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AS AÇÕES PREFERENCIAIS NA LEI 10.303, DE 31.10.2001:
PROPORCIONALIDADE COM AS AÇÕES ORDINÁRIAS; VANTAGENS E PREFERÊNCIAS
Francisco da Costa e Silva*
Publicado originalmente em “Reforma da Lei das Sociedades Anônimas”, Editora Forense, 2002, pg. 17
Introdução
A Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, representou um significativo esforço institucional
para a criação de um modelo que estimulasse a organização e o funcionamento da grande
empresa privada em contraponto à crescente participação do estado na poupança nacional, tendo
em vista as necessidades de crescimento econômico daquela época. Adicionalmente, pretendeu
criar no País um mercado primário de ações, buscando engajar significativos contingentes de
investidores na formação do capital de risco exigido pela grande empresa. Para a consecução
desse objetivo foi ainda sancionada a Lei nº 6.385, de 7 de dezembro do mesmo ano que, além
de criar a Comissão de Valores Mobiliários, estabeleceu o marco legal do mercado de capitais
brasileiro.
Em que pese o avanço representado pelo advento dos dois diplomas legais, as circunstâncias
objetivas do modelo econômico nacional e a sua evolução histórica, fizeram com que grande
parte das expectativas que os cercavam fossem em grande parte frustradas, tornando necessária a
sua revisão de forma ampla e abrangente 25 anos depois, e após a reforma parcial da Lei nº
9.457, de 05.05.97.
Os mecanismos tradicionais de financiamento das empresas, e que foram utilizados pelo governo
durante a década de 70, para financiar a industrialização ocorrida a partir do II Plano Nacional de
Desenvolvimento, ou ficaram completamente inadequados ou passaram a ser insuficientes para
fazer face às necessidades de recursos das empresas, numa economia aberta, altamente
competitiva e globalizada.
Apesar da intenção de desenvolver o mercado de valores mobiliários, manifestada com maior ou
menor intensidade nos discursos dos diversos governos das três últimas décadas, o que se
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verificou nesse período foi que foram priorizados outros mecanismos para promover o
crescimento das empresas, entre os quais se destacaram:
a) o crédito oficial, concedido através das agências financeiras governamentais, como o Banco
do Brasil, o finado Banco Nacional da Habitação - BNH, a Caixa Econômica Federal, os bancos
de desenvolvimento estaduais e regionais e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social - BNDES;
b) a criação de empresas estatais para a exploração direta de atividades econômicas;
c) a concessão de subsídios de todas as espécies e sob diversas capas ou disfarces:
- subsídios à produção concedidos sob a forma de financiamento para o capital de giro das
empresas a custos abaixo dos custos de mercado ou sob a forma da aquisição de produtos a
preços mínimos distanciados dos preços de mercado;
- subsídios corporificados em renúncia tributária de várias modalidades, para a constituição de
mecanismos como o FINOR e o FINAM;
- subsídios sob a forma de isenções de impostos federais, estaduais e municipais;
- subsídios para o investimento, como aqueles que foram concedidos pelo BNDES nas décadas
de 70 e 80: num primeiro momento, através da concessão de créditos com correção monetária
limitada a 20% ao ano e, posteriormente, com a correção limitada a 70% da inflação
efetivamente verificada no período;
d) o protecionismo e a reserva de mercado, através da imposição de barreiras à entrada de
produtos importados, com o objetivo de estimular a instalação de indústrias nacionais.
Esse período também se caracterizou pela permanência de uma inflação crônica que, em diversos
momentos, atingiu índices elevadíssimos deixando o País à beira da hiperinflação. E como
ocorre em todo processo inflacionário, o trabalho foi muito mais prejudicado do que o capital,
uma vez que este possui mecanismos de defesa mais efetivos contra a desvalorização acelerada
da moeda. Enquanto os salários eram pagos ao final de determinados períodos por valores
nominais já defasados, os custos dos bens e dos serviços eram reajustados diariamente.
Essa política permitiu que inúmeros setores da economia tivessem um desenvolvimento
acelerado e que a industrialização do País tivesse tido um grande salto. Teve como resultado,
também, brutal concentração de renda em parcela pequena da população brasileira.
Setores como o de bens de capital – indústrias que produzem máquinas e equipamentos; como o
de insumos básicos – indústrias como as de fertilizantes, mineração e siderurgia; e também de
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bens de consumo de um modo geral, foram implantados e cresceram aceleradamente naquele
período.
O mercado de capitais não teve qualquer relevância nesse processo. As empresas não
financiavam a sua expansão através da colocação de ações junto ao público, diferentemente do
que aconteceu, por exemplo, nos Estados Unidos, desde o século dezenove. No nosso País, as
empresas, quando muito, abriam os seus capitais para poderem captar recursos oriundos de um
mecanismo criado pelo governo federal denominado Fundo 157, porque instituído pelo Decreto-
lei nº 157, de 10.02.67, ou para se beneficiar da redução da alíquota do imposto de renda na
distribuição de dividendos.
Sua intenção não era de se transformar em verdadeiras companhias abertas, mas simplesmente
captar recursos mais baratos que estavam, circunstancialmente, à sua disposição. Para a maior
parte desses empresários, principalmente aqueles que se utilizavam do Decreto-lei n° 157, os
recursos dessa origem eram vistos como “dinheiro de graça”, isto é, empréstimos que não
sofriam a incidência de juros e que não precisariam ser quitados. Essa visão distorcida era
agravada pelo fato de que grande parte dos aplicadores não tinha consciência de que, ao optar
por utilizar um pequeno percentual do imposto de renda devido para subscrever ações de
empresas, estava de fato realizando um investimento de longo prazo que requeria ser
acompanhado e fiscalizado. Entretanto, não foi isso que ocorreu: talvez pelo fato de não
representarem investimentos efetivamente desembolsados, uma vez que as liberações dos
recursos eram feitas diretamente pelo governo, parcela expressiva dessas aplicações acabou
sendo “esquecida” pelos seus titulares, abrindo espaço para que todos os tipos de abusos e
desvios fossem praticados por empresários e intermediários financeiros.
Em contrapartida, esse modelo acabou por exaurir os recursos do Estado, promover a
concentração de renda e criar uma economia na qual vários segmentos, além de não ofertarem
produtos com padrões adequados de qualidade e preço, também não tinham condições de
suportar a competição de empresas de outros países que se desenvolveram em economias abertas
e com alto grau de competição.
Com a abertura da economia ocorrida no início da década de 90 um número muito grande de
empresas quebrou por falta de condições de enfrentar concorrentes estrangeiros, que conseguiam
colocar no mercado brasileiro produtos a preços menores e, mais importante ainda, de muito
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melhor qualidade. Setores econômicos sofreram verdadeira devastação (informática, têxtil e de
bens de capital, principalmente).
