As Relações Brasil-Estados Unidos no pensamento político do Barão do Rio Branco

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA

    POLTICA

    Nathlia Henrich

    AS RELAES BRASIL-ESTADOS UNIDOS NO

    PENSAMENTO POLTICO DO BARO DO RIO BRANCO

    Orientador: Prof. Dr. Ricardo Silva

    Florianpolis2010

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA

    POLTICA

    Nathlia Henrich

    AS RELAES BRASIL-ESTADOS UNIDOS NO

    PENSAMENTO POLTICO DO BARO DO RIO BRANCO

    Dissertao submetida ao Programa dePs-Graduao em Sociologia Poltica daUniversidade Federal de Santa Catarina

    para a obteno do Grau de Mestre emSociologia Poltica em 03 de dezembro de2010.

    Orientador: Prof. Dr. Ricardo Silva

    Florianpolis 03 de dezembro de 2010

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    Catalogao na fonte pela Biblioteca Universitria da UniversidadeFederal de Santa Catarina

    H518r Henrich, NathliaAs relaes Brasil-Estados Unidos no pensamento poltico doBaro do Rio Branco [dissertao] / Nathlia Henrich ;orientador, Ricardo Silva. - Florianpolis, SC : 2010. 145 p.: il.Dissertao (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro deFilosofia e Cincias Humanas. Programa de Ps-Graduao em SociologiaPoltica.Inclui referncias1. Sociologia. 2. Americanismos. 3. Relaes exteriores.I. Silva, Ricardo. II. Universidade Federal de SantaCatarina. Programa de Ps-Graduao em Sociologia Poltica.III. Ttulo.CDU 316

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    As relaes Brasil-Estados Unidos no pensamento poltico doBaro do Rio Branco

    Nathlia Henrich

    Esta dissertao foi julgada e aprovada em suaforma final pelo Orientador e pelos demaismembros da Banca Examinadora, composta

    pelos seguintes professores:

    Prof. Dr. Ricardo Silva - Orientador

    Prof. Dr. Tiago Losso - Membro

    Prof. Dr. Christian Lynch - Membro

    Prof. Dr. Ricardo Silva - Coordenador

    FLORIANPOLIS (SANTA CATARINA),03 DEDEZEMBRO DE 2010.

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    Para minha me, com todo amor e com a certezade nunca poder agradecer o suficiente.

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    AGRADECIMENTOS

    A realizao deste trabalho jamais teria sido possvel sem, antes de tudo,o incentivo e o carinho da minha me Dris. Sem o seu apoio constante,no teria me lanado a mais esta etapa da aventura da vida acadmica,nem teria sobrevivido a ela. Ainda no foi inventada a palavra quedimensiona meu amor por ti, mezinha, obrigada, de novo e de novo.Tambm devo agradecimentos a minha famlia, meus tios Jean e Aida,minha v do corao Diva e minha afilhada Laura, pelo carinho, pelaimpressora, pelas incontveis folhas de papel e por todas as refeiesdurante o processo. s minhas amigas da vida inteira, Fernanda Mller,

    Mariana dos Santos, Flvia Romariz, Ariane Debastiani e JliaKoefender, que de diferentes partes do mundo me presenteiam com suaamizade e incentivo. Aos amigos feitos no outro lado do charco e queesto presentes sempre, os Maestros Vernica Alvarez, IsabelInguanzo, Luis Melin, Ilka Tremnio, Gibbran Montero, Karol Calderae Alejandro Belmonte, obrigada pelas lies de espanhol e suasvariaes, de cincia poltica dura, por me lerem inteligentemente e porme fazerem acreditar que era possvel chegar ao fim desta empreitada.Yes, we could! No seria justo deixar de registrar a participao

    importante de minha co-autora e companheira nas longas madrugadas,Audrey.Agradeo profundamente a CAPES, Coordenao de Aperfeioamentode Pessoal de Nvel Superior, pela bolsa que permitiu dedicar-meexclusivamente realizao do mestrado. Claro, devo meu muitoobrigado ao Programa de Ps-Graduao em Sociologia daUniversidade Federal de Santa Catarina e um agradecimento especial aAlbertina e Ftima pela presteza de sempre em atender meusmuitos

    pedidos. Aos professores do programa, que foram fundamentais naminha formao, muitos presentes desde a graduao, que me ensinarame inspiraram a trilhar o caminho nem sempre fcil da pesquisa,especialmente o Prof. Dr. Ary Minella, que me orientou anos atrs naIniciao Cientfica e recentemente na realizao do estgio docncia.Agradeo ao meu orientador, Prof. Dr. Ricardo Silva por acreditar no

    projeto desde o comeo, pela competncia na conduo da orientao,pelo incentivo e, mais que tudo, pelo exemplo. Ao Prof. Dr. YanCarreiro e ao Prof. Dr. Hector Leis, obrigado pela participao na

    banca de qualificao do projeto, pelas sugestes e crticas. Aos meuscolegas de mestrado, que proporcionaram um ambiente rico e com suacompanhia amenizaram tantas horas complicadas, de angstias e

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    dvidas metodolgicas e existenciais especialmente os queridos colegasDenise Nunes, Vernica Korber e Rodrigo Nippes. Obrigada aoscolegas membros do NEPP Ncleo de Estudos sobre o PensamentoPoltico pelas discusses inspiradoras. Agradeo tambm aos meusanfitries no Rio de Janeiro, Renata Sessin e Leonardo Bruno, pelaacolhida e por me mostrarem as belezas da Cidade Maravilhosa. Aindano Rio, meu obrigado aos funcionrios do Arquivo Histrico doItamaraty na pessoa de Rosilene Rigas, pela ateno, pela ajuda paradecifrar as caligrafias complicadas e pelas muitas luvas e mscaras queme deram. E agradeo a Jos Maria da Silva Paranhos, o Baro do RioBranco. Afinal, sem ele no haveria trabalho algum.

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    Sobre qualquer assunto brasileiro, o Baro doRio Branco tem sempre, em alguma gaveta, altima palavra

    Eduardo Prado

    O estudo da histria nacional ocupao dasmais gratas e to absorvente para os que por elese apaixonam, que, s vezes, uma vida inteirase passa, [...] em reunir elementos paratrabalhos em conjunto, que nem sempre nos

    julgamos bastante preparados para empreenderresolutamente ou cuja execuo adiamosseduzidos pelo desejo de novas, mais amplas e

    contnuas pesquisas. Mas durante essa longa,prolixa e paciente preparao, em que asdescobertas pessoais se multiplicam, enchendode encanto o pesquisador, durante o minuciosoinqurito a que procedemos sobre os nossosantecedentes sociais e polticos, vai-seformando em ns, primeiro obscuramente edepois com evidncia e autoridade irrecusveis,a convico da grandeza dos nossos destinos no

    hemisfrio americano.Baro do Rio Branco

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    RESUMO

    A pesquisa procurou apresentar e analisar o pensamento poltico doBaro do Rio Branco no perodo de 1902 a 1912 no que concerne srelaes entre Brasil e Estados Unidos. Os objetivos especficosdefinidos foram, ainda, identificar quais eram as ideias norteadoras da

    poltica externa brasileira desenvolvida por Rio Branco e como seformaram; reconstituir o debate da poca e as diferentes posies acercado tema das relaes Brasil Estados Unidos, atravs da seleo deautores-chave do perodo e anlise de sua correspondncia com RioBranco; apontar posicionamentos do Brasil em situaes especficas em

    alguns dos principais eventos envolvendo os dois pases, como aimplantao da Embaixada brasileira em Washington em 1905, a IIIConferncia Internacional Americana no Rio de Janeiro em 1906 e aConferncia de Haia em 1907. Como parte da preocupao de promoverum estudo das ideias polticas de maneira historicamente orientada ecom uma abordagem contextual, buscou - se estudar as ideias de RioBranco em seu contexto histrico e sociolgico. Para dar conta dosobjetivos arrolados foi feito uso de pesquisa bibliogrfica e documental.A pesquisa bibliogrfica contou principalmente com a coleta de dados

    secundrios. A pesquisa documental foi realizada no Arquivo Histricodo Itamaraty, onde foi analisada a correspondncia de Rio Branco comautores-chave para o tema da americanizao das relaes exteriores doBrasil. Como parte do esforo de contextualizao do pensamento

    poltico do Baro do Rio Branco foi dada especial ateno a charges ecaricaturas publicadas em revistas da poca, por desempenharem funosocial e poltica, mais alm de mera representao grfica, as chargesforam consideradas uma fonte histrica importante. Conclui-se queapesar de sua formao europeia, o Baro do Rio Branco como ministrotomou atitudes na conduo da poltica externa brasileira quedemonstram que sua viso pragmtica do mundo e das relaesinternacionais foi mais forte do que suas simpatias pessoais. Assim, elefoi capaz de reconhecer a mudana que estava ocorrendo no sistema de

    poder internacional e deslocou o eixo diplomtico do Brasil para adireo de Washington, sem que isso, no entanto, significasse totalalinhamento com os Estados Unidos.

    Palavras-chave: Baro do Rio Branco, relaes Brasil-Estados Unidos,americanismo.

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    ABSTRACT

    The research intended to present and analyze the political thought of theBaron of Rio Branco in the period from1902 to 1912 in what concernsthe relationship between Brazil and the United States. The specificobjectives were defined as, to identify what were the guiding ideas ofBrazilian foreign policy developed by Rio Branco and how were theyformed, to reconstruct the debate and the different positions on thesubject of the Brazil - United States relations, through the selection ofkey authors of the period and the analysis of their correspondence withRio Branco, Brazil's point placements in specific situations in some of

    the major events involving the two countries, such as the creation of theBrazilian Embassy in Washington in 1905, the Third InternationalAmerican Conference in Rio de Janeiro in 1906, and the HagueConference in 1907. As part of the concern to promote a historicallyoriented study of political ideas through a contextual approach, wesought to study the ideas of Rio Branco in its historical and sociologicalcontext. To accomplish the goals enrolled, it was made use of

    bibliographic and documentary research. The literature relies mostly onsecondary data collection. The desk research was conducted in the

    Historical Archive of the Foreign Ministry, where we analyzed thecorrelation of Rio Branco with key authors for the issue ofAmericanization of the foreign relations of Brazil. As part ofcontextualization of the political thought of the Baron of Rio Branco,was given particular attention to cartoons and caricatures published inmagazines of the time, from their social and political function, beyondmere imaging, the cartoons were considered an important historicalsource . We conclude that despite his training in Europe, the Baron ofRio Branco as minister took measures concerning Brazilian foreign

    policy that showed that his pragmatic vision of the world andinternational relations was stronger than his personal sympathies. Thushe was able to recognize the change that was occurring in theinternational power system and shifted the diplomatic axis of Brazil tothe direction of Washington, however, that have not meant totalalignment with the United States.

