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ASPECTOS DO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DE UM SISTEMA DE INFORMAÇÕES PARA APOIO A PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE UMA ASSOCIAÇÃO DE PRODUTORES AGROECOLÓGICOS Mariana Moura Nobrega (UFPB ) [email protected] Mariana Borba de Oliveira (UFPB ) [email protected] Luzia Goes Camboim (UFPB ) [email protected] Camilla Nascimento Brandao (UFPB ) [email protected] Nathalia Caetano dos Santos (UFPB ) [email protected] A agroecologia é um modelo agrícola pautado pela produção sustentável de alimentos, com características de respeito ao meio ambiente, segurança alimentar e justiça social. A agricultura familiar apresenta maior compatibilidade com esse novoo modelo do que as propriedades patronais convencionais. Gerenciar os fluxos comerciais de forma eficiente tem se mostrado um desafio para esses agricultores dado o baixo nível de escolaridade apresentado e aspectos culturais como predominância do conhecimento tácito, sem registro em memoriais, e transferência da informação através da tradição, de forma não codificada, num contexto mestre-aprendiz. O objetivo desse artigo é discutir aspectos do processo de desenvolvimento de um sistema de informação, através do enfoque participativo, para apoio às atividades de produção e comercialização de alimentos agroecológicos produzidos por famílias da Associação Ecovárzea/PB. Espera-se que a implantação desse sistema possibilite o planejamento das atividades da feira a fim de viabilizar a oferta de produtos de qualidade e em quantidades compatíveis com as demandas. Palavras-chaves: Desenvolvimento de Sistemas de Informação, Agricultura Familiar, Gestão de Feiras Agroecológicas XXXIII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO A Gestão dos Processos de Produção e as Parcerias Globais para o Desenvolvimento Sustentável dos Sistemas Produtivos Salvador, BA, Brasil, 08 a 11 de outubro de 2013.

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ASPECTOS DO PROCESSO DE

DESENVOLVIMENTO DE UM SISTEMA

DE INFORMAÇÕES PARA APOIO A

PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE

UMA ASSOCIAÇÃO DE PRODUTORES

AGROECOLÓGICOS

Mariana Moura Nobrega (UFPB )

[email protected]

Mariana Borba de Oliveira (UFPB )

[email protected]

Luzia Goes Camboim (UFPB )

[email protected]

Camilla Nascimento Brandao (UFPB )

[email protected]

Nathalia Caetano dos Santos (UFPB )

[email protected]

A agroecologia é um modelo agrícola pautado pela produção

sustentável de alimentos, com características de respeito ao meio

ambiente, segurança alimentar e justiça social. A agricultura familiar

apresenta maior compatibilidade com esse novoo modelo do que as

propriedades patronais convencionais. Gerenciar os fluxos comerciais

de forma eficiente tem se mostrado um desafio para esses agricultores

dado o baixo nível de escolaridade apresentado e aspectos culturais

como predominância do conhecimento tácito, sem registro em

memoriais, e transferência da informação através da tradição, de

forma não codificada, num contexto mestre-aprendiz. O objetivo desse

artigo é discutir aspectos do processo de desenvolvimento de um

sistema de informação, através do enfoque participativo, para apoio às

atividades de produção e comercialização de alimentos agroecológicos

produzidos por famílias da Associação Ecovárzea/PB. Espera-se que a

implantação desse sistema possibilite o planejamento das atividades da

feira a fim de viabilizar a oferta de produtos de qualidade e em

quantidades compatíveis com as demandas.

Palavras-chaves: Desenvolvimento de Sistemas de Informação,

Agricultura Familiar, Gestão de Feiras Agroecológicas

XXXIII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO A Gestão dos Processos de Produção e as Parcerias Globais para o Desenvolvimento Sustentável dos Sistemas Produtivos

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1.1

1. Introdução

O movimento crescente de contestação do modelo agrícola convencional tem impulsionado a

demanda por alimentos produzidos segundo preceitos de preservação ambiental, justiça social

e segurança alimentar. A agroecologia surge como alternativa ao uso de agroquímicos, à

mecanização intensiva, à monocultura latifundiária e ao manejo inadequado do solo e da água.