A crise financeira do estado acabou por gerar, também, a necessidade da privatização das
companhias estatais que, por conta da exaustão das fontes de recursos públicos, vinham deixando
de fazer os investimentos necessários para a sua regular modernização e expansão.
No plano internacional, em larga escala, e no plano doméstico, de forma mais restrita, o que se
verificou, durante os anos 80 e 90, foi a aceleração do processo de acumulação de poupança nos
chamados investidores institucionais, principalmente fundos de pensão e fundos de
investimentos, que passaram a desempenhar papel cada mais relevante no financiamento das
atividades produtivas. Ambos os instrumentos, dispondo de expertise própria e volumes
crescentes de recursos para investir, buscaram adquirir diretamente das empresas os títulos por
ela emitidos, minimizando o papel dos bancos como intermediários no processo de alocação de
poupança. Esse fenômeno, conhecido por desintermediação bancária, fez com que o mercado de
valores mobiliários tivesse tido um fenomenal crescimento, tendo também exercido contribuição
decisiva para o incremento do processo de globalização e de internacionalização dos mercados.
No afã de buscar as melhores aplicações para os seus capitais, os grandes investidores
institucionais das economias desenvolvidas vêm desconhecendo fronteiras e promovendo
investimentos em toda a sorte de empreendimentos e mercados, grande parte dos quais nas
chamadas economias emergentes, onde se inclui o Brasil. Para se ter uma idéia da dimensão
desse fenômeno, basta verificar que, no período de 1991 a 2000, o volume total de compras e
vendas de ações por investidores estrangeiros, somente na Bolsa de Valores de São Paulo,
superou a expressiva cifra de U$ 300 bilhões.
Em busca dessa disponibilidade de recursos, dezenas de grandes empresas brasileiras também
partiram para colocar seus valores mobiliários no mercado financeiro internacional, cujo
exemplo mais marcante pode ser encontrado no fato de que, atualmente, mais de cem
companhias brasileiras têm suas ações negociadas no mercado internacional sob a forma de
“depositary receipts”, principalmente nos Estados Unidos.
O número e a importância dos investidores institucionais domésticos, conforme mencionado,
também cresceram no País, principalmente em face das severas limitações da previdência social
estatal. Os fundos de pensão se transformaram em grandes acumuladores de poupança e, por via
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de conseqüência, nos mais importantes investidores domésticos do mercado de capitais brasileiro
nos últimos vinte anos. Para se ter uma idéia da importância do seu papel, basta que se mencione
que esses fundos detinham em sua propriedade, no mês de setembro do corrente ano,
investimentos em ações da ordem de R$ 38 bilhões, enquanto que o valor total de mercado das
ações listadas na Bolsa de Valores de São Paulo era de R$ 381 bilhões.
Esses “novos acionistas”, nacionais ou estrangeiros, diferem do perfil do aplicador tradicional de
ações – o investidor individual, não só porque têm padrões mais elevados de exigência em
relação a questões de governança corporativa das empresas em que investem, mas também
porque reúnem condições de defender seus interesses de forma mais efetiva em face das atitudes
de acionistas controladores e de administradores, diferentemente do investidor individual
tradicional, que quase sempre se torna vítima indefesa dos abusos cometidos por essas pessoas.
Esse é o pano de fundo histórico e econômico que deve servir de referência para analisarmos a
reforma da Lei das S/A, consubstanciada na Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001.
A Lei nº 6.404/76 foi elaborada e aprovada no ambiente econômico, social e político da década
de 70, muito diferente do que prevalece nos tempos atuais, cujas principais características são a
plenitude democrática, a redução do papel do estado na economia, a acirrada competição
nacional e internacional entre as empresas, a evolução tecnológica acelerada, os direitos dos
consumidores, a mudança do perfil dos investidores em ações e o intenso fluxo de capitais entre
os países.
As empresas hoje em dia não podem mais contar com o crédito fácil ou com subsídios
governamentais para financiar suas atividades ou seus programas de investimento. Têm que
buscar os recursos no mercado, sob a forma de colocação de valores mobiliários. E essas
necessidades se tornarão cada vez maiores na medida em que, para enfrentar as profundas
desigualdades sociais existentes, o País necessita crescer a taxas elevadas.
Dentro desse contexto, e com a certeza de que o processo de desenvolvimento econômico
brasileiro depende de um mercado de capitais forte, é que a modernização da lei, bem como o
fortalecimento do órgão regulador do mercado – a CVM, assumem transcendental importância.
Ações Ordinárias e Ações Preferenciais - Proporcionalidade
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As ações preferenciais foram introduzidas no direito brasileiro pelo Decreto nº 21.526, de
15.06.32, que não estabelecia qualquer limite para a sua emissão. Trajano de Miranda Valverde
se refere à existência de companhias constituídas com capital representado por 90% de ações
preferenciais sem direito de voto sob a vigência desse diploma legal.
O Decreto-lei nº 2.627, de 26.09.40, a antiga lei societária, limitou a 50% do capital social a
emissão de ações preferenciais sem direito de voto.
A Lei n° 6.404/76 ampliou esse limite para permitir que essas ações atingissem 2/3 do capital das
companhias, incluindo no mesmo as ações com voto restrito. A Exposição Justificativa que
acompanhou o Projeto enviado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional explicitou que essa
modificação tinha por objetivo :
a) ampliar a liberdade do empresário privado nacional na organização da estrutura de
capitalização da sua empresa;
b) facilitar o controle, por empresários brasileiros, de companhias com capital distribuído no
mercado; e
c) evitar a distribuição, na fase inicial de abertura de capital de companhias pequenas e médias,
de duas espécies de ações, em volume insuficiente para que atinjam grau razoável de liquidez.
Na sistemática da Lei n° 6.404/76 todas as ações – ordinárias e preferenciais – têm
originariamente o direito de voto. Entretanto, facultou que o estatuto social retirasse ou
restringisse o direito de voto das ações preferenciais desde que a elas fosse atribuída alguma
compensação econômica efetiva. Como veremos adiante, a aplicação concreta da norma ao
longo dos anos à realidade da vida societária, demonstra que o objetivo do legislador não foi
alcançado e que os titulares das ações preferenciais acabaram, na grande maioria dos casos,
privados do direito de voto, sem a contrapartida de qualquer benefício.
É inquestionável que nas companhias abertas existem dois tipos de investidores: aqueles que
comandam os seus destinos ou que têm um interesse direto no processo de formação da vontade
social, entre os quais se destaca o acionista controlador, e aqueles que estão interessados
exclusivamente nos seus resultados econômicos e financeiros, na valorização e na liquidez do
investimento que realizaram. Para os primeiros, o direito de voto e o de influenciar nas
deliberações sociais é decisivo, enquanto que para os últimos, as vantagens patrimoniais e
financeiras são fatores mais relevantes do que a existência de direitos políticos.
