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1 AS AÇÕES PREFERENCIAIS NA LEI 10.303, DE 31.10.2001: PROPORCIONALIDADE COM AS AÇÕES ORDINÁRIAS; VANTAGENS E PREFERÊNCIAS Francisco da Costa e Silva* Publicado originalmente em “Reforma da Lei das Sociedades Anônimas”, Editora Forense, 2002, pg. 17 Introdução A Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, representou um significativo esforço institucional para a criação de um modelo que estimulasse a organização e o funcionamento da grande empresa privada em contraponto à crescente participação do estado na poupança nacional, tendo em vista as necessidades de crescimento econômico daquela época. Adicionalmente, pretendeu criar no País um mercado primário de ações, buscando engajar significativos contingentes de investidores na formação do capital de risco exigido pela grande empresa. Para a consecução desse objetivo foi ainda sancionada a Lei nº 6.385, de 7 de dezembro do mesmo ano que, além de criar a Comissão de Valores Mobiliários, estabeleceu o marco legal do mercado de capitais brasileiro. Em que pese o avanço representado pelo advento dos dois diplomas legais, as circunstâncias objetivas do modelo econômico nacional e a sua evolução histórica, fizeram com que grande parte das expectativas que os cercavam fossem em grande parte frustradas, tornando necessária a sua revisão de forma ampla e abrangente 25 anos depois, e após a reforma parcial da Lei nº 9.457, de 05.05.97. Os mecanismos tradicionais de financiamento das empresas, e que foram utilizados pelo governo durante a década de 70, para financiar a industrialização ocorrida a partir do II Plano Nacional de Desenvolvimento, ou ficaram completamente inadequados ou passaram a ser insuficientes para fazer face às necessidades de recursos das empresas, numa economia aberta, altamente competitiva e globalizada. Apesar da intenção de desenvolver o mercado de valores mobiliários, manifestada com maior ou menor intensidade nos discursos dos diversos governos das três últimas décadas, o que se

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AS AÇÕES PREFERENCIAIS NA LEI 10.303, DE 31.10.2001:

PROPORCIONALIDADE COM AS AÇÕES ORDINÁRIAS; VANTAGENS E PREFERÊNCIAS

Francisco da Costa e Silva*

Publicado originalmente em “Reforma da Lei das Sociedades Anônimas”, Editora Forense, 2002, pg. 17

Introdução

A Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, representou um significativo esforço institucional

para a criação de um modelo que estimulasse a organização e o funcionamento da grande

empresa privada em contraponto à crescente participação do estado na poupança nacional, tendo

em vista as necessidades de crescimento econômico daquela época. Adicionalmente, pretendeu

criar no País um mercado primário de ações, buscando engajar significativos contingentes de

investidores na formação do capital de risco exigido pela grande empresa. Para a consecução

desse objetivo foi ainda sancionada a Lei nº 6.385, de 7 de dezembro do mesmo ano que, além

de criar a Comissão de Valores Mobiliários, estabeleceu o marco legal do mercado de capitais

brasileiro.

Em que pese o avanço representado pelo advento dos dois diplomas legais, as circunstâncias

objetivas do modelo econômico nacional e a sua evolução histórica, fizeram com que grande

parte das expectativas que os cercavam fossem em grande parte frustradas, tornando necessária a

sua revisão de forma ampla e abrangente 25 anos depois, e após a reforma parcial da Lei nº

9.457, de 05.05.97.

Os mecanismos tradicionais de financiamento das empresas, e que foram utilizados pelo governo

durante a década de 70, para financiar a industrialização ocorrida a partir do II Plano Nacional de

Desenvolvimento, ou ficaram completamente inadequados ou passaram a ser insuficientes para

fazer face às necessidades de recursos das empresas, numa economia aberta, altamente

competitiva e globalizada.

Apesar da intenção de desenvolver o mercado de valores mobiliários, manifestada com maior ou

menor intensidade nos discursos dos diversos governos das três últimas décadas, o que se

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verificou nesse período foi que foram priorizados outros mecanismos para promover o

crescimento das empresas, entre os quais se destacaram:

a) o crédito oficial, concedido através das agências financeiras governamentais, como o Banco

do Brasil, o finado Banco Nacional da Habitação - BNH, a Caixa Econômica Federal, os bancos

de desenvolvimento estaduais e regionais e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e

Social - BNDES;

b) a criação de empresas estatais para a exploração direta de atividades econômicas;

c) a concessão de subsídios de todas as espécies e sob diversas capas ou disfarces:

- subsídios à produção concedidos sob a forma de financiamento para o capital de giro das

empresas a custos abaixo dos custos de mercado ou sob a forma da aquisição de produtos a

preços mínimos distanciados dos preços de mercado;

- subsídios corporificados em renúncia tributária de várias modalidades, para a constituição de

mecanismos como o FINOR e o FINAM;

- subsídios sob a forma de isenções de impostos federais, estaduais e municipais;

- subsídios para o investimento, como aqueles que foram concedidos pelo BNDES nas décadas

de 70 e 80: num primeiro momento, através da concessão de créditos com correção monetária

limitada a 20% ao ano e, posteriormente, com a correção limitada a 70% da inflação

efetivamente verificada no período;

d) o protecionismo e a reserva de mercado, através da imposição de barreiras à entrada de

produtos importados, com o objetivo de estimular a instalação de indústrias nacionais.

Esse período também se caracterizou pela permanência de uma inflação crônica que, em diversos

momentos, atingiu índices elevadíssimos deixando o País à beira da hiperinflação. E como

ocorre em todo processo inflacionário, o trabalho foi muito mais prejudicado do que o capital,

uma vez que este possui mecanismos de defesa mais efetivos contra a desvalorização acelerada

da moeda. Enquanto os salários eram pagos ao final de determinados períodos por valores

nominais já defasados, os custos dos bens e dos serviços eram reajustados diariamente.

Essa política permitiu que inúmeros setores da economia tivessem um desenvolvimento

acelerado e que a industrialização do País tivesse tido um grande salto. Teve como resultado,

também, brutal concentração de renda em parcela pequena da população brasileira.

Setores como o de bens de capital – indústrias que produzem máquinas e equipamentos; como o

de insumos básicos – indústrias como as de fertilizantes, mineração e siderurgia; e também de

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bens de consumo de um modo geral, foram implantados e cresceram aceleradamente naquele

período.

O mercado de capitais não teve qualquer relevância nesse processo. As empresas não

financiavam a sua expansão através da colocação de ações junto ao público, diferentemente do

que aconteceu, por exemplo, nos Estados Unidos, desde o século dezenove. No nosso País, as

empresas, quando muito, abriam os seus capitais para poderem captar recursos oriundos de um

mecanismo criado pelo governo federal denominado Fundo 157, porque instituído pelo Decreto-

lei nº 157, de 10.02.67, ou para se beneficiar da redução da alíquota do imposto de renda na

distribuição de dividendos.