Segundo Caporal e Costabeber (2004), a agroecologia é um novo enfoque científico

multidisciplinar capaz de dar suporte à transição entre o modelo agrícola convencional e

agriculturas mais sustentáveis.

Esse contexto é uma oportunidade para a agricultura familiar que, segundo Ehlers (1999, apud

Verona, 2008), tem vantagens sobre as propriedades patronais na transição para modelos mais

sustentáveis, dadas características como tamanho da propriedade, diversidade de cultivos,

flexibilidade e aptidão à conservação dos recursos naturais.

Assim, a agricultura familiar agroecológica tem se expandido, muitas vezes associada a

movimentos sociais que reivindicam a Reforma Agrária e mudança do modelo de produção.

O surgimento da Rede de Feiras Agroecológicas da Paraíba remete à necessidade de

camponeses recém-assentados da Reforma Agrária, desfazerem os laços de dependência com

os atravessadores na comercialização de seus produtos, e também à necessidade de assegurar

a Soberania Alimentar do núcleo familiar. No entanto, para garantir a viabilidade econômica

dessas famílias, não basta que se organizem em associações ou cooperativas e mantenham

canais de comercialização diretos como as férias agroecológicas. É necessário que gerenciem

seus fluxos comerciais de forma eficiente, o que tem se mostrado um desafio dado o baixo

nível de escolaridade e cultura gerencial. Portanto, para completar a transição para um modelo

de agricultura mais sustentável é preciso dotar essas organizações de técnicas gerenciais que

lhes tornem mais eficientes.

Nesse contexto se insere o projeto de extensão “Gestão de Feiras Agroecológicas: Sistemas de

Informação e Inclusão Digital”, financiado pela Secretaria de Inclusão Digital do Ministério

das Comunicações. Essa experiência está sendo desenvolvida junto à Feira Agroecológica da

Universidade Federal da Paraíba – UFPB – e foi motivada pelo vínculo extensionista existente

entre a Ecovárzea – entidade camponesa que coordena a feira, e professores e pesquisadores

do GEA – Grupo de Ergonomia Agrícola e Gestão Ambiental. Seu objetivo foi desenvolver

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um sistema de informação de forma participativa a ser implantado por jovens ligados à

associação a partir de ações de formação. A implantação desse sistema possibilitaria o

planejamento das atividades da feira viabilizando a oferta de produtos de qualidade e em

quantidades compatíveis com as demandas, além de permitir a rastreabilidade dos produtos,

fortalecendo a certificação orgânica participativa. O presente artigo apresenta e discute

aspectos do processo de desenvolvimento desse sistema, denominado SIPAF – Sistema da

Produção Agroecológica Familiar.

2. Referencial Teórico

2.1. Tomada de decisão e Sistemas de Informação

A tomada de decisão, etapa anterior a qualquer ação, se baseia em elementos de razão e

intuição, sendo a primeira mais predominante no nível operacional e a segunda no nível

estratégico. Segundo Vergara (1991) a razão constitui a ordenação de pensamento. Já a

intuição é algo ilógico, por vezes inconsciente, baseado na reflexão constante, no hábito, no

conhecimento e na experiência adquirida do contexto organizacional.

As informações perpassam todas as etapas de um processo produtivo, sendo utilizadas nos

processos de tomada de decisão nos níveis operacional, tático e estratégico, sendo válido

salientar as diferenças conceituais entre dado, informação e conhecimento. Oliveira (1994)

define informação como um dado ou conjunto de dados apresentados em uma forma

significativa e útil, enquanto dado é qualquer elemento identificado em sua forma bruta, que

por si só não conduz a uma compreensão de determinado fato ou situação. Já o conhecimento

é a consciência e o entendimento de um conjunto de informações e formas de torná-las úteis

para apoiar uma tarefa específica ou tomar uma decisão. O conhecimento, segundo Angeloni

(2008), não é sinônimo de acúmulo de informações, mas de um agrupamento delas por meio

da legitimação empírica, cognitiva e emocional.

