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AS ALTERAÇÕES PROPOSTAS ÀS COOPERATIVAS DE CRÉDITO PELA RESOLUÇÃO CMN Nº 4.434/2015. ANÁLISE E REFLEXÃO À LUZ DO PLANO DE AÇÃO PARA UMA DÉCADA COOPERATIVA DA ACI Leonardo Rafael de Souza 1 RESUMO O presente artigo faz uma breve análise das alterações propostas pela Resolução CMN nº 4.434, de 5 de agosto de 2015, que dispõe sobre a constituição, a autorização para funcionamento, o funcionamento, as alterações estatutárias e o cancelamento de autorização para funcionamento das cooperativas de crédito, destacando suas principais inovações a partir da então Resolução CMN nº 3.859/2010, hoje parcialmente revogada, refletindo ainda sobre a efetiva colaboração da nova norma às proposições da Aliança Cooperativa Internacional para o desenvolvimento do movimento cooperativo global, publicadas em Janeiro de 2013 no documento “Plano de Ação para uma Década Cooperativa”. Para tanto o artigo trata do legítimo poder regulamentador e fiscalizador do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Banco Central do Brasil (BACEN), respectivamente, e a autorizada colaboração desses órgãos aos preceitos globais publicados pela Aliança Cooperativa Internacional. A partir deste introito se analisam pontualmente as alterações propostas pela Resolução CMN nº 4.434/2015, para, ao final, concluir com necessária reflexão sobre alterações propostas à luz dos objetivos do movimento cooperativo para a próxima década. 1 Advogado; Sócio do Souza & De Lorenzi Advogados Associados, escritório especializado em Direito Cooperativo, Direito Bancário e Direito do Consumidor; Pós-graduando em Cooperativimo pela Unisinos/RS. Membro efetivo e Delegado Estadual Instituto Brasileiro de Estudos em Cooperativismo IBECOOP em Santa Caratina; Membro da Comissão Especial de Cooperativismo de Crédito do Conselho Federal da OAB (CECC/CFOAB); Presidnete da Comissão de Direito Cooperativo da OAB/SC. Consultor técnico da Delegacia Brasileira da Asociación Internacional de Derecho Cooperativo (AIDC/BR). Assessor jurídico do Sistema Cecred. Contato: [email protected]

AS ALTERAÇÕES PROPOSTAS ÀS COOPERATIVAS DE CRÉDITO … · PLANO DE AÇÃO PARA UMA DÉCADA COOPERATIVA DA ACI Leonardo Rafael de Souza1 RESUMO O presente artigo faz uma breve

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AS ALTERAÇÕES PROPOSTAS ÀS COOPERATIVAS DE CRÉDITO PELA

RESOLUÇÃO CMN Nº 4.434/2015. ANÁLISE E REFLEXÃO À LUZ DO

PLANO DE AÇÃO PARA UMA DÉCADA COOPERATIVA DA ACI

Leonardo Rafael de Souza1

RESUMO

O presente artigo faz uma breve análise das alterações propostas pela Resolução CMN

nº 4.434, de 5 de agosto de 2015, que dispõe sobre a constituição, a autorização para

funcionamento, o funcionamento, as alterações estatutárias e o cancelamento de

autorização para funcionamento das cooperativas de crédito, destacando suas principais

inovações a partir da então Resolução CMN nº 3.859/2010, hoje parcialmente revogada,

refletindo ainda sobre a efetiva colaboração da nova norma às proposições da Aliança

Cooperativa Internacional para o desenvolvimento do movimento cooperativo global,

publicadas em Janeiro de 2013 no documento “Plano de Ação para uma Década

Cooperativa”. Para tanto o artigo trata do legítimo poder regulamentador e fiscalizador

do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Banco Central do Brasil (BACEN),

respectivamente, e a autorizada colaboração desses órgãos aos preceitos globais

publicados pela Aliança Cooperativa Internacional. A partir deste introito se analisam

pontualmente as alterações propostas pela Resolução CMN nº 4.434/2015, para, ao

final, concluir com necessária reflexão sobre alterações propostas à luz dos objetivos do

movimento cooperativo para a próxima década.

1 Advogado; Sócio do Souza & De Lorenzi Advogados Associados, escritório especializado em Direito Cooperativo, Direito

Bancário e Direito do Consumidor; Pós-graduando em Cooperativimo pela Unisinos/RS. Membro efetivo e Delegado Estadual

Instituto Brasileiro de Estudos em Cooperativismo – IBECOOP em Santa Caratina; Membro da Comissão Especial de

Cooperativismo de Crédito do Conselho Federal da OAB (CECC/CFOAB); Presidnete da Comissão de Direito Cooperativo da

OAB/SC. Consultor técnico da Delegacia Brasileira da Asociación Internacional de Derecho Cooperativo (AIDC/BR). Assessor

jurídico do Sistema Cecred. Contato: [email protected]

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Palavras-chave: Cooperativismo. Cooperativas de Crédito. Resolução CMN nº

4.434/2015. Banco Central do Brasil. Alterações.

1 INTRODUÇÃO

As sociedades cooperativas de crédito vêm evoluindo de forma significativa nos

últimos anos, ampliando a sua performance no mercado financeiro, mormente quando

este tipo de empreendimento se mostra – na sua natureza – efetivo meio de

desenvolvimento da sociedade, promovendo uma economia solidária baseada na auto

ajuda que fortalece os vínculos sociais e cria oportunidades de trabalho e renda,

fomentando assim a economia local, a descentralização das rendas, a distribuição das

riquezas e a potencialização de capitais.

Não bastassem tais fatos, outra grande motivadora do desenvolvimento

cooperativo de crédito é a evolução do seu quadro legal desde a Lei Federal nº 5.764/71

até o seu mais importante marco legal: a Lei Complementar nº 130/09. E dentro dessa

importante evolução normativa estão o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central

do Brasil através de suas resolução e circulares que dão efetividade às disposições legais

do cooperativismo de crédito.

Dentro desse contexto, no último dia 05 de agosto de 2015, o Banco Central do

Brasil apresentou à sociedade brasileira o mais novo instrumento normativo das

cooperativas de crédito: a Resolução CMN nº 4.434/2015, que dispõe sobre a

constituição, a autorização para funcionamento, o funcionamento, as alterações

estatutárias e o cancelamento de autorização para funcionamento de cooperativas de

crédito. A partir de tal norma, as cooperativas de crédito no Brasil passam a ter uma

nova referência, que fortalece o sistema cooperativo e o coloca em outro patamar,

aumentando como consequência a sua responsabilidade perante o Sistema Financeiro

Nacional.

O objetivo do presente artigo, portanto, é uma detalhada (mas despretensiosa)

análise da norma não apenas a partir das suas efetivas alterações que terão efeito prático

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estrondoso, a começar pela reclassificação das cooperativas de crédito a partir das suas

operações e não mais pelas características do seu quadro associativo, por exemplo, mas

também à luz das competências normativas do Conselho Monetário Nacional (CMN) e

do Plano de Ação para uma Década Cooperativa da Aliança Cooperativa Internacional

(ACI).

2. DO PODER REGULAMENTADOR E FISCALIZADOR CONFERIDOS AO

CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL E AO BANCO CENTRAL BRASIL.

LEGITIMAÇÃO ESSENCIAL PARA OS OBJETIVOS DO

COOPERATIVISMO.

Sempre que o Conselho Monetário Nacional edita, através do Banco Central do

Brasil, normas que atingem o cooperativismo de crédito, muitos questionam até onde o

Estado pode interferir nas decisões e na autonomia das cooperativas, mormente quando

este tipo de empreendimento detém regras e princípios próprios que defendem a sua

gestão democrática e a sua autonomia perante terceiros.

Inicialmente há de se compreender que a atividade praticada pelas cooperativas de

crédito é espécie de atividade econômica – de natureza financeira/bancária2 – que

integra a ordem constitucional econômica, disciplinada pelo artigo 170 da Constituição

Federal. Por isso, seu funcionamento deve estar alicerçado na valorização do trabalho

humano e da livre concorrência, garantindo a todos a existência digna conforme os

ditames da justiça social.

Também pela natureza financeira/bancária das suas atividades, as cooperativas de

crédito integram o Sistema Financeiro Nacional que, por sua vez, desenvolve-se nos

ditames da Lei Federal nº 4.595/64, assentada pelo artigo 192 da Carta Magna. Observe-

2 A natureza bancária aqui disposta considera a natureza jurídica das atividades praticadas pelas cooperativas de crédito aos seus associados dentro do Sistema Financeiro Nacional, e não das sociedades cooperativas de crédito em si, que possuem regramento específico e cuja norma de regência (artigo 5º, parágrafo único) veda a utilização da expressão “banco”.

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se, por oportuno, que é a Constituição que define a finalidade do sistema financeiro, de

promoção do desenvolvimento do País e os interesses da coletividade, cabendo-lhe

viabilizar o uso eficiente da moeda em todos os seus aspectos, especialmente pelo

fomento de sistemas que garantam às instituições como as cooperativas de crédito,

criarem poupança e riqueza.