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Assim, a possibilidade de as companhias emitirem ações de duas espécies – ordinárias e
preferências, teria por objetivo suprir esses dois tipos de expectativas: a do acionista interessado
em interferir na gestão e a do acionista meramente investidor, cujo maior interesse seria o
recebimento de dividendos e a valorização do capital aplicado, contando, todavia, com
adequados instrumentos de participação e fiscalização que lhe permitissem atingir tal desiderato.
A elevação do percentual de ações sem direito de voto, por seu turno, como referido na
Exposição de Motivos, teve por objetivo estimular a criação e o fortalecimento da empresa, sob o
controle de empresários privados nacionais. Não custa lembrar, que na década de 70, o núcleo
capitalista privado brasileiro era relativamente pequeno e frágil. Com os ambiciosos planos de
crescimento econômico de então, se não fossem concedidas condições especiais para que
empresários brasileiros controlassem as empresas que desenvolveriam os grandes projetos, estes
ficariam ou sob controle estatal ou sob o comando de companhias estrangeiras que, além de
capital, também traziam tecnologia. Há que se considerar, ademais, que os governos militares
chegaram ao poder com o apoio das classes empresariais e tinham uma visão profundamente
nacionalista da economia.
Se mantido o limite anterior, do Decreto Lei n° 2.627/40, empreendimentos que demandavam
elevada capitalização não teriam como ficar sob o controle de empresários privados nacionais.
Com a nova regra, esse controle passou a ser possível bastando que o controlador detivesse
16,66% mais uma ação do capital votante, ao invés de 25% mais uma ação no sistema anterior.
Embora tenha atendido a uma exigência histórica, decorridos 25 anos de aplicação dessa regra,
verificou-se que a possibilidade de manutenção do controle das companhias com tão pouco
capital criou inúmeras distorções, vindo a se transformar num dos principais entraves ao
desenvolvimento do mercado de capitais.
As críticas têm fundamentos éticos e econômicos.
Questionava-se, em primeiro lugar, a legitimidade de se poder controlar uma companhia com
somente 16,66% de contribuição para a formação do seu capital social, a partir da convicção de
que o poder político deve guardar uma relação de proporção com o volume de recursos aplicado
no negócio. Não seria mais sustentável que companhias tenham seus destinos decididos
exclusivamente por acionistas controladores que tivessem investido tão pouco, e que aqueles que
contribuíram com a maior parcela para a formação do capital – os demais acionistas titulares de
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ações ordinárias e a totalidade dos detentores das ações preferenciais – ficassem quase que
completamente privados da capacidade de interferir na administração.
O problema fica tão mais grave quando se verifica que, cada vez mais, as empresas se estruturam
sob a forma de conglomerados. Nesse caso, em que empresas controlam outras empresas e,
assim, sucessivamente, o volume de capital do controlador da empresa que se encontra no vértice
superior da pirâmide pode ser absolutamente desprezível em relação ao total de ativos do
conjunto das empresas que integram o conglomerado.
Embora a Lei n° 6.404/76 tenha conferido alguns direitos políticos às minorias, formou-se o
consenso de que esses direitos eram insatisfatórios, principalmente no que se refere às ações
preferenciais. A distorção, portanto, era de natureza estrutural e somente a restauração de uma
proporção mais restrita entre ações votantes e não votantes é que permitiria, a longo prazo, um
maior e mais saudável equilíbrio de poder nas companhias.
O moderno capitalismo de mercado, como já mencionado, é caracterizado pela forte presença de
grandes investidores institucionais com elevado padrão de exigência, em função do fato de terem
que prestar permanentemente contas às respectivas comunhões de interesse que representam. Por
conta disso, o acompanhamento do desempenho das empresas em que investiram é da essência
das suas atividades, e costumam ser muito ativos na defesa de seus investimentos. Como
conseqüência, querem ter o direito de interferir no processo de gestão das sociedades quando
julgarem que as mesmas não estão sendo administradas de maneira adequada.
Firmou-se, também, a convicção de que não era mais aceitável que controladores com parcelas
tão ínfimas de contribuição para o capital das companhias se apropriassem integralmente dos
prêmios de controle em caso de alienação para terceiros, fenômeno este que tem sido a tônica do
mercado de capitais brasileiro e que foi agravado depois que a Lei n° 9.457, de 05.05.97,
revogou o art. 254, da Lei n° 6404/76. Até então, os acionistas titulares de ações ordinárias
tinham o direito de vender suas ações em igualdade de condições com o acionista controlador,
excluindo-se somente os acionistas preferencialistas desse benefício. A Lei n° 9.457/97, também
chamada Lei Kandir, eliminou essa vantagem das ações ordinárias uma vez que tinha como
principal objetivo permitir que somente o Estado, principalmente a União Federal, auferisse
integralmente os prêmios de controle das empresas privatizadas.
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O nível de exigência do mercado, portanto, atuou como um forte elemento de pressão para que a
regra de proporção estabelecida fosse modificada.
Outra séria crítica ao modelo da Lei n° 6.404/76 é que a possibilidade de se manter o poder com
quantidade restrita de capital acabou por estimular a manutenção de empresas sob controle
familiar, contribuindo para impedir que surjam no Brasil as verdadeiras “public companies” tão
comuns nos Estados Unidos, ou seja, companhias com ações votantes dispersas no mercado e
sem um controlador definido, o que faz com que todos os acionistas se apropriem do prêmio
correspondente ao poder de controle.
A nova redação do §2° do art. 15 da Lei procura, assim, restabelecer o equilíbrio entre ações
votantes e não votantes, promovendo o retorno à regra de proporcionalidade do Decreto-lei nº
2.627/40, ou seja, estabelecendo que o número de ações sem direito de voto, ou sujeitas a
restrições no exercício desse direito, não pode ultrapassar 50% (cinqüenta por cento) do total de
ações emitidas.
Trata-se, entretanto, de ajuste que produzirá efeitos somente a longo prazo, uma vez que, de
acordo com os arts. 8° e 9° da Lei n° 10.303, somente estariam obrigadas a observar o novo
limite: a) todas as companhias constituídas a partir da data da publicação da Lei, vale dizer,
abertas ou fechadas; e b) as companhias fechadas existentes, no momento em que decidirem
abrir o seu capital.
O art. 8º permitiu que as companhias abertas existentes mantenham a proporção de até 2/3 (dois
terços) de ações sem direito de voto, inclusive em relação a novas emissões de ações,
eliminando, assim, um dos maiores entraves à aprovação da reforma no âmbito do Poder
Legislativo, uma vez que havia forte oposição, por parte das sociedades que praticavam esse
limite, a qualquer modificação do mesmo.