Portanto, numa perspectiva sistêmica, os sistemas de informação possuem como insumos os

dados e, após transformá-los, gera informações (LUCENA, 2010). De acordo com Laudon &

Laudon (2006), um sistema de informações (SI) é um conjunto de componentes inter-

relacionados que coleta, processa, armazena e distribui informações destinadas a apoiar a

tomada de decisões, a coordenação e o controle das organizações.

2.2. Desenvolvimento de Sistemas de Informação - DSI

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A adoção de um sistema de informação (SI) envolve três aspectos essenciais: processos,

tecnologia e pessoas. Esses três aspectos são interdependentes e exercem influência mútua

(COLANGELO FILHO, 2001). A tecnologia deve dar suporte aos processos, os quais são

implementados pelas pessoas. Logo, o desafio para o sucesso do desenvolvimento e da adoção

de um SI engloba suas qualidades técnicas, sua adequação às necessidades dos processos e

sua aceitação por parte dos usuários do sistema.

Para fazer frente a esse desafio autores como Stair (1996) e Laudon & Laudon (2006),

propõem metodologias que orientam a prática. O uso de metodologias dessa natureza tem se

mostrado fundamental na condução de processos de DSI, garantindo que as atividades

essenciais sejam realizadas na sequencia adequada. As metodologias propostas pelos autores

citados são semelhantes em termos de conteúdo e sequencia, diferindo na forma como

agrupam as atividades em etapas e em sua denominação. A metodologia proposta por Laudon

& Laudon (2006) é resumida nas seguintes fases:

‾ Análise de sistemas - é a fase de análise do problema a ser resolvido, na qual define-se

o problema, identificam-se suas causas, especifica-se a solução, identificam-se os

requisitos de informação a serem atendidos pela solução – quem precisa de qual

informação, quando, onde e como –, e faz-se o estudo da viabilidade financeira,

técnica e organizacional da solução.

‾ Projeto de sistemas – define-se como o sistema cumprirá seus objetivos, a partir da

elaboração do modelo contendo as especificações de forma e estrutura do sistema,

abordando componentes organizacionais e tecnológicos da solução.

‾ Conclusão do processo – a terceira e última fase engloba as seguintes atividades:

‾ Programação - tradução das especificações de projeto para código de

programa, em fase de programação do software.

‾ Teste – verificação de cada programa separadamente, do sistema de

informação como um todo e dos sistemas com todas as partes envolvidas

(usuários e administração).

‾ Conversão - é o processo de passagem do sistema antigo para o novo.

‾ Produção e manutenção – depois de instalado o novo sistema e concluída a

conversão, é feita a verificação do cumprimento dos objetivos do sistema e

levanta-se a necessidade de revisões. A manutenção diz respeito a mudanças

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em hardware, software, documentação ou procedimentos no sistema para as

melhorias necessárias.

Apesar da disseminação e da popularidade adquirida pelos SIs, Salvi et al (2005) ressalvam

que sua implantação pode gerar mudanças organizacionais com reflexos positivos ou

negativos e pode alcançar ou não os objetivos pré-estabelecidos. Isto porque a introdução de

um SI exerce grande impacto comportamental e organizacional, transformando o modo como

os vários indivíduos e grupos desempenham suas atividades e interagem entre si. Os SIs

devem refletir a prática e o contexto dos usuários, mas, segundo Rodrigues Filho e Ludmer

(2005), é comum que as pessoas sejam relegadas a segundo plano em relação às tecnologias

nos projetos de DSI, o que ocasiona inúmeras falhas nos processos de DSI, com reflexos na

fase de uso.

