Artigo- Sobre a Pele Negra

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    SOBRE A PELE NEGRA

    Ao analisar a obra do intelectual martinicano Frantz Fanon, impossvel noimaginar o impacto causado principalmente por Pele Negra Mascaras Brancas, livro

    escrito em 1952 e que virou referncia para os movimentos anticolonialistas africanos e

    caribenhos, e porque no, tambm, para a incipiente articulao dos movimentos pela

    dignidade negra nas Amricas, como o movimento negro brasileiro capitaneado por

    Abdias do Nascimento, e nos EUA movimentos civis como o Black Panthers e Black

    Power, dentre outros da dcada de 1960.

    Natural da Martinica, ilha caribenha sob julgo Francs, Fanon nasceu em 1925,

    atuou na segunda guerra mundial lutando ao lado dos franceses. Posteriormente formou-

    se em medicina na cidade de Lyon, onde especializou-se em psiquiatria. Alm disso,

    consta que tambm estudou filosofia e literatura, sendo grande admirador das obras de

    Hegel, Lenin e Sartre, referncias constantes no livro. Aps a concluso dos estudos,

    Fanon passou a residir no continente africano, engajando-se na luta pela independncia da

    Arglia como membro da Frente de Libertao Nacional. J com leucemia, em 1961

    escreveu seu tambm clebre livro Os condenados da terra. Morreu no mesmo ano,

    anterior independncia da Arglia.

    Ainda morando na Frana e utilizando a observao sociolgica e a prpria

    vivncia para compreender a relao opressora e inferiorizante com que a sociedade

    europia branca colonizadora tratava os imigrados afrocentricos, Fanon coletou dados e

    vivenciou experincias que constituram-se na matriz estimuladora para escrever Pele

    Negra, Mscaras Brancas. Conforme descreve no livro, ele tambm passou pela cleraracista do imigrado colonial que se depara com a grande Frana (aqui acrescentaria por

    minha conta, Europa colonial) real e no idealizada e conseguiu transformar esta

    experincia em reflexes e anlise social. Fanon trata da relao entre o colonizador

    (branco) e o colonizado (negro), a psicologia do colonizado, e finalmente desmistifica o

    complexo de inferioridade e o fator de dependncia do colonizado para que se quebre este

    crculo vicioso e se perceba um mundo de originalidade e fora essencial do africano ou

    seu descendente nas Amricas. Inspirado e estimulado pelo movimento da negritude de

    Aim Csare, martinicano como ele, Lopold Sdar Senghor, posteriormente presidente

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    do Senegal, entre outros, a obra de Frantz Fanon verdadeiramente um tratado aberto

    contra a opresso tnico-racial. Descreve a forma como esta opresso acontece e os

    resultados disso, resultados possveis de serem encontrados at hoje na mdia impressa e

    eletrnica, e que ainda hoje, em pleno sculo XXI, grupos organizados lutam para

    desconstruir. Aos crticos e cticos, que atualmente apontam como racialistas os que

    como eu afirmam que ainda temos muito a avanar, e negam que com um olhar mais

    atento identificaremos na TV ocidental e principalmente brasileira a imagem e ideologia

    inferiorizante que Fanon aponta e desconstri nos anos 50 do sculo passado, imagem

    bestializada, boalizada do africano e seus descendentes no mundo ocidental, fao um

    singelo convite para que passem algumas horas a frente do televisor e com um mnimo de

    ateno observem nossa programao. Iremos identificar, entre outras situaes, o ator

    global no horrio nobre, Lzaro Ramos, na novela Insensato Corao, cujo papel de

    um homem negro, classe mdia, bom profissional, (j no est bom? Diriam os

    representantes *freirianos), mas, cujo personagem representa modernamente o negro

    varo, com apetite sexual insacivel e inicialmente, no primeiro perodo da novela,

    irresponsvel quanto a famlia e um desalinhado em relao a moral e aos bons costumes

    ditados pelo senso comum.

    importante observar que ao contrrio de outras naes imperiais, a Franacolonial tinha a poltica de integrao das colnias com a metrpole, isto a partir da

    partilha do continente africano pelas naes europias desenvolvidas em fins do sculo

    XIX, desta forma, conforme atesta o historiador Eric Hobsbawm em seu a Era dos

    Imprios, mesmo que a Frana tentasse transformar seus coloniais em franceses,

    principalmente dando uma srie de facilidades aos volus nativos, em todas as capitais

    ultramarinas francfonas, o operrio branco seria sempre um comandante de negros, o

    mais modesto funcionrio era um amo e era aceito como gentleman por pessoas que nemteriam notado sua existncia em Paris ou Londres. Assim, mesmo na terra da propaganda

    ideolgica da igualdade e fraternidade, ao tratar-se dos povos colonizados a ideologia era

    a da dominao (Eric J.Hobsbawm 1988).

    *Cito aqui a teoria da miscigenao, do negro cordial, construda por

    Gilberto Freire.

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    O livro de Frantz Fanon, Pele Negra e Mascaras Brancas, to objetivamente

    critico em relao ao branco, que fala em linguagem de criana quando se dirige ao outro

    (o negro) quanto ao negro que veste a mscara branca para poder existir para o outro (o

    branco). claro que se no houvesse a opresso do colonizador, ou do branco, nunca

    haveria a necessidade da mscara (afinal, foram cinco sculos de colonizao e mais de

    10 milhes de africanos sequestrados, espalhados a fora, brutalizados e massacrados),

    porm, Fanon propem-se a combater de frente essa atitude e com toda a sua fora, todo o

    seu intelecto e toda a azeda sensibilidade, luta para que o mundo caminhe em direo a

    uma nova realidade.