Embora não mencionado explicitamente, as companhias fechadas existentes no momento em que
a Lei foi publicada também não estão obrigadas a promover a adaptação dos seus estatutos
sociais, podendo conviver, portanto, com a mesma proporção de ações ordinárias e preferenciais
que já possuíam. Somente aquelas que pretendem se transformar em companhias abertas é que
terão que se adaptar à nova regra de proporção, como se depreende da leitura do inciso II, do art.
8°.
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Questão relevante é saber se poderia a lei impor esse tipo de modificação na estrutura do capital
social e, por via de conseqüência, a necessidade de uma reforma estatutária às companhias
fechadas, como requisito para a obtenção do registro de companhia aberta. Creio ser afirmativa a
resposta, uma vez que não há qualquer ofensa a direito adquirido da companhia fechada (ou de
seus acionistas) na imposição de exigência para a aquisição de uma qualidade da qual não é
titular, vale dizer, a de companhia aberta. Além do mais, existem inúmeras outras exigências que
têem que ser satisfeitas para que venha ostentar a qualidade de companhia aberta (conselho de
administração, auditoria independente, demonstrações financeiras, etc), todas elas resultantes do
regime jurídico especial aplicável às sociedades que buscam junto ao público os recursos
necessários ao financiamento das suas atividades.
O mesmo art. 8º criou, no seu § 2°, um estímulo para que as companhias abertas busquem a
adaptação voluntária à nova relação entre ações votantes e não votantes.
Aquelas que promoverem a emissão exclusiva de ações ordinárias poderão fazê-lo sem atribuir,
aos titulares de ações preferenciais, o direito de preferência para a subscrição das mesmas, e que
se encontra previsto no art. 171, § 1°, alínea b, da Lei n° 6.404/76. Esse procedimento faculta aos
titulares de ações ordinárias (leia-se: acionista controlador), aumentar sua participação relativa
no capital total da companhia, de vez que poderão subscrever ações que caberiam aos
preferencialistas.
De acordo com o art. 172 da Lei n° 6404/76, o direito de preferência à subscrição de novas
ações, ou de qualquer outro valor mobiliário conversível em ações do capital social, só pode ser
negado ao acionista se houver previsão estatutária, a companhia tiver capital autorizado e a
colocação dos papéis for feita mediante: venda em bolsa de valores ou subscrição pública ou
permuta por ações, em oferta pública de aquisição de controle.
A Lei n° 10.303 criou, portanto, regra extraordinária de transição em que a companhia poderá
não observar o disposto no art. 172. Caberá à assembléia geral da companhia decidir sobre a
utilização dessa faculdade e somente enquanto não for atingida a nova proporção, isto é, a
retirada do direito de preferência dos titulares de ações preferenciais nos aumentos de capital
exclusivamente em ações ordinárias perdurará pelo tempo necessário para que as ações
preferenciais sejam diluídas e reduzidas à metade do capital social. Uma vez atingido o novo
limite a companhia não poderá retornar à antiga proporção em novos aumentos de capital.
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Justificável sob o ponto de vista de acelerar o atingimento dos objetivos de longo prazo da
reforma, essa possibilidade, além de contrariar o disposto no art. 109, inciso IV, da Lei n °
6404/76, é evidentemente prejudicial para os acionistas minoritários titulares de ações
preferenciais, que se verão privados do direito de manter a participação que detinham no capital
social da companhia, ainda que subscrevendo ação de espécie distinta. O prejuízo poderá ocorrer
naquelas empresas cujas ações estejam circunstancialmente desvalorizadas no mercado, mas que
possuem um elevado potencial de crescimento e de lucratividade, mesmo que a fixação do preço
de emissão observe os parâmetros do art. 170, § 1°, da Lei, e será dificilmente evitável. Como
quem decide as épocas em que esses aumentos de capital serão realizados é o acionista
controlador, beneficiário direto da regra de exceção, os aumentos, com certeza, ocorrerão nos
momentos que melhor favoreçam os seus interesses. Os minoritários devem ficar atentos e exigir
que os aumentos de capital se justifiquem sob o ponto de vista do interesse da companhia, e não
somente como instrumento de diluição das ações preferenciais. Nesse sentido, vale lembrar que o
aumento de capital feito com o objetivo exclusivo de prejudicar os acionistas minoritários foi
relacionado como hipótese de abuso do poder de controle pela Comissão de Valores Mobiliários,
na Instrução n° 323, de 23 de janeiro de 2.000.
Preferências e Vantagens das Ações Preferenciais
A Lei n° 6.404/76, na sua versão original, estabelecia, no art. 17, que as preferências ou
vantagens das ações preferenciais seriam as seguintes:
a) prioridade na distribuição de dividendos, que poderiam ser fixos ou mínimos, cumulativos ou
não;
b) prioridade no reembolso do capital, com prêmio ou sem ele;
c) na acumulação dessas vantagens.
A retirada do direito de voto das ações preferenciais deveria ter como contrapartida o direito à
percepção de vantagens economicamente palpáveis. O acionista investidor, em tese, teria uma
compensação de natureza econômica pela privação do direito político de voto. Esse direito lhe
seria restaurado se a companhia não cumprisse com aquilo que havia prometido, isto é: em caso
de não pagamento dos dividendos pelo prazo previsto no estatuto, não superior a três exercícios
consecutivos, os titulares das ações preferenciais adquiririam o direito de voto, permanecendo
com ele até que a companhia cumprisse com sua obrigação (art. 111, § 1°). Lembre-se que tal
regra já incidiria no primeiro exercício sem o pagamento dos dividendos se o estatuto fosse
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omisso acerca da matéria, ou seja, se não explicitasse a carência dos três exercícios consecutivos
para a aquisição do direito de voto.
Objetivou a Lei, com isso, permitir que os acionistas que ficaram à margem do processo
decisório e que não tiveram satisfeitos os direitos que lhe haviam sido prometidos, pudessem
interferir na gestão da companhia para tentar recolocá-la no caminho da lucratividade. No limite,
a aquisição do direito de voto pelos titulares das ações preferenciais poderia, até, ainda que
transitoriamente, resultar na retirada do poder de controle da gestão das mãos do acionista
controlador.
Entretanto, o que se verificou foi que, aproveitando-se da redação do art. 17, inúmeras
companhias que abriram capital após o advento da Lei estabeleceram, como única vantagem
patrimonial das ações preferenciais, a prioridade no reembolso do capital, com ou sem prêmio,
esvaziando, na prática, o conteúdo econômico da preferência que seria a contrapartida pela
retirada do direito de voto.