Sendo assim, Miragem (2013) ensina que o sistema financeiro para tais fins se

torna instituição jurídica que visa, de um lado, à coordenação das diversas iniciativas

em vista de certos objetivos macroeconômicos, assim como, de outro, ao estímulo ao

desenvolvimento do próprio sistema como parte indissociável do desenvolvimento

econômico nacional.3

Dentro da estruturação do Sistema Financeiro Nacional, disposta na Lei Federal nº

4.595/64, está o Conselho Monetário Nacional, órgão destinado precipuamente a

formular a política de moeda e crédito com vistas ao progresso econômico e social do

País (artigo 2º, caput) e, ainda, regular a constituição, funcionamento e fiscalização das

instituições financeiras (artigo 4º, VIII) na busca de tais objetivos, regulações estas

executadas pelo Banco Central do Brasil, com competência prevista no artigo 9º da

citada lei.

Tais disposições e competências são aqui destacadas porque a Lei Complementar

nº 130/2010, que disciplinou a submissão das cooperativas de crédito aos regramentos

do Sistema Financeiro Nacional (artigo 1º, §1º), atribuiu às sociedades cooperativas de

crédito a execução dos objetivos constitucionais expressos nos artigos 170 e 192 da

Constituição Federal de 1988; quais sejam, a valorização do trabalho humano e da livre

concorrência, a existência digna conforme os ditames da justiça social, o

desenvolvimento do País e a busca pelos interesses comuns da coletividade.

3 MIRAGEM, Bruno. Direito Bancário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. pg. 99.

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Contudo, a construção histórica e principiológica do cooperativismo mostram que

os objetivos constitucionais acima postos fazem parte da essência das cooperativas,

afinal, como ensina o sempre atual Paul Lambert (1975), la cooperativa supone la

acción de sus miembros para mejorar su suerte y la de sus semejantes. El cooperador

forja su propio destino, no espera su salvación de la caridad de los demás.4

Em outros termos, dentro do Sistema Financeiro Nacional, as cooperativas de

crédito são instituições que carregam consigo os próprios objetivos da ordem econômica

constitucional, pois enquanto junção de pequenos capitais valorizam a autoajuda e a

solidariedade no engrandecimento da economia solidária, aliviam de forma gradual e

pacífica situações de abuso, escassez e inacessibilidade aos instrumentos financeiros, e

ainda garantem – através dos seus princípios – um desenvolvimento econômico, social e

moral perene.

Apesar de todas essas vantagens, há que se reconhecer que o movimento

cooperativo como um todo possui – por muitas vezes – dificuldades de fomentar o

desenvolvimento econômico e social a que se destina; e isso não é de hoje.

Máurer Júnior (1973) já afirmava na década de 1970 que no Brasil as

cooperativas surgiram de improviso, pondo-se a funcionar, não raro, sem que ao menos

os seus diretores tivessem um conhecimento real dos princípios do movimento.5 Como

consequência, o que se vê ainda hoje – e nas cooperativas de crédito não é diferente –

são cooperativas cujos associados não atuam de forma eficiente, fiscalizadora e

participativa, mas se reduzem à condição de meros clientes, sem iniciativa e com pouca

capacidade de ação. Isso preocupa.

4 LAMBERT, Paul. La doctrina cooperativa. 4ª Ed. Buenos Aires: Intercoop, 1975. pg. 270. 5 PINHO, Diva Benevides. Coord. A problemática cooperativista no desenvolvimento econômico. São Paulo: Artegráfica, 1973.

pg. 201.

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Como qualquer sociedade, o sucesso, a perenidade e a sustentabilidade econômica

e social das cooperativas de crédito dependem não apenas do seu capital financeiro

fortalecido, mas de diversos outros fatores que podem ser tratados nas normativas do

Conselho Monetário Nacional, afinal e como dito, é dever seu garantir a estabilidade do

Sistema Financeiro Nacional através do fortalecimento das instituições que a compõem.

Observando a evolução histórica das normativas publicadas pelo Conselho

Monetário Nacional aplicáveis às cooperativas de crédito – e muito bem compiladas por

Pinheiro (2008)6 –, nota-se que muito pouco se fez em prol do cooperativismo de

crédito no que tange a fatores de eficiência que não sejam fatores financeiros, ou seja,

são parcos no marco regulatório das cooperativas de crédito, para não dizer inexistentes,

dispositivos normativos que garantam a observância de outros capitais essenciais às

sociedades cooperativas, como a identidade cooperativa e a efetiva participação do

associado.

Quanto ao desenvolvimento desses demais capitais, incluindo o capital financeiro,

o “Plano de Ação para uma Década Cooperativa” da Aliança Cooperativa

Internacional7, também conhecido como “Plano 2020”, é tido pela comunidade

cooperativista mundial como um instrumento orientador das cooperativas para seus

próximos desafios institucionais. Neste documento, o órgão máximo do cooperativismo

no mundo pretendeu delinear de forma clara um plano de ação com objetivos

específicos e baseados em cinco pilares assim destacados:

1. Participação: Elevar a participação e a governança dos membros a

um novo patamar; 2. Sustentabilidade: Posicionar as cooperativas

como arquitetas de sustentabilidade; 3. Identidade: Construir a

mensagem cooperativa e proteger a identidade cooperativa; 4.

Enquadramento legal: Garantir quadros legais que apoiem o

6 PINHEIRO, Marcos A. Henriques. Cooperativas de crédito: História da evolução normativa no Brasil. 6ª. ed. Brasília: BCB,

2008. 7 GREEN, Dame Pauline. et al. Plano de ação para uma década cooperativa. ACI: Bruxelas, 2013

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crescimento cooperativo, e; 5. Capital: Assegurar capital cooperativo

confiável garantindo o controle pelos membros.

Tais pilares objetivam, a partir do ponto de vista do próprio cooperativismo, os

grandes desafios que por vezes travam o desenvolvimento de empresas cooperativas, aí

incluindo as cooperativas de crédito. Nota-se, pelo documento, que a segurança

financeira das cooperativas pelo seu capital é tão somente um dos pilares, que não

prescinde do apoio sistêmico dos demais. Assim, pouco importa uma cooperativa ser

financeiramente saudável se outros aspectos essenciais para o seu desenvolvimento

enquanto sociedade são claudicantes.

Dessa forma, há de se destacar que também é papel do Conselho Monetário

Nacional e do Banco Central do Brasil garantir o desenvolvimento das cooperativas de

crédito, além dos seus aspectos financeiros e monetários, estes muito bem

regulamentados e em franco desenvolvimento desde a promulgação da Resolução CMN

nº 1.914, de 29/07/1992.

E diga-se, por oportuno, que a absorção das premissas da Aliança Cooperativa

Internacional pelo Sistema Financeiro Nacional encontra guarida legal não apenas na

Lei Geral das Cooperativas (Lei Federal nº 5.764/71), que incorpora os princípios e

diretrizes do órgão máximo do cooperativismo, mas também nas próprias fontes do

Direito Financeiro e Econômico, que acatam as recomendações internacionais e as

normas institucionais de relevância (soft law), como já ocorre por exemplo pelos

Acordo de Basiléia, patrocinados pelo Comitê de Basiléia de Supervisão Bancária.

Sendo assim, tem-se como clara que a análise da Resolução CMN nº 4.434/2015

pelo cooperativismo deve considerar se a nova norma contribuiu (ou não) para o

desenvolvimento dos objetivos reconhecidos pela Aliança Cooperativa Internacional,

propondo ainda uma reflexão sobre como o Conselho Monetário Nacional, na edição de

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suas normas – e o Banco Central do Brasil com o seu papel fiscalizador – pode

efetivamente promover no âmbito das cooperativas de crédito, além de fortalecimento

do capital financeiro, maior participação dos cooperados, ações sustentáveis que

garantam a perenidade das cooperativas, a valorização da identidade cooperativa e a

plena adequação do quadro legal às necessidades do bem coletivo. O desafio está

lançado!

3 DAS IMPORTANTES ALTERAÇÕES E INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA

RESOLUÇÃO CMN Nº 4.434/2015

Desde a sua publicação no Sisbacen e no Diário Oficial da União do dia

06/08/2015, a Resolução do Conselho Monetário Nacional nº 4.434/2015 tem

provocado importantes questionamentos sobre o seu teor e o impacto das mudanças

propostas ao Cooperativismo de Crédito brasileiro, notadamente após o Presidente do

Banco Central do Brasil afirmar que a nova regulamentação representa o início de um

novo ciclo do cooperativismo de crédito nacional, que tem potencial para levar o setor

a outro patamar em termos de sua abrangência e de representatividade no Sistema

Financeiro Nacional.8

Portanto, tão logo se encerrou o evento denominado Novo Ciclo do

Cooperativismo de Crédito no Brasil, o movimento cooperativo brasileiro passou a

conviver com um novo marco regulatório que, como toda nova norma, traz dúvidas

quanto a sua plena aplicação e receptividade.

