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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ ALBERTISA RODRIGUES ALVES O SIGNIFICADO DO PROCESSO DE ENFERMAGEM PARA ENFERMEIROS: uma abordagem interacionista FORTALEZA – CEARÁ 2007

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR

    ALBERTISA RODRIGUES ALVES

    O SIGNIFICADO DO PROCESSO DE ENFERMAGEM PARA ENFERMEIROS: uma abordagem interacionista

    FORTALEZA CEAR 2007

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    Albertisa Rodrigues Alves

    O SIGNIFICADO DO PROCESSO DE ENFERMAGEM PARA ENFERMEIROS: uma abordagem interacionista

    Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado Acadmico Cuidados Clnicos em Sade do Centro de Cincias da Sade da Universidade Estadual do Cear, como requisito para obteno do Ttulo de Mestre.

    rea de Concentrao: Cuidados Clnicos em Enfermagem.

    Orientadora: Prof. Dr. Consuelo Helena Aires de Freitas Lopes

    Fortaleza Cear 2007

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    FICHA CATALOGRFICA

    Universidade Estadual do Cear

    A474s Alves, Albertisa Rodrigues O significado do processo de enfermagem para enfermeiros:

    uma abordagem interacionista / Albertisa Rodrigues Alves. Fortaleza, 2007.

    94 f. il.; 30 cm.

    Orientadora: Profa. Dra. Consuelo Helena Aires de Freitas Lopes. Dissertao (Mestrado Acadmico Cuidados Clnicos em

    Sade) Centro de Cincias da Sade, Universidade Estadual do Cear.

    rea de concentrao: Enfermagem.

    1. Avaliao de processos. 2.Cuidado em Sade. 3. Relaes interpessoais. I. LOPES, Consuelo Helena Aires de Freitas. II. Ttulo.

    CDD: 610.30

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    Curso de Mestrado Acadmico Cuidados Clnicos em Sade

    Ttulo do Trabalho: O SIGNIFICADO DO PROCESSO DE ENFERMAGEM PARA ENFERMEIROS: uma abordagem interacionista

    Autora: Albertisa Rodrigues Alves.

    Aprovada: 26/02/2007

    Banca Examinadora

    _________________________________________

    Prof. Dr. Consuelo Helena Aires de Freitas Lopes Universidade Estadual do Cear

    Presidente

    _________________________________________

    Prof. Dr. Raimunda Magalhes da Silva Universidade de Fortaleza

    _________________________________________

    Prof. Dr. Maria Salete Bessa Jorge Universidade Estadual do Cear

    _________________________________________

    Prof. Dr. Maria Veraci Oliveira Queiroz Universidade Estadual do Cear

    Suplente

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    A quem ofereo:

    Ao meu adorado DEUS, que de graas e bnos alimenta minha vida e sustenta meu esprito.

    Em memria de meu querido pai, que com certeza nunca me deixou, tudo que sou devo aos seus ensinamentos.

    minha me, minha razo de ser, minha fora e exemplo de dignidade, luta, coragem e f.

    A toda a minha famlia, amo vocs. Aos meus afilhados Nicholas e Pedro, todo meu amor.

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    A QUEM AGRADEO

    Professora Maria Salete Bessa Jorge pelo apoio e solidariedade, sempre disposta em contribuir na realizao deste estudo. Professora Raimunda Magalhes da Silva pela disponibilidade em colaborar com sua experincia e ensinamentos. Professora e companheira de trabalho, Maria Veraci Oliveira Queiroz, que sempre me incentivou nessa caminhada difcil, mas extremamente prazerosa. admirada e batalhadora Professora Eucla Gomes do Vale, como te agradeo o mais abenoado Feliz Natal que recebi com seu telefonema no dia 19 de dezembro de 2004. minha querida ngela Andrade, pessoa de grande beleza, que sempre ouviu com sabedoria as confidncias da minha alma muitas vezes sofrida, mas sempre plena de esperana por dias melhores. minha amiga Jaqueline, agradeo a Deus por sua vida, voc sempre acreditou em mim e esteve comigo em todos os momentos da minha trajetria pessoal e profissional. Com sua sensibilidade e sabedoria, ajudou-me a superar dificuldades e encontrar novos caminhos. Ana Clia, nossa amizade parece nova, mas Deus j havia traado nossa histria, muito obrigada, sua fora e perseverana nos momentos difceis foram valorosos para mim. Geusa, agradeo a compreenso por no ter compartilhado, nos ltimos anos, das lutas sindicais em prol da valorizao e dignidade da sade para todos, usurios e cuidadores. Ladjane, a irm de corao que Deus me gratifica todos os dias, pela amizade e constante disponibilidade em ajudar em tudo que se faz necessrio. Aos companheiros de trabalho, Claudinha, Aparecida, Alba, Aurilene, Verinha, Mrcia Cruz, Joana, Edma, Alda, Csar Mouro e Girlene agradeo a pacincia e compreenso, vocs tornam meu dia-a-dia alegre e animador. s enfermeiras que participaram do estudo, colaborando com suas idias, compartilhando seus cotidianos, expressando sentimentos profundos e sinceros, e acima de tudo, porque acreditaram nesta pesquisa para engrandecer nosso ser-fazer enfermagem, minha eterna gratido. Rafaela, dedicada e com muita prontido em tudo que faz, secretria do Mestrado Acadmico Cuidados Clnicos em Sade (CMACCLIS) rea de Concentrao: Enfermagem UECE. s Professoras que fazem do CMACCLIS um local de crescimento pessoal e profissional, com ensinamentos ticos, humanitrios e solidrios. s companheiras de sala de aula, sinto muitas saudades do nosso convvio: Edna com sua pacincia e objetividade; Adriana, com sua acolhida, afetuosidade e beleza; Maz, ousada e corajosa; Islane, delicada e discreta; Natlia, sempre sorridente e gentil; Ftima, demonstrando fora e disposio; Elidiana, traduzida em sinceridade e alegria e Lariza, cheia de jovialidade.

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    AGRADECIMENTO ESPECIAL

    Professora Dra. Consuelo Helena Aires de Freitas Lopes, muito mais que orientadora, minha mestra com sabedoria incomum.

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    RESUMO

    ALVES, A.R. O significado do Processo de Enfermagem para enfermeiros: uma abordagem interacionista. 2007. 94 f. Dissertao (Mestrado Acadmico em Cuidados Clnicos em Sade) Universidade Estadual do Cear. Fortaleza, 2007.

    Este estudo foi realizado com enfermeiros de Unidade de Terapia Intensiva de um hospital pblico de Fortaleza e teve como objetivo compreender o significado da prtica do Processo de Enfermagem para o enfermeiro. Utilizamos como referencial terico-metodolgico o Interacionismo Simblico. Investigamos sete enfermeiros dentre os 48 lotados nas UTIs 1, 2 e 3, que so destinadas a pacientes adultos do referido hospital. A coleta de dados foi realizada no perodo de 01 de maio a 30 de agosto de 2006, durante o expediente de trabalho dos enfermeiros por meio da observao participante e entrevista semi-estruturada. Inicialmente, realizamos observaes participantes, ficando as entrevistas para a fase de maior interao com os enfermeiros. Os dados foram coletados, organizados e analisados concomitantemente e destes emergiram dois temas: O Cotidiano do Enfermeiro na UTI e A Interao Social na UTI. As temticas: Descrevendo a prtica do Processo de Enfermagem (Descrevendo a credibilidade e Expressando as dificuldades relacionadas operacionalizao das etapas do Processo de Enfermagem) e Percebendo a equipe de enfermagem; Percebendo o Processo de Enfermagem mediante os demais profissionais; Percebendo-se cuidadora (Construindo significados e Repensando o Processo de Enfermagem) emergiram durante a busca de significados, opinies e atitudes que os enfermeiros demonstraram acerca da prtica do Processo de Enfermagem. A compreenso da experincia dos enfermeiros possibilitou reconhecer que as vivncias so contraditrias em relao ao processo e os significados so manifestados e expressos atravs da auto-interao e interao com outras pessoas. O modelo terico construdo mostra que a vivncia do enfermeiro permeada de sentimentos negativos e positivos em relao ao Processo de Enfermagem.

    Palavras-chave: Avaliao de Processos, Cuidados de Sade, Relaes Interpessoais.

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    ABSTRACT

    ALVES, A.R. The meaning of the Process of Nursing for Nurses: a interactive boarding. 2007. 94 pages. Dissertation (Mestrado Acadmico Cuidados Clnicos em Sade) Universidade Estadual do Cear. Fortaleza, 2007.

    This study was carried through with nurses of Unit of Intensive Therapy of a public hospital of Fortaleza and had as objective to understand the meaning of the practice of the Process of Nursing for the Nurses. We use as theoretician and metodologic reference the Symbolic Interactionism. We investigate seven nurses amongst the 48 who worked in ICU's 1, 2 and 3, destined for adult patients of the related hospital. The collection of data was carried through in the period of May 1st and August 30th of 2006, during the expedient of work of the nurses by means of the participant comment and half-structuralized interview. Initially, we carry through participant comments, being the interviews for the phase of bigger interaction with the nurses. The data had been collected, organized and analyzed and of these two subjects had concomitantly emerged: Daily of the Nurse in the ICU and the Social Interaction in the ICU. The thematic: Describing the practice of the Process of Nursing (Describing the credibility and Expressing the difficulties related to the operation of the stages of the Process of Nursing) and Perceiving the nursing team; Perceiving the Process of Nursing by means of the other professional; Perceiving themselves as carers (Constructing meanings and Rethinking the Process of Nursing) emerged during the search of meanings, opinions and attitudes that the nurses had demonstrated concerning to the practice of the Process of Nursing. The comprehention of the experience of the nurses made possible to recognize that the experiences are contradictory in relation to the process and the meanings are revealed and expressed through the self-interaction and interaction with other people. The theoretical model constructed shows that the experience of the nurses are permeated of negative and positive feelings in relation to the Process of Nursing.

    Word-key: Process Assessment, Health Care, Interpersonal Relations.

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    SUMRIO

    RESUMO............................................................................................... 7

    ABSTRACT........................................................................................... 8

    LISTA DE ILUSTRAES................................................................... 10

    1 INTRODUO.................................................................................. 11 1.1 EXPERINCIA E OBJETO............................................................................... 15

    2 FUNDAMENTAO TERICA E METODOLGICA...................... 25 2.1 INTERACIONISMO SIMBLICO...................................................................... 25 2.2 O CAMINHAR METODOLGICO.................................................................... 35 2.2.1 O contexto da pesquisa.............................................................................. 36 2.2.2 Enfermeiros participantes........................................................................... 39 2.2.3 Estratgias desenvolvidas para a obteno dos dados.......................... 40 2.2.4 A fase de organizao dos dados para anlise........................................ 44 2.2.5 Aspectos tico-legais.................................................................................. 45

    3 APRESENTAO DOS RESULTADOS E DISCUSSO................. 46 3.1 O SIGNIFICADO DO COTIDIANO VIVENCIADO PELO ENFERMEIRO DE UTI.. 47 3.1.1 Descrevendo a prtica do Processo de Enfermagem ............................. 55 3.1.1.1 Descrevendo a credibilidade....................................................................... 58 3.1.1.2 Expressando as dificuldades relacionadas operacionalizao das

    etapas do Processo de Enfermagem.........................................................