Sua intenção não era de se transformar em verdadeiras companhias abertas, mas simplesmente

captar recursos mais baratos que estavam, circunstancialmente, à sua disposição. Para a maior

parte desses empresários, principalmente aqueles que se utilizavam do Decreto-lei n° 157, os

recursos dessa origem eram vistos como “dinheiro de graça”, isto é, empréstimos que não

sofriam a incidência de juros e que não precisariam ser quitados. Essa visão distorcida era

agravada pelo fato de que grande parte dos aplicadores não tinha consciência de que, ao optar

por utilizar um pequeno percentual do imposto de renda devido para subscrever ações de

empresas, estava de fato realizando um investimento de longo prazo que requeria ser

acompanhado e fiscalizado. Entretanto, não foi isso que ocorreu: talvez pelo fato de não

representarem investimentos efetivamente desembolsados, uma vez que as liberações dos

recursos eram feitas diretamente pelo governo, parcela expressiva dessas aplicações acabou

sendo “esquecida” pelos seus titulares, abrindo espaço para que todos os tipos de abusos e

desvios fossem praticados por empresários e intermediários financeiros.

Em contrapartida, esse modelo acabou por exaurir os recursos do Estado, promover a

concentração de renda e criar uma economia na qual vários segmentos, além de não ofertarem

produtos com padrões adequados de qualidade e preço, também não tinham condições de

suportar a competição de empresas de outros países que se desenvolveram em economias abertas

e com alto grau de competição.

Com a abertura da economia ocorrida no início da década de 90 um número muito grande de

empresas quebrou por falta de condições de enfrentar concorrentes estrangeiros, que conseguiam

colocar no mercado brasileiro produtos a preços menores e, mais importante ainda, de muito

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melhor qualidade. Setores econômicos sofreram verdadeira devastação (informática, têxtil e de

bens de capital, principalmente).

A crise financeira do estado acabou por gerar, também, a necessidade da privatização das

companhias estatais que, por conta da exaustão das fontes de recursos públicos, vinham deixando

de fazer os investimentos necessários para a sua regular modernização e expansão.

No plano internacional, em larga escala, e no plano doméstico, de forma mais restrita, o que se

verificou, durante os anos 80 e 90, foi a aceleração do processo de acumulação de poupança nos

chamados investidores institucionais, principalmente fundos de pensão e fundos de

investimentos, que passaram a desempenhar papel cada mais relevante no financiamento das

atividades produtivas. Ambos os instrumentos, dispondo de expertise própria e volumes

crescentes de recursos para investir, buscaram adquirir diretamente das empresas os títulos por

ela emitidos, minimizando o papel dos bancos como intermediários no processo de alocação de

poupança. Esse fenômeno, conhecido por desintermediação bancária, fez com que o mercado de

valores mobiliários tivesse tido um fenomenal crescimento, tendo também exercido contribuição

decisiva para o incremento do processo de globalização e de internacionalização dos mercados.

No afã de buscar as melhores aplicações para os seus capitais, os grandes investidores

institucionais das economias desenvolvidas vêm desconhecendo fronteiras e promovendo

investimentos em toda a sorte de empreendimentos e mercados, grande parte dos quais nas

chamadas economias emergentes, onde se inclui o Brasil. Para se ter uma idéia da dimensão

desse fenômeno, basta verificar que, no período de 1991 a 2000, o volume total de compras e

vendas de ações por investidores estrangeiros, somente na Bolsa de Valores de São Paulo,

superou a expressiva cifra de U$ 300 bilhões.

Em busca dessa disponibilidade de recursos, dezenas de grandes empresas brasileiras também

partiram para colocar seus valores mobiliários no mercado financeiro internacional, cujo

exemplo mais marcante pode ser encontrado no fato de que, atualmente, mais de cem

companhias brasileiras têm suas ações negociadas no mercado internacional sob a forma de

“depositary receipts”, principalmente nos Estados Unidos.

O número e a importância dos investidores institucionais domésticos, conforme mencionado,

também cresceram no País, principalmente em face das severas limitações da previdência social

estatal. Os fundos de pensão se transformaram em grandes acumuladores de poupança e, por via

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de conseqüência, nos mais importantes investidores domésticos do mercado de capitais brasileiro

nos últimos vinte anos. Para se ter uma idéia da importância do seu papel, basta que se mencione

que esses fundos detinham em sua propriedade, no mês de setembro do corrente ano,

investimentos em ações da ordem de R$ 38 bilhões, enquanto que o valor total de mercado das

ações listadas na Bolsa de Valores de São Paulo era de R$ 381 bilhões.

Esses “novos acionistas”, nacionais ou estrangeiros, diferem do perfil do aplicador tradicional de

ações – o investidor individual, não só porque têm padrões mais elevados de exigência em

relação a questões de governança corporativa das empresas em que investem, mas também

porque reúnem condições de defender seus interesses de forma mais efetiva em face das atitudes

de acionistas controladores e de administradores, diferentemente do investidor individual

tradicional, que quase sempre se torna vítima indefesa dos abusos cometidos por essas pessoas.

Esse é o pano de fundo histórico e econômico que deve servir de referência para analisarmos a

reforma da Lei das S/A, consubstanciada na Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001.

A Lei nº 6.404/76 foi elaborada e aprovada no ambiente econômico, social e político da década

de 70, muito diferente do que prevalece nos tempos atuais, cujas principais características são a

plenitude democrática, a redução do papel do estado na economia, a acirrada competição

nacional e internacional entre as empresas, a evolução tecnológica acelerada, os direitos dos

consumidores, a mudança do perfil dos investidores em ações e o intenso fluxo de capitais entre

os países.

As empresas hoje em dia não podem mais contar com o crédito fácil ou com subsídios

governamentais para financiar suas atividades ou seus programas de investimento. Têm que

buscar os recursos no mercado, sob a forma de colocação de valores mobiliários. E essas

necessidades se tornarão cada vez maiores na medida em que, para enfrentar as profundas

desigualdades sociais existentes, o País necessita crescer a taxas elevadas.

Dentro desse contexto, e com a certeza de que o processo de desenvolvimento econômico

brasileiro depende de um mercado de capitais forte, é que a modernização da lei, bem como o

fortalecimento do órgão regulador do mercado – a CVM, assumem transcendental importância.

Ações Ordinárias e Ações Preferenciais - Proporcionalidade

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As ações preferenciais foram introduzidas no direito brasileiro pelo Decreto nº 21.526, de

15.06.32, que não estabelecia qualquer limite para a sua emissão. Trajano de Miranda Valverde

se refere à existência de companhias constituídas com capital representado por 90% de ações

preferenciais sem direito de voto sob a vigência desse diploma legal.

O Decreto-lei nº 2.627, de 26.09.40, a antiga lei societária, limitou a 50% do capital social a

emissão de ações preferenciais sem direito de voto.