Nas companhias fechadas seria até possível imaginar alguém subscrevendo ou comprando ações
levando em conta uma eventual liquidação do empreendimento como forma de retorno do
investimento realizado. Entretanto, ninguém compra ações de uma companhia aberta adotando
como fundamento da sua decisão um direito que consiste no reembolso do capital em caso de
liquidação da sociedade, ainda que essa devolução venha acompanhada de um prêmio. As
expectativas dos investidores geralmente estão direcionadas para a valorização do capital, para o
recebimento de dividendos e para a liquidez dos papéis no mercado, que lhes permite
transformar em dinheiro, a qualquer tempo, o investimento realizado. A prioridade no reembolso
de capital é vantagem de ocorrência improvável e remota, uma vez que as companhias abertas
geralmente são constituídas com prazo indeterminado de duração e a sua liquidação somente
ocorre em circunstâncias excepcionais. Obviamente que essa peculiaridade não se aplica às
companhias constituídas para a realização de um propósito específico, com ou sem prazo
determinado de duração, caso em que a liquidação é o corolário natural e esperado pelos sócios
e, quase sempre, a expressão maior do sucesso da empreitada.
Cabe indagar, então, se não tinham uma vantagem real, por que os investidores, mesmo tendo
consciência desse aspecto, ainda assim se propunham a adquirir ações que não lhes propiciavam
qualquer direito, nem político nem econômico?
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A resposta para essa questão é complexa, mas arriscaria afirmar que talvez a principal razão se
encontre no fato de que o mercado de ações brasileiro sempre teve compradores compulsórios de
ações, entre os quais os já mencionados Fundos 157 e, posteriormente, os Fundos de Pensão.
Esses investidores dispunham de fluxos regulares de recursos e tinham que aplicar
obrigatoriamente parte dos mesmos no mercado acionário. Com essa demanda assegurada, os
controladores das empresas que pretendiam abrir o capital das respectivas companhias ficaram
numa posição que lhes permitia oferecer ações, digamos assim, de qualidade inferior, sabendo
que não faltariam compradores para esses títulos. Como as emissões eram geralmente destinadas
a esses investidores institucionais, os demais aplicadores em ações, especialmente os
investidores individuais, não tiveram outra alternativa senão a de adquirir papéis com essas
restrições.
Agiu mal, portanto, a Lei n° 6.404/76, e de forma contraditória com o estímulo que se propunha
a dar ao mercado de capitais, ao permitir, pelo menos no que diz respeito às companhias abertas,
que fosse atribuída como única vantagem das ações preferenciais o reembolso do capital em caso
de liquidação da sociedade.
Esse problema foi parcialmente contornado com a reforma levada a efeito pela Lei n° 9.457, de 5
de maio de 1997, que alterou o texto do art. 17 para estabelecer que, caso as ações preferenciais
não tivessem direito a dividendos fixos ou mínimos, seus titulares fariam jus a dividendos no
mínimo dez por cento maiores do que os atribuídos às ações ordinárias.
Essa nova vantagem representou um avanço na busca de se atribuir uma compensação efetiva às
ações preferenciais, uma vez que os títulos que somente detinham, como vantagem ou
preferência estatutária, prioridade no reembolso do capital em caso de liquidação da sociedade,
passaram a ter o direito de auferir um benefício concreto em relação àqueles distribuídos às
ações ordinárias. Até então, os titulares dessas ações tinham que se contentar exclusivamente
com sua participação na distribuição do dividendo obrigatório, não sendo raros os casos em que
nada restava para lhes ser pago, quando a parcela correspondente a 25% do lucro líquido era
suficiente unicamente para o atendimento de outras classes de ações preferenciais com
dividendos fixos ou mínimos prioritários.
Entretanto, permaneceram as críticas do mercado à insuficiência de vantagens patrimoniais em
favor das ações preferenciais para contrabalançar a falta do direito de voto. Como conseqüência
dessas pressões, a Lei n° 10.303 alterou profundamente o regime das preferências na nova
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redação que estabeleceu para o art. 17, da Lei n° 6.404, inclusive criando uma distinção entre o
regime de preferência das companhias fechadas e aquele aplicável às companhias abertas.
A reforma retirou dos acionistas das companhias fechadas aquela vantagem de um dividendo
adicional de 10% sobre o que for pago às ordinárias, instituída pela Lei n° 9.457, restaurando a
sistemática anterior, que admitia atribuir-se às ações preferenciais unicamente o reembolso do
capital em caso de liquidação da sociedade, com ou sem prêmio.
Considero adequada essa solução, uma vez que não faz sentido a lei estender aos acionistas de
companhias fechadas, em sua esmagadora maioria sociedades de origem contratual e não
institucional, uma complexa estrutura de vantagens e preferências que têem por objetivo a
proteção dos investidores do mercado de capitais. Os acionistas das companhias fechadas devem
ter a maior liberdade possível para a definição das regras que vão regular o empreendimento em
torno do qual se associam, não sendo adequado que lhes sejam impostos direitos e deveres
incompatíveis com as suas características. Assim, a regra geral das vantagens ou preferências
para as companhias fechadas volta a ser aquela fixada originariamente pela Lei n° 6.404/76.
No que se refere às companhias abertas, a Lei inova ao estabelecer outra redação para o § 1° do
art. 17. De acordo com esse dispositivo, independentemente do direito de receber ou não o valor
de reembolso do capital com prêmio ou sem ele, somente serão admitidas à negociação no
mercado de valores mobiliários as ações preferenciais que tenham pelo menos uma das seguintes
preferências ou vantagens:
I - direito de participar do dividendo a ser distribuído, correspondente a, pelo menos, 25% do
lucro líquido do exercício, calculado na forma do art. 202, de acordo com o seguinte critério:
a) prioridade no recebimento dos dividendos acima mencionados correspondente a, no mínimo,
3% do valor do patrimônio líquido da ação; e
b) direito de participar dos lucros distribuídos em igualdade de condições com as ações
ordinárias, depois de a estas assegurado dividendo igual ao mínimo prioritário estabelecido em
conformidade com alínea a; ou
II - direito ao recebimento de dividendo, por ação preferencial, pelo menos 10% maior do que o
atribuído a cada ação ordinária; ou
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III - direito de serem incluídas na oferta pública de alienação de controle, nas condições previstas
no art. 254-A, assegurado o dividendo pelo menos igual ao das ações ordinárias.
O novo regime de vantagens e preferências coloca no seu devido lugar a prioridade no reembolso
do capital em caso de liquidação da sociedade. Diferentemente da companhia fechada, os
estatutos sociais das companhias abertas, concedendo ou não esse benefício, deverão atribuir às
ações preferenciais uma das vantagens ou preferências referidas no § 1° do art. 17, a fim de que
tenham substância econômica real.