    58 3.2 A INTERAO SOCIAL NA UTI...................................................................... 65 3.2.1 Percebendo a equipe de enfermagem....................................................... 66 3.2.2 Percebendo o Processo de Enfermagem mediante os demais

    profissionais................................................................................................

    68 3.2.3 Percebendo-se cuidadora........................................................................... 71 3.2.3.1 Construindo significados............................................................................. 71 3.2.3.2 Repensando o Processo de Enfermagem.................................................. 74

    4 CONSIDERAES FINAIS.............................................................. 77

    5 REFERNCIAS................................................................................. 80

    APNDICES.......................................................................................... 84 APNDICE A ROTEIRO DE OBSERVAO....................................................... 85 APENDICE B ROTEIRO DE ENTREVISTA......................................................... 86 APNDICE C TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO.......... 87

    ANEXOS............................................................................................... 88 ANEXO A HISTRICO DE ENFERMAGEM........................................................ 89 ANEXO B SISTEMATIZAO DA ASSISTNCIA DE ENFERMAGEM.............. 93 ANEXO C PARECER DO COMIT DE TICA EM PESQUISA DA UECE.......... 94

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    LISTA DE ILUSTRAES

    Diagrama 1: Temas e Temticas Construdas do Significado do Processo de Enfermagem para Enfermeiros: uma abordagem interacionista. Fortaleza-CE, 2007.........................................................................

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    Diagrama 2: Configurao das aes, sentimentos e significados atribudos pelo enfermeiro na UTI ao trabalhar com o Processo de Enfermagem. Fortaleza-CE, 2007..................................................

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    1 INTRODUO

    Atualmente estamos vivendo tempos de transio de norteadores do sentir, pensar e agir humanos, onde a distino dicotmica entre Cincias Naturais e Humanas comea a deixar de ter sentido e utilidade, e a supremacia do conhecimento fragmentado no suficiente para compreender a totalidade dos fenmenos da natureza (CAPRA, 1982; SILVA; CIAMPONE, 2003).

    Para assistir/cuidar do ser humano de forma integral e holstica, foi elaborado um processo de trabalho que direcionasse essa assistncia, denominado de Processo de Enfermagem. O holismo o ponto de vista contrrio abordagem cartesiana ou reducionista de Descartes e estuda o todo sem dividi-lo em partes, ou seja, examina-o de modo sistmico, em sua totalidade (SILVA; CIAMPONE, 2003).

    Assim faz-se necessrio situar a Enfermagem neste processo de evoluo das cincias, historicamente determinada com as prticas de Florence, no sc. XIX, quando ocorreu a sua institucionalizao como profisso. O hospital no sendo mais um ambiente propcio para cura das almas, pois assim o era pelo domnio da Igreja Medieval, passava na modernidade, com a ascenso do capitalismo, a ser ambiente adequado para a cura dos corpos doentes, sendo imprescindvel ao sistema capitalista para a produo e reproduo do capital manter a fora trabalhadora saudvel e apta ao trabalho (KIRCHHOF, 2003).

    Durante a guerra da Crimia (1854-1856), Florence Nightingale foi pioneira na organizao das prticas de enfermagem, sendo as tcnicas a primeira expresso do saber da enfermagem, que perduraram at incio do sc. XX. Com o desenvolvimento de suas prticas, a enfermagem evoluiu para o saber expresso pelos princpios cientficos, mas ainda eram dependentes da prtica mdica. Foi a partir da dcada de 50 do sc. XX que a enfermagem iniciou a construo de um corpo de conhecimentos prprios, cuja expresso pode ser denominada como teorias (ALMEIDA; ROCHA, 1986; KIRCHHOF, 2003).

    Assim como as tcnicas foram a primeira expresso do saber da enfermagem, os estudos de casos foram a primeira forma de expresso da

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    organizao e sistematizao das prticas de enfermagem. Os estudos de casos, precursores dos planos de cuidados, tiveram origem nos Estados Unidos na dcada de 20, sendo o primeiro estudo de caso publicado no Brasil, em 1934 por Zara Cintra Vidal. Tanto os estudos de casos como os planos de cuidados eram realizados de acordo com os diagnsticos mdicos (GARCIA; NBREGA, 2000; ROSSI; CASAGRANDE, 2001a).

    De acordo com Kozier, Erb e Olivieri (1991), at o desenvolvimento do Processo de Enfermagem, as enfermeiras guiavam suas aes baseadas em ordens e condutas mdicas focadas na doena, no centradas nas necessidades da pessoa. E as prticas de enfermagem realizadas independente dos diagnsticos mdicos eram guiadas pela intuio e experincia, sem fundamentao no mtodo cientfico.

    A expresso Processo de Enfermagem relativamente nova, foi utilizada pela primeira vez por Ldia Hall em 1955, nos Estados Unidos. Desde ento, vrias enfermeiras e instituies de enfermagem tm utilizado o Processo de Enfermagem de diferentes maneiras: Kreuter, 1957; Johnson, 1959; Orlando, 1961; Wiedenbach, 1963 e 1970; Henderson, Heidgerken e McCain, 1965; Knowles, Western Intertate Commission on Higher Educacion (WICHE) e Catholic University of America, 1967; Orem, 1971; American Nurses Association (ANA), 1973; Bloch, 1974; Gebbie e Lavin, 1975; Roy, 1976 (KOZIER; ERB; OLIVIERI,1991).

    Wiedenbach, 1963, descreve o processo em trs etapas: observao, ministrao do cuidado e avaliao. Knowles, 1967, sugere cinco passos denominados: investigao, pesquisa, deciso, implementao e discriminao. Em 1967, WICHE identifica o Processo de Enfermagem em cinco etapas: percepo, comunicao, interpretao, interveno e avaliao. Em 1973, o uso do Processo de Enfermagem ganhou legitimidade na prtica clnica com a publicao de Standards of Nursing Practice pela American Nurses Association (ANA), descrevendo o Processo de Enfermagem constitudo por cinco passos: investigao, diagnstico, planejamento, implementao e avaliao (KOZIER; ERB; OLIVIERI, 1991).

    Nos Estados Unidos e na Inglaterra, na dcada de 70, os enfermeiros buscavam autonomia profissional pela construo de um corpo de conhecimentos prprios, desenvolvendo teorias de enfermagem, sendo o Processo de Enfermagem

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    empregado como marco terico para a prtica de enfermagem, constituindo-se numa metodologia institucionalizada que guiava as aes da enfermagem na prtica e no ensino (ROSSI; CASAGRANDE, 2001a).

    E no Brasil, naquela mesma dcada, surgiam os estudos de casos e os planos de cuidados para implementao da assistncia de enfermagem, cabendo a Wanda de Aguiar Horta (1979), desenvolver sua teoria fundamentada na Teoria da Motivao Humana de Maslow (1970) e na Classificao das Necessidades Bsicas de Mohana (1964), cuja obra contribuiu para a fundamentao de um ensino baseado em conceitos cientficos e filosficos, e no desenvolvimento de uma metodologia de trabalho para a enfermagem no exerccio de sua prtica, o Processo de Enfermagem (GUALDA, 2001; MELLEIRO et al., 2001; ROSSI; CASAGRANDE, 2001a).

    Segundo Horta (1979, p. 35), o Processo de Enfermagem a dinmica das aes sistematizadas e inter-relacionadas, visando assistncia ao ser humano, constitudo por seis fases ou passos dinmicos e inter-relacionados (histrico, diagnstico, plano assistencial, plano de cuidados ou prescrio, evoluo e prognstico).

    Kozier, Erb e Olivieri (1991), afirmam ser o Processo de Enfermagem sistemtico, pois se constitui de um mtodo racional de planejamento e implementao do cuidado de enfermagem. Ele guia a identificao das necessidades/problemas de sade do cliente (indivduo, famlia ou comunidade) reais e potenciais e favorece o estabelecimento das intervenes de acordo com as necessidades encontradas, determinadas pelo cliente e enfermeira. O Processo de Enfermagem cclico e dinmico, isto , os seus passos/etapas seguem uma seqncia lgica que permite o ir e vir entre si a qualquer momento.

    Para Doenges e Moorhouse (1992), o Processo de Enfermagem baseia-se no mtodo de resoluo de problemas, de modo que as necessidades do doente (indivduo, famlia e comunidade) possam ser satisfeitas de maneira global e eficaz. constitudo por cinco passos inter-relacionados (avaliao inicial, identificao dos problemas, planejamento, implementao e avaliao final).

    Para Iyer, Taptich e Bernocchi-Losey (1993), o Processo de Enfermagem est organizado em cinco fases inter-relacionadas e interdependentes (histrico,

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    diagnstico, planejamento, implementao e avaliao), cujo propsito principal oferecer uma estrutura na qual as necessidades do cliente, da famlia e da comunidade possam ser atendidas, envolvendo uma relao interativa entre cliente e enfermeira, tendo como foco o cliente. intencional, sistemtico, dinmico, interativo, flexvel e fundamentado em conhecimentos tericos de enfermagem e de outras disciplinas.

    Rossi e Casagrande (2001a) enfatizam os passos: coleta de dados, diagnstico de enfermagem, planejamento, implementao e avaliao, focalizando a individualizao do cuidado atravs de uma abordagem de soluo de problemas. Mencionam ainda que o processo orientado por teorias ou modelos conceituais de enfermagem, e quanto maior o seu nvel de abstrao, maior a necessidade de interpretao para sua operacionalizao.

    Na assistncia de enfermagem, ou seja, no processo de cuidar, os modelos tericos muito tm contribudo quando utilizados como referencial para a sistematizao da assistncia. As teorias norteiam e fundamentam a prtica clnica de enfermagem, dirigindo a observao, a coleta de informaes, as intervenes e os resultados. A sistematizao dos cuidados, com base em modelos tericos, proporciona meios para organizar os dados dos clientes, para analisar, interpretar e avaliar os resultados do processo de cuidar (SOUZA, 2001; SENA et al., 2001; IVO; CARVALHO, 2003; MENDES; BASTOS, 2003).

    No Brasil, muitos enfermeiros identificam o Processo de Enfermagem baseado em Horta, pela facilidade que encontram em aplic-lo na prtica hospitalar, embora a prpria autora desta teoria considere que necessrio ainda mais refinamento e aprofundamento desta metodologia (WALDOW, 2001). E complementa, o processo de cuidar no anlogo ao Processo de Enfermagem, como s vezes interpretado, e considera que o processo de cuidar um momento de interao e crescimento entre quem cuida e quem cuidado, enquanto que o Processo de Enfermagem pautado em aes pontuais e unidirecionais, onde os cuidados so prescritos a partir do julgamento clnico da enfermeira, sem a participao do paciente.

    No entanto, Horta (1979) reconhece que toda cincia adota seu ente concreto, sendo capaz de descrev-lo, explic-lo e prediz-lo, pois o ser humano

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    inobjetivvel. E sendo a cincia uma representao da realidade em foco, determina seu ente prprio que o ser humano, cujo objeto da enfermagem assistir o ser humano no atendimento de suas necessidades bsicas, sendo estas os entes da enfermagem. Na cincia enfermagem, o ente concreto compreende o estudo das necessidades humanas bsicas.

