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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 5426 AS CONTRADIÇÕES DA DUPLA CONDIÇÃO ESTRATÉGICA DE ALMEIRIM NA FRONTEIRA DA REGIÃO AMAZÔNICA BRASILEIRA ANA REGINA FERREIRA DA SILVA 1 Resumo: O município de Almeirim, na região Amazônica, possui dupla condição estratégica: está situado na faixa de fronteira brasileira e sedia, no distrito de Munguba, o Complexo Industrial do Jari. É estratégico tanto para a guarda da Nação quanto para o grande capital por suas riquezas minerais. Porém, Munguba possui boa logística urbana e a sede do município apresenta sérios problemas estruturais. Considerando essa complexa realidade, objetivamos analisar a dupla condição estratégica do município e seus possíveis benefícios que remetam a um desenvolvimento capaz de resolver as contradições socioterritoriais da realidade local. Levantamentos bibliográfico, documental e de campo garantiram suporte metodológico a este trabalho. Palavras chaves: Almeirim, fronteira, mineração. Abstract: The municipality of Almeirim city in the Amazon region has dual strategic condition: is situated on the Brazilian border areas and thirst, in Munguba district, Jari Industrial Complex. It is strategic for both the custody of the Nation as for big business for its mineral wealth. But Munguba has good urban logistics and the county seat presents serious structural problems. Given this complex reality, we aimed to analyze the dual strategic condition of the municipality and its possible benefits remitting to a development capable of solving the socio-territorial contradictions of the local reality. Bibliographical lifting, documentary and field surveys guaranteed methodological support to this word. Key words: Almeirim, border, mining. 1. Introdução: O município de Almeirim possui localização privilegiada, pois além de fazer parte da grandiosa biodiversidade amazônica, está situado na faixa de fronteira brasileira e seu subsolo é rico em substâncias minerais. Por um lado, esse ente federativo apresenta condições particulares que o coloca enquanto espaço em situação periférica dadas pela tradicional ideia de fronteira, encarada como sinônimo 1 Acadêmica de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bolsista Capes vinculada ao Projeto Transfronteirizações na América do Sul: dinâmicas territoriais, desenvolvimento regional, integração e defesa nas fronteiras meridional e setentrional do Brasil (Edital CAPES PRÓ-DEFESA). E-mail de contato: [email protected]

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AS CONTRADIÇÕES DA DUPLA CONDIÇÃO ESTRATÉGICA DE

ALMEIRIM NA FRONTEIRA DA REGIÃO AMAZÔNICA BRASILEIRA

ANA REGINA FERREIRA DA SILVA1

Resumo:

O município de Almeirim, na região Amazônica, possui dupla condição estratégica: está

situado na faixa de fronteira brasileira e sedia, no distrito de Munguba, o Complexo Industrial do Jari.

É estratégico tanto para a guarda da Nação quanto para o grande capital por suas riquezas minerais.

Porém, Munguba possui boa logística urbana e a sede do município apresenta sérios problemas

estruturais. Considerando essa complexa realidade, objetivamos analisar a dupla condição

estratégica do município e seus possíveis benefícios que remetam a um desenvolvimento capaz de

resolver as contradições socioterritoriais da realidade local. Levantamentos bibliográfico, documental

e de campo garantiram suporte metodológico a este trabalho.

Palavras chaves: Almeirim, fronteira, mineração.

Abstract:

The municipality of Almeirim city in the Amazon region has dual strategic condition: is situated

on the Brazilian border areas and thirst, in Munguba district, Jari Industrial Complex. It is strategic for

both the custody of the Nation as for big business for its mineral wealth. But Munguba has good urban

logistics and the county seat presents serious structural problems. Given this complex reality, we

aimed to analyze the dual strategic condition of the municipality and its possible benefits remitting to a

development capable of solving the socio-territorial contradictions of the local reality. Bibliographical

lifting, documentary and field surveys guaranteed methodological support to this word.

Key words: Almeirim, border, mining.

1. Introdução:

O município de Almeirim possui localização privilegiada, pois além de fazer

parte da grandiosa biodiversidade amazônica, está situado na faixa de fronteira

brasileira e seu subsolo é rico em substâncias minerais. Por um lado, esse ente

federativo apresenta condições particulares que o coloca enquanto espaço em

situação periférica dadas pela tradicional ideia de fronteira, encarada como sinônimo

1 Acadêmica de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Bolsista Capes vinculada ao Projeto Transfronteirizações na América do Sul: dinâmicas territoriais, desenvolvimento regional, integração e defesa nas fronteiras meridional e setentrional do Brasil (Edital CAPES PRÓ-DEFESA). E-mail de contato: [email protected]

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de lugar distante ou simples limite de demarcação geográfica, e que ganha maior

força quando esse espaço se localiza no extremo norte da fronteira amazônica.