2.3. O envolvimento do usuário no processo de DSI

Orlikowski (1992) afirma que a maioria dos SIs computadorizados são desenhados de tal

forma que os usuários não entendem sua natureza construída. A baixa participação dos

usuários no processo de DSI desestimula sua utilização e gera falhas na fase de uso das

soluções (CAMBOIM e NÓBREGA, 2010).

Lucena (2010) afirma que, o sucesso da adoção de um novo SI é determinado, entre outros

fatores, pelo envolvimento e influência do futuro usuário nas decisões relativas à solução.

Laudon & Laudon (2006) destacam que, quando o uso do sistema é voluntário, os usuários

podem tender a evitá-lo, mas se é obrigatório, a resistência pode tomar a forma de elevadas

taxas de erros, interrupções, rotatividade e até sabotagem. Portanto, é necessário desenvolver

estratégias de implementação que evitem a contra-implementação. Nesse sentido, Salvi et al

(2005) apontam algumas estratégias para reduzir as resistências dos usuários: envolvê-los para

aumentar seu comprometimento, educá-los através de treinamentos; oferecê-los incentivos,

aumentando seu empenho; e manter coesão administrativa, definindo regras e políticas.

Os estudos em SI dividem-se em abordagens técnicas e/ou sociais. Esta área tende a aderir aos

métodos racionais de enfoque tecnicista, baseados na epistemologia positivista adotada pelo

pensamento dominante na área. Por outro lado, o anti-positivismo abre perspectivas para

desenvolvimento de sistemas como um processo mais social, sugerindo enfoques alternativos.

É importante manter uma associação das duas tendências metodológicas.

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Neste sentido, a metodologia de desenvolvimento participativo (DP), prioriza a participação

das pessoas no desenvolvimento de SIs em detrimento das questões técnicas, reconhecendo o

papel central do usuário no processo de desenho de sistemas.

As diferenças entre as abordagens tradicional e participativa baseiam-se em:

Figura 1: Comparação entre as abordagens tradicional e cooperativa de DSI

Fonte: RODRIGUES FILHO & LUDMER, 2005

A abordagem participativa enfatiza o alto envolvimento do usuário durante o processo de

desenho do sistema, com uma discussão profunda sobre o seu trabalho.

3. Contextualização da feira agroecológica objeto do estudo

A Feira Agroecológica da UFPB acontece semanalmente desde 2002 em espaço cedido pela

Prefeitura Universitária, em função de uma articulação realizada com a Pró-Reitora de

Assuntos Comunitários, professores e lideranças do grupo camponês. Tem como base da sua

formação, a organização social de camponeses provenientes da Várzea e do Litoral Sul da

Paraíba, territorializados em seis assentamentos rurais. A Ecovárzea representa 30 famílias

integrantes da feira, caracterizando-se por um processo organizativo que valoriza a

participação individual de cada membro e fortalece o caráter coletivo das decisões de

interesse comum.

Seu sistema de produção e comercialização apresenta características próprias e peculiares, tais

como: produção descentralizada e mesclada de produtos, intensa atuação do trabalhador,

clientela diferenciada, geralmente consciente e fidelizada. Isso faz com que a gestão da

produção nesse contexto requeira metodologias diferenciadas.

4. Desenvolvimento do SIPAF

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O SIPAF foi desenvolvido com base na metodologia proposta por Laudon & Laudon (2006),

buscando adotar uma abordagem participativa.

Figura 2: Relação entre as atividades do processo de desenvolvimento do SIPAF e as etapas

da metodologia de referência.

4.1. Etapa de Análise do Sistema

4.1.1. Definição do problema

O projeto de extensão que inspira esse artigo é uma consequência de anos de parceria entre

GEA e Ecovárzea, por meio de outros projetos de extensão, pesquisas monográficas e de

mestrado. Dessa forma, a identificação do problema a ser tratado pelo SIPAF se deu ao longo

dessas experiências, quando se evidenciou a incompatibilidade entre a oferta e a demanda de

produtos da feira.

