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8/19/2019 Artigo Resenha de André Gorz Por Virginia
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Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas
Nº 1, setembro de 2011
Gorz, André. Crítica de la razón productivista. Edição de Joaquin Valdivielso. Madri: Los
Libros de La Catarata, 2008, 143 p.
Resenha elaborada por Virgínia Totti Guimarães, mestranda do IPPUR/UFRJ
A presente coletânea, organizada e comentada pelo professor de Filosofia Moral e
Política Joaquín Valdivielso, da Universidad de las Islas Baleares, na Espanha, ressalta, através
de uma leitura arguta e sistematizada, as razões pelas quais, na perspectiva do realismo
ecológico de André Gorz, o capitalismo de crescimento está morto. Para este pensador
dissidente do marxismo existencialista e pioneiro da ecologia política, tema sobre o qual escrevia
sob o pseudônimo de Michel Bosquet, o socialismo de crescimento, que se parece com
capitalismo de crescimento como a um irmão gêmeo, nos teria refletido uma imagem deformada
de nosso passado, mas não a de nosso futuro. O marxismo, que continuaria insubstituível como
instrumento de análise, teria perdido, para o autor, seu valor profético, já que o desenvolvimento
das forças produtivas, por meio do qual os trabalhadores deveriam ter instaurado a liberdade
universal, ao contrário, produziram o efeito de retirar dos mesmos as suas últimas parcelas de
soberania, ao polarizar a divisão entre trabalho manual e intelectual e destruir as bases materiais
de um possível poder nas mãos dos produtores.
O crescimento econômico, que deveria garantir a abundância e bem-estar a todos, ao
contrário, tem feito crescer as necessidades mais rapidamente do que se pode satisfazê-las,
desembocando em um conjunto de becos sem saída que não são unicamente de ordem
econômica. A novidade estaria no fato de que o agravamento da crise, em última instância,
ocorre por cada uma das soluções parciais e sucessivas mediante as quais se pretende superá-
la, já que a atual apresenta todas as características de uma crise de sobreacumulação clássica
e, ainda, dimensões novas que, salvo poucas exceções, não haviam sido previstas e para as
quais não se encontram respostas. O autor destaca como dimensões novas: a crise da relação
dos indivíduos com a própria economia; a crise do trabalho; a crise da nossa relação com a
natureza, com nosso corpo, com o sexo oposto, com a sociedade, com nossa descendência,
com a história; a crise da vida urbana, do habitat, da medicina, da escola, da ciência.
Destacando as limitações naturais às atividades econômicas, por conta da forma de
aproveitamento que tem ocorrido nos dias atuais, que trazem conseqüências como a saturação
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do esgotamento de recursos naturais, altos índices de poluição do ar e das águas, bem como a
pilhagem acelerada dos estoques daqueles que as sociedades industrializadas promovem, o
autor indica que até mesmo atualmente, os economistas, sejam clássicos ou marxistas, têm
rechaçado – tachando-as de „regressivas‟ ou „reacionárias‟ – todas as questões sobre o futuro de
longo prazo: o do planeta, o da biosfera e o das civilizações. Neste sentido, Keynes afirma “A
longo prazo, estaremos todos mortos”, explicando o motivo pelo qual entende que o horizonte
tempor al dos economistas não deveria, em sua opinião, ir mais além de dez ou vinte anos. “A
ciência descobrirá novos caminhos e os engenheiros, novos procedimentos inimagináveis hoje
em dia”.
No entanto, Gorz lembra que a ciência e a tecnologia acabaram descobrindo que
qualquer atividade produtiva vive por conta dos recursos limitados do planeta, assim como do
intercâmbio que se organiza dentro de um frágil sistema de equilíbrio múltiplo. Não se trata de
divinizar a natureza, nem de „retornar‟ a ela, mas de tomar em consideração o fato de que a
atividade humana encontra sua limitação externa na natureza, e quando se ignora tal limitação
somente se consegue provocar reações imediatas negativas e ainda não conhecidas (novas
doenças; declínio da esperança de vida e da qualidade de vida; diminuição da rentabilidade
econômica).
Ainda hoje, a resposta dos economistas consiste essencialmente em qualificar de
utópico e de irresponsável quem constata os sintomas de uma crise das relações profundas com
a natureza, sendo que o mais longe que se chegou foi considerar o crescimento zero dos
consumos físicos. Somente um economista, Nicholas Georgescu-Roegen, teve o bom-senso de
constatar que, ainda que estabilizado, o consumo de recursos naturais limitados acabaria
inevitavelmente por esgotá-los por completo, e, em conseqüência, a questão não estaria em
consumir cada vez mais, mas sim menos. Isto seria o realismo ecológico.