Assim como na parcialmente revogada Resolução CMN nº 3859/2010, a

Resolução CMN nº 4.434/2015 dispõe sobre a constituição, a autorização para

funcionamento, o funcionamento, as alterações estatutárias e o cancelamento de

8 TOMBINI, Alexandre Antônio. Novo Ciclo do Cooperativismo de Crédito no Brasil. Brasília: BCB, 05 ago. 1991. Discurso de

lançamento da Resolução CMN nº 4.434/2015.

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autorização para funcionamento de cooperativas de crédito, acrescentando ao seu

objeto, porém, a mudança de suas categorias mediante reclassificações que consideram

não mais as condições de associação, mas sim a abrangência das suas operações ante o

Sistema Financeiro Nacional ou, ainda, seus perfis de risco, conforme a seguir

esmiuçado.

Não obstante isso, o que a norma traz de primeira percepção é a manutenção do

conceito jurídico Cooperativa de Crédito. Tal destaque é importante visto que apesar de

respeitados posicionamentos quanto à necessidade de uma nova identidade, voltada às

diversas plataformas de soluções negociais ofertadas pelas cooperativas de hoje, o que

se tem de concreto é que o sistema jurídico brasileiro, desde a Constituição Federal de

1988, dá a esta forma de organização societária uma conceituação jurídica própria e

específica que possibilita a compreensão dos seus objetos jurídicos cognoscíveis. Por

isso então é que o presente estudo propositadamente opta pela manutenção da

literalidade jurídico-formal do termo Cooperativa de Crédito.

No que tange à sua estruturação legal, a leitura da parte normativa da Resolução

CMN nº 4.434/2015 faz ver que objetivo da norma foi ampliado através da criação de

novos Capítulos que buscaram melhor sistematizar as disposições regulamentares de

acordo com a natureza, a extensão, a importância e a complexidade da matéria. Assim,

questões relativas às operações e aos limites de exposição por cliente, que na Resolução

CMN nº 3.859/2010, por exemplo, eram tratadas conjuntamente no Capítulo VIII, no

novo regulamento foram devidamente segregados em dois capítulos distintos, dando às

operações (novo Capítulo IV) a ênfase necessária para justificar a mudança de

paradigma proposta para a reclassificação das Cooperativas.

Apesar desta salutar reorganização normativa, neste estudo a análise da Resolução

CMN nº 4.434/2015 acerca da amplitude dos impactos impostos pela aplicação da

norma buscará pontuar no novo regulamento os dispositivos normativos que propõem

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importantes mudanças quanto à classificação das Cooperativas, a fundamentada

inferência à filiação aos Sistemas Cooperativos existentes, a amplitude associativa e sua

regulamentação pelos próprios estatutos, aos novos limites de capital e patrimônio, a

aplicação objetiva de regras de governança, entre outros.

3.1 Do privilégio aos Sistemas Cooperativos existentes na criação de novas

Cooperativas de Crédito.

Um dos primeiros aspectos que ressalta da simples leitura da norma é a clara e

justificada atenção que à criação de novas Cooperativas de Crédito, exigindo, já nos

seus procedimentos de pré-constituição, profissionalizações e certificações que não

condizem com a realidade de grande parte dos empreendimentos cooperativos já

fundados e que hoje são, inclusive, referências de sucesso.

Do ponto de vista histórico e doutrinário, é uníssono que o nascimento do

movimento cooperativo e o desenvolvimento dos seus mais diversos ramos ocorreram

em cenários ou momento de crises que sempre ressaltaram o potencial emancipatório

desse tipo de empreendimento através da posse coletiva dos meios de produção

existentes. No Cooperativismo de Crédito, a história não é diferente. Desde a

idealização das primeiras cooperativas de crédito na Alemanha, por Hermann Schulze,

Friedrich Raiffeisen e Wilhelm Haas, passando pela iniciativa italiana de Luigi Luzzatti,

até a criação, no Brasil, da hoje Sicredi Pioneira pelo padre Theodor Amstad, em 1902,

o fundamento do cooperativismo de crédito sempre esteve pautado nas urgentes

necessidades dos modestos proprietários do campo ou dos pequenos comerciantes das

cidades, como bem destacam Alicia Kaplan de Drimer e Bernardo Drimer9.

9 DRIMER. Alicia K. de.; DRIMER Bernardo. Las Cooperativas: fundamentos, historia, doctrina. 3ª Ed. Intercoop: Buenos Aires, 1981. pg. 240.

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Tal revisão histórica é importante para destacar que as exigências normativas

trazidas pela nova Resolução vão na contramão da história de muitas cooperativas que

iniciaram suas operações em pequenas cidades, baseadas na confiança e nos importantes

vínculos que uniam os seus poucos mas abnegados e esperançosos associados.

Por isso, ainda que justificável sob o prisma dos objetivos regulatórios do Banco

Central, exigências como a necessidade de indicação de um responsável técnico

capacitado para o acompanhamento do processo de autorização junto ao Banco Central

(artigo 4º), além da necessária identificação, entre os fundadores, de pelo menos um

integrante que detém conhecimento sobre o ramo de negócio e sobre o segmento no

qual a cooperativa pretende operar, ou seja, a certificação profissional, inclusive sobre

os aspectos relacionados à dinâmica de mercado (artigo 6º, III), se mostram como

efetivos entraves à criação novas cooperativas.

E o que falar então do procedimento administrativo prévio previsto no artigo 5º e

seus parágrafos, para a constituição de cooperativa de crédito singular que não

pretender se filiar a cooperativa central? Segundo os dispositivos do citado artigo, para

aquelas pretensas cooperativas de crédito “solteiras” se formarem é necessária uma

prévia apresentação do sumário executivo do Plano de Negócios de que trata o inciso V,

do artigo 6º, e cujo conteúdo mínimo fica ao critério subjetivo do Banco Central,

prevendo ainda a possibilidade de entrevistas técnicas do grupo de fundadores (§1º e

§3º, do artigo 5º). Ainda que louvável do ponto de vista técnico, tratar de forma

diferenciada uma pretensa cooperativa de crédito ante o fato da mesma simplesmente

optar por não participar de um Sistema Cooperativo existente parece ferir o Princípio da

Igualdade que rege não apenas o Direito, mas também os próprios princípios do

cooperativismo, recepcionados pela legislação brasileira, além de reforçar a perceptível

barreira à criação de Cooperativas independentes.

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Em outros termos, ainda que se admita que a verticalização sistêmica proposta

pela novel Resolução CMN nº 4.434/2015, privilegiando a criação de cooperativas

vinculadas a Sistemas Cooperativos que as deem suporte, seja um importante e valioso

instrumento de organização do movimento cooperativo de crédito, não se pode negar

que tais exigências, na prática, impedem por vezes a criação de novas Cooperativas na

medida em que estes mesmos Sistemas Cooperativos, existentes na atualidade, resistem

à criação de cooperativas para privilegiar a ampliação da sua base de atendimento a

partir das cooperativas já instituídas, provocando a concentração de capitais, tal qual

ocorre em bancos e outras casas de crédito.

Só isso, então, já justifica a crítica às inovações citadas. Impor limitações técnicas

para a criação de novas cooperativas de crédito, a partir de uma escolha dos fundadores,

qual seja, participar ou não de uma central cooperativa, significa efetivamente negar que

o cooperativismo em todos os seus valores e princípios é um movimento de base, que

parte dos anseios e das expectativas dos seus integrantes, e não uma escolha estratégica

de poucos executivos que por vezes parecem nivelar cooperados e consumidores e,

ainda, transformar seus dirigentes em profissionais do mercado de crédito. E neste

sentido, parafrasenado José Odelso Schneider, garantir a igualdade de condições para o

nascimento de novas cooperativas é garantir a perenidade daqueles empreendimentos,

afinal, via de regra, a participação do associado na cooperativa será resultante da sua

efetiva participação como dono, decidindo com liberdade e a partir de bases

democráticas os destinos da sua cooperativa.10

Ultrapassada a reflexão inicial sobre a indução sistêmica proposta pelo Conselho

Monetário Nacional, passa-se a analisar as alterações propostas pela Resolução CMN nº

4.434/2015, embora por vezes este autor não resista em analisar aspectos de relevância a

partir dos objetivos deste estudo.

10 Cf. SCHNEIDER, José Odelso. Democracia, participação e autonomia cooperativa. 2. Ed. São Leopoldo: Unisinos, 1999. pg. 91.

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3.2 Do processo de constituição de novas cooperativas a partir da nova resolução.

Além dos artigos iniciais citados acima, o artigo 3º da Resolução CMN nº

4.434/2015, traz em si uma importante revisão temporal quanto à constituição das

cooperativas de crédito ao dispor que o seu reconhecimento jurídico pressupõe, ou seja,

supõe antecipadamente, ...a constituição na forma da legislação e da regulamentação

em vigor e a autorização para funcionamento.(grifamos) Tal disposição normativa

deixa claro que antes mesmo de qualquer ato societário constitutivo da cooperativa,

como a assembleia geral de criação, por exemplo, a autorização pelo Banco Central do

Brasil se mostra como necessária. E tal imposição é reforçada quando da leitura do

artigo 7º, que assim prevê:

Art. 7º. No prazo de noventa dias a contar do recebimento da

manifestação favorável do BCB a respeito do processo de

constituição, os interessados deverão formalizar os atos societários

de constituição da cooperativa de crédito. (grifamos)

Portanto, ao optarem pela criação de uma cooperativa de crédito, seus fundadores

deverão realizar uma espécie de pré-assembleia, onde se fará deliberação não apenas

sobre a referida criação, mas também quanto a intenção (ou não) de filiação a uma

central cooperativa, a qual deverá ser recíproca, e, ainda, dispor tanto sobre as

condições documentais exigidas pelo artigo 6º, quanto à indicação do responsável

tecnicamente capacitado para acompanhamento do processo de autorização junto ao

Banco Central (art. 4º).