A primeira alternativa (inciso I) consubstancia uma dupla inovação, não só porque contempla
uma prioridade no recebimento de um dividendo a uma determinada taxa mínima (de 3%), mas
também porque estabelece que esse percentual incidirá sobre o valor patrimonial da ação.
Nem o Decreto-lei n° 2.627/40 nem a Lei n° 6.404/76 estabeleciam um percentual para os
dividendos, fossem eles fixos ou mínimos. De acordo com esta última, cabia ao estatuto definir o
tipo de dividendo podendo, inclusive, fixá-lo em determinada quantia em dinheiro. A nova Lei
ousou ao estabelecer um determinado percentual mínimo para o dividendo, e essa ousadia talvez
encontre fundamento no fato de que, se não o fizesse, talvez as empresas se sentissem tentadas a
definir percentuais simbólicos, esvaziando o objetivo pretendido pelo legislador. Na falta de
qualquer referência legal, nada impediria, por exemplo, que o percentual fosse definido no
estatuto social como 0,001% do valor patrimonial da ação. Ora, isso seria o mesmo que não
atribuir dividendo algum à ação preferencial.
A definição de um percentual a ser obrigatoriamente distribuído decorreu, portanto, de
motivações de ordem prática, enquanto que a definição do valor (3%) teve caráter absolutamente
discricionário. Não há justificativa técnica que possa embasar a adequação do percentual de 3%.
Poderia ser 2%, 4% ou 6%, ou qualquer outro. O legislador optou por 3% atendendo
exclusivamente a critérios políticos.
Aparentemente esse percentual é baixo. Porém, convém lembrar que incidirá sobre o valor
patrimonial da ação, e não sobre o seu valor nominal ou sobre o produto da divisão do capital
social pelo número de ações, como usualmente se praticava quando o dividendo era estabelecido
numa determinada percentagem. Na maioria das companhias o valor patrimonial é
significativamente maior do que o valor do capital social, o que leva a crer que o resultado da
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aplicação dessa modalidade de dividendo, ainda que no percentual mínimo, possa vir a
representar expressivo desencaixe para as sociedades.
Além disso, não deve ser esquecido que se trata de hipótese de dividendo mínimo, como
explicitado na alínea b do mesmo inciso I, ou seja, os titulares das ações preferenciais terão o
direito de participar dos lucros remanescentes em igualdades de condições com as ações
ordinárias, depois que estas receberem dividendos iguais aos previamente recebidos pelas
preferenciais na forma da alínea “a”.
Particular atenção deve ser dada ao fato de que o cálculo dessa modalidade de dividendo poderá
implicar a distribuição de dividendos para as ações preferenciais que excedam o dividendo
obrigatório de 25%, uma vez que a Lei atribui prioridade ao pagamento do percentual de 3%.
Isto quer dizer que, em primeiro lugar, deverá ser promovido o pagamento do dividendo
percentual às ações preferenciais, ainda que o cumprimento dessa obrigação, pela companhia,
acarrete a distribuição de todo o lucro do exercício. Entretanto, caso esse pagamento (dos 3%)
represente parcela menor que o dividendo obrigatório de 25%, deverá ser pago igual percentual
às ações ordinárias. Se, depois de cumprida essa etapa, ainda remanescerem lucros a serem pagos
dentro do limite do dividendo obrigatório, ambas as espécies de ações – ordinárias e
preferenciais – concorreram em igualdade de condições pelo saldo.
Mas nem tudo são benefícios com essa modalidade de preferência. Se o patrimônio líquido for
baixo o valor do dividendo também será baixo. Se for negativo, a ação preferencial nada terá a
receber.
A segunda alternativa de dividendo para as companhias abertas, referida na nova redação do art.
17, inciso II, é aquela introduzida pela Lei n° 9.457/97 qual seja, um dividendo, por ação
preferencial, pelo menos 10% maior do que o atribuído a cada ação ordinária. As companhias
que não tinham em seus estatutos sociais previsão de dividendos fixos ou mínimos tiveram que
passar a pagar esse percentual adicional às ações preferenciais, independentemente de qualquer
modificação estatutária, uma vez que se tratava de norma de ordem pública.
A terceira modalidade de preferência ou vantagem (inciso III) também é uma inovação e consiste
na possibilidade de as companhias optarem por atribuir às ações preferenciais o direito de
receberem dividendos idênticos aos que venham a ser recebidos pelas ações ordinárias, desde
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que a elas seja outorgado o direito de serem incluídas em oferta pública de alienação de controle,
nas condições previstas no art. 254-A.
Um dos pontos mais criticados da Lei n° 9.457/97 foi a revogação do art. 254 da Lei n° 6.404/76,
que assegurava, aos acionistas minoritários titulares de ações ordinárias, tratamento igualitário
àquele obtido pelos acionistas majoritários em caso de alienação de controle da companhia
aberta. Esse direito era concretizado por intermédio da realização, pelo adquirente do controle da
companhia, de oferta pública de aquisição das ações de propriedade dos demais acionistas
ordinários, nas mesmas condições ofertadas ao acionista controlador. De natureza obrigatória, e
subordinada à prévia aprovação da CVM, a oferta pretendia: a) impedir que o “prêmio de
controle” pela venda da companhia fosse apropriado exclusivamente por uma parcela das ações
votantes; e que b) fosse dada ao acionista minoritário que havia optado por adquirir ações com
direitos políticos plenos, a possibilidade de vender sua participação por não concordar com a
mudança de comando da empresa.
Naquela época (1997) era intenção declarada do Governo Federal alienar o controle de algumas
das maiores companhias abertas brasileiras, nas quais detinha participação no capital votante em
limites muito próximos dos patamares mínimos para assegurar os respectivos controles, ou seja,
tais empresas tinham percentuais bastante expressivos de ações ordinárias em mãos de
investidores privados. Caso levasse adiante o processo de privatização sob a vigência do referido
dispositivo, para que conseguisse se desfazer de todas as suas ações votantes o Governo teria que
impor aos potenciais adquirentes esforço financeiro extra, em relação àquele que teria que ser
feito se somente as ações de sua propriedade fossem vendidas. Além de contribuir para a
diminuição do número de interessados nos leilões, a necessidade de oferta pública aos
minoritários também acabaria por fazer com que o Governo ficasse impedido de se apropriar
integralmente do prêmio de controle, trazendo como conseqüência a redução dos recursos que
pretendia arrecadar e que tinham como destino a diminuição da dívida pública.
Para reverter essa situação, e conseguir vender o controle das empresas estatais, elevando o valor
da sua parcela de ações, em detrimento dos acionistas minoritários, foi que o Governo promoveu
a reforma de 1997, indubitavelmente, um ato de violência contra o investidor privado, que se viu
impedido de alienar simultaneamente suas ações ordinárias nas mesmas condições daquele.