    Keywords: Baron of Rio Branco, Brazil-United States relations,

    Americanism.

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    SUMRIO

    1 INTRODUO ................................................................................ 21

    2 AS BIOGRAFIAS E O MITO ......................................................... 37

    2.1 Verses da mesma histria .......................................................... 38

    2.2 Uma breve biografia ................................................................... 46

    2.2.1 Juca Paranhos ...................................................................... 462.2.2 O Baro do Rio Branco ........................................................ 57

    3 A VOLTA AO BRASIL ................................................................... 67

    3.2 A Era Rio Branco ........................................................................ 83

    3.1.2 O debate sobre a americanizao da poltica externabrasileira .............................................................................. 89

    4 A AMERICANIZAO NA PRTICA ...................................... 101

    4.1 A criao da Embaixada em Washington ................................. 101

    4.2 A III Conferncia Internacional Americana e a visita doSecretrio de Estado norte-americano....................................... 113

    4.3 A II Conferncia da Paz de Haia ............................................... 116

    5 CONSIDERAES FINAIS ........................................................ 131

    6 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ......................................... 135

    6.1 Obras de referncia ................................................................... 135

    6.2 Obras citadas ............................................................................. 136

    ANEXO A - Telegrama de Joaquim Nabuco para Rio Branco.30/07/1902. .................................................................... 143

    ANEXO B - Artigo O perigo Americano, Revista Fon-Fon!......... 145

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: O enterro do Baro ............................................................... 23

    Figura 2: Capa da Revista Careta ......................................................... 24

    Figura 3: Defesa do territrio ............................................................... 24

    Figura 4: Homenagens populares ........................................................ 25

    Figura 5: A Questo do Acre ............................................................... 26

    Figura 6: No banquete de Petrpolis .................................................... 26

    Figura 7: Assinatura de Rio Branco ..................................................... 58

    Figura 8: Tratado de Montevideo ......................................................... 63

    Figura 9: Bom senso............................................................................. 64

    Figura 10: Rio Branco recebendo a Pasta do Exterior do MinistroJ.J. Seabra ........................................................................... 68

    Figura 11: Bismarck ao leme ............................................................... 70

    Figura 12: Consulta a Rui Barbosa. ..................................................... 71

    Figura 13: Pairando sobre a disputa ..................................................... 73

    Figura 14: Nova maturidade ................................................................. 74

    Figura 15: O Baro e o Congresso ....................................................... 75

    Figura 16: Conselhos............................................................................ 77

    Figura 17: O gastador ........................................................................... 78

    Figura 18: Guerra Vaccino-obrigatezza! .............................................. 79

    Figura 19: A brigada do entusiasmo .................................................... 80

    Figura 20: Hspedes ............................................................................. 81

    Figura 21: Os distinctivos .................................................................... 82

    Figura 22: Novos triumphos ................................................................. 83

    Figura 23: Quadros para a histria ....................................................... 85

    Figura 24: Vizinha tarasca ................................................................... 87

    Figura 25: O que se v no horizonte .................................................... 89

    Figura 26: A posteridade nossa ....................................................... 110

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    Figura 27:O amplexo ........................................................................ 119

    Figura 28: O baro em actividade ...................................................... 122

    Figura 29:O eterno Zebrallos ............................................................ 122

    Figura 30: Nas palminhas .................................................................. 123

    Figura 31: Dois amigos ...................................................................... 126

    Figura 32: A grande Armada ............................................................. 127

    Figura 33: Despedida ......................................................................... 128

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    1 INTRODUO

    O Baro do Rio Branco uma das figuras histricas brasileirasmais conhecidas e louvadas. Ele foi o nico Ministro de Estado do pasa permanecer no governo por quatro mandatos presidenciais1, duranteum perodo de quase dez anos ininterruptos. Rio Branco personificava onovo Brasil, republicano e moderno, e no media esforos para exportaresta imagem, projetada por ele nos seus mnimos detalhes. Desde aorganizao interna, o cerimonial e o protocolo at a fachada do Palciodo Itamaraty, sede do Ministrio das Relaes Exteriores, tudo foireformado seguindo as diretrizes do Ministro que queria posicionar oBrasil entre as grandes naes civilizadas. Alm de seus feitosdiplomticos, como a consolidao das fronteiras e a nova feio dada insero internacional do Brasil, que lhe garantiram prestgio interno eexterno, o Baro tornou-se uma figura extremamente popular no pas eatuou como um importante elemento de fomento ao nacionalismo.

    Longe dos gabinetes e das conferncias internacionais, RioBranco foi tema de msicas2e at de um filme3. Ele empresta ainda seu

    nome para ruas, avenidas, praas e escolas espalhadas pelo pas, alm deuma cidade. A capital do Acre, territrio incorporado ao Brasil graas asua atuao como advogado da causa brasileira contra a Bolvia tambmse chama Rio Branco. Alm disso, teve sua imagem estampada comoefgie das cdulas de 5000 ris (a de mais alta quantia em seu tempo) ede 1000 cruzeiros. Um baro acabou se cristalizando como sinnimode mil cruzeiros, expresso utilizada at os dias atuais, mesmo com a

    1De 1902 a 1912 participou dos governos de Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peanha eHermes da Fonseca.2Msica composta por ocasio da morte de Rio Branco em 1912: O Brasil inteiro chora/Deluto est o pavilho/Com a morte inesperada/Do eminente baro. Dorme, meu grande RioBranco/O sono da eternidade/Que tu foste da tua Ptria/O heri da liberdade A morte do RioBranco/No foi s para os brasileiro/Foi sentida no universo/E choram os estrangeiros Dorme,meu grande Rio Branco... O Baro do Rio Branco/Homem sempre imorta/Conquistou maisterritrios/Para a bandeira nacional Dorme, meu grande Rio Branco...Todo brasileirohonrado/Os olhos enche de pranto/Quando tem recordao/Do nome do Rio Branco Dorme,meu grande Rio Branco... Disponvel em: . Acesso em: 3 dez. 2007.3A vida do baro do Rio Branco, do DiretorAlberto Botelho e escrito porJos do PatrocnioFilho, foi lanado em 13 de Maio de 1912. Mais informaes disponveis em:. Acesso em: 3 dez 2007.

    http://www.imdb.com/name/nm0098427/http://www.imdb.com/name/nm1211154/http://www.imdb.com/name/nm1211154/http://www.imdb.com/name/nm1211154/http://www.imdb.com/name/nm1211154/http://www.imdb.com/name/nm0098427/
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    troca da moeda. Ainda hoje Rio Branco aparece nas moedas decinquenta centavos.

    A Avenida Rio Branco, uma das principais do Rio de Janeiro esmbolo da Reforma Pereira Passos, que visava modernizar a capital, foirebatizada com seu nome no mesmo ms do seu falecimento, em 1912.O Baro foi inclusive o personagem principal de um fato curioso eindito ocorrido na cidade do Rio de Janeiro, ento capital federal, e qued ideia da importncia de sua figura naquele momento. O ano de suamorte foi o nico da histria em que o Rio teve dois carnavais. Seufalecimento ocorreu em 12 de fevereiro e, em respeito a ele, a festaoficial sofreu uma alterao e foi adiada. Nem todos obedeceram aoadiamento e o resultado final que a cidade teve dois carnavais, o que o

    fez tema de uma marchinha que ficou famosa4

    : Com a morte do Baro /Tivemos dois carnav / Ai que bom, ai que gostoso! / Se morresse omarech.

    Nem s de manifestaes bem humoradas foi feita a ocasio. Oenterro foi um evento sem precedentes no Brasil. Carvalho (1995, p.277) estima em 300.000 pessoas o pblico que acudiu, alm da presenado Chefe de Estado, de todo o Ministrio e do Corpo Diplomtico.Tendo em vista a populao de 1.266.4815pessoas do estado do Rio deJaneiro, ainda que haja uma margem de erro considervel para o pblico

    presente, o comparecimento massivo da populao ao funeral d umamostra da popularidade de Rio Branco, como mostra a Figura 1. Acomoo alcanou tambm a imprensa. A Revista Fon-Fon!, de 17 defevereiro de 1912, dedicou um suplemente especial6de 16 pginas a RioBranco, que acompanhava a edio de carnaval; a Careta7 do mesmodia, destinou 22 das suas 51 pginas a uma homenagem e cobertura dofuneral.

    4Disponvel em: . Acessoem: 14 mai. 2008.5 Segundo dados por estado do censo de 1910, disponveis em:. Acesso em: 10 mai. 2010.6 Um comunicado na Revista esclarece que, dada a dvida se haveria ou no carnaval, foilanado o tradicional nmero de carnaval e acrescentou-se um suplemento especialmentededicado a Rio Branco, que pode ser acessado na ntegra em:

    . Acesso em: 15 mai. 2008.7A edio da Revista Careta pode ser acessada em: . Acesso em: 15 mai. 2008.

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    Figura 1: O enterro do BaroFonte:Revista Fon-Fon!,17/02/1912. Biblioteca Nacional.

    Em vida, Rio Branco tambm ocupou bastante espao naimprensa. Foi, no seu tempo, das figuras mais representadas emcaricaturas e charges de jornais e revistas, no mesmo patamar de D.

    Pedro II e, posteriormente, Getlio Vargas. Lima (1963, p. 293) chega aafirmar que ele foi o homem de governo do qual mais se ocupou emtodos os tempos a caricatura no Brasil. Este tipo de manifestao foiutilizada pela imprensa com fins diversos, para aplaudir, homenagear,criticar ou apenas fazer graa.

    A Figura 2 mostra o Baro na capa da Revista Careta, j nosegundo nmero da publicao, uma prova da importncia de quegozava poca.

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    Figura 2: Capa da Revista Careta, por J. CarlosFonte: Careta, 13/06/1908. Biblioteca Nacional.

    Na Figura 3, ele aparece como o marco que demarcava asfronteiras nacionais, em uma postura inflexvel, dando a impresso defora e remetendo ideia de invulnerabilidade do territrio.

    O marco das nossas fronteiras

    Figura 3: Defesa do territrio, por K. LixtoFonte:Fon-Fon!, 24/02/1912 em LIMA, 1963, p. 307.

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    A Figura 4 traz a homenagem do cartunista Raul pelo aniversriodo ministro, em 1909. interessante notar que o artista assina os versoscomo ns todos, demonstrando o seu alto nvel de aprovao.

    Justo que desde agora o lpis pinteE aplauda a festa que se concebeuEm honra a quem nasceu no dia vinteE deu no vinte desde que nasceu

    Ns todos.