    Poderamos prospectar que este viria a ser um assunto defasado atualmente, em

    poca que temos um presidente negro no comando da maior economia global, digo temos,

    pois como afirma o tambm grande pensador brasileiro, professor Milton Santos (2000),

    vivemos uma democracia de mercado, e dentro desta democracia ocidentalizada somos

    geridos, direcionados por aqueles que comandam o mercado. E o que faz o mercado?Digo

    eu, este mercado pasteuriza com sua poltica neoliberal mundializada, culturas e formas

    originrias nas minorias e nos induz a assumir seu modos operandi, costumes e consumo.

    Quero com isso question-los; vivemos ou no com uma mscara forada acima de nossa

    pele? Ainda que no tenha aqui convencido ao meu leitor de que vivemos neste novo

    sculo com nossa mscara imposta pelo colonizador moderno, lanarei mo de outro

    grande pensador e ativista social, este contemporneo de Fanon, falo do professor e ex-

    senador Abdias do Nascimento, falecido a pouco. Ele, na mesma poca que o livro Pele

    Negra e Mascaras Brancas era levado a pblico na Frana, fundava aqui no Brasil oTeatro Experimental do Negro, cujo objetivo maior era dar visibilidade as culturas

    afrocentricas no Brasil e tambm, possibilitar atravs da arte a discusso das causas e

    solues para as mazelas vividas pelo negro brasileiro. Em 2011, ano de sua passagem,

    Abdias continuava firme no propsito de denunciar a invisibilidade do negro brasileiro e

    seu sistematizado extermnio pelas foras pblicas de segurana do Brasil. Ainda no

    corrente ano de 2011, o Instituto Sangari e o Ministrio da Justia trouxeram a pblico os

    dados coletados sobre a violncia no Brasil, estudo publicado com o nome de Mapa daViolncia, nele constatamos que a juventude negra brasileira continua como o principal

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    alvo do extermnio patrocinado. Segundo este estudo coordenado pelo socilogo Julio

    Jacobo Waiselfisz, o nmero de pretos e pardos assassinados no Brasil aumentou entre

    2002 e 2008, enquanto que o nmero de brancos vitimas desse tipo de crime caiu. Ainda

    segundo o mapa, baseado em dados do Sistema de Informaes sobre Mortalidade (SIM),

    do Ministrio da Sade, morre proporcionalmente mais do que o dobro de negros do que

    brancos vitimas de homicdios no Brasil. Para complementar o raciocnio e concretamente

    constatar a atualidade de Fanon neste primeiro decnio do sculo XXI, e ainda utilizando

    o mapa da violncia como fonte, preciso observar e analisar o que est intrnseco nos

    dados apresentados, dados estes que dizem respeito a nmeros assustadores do mapa.Em

    2002, em cada grupo de 100mil negros, 30 foram assassinados, nmero que saltou para

    33,06 em 2008. J entre os brancos, o nmero de mortos por homicdio, que era de 20,06

    por 100 mil, caiu para 15,09 em 2008.Em Estados como Paraba e Alagoas, segundo o

    socilogo Jacobo, os nmeros so ainda mais estarrecedores: em Alagoas, para cada

    jovem branco assassinado, morrem mais de 13 jovens negros; na Paraba so 20 jovens

    negros mortos para cada jovem branco.

    Concluindo, importante conhecer a atualidade da obra deste grande pensador

    martinicano que Frantz Fanon, escrevo dele e de outros aqui citados no presente, pois,

    louvo a contemporaneidade de seus trabalhos que fazem destes, imortais. A manifestaode jovens gregos frente os ditames da Unio europia, a chamada primavera rabe, a

    revolta africana nos subrbios franceses e ainda a critica do ultra-direitista Frances Jean

    Marie Le Pen em relao ao alto nmero de descendentes africanos na seleo francesa

    campe de 1998, faz-me ter certeza da atualidade dos escrutnios de Frantz Fanon.

    Bibliografia

    1. TERRITRIO & SOCIEDADE,entrevista com MiltonSantos.Ed.Fundao Perseu Abramo.2000.Autores, SEABRA.Odete,DE

    CARVALHO.Monica,LEITE.Jos Correia.

    2. Mapa Da Violncia- Ministrio da Justia

    (http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJEBAC1DBEITEMIDDD6FC83AAA9443839282F

    D58A5474435PTBRNN.htm)

    3. A ERA DOS IMPRIOS,1875-1914/ERIC J. Hobsbawm. So Paulo.Paz

    & Terra,1988.

    http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJEBAC1DBEITEMIDDD6FC83AAA9443839282FD58A5474435PTBRNN.htmhttp://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJEBAC1DBEITEMIDDD6FC83AAA9443839282FD58A5474435PTBRNN.htmhttp://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJEBAC1DBEITEMIDDD6FC83AAA9443839282FD58A5474435PTBRNN.htmhttp://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJEBAC1DBEITEMIDDD6FC83AAA9443839282FD58A5474435PTBRNN.htm
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