    Ainda de acordo com a autora, a enfermagem se constitui numa cincia porque os fenmenos que estuda so reais e passveis de experimentao; as teorias j desenvolvidas exprimem relaes necessrias entre os fatos e atos; suas concluses esto dentro da certeza probabilstica que explica no s as cincias hermenuticas, como as emprico-formais e at a fsica, considerada formal ou positiva.

    Explica, ainda, que a cincia da enfermagem compreende o estudo das necessidades humanas bsicas, dos fatores que alteram sua manifestao e atendimento, e na assistncia a ser prestada ao ser humano, de modo que a enfermagem: respeita e mantm a unicidade, a autenticidade e a individualidade do ser; presta assistncia ao ser humano e no doena; todo cuidado de enfermagem preventivo, curativo e de reabilitao; reconhece o ser humano como integrante de uma famlia e de uma comunidade; e o ser humano considerado participante ativo no seu autocuidado.

    Neste sentido, visualizamos os avanos da enfermagem como cincia especialmente nos anos 70, com o surgimento das Teorias de Enfermagem e aplicao em alguns contextos de trabalho da enfermagem, iniciativas voltadas para a prtica hospitalar. Nesta poca, a ampliao e fortalecimento de conhecimentos e prticas de enfermagem estavam em pleno desenvolvimento na rea hospitalar, at hoje existentes.

    1.1 EXPERINCIA E OBJETO

    Durante a minha vivncia profissional, como enfermeira de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), tenho acompanhado o desenvolvimento tecnolgico desta rea no aprimoramento da atuao da equipe de enfermagem com tecnologias diversificadas em prol de uma assistncia eficiente e humanizada.

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    Dentre as tecnologias da enfermagem, destaca-se o Processo de Enfermagem, que como metodologia de trabalho oferece diretrizes para o desenvolvimento da assistncia de enfermagem com base no mtodo cientfico, cujo propsito identificar as necessidades humanas do cliente e implementar a adequada teraputica de enfermagem (CROSSETTI et al., 2002; DALRI; CARVALHO, 2002; SIVIERO; TOLEDO; FRANCO, 2002). Alm disso, este constitui mtodo que possibilita o desenvolvimento e aplicabilidade das teorias de enfermagem na prtica profissional junto a pacientes/clientes bem como junto a trabalhadores de enfermagem (IYER; TAPTICH; BERNOCCHI-LOSEY, 1993; ROSSI; CASAGRANDE, 2001a; NBREGA; BARROS, 2001; MOREIRA; FERREIRA; CHIANCA, 2004).

    Nessa perspectiva, entendemos a importncia da enfermagem planejada que supera atitudes puramente empricas e avana para a cientificidade e, concomitantemente, para a melhoria da qualidade da assistncia. No entanto, observamos na prtica, dificuldades na aplicao do Processo de Enfermagem e at mesmo a no aplicabilidade do mesmo, uma vez que as aes ficam centradas apenas no senso comum, no havendo planejamento, e, por conseguinte, ficando difcil o raciocnio lgico em harmonia com a fundamentao cientfica no desenvolvimento de aes que possam ser estudadas, discutidas e comprovadas na cincia da enfermagem. Isso um dos aspectos que vem impossibilitando o crescimento da cientificidade da enfermagem.

    Atualmente, o Processo de Enfermagem denominado de sistematizao da assistncia de enfermagem, metodologia da assistncia de enfermagem ou processo de cuidar (CARRARO; KLETEMBERG; GONALVES, 2003; DELLACQUA; MIYADAHIRA, 2000) e constitui-se de cinco etapas inter-relacionadas (investigao, diagnstico, planejamento, implementao e avaliao) de forma sistemtica e dinmica para promover o cuidado humanizado, dirigido e orientado a resultados, acrescentando ainda seu baixo custo (PICCOLI; GALVO, 2001; SENA et al., 2001; ALFARO-LEFEVRE, 2005).

    Embora os autores Horta (1979), Kozier, Erb e Olivieri (1991), Doenges e Moorhouse (1992), Iyer, Taptiche e Bernocchi-Losey (1993), Piccoli e Galvo (2001), Rossi e Casagrande (2001a) e Alfaro-Lefevre (2005) apresentem variaes de

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    conceitos e na denominao dos passos/fases/etapas, podemos identificar que todos seguem os Padres da Prtica de Enfermagem (Standards of Nursing Practice) da Associao Americana de Enfermagem (ANA) assim descritos por Doenges e Moorhouse (1992, p. 6):

    I) A escolha de dados sobre o estado de sade do cliente/doente sistemtica e contnua. Os dados so acessveis, comunicados e registrados.

    II) Os diagnsticos de enfermagem derivam dos dados sobre o estado de sade do cliente/doente.

    III) O plano de cuidados de enfermagem inclui objetivos derivados dos diagnsticos de enfermagem.

    IV) O plano de cuidados de enfermagem inclui as prioridades e as aes ou medidas de enfermagem prescritas para atingir os objetivos derivados dos diagnsticos de enfermagem.

    V) As aes de enfermagem promovem a participao do cliente/doente e a promoo, manuteno e a recuperao da sade.

    VI) As aes de enfermagem ajudam o cliente/doente a maximizar as suas capacidades para ter sade.

    VII) Os progressos do cliente/doente ou a falta de progressos no sentido de atingir os objetivos so determinados por ele prprio e pela enfermeira.

    VIII) Os progressos ou falta de progressos do cliente/doente no sentido de atingir os objetivos determinam a reavaliao, reformulao de prioridades, estabelecimento de novos objetivos e reviso do plano de cuidados de enfermagem.

    A discusso cientfica apresenta-se a partir das etapas, indo de quatro, cinco a seis componentes/passos/etapas/fases. Com quatro passos (investigao, planejamento, implementao e avaliao), o diagnstico est implcito na fase de investigao ou avaliao inicial. Constitudo por cinco etapas (investigao, diagnstico, planejamento, implementao e avaliao), o diagnstico surge como etapa do processo. Consistindo de seis etapas (histrico, diagnstico, plano assistencial, plano de cuidados ou prescrio, evoluo e prognstico), a fase de planejamento desmembrada em prescrio e evoluo. Todavia, constitudo por quatro, cinco ou seis etapas, ou seja, em qualquer modelo adotado na prtica, permanece implcita e explicitamente a interao entre cliente e enfermeira como fator fundamental no desenvolvimento de todo processo (HORTA, 1979; KOZIER; ERB; OLIVIERI, 1991; ALFARO-LEFEVRE, 2005).

    Na investigao, dar-se a coleta, a verificao e a organizao dos dados sobre o estado de sade do cliente, buscando identificar os problemas reais e potenciais, fatores de riscos e os pontos fortes. Os dados sobre os aspectos fsico, emocional, comportamental, social, cultural, intelectual e espiritual do cliente so obtidos de uma variedade de fontes e so fundamentais para tomadas de decises

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    nas fases subseqentes. Na segunda fase, diagnstico, os dados so analisados e identificados os problemas de sade existentes, os problemas potenciais encontrados na presena dos fatores de riscos e os pontos fortes. O processo para estabelecimento dos diagnsticos o julgamento clnico. A fase de planejamento envolve uma srie de passos em que o cliente e a enfermeira definem: as prioridades, a descrio de metas, ou seja, os resultados esperados, determinao das intervenes e registro ou individualizao dos cuidados. Na quarta fase, implementao, representa colocar em prtica o plano de ao, investigando a situao atual e, se necessrio, alterar o planejamento. Na etapa de avaliao so conhecidas as metas ou resultados alcanados e no alcanados e so tomadas decises quanto s mudanas a serem feitas, instituindo medidas corretivas e reviso do plano (KOZIER; ERB; OLIVIERI, 1991; ALFARO-LEFEVRE, 2005).

    O Processo de Enfermagem vantajoso tanto para o paciente como para o profissional, pois permite a individualizao do cuidado (IYER; TAPTICH; BERNOCCHI-LOSEY, 1993; ROSSI; CASAGRANDE, 2001b; CROSSETTI et al., 2002; MENDES; BASTOS, 2003; ALFARO-LEFEVRE, 2005).

    De acordo com Nietsche (2000), idealizamos uma ateno ao ser humano de forma integral, mas, na prtica, existe a supervalorizao dos procedimentos tcnicos, das regras e das rotinas. As tarefas a serem executadas no podero ser deixadas para o prximo turno de trabalho, pois, muitas vezes, o atendimento individual de cada cliente relegado em funo do cumprimento das rotinas, mesmo que haja o planejamento da assistncia. Procedimentos e tcnicas so importantes, principalmente num ambiente como uma unidade de terapia intensiva, mas no so suficientes para atender as necessidades dos pacientes numa perspectiva integral e humanizada, nem tampouco promove a satisfao e realizao dos profissionais cuidadores.

    Nossa formao de Enfermagem como dos demais cursos da rea da sade sofreu influncias positivistas do modelo tradicional de sade e consiste em uma prtica mecanizada, tecnicista, uma forma de trabalho com caractersticas rotineiras e fragmentadas, centralizada na concepo biomdica da doena, no tolerando a interferncia de valores subjetivos, dividindo o todo em partes, estudando separadamente e de forma isolada cada parte, na expectativa de

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    resultados imediatos e objetivos das intervenes realizadas no processo da doena (SILVA; CIAMPONE, 2003).

    Vale enfatizar que a fsica moderna transcendeu a viso cartesiana do mundo e est nos conduzindo para uma concepo holstica e intrinsecamente dinmica do universo. No entanto, a viso de mundo reducionista e os princpios da fsica newtoniana mantm forte influncia sobre o pensamento cientfico ocidental, em particular, o poder do dogma biomdico no ensino, na prtica e nas pesquisas na rea da sade, ao reduzir a sade a um fenmeno mecnico de causa e efeito, negligenciando aspectos psicolgicos, sociais e ambientais no processo sade/doena (CAPRA, 1982).

    No desenvolvimento das teorias de enfermagem, o foco do cuidado de enfermagem a pessoa, como um ser bio-psico-scio-espiritual, muito alm do modelo biomdico que centraliza sua ao na doena (SOUZA, 2001; GUSTAVO; LIMA, 2003). Entretanto, na prtica clnica, nossas aes continuam fragmentadas, baseadas em sinais e sintomas da doena cuja resoluo dos problemas permeia as respostas s demandas do servio e nem sempre centradas na satisfao das necessidades da pessoa que est ali para receber o cuidado.

    Observamos ainda que muitos enfermeiros priorizam atividades administrativas em detrimento de uma assistncia baseada em conceitos cientficos. Embora a autonomia do profissional perpasse pela consolidao de conhecimentos prprios, a prpria enfermagem ainda no se deu conta disso (THOFEHRN et al., 1999; ROSSI; CASAGRANDE, 2001b).

    Rossi e Casagrande (2001a), Silva e Ciampone (2003) reiteram o pensamento de Waldow (2001), quando expressam que os objetivos e metas traados no planejamento da assistncia de enfermagem, ainda so unidirecionais no nosso dia-a-dia, pouco existindo a interao enfermeiro-paciente na construo conjunta desses objetivos. Embora as aes de carter somativo e holstico, que integram aspectos bio-psico-scio-espirituais sejam desenvolvidas, a viso predominante a do profissional, sendo pouco considerada a vivncia e valores do paciente e da famlia.