A Lei n° 6.404/76 ampliou esse limite para permitir que essas ações atingissem 2/3 do capital das

companhias, incluindo no mesmo as ações com voto restrito. A Exposição Justificativa que

acompanhou o Projeto enviado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional explicitou que essa

modificação tinha por objetivo :

a) ampliar a liberdade do empresário privado nacional na organização da estrutura de

capitalização da sua empresa;

b) facilitar o controle, por empresários brasileiros, de companhias com capital distribuído no

mercado; e

c) evitar a distribuição, na fase inicial de abertura de capital de companhias pequenas e médias,

de duas espécies de ações, em volume insuficiente para que atinjam grau razoável de liquidez.

Na sistemática da Lei n° 6.404/76 todas as ações – ordinárias e preferenciais – têm

originariamente o direito de voto. Entretanto, facultou que o estatuto social retirasse ou

restringisse o direito de voto das ações preferenciais desde que a elas fosse atribuída alguma

compensação econômica efetiva. Como veremos adiante, a aplicação concreta da norma ao

longo dos anos à realidade da vida societária, demonstra que o objetivo do legislador não foi

alcançado e que os titulares das ações preferenciais acabaram, na grande maioria dos casos,

privados do direito de voto, sem a contrapartida de qualquer benefício.

É inquestionável que nas companhias abertas existem dois tipos de investidores: aqueles que

comandam os seus destinos ou que têm um interesse direto no processo de formação da vontade

social, entre os quais se destaca o acionista controlador, e aqueles que estão interessados

exclusivamente nos seus resultados econômicos e financeiros, na valorização e na liquidez do

investimento que realizaram. Para os primeiros, o direito de voto e o de influenciar nas

deliberações sociais é decisivo, enquanto que para os últimos, as vantagens patrimoniais e

financeiras são fatores mais relevantes do que a existência de direitos políticos.

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Assim, a possibilidade de as companhias emitirem ações de duas espécies – ordinárias e

preferências, teria por objetivo suprir esses dois tipos de expectativas: a do acionista interessado

em interferir na gestão e a do acionista meramente investidor, cujo maior interesse seria o

recebimento de dividendos e a valorização do capital aplicado, contando, todavia, com

adequados instrumentos de participação e fiscalização que lhe permitissem atingir tal desiderato.

A elevação do percentual de ações sem direito de voto, por seu turno, como referido na

Exposição de Motivos, teve por objetivo estimular a criação e o fortalecimento da empresa, sob o

controle de empresários privados nacionais. Não custa lembrar, que na década de 70, o núcleo

capitalista privado brasileiro era relativamente pequeno e frágil. Com os ambiciosos planos de

crescimento econômico de então, se não fossem concedidas condições especiais para que

empresários brasileiros controlassem as empresas que desenvolveriam os grandes projetos, estes

ficariam ou sob controle estatal ou sob o comando de companhias estrangeiras que, além de

capital, também traziam tecnologia. Há que se considerar, ademais, que os governos militares

chegaram ao poder com o apoio das classes empresariais e tinham uma visão profundamente

nacionalista da economia.

Se mantido o limite anterior, do Decreto Lei n° 2.627/40, empreendimentos que demandavam

elevada capitalização não teriam como ficar sob o controle de empresários privados nacionais.

Com a nova regra, esse controle passou a ser possível bastando que o controlador detivesse

16,66% mais uma ação do capital votante, ao invés de 25% mais uma ação no sistema anterior.

Embora tenha atendido a uma exigência histórica, decorridos 25 anos de aplicação dessa regra,

verificou-se que a possibilidade de manutenção do controle das companhias com tão pouco

capital criou inúmeras distorções, vindo a se transformar num dos principais entraves ao

desenvolvimento do mercado de capitais.

As críticas têm fundamentos éticos e econômicos.

Questionava-se, em primeiro lugar, a legitimidade de se poder controlar uma companhia com

somente 16,66% de contribuição para a formação do seu capital social, a partir da convicção de

que o poder político deve guardar uma relação de proporção com o volume de recursos aplicado

no negócio. Não seria mais sustentável que companhias tenham seus destinos decididos

exclusivamente por acionistas controladores que tivessem investido tão pouco, e que aqueles que

contribuíram com a maior parcela para a formação do capital – os demais acionistas titulares de

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ações ordinárias e a totalidade dos detentores das ações preferenciais – ficassem quase que

completamente privados da capacidade de interferir na administração.

O problema fica tão mais grave quando se verifica que, cada vez mais, as empresas se estruturam

sob a forma de conglomerados. Nesse caso, em que empresas controlam outras empresas e,

assim, sucessivamente, o volume de capital do controlador da empresa que se encontra no vértice

superior da pirâmide pode ser absolutamente desprezível em relação ao total de ativos do

conjunto das empresas que integram o conglomerado.

Embora a Lei n° 6.404/76 tenha conferido alguns direitos políticos às minorias, formou-se o

consenso de que esses direitos eram insatisfatórios, principalmente no que se refere às ações

preferenciais. A distorção, portanto, era de natureza estrutural e somente a restauração de uma

proporção mais restrita entre ações votantes e não votantes é que permitiria, a longo prazo, um

maior e mais saudável equilíbrio de poder nas companhias.

O moderno capitalismo de mercado, como já mencionado, é caracterizado pela forte presença de

grandes investidores institucionais com elevado padrão de exigência, em função do fato de terem

que prestar permanentemente contas às respectivas comunhões de interesse que representam. Por

conta disso, o acompanhamento do desempenho das empresas em que investiram é da essência

das suas atividades, e costumam ser muito ativos na defesa de seus investimentos. Como

conseqüência, querem ter o direito de interferir no processo de gestão das sociedades quando

julgarem que as mesmas não estão sendo administradas de maneira adequada.

Firmou-se, também, a convicção de que não era mais aceitável que controladores com parcelas

tão ínfimas de contribuição para o capital das companhias se apropriassem integralmente dos

prêmios de controle em caso de alienação para terceiros, fenômeno este que tem sido a tônica do

mercado de capitais brasileiro e que foi agravado depois que a Lei n° 9.457, de 05.05.97,

revogou o art. 254, da Lei n° 6404/76. Até então, os acionistas titulares de ações ordinárias

tinham o direito de vender suas ações em igualdade de condições com o acionista controlador,

excluindo-se somente os acionistas preferencialistas desse benefício. A Lei n° 9.457/97, também

chamada Lei Kandir, eliminou essa vantagem das ações ordinárias uma vez que tinha como

principal objetivo permitir que somente o Estado, principalmente a União Federal, auferisse

integralmente os prêmios de controle das empresas privatizadas.

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O nível de exigência do mercado, portanto, atuou como um forte elemento de pressão para que a

regra de proporção estabelecida fosse modificada.

Outra séria crítica ao modelo da Lei n° 6.404/76 é que a possibilidade de se manter o poder com

quantidade restrita de capital acabou por estimular a manutenção de empresas sob controle

familiar, contribuindo para impedir que surjam no Brasil as verdadeiras “public companies” tão

comuns nos Estados Unidos, ou seja, companhias com ações votantes dispersas no mercado e

sem um controlador definido, o que faz com que todos os acionistas se apropriem do prêmio

correspondente ao poder de controle.