4.1.2. Identificação das causas do problema

Para identificar as causas desse problema, optou-se por uma abordagem de imersão, na qual

os membros da equipe do projeto foram hospedados por famílias de agricultores em suas

propriedades, sendo inseridos em suas respectivas rotinas durante três dias. Nessa experiência,

denominada Residência Agrária, a equipe vivenciou todas as atividades agrícolas, domésticas

e de lazer das famílias, finalizando com a participação na logística de preparação para a feira

(colheita e preparo dos produtos, carregamento do caminhão, deslocamento até a feira e

montagem da feira).

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A partir dessa experiência, foi observado que cada produtor decide individualmente o que irá

produzir, sem nenhum tipo de previsão de demanda ou comunicação com os demais

produtores e que alguns adotam outros meios de comercialização. Os fatores considerados

para essa decisão são bastante diversos, tais como: o conhecimento de cada agricultor sobre as

técnicas agroecológicas; a disponibilidade de recursos hídricos; a noção tácita de rentabilidade

dos produtos; os ciclos de produção (tempo entre o plantio e a colheita), havendo uma

preferência pelos ciclos mais curtos, dada a restrição de capital de giro; a demanda alimentar

da própria família; e, finalmente, a disponibilidade de pessoas da família para a atividade

agrícola. O fator humano pareceu ser, em grande parte das propriedades, um fator limitante

crítico para a produção, de modo que culturas que demandam mão-de-obra mais intensamente

acabam sendo preteridas, mesmo que sejam mais rentáveis.

Considerando o modo como a produção é planejada, o binômio volume e mix de produtos do

conjunto de produtores, ou seja, da feira, dificilmente se adequa à demanda dos clientes. Além

disso, verificou-se que os agricultores não mantêm controles quanto às quantidades do que é

levado para a feira, vendido, perdido ou do que sobra, inviabilizando análises que permitam

melhorar o planejamento.

Observou-se também que a maioria das famílias não realizava qualquer tipo de controle

financeiro, o que limitava ainda mais sua capacidade de planejar a produção adequadamente,

além de prejudicar o planejamento de suas vidas domésticas.

A Residência Agrária foi crucial não só para identificar as causas da incompatibilidade entre

oferta e demanda, mas também para estreitar os laços entre os membros da equipe e os

agricultores e promover um clima de confiança fundamental para o projeto.

4.1.3. Especificação da solução e dos requisitos de informação

A especificação da solução e dos requisitos de informação a serem atendidos pela solução

consiste em definir quem precisa de qual informação, quando, onde e como. A solução

pensada foi a elaboração de um sistema que fornecesse informações sobre o fluxo financeiro

de cada família produtora, diferenciando os itens domésticos dos de produção, e sobre os

fluxos comerciais tanto da feira da UFPB como de outros canais de comercialização.

No entanto, antes de iniciar essa etapa, foram promovidos cursos de informática para o

público alvo visando iniciar a inclusão digital dos futuros usuários do sistema, criar

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familiaridade com as tecnologias digitais e prepará-los para uma participação mais efetiva no

processo de DSI. Os jovens foram os que demonstraram maior interesse nos cursos.

Então, visando envolver os usuários no processo de desenvolvimento do SIPAF, minimizar

resistências e evitar problemas futuros na fase de uso, foi promovida uma Oficina de Gestão

com os agricultores e seus filhos. Nesse evento buscou-se sensibilizá-los sobre a importância

das práticas de gestão para cada agricultor individualmente e para a feira como um todo,

ilustrar como um SI pode contribuir para a gestão de suas atividades e definir, juntamente

com eles os requisitos de informação a serem atendidos pelo sistema. A Oficina, por meio de

dinâmicas, filmes e relatos contemplou temas como técnicas simples de planejamento e

controle de produção, custos e vendas visando verificar sua adequação às necessidades do

grupo, assim como sua aceitação. Apresentou-se também a possibilidade de informatizar esses

procedimentos gerenciais, desenvolvendo um sistema que atendesse às necessidades do

grupo, ilustrando essa possibilidade com a simulação de relatórios gerenciais.