    Portanto, entendemos que o Processo de Enfermagem tem esbarrado em

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    muitas dificuldades, prevalecendo na prtica clnica um cuidado centralizado nas tarefas, resultando em um fazer automatizado e burocrtico, cuja prioridade do servio o cumprimento de tarefas, em detrimento de um cuidado centrado nas necessidades do paciente. Alm disso, o Processo de Enfermagem uma estratgia e um instrumento de trabalho do enfermeiro, no significando um fim em si mesmo. Sem essa compreenso, o enfermeiro apenas cumprir mais uma tarefa.

    H quase 20 anos temos desenvolvido o Processo de Enfermagem na prtica assistencial desta UTI, a qual se fundamenta nas necessidades humanas bsicas a partir da teoria da motivao humana de Maslow e na classificao de Joo Mohana contempladas na Teoria das Necessidades Humanas Bsicas de Wanda de Aguiar Horta.

    Inicialmente, para o Processo de Enfermagem foram desenvolvidas apenas as fases de prescrio e evoluo de enfermagem, que constituem as fases 4 e 5 do Processo de Enfermagem de Horta (1979). Vale ressaltar que esta prtica aconteceu tambm em outras instituies hospitalares, ao ser iniciada a sua implementao, embora o Processo de Enfermagem preconizado pela autora consista de 6 fases ou passos inter-relacionados: 1. Histrico de enfermagem; 2. Diagnstico de enfermagem; 3. Plano assistencial; 4. Plano de cuidados ou prescrio de enfermagem; 5. Evoluo e 6. Prognstico.

    Como j foi explicitado anteriormente, com base em discusses de autores que versam sobre a temtica, a dinmica de desenvolvimento na aplicao deste, em prticas hospitalares, desenvolve as fases do Processo de Enfermagem no necessariamente com o seguimento passo a passo regido pelos autores das teorias. No caso da teoria de Horta, observamos a unificao de algumas das fases, talvez para melhor simplificar a operacionalizao do Processo de Enfermagem, pois o importante no perder de vista o foco de ateno da teoria, que consiste no atendimento das necessidades humanas bsicas do paciente.

    Na nossa prtica de UTI, quanto s fases do histrico e diagnstico de enfermagem, foi somente h trs anos que passamos a desenvolv-los. Antes eram utilizados os prprios impressos adotados pelo hospital para o planejamento da assistncia, a implementao das intervenes e evoluo de enfermagem, no

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    havendo instrumentos pr-definidos.

    Portanto, h trs anos, desenvolvemos o histrico de enfermagem, elaborado com base no modelo simplificado proposto por Horta (1979) (ANEXO A). E quanto fase de diagnstico, elaboramos impresso prprio segundo a taxonomia North American Nursing Diagnosis Association (NANDA). Estes diagnsticos foram levantados a partir de situaes e problemas usualmente encontrados em pacientes internados na UTI investigada. Foram, ainda, apontadas, neste impresso, as intervenes de enfermagem de forma a facilitar o desenvolvimento da prtica assistencial dos enfermeiros (ANEXO B).

    Assim, entendemos que a opo pela Teoria das Necessidades Humanas Bsicas pelo grupo de enfermeiros da UTI justifica-se pela facilidade de aplicao na prtica, talvez por ser uma teoria brasileira que tenha maior proximidade com a realidade presente, tornando-se clara e simples, alm da divulgao e expanso desta no meio acadmico e instituies hospitalares, principalmente nos hospitais de ensino.

    Sendo esta proposta terica constituda por uma viso holstica e integral do ser humano, o que temos percebido que, na prtica, nossas aes continuam fragmentadas, baseadas em sinais e sintomas da doena cuja resoluo dos problemas permeia as respostas s demandas do servio e nem sempre centradas na satisfao do paciente, ainda que biolgicas.

    No cotidiano de uma unidade de terapia intensiva, existe claramente a valorizao dos sinais e sintomas da doena para o planejamento dirio da assistncia. O Processo de Enfermagem realizado em impresso especfico e os cuidados so prescritos de acordo com o julgamento clnico do enfermeiro, com nfase no aspecto biolgico. A maioria dos pacientes internados esto em risco de vida iminente, instveis hemodinamicamente, intubados/traqueostomizados, sob efeito contnuo de sedativos e analgsicos, sendo a interao entre enfermeira e paciente restrita ao cuidado do corpo doente, cujo objetivo principal restaurar as funes biolgicas normais.

    Hoje observamos que h muito temos nos deparado com entraves relacionados ao cotidiano da enfermagem na UTI, seja no mbito da assistncia ou da gerncia, cujas prioridades esto muito voltadas para rotinas e tarefas

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    hierarquizadas, o que tem impossibilitado a aplicao do conhecimento terico de enfermagem na articulao com a prtica, no cuidado direto.

    Pois, no cotidiano, quando nos reunimos, observamos discusses a respeito de escalas, controle de custos, gasto de materiais e equipamentos, reduo de pessoal, determinao de rotinas e tcnicas, dentre outros assuntos que esto relacionados com a qualidade da assistncia. Observamos poucas discusses sobre a maneira de melhorar a assistncia de enfermagem, se o processo de trabalho no cuidado de enfermagem est sendo satisfatrio para os enfermeiros, se este tem possibilitado a resoluo dos problemas dos pacientes, e atendido suas prioridades. Para Siviero, Toledo e Franco (2002), a realidade hospitalar nos cobra responsabilidades que, na prtica, so confiadas ao enfermeiro, e este, por sua vez, no conseguiu apropriar-se do verdadeiro ser profissional, que cuidar com competncia tcnica e, sobretudo com sensibilidade e arte.

    Na prtica diria no refletimos sobre a essncia do trabalho de enfermagem, o processo de cuidar. Muitas vezes, nosso trabalho torna-se disponvel para encontrar meios para reduo e controle de custos e gastos, pois para os dirigentes e gestores so mais importantes, considerando a grave crise financeira da sade no Brasil. E, somando a esse contexto, percebemos que existe resistncia e descrdito por parte de alguns enfermeiros na aplicao do Processo de Enfermagem, pois consideram uma atividade sem nenhum valor e importncia para recuperao do paciente.

    Observamos que na prtica de alguns enfermeiros o Processo de Enfermagem tornou-se mais uma tarefa burocrtica a ser cumprida e parecem no acreditar no que fazem. Por sua vez, alguns auxiliares de enfermagem no executam os cuidados, e quando os fazem, de forma rotineira. Entendemos que tais aes influenciam negativamente nas relaes entre os profissionais da equipe de sade, visto que os prprios enfermeiros definem o Processo de Enfermagem como atividade adicionada ao fazer dirio, tornando-se uma sobrecarga de trabalho.

    O despertar para a temtica surgiu j algum tempo enquanto enfermeira que desenvolve assistncia de enfermagem na UTI desenvolvendo o Processo de Enfermagem a pacientes adultos. Com base nessas inquietaes e nas proposies

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    colocadas sobre a enfermagem e o processo de cuidar, tenho as seguintes interrogaes:

    O que significa para os enfermeiros desenvolver o Processo de Enfermagem no seu dia-a-dia na UTI?

    Como o enfermeiro age a partir dessa significao?

    Como ele se relaciona com os outros enfermeiros e profissionais em relao a essa prtica no seu dia-a-dia na UTI?

    Entendemos ser importante a avaliao permanente do Processo de Enfermagem na prtica, de modo que possamos proporcionar aos pacientes os benefcios de uma teoria fundamentada nas necessidades humanas que vislumbrem todas as dimenses da vida. E, sobretudo, promover a interao entre enfermeiro e paciente numa perspectiva holstica e integral, onde a matria no seja mais importante que as emoes, mas que possam co-existir nesse processo de cuidar mais sensvel e humanizado.

    Reiteramos que a necessidade da fundamentao terica do Processo de Enfermagem est diretamente ligada ao seu significado clnico e valor na prtica cotidiana de enfermagem, pois, dessa forma, acreditamos na busca de alternativas que possibilitem a construo de conhecimentos e prticas de enfermagem que fortaleam nossa profisso no mbito social, bem como a participao ativa dos pacientes no processo de cuidado, favorecendo a resoluo dos seus problemas (GUALDA, 2001; MELLEIRO et al., 2001; ROSSI; CASAGRANDE 2001a).

    Torna-se necessrio que o enfermeiro incorpore o Processo de Enfermagem como um instrumento para o desenvolvimento do seu processo de trabalho, ou seja, cuidar com mtodo e com subjetividade, respeitando a individualidade do ser. Compreendendo o Processo de Enfermagem dentro de todo contexto histrico-social, no como instrumento isolado do trabalho, mas incorporado no cuidar do enfermeiro (MENDES; BASTOS, 2003).

    Muitos estudos existem sobre o Processo de Enfermagem, Thofhern et al. (1999), Villalobos (1999), Matt, Thofhern e Muniz (2001), Barros, Fakih e Michel,

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    (2002), Crossetti e Dias (2002), Crossetti et al. (2002), vora e Dalri (2002), Monteiro, Nbrega e Lima (2002), Siviero, Toledo e Franco (2002), Almeida, Lima e Souza (2003), Carraro, Kletemberg e Gonalves (2003), Hermida (2004), Moreira, Ferreira e Chianca (2004) entre outros, mas poucos so os estudos que buscam a compreenso do significado dessa prtica para os enfermeiros (ROSSI; CASAGRANDE, 2001b; MENDES; BASTOS, 2003; LIMA, 2004).

    Desse modo, buscando compreender o que significa para os enfermeiros desenvolver o Processo de Enfermagem, como o enfermeiro age a partir dessa significao e como o enfermeiro se relaciona com as outras pessoas em relao a essa prtica no cotidiano da terapia intensiva, que pretendemos desenvolver um estudo tomando como referncia o Interacionismo Simblico. Identificamos essa teoria propicia com o objeto em estudo por ser o significado o conceito central de toda investigao, onde as proposies dessa teoria so a partir da interao das pessoas dentro da estrutura social, as aes humanas definindo e participando do mundo (CHARON, 1989). Portanto, acreditamos que so a partir das aes individuais que a ao coletiva construda, e que os significados que temos em relao s coisas, que constroem nossas crenas, valores e aes.

    Assim sendo, pontuamos como objetivo para o presente estudo:

    Compreender o significado da prtica do Processo de Enfermagem para enfermeiros em unidade de terapia intensiva.

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    2 FUNDAMENTAO TERICA E METODOLGICA

    2.1 INTERACIONISMO SIMBLICO

    Segundo Manford Kuhn, o Interacionismo Simblico, cronologicamente, pode ser dividido em duas fases: tradio oral e idade da indagao. Na primeira fase, a da tradio oral, brotaram as primeiras idias interacionistas oriundas da psicologia de William James, sendo os principais pensadores do Interacionismo Simblico: Charles Cooley, John Dewey, I.A. Thomas e George Herbert Mead. Este perodo, foi tambm denominado meadino em funo de Herbert Mead (1863-1931), por ter sido o grande gerador e principal instigador do movimento interacionista, considerado o pai do Interacionismo Simblico, suas idias foram transmitidas e sustentadas pela transmisso oral de suas aulas por seus alunos. A segunda fase, da indagao, deu-se a partir da publicao pstuma de Mind, self and society, considerada a bblia do Interacionismo Simblico por reunir suas idias (LITTLEJOHN, 1982).

