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ASPECTOS ECOLÓGICOS DA TRIPANOSSOMÍASE AMERICANA. VIII DOMICILIAÇÃO DE PANSTRONGYLUS MEGISTUS E SUA PRESENÇA EXTRADOMICILIAR * Oswaldo Paulo Forattini ** Octávio Alves Ferreira *** Eduardo Olavo da Rocha e Silva * Ernesto Xavier Rabello ** RSPU-B/340 FORATTINI, O. P. et al. Aspectos ecológicos da Tripanossomíase americana. VIII Domiciliação de Panstrongylus megistus e sua presença extradomi- ciliar. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 11:73-86, 1977. RESUMO: São apresentados os resultados iniciais de observações destina- das a evidenciar a presença de Panstrongylus megistus domiciliado e silvestre em uma mesma localidade. Os resultados sugerem a domiciliacão desse tria- tomíneo ao lado de seus hábitos extradomiciliares. Estes estão localmente predominantes como ocos de árvores que servem de abrigos a animais sil- vestres. A presença desses focos naturais ocorre nas manchas de florestas residuais e a capacidade invasiva em relação aos ecótopos naturais evidenciou-se através da colonização de galinheiros experimentais instalados nesses locais. UNITERMOS: Tripanossomíase americana. Panstrongylus megistus. Tria- tomíneos, domiciliacão. Ecologia médica. INTRODUÇÃO A acentuada domiciliacão do Panstron- gylus megistus, que se observa em várias regiões do Brasil, redundou em sua ele- vada importância epidemiológica como transmissor regional da tripanossomíase americana. Esse fato é conhecido desde longa data, embora o mesmo não se pos- sa dizer quanto ao encontro desse tria- tomíneo em condições extradomiciliares. Com efeito, foi somente a partir dos anos sessenta que ocorreram, nesse particular, os achados mais significativos. Revelou- se, assim, apreciável variedade de ecóto- pos naturais, passíveis de serem habitados pelo hemíptero (Barretto 3 , 1966). Em conseqüência surgiu a questão de se essa espécie seria ou não monotípica. Em outras palavras, tornou-se necessário es- clarecer a existência de população com valência ecológica suficiente para invadir as habitações e, conseqüentemente, domi- ciliar-se ou se seriam duas ou mais po- *Realizado com o auxílio financeiro parcial da Fundação de Amparo à Pesquisa do Esta- do de São Paulo (Proc. C. Médicas 72/770) . ** Do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP — Av. Dr. Arnaldo, 715 — São Paulo, SP — Brasil. *** Da Diretoria de Combate a Vetores da Superintendência de Controle de Endemias (SU- CEN) do Estado de São Paulo — Rua Tamandaré, 649 — São Paulo, SP — Brasil.

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ASPECTOS ECOLÓGICOS DA TRIPANOSSOMÍASE AMERICANA.VIII — DOMICILIAÇÃO DE PANSTRONGYLUS MEGISTUS E SUA

PRESENÇA EXTRADOMICILIAR *

Oswaldo Paulo Forattini **Octávio Alves Ferreira ***Eduardo Olavo da Rocha e Silva *Ernesto Xavier Rabello **

RSPU-B/340

FORATTINI, O. P. et al. Aspectos ecológicos da Tripanossomíase americana.VIII — Domiciliação de Panstrongylus megistus e sua presença extradomi-ciliar. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 11:73-86, 1977.

RESUMO: São apresentados os resultados iniciais de observações destina-das a evidenciar a presença de Panstrongylus megistus domiciliado e silvestreem uma mesma localidade. Os resultados sugerem a domiciliacão desse tria-tomíneo ao lado de seus hábitos extradomiciliares. Estes estão localmentepredominantes como ocos de árvores que servem de abrigos a animais sil-vestres. A presença desses focos naturais ocorre nas manchas de florestasresiduais e a capacidade invasiva em relação aos ecótopos naturais evidenciou-seatravés da colonização de galinheiros experimentais instalados nesses locais.

UNITERMOS: Tripanossomíase americana. Panstrongylus megistus. Tria-tomíneos, domiciliacão. Ecologia médica.

I N T R O D U Ç Ã O

A acentuada domiciliacão do Panstron-gylus megistus, que se observa em váriasregiões do Brasil, redundou em sua ele-vada importância epidemiológica comotransmissor regional da tripanossomíaseamericana. Esse fato é conhecido desdelonga data, embora o mesmo não se pos-sa dizer quanto ao encontro desse tria-tomíneo em condições extradomiciliares.Com efeito, foi somente a partir dos anossessenta que ocorreram, nesse particular,

os achados mais significativos. Revelou-se, assim, apreciável variedade de ecóto-pos naturais, passíveis de serem habitadospelo hemíptero (Barretto 3, 1966). Emconseqüência surgiu a questão de se essaespécie seria ou não monotípica. Emoutras palavras, tornou-se necessário es-clarecer a existência de população comvalência ecológica suficiente para invadiras habitações e, conseqüentemente, domi-ciliar-se ou se seriam duas ou mais po-

*Realizado com o auxílio financeiro parcial da Fundação de Amparo à Pesquisa do Esta-do de São Paulo (Proc. C. Médicas 72/770) .