Dessa forma, o grupo ampliou sua compreensão acerca do projeto e do poder da informação

nos processos de decisão, identificando que um planejamento da produção mais adequado

depende de informações e pode levar à maximização de seus retornos financeiros, mesmo

considerando as diversas limitações a que são submetidos. Os agricultores contribuíram com a

especificação da solução e dos requisitos de informação validando a proposta apresentada e

opinando sobre os formulários de coleta de dados utilizados nas dinâmicas e os relatórios

gerencias simulados.

Assim, definiu-se que o SIPAF seria estruturado em quatro módulos: Administrativo,

Financeiro, Comercialização e Relatórios. O módulo Administrativo contempla os cadastros

básicos do sistema, tais como produtores, produtos, meios de comercialização e itens

financeiros. O módulo Financeiro contempla o registro do fluxo financeiro, categorizado em

entradas e saídas, enquanto o módulo de Comercialização englobará o registro dos

quantitativos de alimentos produzidos e vendidos, além das sobras e perdas dos processos

comerciais. Finalmente, o módulo de Relatórios tem a função de gerar informações numéricas

e gráficas, analíticas e sintéticas a partir dos registros financeiros e comerciais.

Percebeu-se, no entanto, que o interesse dos agricultores levantado durante a Oficina de

Gestão poderia se esvair ao longo da espera pela implementação do SIPAF, portanto, logo

após a realização da Oficina, os formulários impressos para coleta de dados foram

implementados e relatórios gerencias simples passaram a ser gerados a partir de planilhas

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Excel. Essa medida mostrou-se de grande utilidade, pois permitiu a consolidação da cultura

gerencial entre os agricultores e o refinamento da especificação do SIPAF, garantindo maior

aderência às necessidades dos usuários.

4.1.4. Estudo de viabilidade

O desenvolvimento do SIPAF foi considerado viável em termos técnicos e financeiros, por

contar com equipe multidisciplinar e capacitada da UFPB e com recursos financeiros do órgão

de fomento. Portanto, a principal questão considerada foi a viabilidade organizacional,

planejada durante a Oficina de Gestão. Foi definido que cada produtor seria responsável por

fazer os registros nos formulários de dados, podendo contar com o auxílio da equipe do

projeto e dos dois bolsistas rurais, filhos dos agricultores. Esses jovens seriam também os

usuários diretos do sistema, lançando os dados e gerando os relatórios para cada família

participante.

4.2. Etapa de Projeto do Sistema

O projeto do SIPAF é composto por duas documentações. A primeira, elaborada utilizando-se

a técnica de casos de uso, contempla as especificações dos requisitos funcionais e não

funcionais, enquanto a segunda traz os aspectos técnicos da solução. Os requisitos funcionais

se relacionam com a maneira como o sistema deve operar, definindo entradas e saídas do

sistema e o relacionamento entre elas, assim como sua interação com o usuário. Os requisitos

não funcionais traduzem questões de segurança, confiabilidade, usabilidade e desempenho.

Finalmente, a documentação técnica especifica a linguagem em que será desenvolvido o

sistema, o banco de dados e servidor web, as configurações mínimas do computador

requeridas e as interações entre cada sistema componente do SIPAF.

4.3. Etapa de Conclusão do Processo

A etapa de conclusão do processo engloba quatro sub-etapas: Programação; Teste; Conversão;

e Produção e Manutenção, as quais ocorreram em ciclos para cada módulo do sistema. A

equipe de bolsistas foi dividida em dois grupos nessa etapa do projeto. O primeiro grupo ficou

responsável pela programação e pela manutenção do sistema, enquanto o segundo grupo

realizou os testes para verificar se as funcionalidades requeridas foram atendidas, treinou os

jovens rurais e os acompanhou na conversão do sistema. A cada conversão, manteve-se, por

um período, o uso das planilhas Excel em paralelo ao SIPAF visando comparar os resultados

entre os sistemas, se certificando de sua correção e evitando perdas de informação devido a

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qualquer problema de implantação do novo módulo. Assim, somente após consolidado o uso

do módulo abandonou-se o sistema anterior. Esse ciclo se repetiu para cada módulo do

sistema.