    Mead ensinou filosofia na Universidade de Chicago de 1893 a 1931, ano de sua morte. Ele e outros interacionistas desenvolveram as mais importantes idias da teoria do Interacionismo Simblico. Concebia os seres humanos e a sociedade como inseparveis e interdependentes, pois o comportamento da pessoa no podia ser estudado independentemente do contexto social (LITTLEJOHN, 1982; CHARON, 1989).

    Mead era simultaneamente pragmtico, psiclogo social e behaviorista. A filosofia do pragmatismo pode ser resumida em quatro idias bsicas: a) o ser humano interpreta todas as coisas, portanto, ns nunca vemos a realidade nua e crua; b) pessoas vem o que querem ver e lembram do que querem lembrar; c) o significado que as coisas tm para ns depende das nossas experincias; d) ns interpretamos nossas aes de acordo com os outros (CHARON, 1989).

    Pragmtico, Mead no se deixava iludir pela conduta humana. Conjugou idias da Biologia, Psicologia e Sociologia, a fim de estudar o homem como ser em

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    constante transformao, e tentou explicar o indivduo e a sociedade em termos significativos e observveis (LITTLEJOHN, 1982; CHARON, 1989).

    A perspectiva que Mead adotou para o desenvolvimento de seus principais conceitos sociedade-mente-eu sofreu influncia do trabalho e da teoria evolucionista de Charles Darwin, pois considerava os humanos animais, e sendo animais, conseqentemente, eram seres sociais (CHARON, 1989).

    Mead se considerava um psiclogo social, e como tal, acreditava que os conceitos de mente e eu eram produtos da interao social do homem. Demonstrou ser verdadeira a influncia de fatores biolgicos em sua teoria, pois o potencial biolgico herdado de uma pessoa considerado um antecedente para todo o processo de socializao humana que culmina na formao do eu e da mente (LITTLEJOHN, 1982; CHARON, 1989).

    Um lado positivo do behaviorismo que os homens puderam ser entendidos em termos dos seus comportamentos. Mas os behavioristas radicais, como James B. Watson, psiclogo que foi aluno de Mead, ignoravam os comportamentos que no podiam ser vistos e testados pela cincia. Mead era contrrio a esse tipo de behaviorismo adotado por James B. Watson, que reduzia o comportamento humano aos mecanismos infra-humanos e a dimenso social era vista como simples influncia externa sobre o homem. Ele ultrapassa a viso de Watson e afirma que o comportamento humano qualitativamente diferente do comportamento subumano e que a conduta humana deve ser entendida e explicada em termos sociais. Outra manifestao do behaviorismo de Mead foi a sua convico de que o mundo fsico sempre mediado pela experincia e que os objetos s se tornam objetos em virtude da percepo humana (LITTLEJOHN, 1982; CHARON, 1989).

    Todos os quatro livros de Mead foram publicados aps a sua morte, organizados por editores a partir de suas notas e apontamentos de aulas. A principal obra de Mead, Mind, Self and Society, um dos mais importantes e influentes livros na rea da interao simblica, representa uma coleo de aulas ministradas no curso de Psicologia Social na Universidade de Chicago. Foi considerado o arquiteto do Interacionismo Simblico, mas no publicou uma obra completa e sistemtica sobre sua teoria (LITTLEJOHN, 1982; HAGUETTE, 1992).

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    Devido Mead no ter publicado nenhuma obra em vida, as informaes deixadas por ele e publicadas postumamente no foram totalmente claras e deram margem a interpretaes divergentes, dando origem s escolas de Chicago e Iowa. A escola de Chicago, liderada por Herbert Blumer, deu continuidade tradio humanista de Mead, abominando os estudos quantitativos sobre o comportamento humano, cujas principais metas so: empatizar com o sujeito a ser pesquisado, penetrar em seu domnio de experincia e tentar entender o valor mpar da pessoa (LITTLEJOHN, 1982; CHARON, 1989; HAGUETTE, 1992).

    Herbert Blumer foi o mais destacado discpulo de Mead, criador da expresso Interacionismo Simblico em 1937. Foi responsvel pela construo da metodologia do Interacionismo, e, em 1969, publicou Symbolic Interacionism: perspective and method (LITTLEJOHN, 1982; HAGUETTE, 1992).

    Blumer destacou a importncia da observao participante na pesquisa interacionista, que considera o homem como ser nico, criador, inovador e imprevisvel nas aes que desenvolve, de modo que o homem e a sociedade so considerados um processo dinmico (LITTLEJOHN, 1982).

    A escola de Iowa, liderada por Manford Kuhn, adotou uma abordagem mais cientfica, valorizando os estudos quantitativos em detrimento dos mtodos utilizados por Blumer. Para a escola de Iowa, os conceitos interacionistas podem ser operacionalizados no estudo do comportamento humano, sendo muito mais fecundos. Kuhn desenvolveu uma das principais tcnicas de mensurao usadas na pesquisa interacionista, conhecida como o Teste dos 20 Enunciados de Auto-Atitude (LITTLEJOHN, 1982; HAGUETTE, 1992).

    Os trs conceitos cardeais de Mead: Sociedade, Eu e Mente so nfases diferentes sobre o mesmo processo denominado por ato social, sendo este composto pela relao tridica entre gesto, resposta e interao:

    Ato social uma relao tridica que consiste num gesto inicial de um indivduo, uma resposta a esse gesto por outro indivduo (encoberta ou abertamente), e uma resultante do ato, a qual percebida ou imaginada por ambas as partes na interao (LITTLEJOHN, 1982, p. 69).

    Para Mead, o crebro necessrio para a formao da mente, mas ele sozinho no faz a mente. a sociedade-interao social que, usando o crebro forma

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    a mente. Portanto, a formao do self e da mente tem fundamentao social, pois as pessoas evoluem e se transformam a partir da interao social com outras e consigo mesmas. De acordo com Mead, a sociedade precede a existncia do self, ou seja, o self surge a partir da sociedade (HAGUETTE, 1992), sendo a sociedade ou vida em grupo um aglomerado de comportamentos cooperativos por parte dos membros da sociedade. A cooperao consiste em ler as aes e intenes da outra pessoa e em responder de um modo apropriado, ou seja, a essncia da comunicao interpessoal e essa noo de resposta mtua com o uso da linguagem faz do Interacionismo Simblico uma teoria vital da comunicao (LITTLEJOHN, 1982).

    Diferentemente, o comportamento animal biologicamente determinado, enquanto que para o ser humano necessrio reflexo mental, pois as pessoas atribuem significados aos seus gestos e refletem suas respostas, a comunicao entre animais dar-se por processos elementares, pois estes no atribuem um significado consciente aos seus gestos e no refletem suas respostas. As pessoas atribuem significados aos seus gestos e so capazes de refletir suas respostas e aes (LITTLEJOHN, 1982; HAGUETTE, 1992).

    Aproximamo-nos da realidade utilizando os smbolos. Ns vemos de acordo com nossa estrutura simblica. As perspectivas, que so pontos de vista que guiam nossa percepo da realidade, surgem na interao com o outro. Os objetos sociais, os smbolos, a linguagem e a perspectiva so coisas dinmicas que so transformadas atravs da interao (CHARON, 1989). Os smbolos usados devem possuir um significado compartilhado pelos indivduos na sociedade. Na terminologia meadiana, um gesto com significado compartilhado smbolo significante. Em suma, a sociedade nasce nos smbolos significantes do grupo (LITTLEJOHN, 1982).

    Uma das principais contribuies de Mead o conceito do outro generalizado, que consiste no papel unificado em decorrncia do qual o indivduo passa a ver-se a si mesmo. a percepo do indivduo do modo global como os outros o vem (LITTLEJOHN, 1982; CHARON, 1989).

    Facetas do eu designadas por Mead: eu-mesmo e mim. O mim o objeto que ascende na interao e que se comunica. O eu-mesmo simplesmente aquela parte do indivduo que est impulsivo, espontneo, insocivel pela

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    sociedade, e no intencionalmente usado pelo ator. O eu a parte do ator que no age, porque o ator interage simbolicamente consigo prprio, agindo espontaneamen-te e no impulso (LITTLEJOHN, 1982; CHARON, 1989).

    A mente constitui a terceira parte da teoria de Mead, e pode ser definida como o processo de interao da pessoa consigo mesma (LITTLEJOHN, 1982; CHARON, 1989; HAGUETTE, 1992). Mente ao, ao que o smbolo usa e o dirige rumo ao self. Mead escreve que a mente ativa e que as diferentes fases da conscincia so partes dessa atividade. Tanto ns realizamos conversao com os outros, quanto conosco mesmos. Quando caminhamos numa situao, ns determinamos o que importante para ns nesta ou naquela situao, e ns definimos a situao, e isto atividade da mente. Indivduos fazem indicaes para eles mesmos. Isto significa que, atravs da mente, exteriorizamos coisas nas situaes, sendo a capacidade de elaborar a atividade mental que define dada situao (CHARON, 1989). Essa capacidade que se desenvolve simultaneamente com o eu crucial para a vida humana, pois parte integrante de todo e qualquer ato. O motivo pelo qual a reflexo mental to importante para Mead que ela fornece o fundamento lgico para ver a pessoa como um ator e no como um reator passivo, pois os seres humanos constroem o ato antes de o consumarem (LITTLEJOHN, 1982).

    Todos os escritos e apontamentos de Mead, no publicados em vida, foram sistematizados e publicados por Herbert Blumer, numa apresentao clara e fidedigna s idias de Mead. Na principal obra de Blumer (1969, p. 2), Symbolic Interactionism, Perspective and Method, foram descritas as trs premissas bsicas do Interacionismo Simblico:

    1 O ser humano age com relao s coisas na base dos sentidos que elas tm para ele. Estas coisas incluem todos os objetos fsicos, outros seres humanos, categorias de seres humanos (amigos ou inimigos), instituies, idias valorizadas (honestidade), atividades dos outros e outras situaes que o indivduo encontra na sua vida cotidiana.

    2 O sentido destas coisas derivado, ou surge, da interao social que algum estabelece com seus companheiros.

    3 Estes sentidos so manipulados e modificados atravs do processo interpretativo usado pela pessoa ao tratar as coisas que ela encontra.

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    O significado assume papel central no Interacionismo Simblico de acordo com Blumer, quando a maioria das cincias do comportamento depreciava sua importncia.

    Ao contrrio das posturas encontradas em muitas abordagens das cincias psicolgicas, o Interacionismo Simblico aloca uma importncia fundamental ao sentido que as coisas tm para o comportamento humano (HAGUETTE, 1992).

    Para Blumer, o significado pode ser entendido sob trs pontos de vista: 1) dentro de uma viso mais realista, o significado visto como inerente ao objeto; 2) o significado surge a partir das orientaes internas de cada pessoa; 3) na terceira perspectiva, notadamente interacionista, o significado como produto da interao social entre as pessoas (LITTLEJOHN, 1982).