A nova redação do §2° do art. 15 da Lei procura, assim, restabelecer o equilíbrio entre ações

votantes e não votantes, promovendo o retorno à regra de proporcionalidade do Decreto-lei nº

2.627/40, ou seja, estabelecendo que o número de ações sem direito de voto, ou sujeitas a

restrições no exercício desse direito, não pode ultrapassar 50% (cinqüenta por cento) do total de

ações emitidas.

Trata-se, entretanto, de ajuste que produzirá efeitos somente a longo prazo, uma vez que, de

acordo com os arts. 8° e 9° da Lei n° 10.303, somente estariam obrigadas a observar o novo

limite: a) todas as companhias constituídas a partir da data da publicação da Lei, vale dizer,

abertas ou fechadas; e b) as companhias fechadas existentes, no momento em que decidirem

abrir o seu capital.

O art. 8º permitiu que as companhias abertas existentes mantenham a proporção de até 2/3 (dois

terços) de ações sem direito de voto, inclusive em relação a novas emissões de ações,

eliminando, assim, um dos maiores entraves à aprovação da reforma no âmbito do Poder

Legislativo, uma vez que havia forte oposição, por parte das sociedades que praticavam esse

limite, a qualquer modificação do mesmo.

Embora não mencionado explicitamente, as companhias fechadas existentes no momento em que

a Lei foi publicada também não estão obrigadas a promover a adaptação dos seus estatutos

sociais, podendo conviver, portanto, com a mesma proporção de ações ordinárias e preferenciais

que já possuíam. Somente aquelas que pretendem se transformar em companhias abertas é que

terão que se adaptar à nova regra de proporção, como se depreende da leitura do inciso II, do art.

8°.

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Questão relevante é saber se poderia a lei impor esse tipo de modificação na estrutura do capital

social e, por via de conseqüência, a necessidade de uma reforma estatutária às companhias

fechadas, como requisito para a obtenção do registro de companhia aberta. Creio ser afirmativa a

resposta, uma vez que não há qualquer ofensa a direito adquirido da companhia fechada (ou de

seus acionistas) na imposição de exigência para a aquisição de uma qualidade da qual não é

titular, vale dizer, a de companhia aberta. Além do mais, existem inúmeras outras exigências que

têem que ser satisfeitas para que venha ostentar a qualidade de companhia aberta (conselho de

administração, auditoria independente, demonstrações financeiras, etc), todas elas resultantes do

regime jurídico especial aplicável às sociedades que buscam junto ao público os recursos

necessários ao financiamento das suas atividades.

O mesmo art. 8º criou, no seu § 2°, um estímulo para que as companhias abertas busquem a

adaptação voluntária à nova relação entre ações votantes e não votantes.

Aquelas que promoverem a emissão exclusiva de ações ordinárias poderão fazê-lo sem atribuir,

aos titulares de ações preferenciais, o direito de preferência para a subscrição das mesmas, e que

se encontra previsto no art. 171, § 1°, alínea b, da Lei n° 6.404/76. Esse procedimento faculta aos

titulares de ações ordinárias (leia-se: acionista controlador), aumentar sua participação relativa

no capital total da companhia, de vez que poderão subscrever ações que caberiam aos

preferencialistas.

De acordo com o art. 172 da Lei n° 6404/76, o direito de preferência à subscrição de novas

ações, ou de qualquer outro valor mobiliário conversível em ações do capital social, só pode ser

negado ao acionista se houver previsão estatutária, a companhia tiver capital autorizado e a

colocação dos papéis for feita mediante: venda em bolsa de valores ou subscrição pública ou

permuta por ações, em oferta pública de aquisição de controle.

A Lei n° 10.303 criou, portanto, regra extraordinária de transição em que a companhia poderá

não observar o disposto no art. 172. Caberá à assembléia geral da companhia decidir sobre a

utilização dessa faculdade e somente enquanto não for atingida a nova proporção, isto é, a

retirada do direito de preferência dos titulares de ações preferenciais nos aumentos de capital

exclusivamente em ações ordinárias perdurará pelo tempo necessário para que as ações

preferenciais sejam diluídas e reduzidas à metade do capital social. Uma vez atingido o novo

limite a companhia não poderá retornar à antiga proporção em novos aumentos de capital.

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Justificável sob o ponto de vista de acelerar o atingimento dos objetivos de longo prazo da

reforma, essa possibilidade, além de contrariar o disposto no art. 109, inciso IV, da Lei n °

6404/76, é evidentemente prejudicial para os acionistas minoritários titulares de ações

preferenciais, que se verão privados do direito de manter a participação que detinham no capital

social da companhia, ainda que subscrevendo ação de espécie distinta. O prejuízo poderá ocorrer

naquelas empresas cujas ações estejam circunstancialmente desvalorizadas no mercado, mas que

possuem um elevado potencial de crescimento e de lucratividade, mesmo que a fixação do preço

de emissão observe os parâmetros do art. 170, § 1°, da Lei, e será dificilmente evitável. Como

quem decide as épocas em que esses aumentos de capital serão realizados é o acionista

controlador, beneficiário direto da regra de exceção, os aumentos, com certeza, ocorrerão nos

momentos que melhor favoreçam os seus interesses. Os minoritários devem ficar atentos e exigir

que os aumentos de capital se justifiquem sob o ponto de vista do interesse da companhia, e não

somente como instrumento de diluição das ações preferenciais. Nesse sentido, vale lembrar que o

aumento de capital feito com o objetivo exclusivo de prejudicar os acionistas minoritários foi

relacionado como hipótese de abuso do poder de controle pela Comissão de Valores Mobiliários,

na Instrução n° 323, de 23 de janeiro de 2.000.

Preferências e Vantagens das Ações Preferenciais

A Lei n° 6.404/76, na sua versão original, estabelecia, no art. 17, que as preferências ou

vantagens das ações preferenciais seriam as seguintes:

a) prioridade na distribuição de dividendos, que poderiam ser fixos ou mínimos, cumulativos ou

não;

b) prioridade no reembolso do capital, com prêmio ou sem ele;

c) na acumulação dessas vantagens.

A retirada do direito de voto das ações preferenciais deveria ter como contrapartida o direito à

percepção de vantagens economicamente palpáveis. O acionista investidor, em tese, teria uma

compensação de natureza econômica pela privação do direito político de voto. Esse direito lhe

seria restaurado se a companhia não cumprisse com aquilo que havia prometido, isto é: em caso

de não pagamento dos dividendos pelo prazo previsto no estatuto, não superior a três exercícios

consecutivos, os titulares das ações preferenciais adquiririam o direito de voto, permanecendo

com ele até que a companhia cumprisse com sua obrigação (art. 111, § 1°). Lembre-se que tal

regra já incidiria no primeiro exercício sem o pagamento dos dividendos se o estatuto fosse

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omisso acerca da matéria, ou seja, se não explicitasse a carência dos três exercícios consecutivos

para a aquisição do direito de voto.