Não é incomum que o término ou a inversão do crescimento econômico fosse
contraposto à perpetuação ou agravamento das desigualdades, mas o que se tem visto não é a
diminuição destas pelo crescimento econômico. Após apresentar questionamentos relacionados
à obtenção de melhora das condições e do nível de vida por meio de mais eficiência dos
recursos naturais ou produção de outros bens de maneira diversa, bem como à escolha de
produzir bens socialmente custosos e não acessíveis a todos, o autor afirma que todos aqueles
que, situando-se à esquerda, se negam a abordar a questão do ponto de vista de uma equidade
de crescimento, demonstram que para eles o socialismo não é mais que uma continuação, por
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outros meios, das relações sociais e da civilização capitalista, do modo de vida e do modelo de
consumo burguês.
A economia política, enquanto disciplina, não se aplica nem a uma família, nem a
comunidades muito pequenas, mas justamente começa onde termina a cooperação e a
reciprocidade, ou seja, com a produção social que, baseada em uma divisão social do trabalho,
está determinada por mecanismos exteriores à vontade e à consciência dos indivíduos
(mecanismos do mercado e/ou do plano estatal). O indivíduo abstrato sobre o qual se
fundamentam as razões econômicas (homo oeconomicus) não consome o que produz e não
produz o que consome e, por isso, nunca se coloca questões como qualidade, utilidade,
satisfação, beleza, felicidade, liberdade e moral, mas somente questões como o valor de troca, o
fluxo, volume quantitativos e equilíbrio global. Assim, o economista não se ocupa do que os
indivíduos pensam, sentem ou desejam, mas somente dos processos materiais.
Marx, ao compreender tais fatos, apresentou os seguintes caminhos: ou os indivíduos
conseguem reagrupar-se e substituem a divisão social do trabalho pela cooperação voluntária
dos produtos associados para apresentar aos processos econômicos a sua vontade comum; ou
permanecem espalhados e divididos, em processos econômicos que arruinaram seus objetivos
e, cedo ou tarde, um Estado forte acabará por impor autoritariamente, em benefício de seus
próprios objetivos, a cooperação que não havia sido capaz de estabelecer com vistas aos
objetivos comuns que foram propostos (Socialismo ou barbárie).
Gorz afirma que o ecologista, frente à atividade econômica, está na mesma posição que
o economista frente às atividades individuais ou comunitárias. A ecologia como disciplina
específica não tem aplicação nas comunidades onde os recursos naturais parecem infinitos e o
impacto da atividade humana sobre os mesmos imperceptíveis, mas sim quando a atividade
econômica destrói ou perturba duramente o meio ambiente, comprometendo com isto a
manutenção da própria atividade econômica ou alterando sensivelmente suas condições. A
ecologia se ocupa das condições que a atividade econômica deve cumprir e dos limites externos
que a mesma deve respeitar para não provocar efeitos contrários a seus objetivos ou
incompatíveis a sua própria continuidade.
Do mesmo modo que a economia se ocupava em ligar as exterioridades que provocam
as atividades individuais quando produzem resultados coletivos não desejados, também a
ecologia dedica-se em ligar as exterioridades provocadas pela atividade econômica quando
produz alterações no meio ambiente que interrompe seus cálculos. Por outro lado, assim como
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a economia encontra-se fora da esfera da reciprocidade e da cooperação voluntária, a ecologia
está além da atividade e calculo econômico. A ecologia possui uma racionalidade diferente que
nos permite descobrir as limitações da eficácia da atividade econômica e as condições não
econômicas da mesma e que, quando a atividade econômica triunfa sobre o equilíbrio dos ciclos
elementares e/ou destrói recursos não renováveis, os rendimentos voltam negativos, já que a
produção destrói mais do que produz.
Até agora, o sistema econômico sempre respondeu a este tipo de situação com esforços
adicionais de produção: trata de combater mediante aumento crescente da produção de
raridades. Não se dá conta de que, ao atuar assim, somente consegue agravar
irremediavelmente as raridades. Passado certo limite, por exemplo, as medidas a favor da
circulação automobilística agravam os congestionamentos; o crescimento do consumo de
remédios aumentam a morbidez ao mesmo tempo que a desloca; o crescimento do consumo de
energia gera uma série de poluição que, ao não ser atacado em sua origem, traz consigo um
novo aumento do consumo de energia, por sua vez poluente, e assim sucessivamente.