    Dentro da perspectiva interacionista, a vida de um grupo humano representa um vasto processo de formao, sustentao e transformao de objetos. Objeto visto como sendo qualquer coisa que pode ser indicada ou referida como parte do mundo da pessoa, so criaes sociais formadas a partir do processo de definio e interpretao atravs da interao social. O sentido dos objetos para uma pessoa surge da maneira como eles lhes so definidos por outras pessoas que com elas interagem, consistindo o meio circundante de qualquer pessoa, unicamente dos objetos que esta pessoa reconhece. Assim, para que se compreenda a ao das pessoas, necessrio que se identifique seu mundo de objetos (HAGUETTE, 1992).

    Blumer, assim como Mead, afirma que o ser humano possui um self que se desenvolve dentro da sociedade, e da mesma maneira que o indivduo age socialmente um com outro, ele interage socialmente consigo mesmo, ou seja, o ser humano pode ser um objeto de suas prprias aes. Ns vemos a ns mesmos atravs da forma como os outros nos vem ou nos definem (HAGUETTE, 1992).

    Blumer critica certas vises dominantes da psicologia e das cincias sociais, tanto em relao ao humana individual como para a ao humana coletiva. Para estas vises, elas estabelecem que a ao humana individual como se originando ou combinando-se com atitudes, complexos inconscientes, demandas

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    de status ou situao; e ao coletiva sendo uma ordem estabelecida de vida atravs da concordncia a um conjunto de regras, normas, valores e sanes que especificam e ditam o comportamento das pessoas, como elas devem agir de acordo com dada situao (HAGUETTE, 1992).

    Blumer (1969, p. 16) define assim a forma como os seres humanos constroem suas aes.

    Ns devemos reconhecer que as atividades dos seres humanos consistem no enfrentamento de uma seqncia de situaes nas quais eles devem agir, e que suas aes so construdas base do que eles notam, de como eles avaliam e interpretam o que eles notam, e do tipo de linhas de ao projetadas que eles mapeiam.

    Tpicos importantes do pensamento de Blumer, que junto com a viso de significado so essenciais para a compreenso da teoria do Interacionismo Simblico, definidos por Blumer: imagens radicais ou root images; vida em grupo; interao social; natureza dos objetos; pessoas como atores; natureza da ao humana e interligaes das aes individuais na sociedade (LITTLEJOHN, 1982).

    A sociedade consiste de indivduos que interagem uns com outros, e cujas atividades ocorrem predominantemente em resposta ou em relao de um a outro. Nessa interao social, a mtua assuno de papis, ou seja, um colocar-se no lugar do outro uma condio sine qua non da comunicao e da interao efetiva de smbolos (HAGUETTE, 1992).

    Assim como Mead, Blumer concordou:

    A sociedade nasce das interaes individuais. Nenhuma ao humana existe separada da interao. Quase tudo o que uma pessoa e faz formado no processo de interatuar simbolicamente com outras pessoas. A interao consiste num mtuo levar-em-conta e responder, e a sociedade resulta de cada pessoa coordenar a sua prpria conduta como a dos outros. Mas a vida em grupo e a conduta individual modelam-se atravs do processo em curso de interao simblica (LITTLEJOHN, 1982, p. 73).

    Blumer considerou os objetos sob a mesma concepo de Mead, especificados como fsicos (coisas), sociais (pessoas) e abstratos (idias), em que adquirem significado atravs da interao simblica; e, ainda, a ao, em que o homem capaz de atuar consigo mesmo como um objeto porque possui um eu, no sendo simplesmente um reator, mas ator de sua prpria ao. E essa relao entre

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    ao e o eu o que distingue o ser humano dos outros animais. A ao grupal ou social foi uma das reas primrias do pensamento de Mead que Blumer ampliou. A outra foi a metodologia que Blumer desenvolveu (LITTLEJOHN, 1982).

    Uma ao conjunta de um grupo de pessoas consiste na interligao de suas respectivas aes separadas. Mas a ao grupal distinta. No a mera somao das aes individuais, mas uma gestalt em si mesma, que se baseia em atos individuais, e errneo considerar a conduta grupal independentemente das aes individuais dos participantes (LITTLEJOHN, 1982).

    Blumer (1969) enfatiza que os participantes ainda tm de guiar seus respectivos atos, mediante a formao e uso de significados e ainda delineia trs observaes a respeito das interligaes:

    Mesmo no caso de padres grupais altamente repetitivos, nada permanente. Cada caso deve comear de novo com a ao individual. Por mais slida que uma ao grupal parea ser, ela permanece ainda enraizada no eu de cada ser humano (LITTLEJOHN, 1982, p. 74). o processo social na vida grupal que cria e sustenta as regras; no so as regras que sustentam a vida grupal (BLUMER, 1969, p. 19).

    Uma cadeia ou uma instituio no funciona automaticamente por causa de alguma dinmica interna ou requisitos sistmicos; ela funciona porque as pessoas, em diferentes pontos, fazem algo e o que fazem um resultado de como elas definem a situao em que so chamadas a atuar (BLUMER, 1969, p. 19).

    Observa-se que as aes individuais esto interligadas atravs de complexas cadeias, em que mesmo pessoas distantes podem ser interligadas em dada situao comum em que possam atuar. A terceira observao feita por Blumer tem relao com as anteriores, onde as relaes grupais so constitudas a partir de cada ao individual.

    Em relao s interligaes das aes individuais na sociedade, Blumer desenvolveu trs observaes importantes: 1) Apesar da maior poro das relaes sociais serem estveis e recorrentes, necessrio ter cuidado, pois situaes novas podem acontecer, necessitando de redefinio e ajustamento; 2) As relaes sociais no acontecem de uma forma estabelecida internamente, mas funcionam porque as pessoas individualmente fazem algo, e esse algo que fazem resulta numa relao

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    estvel; 3) Os antecedentes e a formao bsica de cada indivduo so de suma importncia na construo das relaes sociais (LITTLEJOHN, 1982).

    Embora Mead no tenha detalhado o mtodo, essa foi uma rea bastante desenvolvida por Blumer. A metodologia constitui a principal diferena entre as escolas de Chicago e Iowa. O fundamento mais bsico para Blumer na cincia do comportamento o mundo emprico. O mundo emprico o ponto de partida e o ponto de chegada da pesquisa. Entretanto, importante no desvalorizar ou subestimar o papel do observador/pesquisador, pois mesmo se tratando de uma descrio objetiva da realidade, est a a percepo e interpretao do observador/pesquisador. Nesse contexto, existem dois perigos, aos quais o pesquisador deve estar atento: 1) acreditar que a realidade no mundo emprico imutvel; 2) ter a convico de que a realidade mais bem representada em termos da fsica e dos fatos objetivos. Pois, para Blumer, esse esquema criado por um segmento de cientistas, no representa a abordagem genuna da cincia emprica (LITTLEJOHN, 1982).

    Segundo Blumer (1969), a investigao emprica envolve seis aspectos principais, em que o pesquisador deve: fazer uso de algum quadro prvio de referncia; elaborar interrogaes sobre o mundo emprico em estudo; determinar os dados a serem coletados e os meios pelos quais os dados sero coletados; determinar padres de relaes entre os dados coletados; realizar a interpretao dos resultados obtidos a partir do referencial terico e finalmente conceituar o que foi descoberto.

    Blumer (1969) fez crtica severa aos mtodos tradicionais de pesquisa utilizados pelas cincias sociais, pois fracassam como mtodos para validao emprica, adotando procedimentos que generalizam a conduta humana.

    De acordo com Littlejohn (1982), Blumer sustentava que as pesquisas devem ser feitas atravs de um conhecimento participativo prvio dos fenmenos a serem investigados. A observao participante um processo rigoroso de descoberta do mundo emprico em estudo e deve ter dois estgios: explorao e inspeo. A explorao, uma tcnica de sondagem minuciosa e flexvel em que o investigador a desenvolve com tica para a obteno de informaes. No estgio de explorao, o

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    investigador deve avanar de tcnica para tcnica, de maneira flexvel e confortvel, a fim de obter um quadro amplo e realista da rea sob investigao. Depois de se determinar a natureza geral do fenmeno, o pesquisador inicia a inspeo. A diferena primordial entre explorao e inspeo a profundidade e o foco.

    O ponto de encontro entre o Interacionismo Simblico e a busca de compreenso do significado do Processo de Enfermagem para o enfermeiro no contexto de UTI consiste em desenvolver a interpretao luz das premissas bsicas da teoria e conceitos centrais do mundo de objetos, ao individual, ao coletiva, sociedade. Acreditamos na possibilidade da compreenso dos enfermeiros que vivenciam esta prtica a partir da interao social com equipe de enfermagem, outros profissionais, pacientes e familiares que se encontram na UTI, e que a partir do processo interativo, constroem as aes individuais, em que os sentidos desta prtica surgem da interao com os seus iguais. Desta forma, os significados so construdos no entendimento de ser uma construo simblica e interacional.

    Ao indagar junto aos enfermeiros acerca da sua prtica sobre o Processo de Enfermagem no dia-a-dia dentro da UTI, vrias foram as colocaes dos 7 (sete) enfermeiros investigados. Dentre estes, vale a pena destacar as inferncias relacionadas s dificuldades encontradas, as falhas identificadas, opinies, crticas sobre a prtica desenvolvida do Processo de Enfermagem, vantagens e facilidades, entre outras questes apresentadas como forma de significados.

    Para os interacionistas simblicos, as pessoas agem em relao s coisas com base no significado que as coisas tm para si mesmas. Esses significados surgem da interao social entre as pessoas, de modo que a todo tempo o significado dessas coisas so continuamente interpretadas num processo de interao consigo mesmas e com outras pessoas, na construo da ao, que bastante distinta entre seus pares.

    Para Blumer (1969), as coisas incluem tudo que o ser humano pode observar no seu mundo, so produtos da interao simblica e constituem qualquer coisa que pode ser apontada ou referida, uma cadeira, uma rvore, outros seres humanos, instituies, crenas, ideais e todas as situaes com que a pessoa se depara em sua vida diria. Para fins de convenincia, o autor classifica os objetos em trs categorias: 1) objetos fsicos, como cadeiras, livros e camas; 2) objetos sociais,

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    tais como professores, estudantes, parentes, doentes, profissionais e outras categorias de seres humanos; 3) objetos abstratos, como princpios morais, teorias, doutrinas filosficas e religiosas, ideais de justia, solidariedade, explorao, compaixo, amor, dio e esperana entre tantos outros objetos de abstrao humana.

    E ainda define a natureza de qualquer objeto consistindo de significado que ele tem para a pessoa que o considera como objeto, sendo que esses significados surgem fundamentalmente da forma pela qual so definidos para eles com outros com quem eles interagem. Mesmo os seres humanos vivendo uma mesma realidade e compartilhando as mesmas coisas, individualmente cada um reconhece seu mundo de objetos, seus significados (das diferentes pessoas), surgem na interao entre as pessoas e neste sentido devem ser vistos como criaes sociais.

    2.2 O CAMINHAR METODOLGICO

    O estudo qualitativo foi desenvolvido com eixo terico no Interacionismo Simblico, buscando a compreenso do significado do Processo de Enfermagem para enfermeiros em unidade de terapia intensiva.

