociais assumem papel importante na manuteno de laos, na comunicao e interao.

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    As redes sociais, vistas como buracos de fechadura, revelam mais do que muitos poderiam

    prever ou mesmo imaginar. Ali, tanto o inconsciente quanto o consciente se manifestam.

    Nesse contexto, deve-se tomar cuidado para que, na mistura entre virtual e real, no deixemos

    de viver a coletividade, o contato com o prximo, a troca genuna de experincias e,

    principalmente, que possamos evitar a descaracterizao de ns mesmos.

    REFERNCIAS

    GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. Freud e o inconsciente. 24 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar

    Ed., 2009.

    GIARDELLI, Gil. Voc o que voc compartilha: e-agora: como aproveitar as oportunidades

    de vida e trabalho na sociedade em rede. So Paulo: editora Gente, 2012.

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