Além do mais, a revogação do art. 254 acabou por afetar mortalmente o direito dos acionistas
minoritários em companhias que nada tinham a ver com o Governo ou seu programa de
desestatização.
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Decorridos quatro anos, a Lei n° 10.303 procura reparar parcialmente o equívoco cometido,
reinstituindo o direito à oferta pública aos acionistas ordinários caso o controle da companhia
venha a ser alienado a terceiros. Parcialmente, porque desta feita o art. 254-A limita o benefício a
80% do valor que venha a ser pago aos acionistas controladores, enquanto na versão anterior os
minoritários faziam jus ao mesmo preço recebido por aqueles. Também foram expressamente
excluídos do rol de acionistas com o direito de vender suas ações em conjunto com o
controlador, de acordo com o art. 7° da Lei n° 10.303, os acionistas ordinários de companhias
abertas estatais que até a data da promulgação da lei tenham publicado edital de desestatização, o
que vem confirmar o entendimento acima de que a revogação do art. 254, operada pela Lei n°
9.457/97, pretendeu mesmo beneficiar o Governo em detrimento dos acionistas minoritários.
Enquanto o direito à oferta pública dos proprietários das ações ordinárias resulta de uma
determinação legal, a sua extensão aos titulares de ações preferenciais decorre exclusivamente de
previsão estatutária, inserindo-se entre as alternativas de vantagens ou preferências referidas no
art. 17, § 1°, inciso III. Mais conhecido no mercado por “tag along” , a sua inclusão no rol das
alternativas de preferências tem por objetivo estimular os controladores das companhias abertas
a compartilharem parcialmente com os minoritários o prêmio resultante da venda do controle da
companhia. Em troca, o estatuto poderia definir que o dividendo das ações preferenciais passaria
ser idêntico ao distribuído às ações ordinárias, sem nenhuma vantagem adicional, o que pode ser
conveniente para muitas empresas.
O que se verificou no mercado de capitais brasileiro nos últimos anos foi uma série de operações
de transferência de controle, a maior parte das quais acompanhada do fechamento do capital das
companhias, que prejudicaram sensivelmente os respectivos acionistas minoritários. Esse
fechamento ocorria de forma explícita e transparente, ou de forma sub-reptícia, através de
sucessivas aquisições, pelo controlador, de pequenos lotes de ações no mercado, do que resultava
a diminuição da liquidez dos papéis com a sua subseqüente desvalorização. Algumas dessas
operações chegaram a representar verdadeiros escândalos tais as vantagens auferidas pelos
controladores em detrimento dos minoritários, levando a CVM a baixar diversos atos normativos
com o objetivo de reduzir o nível dos abusos, entre os quais se destacam as Instruções nº 299, de
09.02.99, e nº 345, de 04.09.00.
Como não poderia deixar de ser, a iniciativa da CVM teve que ficar restrita aos limites da sua
competência, não podendo avançar na constituição de direitos e obrigações de natureza societária
o que somente a lei poderia fazer.
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Os participantes do mercado, principalmente administradores de recursos de terceiros,
pressionaram para que a reforma estendesse um “tag along” integral a todos os acionistas,
fossem eles titulares de ações ordinárias ou de ações preferenciais. O legislador, entretanto, não
foi tão longe, optando por re-introduzir, no ordenamento jurídico societário, o direito à oferta
pública obrigatória somente aos acionistas ordinários e, ainda assim, limitado o seu valor a 80%
do preço recebido pelo acionista controlador.
Observe-se que a competência para a escolha da preferência que melhor atenda os interesses da
companhia é da assembléia geral extraordinária, que poderá optar por qualquer uma das
alternativas apresentadas no novo texto legal.
O art. 8° da Lei n° 10.303 estabeleceu regra transitória de exceção para facilitar a adaptação dos
estatutos das companhias à nova sistemática de preferências. Nesse sentido, as modificações dos
direitos das ações preferenciais não conferirão direito de recesso aos acionistas que com elas não
concordarem, se as respectivas alterações estatutárias forem realizadas até o término do ano de
2002.
Esse dispositivo com certeza provocará polêmica, na medida em que inúmeras companhias
atribuem vantagens econômicas às ações preferenciais de qualidade melhor do que aquelas
relacionadas no novo regime. Nesses casos, a adaptação que, em tese, seria para beneficiar o
titular da ação preferencial poderá vir a prejudicá-lo. A Lei, entretanto, é clara a respeito: a
adaptação do estatuto com a exclusão do direito de recesso do acionista dissidente é um direito
da companhia, não tendo sido contemplada a possibilidade de o acionista contra ela se insurgir
sob o pretexto de que estaria sofrendo redução de seus direitos em face do texto anterior do
estatuto social.
As companhias que já estejam adaptadas também poderão livremente modificar o tipo de
vantagem ou preferência dentro daquele prazo, sem que estejam obrigadas a conferir o direito de
recesso aos acionistas dissidentes. Essa observação é particularmente aplicável às sociedades que
introduziram em seus estatutos sociais a regra de dividendos dez por cento maiores para as ações
preferenciais, nos termos da Lei n° 9.457/97, e que, por conta disso, já estariam enquadradas no
novo regime.
Ocorre que pode ser conveniente à sociedade modificar esse tipo de dividendo, por exemplo,
para aquele previsto no inciso III, do § 1°, do art. 17, ou seja, dividendos idênticos aos que
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venham a ser atribuídos às ações ordinárias acrescidos do “tag along” em caso de alienação do
controle. Neste caso, a assembléia geral será livre para adotar essa deliberação, uma vez que é de
ordem pública a norma que assegura à companhia a possibilidade de optar entre as diversas
modalidades de preferências ou vantagens introduzidas na legislação pela Lei n° 10.303. Os
dividendos dez por cento mais elevados, na verdade, não foram introduzidos nos estatutos das
companhias como resultado de processo soberano de escolha, mas tão somente por uma outra
norma de ordem pública decorrente da Lei n° 9457/97. Como já mencionado anteriormente, os
estatutos sociais sequer necessitavam ser alterados para que as empresas estivessem obrigadas a
observá-la. Esse regime de dividendos está sendo integralmente substituído por um outro que
assegura a opção entre três alternativas e as companhias poderão fazê-lo sem arcar com o ônus
do direito de retirada.
Aliás, uma das mais severas críticas que têm sido formuladas pelos participantes do mercado à
nova estrutura dos dividendos das ações preferenciais reside exatamente nessa possibilidade de
escolha entre três modalidades distintas de regime de dividendos. A expectativa dos investidores
é de que houvesse de fato a adoção de regras que forçassem as companhias a distribuir parcelas
maiores dos respectivos lucros.