Por outro lado, a fronteira brasileira vem recebendo atenção do governo

federal a partir de uma nova visão de desenvolvimento, que a concebe como espaço

geográfico estratégico em potencial a ser integrado globalmente, a fim de viabilizar

fluxos de várias ordens tendo em vista as ações do capital internacional. Por isso, a

partir do início do século XXI, vários instrumentos institucionais vêm sendo criados, e

outros já existentes reformulados, visando à integração e o combate ao desequilíbrio

regional. De outra forma, a região do Vale do Jari, da qual Almeirim é integrante, foi

descoberta como apta à exploração de empresas mineradoras por possuir solo rico

em substancias minerais, desde a década de 1970 até os dias atuais.

Portanto, o município possui dupla condição estratégica: para o Estado

brasileiro, por sua função na guarda e na segurança da Nação e para o mercado

global por sua aptidão mineral. Porém, agentes municipais públicos declararam que

o município não recebe qualquer prerrogativa dos governos federal e estadual por

ser ente federativo da fronteira brasileira. Já os investimentos privados realizados

no distrito de Munguba em benefício particular aprofundam as contradições

socioeconômicas não apenas internamente ao município de Almeirim como em seu

entorno, na região do Vale do Jarí.

Desse modo, considerando que o município de Almeirim se constitui a base

territorial de uma realidade social complexa e contraditória que expressa uma forma

diferenciada de organização, objetivamos analisar a dupla condição estratégica de

Almeirim para o Estado brasileiro e para o mercado global, identificando os possíveis

benefícios que remetam a um desenvolvimento socioterritorial capaz de resolver as

contradições socioeconômicas da realidade local.

2. Um município estratégico na fronteira brasileira

O Brasil limita-se internacionalmente com nove países da América do Sul e

com um departamento ultramarino francês, a Guiana Francesa. A extensa faixa de

fronteira brasileira é regulamentada pela Lei 6.634, de 02 de maio de 1979 e pelo

Decreto 85.064, de 26 de agosto de 1980, considerando-se um polígono de 150 km

de largura a partir da linha limítrofe do território brasileiro ao longo de 15.719 km de

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fronteira terrestre. São 588 municípios federados territorializados nesta área com

cerca de dez milhões de habitantes. Essa longa extensão territorial estendida de

norte a sul é dividida em três grandes arcos: Arco Norte, Arco Central e Arco Sul

compostos por 172 sub-regiões. É na primeira sub-região, Oiapoque-Tumucumaque,

que se situa o município de Almeirim pertencente ao estado Pará (BRASIL, 2009).

No Pará, cinco municípios são integrantes da faixa de fronteira (Alenquer,

Almeirim, Faro, Óbidos e Oriximiná). Esses municípios, em razão de suas

respectivas localizações, segundo a compreensão do governo federal, exercem

papel na segurança estratégica das fronteiras brasileiras, seja pela presença

humana ou pela instalação de bases de vigilância em seus territórios. Essa é a

primeira, entre outras particularidades, que os difere de outros municípios

brasileiros.

O tema fronteira ganhou ressignificação nas últimas décadas vista não mais

apenas como marco de separação entre diferentes nações ou como sinônimo de

limite que, segundo Machado (1998), é usado para circunscrever uma demarcação

territorial institucional exercida através de acordos diplomáticos entre países, a fim

de fixar normas e regulamentos para resguardar o território nacional, restringindo-o

ao livre transporte entre as diferentes escalas adjacentes à região fronteiriça.

Para Coelho (1992), estudos contemporâneos concebem a fronteira como

espaço aberto à mútua convivência social sujeito a novos acontecimentos, tais como

os processos de cooperação das fronteiras de integração, permeada pelo

dinamismo das relações comerciais, políticas e comunitárias. Ou seja, são espaços

de reprodução das relações de produção na sociedade e compostos por formas e

conteúdos sociais produzidos historicamente nesses lugares, apresentando

múltiplas possibilidades de interação e construção social coletivas, ainda que as

sedes dos entes federados estejam distante umas das outras.