A partir de tal deliberação pré-assemblear e, ainda, cumpridos todos os requisitos

documentais do artigo 6º, o Banco Central do Brasil fará a necessária análise do pedido,

a qual observará ainda o disposto no artigo 9º da nova Resolução, podendo inclusive

exigir medidas complementares (artigo 9º, §2º).

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Estando a pretensa cooperativa de crédito vinculada a um sistema cooperativo, a

análise quanto à constituição será comunicada aos fundadores, oportunidade em que os

mesmo terão o prazo de noventa dias (artigo 7º, caput), prorrogáveis por mais noventa

(art. 7º, §1º), para formalizarem os atos societários de constituição da Cooperativa de

Crédito. Contudo, caso a deliberação pré-assemblear opte pela não vinculação do

projeto a uma central, torna-se obrigatoriamente necessário que esta escolha seja

suficientemente justificada quanto aos motivos que determinaram a decisão,

evidenciando ainda como a cooperativa pretende suprir os serviços prestados pelas

centrais (art. 6, IV, “c”, 11).

Não bastasse isso, a não vinculação da pretensa cooperativa a um sistema

cooperativo poderá provocar também um procedimento incidental de inspeção prévia do

projeto pelo Banco Central, conforme disposto no artigo 8º, e cujo objetivo será

“...avaliar a compatibilidade entre a estrutura organizacional implementada e aquela

prevista no plano de negócios.” Este procedimento de inspeção, regulamentado pelo §2º

do artigo 8º, poderá na prática inviabilizar o projeto, visto que o inciso III do §2º,

determina que cooperativa solteira implemente desde já a sua estrutura organizacional,

contemplando as estruturas de governança corporativa, de gerenciamento de negócios,

de controles internos e de gerenciamento de riscos, além da contratação dos sistemas

eletrônicos e de mão de obra, entre outros projetos previstos no plano de negócio

apresentado.

Note-se, por oportuno, que o procedimento incidental de inspeção prévia do

projeto pelo Banco Central não se aplica aos projetos vinculados aos sistemas

cooperativos, afinal, pelo texto do §1º do artigo 8º, a decisão sobre a inspeção prévia

levará (aspecto impositivo da norma) em consideração ...o porte da instituição, a

complexidade e o risco das operações pretendidas e a ausência de participação da

pleiteante em sistema cooperativo organizado (grifamos). Reitera-se, portanto, a crítica

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pontual à Resolução: sem vinculação a um sistema cooperativo a vontade social de

instalação de uma cooperativa de crédito pode ser uma tarefa impossível.

Voltando, porém, aos procedimentos, em ambos os casos a cooperativa pleiteante

apenas poderá formalizar os seus atos societários de constituição, ou seja, realizar a

Assembleia Geral de instalação, após a devida autorização do Banco Central (parte

final do caput do artigo 7º), devendo os atos societários retornarem para aprovação

daquela autarquia antes de serem encaminhados para o seu arquivamento nos órgãos

competentes (artigo 7º, §2º).

Quanto aos requisitos documentais necessários para a autorização de constituição

das cooperativas de crédito, merece destaque o artigo 6º da Resolução CMN nº

4.434/2015, que constitui uma importante reorganização dos dispositivos constantes no

artigo 3º da Resolução CMN nº 3.859/2010.

Até a publicação da nova Resolução, o revogado artigo 3º dispunha que a pretensa

cooperativa de crédito deveria demonstrar a sua possibilidade de reunião, controle,

realização de operações e prestação de serviços (inciso I); demonstrar a sua viabilidade

financeira por no mínimo três anos (inciso II), e, ainda, apresentar um Plano de

Negócios com o mesmo horizonte temporal (inciso III). Pela nova norma, além da

manutenção quanto à demonstração de reunião, controle, entre outros (inciso I), o artigo

6º exige ainda a apresentação de novos documentos como a comprovação de que pelo

menos um dos associados detém conhecimento sobre o ramo do negócio (inciso III), e

as minutas dos atos societários de constituição (inciso V) da Cooperativa.

Não bastasse isso, no inciso IV do artigo 6º, a Resolução CMN nº 4.434/2015 dá

ao Plano de Negócios da cooperativa especial destaque, dispondo que além da sua

vigência se fundamentar com projeção mínima de cinco anos, deve estar baseado em

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três espectros básicos, quais sejam, o (a) Plano Financeiro, onde a cooperativa deve

demonstrar a sua viabilidade econômico-financeira; o (b) Plano Mercadológico, no

qual o projeto deve contemplar os objetivos estratégicos do empreendimento, suas

condições estatutárias, os mecanismos que visem à efetivação dos princípios

cooperativistas, e; o (c) Plano Operacional, na qual a cooperativa explanará seus

padrões de governança, seu organograma, estruturas, entre outros. Importante destacar,

contudo, a ressalva normativa (§1º) existente de que tais requisitos não são exauríveis,

permitindo então que o Banco Central apresente novas exigências de acordo com a

natureza e/ou porte da cooperativa, ou ainda, em função da extensão do pleito.

Assim, não obstante o salutar aclaramento e a objetiva reestruturação no

processo de constituição de novas cooperativas pela Resolução CMN nº 4.434/2015,

impor diferenciações entre cooperativas na sua constituição somente porque vinculadas

(ou não) a sistemas cooperativos parece ferir também a gestão democrática e a

autonomia garantida aos seus associados, atuação que vai de encontro aos anseios do

movimento cooperativo.

3.3 Da nova classificação das Cooperativas de Crédito. Mudança de paradigma

que privilegia a vontade estatutária de associação.

Certamente a alteração mais comentada na Resolução CMN nº 4.434/2015 foi a

adequação provocada pelo seu Capítulo III, que trata da classificação das cooperativas

de crédito e das condições estatutárias de admissão de associados. Como se sabe, desde

a primeira regulamentação específica sobre as Cooperativas de Crédito (Resolução

CMN nº 1.914/1992) após a edição da Lei Federal nº 5.764/71, e da Constituição

Federal de 1988, o Banco Central do Brasil tratou de regrar suas orientações normativas

sob o prisma da limitação do quadro associativo.

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E tanto isso é verdade que quando da publicação da Resolução CMN nº

1.914/1992, a constituição de cooperativas que não apresentavam restrições de

associação, então conhecidas como cooperativas do tipo Luzzatti, restaram proibidas,

permitindo aquela norma tão somente a autorização para funcionamento das

cooperativas de economia e crédito mútuo e as cooperativas de crédito rural. Desde

então, e mesmo após a reafirmação pelo Código Civil (Lei Federal nº 10.406/02) das

características básicas das sociedades cooperativas, o órgão regulador do Sistema

Financeiro Nacional sempre tratou com muita cautela a abertura dos quadros

associativos.

Mesmo a partir de concessões importantes que avançaram até a presente mudança

de paradigma, como as provocadas tanto pela Resolução CMN nº 3.058/2002, que

permitiu a constituição de cooperativas de crédito mútuo formada por pequenos

empresários, microempresários e microempreendedores, quanto pela Resolução CMN

nº 3.106/2003, que liberou a constituição de cooperativas de livre admissão, o que se

viu até a publicação da Resolução CMN nº 3.859/2010 foi uma constante tentativa de

regular o que a própria Lei Complementar nº 130/09 (artigo 4º) já garantia às

cooperativas de crédito: liberdade na construção do seu quadro social a partir da

vontade soberana da assembleia geral, ressalvadas obviamente as limitações impostas

pelo parágrafo único daquele artigo11

.

Neste aspecto, as palavras do Presidente do Banco Central do Brasil no

lançamento da Resolução CMN nº 4.434/2015 também são didáticas:

(...) Como sabemos todos, o Banco Central apresentou em novembro

do ano passado a Consulta Pública 47, sobre a norma que altera

significativamente a forma de segmentação até hoje vigente entre as

11 Art. 4o (...). Parágrafo único. Não serão admitidas no quadro social da sociedade cooperativa de crédito pessoas jurídicas que

possam exercer concorrência com a própria sociedade cooperativa, nem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios bem

como suas respectivas autarquias, fundações e empresas estatais dependentes.

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cooperativas de crédito. A alteração foi muito bem recebida pelo

segmento, e há boas razões para isso.

A evolução histórica da regulamentação que mencionei há pouco

acabou levando a uma segmentação complexa, que implicava um

tratamento prudencial distinto para cooperativas que representavam,

essencialmente, o mesmo grau de risco.