    Os mtodos qualitativos enfatizam as especificidades dos fenmenos em termos de suas origens e de sua razo de ser, pois fornecem uma compreenso profunda dos fenmenos sociais investigados apoiados no pressuposto de maior relevncia do aspecto subjetivo da ao social do homem dentro do contexto social, de modo a reforar nossa opo por essa abordagem (HAGUETTE, 1992).

    A metodologia da investigao qualitativa no busca simplesmente estudar o fenmeno em si, mas essencialmente compreender seu significado individual ou coletivo para a vida das pessoas (TURATO, 2005).

    A abordagem da pesquisa qualitativa exige que o mundo seja examinado com a idia de que nada trivial, mas tudo tem potencial para construir uma pista que nos conduza a estabelecer uma compreenso mais clara do objeto em estudo. Este tipo de abordagem possui 5 propriedades bsicas: primeiro: a busca do

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    significado assume importncia vital para o pesquisador, pois as pessoas manifestam modos diferentes s suas vidas; segundo: a fonte natural dos dados o mundo emprico das pessoas, onde acontece a observao sem controle de variveis; terceiro: o investigador o instrumento principal da pesquisa, usando diretamente seus rgos do sentido para apreender os objetos do mundo em estudo; quarto: a pesquisa descritiva e interessa-se mais pelo processo (como o objeto em estudo acontece ou se manifesta), do que pelos resultados finais matematicamente trabalhados; quinto: a anlise dos dados dar-se de forma indutiva, os pesquisadores se fundamentam a partir de seus dados obtidos no campo, estudando profundamente e colecionando informaes que paulatinamente desembocam em construo de teorias (JORGE, 1997; TURATO, 2005).

    2.2.1 O contexto da pesquisa

    A pesquisa foi realizada em trs unidades de terapia intensiva de um hospital geral de grande porte, da rede pblica da cidade de Fortaleza, considerado referncia no atendimento tercirio na rede Sistema nico de Sade (SUS) para o Estado do Cear e Regio Nordeste. Constitui-se um hospital de ensino, sendo campo de estgio para alunos de graduao e ps-graduao dos cursos de Enfermagem, Medicina, Nutrio, Fisioterapia, Fonoaudiologia e Odontologia.

    O hospital possui trs UTIs de adulto, com capacidade total de 32 leitos sendo assim distribudos: UTI n 1 (UTI/1) com 14 leitos, UTI n 2 (UTI/2) com 10 leitos e UTI n 3 (UTI/3) com oito leitos. Todas so destinadas ao atendimento de pacientes clnicos e cirrgicos das mais variadas patologias.

    A UTI-1, antiga unidade semi-intensiva, compreende uma rea total de 208,31m2, localizada no andar trreo. Conta com 14 leitos destinados a pacientes clnicos e cirrgicos provenientes da emergncia ou das unidades de internao do prprio hospital.

    Logo na entrada da UTI-1, situam-se dois pequenos compartimentos destinados para secretaria e copa. Seguem-se os leitos, e no final do salo, temos outros pequenos compartimentos: dois vestirios com banheiros, um banheiro para

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    pacientes, uma sala de material de consumo, um expurgo e uma sala de material de limpeza. Ao centro, esto situadas duas bancadas para equipe de sade, sendo frente das bancadas esto dispostos os leitos um ao oito, esquerda os leitos nove ao 11, e direita os leitos 12 ao 14. A distncia entre os leitos fica em torno de 1,10cm. Todos os pacientes so monitorizados individualmente (presso arterial, oximetria de pulso e freqncia cardaca) e no dispomos de central de monitorizao.

    A equipe de enfermagem constituda por 25 enfermeiros e 38 auxiliares, sendo uma enfermeira supervisora, responsvel pela parte gerencial da unidade e dos funcionrios. Cada turno de trabalho composto por trs enfermeiras assistenciais e sete auxiliares.

    A UTI-2 tem uma rea total de 328m2, compreendendo dois corredores lateralmente, um destinado visitao dos pacientes pelos familiares que observam seus parentes atravs de janelas de vidro, e o outro destinado circulao dos funcionrios, sada e entrada de materiais e equipamentos, onde esto alocados os armrios dos funcionrios. Ambos os corredores tm visualizao das reas em torno do hospital.

    A rea fsica, excetuando os corredores laterais, totaliza 298m2, incluindo todas as salas de apoio como: estar clnico com adaptao de copa para lanches rpidos, sala de lactrio para preparao das dietas dos pacientes das UTIs, sala de equipamentos, sala de material, banheiro dos pacientes (que serve tambm de guarda de suportes de soros e biombos), posto de enfermagem com mini-sala de material, expurgo, banheiro para funcionrios somente para banho, vestirio dos profissionais com banheiro completo e uma sala de secretaria.

    A rea de 175m2, destina-se aos pacientes internados, no total de 10(dez), sendo 1(um) leito de isolamento. A distncia entre os 9(nove) leitos que ficam lado a lado de 1,10cm. No espao dos primeiros pacientes fica uma bancada com duas cadeiras, pois anteriormente ficava a central de monitorizao dos leitos n1 ao n5, esta h muitos anos foi retirada para conserto, e definitivamente ficamos sem central de monitorizao. Todos os pacientes tm monitorizao no invasiva com multiparmetros: Presso Arterial, Saturao de Oxignio, Freqncia

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    Cardaca, com possibilidade de acoplagem de outros mdulos como: capnografia, presso venosa central, presso arterial invasiva e presso de artria pulmonar. Temos outra bancada com duas cadeiras que funcionava a central de monitorizao dos leitos n6 ao n10, e hoje acomoda um computador com impressora para atividades da secretaria, sem acesso internet. O leito de isolamento, com rea de 19,5m2 fica separado dos outros leitos, necessitando de controle contnuo, devido inexistncia de uma central de monitorizao.

    Esta UTI-2 est em processo de fechamento para reforma da estrutura fsica e ampliao do nmero de leitos, passando de 10 para 20 leitos. A equipe de enfermagem composta de 13 enfermeiros, sendo um enfermeiro o supervisor de enfermagem e 15 auxiliares de enfermagem. Pela manh (segunda a sexta) esto escalados trs enfermeiros, e no restante dos turnos e finais de semanas e feriados so apenas dois enfermeiros. Cada auxiliar de enfermagem responsvel por dois pacientes e em todos os turnos so cinco auxiliares de enfermagem. O Processo de Enfermagem iniciado pelo enfermeiro da manh, da a necessidade de trs enfermeiros neste perodo de trabalho.

    A UTI-3 tem rea fsica total de 97,41m2, conta com oito leitos, destinados a pacientes cirrgicos gerais, sendo dois leitos destinados a pacientes neurolgicos, no ps operatrio de neurocirurgias e outros procedimentos neurocirrgicos. A equipe de enfermagem composta de 10 enfermeiros, sendo um enfermeiro o supervisor de enfermagem e 14 auxiliares de enfermagem. Logo que adentramos na UTI-3 avistamos uma bancada para supervisora de enfermagem e um corredor que finaliza no vestirio dos mdicos. Neste corredor so colocados alguns materiais e equipamentos, o que dificulta o trnsito de pessoas e situam-se dois pequenos compartimentos destinados sala de material de consumo do noturno e finais de semana, e material de limpeza. No salo, ao centro, est a bancada destinada aos profissionais, e frente esto posicionados os leitos n 3 a n 8, esquerda o leito n 2 e direita o leito n 1. Todos os pacientes tambm esto monitorizados semelhante ao que ocorre nas UTIs 1 e 2. Ao fundo do salo, localizam-se o banheiro de pacientes, o expurgo e outra sala para guarda de material de consumo da unidade.

    Nas UTIs 1 e 3, a realizao da prescrio de enfermagem a partir dos diagnsticos, elaborada pelo enfermeiro do noturno, exceo acontece na UTI-2,

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    quando os diagnsticos e prescries so realizados pelo enfermeiro da manh, da a necessidade do terceiro enfermeiro escalado pela manh na UTI-2.

    Em todas as UTIs, de segunda a sexta-feira, a supervisora de enfermagem conta com o apoio da secretria e controlista de material, sendo que durante feriados e finais de semana, os problemas de ordem administrativa ficam a cargo da enfermeira assistencial, que conta com o apoio da controlista.

    As UTIs so gerenciadas por uma enfermeira coordenadora, integrante do comit gestor das UTIs, composto por outros profissionais tambm gerentes: mdico, fisioterapeuta, nutricionista, assistente social e farmacutico.

    2.2.2 Enfermeiros participantes

    Participaram do estudo sete enfermeiros assistenciais lotados das UTIs 1, 2 e 3 que so destinadas a pacientes adultos do referido hospital. Para preservar a identidade dos participantes, foram denominados como: E1, E2, E3, E4, E5, E6 e E7.

    Foram 7 (sete) enfermeiros entrevistados, com idade entre 26 e 58 anos, 3(trs) solteiros, 2(dois) casados, 1(um) vivo e 1(um) divorciado. Tempo de graduao variando entre dois e 20 anos. Tempo de servio na instituio entre oito meses e 23 anos. Experincia com o Processo de Enfermagem, no mnimo de dois at mais de 15 anos. A maioria dos enfermeiros eram terceirizados e 2 (dois) enfermeiros com vnculo, sendo 1 (um) com a Secretaria de Sade do Estado e o outro com o Ministrio da Sade. Os terceirizados no tinham carga horria definida, dependendo da necessidade do servio, com um mnimo de 20h por semana. Todos os enfermeiros possuam ps-graduao lato-sensu.

    Investigamos enfermeiros que atendiam os seguintes critrios de incluso: ter vnculo empregatcio direto ou indireto com a instituio em estudo e ter experincia com a prtica do Processo de Enfermagem na assistncia h pelo menos dois anos. Este ltimo, pelo entendimento de ser tempo suficiente para o enfermeiro ter passado por todas as etapas de vivncia do Processo de

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    Enfermagem e ter condies de fazer uma avaliao crtica acerca do processo de trabalho da enfermagem.

    O nmero de enfermeiros investigados seguiu o critrio da saturao terica, a qual se baseia na repetio das idias. Para Bauer e Bas Aarts (2002), a saturao o critrio de finalizao, investigando-se diferentes representaes apenas at que a incluso de novos estratos no acrescente mais nada de novo ao estudo. E tambm pelo fato de que a maioria no tinha experincia com a realizao do Processo de Enfermagem de pelo menos dois anos, pois a rotatividade dos enfermeiros muito grande, sendo cerca de 70% dos profissionais terceirizados, sem vnculo empregatcio com a instituio em estudo. Trs enfermeiros, da populao total de 48 enfermeiros, foram automaticamente excludos por exercerem funo gerencial e de superviso. Ainda acrescento que, durante a realizao das entrevistas, a UTI n2 encontrava-se desativada, e alguns funcionrios terceirizados foram dispensados.