    Figura 4: Homenagens populares, por RaulFonte: Revista da Semana, 20/05/1909 em CARVALHO, 1995, p. 215.

    A Figura 5 apresenta a difcil situao que o ministro enfrentava poca da Questo do Acre. Tentando equilibrar o peso do exrcito e doAcre, a legenda mostra Rio Branco pedindo a ajuda de Rui Barbosa pararesolver o problema.

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    O Baro: Seu Rui, acuda!

    Figura 5: A Questo do Acre, por Crispim do AmaralFonte:A Avenida, 22/08/1903 em LIMA, 1963, p. 300.

    Finalmente, a Figura 6 mostra um dos motes preferidos e maisrecorrentes dos cartunistas para fazer humor: o fsico do Baro.

    Figura 6: No banquete de Petrpolis, por KlixtoFonte:Fon-Fon!, 14/03/1908. Biblioteca Nacional.

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    No mbito diplomtico, Rio Branco ainda mais cultuado etornou-se um verdadeiro mito fundador, sendo nomeado o patrono dadiplomacia brasileira. Almeida (1996, p.1) afirma que o Baro do RioBranco , incontestavelmente, um dos founding Fathers da modernadiplomacia nacional. O Instituto que forma os diplomatas do pas levaseu nome justamente porque, segundo o site oficial do Instituto: oBaro do Rio Branco personaliza a tradio de excelncia dos servios

    prestados ao pas pelo Ministrio das Relaes Exteriores8. Na data deseu aniversrio (20 de abril) comemorado no pas o dia do diplomata,quando em cerimnia so entregues as insgnias da Ordem de RioBranco, uma das mais altas condecoraes concedidas pela Repblicaqueles que por qualquer motivo ou benemerncia, se tenham tornado

    merecedores do reconhecimento do Governo9

    . E ainda hoje, naabertura das reunies do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro IHGB, do qual o Baro foi scio durante 45 anos e presidente de 1907 a1912, os trabalhos so iniciados apenas aps a leitura das EfemridesBrasileiras10(GARCIA, 1999).

    Entretanto, a despeito de tamanha importncia histrica e poltica,o Baro do Rio Branco foi alvo de poucos estudos acadmicos quetivessem preocupao em fazer uma anlise distanciada e embasada desua vida e obra. Abundam, por certo, biografias, quase todas exaltando

    seus feitos e sua personalidade, contribuindo para a mitificao de RioBranco. Mas, em sua maioria esto longe de constituir estudoscomprometidos com a busca de uma dimenso real das contribuies edo papel desempenhado por ele para o Brasil.

    Neste sentido, este trabalho objetiva contribuir para suprir estalacuna ao trazer luz um dos temas mais importantes dentro da atuao

    poltica de Rio Branco, a saber, a questo da aproximao do Brasil comos Estados Unidos. Esta reorientao da poltica externa brasileira

    promovida pelo Ministro foi uma das marcas da sua administrao egerou um intenso debate, razo pela qual foi eleito entre tantos outrostemas que poderiam ser trabalhados. O tema permite problematizar aimagem de unanimidade atrelada a Rio Branco e fornece elementos para

    8Disponvel em: . Acesso em: 25 nov. 2007.9A Ordem de Rio Branco foi instituda pelo Presidente Joo Goulart, no Decreto n. 51.697,de 5 de fevereiro de 1963. Disponvel em: .Acesso em: 25 nov. 2007.10

    Obra em que o Baro do Rio Branco apresenta a cada dia do ano um importanteacontecimento histrico do Brasil, a partir de 1891 publicada atravs de artigos no Jornal doBrasil, depois transformada em livro.

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    construo de um panorama para anlise do seu pensamento poltico, apartir de temas como sua ideia de Brasil, soberania, inserointernacional, resoluo de conflitos, segurana e ordem internacional,americanismo, monroismo, defesa nacional e militarismo, entre outras.

    Uma das preocupaes do trabalho a reconstituio o mais fielpossvel dos debates em torno do tema das relaes Brasil-EstadosUnidos, a fim de demonstrar que vrias posies tomadas pelo entoMinistro das Relaes Exteriores, foram, sim, alvo de crticas e geraram

    polmicas. Desse modo, a realizao deste trabalho justifica-sejustamente por representar uma tentativa de anlise livre de ufanismos epr-noes, comprometida com o rigor histrico e metodolgico, deuma personagem fundamental para a afirmao do Brasil como ator no

    plano externo e para a construo de sua imagem internacional. Uma dasmarcas de sua gesto foi a consolidao das relaes do Brasil com osEstados Unidos, que o tpico que esta trabalho prope-se a analisarmais detidamente. A aproximao com Washington realizada por RioBranco consolidou o padro que seria seguido por seus sucessores nasrelaes com os Estados Unidos ao longo do sculo XX. Pode-seafirmar que esta foi a vertente norteadora da poltica externa brasileiraneste sculo e da seu significado fundamental11.

    A hiptese inicial que norteia a pesquisa a de que as diretrizes

    da poltica externa na chamada Era Rio Branco (1902-1912) para asrelaes entre Brasil e Estados Unidos foram afetadas pelas vises demundo, formao e trajetria poltico-intelectual de Rio Branco, porm,no foram determinantes da sua conduta frente do Ministrio dasRelaes Exteriores. Apesar de sua slida formao europesta, RioBranco era tambm um pragmtico que reconhecia as mudanasocorridas na geopoltica mundial e suas aes consistiam em umatentativa de equilibrar simpatias e aspiraes pessoais com o aguadosentido da realidade que possua. Trabalha-se ainda com a ideia de queas posies tomadas pelo Ministro no deixaram de ser contestadas eforam influenciadas pelo debate gerado no contexto histrico eintelectual do qual fazia parte.

    O objetivo geral da pesquisa apresentar e analisar o pensamentopoltico do Baro do Rio Branco no perodo de 1902 a 1912 no queconcerne s relaes entre Brasil e Estados Unidos. Os objetivosespecficos definidos so, ainda, identificar quais eram as ideiasnorteadoras da poltica externa brasileira desenvolvida por Rio Branco;

    11Para mais anlises sobre o legado do Baro do Rio Branco para a diplomacia brasileira e paraas relaes Brasil-Estados Unidos ver ALMEIDA, 1996; LIMA, 2006; GANZERT, 1942.

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    reconstituir o debate da poca e as diferentes posies acerca do temadas relaes Brasil Estados Unidos atravs da seleo de autores-chave do perodo e anlise de sua correspondncia com Rio Branco;apontar posicionamentos do Brasil em situaes especficas em algunsdos principais eventos envolvendo os dois pases, ressaltando aatuao/orientao do Baro na circunstncia, como a implantao daEmbaixada brasileira em Washington em 1905, a III ConfernciaInternacional Americana no Rio de Janeiro em 1906 e a Conferncia deHaia em 1907.

    Apesar do tema abordado, a perspectiva adotada para a pesquisano pode ser considerada como a tradicionalmente identificada com adas Relaes Internacionais, como disciplina preocupada com o estudo

    da poltica externa brasileira, nem da histria diplomtica ou mesmo dahistria das relaes internacionais do Brasil. O foco do trabalho oestudo do pensamento poltico do Baro do Rio Branco e como o temadas relaes Brasil-Estados Unidos aparece inserido neste.

    Como parte da preocupao de promover um estudo das ideiaspolticas de maneira historicamente orientada e com uma abordagemcontextual, busca - se estudar as ideias em seu contexto sociolgico, doqual o contexto intelectual parte constitutiva, de forma a tentar retornara este contexto intelectual no qual as obras so escritas e onde o debate

    entre o autor estudado e seus contemporneos tem lugar. Neste sentido,h uma aproximao com postulados do Contextualismo Lingstico,tambm conhecido como Escola de Cambridge de histria do

    pensamento poltico, da qual autores como John Dunn, J.G.A. Pocock eQuentin Skinner so expoentes.

    O pressuposto bsico desta Escola foi o de rechaar asinterpretaes meramente filosficas das ideias polticas, expresso namxima de Peter Laslett (1956, p.vii apud SILVA, 2010, p.3): afilosofia poltica esta morta. Segundo Silva (2010, p.5), o prprioLaslett, em sua introduo da clebre edio de Dois Tratados sobre ogoverno (1960, p.4apud SILVA 2010, p.3), de John Locke, j apontavapara um procedimento contextualista, ao afirmar que nosso primeiropropsito deve ser um modesto exerccio de historiadorestabelecer ostextos de Locke como ele gostaria que fossem lidos, fix-los em seucontexto histrico, no prprio contexto de Locke. De fato, ao longo dadcada de 50 a abordagem contextualista j foi colocada em prtica,

    porm, foi apenas a partir da dcada seguinte que surgiram as

    contribuies mais explcitas de suas formulaes tericas emetodolgicas. John Pocock publicou em 1962 o artigo The history ofpolitical thought: a methodological enquiry, no qual denuncia a

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    tendncia de transformao da histria do pensamento poltico emfilosofia e aponta para a necessidade de resgate da histria do

    pensamento poltico. Em 1968, John Dunn retoma esta preocupao emThe identity of the history of ideas (republicado em 1980), ondeexpressa sua viso sobre o pensamento poltico. Este, para Dunn,constitui uma ao lingustica contextualizada, ou seja, ocorre em umcontexto que simultaneamente restringe e capacita a ao dosindivduos, da a necessidade de reconstituio do contexto lingusticoser considerado um desdobramento lgico de seu ponto de partidaterico-metodolgico. (SILVA, 2010, p.4).

    Foi, entretanto, Quentin Skinner quem deu a maior contribuiopara a sistematizao da metodologia do que genericamente12

    chamado de Escola de Cambridge. Em 1966, em The limits of historicalexplanation, o autor j comeava a criticar um dos alvos de estudopreferido dos historiadores de Cambridge: as grandes ideias e autores,tomados de forma desvinculada de seus contextos e partindo dasuposio de uma coerncia interna inerente e permanente, bem comorepudiava a construo de narrativas que explicavam as grandes ideiasdestes grandes autores pela influncia recebida de outras grandesideias de outros grandes autores. (SILVA, 2010, p.5).