Ao mesmo tempo, algumas cooperativas tinham seu quadro

associativo limitado simplesmente porque a opção específica que lhes

interessava não fazia parte do rol de segmentos presente nas

resoluções.

Por outro lado, cooperativas extremamente simples, como as de

capital e empréstimo, enfrentavam requisitos prudenciais mais

elevados que o justificado estritamente por seu grau de risco.

Nesse cenário, o CMN decidiu conferir plena consequência à

possibilidade, já prevista na Lei Complementar 130, de dar ao grupo

fundador ou à assembleia geral liberdade para determinar o quadro

associativo que mais se ajusta a seus interesses, cabendo ao Banco

Central o enquadramento das cooperativas conforme o grau de risco

que elas incorram e a aplicação do regime prudencial correspondente.

Essa é, portanto, além de uma providência de racionalização muito

aguardada, um marco notável na história das cooperativas de crédito

no Brasil. (...)12

Como se pode perceber, diante do aperfeiçoamento regulatório do Banco Central

de Brasil advindo desde a Lei Federal nº 5.764/71 até a Lei Complementar nº 130/09,

passando pelas consistentes referências constitucionais e legais trazidas,

respectivamente, pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002, bem

como a partir do constante e importante avanço das práticas de gestão, atualização

tecnológica, e controles administrativos das cooperativas de crédito, estas creditadas à

atuação responsável dos eficientes sistemas cooperativos brasileiros e seus dirigentes, o

que a Resolução CMN nº 4.434/2015 traz ao cooperativismo de crédito é a fiança

necessária para que o próprio movimento cooperativo possa gerir com liberdade e

responsabilidade, sob as premissas axiológicas do Cooperativismo, o seu quadro social.

E a tradução desse pensamento está na exclusão de todo um arcabouço jurídico

construído em cinco longos artigos (12/16) e dois Capítulos (II e III) da Resolução

12 TOMBINI, Alexandre Antônio. Novo Ciclo do Cooperativismo de Crédito no Brasil. Brasília: BCB, 05 ago. 1991. Discurso de

lançamento da Resolução CMN nº 4.434/2015.

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CMN nº 3.859/2010, que tratavam das condições de admissão de associados e das

condições especiais relativas às cooperativas de livre admissão, em favor de um único

artigo da Resolução CMN nº 4.434/2015, o artigo 16, que trata sobre as condições de

admissão de associados e área de atuação, a saber:

Art. 16. As condições de admissão de associados e área de atuação,

conforme definido pela assembleia geral, devem constar no estatuto

social da cooperativa de crédito. (grifamos)

Tal abertura deve ser comemorada não apenas sob o ponto de vista estratégico

para a expansão do cooperativismo de crédito no Brasil, como dito por muitos e pelo

próprio Presidente do Banco Central no seu indigitado discurso, mas principalmente

porque tal mudança de paradigma provocada pela Resolução CMN nº 4.434/2015

reforça a autonomia do Direito Cooperativo brasileiro, há muito debatido por

importantes doutrinadores do escol de Waldirio Bulgarelli, Renato Lopes Becho e José

Eduardo de Miranda, entre tantos outros. Ademais, garantir à assembleia geral a

soberana decisão sobre as suas regras de admissão e área de atuação significa o mais

amplo e irrestrito respeito ao primeiro princípio do cooperativismo: garantir a Adesão

Livre e Voluntária sem restrições artificiais de ingresso.

Dessa forma, as cooperativas de crédito deixam de ser classificadas a partir do

seu quadro associativo e área de atuação, estas agora de livre disposição dos associados

e limitadas pelos seus estatutos sociais, para serem segregadas de acordo com a

natureza das suas operações junto ao Sistema Financeiro Nacional. É como dispõe

o artigo 15, da Resolução CMN nº 4.434/2015, verbis:

Art. 15. A cooperativa de crédito singular, de acordo com as

operações praticadas, se classifica nas seguintes categorias:

I - cooperativa de crédito plena: a autorizada a realizar as operações

previstas no art. 17;

II - cooperativa de crédito clássica: a autorizada a realizar as

operações previstas no art. 17, observadas as restrições contidas no

art. 18; e

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III - cooperativa de crédito de capital e empréstimo: a autorizada a

realizar as operações previstas no art. 17, exceto as previstas em seu

inciso I, observadas as restrições contidas no art. 18. (grifamos)

Portanto, a partir do rol de operações elencados no artigo 17, complementadas

pelas restrições constantes no artigo 18, as Cooperativas de Crédito brasileiras passam a

ser classificadas, e consequentemente fiscalizadas pelo Banco Central do Brasil, de

acordo com a amplitude das suas operações. Sendo assim, enquanto as Cooperativas de

Crédito Plenas podem instrumentalizar todas as operações previstas no artigo 17, como

por exemplo, a aplicação em títulos de securitização de créditos, às Cooperativas de

Crédito Clássicas tal operação é vedada, visto que constante no rol de exceção do artigo

18, notadamente no inciso I, eis que se trata de operação que impõe maior risco à

sociedade. Já nas Cooperativas de Crédito de Capital e Empréstimo, além de lhes

serem vedadas as mesmas operações que são negadas às Cooperativas de Crédito

Clássicas, estas não podem captar exclusivamente de associados recursos e depósitos

sem emissão de certificado, como por exemplo, os Recibos de Depósito Bancários

(RDB).

Ainda quanto a esta classificação, as explicações do Presidente do Banco Central

do Brasil são não apenas esclarecedoras, mas indicam com clareza solar a mens legis do

Conselho Monetário Nacional ao editar a norma:

(...) A Resolução 4.434, publicada hoje, estabelece três graus de risco,

correspondentes a três tipos de cooperativas de crédito: as plenas, as

clássicas e as de capital e empréstimo.

As cooperativas plenas poderão praticar todas as operações previstas

para as cooperativas de crédito, e entre elas estão, de maneira geral, as

cooperativas de maior porte. Delas serão exigidos maiores montantes

de capital inicial e patrimônio líquido, apuração do capital requerido

conforme o grau de risco pelo regime prudencial completo, assim

como estruturas de governança mais robustas.

Por sua vez, as cooperativas clássicas poderão realizar somente as

operações hoje permitidas no regime prudencial simplificado. Esse

segmento de cooperativa não pode realizar, por exemplo, operações

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que gerem exposição a variação cambial ou de preço de mercadorias,

nem manter aplicações em derivativos.

Por fim, as cooperativas de capital e empréstimo não poderão captar

recursos ou depósitos, sendo seu funding o capital próprio

integralizado pelos associados. Suas operações ativas também estão

limitadas àquelas permitidas no regime prudencial simplificado. São

cooperativas com estruturas física e organizacional menores e que

apresentam menos risco que as plenas ou as clássicas. (...)

Não bastassem tais benefícios de ordem operacional, a liberdade quanto à área de

atuação também representa uma importante ferramenta de expansão das cooperativas e

do Cooperativismo enquanto movimento social. Questões de mera territorialidade e

abrangência, antes existentes e até mesmos exigidos pelo Banco Central do Brasil, hoje

dão espaço à simples comprovação de que as cooperativas podem, operacionalmente,

atuar na área que se propõem assemblear e estatutariamente. Como consequência,

limites territoriais e de expansão ficam a cargo das estratégias sistêmicas e da

capacidade da sociedade cooperativa de ampliar os seus horizontes sem desnaturar a

essência cooperativa da associação. E neste aspecto em específico, o Banco Central do

Brasil, na aplicação da nova norma, deverá estar atento enquanto órgão de fiscalização

estatal.

Feitas tais considerações, ressalta-se que a classificação das Cooperativas de

Crédito hoje existentes será inicialmente indicada pelo próprio Banco Central do Brasil.

Tal classificação automática, prevista no seu artigo 59, tem como base as operações

atualmente praticadas pelas Cooperativas e será comunicada às mesmas no prazo de

noventa dias contados da publicação da nova Resolução (06/08/2015). Conforme

procedimento previsto no parágrafo único do referido artigo, ao receber a indicação do

Banco Central do Brasil sobre o seu enquadramento, a cooperativa singular deve (i)

manifestar a sua concordância ou, alternativamente, (ii) solicitar a mudança de

categoria. Neste caso, porém, a cooperativa de crédito solicitante deverá demonstrar que

atende aos requisitos exigidos para a categoria em que pretende ingressar, como por

exemplo, adequação de capital, patrimônio líquido e estrutura de governança, entre

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outros. Outrossim, o procedimento de mudança de categoria seguirá os mesmos trâmites

previstos no artigo 14 da novel Resolução.

Como visto, mudar o paradigma da forma de classificação das cooperativas

parecer ter sido o grande avanço da nova norma. Privilegiar a vontade do cooperado

quanto às regras de associação e limites de atuação garante às sociedades cooperativas o

respeito aos seus objetivos comuns, deixando ao Banco Central o papel fiscalizador das

suas operações.