Objetivou a Lei, com isso, permitir que os acionistas que ficaram à margem do processo

decisório e que não tiveram satisfeitos os direitos que lhe haviam sido prometidos, pudessem

interferir na gestão da companhia para tentar recolocá-la no caminho da lucratividade. No limite,

a aquisição do direito de voto pelos titulares das ações preferenciais poderia, até, ainda que

transitoriamente, resultar na retirada do poder de controle da gestão das mãos do acionista

controlador.

Entretanto, o que se verificou foi que, aproveitando-se da redação do art. 17, inúmeras

companhias que abriram capital após o advento da Lei estabeleceram, como única vantagem

patrimonial das ações preferenciais, a prioridade no reembolso do capital, com ou sem prêmio,

esvaziando, na prática, o conteúdo econômico da preferência que seria a contrapartida pela

retirada do direito de voto.

Nas companhias fechadas seria até possível imaginar alguém subscrevendo ou comprando ações

levando em conta uma eventual liquidação do empreendimento como forma de retorno do

investimento realizado. Entretanto, ninguém compra ações de uma companhia aberta adotando

como fundamento da sua decisão um direito que consiste no reembolso do capital em caso de

liquidação da sociedade, ainda que essa devolução venha acompanhada de um prêmio. As

expectativas dos investidores geralmente estão direcionadas para a valorização do capital, para o

recebimento de dividendos e para a liquidez dos papéis no mercado, que lhes permite

transformar em dinheiro, a qualquer tempo, o investimento realizado. A prioridade no reembolso

de capital é vantagem de ocorrência improvável e remota, uma vez que as companhias abertas

geralmente são constituídas com prazo indeterminado de duração e a sua liquidação somente

ocorre em circunstâncias excepcionais. Obviamente que essa peculiaridade não se aplica às

companhias constituídas para a realização de um propósito específico, com ou sem prazo

determinado de duração, caso em que a liquidação é o corolário natural e esperado pelos sócios

e, quase sempre, a expressão maior do sucesso da empreitada.

Cabe indagar, então, se não tinham uma vantagem real, por que os investidores, mesmo tendo

consciência desse aspecto, ainda assim se propunham a adquirir ações que não lhes propiciavam

qualquer direito, nem político nem econômico?

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A resposta para essa questão é complexa, mas arriscaria afirmar que talvez a principal razão se

encontre no fato de que o mercado de ações brasileiro sempre teve compradores compulsórios de

ações, entre os quais os já mencionados Fundos 157 e, posteriormente, os Fundos de Pensão.

Esses investidores dispunham de fluxos regulares de recursos e tinham que aplicar

obrigatoriamente parte dos mesmos no mercado acionário. Com essa demanda assegurada, os

controladores das empresas que pretendiam abrir o capital das respectivas companhias ficaram

numa posição que lhes permitia oferecer ações, digamos assim, de qualidade inferior, sabendo

que não faltariam compradores para esses títulos. Como as emissões eram geralmente destinadas

a esses investidores institucionais, os demais aplicadores em ações, especialmente os

investidores individuais, não tiveram outra alternativa senão a de adquirir papéis com essas

restrições.

Agiu mal, portanto, a Lei n° 6.404/76, e de forma contraditória com o estímulo que se propunha

a dar ao mercado de capitais, ao permitir, pelo menos no que diz respeito às companhias abertas,

que fosse atribuída como única vantagem das ações preferenciais o reembolso do capital em caso

de liquidação da sociedade.

Esse problema foi parcialmente contornado com a reforma levada a efeito pela Lei n° 9.457, de 5

de maio de 1997, que alterou o texto do art. 17 para estabelecer que, caso as ações preferenciais

não tivessem direito a dividendos fixos ou mínimos, seus titulares fariam jus a dividendos no

mínimo dez por cento maiores do que os atribuídos às ações ordinárias.

Essa nova vantagem representou um avanço na busca de se atribuir uma compensação efetiva às

ações preferenciais, uma vez que os títulos que somente detinham, como vantagem ou

preferência estatutária, prioridade no reembolso do capital em caso de liquidação da sociedade,

passaram a ter o direito de auferir um benefício concreto em relação àqueles distribuídos às

ações ordinárias. Até então, os titulares dessas ações tinham que se contentar exclusivamente

com sua participação na distribuição do dividendo obrigatório, não sendo raros os casos em que

nada restava para lhes ser pago, quando a parcela correspondente a 25% do lucro líquido era

suficiente unicamente para o atendimento de outras classes de ações preferenciais com

dividendos fixos ou mínimos prioritários.

Entretanto, permaneceram as críticas do mercado à insuficiência de vantagens patrimoniais em

favor das ações preferenciais para contrabalançar a falta do direito de voto. Como conseqüência

dessas pressões, a Lei n° 10.303 alterou profundamente o regime das preferências na nova

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redação que estabeleceu para o art. 17, da Lei n° 6.404, inclusive criando uma distinção entre o

regime de preferência das companhias fechadas e aquele aplicável às companhias abertas.

A reforma retirou dos acionistas das companhias fechadas aquela vantagem de um dividendo

adicional de 10% sobre o que for pago às ordinárias, instituída pela Lei n° 9.457, restaurando a

sistemática anterior, que admitia atribuir-se às ações preferenciais unicamente o reembolso do

capital em caso de liquidação da sociedade, com ou sem prêmio.

Considero adequada essa solução, uma vez que não faz sentido a lei estender aos acionistas de

companhias fechadas, em sua esmagadora maioria sociedades de origem contratual e não

institucional, uma complexa estrutura de vantagens e preferências que têem por objetivo a

proteção dos investidores do mercado de capitais. Os acionistas das companhias fechadas devem

ter a maior liberdade possível para a definição das regras que vão regular o empreendimento em

torno do qual se associam, não sendo adequado que lhes sejam impostos direitos e deveres

incompatíveis com as suas características. Assim, a regra geral das vantagens ou preferências

para as companhias fechadas volta a ser aquela fixada originariamente pela Lei n° 6.404/76.

No que se refere às companhias abertas, a Lei inova ao estabelecer outra redação para o § 1° do

art. 17. De acordo com esse dispositivo, independentemente do direito de receber ou não o valor

de reembolso do capital com prêmio ou sem ele, somente serão admitidas à negociação no

mercado de valores mobiliários as ações preferenciais que tenham pelo menos uma das seguintes

preferências ou vantagens:

I - direito de participar do dividendo a ser distribuído, correspondente a, pelo menos, 25% do

lucro líquido do exercício, calculado na forma do art. 202, de acordo com o seguinte critério:

a) prioridade no recebimento dos dividendos acima mencionados correspondente a, no mínimo,

3% do valor do patrimônio líquido da ação; e

b) direito de participar dos lucros distribuídos em igualdade de condições com as ações

ordinárias, depois de a estas assegurado dividendo igual ao mínimo prioritário estabelecido em

conformidade com alínea a; ou

II - direito ao recebimento de dividendo, por ação preferencial, pelo menos 10% maior do que o

atribuído a cada ação ordinária; ou

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III - direito de serem incluídas na oferta pública de alienação de controle, nas condições previstas

no art. 254-A, assegurado o dividendo pelo menos igual ao das ações ordinárias.