    Em trabalho posterior,Meaning and understanding in the history

    of ideas (1969), Skinner foi ainda mais incisivo no tom de suas criticass diferentes abordagens da histria das ideias, com o claro intuito derefut-las. O textualismo foi a abordagem mais fortemente atacada,especialmente na sua ideia central, de que o texto teria autonomia emrelao ao contexto em que produzido, o que embasaria o pressupostode que determinados textos, os grandes, teriam um contedoatemporal e este sim seria digno do interesse histrico. Assim, otextualismo levaria mais a criao de mitologias do que de histria

    propriamente dita. Skinner demonstra-se radicalmente contra estapostura e procura um outro caminho em As fundaes do pensamentopoltico modernopara apresentar um quadro geral dos principais textosdo pensamento poltico entre o fim da Idade Mdia e o incio da EraModerna. No prefcio da obra, Skinner (1996, p.10) adverte para adivergncia de seu mtodo e aquele da histria das ideias tradicional edeclara sua disposio em romper com os trabalhos anteriores querealizaram esta tarefa a partir essencialmente do exame dos textosclssicos. Ao contrrio, ele procura no se concentrar to

    12No cabe aqui explorar as diferenas importantes entre os autores mencionados, fica apenasa ressalva de que nem sempre suas ideias podem ser tomadas como um todo homogneo.

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    exclusivamente nos maiores tericos, preferindo enfocar a matriz maisampla, social e intelectual, de que nasceram suas obras. Isto porqueconsidera:

    Igualmente essencial levar em conta o contextointelectual em que foram concebidos os principaistextos o contexto das obras anteriores e dosaxiomas herdados a propsito da sociedade

    poltica, bem como o contexto das contribuiesmais efmeras da mesma poca ao pensamentosocial e poltico. (1996, p.10-11).

    Dada a natureza do seu objeto, esta pesquisa encontra respaldo na

    abordagem contextualista, ao buscar analisar de forma historicamenteorientada as ideias polticas do Baro do Rio Branco. Embora tenha sidouma figura histrica importante para o Brasil, Rio Branco no costumaser considerado um pensador poltico no sentido mais estrito dotermo, mas um hbil homem de Estado, um historiador dedicado e umnegociador infalvel. Mais do que tudo sua obra poltica - e seusignificado - foi mitificada e entendida como portadora da tal infalvelcoerncia interna de que trata Skinner. A anlise realizada das obras

    biogrficas sobre Rio Branco representa um claro exemplo de como foiocorrendo a construo do mito do Baro em diferentes contextos e,inclusive com objetivos distintos, mas com o mesmo resultado final, ode apresentar um personagem dotado de perfeita coerncia em seus

    pensamentos e atos, predestinado desde a tenra infncia a trilhar umcaminho fadado ao sucesso, sem dvidas, sem hesitaes e, acima detudo, sem falhas de qualquer natureza. Este esforo de criao apareceespecialmente quando os autores omitem deliberadamente passagensno to lisonjeiras da vida do biografado ou tentam dar-lhes

    interpretaes distorcidas, porm favorveis e condizentes com aimagem que est sendo forjada. Este , por exemplo, o caso da suarelao e posterior casamento com uma atriz, obviamente mal recebidona poca e condenado por sua famlia, simplesmente ignorado em vrias

    biografias consultadas13. na tentativa de questionar essa interpretao do senso comum

    e de algumas obras, que atribuem a Rio Branco o status de um dosgrandes (seja poltico, pensador ou historiador) e conferir-lhe esta aurade infalibilidade, que se pretende nortear a pesquisa. Tambm a partir da

    13Para uma anlise de algumas das biografias sobre o Baro do Rio Branco, ver HENRICH,2008.

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    reconstituio contextual ser possvel apreender as influncias sobre aobra de Rio Branco. Teria sido ele realmente um mero continuador da

    poltica externa do Imprio, to marcada pela atuao de seu pai? Entocomo se explica a ruptura brutal com o esquema adotado at ento, derelaes preferenciais com a Europa, em detrimento da aproximaocom uma potncia nascente e sem os mesmos laos histrico-culturaiscompartidos, como era o caso dos Estados Unidos? Para tratar destetema, e ainda seguindo Skinner, buscar-se- a mobilizao daquelesautores menores, mas que estavam inseridos no debate da poca deforma relevante, podendo inclusive ter tido sua importncia reduzidaapenas com o passar do tempo (inclusive por fatores alheios a suagenuna contribuio para o debate intelectual com seus

    contemporneos). A importncia da reconstituio do debate eidentificao das posies mais relevantes adotadas sobre este assuntoest no suporte que significa para o entendimento da motivao de RioBranco em aproximar-se da grande irm do norte. Finalmente,mapeado o seu campo de ao e contexto em que se desenrolava,

    possvel analisar seu pensamento poltico, no como um todo coerente eimutvel, mas como um conjunto de ideias concebidas, que faziam partedo seu projeto de pas e que pode ser observado a partir de sua atuao

    poltica.

    Para dar conta dos objetivos arrolados foi feito uso de pesquisabibliogrfica e documental. A pesquisa bibliogrfica contouprincipalmente com a coleta de dados secundrios, divididos em cincoblocos: obras sobre pensamento poltico e histria das ideias, sejam asde cunho metodolgico, especialmente aquelas ligadas abordagem dacontextualista, sejam textos com estudos substantivos sobre outrostemas em que haja a aplicao da referida metodologia; biografias doBaro do Rio Branco e trabalhos que analisam sua vida e obra em algumtema especfico; obras que tratam do contexto histrico, dando nfasequelas que cobrem a poltica externa brasileira no perodo de 1902 a1912; obras de anlise das relaes Brasil-Estados Unidos,especialmente as que abordam o perodo mencionado, bem como sobreos conceitos de pan-americanismo, monroismo e americanismo e umquinto bloco composto pelas obras do prprio Baro do Rio Branco,entre elas as compilaes de seus discursos, artigos e correspondncias

    publicadas.A pesquisa documental foi realizada no Arquivo Histrico do

    Itamaraty, onde est depositado o arquivo pessoal do Baro do RioBranco. Nele foram pesquisadas as sries de correspondncias,discursos e recortes de jornais. Trabalhou-se principalmente com a

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    correspondncia pessoal do Baro por entender-se que acorrespondncia oficial j foi amplamente analisada e com o objetivo deapreender nuances no vistas em documentos de cunho oficial, comosuas reflexes e tomadas de posio mais contundentes sobre os temasde interesse da pesquisa. Para a pesquisa sobre temas pontuais foramconsultados ainda os arquivos pessoais de Joaquim Nabuco e QuintinoBocaiva, depositados na mesma instituio e os arquivos da Legao -e posteriormente Embaixada - brasileira em Washington.

    Para a seleo dos documentos observou-se dois critrios: aimportncia dos interlocutores de Rio Branco para a temtica e acoincidncia de data correspondncia com acontecimentos consideradoschave para o tema, como a criao da Embaixada brasileira em

    Washington (1905), a III Conferncia Internacional Americana do Riode Janeiro (1906) e a Conferncia de Paz de Haia (1907). Destecruzamento de critrios, foram selecionadas cartas e telegramas quetinham como remetente ou destinatrio Eduardo Prado, amigo pessoalde Rio Branco, crtico da postura norte americana e autor do censuradoA iluso americana, Joaquim Nabuco, escolhido o primeiroembaixador brasileiro nos Estados Unidos e entusiasta da aproximao,Rui Barbosa, representante do Brasil na Conferncia de Haia e OliveiraLima, diplomata e historiador, um dos poucos crticos, ao menos de

    forma pblica, do Baro e um dos maiores opositores da poltica de RioBranco para com os Estados Unidos. Tambm foram analisadosdiscursos proferidos pelo Baro em situaes (ou para pblicos)consideradas relevantes para o objeto da pesquisa e recortes de jornais erevistas nacionais e estrangeiros selecionados por Rio Branco e porJoaquim Nabuco sobre o Brasil nos Estados Unidos, sobre aConferncia do Rio de Janeiro e acerca do monroismo e do panamericanismo.

    Finalmente, foi dada especial ateno a charges e caricaturas14publicadas em revistas da poca, como Careta, O Malho, Revista daSemana, Fon-Fon!, Semana Ilustrada, A larva, A avenida. Pordesempenharem funo social e poltica, mais alm de merarepresentao grfica, as charges foram consideradas uma fonte

    14H uma distino conceitual entre caricatura e charge. A primeira uma imagem em que secarregam os traos mais evidentes e destacados de um fato ou pessoa, principalmente seus

    defeitos, com a finalidade de levar ao riso, enquanto a segunda uma representaohumorstica, caricatural e de carter poltico, satirizando um fato especfico, herdeira dacaricatura. (MIANI, 2001, p. 3). Para os fins deste trabalho e baseado nesta definio foramutilizadas ambas.

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    histrica importante para reconstituio do contexto15. Afinal, cadapoca e cada povo possui seu prprio e especfico sentido de humor ecmico. (PROPP, 1992, p. 32 apud NOGUEIRA, 2003, p. 2). Destaforma, o uso desta material como fonte vai ao encontro da perspectivacontextualista do trabalho, especialmente na ideia de que os atos de falaso marcados por um contexto lingustico, que tenta reconstituir-seatravs das charges e caricaturas. (POCOCK, 2003). Para este fim, foiutilizado o Acervo Digital16 da Biblioteca Nacional para pesquisa dos

    peridicos. Em alguns casos h tambm o uso de caricaturas e imagenspublicadas em peridicos a que no se teve acesso, mas que estoreproduzidas em outras obras.

    No captulo 1 apresenta-se a biografia do Baro do Rio Branco,

    em um esforo para contextualizar o personagem em seu entornohistrico e intelectual de formao. Procura-se ainda apresentar comodiferentes bigrafos trataram as mesmas passagens da vida de RioBranco e demonstrar o papel importante das biografias na construo daimagem do Baro. a partir do cotejo destas fontes e de um esforo dedepurao que traado um esboo de retrato do futuro Baro eanalisada a influncia deste perodo na sua atuao futura. A exposioabrange dois grandes perodos. O primeiro aborda a juventude, com osestudos iniciais, a faculdade de Direito e a entrada na poltica nacional, o

    primeiro contato com as questes de poltica internacional e suaposterior incorporao carreira diplomtica e partida para o exterior. Osegundo inicia com o recebimento do ttulo de baro, o envolvimentonas questes de fronteiras, as vitrias diplomticas e o convite paraassumir o Ministrio do Estrangeiro.

    O captulo 2 comea com a aceitao do cargo de Ministro,abordando a questo do monarquismo de Rio Branco e sua relutnciaem aderir ao novo regime. Busca tambm tratar de questes como acontinuidade da poltica exterior do Brasil e a herana do Visconde deRio Branco, para entrar no tema das relaes Brasil-EUA e a mudanade orientao realizada por Rio Branco. Aqui apresentado maisdetalhadamente o contexto em que se d esta transformao, onde searticulam o incio da Era republicana, a Belle poque brasileira e seu

    projeto de modernizao, onde se insere o projeto exterior de Rio

    15Para mais sobre a charge como fonte, ver NOGUEIRA, 2003; MIANI, 2001 e FONSECA,1999. Sobre a histria da caricatura no Brasil e um captulo especial sobre Rio Branco, ver

    LIMA, 1963.16Todas as imagens do Acervo Digital da Biblioteca Nacional possuem uma espcie de marcadgua com a logo da instituio, motivo pelo qual algumas imagens podem apresentar certafalta de nitidez na sua reproduo.