3.4 Dos novos limites mínimos de capital e de patrimônio.

Soa como consequência natural que a reclassificação das cooperativas de crédito

ditada pela Resolução CMN nº 4.434/2015, agora considerando como objeto de

classificação as operações praticadas e os decorrentes riscos impostos aos seus

associados, exija uma readequação quanto aos limites mínimos de capital e patrimônio,

afinal, são esses índices que pretender garantir minimamente a integridade do

empreendimento cooperativo. E para desde já acentuar as diferenças propostas, mostra-

se pertinente a transcrição dos novos limites mínimos, assim definidos pelo artigo 19, da

nova Resolução, verbis:

Art. 19. A cooperativa de crédito deve observar os seguintes limites

mínimos, em relação ao capital integralizado e ao Patrimônio

Líquido (PL):

I - cooperativa central de crédito e confederação de centrais:

integralização inicial de capital de R$200.000,00 (duzentos mil reais)

e PL de R$1.000.000,00 (um milhão de reais);

II - cooperativa de crédito de capital e empréstimo, classificada nos

termos do inciso III do art. 15: integralização inicial de capital de

R$10.000,00 (dez mil reais) e PL de R$100.000,00 (cem mil reais);

III - cooperativa de crédito clássica, classificada nos termos do inciso

II do art. 15, filiada a cooperativa central: integralização inicial de

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capital de R$10.000,00 (dez mil reais) e PL de R$300.000,00

(trezentos mil reais);

IV - cooperativa de crédito clássica, classificada nos termos do inciso

II do art. 15, não filiada a cooperativa central: integralização inicial

de capital de R$20.000,00 (vinte mil reais) e PL de R$500.000,00

(quinhentos mil reais);

V - cooperativa de crédito plena, classificada nos termos do inciso I

do art. 15, filiada a cooperativa central: integralização inicial de

capital de R$2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais) e PL

de R$25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de reais); e

VI - cooperativa de crédito plena, classificada nos termos do inciso I

do art. 15, não filiada a cooperativa central: integralização inicial de

capital de R$5.000.000,00 (cinco milhões de reais) e PL de

R$50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais). (grifamos)

Inicialmente, merece destaque a repetida distinção que a Resolução CMN nº

4.434/2015 dá às cooperativas de crédito Clássicas e Plenas filiadas à cooperativa

central, privilegiando-as. Embora o presente estudo mantenha – do ponto de vista

estritamente legalista, repise-se – as críticas já mencionadas quanto ao privilégio

sistêmico, há que se reconhecer que a diferenciação apresentada quanto às exigências de

capital e patrimônio está, aqui, escorada em critérios objetivos que consideram, de

forma positiva na visão deste autor, a participação dos Sistemas Cooperativos na defesa

da integridade financeira das suas singulares.

Em relação ao capital integralizado pelos sócios, assim entendido como o capital

social subscrito pelo cooperado e que foi efetivamente colocado à disposição do

empreendimento, o cuidado histórico das Resoluções do Banco Central em impor um

capital mínimo se escora no fato da Lei Federal nº 5.764/71 (artigo 4º, II) atribuir às

cooperativas a variabilidade do seu capital social, decorrência da liberdade de

associação e do caráter finalístico da sociedade: obter vantagens para os seus sócios. Em

comparação à Resolução revogada, percebe-se que os novos dispositivos trazidos pelo

CMN propuseram uma positiva simplificação das suas exigências, sendo em alguns

casos, inclusive, inferiores às exigências atualmente postas13

.

13 Considerando que a partir da Resolução CMN nº 4.434/2015, todas as cooperativas podem ser consideradas, quanto à formação do seu quadro associativo, de livre admissão, as exigências de capital mínimo postas às Cooperativas de Crédito

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Já no que tange aos limites de patrimônio, a primeira mudança percebida pelo

cotejo das normas está na substituição da forma de apuração do mesmo. Enquanto o

artigo 31 da Resolução CMN nº 3.859/2010 trazia como apuração de patrimônio o

limite mínimo de Patrimônio de Referência (PR), o artigo 19 da nova Resolução CMN

nº 4.434/2015 torna necessária a demonstração mínima de Patrimônio Líquido (PL), a

partir do quinto ano contado da data de autorização para funcionamento da cooperativa

(art. 19, §2º). Na prática, o que tal alteração propõe é a simplificação quanto à

compreensão dos requisitos mínimos, na medida em que a avaliação do Patrimônio

Líquido desconsidera a análise de alguns itens exigidos para a apuração do Patrimônio

de Referência como, por exemplo, a provisão, das dívidas subordinadas, as reservas,

entre outros.

Entretanto, a substituição do Patrimônio de Referência pelo Patrimônio Líquido

para fins de limites mínimos não significa a alforria das cooperativas de crédito ao

atendimento dos requerimentos mínimos de Patrimônio de Referência exigidos pelo

Banco Central do Brasil. Não apenas o artigo 21 da nova Resolução destaca tal ressalva,

como também a própria Resolução CMN nº 4.192/2013, que dispõe sobre a

metodologia para apuração do Patrimônio de Referência, diz em seu artigo 1º que tal

índice dever ser apurado pelas instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo

Banco Central do Brasil, como os bancos.

Por fim, é válido repisar que o §2º do artigo 19, da Resolução CMN nº

4.434/2015, manteve a exigência de patrimônio mínimo a partir de cinco anos da

autorização para funcionamento. Contudo, a parte final do mesmo dispositivo inova ao

fixar que ...até o terceiro ano, o PL deve representar, no mínimo, 50% (cinquenta por

cento) dos respectivos limites. De igual forma, redutores de limites para regiões

específicas do país, previstos no parágrafo único do artigo 31, da Resolução CMN nº

Clássicas vinculadas a uma Central Cooperativa (art. 19, III), qual seja, R$10.000,00 (dez mil reais), são inferiores às exigências impostas pela Resolução CMN nº 3.859/2010, às Cooperativas de Livre Admissão de Associados (artigo 31, IV, “a” – R$20.000,00).

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3.859/2010, passam a não mais existir com a nova norma, até porque os recentes

números do Cooperativismo de Crédito mostram a pujança do movimento nas regiões

Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Neste aspecto, nota-se que a norma avança quanto à estabilidade do capital da

cooperativa, fator sempre destacado no Plano 2020 da Aliança Cooperativa

Internacional.

3.5 Da evolução da norma quanto à Governança Cooperativa. Da aplicação de

princípios à criação objetiva de regras.

Não é de hoje que o sistema cooperativo brasileiro e o Banco Central do Brasil,

com importantes contribuições como a do Instituto Brasileiro de Governança

Corporativa (IBGC) e da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), vêm

centrando as suas atenções também quanto à forma como as cooperativas de crédito

brasileiras são dirigidas, monitoradas e incentivadas, sem interferir na autonomia e na

gestão democrática pelos seus associados. Já em 2009, por exemplo, o Banco Central do

Brasil lançou ao segmento de crédito cooperativo o livro “Governança Cooperativa:

Diretrizes e mecanismos para fortalecimento da governança em cooperativas de

crédito.”, ocasião em que traçou as primeiras linhas de abordagem quanto ao tema e

que, em sua apresentação, assim situava o desafio da época:

Visando ao fortalecimento do segmento, o Banco Central, por meio do

projeto Governança Cooperativa, deu um passo além, ao diagnosticar,

por meio de estudos e pesquisas, as particularidades da governança

nas cooperativas de crédito e ao definir diretrizes para consecução de

boas práticas. Buscou, então, apontar um caminho e induzir a adoção

de boas práticas pelas cooperativas, de forma voluntária.14

14 VENTURA, Elvira Cruvinel Ferreira. et al. Governança Cooperativa: Diretrizes e mecanismos para fortalecimento da governança em cooperativas de crédito. Brasília: BCB, 2009. pg. 09.

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Tais delineamentos foram, em linhas gerais, incorporados pela Resolução CMN nº

3.859/2010, que inovou ao provocar as Cooperativas quanto às observâncias das

políticas de governança corporativa que abordassem aspectos de representatividade e

participação, propondo uma direção estratégica com gestão, fiscalização e controle.

Contudo, ressalvados específicos regramentos, como as constantes no artigo 18,

onde as cooperativas singulares de livre admissão, de empresários, de pequenos

empresários, microempresários e microempreendedores, entre outras, são obrigadas a

adotar estrutura administrativa integrada por conselho de administração e por diretoria

executiva, o que a Resolução CMN nº 3.859/2010 inicialmente propusera fora tão

somente a observância de princípios de governança, como a equidade, transparência,

ética, educação.