O novo regime de vantagens e preferências coloca no seu devido lugar a prioridade no reembolso

do capital em caso de liquidação da sociedade. Diferentemente da companhia fechada, os

estatutos sociais das companhias abertas, concedendo ou não esse benefício, deverão atribuir às

ações preferenciais uma das vantagens ou preferências referidas no § 1° do art. 17, a fim de que

tenham substância econômica real.

A primeira alternativa (inciso I) consubstancia uma dupla inovação, não só porque contempla

uma prioridade no recebimento de um dividendo a uma determinada taxa mínima (de 3%), mas

também porque estabelece que esse percentual incidirá sobre o valor patrimonial da ação.

Nem o Decreto-lei n° 2.627/40 nem a Lei n° 6.404/76 estabeleciam um percentual para os

dividendos, fossem eles fixos ou mínimos. De acordo com esta última, cabia ao estatuto definir o

tipo de dividendo podendo, inclusive, fixá-lo em determinada quantia em dinheiro. A nova Lei

ousou ao estabelecer um determinado percentual mínimo para o dividendo, e essa ousadia talvez

encontre fundamento no fato de que, se não o fizesse, talvez as empresas se sentissem tentadas a

definir percentuais simbólicos, esvaziando o objetivo pretendido pelo legislador. Na falta de

qualquer referência legal, nada impediria, por exemplo, que o percentual fosse definido no

estatuto social como 0,001% do valor patrimonial da ação. Ora, isso seria o mesmo que não

atribuir dividendo algum à ação preferencial.

A definição de um percentual a ser obrigatoriamente distribuído decorreu, portanto, de

motivações de ordem prática, enquanto que a definição do valor (3%) teve caráter absolutamente

discricionário. Não há justificativa técnica que possa embasar a adequação do percentual de 3%.

Poderia ser 2%, 4% ou 6%, ou qualquer outro. O legislador optou por 3% atendendo

exclusivamente a critérios políticos.

Aparentemente esse percentual é baixo. Porém, convém lembrar que incidirá sobre o valor

patrimonial da ação, e não sobre o seu valor nominal ou sobre o produto da divisão do capital

social pelo número de ações, como usualmente se praticava quando o dividendo era estabelecido

numa determinada percentagem. Na maioria das companhias o valor patrimonial é

significativamente maior do que o valor do capital social, o que leva a crer que o resultado da

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aplicação dessa modalidade de dividendo, ainda que no percentual mínimo, possa vir a

representar expressivo desencaixe para as sociedades.

Além disso, não deve ser esquecido que se trata de hipótese de dividendo mínimo, como

explicitado na alínea b do mesmo inciso I, ou seja, os titulares das ações preferenciais terão o

direito de participar dos lucros remanescentes em igualdades de condições com as ações

ordinárias, depois que estas receberem dividendos iguais aos previamente recebidos pelas

preferenciais na forma da alínea “a”.

Particular atenção deve ser dada ao fato de que o cálculo dessa modalidade de dividendo poderá

implicar a distribuição de dividendos para as ações preferenciais que excedam o dividendo

obrigatório de 25%, uma vez que a Lei atribui prioridade ao pagamento do percentual de 3%.

Isto quer dizer que, em primeiro lugar, deverá ser promovido o pagamento do dividendo

percentual às ações preferenciais, ainda que o cumprimento dessa obrigação, pela companhia,

acarrete a distribuição de todo o lucro do exercício. Entretanto, caso esse pagamento (dos 3%)

represente parcela menor que o dividendo obrigatório de 25%, deverá ser pago igual percentual

às ações ordinárias. Se, depois de cumprida essa etapa, ainda remanescerem lucros a serem pagos

dentro do limite do dividendo obrigatório, ambas as espécies de ações – ordinárias e

preferenciais – concorreram em igualdade de condições pelo saldo.

Mas nem tudo são benefícios com essa modalidade de preferência. Se o patrimônio líquido for

baixo o valor do dividendo também será baixo. Se for negativo, a ação preferencial nada terá a

receber.

A segunda alternativa de dividendo para as companhias abertas, referida na nova redação do art.

17, inciso II, é aquela introduzida pela Lei n° 9.457/97 qual seja, um dividendo, por ação

preferencial, pelo menos 10% maior do que o atribuído a cada ação ordinária. As companhias

que não tinham em seus estatutos sociais previsão de dividendos fixos ou mínimos tiveram que

passar a pagar esse percentual adicional às ações preferenciais, independentemente de qualquer

modificação estatutária, uma vez que se tratava de norma de ordem pública.

A terceira modalidade de preferência ou vantagem (inciso III) também é uma inovação e consiste

na possibilidade de as companhias optarem por atribuir às ações preferenciais o direito de

receberem dividendos idênticos aos que venham a ser recebidos pelas ações ordinárias, desde

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que a elas seja outorgado o direito de serem incluídas em oferta pública de alienação de controle,

nas condições previstas no art. 254-A.

Um dos pontos mais criticados da Lei n° 9.457/97 foi a revogação do art. 254 da Lei n° 6.404/76,

que assegurava, aos acionistas minoritários titulares de ações ordinárias, tratamento igualitário

àquele obtido pelos acionistas majoritários em caso de alienação de controle da companhia

aberta. Esse direito era concretizado por intermédio da realização, pelo adquirente do controle da

companhia, de oferta pública de aquisição das ações de propriedade dos demais acionistas

ordinários, nas mesmas condições ofertadas ao acionista controlador. De natureza obrigatória, e

subordinada à prévia aprovação da CVM, a oferta pretendia: a) impedir que o “prêmio de

controle” pela venda da companhia fosse apropriado exclusivamente por uma parcela das ações

votantes; e que b) fosse dada ao acionista minoritário que havia optado por adquirir ações com

direitos políticos plenos, a possibilidade de vender sua participação por não concordar com a

mudança de comando da empresa.

Naquela época (1997) era intenção declarada do Governo Federal alienar o controle de algumas

das maiores companhias abertas brasileiras, nas quais detinha participação no capital votante em

limites muito próximos dos patamares mínimos para assegurar os respectivos controles, ou seja,

tais empresas tinham percentuais bastante expressivos de ações ordinárias em mãos de

investidores privados. Caso levasse adiante o processo de privatização sob a vigência do referido

dispositivo, para que conseguisse se desfazer de todas as suas ações votantes o Governo teria que

impor aos potenciais adquirentes esforço financeiro extra, em relação àquele que teria que ser

feito se somente as ações de sua propriedade fossem vendidas. Além de contribuir para a

diminuição do número de interessados nos leilões, a necessidade de oferta pública aos

minoritários também acabaria por fazer com que o Governo ficasse impedido de se apropriar

integralmente do prêmio de controle, trazendo como conseqüência a redução dos recursos que

pretendia arrecadar e que tinham como destino a diminuição da dívida pública.