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    Branco para levar o Brasil para o rol das grandes naes, e se buscareproduzir o debate intelectual gerado e so identificados os prs e oscontras a americanizao das relaes internacionais do Brasil.

    O captulo 3 apresenta uma descrio e anlise mais aprofundadadaqueles que so considerados os pontos de inflexo na poltica exteriordo Brasil com relao aos Estados Unidos: a criao da Embaixada

    brasileira em Washington (1905), a III Conferncia InternacionalAmericana do Rio de Janeiro (1906) e a Conferncia de Paz de Haia(1907). O intuito utilizar a atuao de Rio Branco nestes eventos comoindicadores atravs dos quais expressava seu pensamento poltico.

    O captulo 4 traz as consideraes finais sobre a pesquisa, onde seconclui que a hiptese inicial de que Rio Branco logrou superar a viso

    de mundo eurocntrica que possua devido a sua formao na conduoda poltica externa brasileira se corrobora. A despeito de suas simpatiaspessoais pelo velho continente e o ideal de civilizao que representavapara ele, pragmaticamente percebeu a mudana no eixo de poder dosistema internacional e promoveu uma aproximao do Brasil com a

    potncia nascente, os Estados Unidos. Entretanto, esta poltica deaproximao no significou total alinhamento e fica claro que RioBranco tentou equilibrar elementos de sua formao e viso de mundocom a realidade que se impunha no momento.

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    2 AS BIOGRAFIAS E O MITO

    O Baro do Rio Branco um dos personagens histricosbrasileiros que desfrutaram de maior prestgio e popularidade em suapoca e foi envolto em uma aura de infalibilidade inquestionvel que

    perdura at os dias atuais em muitas esferas. A profuso de ttulos17 ehomenagens a Jos Maria da Silva Paranhos Jnior prova daimportncia crescente que foi adquirindo j no final do SegundoReinadopor conta das vitrias diplomticas em questes de fronteiras

    mas, mais ainda na nascente Repblica, onde se manteria por quasedez anos ininterruptos frente do Ministrio das Relaes Exteriores.Por esta atuao lembrado at hoje e foi transformado em Patrono daDiplomacia Brasileira, o que s fez aumentar o culto a uma imagemquase mtica de sucesso e patriotismo.

    As biografias escritas18sobre Rio Branco tm papel fundamentalna construo desta imagem irrepreensvel de heri nacional, sejaatravs da publicao de livros encomendados e da edio de coleescom um claro carter laudatrio, bem como da omisso de fatos menos

    prestigiosos da vida do biografado e do realce daqueles maiscondizentes com a figura do grande Chanceler. Conforme ressaltaCristina Patriota de Moura (2000, p. 82), as biografias no podem servistas fora de um processo mais amplo de inveno de tradies. Osimbolismo contido na escolha das datas de lanamento19das obras, porexemplo, expressa como as biografias fazem parte de um processo deconsolidao do nome de Rio Branco entre os grandes heris nacionais.

    Neste sentido, fazem parte ainda as medidas governamentais, tomadas,

    17 Em 1883 recebe o ttulo de Conselheiro, pelo trabalho como representante do Impriobrasileiro na Feira de So Petesburgo, em 1888 feito Baro e em 1900 recebe o ttulo deBenemrito, um prmio em dinheiro e uma penso vitalcia pelas vitrias nas Misses e doAmap.18 Para uma reflexo sobre a possibilidade de escrever-se a vida de um indivduo, sobre ailuso biogrfica e a necessidade de reconstruo da superfcie social dos indivduos

    biografados, conforme Bourdieu, ver LEVI, 1998.19

    Em 1945, ano do centenrio de nascimento de Rio Branco, so lanadas as biografias deAlvaro Lins, Jarbas Maranho, Afonso de Carvalho e, no ano seguinte, de Renato SnecaFleury. Na comemorao do sesquicentenrio so relanadas as obras de Alvaro Lins e LuisViana Filho.

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    sobretudo, a partir de 194520, e que podem ser consideradas comoelementos fundantes da tradio Rio Branco.

    Como existe um nmero bastante grande de biografias sobre oBaro, para os fins desta anlise preliminar foram selecionadas apenasquatro. No decorrer do trabalho so utilizadas ainda mais obras.

    possvel traar um paralelo entre as observaes de Schwarcz (2006, p.22) sobre a vasta bibliografia existente sobre D. Pedro II e aquela sobreRio Branco, pois em diversos momentos difcil saber onde comea ahistria e onde termina o mito, o que leva necessidade de driblar a

    bibliografia. Os textos muitas vezes, assim como fazem com oImperador, ao tratar do Baro trazem uma iconografia poltica que seconstri por meio da histria, que lembra um pouco e esquece muito,

    guarda certas imagens na memria e apaga outras. (Schwarcz, 2006,p.22). Ao longo do tempo, estes textos biogrficos sofreram importantesmodificaes, tanto de estilo, quanto de contedo, demonstrando que ocontexto de produo das obras elemento relevante para sua anlise. Oobjetivo no fazer um relato exaustivo da vida de Rio Branco,inclusive porque j existem diversos trabalhos dedicadosexclusivamente a isso, mas apresentar um panorama do seu contexto deformao. Em um primeiro momento so apresentadas algumas destasobras biogrficas, o contexto de sua elaborao e a abordagem que

    trazem, no sentido de ilustrar as dificuldades em fazer mesmo estepanorama mais geral quando a vida em questo a de um personagemcomo Rio Branco. Em um segundo momento, a partir da anlise destas ede outras obras e de fontes primrias, apresentada uma breve biografiado personagem em questo.

    2.1 Verses da mesma histria

    A biografia mais citada em trabalhos sobre Rio Branco , semdvida, a de Alvaro Lins. Talvez pelo apoio institucional recebido e pelouso do acervo do prprio Rio Branco, quase indito na ocasio, o livro

    permaneceu por muito tempo como a obra de referncia para o estudo davida do biografado. Este monoplio da verso de Lins sobre a vida doBaro s acabaria com o lanamento do trabalho de Luis Viana Filho,em 1959.

    20 deste ano o Decreto-lei que cria o Instituto Rio Branco e o que instituiu a medalhacomemorativa do centenrio de nascimento de Rio Branco. Em 1963 criada a Ordem de RioBranco e em 1970 institudo o Dia do Diplomata na data de nascimento do Baro.

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    Lins, jornalista, crtico literrio, ensasta e diplomata, foi membroda Academia Brasileira de Letras e professor no Colgio Pedro II (ondeestudou o prprio Rio Branco). Escreveu Rio Branco (o baro do RioBranco) Biografia pessoal e histria poltica por encomenda. OMinistro das Relaes Exteriores, Osvaldo Aranha, faz o convite a Linstrs anos antes, para que o livro pudesse ser lanado em 194521, como

    parte das comemoraes ao centenrio de nascimento do Baro.Em nota explicativa j no incio do livro, Lins (1996, XV)

    adverte que ao aceitar a empreitada imps apenas uma condio: a obrano teria carter oficial, ao autor seria dada completa autonomia detrabalho e pensamento. O primeiro motivo apresentado de que nose sentia com bastante gosto e disposio para escrever, como obra

    oficial do Itamaraty, a biografia da figura principal do Itamaraty, peloque isso representaria de responsabilidade. Apenas em segundo lugar oautor declara querer resguardar a liberdade crtica, de ideias ouinterpretaes. (LINS, 1996, XV). Ao priorizar o uso dos dados

    primrios, Lins faz uso por diversas vezes de documentos nunca antesutilizados do Arquivo Histrico do Itamaraty, em uma tentativa de serum trabalho de primeira mo, feito sob documentos, que nocopia nemrepete quaisquer outros impressos, alis, quase todos de carterimpressionista. (LINS, 1996, XVI). O autor procura deixar claro que

    prima pelo rigor histrico e adverte inclusive sobre a possibilidade deapresentar um Rio Branco que no esteja rigorosamente identificadocom a imagem cristalizada que dele o pblico possui, o que, de fato,raras vezes acontece.

    Realmente, so amplamente citadas as fontes documentais emque se baseia o texto, mas algumas interpretaes dos fatos noconseguem escapar construo do mito em torno do personagem,apresentando justificativas para condutas que poderiam ser consideradasreprovveis ou pouco dignas da imagem construda em torno doChanceler da Paz. Por exemplo, ao tratar de linhagem da qual descendiao Baro, exaltam-se os antepassados portugueses e militares, inclusive oav paterno, sem, no entanto, mencionar que este s reconheceu o filho(o Visconde do Rio Branco) em testamento22. Mesmo caractersticas

    21O livro foi relanado em 1996, marcando o fim do ano de comemorao do sesquicentenriode nascimento de Rio Branco, pela Fundao Alexandre Gusmo em parceria com a Ed. Alfa-

    Omega, como parte da Coleo Relaes Internacionais da Biblioteca Alfa-Omega de CinciasSociais.22 Josefa Emerenciana, a av paterna do Baro, era viva e j tinha filhos quando passou aviver com Agostinho Paranhos, o av paterno, com quem teve o futuro Visconde do Rio

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    psicolgicas que poderiam no ser adequadas ao futuro grandeestadista, como ser impassvel, prosaico, frio, anti-sentimental, soamenizadas, j que, segundo Lins (1996, p. 44), nem sempre estomortas as foras interiores que no se exibem em manifestaes. Ouainda, ao descrev-lo como algum que mais ouvia do que falava, logovem a ressalva do bigrafo: nada tinha, porm, do introvertido, do no-

    participante. (LINS, 1996, p.38). H sempre um evidente esforo emtransformar fatos ou caractersticas que pudessem ser consideradosnegativos, em algo no apenas positivo, mas desejvel e elementoconstitutivo de uma grande personalidade.

    Ao tratar da fama de bomio que acompanhou Jos Maria daSilva Paranhos na mocidade, Lins (1996, p.88) adverte que ele estava

    longe do tipo comum de bomio, a criatura irresponsvel e descuidada,que vive nas nuvens. E vai alm, declarando que bomio ele o , noentanto, e ser sempre, mas de outra espcie: a bomia constitucional dotemperamento, afinal no aceitava outra disciplina que ao fosse ainterior. Talfama lhe renderia dificuldades em obter a nomeao paraseu primeiro cargo diplomtico, de Cnsul-Geral em Liverpool, j queD. Pedro II parecia reprovar a vida irregular do candidato. Anomeao s foi conseguida por meio da interveno incisiva do Barode Cotegipe23, mas, mesmo assim, s foi assinada pela Princesa Regente

    Isabel, na ausncia do Imperador. Lins aponta que no ficoucomprovada nenhuma explicao mais rigorosa sobre a resistncia de D.Pedro, visto que os dois mantiveram longa amizade anos a frente, eaponta que a causa mais provvel teria sido mesmo a boemia e o seurelacionamento ilegtimo. No sem antes justificar que estes elementosteriam causado m impresso no austero Imperador, que no tiveramocidade, havia a incapacidade para compreender os gestos romnticosdos moos. (LINS, 1996, p. 93).