A implantação em módulos foi adotada visando: evitar que falhas ou ajustes em um módulo

refletissem nos demais gerando erros em cascata e retrabalhos excessivos; minimizar a

rejeição dos usuários em razão de uma grande mudança em suas rotinas, incorporando o

sistema em seu cotidiano gradualmente; e facilitar o aprendizado dos usuários pela diluição do

volume de novos conhecimentos a serem internalizados por vez.

No momento de conclusão desse artigo, o processo de desenvolvimento do SIPAF encontra-se

em fase de programação do último módulo, de Relatórios. A seguir são apresentadas algumas

telas do sistema já em fase de produção.

Figura 3: Tela de entrada do módulo Administrativo

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Figura 4: Tela de registro de dados de comercialização

5. Considerações Finais

A experiência de desenvolvimento do SIPAF em uma abordagem participativa junto à

Ecovárzea demostrou que é possível municiar organizações de agricultores familiares com

ferramentas gerenciais que lhes auxiliem a tornar seus fluxos comerciais e financeiros mais

eficientes. O desenvolvimento de um SI nesse contexto, no entanto, deve respeitar as

características relativas ao tipo de conhecimento cujas informações se quer sistematizar

(tácito) e aos aspectos culturais de disseminação desta informação (a tradição). Além disso,

deve-se considerar as limitações típicas da atividade, tais como o baixo nível de escolaridade

e de cultura gerencial. Esses fatores também podem prejudicar o nível de participação e

envolvimento dos usuários no processo DSI, mas isso pode ser contornado com atividades

diferenciadas, tais como a Residência Agrária, a Oficina de Gestão e os cursos de informática.

Essas estratégias foram cruciais para a aceitação do sistema, mas não garantiu adesão de todo

o grupo. Os usuários do SIPAF são, principalmente, os agricultores com maior nível de

escolaridade e aqueles que, mesmo com baixo nível de escolaridade, já demonstravam alguma

maturidade em termos gerenciais. A adesão parcial dos agricultores prejudicou análises do

desempenho da feira como um todo, limitando sua contribuição ao nível familiar.

O uso de uma metodologia estruturada como base para o processo de desenvolvimento do

SIPAF foi crucial na condução do projeto, pois orientou as atividades da equipe no sentido do

cumprimento dos objetivos propostos. O arcabouço metodológico se mostrou adequado,

inclusive, para acomodar a postura adaptativa na condução das atividades, necessária devido

às especificidades do público alvo.

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Certamente o SIPAF não é suficiente para solucionar a problemática de incompatibilidade

entre oferta e demanda de produtos, cujas causas passam por questões de infraestrutura,

assistência técnica e acesso a crédito, mas foi considerado pelos usuários uma ferramenta

importante no combate a essa questão. O grande desafio desse trabalho foi o de empreender o

desenvolvimento de um sistema de informação, através do enfoque participativo, para apoio

às atividades de produção e comercialização de produtos de agricultores assentados, universo

onde se observa predominância do conhecimento tácito, sem registro em memoriais, e

transferência da informação através da tradição, de forma não codificada.

Nesta perspectiva, conclui-se que, assim como outras políticas públicas do Governo Federal

para os territórios rurais, o SIPAF se torna incipiente para o exercício da cidadania como

almejam as diretrizes da Secretaria de Inclusão Digital do Ministério das Comunicações. Crê-

se que a utilização do SIPAF dependerá do apoio e da articulação entre a assistência técnica

dos assentamentos envolvidos, das escolas onde os jovens estejam matriculados, do apoio das

famílias dos jovens que ficarão responsáveis pelo SIPAF após o término do projeto, e do GEA

enquantro grupo de pesquisa e extensão capaz de elaborar outros projetos para o

fortalecimento do SIPAF.

6. Referências Bibliográficas

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