    2.2.3 Estratgias desenvolvidas para a obteno dos dados

    Ao partirmos para esta fase, a obteno dos dados, tnhamos em mente algo muito claro, precisvamos adentrar no mundo dos enfermeiros da UTI, de forma a obtermos a confiana e aceitao da nossa presena e busca no atendimento do nosso objetivo, ou seja, os significados que permeavam a prtica do Processo de Enfermagem para este grupo de profissionais da sade, e no domnio do cuidar de pessoas gravemente enfermas nos inserimos tendo como guia os ensinamentos de Blumer (1969) abaixo expressos em seis aspectos principais.

    1) O pesquisador deve fazer uso de algum quadro prvio de referncia ou esquema do mundo emprico em estudo;

    2) O pesquisador deve elaborar interrogaes sobre o mundo emprico em estudo, sendo esses os problemas que nortearo o estudo;

    3) O pesquisador deve determinar os dados a serem coletados e os meios pelos quais os dados sero coletados, sendo que os meios utilizados dependero da natureza dos dados;

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    4) O pesquisador precisa determinar padres de relaes entre os dados coletados;

    5) O pesquisador realiza a interpretao dos resultados obtidos a partir do referencial terico. Aqui se o referencial utilizado for falso, as interpretaes tambm o sero;

    6) Finalmente, o pesquisador deve conceituar o que foi descoberto.

    Os dados foram coletados no perodo de maio a agosto de 2006, por meio da observao participante (APNDICE A) e entrevista semi-estruturada (APNDICE B).

    Inicialmente para entrada de campo foram desenvolvidas observaes livres e observaes participantes com o intuito de aproximao com a realidade a ser investigada. Para Blumer (1969), as pesquisas devem ser feitas atravs de um conhecimento participativo prvio dos fenmenos a serem investigados, sendo a observao participante um processo rigoroso de descoberta do mundo emprico em estudo, constituindo-se por duas fases: explorao e inspeo. A explorao a fase preliminar onde o investigador faz uma sondagem minuciosa para determinao da natureza geral do fenmeno. A segunda fase, mais focalizada, a inspeo, diferenciando-se da explorao por ser mais aprofundada.

    Realizamos oito sesses de observaes participantes, nos turnos da manh, tarde e noite, em que cada uma teve em mdia 95 minutos, perfazendo um total de 765 minutos no desenvolvimento da observao participante. Para melhor compreenso, passaremos a apresentar a forma como as observaes participantes foram desenvolvidas e para exemplificar, mostraremos a descrio da observao participante realizada no dia 15/06/2006, s 7 horas na UTI-2.

    Hoje, dia 15/06/06, quinta-feira, cheguei UTI-2 s 7:00 horas. A unidade acomoda apenas 8 (oito) pacientes, pois est em processo de desativao, devido reforma da estrutura fsica do Hospital Geral de Fortaleza (HGF). At o final de junho todos os leitos sero gradativamente bloqueados para ampliao do nmero de vagas (vinte no total).

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    Devido ao feriado de Corpus Christi, a unidade contava com 2(duas) enfermeiras e quatro auxiliares quantitativo reduzido em conseqncia da reforma - uma proporo de um auxiliar para cada dois leitos.

    Dos 8 (oito) pacientes internados, 4(quatro) estavam sob ventilao mecnica, sendo 3(trs) traqueostomizados e 1(um) intubado. Os demais (quatro) encontravam-se respirando espontaneamente, sem suporte de oxignio, portanto conscientes. Destes 2(dois) estavam bastante sonolentos, mas acordando quando chamados e durante a prestao dos cuidados.

    A enfermeira n1 chegou s 7h e recebeu o planto. Como ela j conhecia a situao e o histrico de todos os pacientes, solicitou que fossem comunicadas somente as intercorrncias.

    Todos conversavam sobre assuntos corriqueiros e pessoais, inclusive a pesquisadora, e somente aps cerca de 20 a 30 minutos, a enfermeira n1, iniciou os procedimentos de rotina: verificao dos sinais vitais dos pacientes, com os quais interagia mesmo estando intubados e sob ventilao mecnica.

    Nesse nterim, a enfermeira n2 chegou UTI e em consenso com a enfermeira n1 estabeleceu o quantitativo de pacientes a serem acompanhados pelas mesmas - 4(quatro) para cada uma. A enfermeira n1 comunicou ao paciente o procedimento, verificao dos sinais vitais, interagindo o mesmo, apesar da condio de intubado e sob ventilao mecnica (VM). Dirigiu-se a outro paciente que estava acordado e consciente, perguntando-lhe sobre a alimentao, enquanto ajustava o aparelho de verificao da presso arterial (PA), tensimetro modo automtico. Em seguida, dirigiu-se para buscar a dieta do paciente, informando-lhe que iniciaria a alimentao com lquido, servindo-lhe um ch.

    Em outro momento conversamos a respeito do uso do hidrocolide nas leses nos membros superiores da paciente e o processo de

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    cicatrizao. Perguntei como ela tinha tratado a leso, e ela informou-me que, inicialmente havia muitas bolhas na leso, sendo necessrio hidrat-las com AGE (cidos graxos essenciais) e enfaixar os membros. Na fase posterior, utilizou-se o hidrocolide, pois segundo a enfermeira mais benfico que estourar as bolhas. Hoje sua conduta seria retirar as pelculas de hidrocolide e deixar sem nada. Ela ainda considerou que o estado da paciente era muito grave, e provavelmente, esta no sairia da UTI, ou seja, o final poderia ser a morte.

    Passado algum tempo, aps concluir a verificao dos sinais vitais de todos os pacientes, iniciou a prescrio de enfermagem no impresso especfico para tal.

    A enfermeira n2 iniciou a verificao dos sinais vitais, observando que a bomba de infuso da dieta encontrava-se desligada, perguntou plantonista o motivo, pois a paciente embora com respirao espontnea estava muito sonolenta e necessitava de sonda nasogstrica (SNG) para alimentar-se. A mdica aproximou-se da enfermeira e da paciente, dizendo que seria retirada a SNG e passada a sonda nasoenteral (SNE), devido ao desenvolvimento de uma sinusite. A enfermeira dirigiu-se bancada onde ficava o computador e o telefone, sentou-se e iniciou o registro das ocorrncias do dia no livro de relatrio de enfermagem, aps ter concludo a verificao de todos os sinais vitais dos 4(quatro) pacientes de sua responsabilidade. Na mesma bancada, iniciou as prescries de enfermagem em impresso especfico. Por volta de 8:30 iniciou a realizao de curativos cirrgicos de um paciente que estava no 3 dia de ps-operatrio de esofagectomia por neoplasia de esfago, ao mesmo tempo que interagia com o paciente e era auxiliada por uma aluna de enfermagem de ltimo semestre que cumpria horas de estgio supervisionado na UTI. s 9h, tradicional horrio do caf, as enfermeiras e outros profissionais dirigiram-se copa adaptada para lanches, visto que este local tambm sala de estar.

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    Esse relato objetivou mostrar o cotidiano do enfermeiro no contexto de UTI do HGF, de forma a ressaltar a complexidade do seu trabalho por se tratar da assistncia a pacientes gravemente enfermos, implicando em aes de diversas dimenses desenvolvidas por vrios profissionais, tornando as atividades altamente estressantes.

    Realizamos sete entrevistas aps um maior conhecimento do contexto dos enfermeiros da unidade de terapia intensiva. Essas foram complementadas com observaes participantes. Foram gravadas a partir do consentimento dos enfermeiros e realizadas em local apropriado, com encontros previamente marcados de acordo com a disponibilidade dos mesmos. O tempo mdio destas foi varivel, entre 10 a 30 minutos, totalizando 125 minutos.

    A entrevista uma tcnica de coleta de dados amplamente empregada nas cincias sociais, pois fornece dados que possibilitam o mapeamento do mundo de vida dos respondentes, cujo objetivo obter uma compreenso detalhada das crenas, valores, atitudes e motivaes, em relao aos comportamentos das pessoas em contextos sociais especficos (GASKELL, 2002).

    Para Haguette (1992) definida como um processo de interao entre duas pessoas no qual uma delas, o investigador ou entrevistador, busca as informaes por parte do entrevistado ou sujeito da pesquisa.

    2.2.4 A fase de organizao dos dados para anlise

    Os dados foram analisados luz da perspectiva terica do Interacionismo Simblico, a partir das premissas bsicas e conceitos centrais da teoria. Para tanto, optamos pela anlise categorial temtica de Bardin (1977).

    Seguimos o mtodo recomendado pelo autor que se constitui de trs etapas: pr-anlise, anlise e tratamento dos resultados. A pr-anlise a fase de organizao, caracterizando-se por flexibilidade e escolha do material a ser analisado, formulao de hipteses, objetivos e elaborao dos indicadores para interpretao dos resultados. A segunda fase, anlise do material, consiste na

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    codificao, categorizao e quantificao das informaes. A fase seguinte, tratamento dos resultados (inferncia e interpretao), visa a um tratamento quantitativo que no exclui a interpretao qualitativa (BARDIN, 1977).

    2.2.5 Aspectos tico-legais

    Quanto s questes ticas foram obedecidas as Diretrizes e Normas Reguladoras de Pesquisa envolvendo seres humanos, conforme a resoluo N 196 de 10 de outubro de 1996 do Conselho Nacional de Sade (BRASIL, 1996).

    O projeto de pesquisa foi encaminhado ao Comit de tica em Pesquisa e aps parecer positivo do Comit de tica em Pesquisa da Universidade Estadual do Cear e da instituio da referente investigao que iniciamos a coleta dos dados (ANEXO C).

    Os profissionais foram consultados previamente sobre o desejo de participar da pesquisa. Foi assinado um termo de consentimento livre e esclarecido (APNDICE C) por todos os participantes, quando foram informados sobre o tipo de pesquisa, o objetivo, a justificativa e a forma de participao dos sujeitos. Estes tiveram a garantia do anonimato da identidade bem como a liberdade de participar ou no, ficando livres para desistir em qualquer fase da pesquisa, sem que houvesse nenhum prejuzo. No termo constavam, ainda, os benefcios, a ausncia de riscos e a forma de utilizao dos dados para que tomassem conhecimento e autorizassem a realizao do estudo com pleno esclarecimento.

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    3 APRESENTAO DOS RESULTADOS E DISCUSSO

    O Processo de Enfermagem uma criao social da enfermagem, como sendo formado no processo de definio e interpretao do homem em sociedade, quando tudo acontece a partir da interao entre as pessoas, e a todo tempo, nesta interao social, o significado formado, sustentado e modificado. Mesmo para enfermeiros que pertencem a uma mesma instituio e trabalham num mesmo setor, o significado que as pessoas tm em relao ao Processo de Enfermagem so diferentes, pois ele surge essencialmente da forma como foram construdos e formados no processo de interao social, estabelecendo a forma pela qual cada um v e cada um age em relao ao Processo de Enfermagem.

    Muitas so as pesquisas feitas em relao ao Processo de Enfermagem, mas so escassas as que enfatizam suas formas de significado, uma vez que a opo pelo Interacionismo Simblico dar-se pela busca dos significados que as coisas tm para as pessoas e pelo respeito ao mundo emprico que o mtodo capaz de realizar.

    De posse do contedo manifesto foi possvel construir e elaborar dois temas: O Significado do Cotidiano Vivenciado pelo Enfermeiro na UTI e A Interao Social na UTI. As temticas: Descrevendo a prtica