Para reverter essa situação, e conseguir vender o controle das empresas estatais, elevando o valor

da sua parcela de ações, em detrimento dos acionistas minoritários, foi que o Governo promoveu

a reforma de 1997, indubitavelmente, um ato de violência contra o investidor privado, que se viu

impedido de alienar simultaneamente suas ações ordinárias nas mesmas condições daquele.

Além do mais, a revogação do art. 254 acabou por afetar mortalmente o direito dos acionistas

minoritários em companhias que nada tinham a ver com o Governo ou seu programa de

desestatização.

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Decorridos quatro anos, a Lei n° 10.303 procura reparar parcialmente o equívoco cometido,

reinstituindo o direito à oferta pública aos acionistas ordinários caso o controle da companhia

venha a ser alienado a terceiros. Parcialmente, porque desta feita o art. 254-A limita o benefício a

80% do valor que venha a ser pago aos acionistas controladores, enquanto na versão anterior os

minoritários faziam jus ao mesmo preço recebido por aqueles. Também foram expressamente

excluídos do rol de acionistas com o direito de vender suas ações em conjunto com o

controlador, de acordo com o art. 7° da Lei n° 10.303, os acionistas ordinários de companhias

abertas estatais que até a data da promulgação da lei tenham publicado edital de desestatização, o

que vem confirmar o entendimento acima de que a revogação do art. 254, operada pela Lei n°

9.457/97, pretendeu mesmo beneficiar o Governo em detrimento dos acionistas minoritários.

Enquanto o direito à oferta pública dos proprietários das ações ordinárias resulta de uma

determinação legal, a sua extensão aos titulares de ações preferenciais decorre exclusivamente de

previsão estatutária, inserindo-se entre as alternativas de vantagens ou preferências referidas no

art. 17, § 1°, inciso III. Mais conhecido no mercado por “tag along” , a sua inclusão no rol das

alternativas de preferências tem por objetivo estimular os controladores das companhias abertas

a compartilharem parcialmente com os minoritários o prêmio resultante da venda do controle da

companhia. Em troca, o estatuto poderia definir que o dividendo das ações preferenciais passaria

ser idêntico ao distribuído às ações ordinárias, sem nenhuma vantagem adicional, o que pode ser

conveniente para muitas empresas.

O que se verificou no mercado de capitais brasileiro nos últimos anos foi uma série de operações

de transferência de controle, a maior parte das quais acompanhada do fechamento do capital das

companhias, que prejudicaram sensivelmente os respectivos acionistas minoritários. Esse

fechamento ocorria de forma explícita e transparente, ou de forma sub-reptícia, através de

sucessivas aquisições, pelo controlador, de pequenos lotes de ações no mercado, do que resultava

a diminuição da liquidez dos papéis com a sua subseqüente desvalorização. Algumas dessas

operações chegaram a representar verdadeiros escândalos tais as vantagens auferidas pelos

controladores em detrimento dos minoritários, levando a CVM a baixar diversos atos normativos

com o objetivo de reduzir o nível dos abusos, entre os quais se destacam as Instruções nº 299, de

09.02.99, e nº 345, de 04.09.00.

Como não poderia deixar de ser, a iniciativa da CVM teve que ficar restrita aos limites da sua

competência, não podendo avançar na constituição de direitos e obrigações de natureza societária

o que somente a lei poderia fazer.

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Os participantes do mercado, principalmente administradores de recursos de terceiros,

pressionaram para que a reforma estendesse um “tag along” integral a todos os acionistas,

fossem eles titulares de ações ordinárias ou de ações preferenciais. O legislador, entretanto, não

foi tão longe, optando por re-introduzir, no ordenamento jurídico societário, o direito à oferta

pública obrigatória somente aos acionistas ordinários e, ainda assim, limitado o seu valor a 80%

do preço recebido pelo acionista controlador.

Observe-se que a competência para a escolha da preferência que melhor atenda os interesses da

companhia é da assembléia geral extraordinária, que poderá optar por qualquer uma das

alternativas apresentadas no novo texto legal.

O art. 8° da Lei n° 10.303 estabeleceu regra transitória de exceção para facilitar a adaptação dos

estatutos das companhias à nova sistemática de preferências. Nesse sentido, as modificações dos

direitos das ações preferenciais não conferirão direito de recesso aos acionistas que com elas não

concordarem, se as respectivas alterações estatutárias forem realizadas até o término do ano de

2002.

Esse dispositivo com certeza provocará polêmica, na medida em que inúmeras companhias

atribuem vantagens econômicas às ações preferenciais de qualidade melhor do que aquelas

relacionadas no novo regime. Nesses casos, a adaptação que, em tese, seria para beneficiar o

titular da ação preferencial poderá vir a prejudicá-lo. A Lei, entretanto, é clara a respeito: a

adaptação do estatuto com a exclusão do direito de recesso do acionista dissidente é um direito

da companhia, não tendo sido contemplada a possibilidade de o acionista contra ela se insurgir

sob o pretexto de que estaria sofrendo redução de seus direitos em face do texto anterior do

estatuto social.

As companhias que já estejam adaptadas também poderão livremente modificar o tipo de

vantagem ou preferência dentro daquele prazo, sem que estejam obrigadas a conferir o direito de

recesso aos acionistas dissidentes. Essa observação é particularmente aplicável às sociedades que

introduziram em seus estatutos sociais a regra de dividendos dez por cento maiores para as ações

preferenciais, nos termos da Lei n° 9.457/97, e que, por conta disso, já estariam enquadradas no

novo regime.

Ocorre que pode ser conveniente à sociedade modificar esse tipo de dividendo, por exemplo,

para aquele previsto no inciso III, do § 1°, do art. 17, ou seja, dividendos idênticos aos que

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venham a ser atribuídos às ações ordinárias acrescidos do “tag along” em caso de alienação do

controle. Neste caso, a assembléia geral será livre para adotar essa deliberação, uma vez que é de

ordem pública a norma que assegura à companhia a possibilidade de optar entre as diversas

modalidades de preferências ou vantagens introduzidas na legislação pela Lei n° 10.303. Os

dividendos dez por cento mais elevados, na verdade, não foram introduzidos nos estatutos das

companhias como resultado de processo soberano de escolha, mas tão somente por uma outra

norma de ordem pública decorrente da Lei n° 9457/97. Como já mencionado anteriormente, os

estatutos sociais sequer necessitavam ser alterados para que as empresas estivessem obrigadas a

observá-la. Esse regime de dividendos está sendo integralmente substituído por um outro que

assegura a opção entre três alternativas e as companhias poderão fazê-lo sem arcar com o ônus

do direito de retirada.