Ocorre que com a publicação do Plano de Ação para uma Década Cooperativa

pela Aliança Cooperativa Internacional (ACI), em 2013, a aplicação dos princípios de

governança corporativa às cooperativas foram alçadas a outro patamar. Pelo documento,

por serem as cooperativas um modelo negocial que prioriza as pessoas, a sua

administração democrática, autônoma e baseada nos princípios de governança, garantirá

às cooperativas em todo o mundo maior sustentabilidade econômica, social e ambiental,

além de tornar o movimento cooperativo um ator de destaque nesse cenário. Neste

ponto, os desafios lançados pelo órgão máximo do Cooperativismo mundial são claros:

Sustentabilidade em sentido lato é a capacidade de suportar, manter e

resistir. Desde os anos 1980 a sustentabilidade humana tem sido

ligada à integração das dimensões ambiental, econômica e social na

fiscalização global e gestão responsável dos recursos. As cooperativas

sempre atuaram de forma a permitir às pessoas que ascendessem aos

bens e serviços sem serem exploradas. Tal significou negociar de

acordo com uma série de valores assentes no que hoje se chama

desenvolvimento sustentável. (...) As Cooperativas procuram

“otimizar” os resultados para todos os intervenientes, sem procurar

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“maximizar” os benefícios de um só deles. Construir um

desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável deveria

constituir uma das motivações e justificações principais para o

crescimento do setor cooperativo. (...) Embora existam exceções

locais, sustentabilidade não é um termo que esteja universalmente

associado às cooperativas. Isso tem de mudar até 2020 – posicionar as

cooperativas como arquitetas da sustentabilidade, (...), e isso inclui

Práticas de Gestão: O setor cooperativo necessita fazer mais para

desenvolver e promover práticas específicas de gestão que reflitam os

valores democráticos e o horizonte de longo prazo do modelo de

empresa cooperativo, e que explore a vantagem cooperativa.15

Nessa mesma esteira, o recente documento publicado pelo Instituto Brasileiro de

Governança Corporativa (IBGC) – Guia das Melhores Práticas de Governança para

Cooperativas –, reforça a busca de boas práticas pelo próprio movimento cooperativo

brasileiro, justificando em seu texto que a conversão das boas práticas de governança

corporativa em recomendações objetivas às realidades das cooperativas se alinha com a

finalidade de preservação e otimização dos valores cooperativos, promovendo o

desenvolvimento e contribuindo para a longevidade e perenidade das cooperativas.16

Apesar de não se saber ao certo se o Banco Central do Brasil considerou na

formulação da norma os desafios da ACI e as importantes colaborações do IBGC e da

OCB para o desenvolvimento da gestão cooperativa, aí incluindo as cooperativas de

crédito, o que se tem de concreto é que as boas práticas de governança, ditadas agora de

forma efetiva e objetiva pela Resolução CMN nº 4.434/2015, vão ao encontro dos

objetivos do Cooperativismo, alinhando interesses dos sócios com a finalidade de

preservar o empreendimento cooperativo como instituição social, sobretudo

contribuindo também para a sua longevidade.

Nessa perspectiva, o artigo 26 da nova Resolução é pontualmente positivo ao

acrescentar à política de governança corporativa o princípio da remuneração dos

15 GREEN, Dame Pauline. et al. Plano de ação para uma década cooperativa. ACI: Bruxelas, 2013. pg. 13/14. 16 cf. MUNHÓS, José Luiz. et al. Guia das Melhores Práticas de Governança para Cooperativas. São Paulo: IBGC, 2015. pg. 14.

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membros dos órgãos estatutários, assunto este por vezes sensível nas discussões

assembleares das cooperativas de crédito. Com tal pilar de governança, desde que

analisado de forma equânime com os demais princípios indicados no artigo, as

cooperativas de crédito recebem do Banco Central do Brasil a chancela quanto à

importância da remuneração justa dos membros dos órgãos estatutários e o consequente

comprometimento dos mesmos aos objetivos sociais impostos pelos estatutos sociais,

medida salutar para aqueles que dedicam a sua força de trabalho a uma empresa que não

possui qualquer natureza filantrópica, apesar da ausência de lucro.

No mais, ao acrescentar – em relação à norma revogada – competências mínimas

e atribuições específicas ao Conselho de Administração (artigo 28) e ao Conselho Fiscal

(artigo 31), a Resolução CMN nº 4.434/2015 diminui o risco de conflito de interesses

entre os órgãos estatutários, aumentando como consequência a confiança no trabalho

conjugado. A busca pela eliminação de riscos que atinjam a governança justificam ainda

as novidades normativas trazidas pelos artigos 29 e 30 da nova Resolução, que preveem

requisitos e organizações mínimas a serem dispostas nos estatutos daquelas

cooperativas que possuírem estrutura administrativa segregada em conselho de

administração e diretoria.

Cabe ressaltar que tais regras de estrutura administrativa integrada entre conselho

de administração e diretoria executiva ainda são facultadas às cooperativas de crédito

em geral17

, sendo obrigatórias tão somente a todas as Cooperativas de Crédito Plenas e

às Cooperativas de Crédito Clássicas cuja média de ativos totais, nos últimos três anos,

seja igual ou superior a R$50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), como determina

o artigo 27. De todo modo, independentemente do tamanho ou da sua classificação, há

de se haver regras internas de “compliance” e de controles internos a serem exercidas

por toda e qualquer cooperativa de crédito frente o cenário atual, regras estas que nem

sempre são financeiramente custosas.

17 Em caráter excepcional o §2º do artigo 27 prevê que outros tipos de Cooperativas de Crédito podem ser obrigadas a adotarem o

modelo dual, de acordo com a conveniência do Banco Central do Brasil.

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Por fim, a última mudança de governança aqui destacada merece atenção por hoje

impactar diretamente sobre diversas cooperativas de crédito que optam pela segregação

dos seus órgãos estatutários. Com a vigência da nova Resolução, fica completamente

vedado o exercício simultâneo de cargos no conselho de administração e na

diretoria executiva de cooperativas (artigo 27, §1º), sendo que estas deverão se

adequar à nova exigência na primeira eleição de administradores realizada a partir de

2017, ou antes desse prazo, a critério da assembleia, como disposto no artigo 60, inciso

II.

3.6 Da desfiliação da cooperativa de crédito singular. Criação de procedimentos.

Sob o aspecto legal, o artigo 3º da Lei 5.764/71 diz que a sociedade cooperativa é

a celebração de um contrato societário pelo qual os seus sócios se obrigam a

contribuir para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem

objetivo de lucro. Já o artigo 6º da mesma lei diz que esse tipo de contrato societário

pode ser celebrado também por outras sociedades cooperativas que igualmente se

obrigam entre si e são chamadas de Cooperativas Centrais (inciso II), cujo objetivo é

organizar, em comum e em maior escala, os serviços econômicos e assistenciais de

interesse das filiadas.

Ao se filiar a um sistema cooperativo, toda e qualquer cooperativa singular está,

na verdade, aderindo às suas regras estatutárias e, portanto, obrigando-se a

contribuir para os seus objetivos sociais, posto que esta é a contrapartida da gestão

democrática que garante à singular participar ativamente das decisões sobre os rumos e

as regras mínimas para funcionamento harmônico e seguro da sua cooperativa central.

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Tal revisão legal se mostra importante, pois, ainda que o princípio da livre

admissão permita também a livre saída de qualquer pessoa de uma sociedade

cooperativa, não se pode olvidar que a obrigação anterior ao empreendimento

cooperativista impõe ao retirante o respeito não apenas às regras da sociedade, mas

também às regras que visem à integridade do Sistema Cooperativo em seu sentido lato.

E foi baseada nessa concepção, que considera também as competências reguladoras já

discutidas, que o Banco Central de Brasil buscou regrar com a Resolução CMN nº

4.434/2015 a desfiliação de cooperativas de crédito singulares.

Entre os seus artigos 40 e 42, a nova Resolução cria um procedimento mínimo

para que cooperativas singulares passem a atuar de forma independente, a partir da

desfiliação, não fazendo qualquer exigência para aquelas que pretendem tão somente

trocar de cooperativa central. Partindo, então, da premissa que a filiação presume

adesão às regras estatutárias e aceitação dos objetivos sistêmicos, o artigo 40 determina

que antes do ato de desfiliação a cooperativa singular deve apresentar ao Banco

Central do Brasil – mediante relatório próprio – os motivos da desfiliação e como a

cooperativa singular pretende suprir os serviços e produtos até então ofertados pela

cooperativa central, inclusive quanto a sistemas operacionais e canais de acesso ao

sistema financeiro.

Não bastasse isso, no caso de ausência de previsão estatutária da singular sobre o

assunto, o mesmo artigo determina que para legitimar a opção dos gestores e

administradores quanto à desfiliação, o relatório a ser apresentado ao Banco Central do

Brasil deve ter sido objeto de parecer pelo conselho fiscal da cooperativa e ter sido

aprovado por assembleia geral18

destinada a deliberar sobre o tema. Ademais, também

a cooperativa central a qual a singular está filiada deverá encaminhar avaliação sobre a

18 Nos termos dos artigos 44, 45 e 46, da Lei Federal nº 5.764/71 (Lei Geral das Cooperativas), a deliberação sobre o tema pode ocorrer em assembleia geral ordinária ou extraordinária, desde que a discussão da desfiliação seja mencionada no edital de convocação. Para a aprovação da desfiliação, é necessária maioria simples dos presentes.

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situação da filiada, abordando objetivamente eventuais deficiências e irregularidades,

apresentando ainda suas perspectivas sobre a cooperativa singular após sua desfiliação.