    O romance do filho do Presidente do Conselho do Imprio comuma atriz do Alcazar24 era realmente um fato desagradvel para suareputao e, obviamente houve tentativas de pr fim ao caso

    Branco. O fato de ter tido filhos com homens diferentes e no frutos de uma relao lcitaquase nunca mencionado nas biografias.23 Cotegipe, ento Ministro dos Estrangeiros, redige um memorando Princesa Regenteenumerando as qualidades do candidato e declara mesmo estar disposto a pedir demisso, casono ocorra a nomeao do filho do Visconde do Rio Branco, Presidente do Conselho de

    Ministros. (VIANA FILHO, 1988, p. 76)24 O Alcazar, no Rio de Janeiro, era uma famosa casa de espetculos, onde, ao lado derepresentaes teatrais, havia gaiatas exibies de caf-concerto. (VIANA FILHO, 1988, p.56).

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    inconveniente. O Visconde do Rio Branco interveio25e conseguiu a idade Marie Philomne Stevens para a Europa. Porm, a atriz j estavagrvida e, ao escrever contando a novidade ao futuro Baro, teve

    permisso para voltar ao Brasil, onde ele seguiu levando uma vida desolteiro. Este episdio sumariamente omitido em diversas biografias enem mesmo o posterior casamento, que afinal legaliza a situao quandoo casal j possua cinco filhos, em 1889, mencionado. No o caso deAlvaro Lins. O autor utiliza esta passagem para ilustrar a grandeza decarter de Rio Branco, sentencia que neste incidente dramtico fez asua prova de homem e comenta que o casamento no se fez logo, massem citar que, na verdade, levou 17 anos para acontecer. E como escusa

    para a quase ausncia de referncias Marie nos escritos de Rio Branco

    o que altamente explicvel pelo fato da unio ter permanecidoilegtima por quase todo o tempo, o que no convinha ao ocupante deum importante posto diplomtico Lins apresenta mais umacaracterstica distintiva da personalidade do Baro, isto se dava porqueele era dessas criaturas que se bastam a si mesmas, que tudo fazem scom os seus prprios recursos. (LINS, 1996, p. 90).

    J Renato Sneca Fleury, em sua obra intitulada simplesmenteBaro do Rio Branco, preferiu deliberadamente omitir o fato de que oChanceler havia sido casado e tivera filhos, preferindo exaltar outras

    passagens mais condizentes com a imagem que procura fazer dopersonagem, o que o leva a alguns exageros. Fleury um bigrafoexperiente, tendo j escrito sobre Santos Dumont, Prudente de Moraes,Jos Bonifcio, Duque de Caxias, entre outros. A terceira edio da obrasobre Rio Branco data de 196726 e faz parte da Coleo Grandes

    brasileiros da Edies Melhoramentos, cujo pblico alvo a juventude,no intuito de incentivar nos jovens leitores o gosto, a admirao e orespeito pela Histria do Brasil, bem como incit-los a cultuar amemria dos que a fizeram, a imitar-lhes o exemplo em qualquer doscampos de atividade em que se distinguiram e imortalizaram.(FLEURI, 1967). Na contracapa do livro fica evidente o objetivo daobra - apresentar um heri nacional como exemplo a ser seguido emtodos os aspectosna descrio do tipo de personagem que objeto deanlise na coleo: vultos eminentes do Brasil, carinhosamente

    25Se Lins (1996, p. 90) afirma que por influncia do Visconde, Marie Stevens voltou paraEuropa, Viana (1988, p. 59) pondera se verdade que o Primeiro Ministro interveio p ara

    afastar Marie.26 Ao que indicam as ilustraes do livro, a primeira edio de 1946 e, embora nada sejamencionado, possvel que tenha sido escrito tambm no contexto das comemoraes docentenrio de nascimento do Baro.

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    biografados em linguagem adequada infncia e juventude, numacoleo plena de exemplos edificantes de estudo e amor ptrio. Asdescries do uma importante pista do tom adotado em todo o texto.

    A ideia de exemplo edificante levada s ltimasconsequncias e chega a promover distores em alguns fatos relatados,de modo a torn-los mais apropriados e dignos de serem imitados. Umexemplo o Captulo 5, que recebe o sugestivo ttulo de Um inteligentecolegial. Em tom altamente laudatrio, cria a ideia de que Rio Brancofora um menino prodgio, desde sempre predestinado aos grandes feitos.Sua pretensamente enorme dedicao aos estudos repetidamentelouvada, tanto que a biografia propriamente dita inicia com a entrada deJuca Paranhos no Colgio D. Pedro II, demonstrando que j a partir da

    algo de notvel acontece. Afinal, ele est entre os grandes do Imprio eno sem razo lembrar que eram condiscpulos do filho do Viscondedois rapazinhos de muito valor: Francisco de Paula Rodrigues Alves eAfonso Augusto Moreira Pena. (FLEURY, 1967, p.17). Rio Branco descrito como excelente estudante que precisava honrar o nome do

    pai, que era tambm o dele, contrariando outras obras que apontam queele no se sobressaiu nos estudos e nem mesmo chegou a terminar ocurso, finalizando os estudos preparatrios em casa e que, por isso, norecebeu o grau de bacharel em Letras conferido aos concluintes do curso

    no Pedro II. (LINS, 1996, p.34; MOURA, 2003, p.17). Tambm comrelao passagem de Rio Branco pela Faculdade de Direito possvelconstatar certo exagero do autor que afirma que ele se distinguia entre amaioria dos colegas por sua inteligncia e devotamento aos estudos.Tanto que fez um curso brilhante. (FLEURY, 1967, p.19). Mesmo Lins(1996, p.38-39) reconhece que aos estudos de Direito no dedicou maisque uma ateno medocre e que suas provas e trabalhos revelavamaplicao, conhecimento medido, e nenhuma originalidade, nenhumentusiasmo, nenhuma contribuio propriamente pessoal. Ao queMoura (2000, p.20) acrescenta que no h indcios de se tenhadestacado especialmente em alguma das matrias da faculdade, tendosido um aluno regular. De fato, foi aprovado com a nota mediana deplenamente. (RICUPERO, 2000, p.13). No h no texto nenhumameno vida boemia que levava ou falta de entusiasmo com oDireito e chega-se mesmo a atribuir o enfraquecimento de sua sade aoexcesso de esforo aos estudos. Por isso a famlia o teria enviado Europa, para restabelecer a sade e aperfeioar os estudos. (FLEURY,

    1967, p.19). Entretanto, no h indicaes de que Rio Branco tenhaestudado na Europa, mas sim viajado para se aperfeioar, como eracostume entre os jovens bem nascidos do Imprio. importante notar

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    ainda que, afora citaes de textos de Rui Barbosa e do Conde deAfonso Celso sobre Rio Branco, no h qualquer referncia a outrostextos ou fontes manuscritas em que teria se baseado a obra. Enfim, deforma geral a obra parece totalmente imbuda de um esprito deeducao atravs do exemplo, o que prejudica sobremaneira o rigorhistrico e contribui apenas para um processo de mitificao do

    personagem. O esforo do autor encontra respaldo na ideia de histriacomo mestra da vida: Historia magistra vitae. Conforme Koselleck(2006, p.42), se trata de uma perspectiva em que a histria seria umcadinho contendo mltiplas experincias alheias, das quais nosapropriamos com um objetivo pedaggico. Desta forma entende-se quea histria deixa-nos livres para repetir sucessos do passado, em vez de

    incorrer, no tempo presente, nos erros antigos, da a importncia deconhec-la. (KOSELLECK, 2006, p.42).O trabalho realizado por Luis Viana Filho j apresenta um carter

    diferenciado. Lanada em 1959, A vida do baro do Rio Branco fazparte da Coleo Documentos Brasileiros da Editora Jos Olympio,coeditado pelo Instituto Nacional do Livro. O ttulo j demonstra ongulo de onde parte o autor para tratar do seu biografado. H uma

    preocupao em no deixar que o homem pblico prevalea sobre oprivado, em apresentar um Rio Branco mais humano. Viana um

    bigrafo experiente e j havia escrito sobre Rui Barbosa e JoaquimNabuco. No consta, entretanto, que tenha sido uma obra encomendadapor quem quer que fosse. No possvel afirmar que tenha sido escritapara fazer parte especificamente da citada Coleo27, at porque esta secaracteriza pela pluralidade de temas abordados e no compostaapenas por biografias.

    Aos moldes da obra de Lins, Viana cita uma ampla gama defontes primrias pesquisadas no arquivo do Baro do Rio Branco(Arquivo Histrico do Itamaraty), do Visconde do Rio Branco, Joaquim

    Nabuco, Oliveira Lima, entre outros. H ainda um grande nmero dereferncias secundrias, que garantem que a narrativa seja bemembasada historicamente e menos afeita interpretaes, como emFleury. Uma caracterstica marcante da diferena entre os autores queViana no apenas dedica um captulo inteiro do livro MariePhilomne, como d seu nome a ele. O mero fato desta personagemtantas vezes ocultada das narrativas da vida de Rio Branco ser lembradae tratada como parte integrante delae importantej suficiente para

    27Outra obra sobre Rio Branco j havia sido inclusive publicada, em 1941, escrita por seu filhoRaul do Rio Branco, Reminiscncias do Baro do Rio Branco.

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    estabelecer que a abordagem diferente tambm da de Lins, que apesarde citar Marie, busca justificar sua quase ausncia em outras obras, almde tentar minimizar sua importncia na trajetria de Rio Branco. At

    porque ela foi fundamental sim, pois, como o prprio Rio Brancomesmo reconhece: este filho fez uma revoluo na minha vida. Osenhor sabe: foi ele que me fez tomar rumo. (VIANA FILHO, 1988,

    p.62).Por seu turno, Rubens Ricupero, apesar de citar o episdio

    envolvendo Marie Philomne, no d tanta nfase a aspectos da vidapessoal de Rio Branco, procurando focar na atuao do Baro comodiplomata. O prprio nome do livro,Rio Branco: o Brasil no mundo, dindcios da abordagem que ser feita por Ricupero (2003, p.6), que

    destaca que a maior contribuio de Rio Branco no foi apenasconsolidar as fronteiras, mas sim seu papel na definio do espaointernacional do Brasil, sua insero no mundo. Este o elemento

    principal que a diferena das outras biografias. Este tipo de abordagem at esperada, dado que Ricupero diplomata de carreira, porm, o tomadotado bem menos comprometido com a ideia de mitificao do

    patrono da diplomacia brasileira do que aquele encontrado em outrasobras realizadas por membros do Itamaraty ou produzidas a seu pedido.Tal caracterstica ainda mais peculiar se for levado em considerao

    que o livro faz parte da Coleo Identidade Brasileira, co-patrocinadapela Petrobras e, portanto, possivelmente identificada com ideais decunho nacionalista.