A manutenção da possibilidade de a preferência consistir em dividendos dez por cento maiores
do que os pagos às ações ordinárias tende a fazer com que as empresas mantenham o statu quo,
frustrando as expectativas dos investidores de que a Reforma viria a induzir maiores níveis de
distribuição de dividendos por parte das empresas. Nesse sentido, vale lembrar que o
Substitutivo Kapaz, aprovado na Comissão de Economia da Câmara dos Deputados não
contemplava a permanência dessa modalidade de dividendo no Projeto.
Importante observar que o prazo para que as companhias abertas ajustem os direitos das ações
preferenciais aos preceitos estabelecidos no art. 17, § 1°, com a nova redação dada pela Lei n°
10.303, é de 1 (um) ano, após a sua entrada em vigor. Entretanto, caso pretendam promover a
emissão de novas ações antes dessa data deverão antecipar essa adaptação, de acordo com o
disposto no § 3° do art. 8°.
A Lei inseriu novo dispositivo (§ 2°) no art. 17, para permitir, expressamente, que sejam
atribuídas outras vantagens ou preferências aos acionistas sem direito de voto, ou com voto
restrito, desde que sejam reguladas com precisão e minúcia no estatuto social. Na verdade, nunca
foi vedada a concessão de direitos adicionais às ações preferenciais além daqueles referidos no
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texto básico do art. 17. Assim, a inclusão desse parágrafo só pode ser entendida como um
estímulo à identificação de outros benefícios que sirvam para valorizar ainda mais o conteúdo
econômico das ações sem direito de voto.
Merece registro, também, a solução de uma impropriedade que remanescia no texto do § 5° do
art. 17, e que acompanhava a lei desde 1976. Trata-se da referência que assegurava às ações
preferenciais com dividendo fixo o direito de participar dos lucros remanescentes, quando estes
fossem capitalizados ao invés de distribuídos.
As ações com dividendos fixos se diferenciam das que possuem dividendos mínimos exatamente
porque não participam da distribuição dos lucros remanescentes. Uma vez pagos os dividendos
fixos previstos no estatuto, nada mais é devido às ações que tenham essa característica. O que
restou dos lucros será atribuído integralmente às ações preferenciais com dividendos mínimos e
às ações ordinárias. O fato dos lucros remanescentes não serem distribuídos e sim incorporados
ao capital não poderia alterar a respectiva titularidade, sob pena de se estar cometendo não só
uma injustiça, mas também um absurdo lógico. Injustiça, porque se fossem integralmente
distribuídos, os lucros remanescentes seriam pagos exclusivamente aos acionistas com
dividendos mínimos e aos acionistas ordinários. Absurdo lógico, porque quem tem o direito por
inteiro aos lucros remanescentes nunca se disporia a capitalizá-los, na medida em que essa
operação significaria a perda de parte dos mesmos em favor dos acionistas com dividendos fixos.
A prejudicada com essa contradição em termos acaba sendo a própria companhia, que pode vir a
ser privada dos recursos de que necessita por força de distribuições “compulsórias” de
dividendos decididas pelos acionistas ordinários.
Agiu bem, portanto, a Lei, ao corrigir o equívoco do texto original, para explicitar que os
aumentos de capital decorrentes da capitalização de reservas ou lucros não beneficiarão os
titulares de ações preferenciais com dividendos fixos.
Representação no Conselho de Administração
A Lei n° 10.303 criou um novo direito político para as ações preferenciais sem direito a voto,
com a nova redação dada ao § 4°, do art. 141, da Lei n° 6.404/76. Consiste ele na possibilidade
desses acionistas elegerem, em votação em separado, um membro titular e respectivo suplente
para o conselho de administração da companhia aberta, desde que representem, no mínimo, 10%
(dez por cento) do capital social.
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Com essa iniciativa o legislador pretendeu, a par do incremento das vantagens patrimoniais,
valorizar a ação preferencial enquanto produto do mercado de capitais. Na medida em que seus
titulares passem a ter condições de se fazerem representar no órgão máximo de administração
das companhias, adquirindo a capacidade de interferir no seu processo decisório, é
inquestionável que esses títulos adquirem um atrativo adicional que deverá produzir um aumento
do interesse dos investidores na sua aquisição, inclusive, com reflexos positivos na cotação dos
títulos no mercado.
O acesso de investidores institucionais aos conselhos de administração das empresas também
será facilitado, na medida em que, como já mencionado anteriormente, são eles que detém a
maior parte das ações preferenciais que se encontram em circulação no mercado. Este fato
também trará resultados positivos para a governança das companhias abertas, muitas das quais
ainda marcadas pela gestão familiar, uma vez que os investidores institucionais usualmente se
fazem representar nos conselhos de administração por profissionais qualificados e experientes
em matéria de administração de empresas.
A presença dessas pessoas nos colegiados deve funcionar, também, como um saudável
instrumento de pressão sobre os acionistas controladores das companhias abertas em direção a
um padrão de gestão que valorize as ações no mercado, vale dizer, que tenha como característica,
principalmente, a transparência decisória, o “full disclosure” e uma política de distribuição
efetiva de dividendos, que evite a retenção desnecessária de lucros.
Não tenho dúvidas em afirmar que a ampliação da participação dos acionistas minoritários no
conselho de administração das companhias abertas, associada à mudança da regra de proporção
entre as ações ordinárias e as ações preferenciais sem direito de voto, são as inovações que trarão
os reflexos mais positivos, sob um perspectiva de longo prazo, é claro, para o desenvolvimento
do mercado de capitais brasileiro. Mais, até, do que o próprio aumento do elenco de preferências
e vantagens das ações preferenciais, já comentado neste artigo, e o direito à oferta pública em
caso de fechamento de capital, regulado no art. 4°, §§ 4° a 6°, da Lei n° 6.404/76, com a nova
redação dada pela Lei n° 10.303. Esta convicção está baseada no fato de que, enquanto estes são,
tão somente, mecanismos passivos de defesa do investidor, aquelas interferem diretamente na
cultura e no comportamento das companhias e dos seus controladores, provocando, portanto,
mudanças estruturais e permanentes que se refletirão, de forma positiva, não só nas relações
entre maioria e minoria, mas também nas relações das empresas com os demais agentes com os
quais interage (empregados, comunidade, governo, etc). A própria dinâmica de crescimento das
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empresas também deverá ser afetada favoravelmente pela incorporação de novos conceitos e
valores resultantes do novo equilíbrio político interno.
A exegese do § 4°, do art. 141 trás algumas dificuldades para o intérprete, razão pela qual o
mesmo deve ser analisado de forma aprofundada e sob a ótica da dinâmica de funcionamento do
conselho de administração, o que é feito por outros ilustres autores que participam desta
coletânea.
* Sócio do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados Associados