Nesse sentido, o governo brasileiro tem incorporado essa nova concepção

atribuindo à sua faixa de fronteira um olhar com vistas ao desenvolvimento e a

integração regional a partir de duas referencias. A primeira com base na política dos

2 1) Oiapoque-Tumucumaque; 2) Campos do Rio Branco; 3) Parima-Alto Rio Negro; 4) Alto Solimões; 5) Alto Juruá; 6) Vale do

Acre-Purus; 7) Madeira-Mamoré; 8) Fronteira do Guaporé; 9) Chapada dos Parecis; 10) Alto Paraguai; 11) Pantanal; 12) Bodoquena; 13) Dourados; 14) Cone Sul Mato-Grossense; 15) Portal do Paraná; 16) Vales Coloniais Sulinos: 17) Fronteira da Metade Sul do RS (BRASIL, 2005).

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Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (ENID) e a segunda com base no

Programa de Reestruturação da Faixa de Fronteira (PDFF).

3. Estratégias de desenvolvimento e integração regional

O ENID foi lançado como estratégia para o desenvolvimento do País como

produto de estudos que substanciaram o Plano Plurianual 2000-2003 do governo

brasileiro visando, entre outros objetivos, traçar soluções para a redução das

disparidades regionais e sociais. A concepção básica dos Eixos é articular as

diversas regiões do País, e este com os demais países sul-americanos, estimulando

a implementação de redes e fluxos entre as nações adjacentes, a fim de inserir o

Brasil na competitividade do mercado internacional e, também, assegurar sua

liderança em nível regional. Para isso, o Programa de Aceleração do Crescimento

(PAC) viabiliza obras de infraestrutura para garantir fluxos de transporte no território

nacional e, assim, atender às diretrizes estratégicas estabelecidas.

A política Enid encontra complementaridade nas diretrizes da Iniciativa para a

Integração da Infraestrutura Regional Sul Americana (Iirsa), política que objetiva

impulsionar a integração física, política, social e econômica entre os doze países sul-

americanos. No ano de 2009 a Iirsa passou a Conselho Sul-Americano de

Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN), criado pelos Chefes de Estado da

UNASUL3 (RUCKERT; CARNEIRO FILHO, 2015). Sua orientação política é dada

pelos Eixos de Integração e Desenvolvimento (EID), princípios tidos como referência

que convergem em um conjunto de projetos de infraestrutura com vista ao mercado

mundial. Ambas estratégias articulam empreendimentos direcionados à escala

territorial regional/local articulados às escalas nacional e internacional.

O asfaltamento da BR-156 e a construção da ponte binacional sobre o rio

Oiapoque no Amapá, o qual é integrante do Escudo Guyanes4, um dos eixos da

Iirsa, são exemplos da articulação política entre Enid e Iirsa visando à integração

3A UNASUL – União das Nações Sul-Americanas - é uma organização intergovernamental composta pelos doze Estados soberanos da

América do Sul fundada em 2008 sob a perspectiva das diretrizes da integração sul-americana, conjugando o MERCOSUL e a Comunidade Andina de Nações (RUCKERT; CARNEIRO FILHO, 2015).

4O Escudo Guyanés é também o nome da formação geológica mais antiga e estável do planeta, que cobre a maior parte da área do Eixo.

Abrange a região Oriental da Venezuela (Estados Sucre, Anzoátegui, Monagas, Delta, Amacuru e Bolívar), o arco norte do Brasil (estados do Amapá e Roraima) e a totalidade dos territórios da Guiana e Suriname e apresenta uma superfície total de 2.699.000 km² (Iirsa, 2004, p.99).

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das regiões em escala nacional e também transfronteiriça claramente identificados

como parte de um processo que reafirma o interesse de valorização do capital.

4. Desenvolvimento regional para a faixa de fronteira

A segunda referencia do governo brasileiro para o desenvolvimento regional

foi pensada também a partir de estudos com a colaboração da Universidade Federal

do Rio de Janeiro (UFRJ) que culminaram no PDFF, o qual é integrante do

Ministério da Integração Nacional (MI) sob a responsabilidade direta da Secretaria

de Programas Regionais (SPR), que também conta em sua estrutura com o Grupo

de Trabalho Interfederativo (GTI) de Integração Fronteiriça.

O relatório desse estudo mostrou que a concepção de fronteira tendo a

defesa nacional como elemento primordial era adotada a princípio pelo PDFF que

assim impunha limites às relações transfronteiriças. Porém, a análise mostrou que

as ameaças lá existentes são provenientes de situações de miséria, da

vulnerabilidade, do crime organizado e da falta de integração com os povos vizinhos,

distanciando segmentos da população ao exercício da cidadania.