    Pelo contrrio, uma srie de elementos apresentados acaba porrejeitar alguns dos mitos criados em torno da figura de Rio Branco. Porexemplo, ao apontar que o primeiro sucesso de Rio Branco aconteceuapenas aos 50 anos, na Questo das Misses, rejeita o mito da

    predestinao ao sucesso desde a infncia. (RICUPERO, 2000, p.7).Tambm ressalta as preocupaes materiais da vida adulta, que ofizeram preferir o posto de menos prestgio, mas melhor remunerado deCnsul em Liverpool do que o Ministro em Berna, alm de citar a notamediana com que foi aprovado na faculdade de direito e o poucoapreo que tinha pela profisso de advogado. (RICUPERO, 2000, p.13).Ainda afirma que ao voltar da viagem Europa, logo aps a formatura,o jovem bacharel no consegue fixar-se em nada, que, eleitoDeputado, teve duas legislaturas sem brilho e que ele sai daobscuridade para a glria do dia para a noite, graas s vitrias de

    fronteiras. (RICUPERO, 2000, p.16). O autor tambm no se furta aoscomentrios sobre Marie Philomne, alm de no tentar transformar osdesdobramentos do episdio em um ato de grandeza. Alm disto,

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    ressalta as implicaes da relao na carreira de Rio Branco e verdadeirabatalha pela nomeao para Cnsul (muitas vezes tambm omitida).Desta forma, Ricupero foge da ideia de infalibilidade e perfeitacoerncia tanto na vida privada, quanto pblica do personagem.Entretanto, importante ter em conta o lapso temporal entre a produodas obras analisadas e os efeitos das mudanas nos cdigos de conduta

    pessoal esperados para um homem pblico neste perodo. Assim, se nod tanta importncia aos deslizes da mocidade de Rio Branco, nemtenta transform-lo em exemplo irrepreensvel, isto se d tambm

    porque estes fatos j no tm a mesma relevncia. H, certo, certa dosede apologia a Rio Branco, mas de outra ordem. A nfase est sobre airrepreensibilidade da sua atuao como diplomata e chanceler na

    conduo da poltica externa brasileira, pois o considera o ltimogrande estadista e diplomata desse sculo XIX brasileiro. (RICUPERO,2000, p.48).

    Analisando estas biografias escritas sobre o Baro do Rio Brancoem diferentes momentos, possvel perceber uma srie de estratgias deadequao da histria que contada construo da imagem que sedeseja projetar desta figura para a posteridade. Assim, como j assinalouMoura (2003), os textos biogrficos fazem parte de um processocomplexo e amplo de construo de uma tradio, a tradio Rio

    Branco, que permite dotar a diplomacia brasileira de um mitofundacional digno de louvao. O ttulo de Patrono da Diplomacianacional ala Rio Branco ao patamar mais alto dos heris do pas eagrega um novo elemento ao j iniciado processo de criao do mito doBaro.

    Desta forma, a partir de 1945, ano do centenrio de seunascimento e marco da institucionalizao deste mito, que as ideias deinfalibilidade, coerncia e predestinao ao sucesso ganham maiorflego e aparecem nos textos com muito vigor. A encomenda de uma

    biografia para lanamento neste ano evidncia deste processodeliberado de tentativa de construo da imagem do Grande Chanceler.A obra cumpriu o objetivo a que se props e Lins constituiu um marco,

    por muito tempo sem concorrentes, na historiografia sobre Rio Branco.Renato Sneca Fleury seguiu ainda mais risca a ideia de apresentar oBaro como um exemplo atemporal, chegando a distorcer alguns fatosem prol da imagem que queria criar, enquanto Luis Viana Filho

    procurou recorrer a documentos para mostrar um Rio Branco mais

    humano. J no ano de 2000, Ricupero procurou resgatar a dimensomais ampla da atuao diplomtica de Rio Branco e seu papel nainsero do Brasil no mundo, demonstrando que os tempos haviam

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    mudado e que no se constroem grandes heris com as mesmas armasque outrora. Ao invs de zelar pela boa imagem do personagem, comfartas aluses a sua vida de estudante perfeito, a dedicao ao trabalho ea retido de carter, chegando a omitir as passagens no apropriadas,Ricupero apresenta um Rio Branco hbil no comando dos negciosexternos, pragmtico e profundo conhecedor das questes a que sededicava. Traz luz uma figura histrica sem a preocupao da perfeitacoerncia, algum que possua uma certa ideia de Brasil, mas levoumuito tempo at poder coloc-la em prtica. a partir desta perspectiva,mais comprometida com a reconstituio do Rio Branco humano e,

    portanto, falvel na vida pessoal, sem perder o foco no poltico medianoe diplomata brilhante, que se passa a apresentao do jovem Juca

    Paranhos.

    2.2 Uma breve biografia

    2.2.1 Juca Paranhos

    Juca Paranhos, assim era conhecido o filho do Visconde do RioBranco, Jos Maria da Silva Paranhos, que de nascimento levava omesmo nome do pai ilustre, dignitrio da Ordem do Cruzeiro, Senador

    vitalcio do Imprio, Presidente do Gabinete Conservador de 1871 a1875 e ainda Ministro das Relaes Exteriores, da Marinha e da Guerra,em diferentes ocasies. Nascido no Rio de Janeiro em 20 de abril de1845, na antiga Travessa do Senado, Juca passou a infncia e aadolescncia entre as personalidades mais importantes do Imprio e foidentro da prpria casa que aprendeu muito sobre a poltica brasileira.Alm disso, era no salo da Viscondessa do Rio Branco que Juca iasendo iniciado nas artes da interao social, da conversa, das boasmaneiras convenientes a um jovem de sua classe. Lins (1996, p.30) vnessa formao mundana e social as ferramentas que mais tarde, j nocontrole do Itamaraty, distinguiriam Rio Branco como uma figuraressurgida do Imprio no seio da Repblica.

    O primognito da famlia Paranhos tinha uma admirao de tomquase mtico e religioso pelo pai, com quem desde cedo compartiu ointeresse pela regio do Prata e pelos assuntos militares (Lins, 1996,

    p.24). O pai no vinha de uma linhagem nobre, nem possua fortuna,havia chegado ao lugar de destaque em que se encontrava devido aos

    seus esforos, fazendo carreira na Marinha e trabalhando comoprofessor e jornalista. Mais tarde, como membro da Maonaria (entraem 1840) convive com homens importantes de sua poca, o que

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    possivelmente lhe abriu novas portas no oficio de jornalista e j em1844 eleito para seu primeiro cargo pblico, como Deputado Estadual

    pelo Rio de Janeiro. Mesmo mais tarde, j como Visconde28, noamealhou um grande patrimnio, nem pde oferecer ao filho uma vidade luxos. Prova disso que a viagem ao exterior realizada por Juca29quando termina a faculdade foi financiada por um bilhete premiado deloteria, j que ele mesmo reconhece que o pai no teria condies defaz-lo. As preocupaes financeiras foram durante toda a vida de Jucauma questo importante e devido a elas fez algumas escolhas quemarcaram sua vida, como a de lutar para assumir o posto de Cnsul-Geral em Liverpool.

    Sua primeira viagem ao exterior acabou sendo quando tinha

    apenas 7 anos, em novembro de 1852. Viajou com as irms e a me paraver o pai, ento Ministro do Brasil no Prata e s retornariam em 1953,quando o Visconde vem assumir o cargo de Ministro da Guerra. OVisconde alcanara um posto importante na sua carreira poltica depoisde passar das fileiras do Partido Liberal para o Conservador e teria suavida ligada quela regio, a qual volta em 1857 para ser MinistroPlenipotencirio. Claro que a viagem no deve ter causado maiorimpresso ao menino que a qualquer outro de sua idade, mas no deixade ser interessante que o destino de sua estreia em viagens

    internacionais tenha sido mais tarde o foco inicial de seu interessehistrico.

    Concludos os estudos primrios, Juca matriculado no ColgioPedro II, no Rio de Janeiro, em 1855. O Pedro II era o colgio para ondea elite imperial mandava seus filhos e l Juca pde completar no apenasos estudos formais, como sua formao social, ao ter colegas comoAfonso Pena e Rodrigues Alves. A parte as controvrsias sobre seu

    brilhantismo como estudante, o importante de sua passagem por estainstituio de ensino to tradicional e que ajudou a forjar algumasgeraes de dirigentes do Brasil destacar o ambiente intelectual esocial de que desfrutou e as marcas deixadas por este convvio. Acalmaria do Segundo Reinado, em comparao s turbulncias doPerodo Regencial, aliada ascenso alcanada pelo pai no governo, fezcom que Juca gozasse de uma infncia e adolescncia tranquilas.

    28Apenas em 1870, Jos Maria da Silva Paranhos agraciado com o ttulo de Visconde do RioBranco. Apenas para facilitar a identificao da pessoa e distingui-lo do filho, ele tratado por

    Visconde mesmo em referncia a fatos ocorridos antes de que recebesse o ttulo.29 J com relao a Jos Maria da Silva Paranhos Jnior, buscou-se cham-lo conforme ofaziam seus contemporneos. De forma que se procurou, na seo que trata da sua biografia,apenas fazer referncia ao Baro aps 1888, quando este de fato recebe o ttulo.

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    O Visconde havia superado o fato de no fazer parte de uma elitetradicional e seu filho podia agora fazer parte do privilegiado grupo defilhos dos grandes homens do Imprio. certo que este ambientedomstico teve repercusso fundamental na construo de sua

    personalidade e para moldar seu carter futuro. Entretanto, como apontaMoura (2003, p. 18), seus interesses e hbitos individuais no podem serdescartados como desprovidos de importncia, j que dos nove filhos doVisconde, apenas Juca alcanou uma posio de notoriedade e mesmofoi o nico a continuar frequentando os ambientes dos quais o pai abriuas portas com considervel esforo, ainda que contando com apoios. Asoma de suas inclinaes individuais ao estudo da histria ao ambientefavorvel, fez com que j aos 16 anos, em 1861, inaugurasse seu talento

    como historiador, escrevendo a biografia de Barroso Pereira,comandante do navio Imperatriz na Guerra do Paraguai. (DAMARAL,2001, p.52). Foi o primeiro dos muitos estudos que realizou ao longo davida, embora nunca tenha completado a obra que planejava publicar eque seria uma histria militar do Brasil30.