Para compreender e atacar estas contraprodutividades é preciso romper com a
racionalidade econômica. E isto é o que faz a ecologia: nos revela que a resposta para a
rarezas, prejuízos, congestionamentos e atolamentos criados pela civilização industrial deve ser
buscada, na maior parte das vezes, não em um crescimento, mas em uma limitação ou redução
da produção material. A ecologia demonstra que pode ser mais eficaz e produtivo reservar os
estoques naturais que explorá-los, apoiar os ciclos naturais que intervir neles.
Sem embargo, é impossível extrair uma moral da ecologia e Ivan Illich foi um dos
primeiros a entender desta forma. Em sua opinião, somente existe uma alternativa que pode ser
resumida como o seguinte: ou nos reagrupamos para impor à produção institucional e às
técnicas limitações que permitam salvar recursos naturais, preservar os equilíbrios propícios à
vida e favorecer a expansão e a soberania das comunidades e dos indivíduos (opção da
sociabilidade) ou as limitações necessárias para a preservação da vida serão calculadas e
planificadas de modo centralizado pelos engenheiros ecologistas, e a produção programada de
um meio ambiente ótimo será confinada a instituições centralizadas e a técnicas pesadas (opção
tecnofacista).
A ecologia, portanto, ao contrário do ecologismo, não implica negar as soluções
autoritárias, tecnofacistas, já que isso não advém de uma ciência dos equilíbrios naturais, mas
de uma opção política e de civilização, mas também pode ser utilizada para exaltar a engenharia
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aplicada aos seres vivos. O ecologismo utiliza a ecologia como uma alavanca para apoiar a
crítica radical desta civilização e desta sociedade.
Eis assim as sete teses conclusivas a que chega André Gorz:
1. A crise atual do capitalismo tem suas causas em um superdesenvolvimento das capacidades
de produção e na destrutividade das técnicas empregadas, geradoras de penúrias irremediáveis.
Esta crise somente pode ser superada por um modo de produção novo que, rompendo com a
racionalidade econômica, se alicerce sobre a economia dos recursos naturais renováveis e
consumo decrescente de energia e matéria-prima.
2. A superação da racionalidade econômica e a diminuição dos consumos materiais pode
realizar-se por meio da regulação tecnofacista e da autorregulação comunitária. Somentepoderá se evitar o tecnofacismo mediante uma expansão da sociedade civil, o que por sua vez
supõe o desenvolvimento de técnicas úteis que permitam uma soberania crescente das
comunidades de base.
3. O vínculo entre mais e melhor está quebrado. O melhor pode se conseguir com menos. Se
pode viver melhor trabalhando e consumindo menos, mas com a condição de se produzir coisas
mais duradouras e que não causem prejuízos ou penúrias irremediáveis quando todos tenham
acesso a elas. Somente merece ser produzido socialmente aquilo que segue sendo bom paracada um quando todos os desfrutam ... e vice-versa.
4. A pobreza, nos países ricos, tem sua causa, não na insuficiência das produções, mas na
natureza dos bens produzidos, na maneira de produzi-los e de reparti-los. A pobreza somente
será suprimida quando se deixe de produzir socialmente riquezas raras, ou seja, reservadas e
exclusivas por si só. Somente merece ser produzido socialmente aquilo que não favorece nem
humilha a ninguém.
5. O desemprego, nas sociedades ricas, reflete a diminuição do tempo de trabalho socialmente
necessário. Demonstra que todos poderiam trabalhar muito menos para que todos
trabalhassem. O reconhecimento e remuneração social de todos os trabalhos socialmente
necessários é a condição exigida, por sua vez, para a supressão da pobreza e para a divisão do
trabalho entre todos os que sejam aptos.
6. O trabalho social, ao estar limitado as produções socialmente necessárias e a redução do
tempo de trabalho, poderia ser igual a expansão das atividades autogestionárias e livres. Além
do necessário estar garantido pela produção social, os indivíduos poderiam criar durante seu
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tempo livre, só ou coletivamente, tanto o supérfluo quanto o necessário. A produção de
variedade ilimitada de bens e serviços nas fábricas e cooperativas comunitárias garantiria a
expansão da esfera de liberdade e a debilitação das relações mercantis: a expansão da
sociedade civil e a debilitação do Estado.
7. A uniformidade do modelo de consumo e de vida desaparecerá simultaneamente as
desigualdades sociais. Os indivíduos e as comunidades se diferenciarão e diversificarão seus
estilos de vida em um grau muito superior ao que hoje se pode imaginar. Suas diferenças serão,
sem embargo, o resultado dos distintos usos que dêem ao seu tempo livre, e não pela
desigualdade das remunerações sociais e dos poderes. O desenvolvimento das capacidades
autônomas durante o tempo livre, afirma Gorz, será a única fonte das diferenças e riquezas.