** Do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP — Av. Dr.Arnaldo, 715 — São Paulo, SP — Brasil.

*** Da Diretoria de Combate a Vetores da Superintendência de Controle de Endemias (SU-CEN) do Estado de São Paulo — Rua Tamandaré, 649 — São Paulo, SP — Brasil.

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pulações com hábitos distintos, sinantrópi-cos e silvestres. O problema continua emaberto e, a maior ou menor freqüênciacom que foram registrados os encontrosde P. megistus em biótopos naturais, temsido explicada por meio de diversas hi-póteses. Há as que admitem a politipiacom barreiras naturais de ordem climá-tica e as que aceitam a existência de po-pulação monotípica eurítopa, atribuindoa escassez dos encontros de ecótopos sil-vestres ao número limitado de pesquisaslevadas a efeito nesse sentido (Aragão2 ,1961; Pessoa13, 1962; Barretto3 , 1966;Forattini e col. 6, 1970 e Miles11, 1976).

O interesse em conhecer as implicaçõesdesse comportamento torna-se óbvio, faceàs campanhas que foram ou estão sendoencetadas para o controle e possível erra-dicação desse inseto. Compreende-se quea eficácia dessas medidas estaria forço-samente subordinada, entre outros fato-res, à possível existência de comporta-mento invasivo com subseqüente domicilia-ção, a partir de focos extradomiciliares.No Estado de São Paulo, Brasil, o com-bate aos triatomíneos pela aplicação deinseticidas nas habitações, levado a efeitopela atual Superintendência de Controlede Endemias (SUCEN), resultou em acen-tuada queda ou mesmo desaparecimento,em grandes áreas, do Triatoma infes tans .Contudo o mesmo não ocorreu com outrasespécies, entre elas, o P. megistus cujaparticipação nos resultados das capturasvem acusando sensível aumento (Rochae Silva et al.14, 1969). Em que pesemos múltiplos fatores outros que, com opassar do tempo, poderiam influir no me-lhor rendimento das coletas, o fato é queo comparecimento do triatomíneo tem si-do de molde a despertar a atenção. Emtermos gerais, o estado atual no territóriopaulista sugere o interesse imediato narealização de pesquisas visando observaro comportamento da, ou das populaçõesdesse heróptero.

Por outro lado, é de se assinalar que,em regiões com P. megistus francamente

domiciliado, já tinham sido registradas asua persistência e capacidade de reinfes-tação das casas. Observações levadas aefeito no Estado de Minas Gerais, Brasil,evidenciaram a menor sensibilidade desse"barbeiro" às tentativas de sua erradica-ção por meio do expurgo domiciliar. Essesdados concordam com os obtidos no Esta-do de São Paulo em localidade onde, an-teriormente à aplicação de inseticidas, otriatomíneo desempenhava papel secundá-rio nos ecótopos artificiais. Tais aspectosvieram sugerir, fortemente, a presença deprocesso substitutivo das populações domi-ciliadas de T. infestans pelas de P. me-gistus, em decorrência da eliminação da-quelas (Freitas10, 1963 e Dias 4 , 5 1965,1968).

No estado atual reconhecem-se dois ti-pos de comportamento do P. megistus cor-respondendo a distribuição geográficamais ou menos estabelecida, ao se tomarcomo limite linha hipotética que percor-ra o norte-nordeste do Estado de SãoPaulo. Ao norte observa-se a ocupaçãodos biótopos artificiais, com conseqüentedomiciliação, ao passo que ao sul, o tria-tomíneo parece restrito ao ambiente na-tural (Aragão2, 1961 e Forattini7, 1972).Como se mencionou, a explicação dessefato ainda não foi obtida de maneira sa-tisfatória. Por sua vez, reveste-se de altaimportância a resposta a perguntas sobreo que poderá ocorrer após o esvaziamentodo correspondente nicho ecológico nasbiocenoses artificiais existentes em am-bientes domiciliares, e quais seriam aspossibilidades de substituição das popu-lações triatomínicas eliminadas (Foratti-n i 8 , 1976).

Para a realização de pesquisas visandoo esclarecimento dessas questões, o Esta-do de São Paulo e suas zonas limítrofes,oferecem campo extremamente favorável.E isso por várias razoes. Em primeiro lu-gar, como foi mencionado, a sua regiãonorte-nordeste seria de possível transiçãoentre duas hipotéticas populações. Alémdisso, possui ampla área de ecossistema

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natural na Serra do Mar, com a presen-ça de população eminentemente silvestre.Acrescente-se a circunstância de ter sidoobjeto de campanha intensa e regular decombate aos triatomíneos domiciliados, eque levou à sua redução acentuada oumesmo eliminação. Finalmente, o fato degrande parte do território paulista encon-trar-se atualmente em fase de vigilância,enseja condições ótimas para as investi-gações. Face a isso foi programada eexecutada série de observações cujo relatoinicia-se com o presente trabalho. Nesteprocura-se descrever quadro básico de dis-tribuição local do P. megistus, bem comoas primeiras tentativas de observação deseu comportamento.