    Aos 17 anos, em 1862, Juca Paranhos toma o caminho naturaldos jovens do seu crculo social e ingressa na Faculdade de Direito deSo Paulo. A formao dos bacharis em Direito ainda era um

    passaporte quase certo para a vida pblica e as opes j no se

    restringiam Coimbra, j que o curso era ofertado em So Paulo eRecife, onde era comum os jovens conclurem o curso, como fez o

    prprio Juca, em 1866. (Moura, 2000). No h abundantes informaessobre este perodo de sua vida, excludas as especulaes sobre suaatuao destacada como estudante j nesta poca e alguns relatos maisapaixonados de alguns bigrafos. H alguma controvrsia sobre o fatodele ter tentando ingressar na vida militar antes de iniciar a faculdade,como defendem Max Fleiuss, Aluizio Napoleo e Paula Cidade, entreoutros. (CARVALHO, 1995, p. 49). Talvez esta hiptese tenha surgido

    por causa do grande interesse pelas questes militares do jovemParanhos, que o acompanhou por toda a vida e culminou em umasimpatia muitas vezes classificada de militarismo, j nos anos comoministro. Entretanto, nunca foram encontrados documentos que atestemsua passagem pela Escola Militar.

    Durante a vida de estudante, viveu em duas repblicas em SoPaulo, onde tinha como companheiros os mesmo filhos de homensimportantes do Imprio, mas tambm jovens vindos de outras partes do

    30 Capistrano de Abreu cobra reiteradamente de Rio Branco o lanamento da obra nuncaconcluda na correspondncia entre os dois, ver PEREIRA; FELIPPE, 2008.

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    pas, o que aumentou seu crculo social. Isto tambm se deu porqueainda que muitas repblicas tivessem carter regional, havia as de

    paulistas, as de mineiros, as de baianos e assim por diante, a de Juca eraheterognea. Como lembra Lins (1996), a famlia Paranhos no era ricae Juca s vezes se via em dificuldades financeiras. O prprio Rio Brancoo reconhece em carta a um sobrinho que lhe escrevia pedindo dinheiro:quando fui rapaz, acostumei-me tambm a viver com muito pouco

    porque meu pai no tinha fortuna. (LINS, 1996, p.37). Neste perodo,pela primeira vez longe de casa e sozinho, conhece os prazeresmundanos e a boemia. Por outro lado, compartilhava com oscompanheiros o sentimento abolicionista, quase unnime na poca entreos estudantes. A atitude era tambm condizente com a sua condio de

    filho do Presidente do Gabinete que futuramente proporia a Lei doVentre Livre, aprovada em 1871, e pela qual iria fazer campanha jcomo Deputado, anos a frente.

    Ao contrrio de muitos de seus colegas, no se inclinou aescrever poemas nem versos, sua dedicao j nesta poca era histriado Brasil. Mesmo para com o Direito, consta que no ofereceu senouma ateno medocre e suficiente para conferir-lhe o titulo de bacharel.O Direito nunca o apaixonou e seu tempo era cada vez mais destinadoaos seus solitrios estudos de histria. Foi membro fundador da Revista

    do Instituto Cientfico e nele publicou sob o pseudnimo X, osEpisdios da Guerra do Prata, em 1864. Em 1865, escreveu a biografiado Baro do Serro Largo, posteriormente publicada na Revista Popular.(DAMARAL, 2001; ARAJO, 2002). Neste mesmo ano o Viscondevolta ao Prata para tentar resolver diplomaticamente as novas tensessurgidas na fronteira. As negociaes foram bem, mas houve umdesentendimento com Tamandar sobre a influncia que o Brasil deveriater na sucesso ao poder no Uruguai. A posio do adversrio doVisconde prevaleceu e a Conveno da Paz foi assinada. Na volta aoBrasil, apesar do resultado satisfatrio de sua misso, o Visconde sofreuum novo revs. Um cisma na Maonaria insuflou as crticas sobre osresultados no Prata, capitaneadas por Saldanha Marinho, e o Viscondefoi demitido. Teve o momento de defender-se na tribuna do Senado, mas

    preocupava-o ainda a guerra provocada por Solano Lopez e pressentiaque as questes de fronteiras eclodiriam. Na seara domstica, outro

    problema afligia os Paranhos, o segundo filho, Pedrinho adoece e ficaparalisado.

    Juca observa tudo de So Paulo com tristeza e comea a perderpeso e adoecer. O pai toma a resoluo de envi-lo para completar ocurso no Recife, aceitando a sugesto dada pelo Monsenhor Pinto de

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    Campos, deputado por Pernambuco e ntimo da famlia. L, Juca tornou-se brao-direito do Monsenhor no jornal O vinte e cinco de maro, onde

    publicou durante meses um Estudo sobre a poltica do Brasil no Prata.Ainda que sem assinatura, tudo leva a crer que o autor era ParanhosJnior, uma vez mais dedicado ao seu tema preferido. Nesta poca, coma Guerra do Paraguai j deflagrada, ele tambm colabora com a revistafrancesa Lillustration, enviando artigos, notas e desenhos sobre osacontecimentos do Prata. No final de 1866, finalmente conclui o cursode Direito e prepara-se para voltar Corte e comear sua vida de

    bacharel. (VIANA FILHO, 1988). Neste mesmo perodo apresenta suacandidatura ao Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (IHGB),instituio que chegou a presidir31 e qual esteve ligado intimamente

    durante toda a vida32

    . Foi o trabalho realizado com a biografia do Barodo Serro Largo apresentado como ttulo para a sua admisso eapreciado na sesso do dia 22 de novembro de 1866. Somente depois derecebidos os pareceres favorveis candidatura na sesso do dia 24 deoutubro de 1867, que o Dr. Jos Maria da Silva Paranhos Jnior foiaceito na categoria de scio correspondente33 do Instituto. (ARAJO,2002). Sua posse s ocorreu em maio de 1868 e viria a render-lhe

    prestigio, mas no contrapartida financeira. (MOURA, 2000).De volta Corte, as possibilidades no eram das mais

    promissoras j que os Conservadores no estavam no poder e advogarno era a opo que mais agradava a Juca, j que este almejava umaocupao que lhe permitisse seguir com seus estudos de histria. Umgolpe de sorte chega para mudar o panorama que se apresentava. Um

    bilhete de loteria premiado e alguma ajuda paterna so os elementos quepropiciam sua viagem pela Europa e permitem adiar as decises sobre ofuturo. Em maro de 1867, Juca Paranhos parte no Shannon rumo Lisboa. (VIANA FILHO, 1988). Uma viagem Europa representavaento um complemento formao de um jovem como Juca, j que nohavia estudado l o curso completo. Seus destinos foram Portugal,Frana, Alemanha e ustria e teve tempo de percorr-los detidamenteem quase um ano de viagem. Lins (1996) afirma que desta primeira

    31O discurso de posse no IHGB foi publicado no Jornal do Comrcio em 21 de janeiro de 1908e est reproduzido em RIO BRANCO, 1945, p. 144.32Para mais discursos no IHGB ver RIO BRANCO, 1945, p. 183-185; p. 195-198, p. 227-231..33Arajo (2002, p. 6) esclarece que, ainda que pudesse parecer estranho que um residente naCorte fosse eleito scio correspondente, esta foi a nica soluo encontrada para a admisso de

    Paranhos. Isso porque s havia trs categorias de scios: efetivos, em nmero de 50,correspondentes e honorrios, em nmero ilimitado. Como no havia vagas para scio efetivo epara ser eleito scio honorrio o candidato no contava com a experincia requerida, j quecontava apenas 22 anos, encaixaram-no na categoria de correspondente.

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    impresso que advm sua futura e inabalvel simpatia pela Frana,mantida mesmo nas fases de maior entusiasmo pela Alemanha. Aindaque tenha se detido no norte de Portugal, origem da famlia Paranhos,foi o esplendor da Frana bonapartista daquele momento que fascinou o

    jovem bacharel, assim como a arquitetura dos boulevards e aefervescncia dos movimentos artsticos de contestao arte oficial.Viana Filho (1988) agrega Itlia, Inglaterra e Espanha ao itinerrio queteria seguido. Apesar de divergir de Lins (1996) quanto aos destinos do

    jovem, Viana Filho (1988, p. 32) concorda que o esplendor da Franado Segundo Imprio, com os seus sbios, os seus artistas, os seus teatrose as suas belas mulheres a que Juca Paranhos no era indiferentehaviam deixado profunda impresso no rapaz.

    A volta ao Rio no foi to alegre quanto o desenrolar de suaaventura na Europa. Como bem descreve Moura (2003, p. 27), aspossibilidades para um jovem filho da elite brasileira da primeira metadedo sculo eram bastante reduzidas, ainda mais para Juca, que no era,como a maioria de seus colegas, ligado aristocracia rural. Em um pasescravocrata e latifundirio, que gerava uma elite branca muito reduzidae com empreendimentos capitalistas ainda incipientes, eram poucas asoportunidades de trabalho fora do Estado. Porm, o cenrio polticocontinuava desfavorvel para os Conservadores, o que dificultava

    qualquer tentativa do Visconde em encontrar uma boa posio para ofilho bacharel recm chegado. Juca contentou-se ento com o lugar de

    professor interino no Colgio Pedro II, de onde sara anos antes. Emabril de 1868 ele ocupa a vaga deixada pelo romancista Joaquim Manuelde Macedo, que havia sido eleito deputado, na disciplina de Corografia eHistria do Brasil. Sua experincia como professor foi breve, durouapenas um trimestre, at que uma mudana inesperada nos rumos da

    politica nacional traz novas possibilidades. Graas ao Golpe deEstado de 16 de julho, assim chamado pelos Liberais, estes entregam o

    poder aos Conservadores que saem de um perodo de seis anos deostracismo. Macedo perde a vaga de deputado e volta a lecionar,fazendo com que Juca perca o emprego recm conseguido. O Viscondede Itabora organiza um novo ministrio, em que cabe ao Visconde doRio Branco a pasta dos Estrangeiros, renovando as esperanas de umfuturo promissor para o filho. Entretanto, ainda eram incertos os rumosda politica nacional em um momento em que a Cmara havia sidodissolvida e eram levados a cabo os preparativos para as novas eleies.

    (VIANA FILHO, 1988).Assim, decide Juca dedicar-se a advocacia, ainda quereconhecesse de antemo sua falta de vocao para o exerccio do

  • 7/23/2019