Aliás, uma das mais severas críticas que têm sido formuladas pelos participantes do mercado à

nova estrutura dos dividendos das ações preferenciais reside exatamente nessa possibilidade de

escolha entre três modalidades distintas de regime de dividendos. A expectativa dos investidores

é de que houvesse de fato a adoção de regras que forçassem as companhias a distribuir parcelas

maiores dos respectivos lucros.

A manutenção da possibilidade de a preferência consistir em dividendos dez por cento maiores

do que os pagos às ações ordinárias tende a fazer com que as empresas mantenham o statu quo,

frustrando as expectativas dos investidores de que a Reforma viria a induzir maiores níveis de

distribuição de dividendos por parte das empresas. Nesse sentido, vale lembrar que o

Substitutivo Kapaz, aprovado na Comissão de Economia da Câmara dos Deputados não

contemplava a permanência dessa modalidade de dividendo no Projeto.

Importante observar que o prazo para que as companhias abertas ajustem os direitos das ações

preferenciais aos preceitos estabelecidos no art. 17, § 1°, com a nova redação dada pela Lei n°

10.303, é de 1 (um) ano, após a sua entrada em vigor. Entretanto, caso pretendam promover a

emissão de novas ações antes dessa data deverão antecipar essa adaptação, de acordo com o

disposto no § 3° do art. 8°.

A Lei inseriu novo dispositivo (§ 2°) no art. 17, para permitir, expressamente, que sejam

atribuídas outras vantagens ou preferências aos acionistas sem direito de voto, ou com voto

restrito, desde que sejam reguladas com precisão e minúcia no estatuto social. Na verdade, nunca

foi vedada a concessão de direitos adicionais às ações preferenciais além daqueles referidos no

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texto básico do art. 17. Assim, a inclusão desse parágrafo só pode ser entendida como um

estímulo à identificação de outros benefícios que sirvam para valorizar ainda mais o conteúdo

econômico das ações sem direito de voto.

Merece registro, também, a solução de uma impropriedade que remanescia no texto do § 5° do

art. 17, e que acompanhava a lei desde 1976. Trata-se da referência que assegurava às ações

preferenciais com dividendo fixo o direito de participar dos lucros remanescentes, quando estes

fossem capitalizados ao invés de distribuídos.

As ações com dividendos fixos se diferenciam das que possuem dividendos mínimos exatamente

porque não participam da distribuição dos lucros remanescentes. Uma vez pagos os dividendos

fixos previstos no estatuto, nada mais é devido às ações que tenham essa característica. O que

restou dos lucros será atribuído integralmente às ações preferenciais com dividendos mínimos e

às ações ordinárias. O fato dos lucros remanescentes não serem distribuídos e sim incorporados

ao capital não poderia alterar a respectiva titularidade, sob pena de se estar cometendo não só

uma injustiça, mas também um absurdo lógico. Injustiça, porque se fossem integralmente

distribuídos, os lucros remanescentes seriam pagos exclusivamente aos acionistas com

dividendos mínimos e aos acionistas ordinários. Absurdo lógico, porque quem tem o direito por

inteiro aos lucros remanescentes nunca se disporia a capitalizá-los, na medida em que essa

operação significaria a perda de parte dos mesmos em favor dos acionistas com dividendos fixos.

A prejudicada com essa contradição em termos acaba sendo a própria companhia, que pode vir a

ser privada dos recursos de que necessita por força de distribuições “compulsórias” de

dividendos decididas pelos acionistas ordinários.

Agiu bem, portanto, a Lei, ao corrigir o equívoco do texto original, para explicitar que os

aumentos de capital decorrentes da capitalização de reservas ou lucros não beneficiarão os

titulares de ações preferenciais com dividendos fixos.

Representação no Conselho de Administração

A Lei n° 10.303 criou um novo direito político para as ações preferenciais sem direito a voto,

com a nova redação dada ao § 4°, do art. 141, da Lei n° 6.404/76. Consiste ele na possibilidade

desses acionistas elegerem, em votação em separado, um membro titular e respectivo suplente

para o conselho de administração da companhia aberta, desde que representem, no mínimo, 10%

(dez por cento) do capital social.

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Com essa iniciativa o legislador pretendeu, a par do incremento das vantagens patrimoniais,

valorizar a ação preferencial enquanto produto do mercado de capitais. Na medida em que seus

titulares passem a ter condições de se fazerem representar no órgão máximo de administração

das companhias, adquirindo a capacidade de interferir no seu processo decisório, é

inquestionável que esses títulos adquirem um atrativo adicional que deverá produzir um aumento

do interesse dos investidores na sua aquisição, inclusive, com reflexos positivos na cotação dos

títulos no mercado.

O acesso de investidores institucionais aos conselhos de administração das empresas também

será facilitado, na medida em que, como já mencionado anteriormente, são eles que detém a

maior parte das ações preferenciais que se encontram em circulação no mercado. Este fato

também trará resultados positivos para a governança das companhias abertas, muitas das quais

ainda marcadas pela gestão familiar, uma vez que os investidores institucionais usualmente se

fazem representar nos conselhos de administração por profissionais qualificados e experientes

em matéria de administração de empresas.

A presença dessas pessoas nos colegiados deve funcionar, também, como um saudável

instrumento de pressão sobre os acionistas controladores das companhias abertas em direção a

um padrão de gestão que valorize as ações no mercado, vale dizer, que tenha como característica,

principalmente, a transparência decisória, o “full disclosure” e uma política de distribuição

efetiva de dividendos, que evite a retenção desnecessária de lucros.

Não tenho dúvidas em afirmar que a ampliação da participação dos acionistas minoritários no

conselho de administração das companhias abertas, associada à mudança da regra de proporção

entre as ações ordinárias e as ações preferenciais sem direito de voto, são as inovações que trarão

os reflexos mais positivos, sob um perspectiva de longo prazo, é claro, para o desenvolvimento

do mercado de capitais brasileiro. Mais, até, do que o próprio aumento do elenco de preferências

e vantagens das ações preferenciais, já comentado neste artigo, e o direito à oferta pública em

caso de fechamento de capital, regulado no art. 4°, §§ 4° a 6°, da Lei n° 6.404/76, com a nova

redação dada pela Lei n° 10.303. Esta convicção está baseada no fato de que, enquanto estes são,

tão somente, mecanismos passivos de defesa do investidor, aquelas interferem diretamente na

cultura e no comportamento das companhias e dos seus controladores, provocando, portanto,

mudanças estruturais e permanentes que se refletirão, de forma positiva, não só nas relações

entre maioria e minoria, mas também nas relações das empresas com os demais agentes com os

quais interage (empregados, comunidade, governo, etc). A própria dinâmica de crescimento das

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empresas também deverá ser afetada favoravelmente pela incorporação de novos conceitos e

valores resultantes do novo equilíbrio político interno.

A exegese do § 4°, do art. 141 trás algumas dificuldades para o intérprete, razão pela qual o

mesmo deve ser analisado de forma aprofundada e sob a ótica da dinâmica de funcionamento do

conselho de administração, o que é feito por outros ilustres autores que participam desta

coletânea.

* Sócio do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados Associados