Desse modo, essa frágil situação social “coloca o desenvolvimento regional

como estratégia prioritária para a soberania brasileira e a integração continental”

(BRASIL, 2009, p.5) e apresenta-se como desafio ao governo federal para a

mudança em sua forma de atuação na faixa de fronteira. Nesse sentido, o Estado

brasileiro lançou, notadamente nas últimas décadas, diversos instrumentos

institucionais que visam ao desenvolvimento de ações na região fronteiriça brasileira

visando, para além da soberania e ocupação territorial, encaminhar atividades

prioritárias e propor parceria com os vizinhos sul-americanos.

No campo da segurança, temos: o Plano Estratégico de Fronteiras sob

coordenação do Ministério da Justiça (MJ) e do Ministério da Defesa (MD); o

programa Estratégia Nacional de Fronteira - ENAFRON no âmbito da Secretaria

Nacional de Segurança Pública (SENASP) do MJ; o Sistema Integrado de

Monitoramento das Fronteiras Terrestres (SISFRON) coordenado pelo Exército

brasileiro; A operação Ágata, uma ação conjunta do Exército, Marinha e Aeronáutica

ao encargo do Estado Maior das Forças Armadas (EMCFA) do MD.

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Nessa linha, o Programa Calha Norte (PCN) merece destaque, pois foi criado

no ano de 1985 e dentro de um processo histórico mudou a perspectiva de atuação

exclusivamente do ponto de vista militar, agindo também com vistas à ação civil

(SILVA, 2011). O PCN redimensionou seus objetivos e reorientou suas ações aos

municípios que assiste, com a aplicação de recursos no campo social, como

transporte, economia, esporte, educação, e saúde além de segurança e defesa.

Como atuação direta da Presidência da República, a Comissão Permanente

para o Desenvolvimento e a Integração da Faixa de Fronteira (CDIF), sob

coordenação da subchefia de Assuntos Jurídicos foi instituída no ano de 2010,

(BRASIL, 2011), que entre outras medidas, encaminha a construção do Plano Brasil

Fronteira adotando metas que objetivam promover o desenvolvimento

socioeconômico sustentável da faixa de fronteira, bem como, sua integração cultural

e comercial ao País e aos vizinhos sul-americanos, materializando, no longo prazo,

perspectivas adjacentes aos objetivos da Iirsa/Cosiplan e do Enid.

5. Almeirim e sua territorialidade na faixa de fronteira brasileira

Almeirim (Foto 01) destaca-se por ser o terceiro maior município do estado do

Pará em extensão territorial (72.954, 798 km²), porém, com baixa densidade

demográfica (0,46), considerando que a estimativa da população no ano de 2014 foi

de 33.466 pessoas (BRASIL, 2015). O município faz divisa com seis municípios

paraenses (Óbidos, Alenquer, Monte Alegre, Prainha, Porto de Moz e Gurupá), com

um no Amapá (Laranjal do Jari) e com o Distrito Sipaliwini de Jurisdição Tapahony

no Suriname. Porém, devido a sede do município, situada à margem do rio

Amazonas, posicionar-se em uma distância de mais de 400 km do limite

internacional, não há grande interação com aquele país vizinho.

No município encontram-se grandes extensões de áreas protegidas, pois

quatro unidades de conservação integram seu território: o Parque Nacional

Montanhas de Tumucumaque e a Estação Ecológica do Jari sob jurisdição federal; e

sob jurisdição estadual, a Reserva Biológica Maicuru e a Floresta Estadual do Paru

(SILVA, 2011). Almeirim divide também área territorial, juntamente com outros

municípios paraenses e amapaenses, com as reservas Indígenas Parque do

Tumucumaque, que integra os povos Apalaí, Wayana, Katxuyana, Txikuyana, entre

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outros e Rio Paru D’Este, integrando os povos Apalaí, Wayana. O município possui

quase 80% de sua área territorial sob proteção jurídica5.

Fotografia 1 - CIDADE DE ALMEIRIM - paisagem vista ao se chegar de barco via rio Amazonas, onde se destaca o nome do município grafado na entrada da cidade. Autoria: Ana Regina Silva, 15/03/2011

Na classificação geral dos municípios brasileiros localizados na faixa de

fronteira, Almeirim é um município lindeiro6, pois se limita com o país vizinho, o

Suriname, porém, sua sede está localizada fora da faixa de fronteira. No nível das

interações transfronteiriças é classificado como Zona Tampão (Brasil, 2005).