Mas não são apenas as cooperativas singulares que podem, a partir dos requisitos

acima expostos, solicitar sua desfiliação. Às cooperativas centrais é igualmente

garantido o direito de solicitar a desfiliação de uma cooperativa singular. Contudo, o

artigo 42 da nova regra determina que o pedido de desfiliação esteja acompanhado de

justificativa que avalie eventuais infrações legais e/ou estatutárias praticadas pela

cooperativa singular, além das mesmas explicações sobre as perspectivas da singular

após a desfiliação.

Como se pode perceber, o ato de desfiliação também passa a ser regulado e

fiscalizado pelo Banco Central do Brasil, fato este salutar na medida em que o

rompimento entre cooperativas singulares e centrais não se baseará tão somente em

aspectos estratégicos e/ou econômicos, mas sim no efetivo descumprimento dos

requisitos legais e estatutários que outrora as reuniram em busca dos objetivos comuns.

3.7 Dos pontuais aprimoramentos quanto às auditorias externas e às regras de

cancelamento da autorização para funcionamento das cooperativas de crédito.

O constante avanço normativo quanto à atividade de auditoria externa junto às

cooperativas de crédito permitiu que a Resolução CMN nº 4.434/2015 trouxesse em

relação ao tema tão somente ajustes e esclarecimentos pontuais, como nos casos de

suspeição19

. Pelo novo regramento, eventual suspeição não acarretará na

desconsideração automática da auditoria, mas possibilitará, a critério do Banco Central

19 Do ponto de vista jurídico, a suspeição se opera quando o ato praticado por terceiro é suscetível de oposição por parcialidade. Na Resolução CMN nº 4.434/2015, os casos de suspeição da auditoria estão mantidos (artigo 44, IV), quais sejam, as vinculações existentes entre membro de órgão estatutário, empregado ou prestador de serviço da cooperativa auditada e a entidade de auditoria. Na Resolução CMN nº 3.859/2010, tais casos estavam dispostos no artigo 28, VI.

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do Brasil, a revisão por outra entidade que não possua vínculo com o sistema

cooperativo auditado.

Outrossim, além de a nova regra permitir que a entidade de auditoria cooperativa

audite as demonstrações das cooperativas a ela associadas, fato que ainda será

aperfeiçoado com a regulamentação específica sobre as entidades especializadas em

auditoria cooperativa, como bem destacou Enio Meinen20

, critérios facilitadores como a

verificação das demonstrações contábeis das cooperativas de crédito singulares numa

única vez no dia 31 de dezembro permitirão importantes avanços também no

acompanhamento dos resultados e balanços pelos cooperados, estes sim o objeto

principal de todo o arcabouço aqui estudado.

No que tange às regras de cancelamento da autorização para funcionamento, a

nova Resolução CMN nº 4.434/2015 igualmente inovou de forma pontual a fim de

melhor sistematizar os processos de cancelamento da autorização junto ao Banco

Central do Brasil.

Além de a Resolução afirmar que a dissolução da cooperativa por si só implica o

cancelamento da respectiva autorização (artigo 47), e prever objetivamente quais os

requisitos indispensáveis para o referido cancelamento (artigo 48), o artigo 49 é

especialmente inovador ao trazer em seus parágrafos a necessidade de procedimento

administrativo específico proposto pelo Banco Central do Brasil, que garanta não

apenas o contraditório e a ampla defesa às cooperativas singulares, mas principalmente

a necessária justificativa do cancelamento à luz de critérios objetivos como a defesa da

estabilidade do Sistema Financeiro Nacional, da poupança popular e dos credores

operacionais da instituição.

20 MEINEN, Ênio. 09 de agosto de 2015. O cooperativismo financeiro brasileiro sob nova regulamentação. Portal do

Cooperativismo Financeiros. Disponível em: <http://www. http://cooperativismodecredito.coop.br/2015/08/o-cooperativismo-

financeiro-brasileiro-sob-nova-regulamentacao-por-enio-meinen/> Acesso em: 28 ago. 2015.

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Como visto, todas as alterações até aqui apresentadas demonstram que a

Resolução CMN nº 4.434/2015 se consolida como uma importante ferramenta de

desenvolvimento das cooperativas singulares, suas respectivas centrais e confederações

que atualmente formam um Sistema Cooperativo sólido e crescente. Não obstante as

pontuais críticas, não se pode deixar de ver que o novo regramento é um passo à frente

no desenvolvimento do quadro legal das cooperativas de crédito.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do presente estudo buscou-se analisar não apenas as alterações

propostas pela Resolução CMN nº 4.434/2015 em comparação às condições normativas

apresentadas pela parcialmente revogada Resolução CMN nº 3.857/2010, mas também

verificar se essas alterações contribuem para a realização dos objetivos estratégicos do

cooperativismo lançados pela Aliança Cooperativa Internacional no documento Plano

de Ação para uma Década Cooperativa. Para tanto, iniciou-se pela perspectiva da

legitimidade e competência normativa do Conselho Monetário Nacional, a fim alcançar

também os objetivos internacionais do cooperativismo; num segundo momento,

apresentar as efetivas alterações trazidas e criticá-las à luz dos aspectos práticos e

principiológicos do cooperativismo.

A primeira conclusão é que a nova Resolução efetivamente significa um passo

adiante na evolução normativa do cooperativismo de crédito brasileiro. Alterar a

classificação das cooperativas de crédito para tratá-las a partir das operações praticadas,

e não mais pelos seus associados, parece ser o grande avanço da norma, pois respeita de

forma inconteste a livre adesão e autonomia das cooperativas em decidir os rumos do

seu quadro associativo. Contudo, caberá às cooperativas bem regrar tal liberdade, afinal,

o fortalecimento dos vínculos e a valorização da identidade cooperativa são essenciais

para o sucesso do empreendimento, como bem destacado no Plano 2020 da ACI.

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Outro aspecto que merece elogios, somado à salutar reorganização dos capitais e

patrimônios, é a efetiva introdução de boas práticas de governança. Bem estabelecer

limites, critérios e competências dos órgãos estatutários das cooperativas, como faz a

nova Resolução com importantes contribuições do Instituto Brasileiro de Governança

Corporativa (IBGC) e da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), por

exemplo, promove um positivo ambiente de gestão, essencial para a sustentabilidade

econômica e social das cooperativas.

No mais, a criação de regras e procedimentos administrativos para o

desligamento de cooperativas singulares das centrais cooperativas e, ainda, para se

promover o cancelamento da autorização de funcionamento destas, sempre com a

necessária prévia fundamentação técnica e legal que a justifique, garantindo o

contraditório e a ampla defesa, são igualmente salutares para a sustentabilidade e o

fortalecimento do quadro legal propostos pela ACI na medida em que estabelecem a

segurança jurídica necessária para o funcionamento e a manutenção das cooperativas de

crédito com a liberdade constitucionalmente garantida.

Contudo, os avanços e aspectos positivos da norma não podem ofuscar as

pontuais críticas trazidas com o presente estudo. A primeira crítica, já trabalhada, é o

privilégio às vinculações sistêmicas no processo de constituição de cooperativas de

crédito. Ainda que se entenda e respeite que o Sistema Cooperativo atual é muito bem

consolidado e administrado pelas grandes centrais cooperativas, o que facilita a

autorregulação sempre incentivada pelo Banco Central do Brasil, criar mecanismos

legais que diferenciem as formas de constituição de uma cooperativa tão somente pela

sua vinculação sistêmica parece ferir os princípios da legalidade e da igualdade, embora

tal reflexão mereça maior aprofundamento.

Uma segunda consideração negativa sobre a Resolução CMN nº 4.434/2015 diz

respeito às omissões que a mesma apresenta sobre outros aspectos de fortalecimento do

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cooperativismo de crédito, aspectos estes muito bem apresentados pela Aliança

Cooperativa Internacional, em 2013, e que poderiam ser considerados na sua

integralidade pela nova Resolução. Como visto, mais uma vez a evolução normativa do

Conselho Monetário Nacional, sempre muito bem executada e fiscalizada pelo Banco

Central do Brasil, privilegiou o fortalecimento da estabilidade financeira das

cooperativas de crédito, o que é plenamente justificado pelos objetivos legais do

Sistema Financeiro Nacional.

Entretanto, e ainda que a nova norma sinalize avanços além dos aspectos

financeiros, como ocorre com o fortalecimento das políticas de governança, é também

dever do Sistema Financeiro Nacional desenvolver em seu quadro legal aspectos

normativos que fortaleçam a participação do associado, seus vínculos e a identidade

cooperativa. O Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil não podem

desconsiderar, por exemplo, o constante esvaziamento das assembleias gerais das

cooperativas atuais, que revelam uma grave crise de identidade e pertencimento pelos

seus cooperados. Tais situações podem colocar em risco a estabilidade futura dos

Sistemas Cooperativos e, por isso, devem ser debatidos com a sociedade na busca de

uma evolução normativa também neste sentido.

Apesar de tudo isso, o momento é de comemoração quanto aos avanços trazidos

pela Resolução CMN nº 4.434/2015. Que as cooperativas saibam aproveitar o aval dado

pelo Sistema Financeiro Nacional para manter com profissionalismo e altruísmo o

sólido e constante crescimento, de forma sustentável, do cooperativismo de crédito no

Brasil.

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