As áreas denominadas zonas-tampão são definidas como “zonas

estratégicas, onde o Estado central restringe ou interdita o acesso à faixa e à zona

de fronteira” (BRASIL, 2009, p.145) e por isso o governo cria parques naturais

5 Em termos jurídicos, em que pese a importância dessas áreas de proteção para a conservação ambiental e para a cultura

indígena, a questão da legalidade levanta discussões e polêmicas entre estudiosos, ambientalistas, políticos, governantes e a sociedade local sobre a falta de participação social na gestão das terras do próprio município, já que representa um entrave, em sentido amplo, para várias administrações municipais, sobretudo no Pará e no Amapá (SILVA, 2011). 6Os lindeiros são aqueles que: a) seu território faz divisa com o país vizinho e sua sede fica no limite internacional,

apresentando ou não conurbação com uma localidade desse país, a exemplo de cidades gêmeas; b) o território faz divisa com o país vizinho, mas sua sede não se localiza no limite internacional; c) o território faz divisa com o país vizinho, mas sua sede se encontra fora da faixa de fronteira. Os não lindeiros são aqueles que se localizam na retaguarda da faixa, possuindo ou não sede nesta (Brasil, 2005).

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nacionais, unidades de conservação, terras indígenas e outras áreas protegidas,

mesmo que existam relações culturais e de tipo comercial em nível local.

Daí a importância estratégica do município, cujo território tem o privilégio de

conter abundantes riquezas naturais, florestais e minerais, parte do bioma

amazônico e a presença de populações indígenas, que vêm recebendo melhor

atenção governamental para a preservação de suas culturas. São fatores que

convergem para sua definição como zona-tampão e que, portanto, contribuem para

que cumpra seu papel estratégico na vigilância e na defesa da fronteira brasileira.

Entretanto, segundo agentes públicos do município, o conjunto de iniciativas

adotadas pelo governo para a faixa de fronteira não tem chegado à Almeirim:

Eu acho que essa diferença por ser município de fronteira é só no que a gente imagina, porque não vejo nenhuma ação, tanto do governo federal como do governo estadual, que nos diferencie estrategicamente (Pedro Damião, secretário de educação. Entrevista concedida em 15/03/2011). Eu creio que Almeirim não recebe nenhum investimento por ser fronteira, pois eu estou [a par] de toda a arrecadação, das verbas que entram dos programas, e não tem nada sobre isso. Deve ser por falta de conhecimento desses programas todos aí, que a gente não sabe ainda. Agora que eu estou sabendo disso (Antonio Barros, secretário de administração e planejamento. Entrevista concedida em 16/03/2011).

De fato, em levantamento realizado no Portal da Transparência do governo

federal, vimos que até o ano de 2011 o município havia sido assistido, em atenção à

fronteira, apenas pelo Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras, projeto do

Ministério da Saúde que encerrou suas atividades no ano de 2014 (SILVA, 2011).

Porém, essa situação é reforçada pela falta de maior conhecimento dos gestores

municipais sobre as políticas públicas, especialmente as de orientação regional e

específicas à faixa de fronteira.

6. Almeirim e o uso de suas riquezas minerais

Na região do Vale do Jari, no distrito de Munguba, se localiza o Complexo

Industrial do Jari implementado a partir da década de 1970 pelo milionário

americano Daniel Ludwig, objetivando fornecer celulose ao mercado mundial. Após

sucessivos entraves econômicos nos anos 1980 e 1990 o programa foi repassado

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ao grupo ORSA, uma das principais organizações brasileiras no setor de madeira,

celulose, papel e embalagens com atuação também no mercado de produtos

florestais não madeireiros, reunindo a ação integrada das empresas Jari Celulose,

Papel e Embalagens S.A, Orsa Florestal e Ouro Verde Amazônia (SILVA, 2011).

A atividade industrial iniciou com a instalação da Caulim da Amazônia S.A.

(Cadam) em 1978, no distrito de Munguba, porém, a mina do caulim está situada no

Morro do Felipe, no município de Vitória do Jari – AP, descoberta em 1967, cujo

minério é transportado por um mineroduto submerso no rio Jari até a fábrica, para

beneficiamento e exportação (PORTO, 2005). Desse modo, esse espaço atraiu

grandes investimentos infraestruturais, entre os quais, a instalação de company

towns nos distritos de Monte Dourado e Munguba e edificados alojamentos

chamados silvivilas dentro da floresta para alojar os trabalhadores

Houve também grande investimento de logística urbana com a construção de

centros de saúde, termoelétrica, supermercados, escolas, entre outros benefícios

destinados ao atendimento dos trabalhadores do complexo industrial. Entretanto, as

melhorias das transformações ocorridas nesse espaço não foram iguais para todos,

pois o próprio surgimento de cidades como Laranjal do Jari e Vitória do Jarí ocorreu

como consequência da atuação do referido complexo industrial É o que depõe o

chefe de departamento do distrito de Monte Dourado (prefeitura de Almeirim – PA),

que também é morador de Laranjal do Jari:

Quando fizeram o projeto, eles não pensaram o outro lado da coisa. Surgiu Laranjal e Vitória como reflexo negativo do projeto, porque eles não pensaram sobre como fazer uma cidade mais detalhada, mais estruturada. O pessoal vinha, trabalhava na empresa, e quando ela não os queria mais, mandava embora. Como eles não tinham pra onde ir, a alternativa foi fundarem essas duas cidades na beira do rio. Porque não se tinha para onde ir, aqui não podia ficar porque era privado. As casas só eram para quem era funcionário da empresa, então quem não era teria que voltar para casa. (Magnandes Costa Cardoso, chefe do departamento do distrito de Monte Dourado-Prefeitura de Almeirim. Entrevista realizada em 16/03/2011).

Além disso, se Laranjal do Jari e Vitória do Jari surgiram pela necessidade de

sobrevivência das pessoas que não conseguiram emprego no Complexo do Jari, em

Almeirim existe a outra face dessa realidade. A sofisticada logística composta pelas

agrovilas e demais equipamentos urbanos de prestação de serviços construídos em

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Monte Dourado para atendimento público criou uma situação bastante peculiar entre

esse distrito e a sede municipal, que vivem em separado, realidades bem distintas.

Segundo o senhor Pedro Damião, secretário municipal de educação desse

município, em entrevista concedida em 15/03/2011, a situação de Almeirim é atípica,

pois, na prática, trata-se de dois municípios. Ele relatou que em Monte Dourado

existem sempre os melhores serviços prestados em razão dos investimentos das

empresas do Grupo Orsa, apesar de que sua gestão é da prefeitura. Sendo que a

sede do município apresenta sérios problemas socioambientais, infraestrutura

precária, saneamento básico inexistente e outros oriundos da falta de políticas

públicas eficazes para o atendimento da população.

Esse processo não é diferente de outros ocorridos em várias regiões

brasileiras em que a exploração da atividade mineral é permeada por tensões e

conflitos, ainda que o empreendimento ofereça potencial desenvolvimento

socioeconômico ao local onde se instalou. As transformações ocorridas, como no

caso de Almeirim, são de caráter estrutural em amplo sentido, envolvendo migração,

desemprego, urbanização precária, défict habitacional, entre outros. Além do que é

comum os casos de dependência entre o município e as empresas, que, ao

decidirem encerrar suas atividades devido ao esgotamento dos recursos, falência ou

outras causas, deixam o município ainda mais pobre do que quando o encontraram.

7. Considerações finais

Evidenciamos aqui a dupla condição estratégica de Almeirim por sua

localização privilegiada e por suas riquezas naturais do ponto de vista da concepção

do Estado brasileiro e na concepção do capital industrial mineral, respectivamente.

Porém, mesmo que haja, da parte do executivo federal, uma série de instrumentos

institucionais criados e sendo encaminhados em atenção especial aos municípios

situados na faixa de fronteira objetivando combater os desequilíbrios regionais e

sociais, são iniciativas que permanecem longe de prestar a assistência adequada ao

município de Almeirim, conforme se planeja ano após ano.

No outro aspecto, o planejamento das empresas mineradoras para uso e

transformação do espaço do município para atender às demandas do capital, ocorre

considerando apenas suas próprias necessidades de obtenção de lucro. Por isso o

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distrito de Monte Dourado é equipado com melhores serviços de atendimento ao

público, já que deve atender às necessidades do Grupo Orsa. Por isso também que

outros núcleos urbanos foram criados pela própria população excluída na região do

Vale do Jari como forma de resistência e sobrevivência à situação que se desenhou.

Isso quer dizer que entre as promessas de levar desenvolvimento à região,

existe o aprofundamento das desigualdades socioeconômicas, não apenas em

escala regional como também internamente no município de Almeirim,

estabelecendo uma relação contraditória com o planejamento estratégico do

governo federal proposto para garantir a inclusão socioeconômica e a integração

como forma de combate às desigualdades regionais e sociais.

8. Referências bibliográficas

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