Região estudada

A região onde foram levadas a efeitoestas observações, compreende quatro lo-calidades do município de Cássia dos Co-queiros, situado no nordeste do Estadode São Paulo e limítrofe com o vizinhoEstado de Minas Gerais (Fig. 1). Encon-tram-se, aproximadamente, entre 21°05' e21°20' de latitude sul e de 47°05' a 47°15'de longitude oeste. A sede municipal dis-ta ao redor de 20 km da vizinha cidadepaulista de Cajurú e a cerca da mesmadistância em relação à congênere minei-ra de Monte Santo.

Esta região localiza-se no limite norteda Depressão Paleozóica constituindo-seno que se poderia chamar de prolonga-mento meridional do Planalto de Franca.Dessa maneira, apresenta-se com topogra-fia semelhante a este, a julgar pelas des-crições e estudos existentes (Ab'Sáber1 .1975). Assim, em altitude que varia de700 a pouco mais de 1000 metros, obser-va-se terreno acentuadamente onduladoque termina a leste e sudeste por escar-pas altas de arenito-basalto, filiadas aomesmo sistema das cuestas do nordestede São Paulo e oeste de Minas Gerais.

Na divisão ecológica do Estado de SãoPaulo, esta área inclui-se na sub-região

quente da Serra Geral (SGq) de Setzer15

(1966), ou então no altiplano de Françacomo subdivisão da sexta região, ou Cen-tro-Norte, de Troppmair16 (1975). Noprimeiro caso, a classificação consideraos elementos climáticos e pedológicos, en-quanto que, no segundo, leva em contacritérios fenológicos.

Os aspectos do clima fazem com que,de acordo com Setzer 15 (1966), esta árease constitua em bolsão local classificadono tipo Cwb de Koeppen. Por sua vez,no sistema de Monteiro12 (1973), inclui-se na feição climática Vc do tipo A2. Aprimeira classificação baseia-se nos da-dos de pluviosidade e de temperaturasmédias, ao passo que a segunda utiliza,como critério, a atuação das massas de arenvolvidas na circulação regional e quese refletem na produção de chuvas. Dequalquer maneira, as características cli-máticas da região são do tipo temperado,com período seco nítido e contrastante como chuvoso que o sucede pois este apresen-ta elevados índices de precipitação. Quan-to à temperatura, é inferior a 18°C e a22°C, como média, para o mês mais frio( julho) e mais quente ( j a n e i r o ) , respec-tivamente.

Tais feições climáticas, caracterizadaspela alternância de épocas nítidas do ano,propiciam os aspectos fenológicos com apredominância de plantas tropófilas. Tan-to pela sua situação como pelas peculia-ridades supradescritas, esta área pode serconsiderada como uma parte da regiãode transição que caracteriza o altiplanode Franca. Esse aspecto tem sido reco-nhecido como zona de contato entre pai-sagens botânicas distintas como as flo-restas do planalto paulista e os cerradosdo ocidente de Minas Gerais e sul deGoiás. De maneira geral, representa apassagem entre o centro e o sul do Bra-sil, com tendência para as formações ve-getais do centro-oeste (Ab'Sáber1 1975,Troppmair16 1975). Por outro lado, noque concerne ao objeto destas pesquisas,

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a área estudada situa-se também em hipo-tética zona limítrofe entre os dois já men-cionados tipos de comportamento doPanstrongylus megistus, ou seja, em con-cordância com a transição climática quesepara aquelas duas regiões do país (Ara-gão2 , 1961) (Fig. 1).

A vegetação local é representada porcampos, cerrados e restos de matas resul-tantes da destruição da primitiva cober-tura natural. O aproveitamento da terrainclui atualmente lavouras variadas comcerto predomínio de milho, cana, algodão,arroz e café. Boa parte da área é utili-zada para a pecuária de gado bovinoleiteiro, contribuindo, para isso, a existên-cia de pastagens naturais. Assim sendo, apaisagem predominante consiste em áreasde cultivo e de pasto pouco extensos, entre-meadas por capões de mata de tamanhovariável. Os indivíduos vegetais são repre-sentados, com predominância, por árvoresde pequeno e médio porte, plantas arbus-tivas e palmeiras. Nas roças e pastagensobserva-se, com freqüência, a presença deespécimens isolados, vivos ou seco, erectosou derrubados. Em menor número e nasmanchas de mata residual de maior exten-são, pode-se observar a presença de árvo-res de elevado porte.

As habitações são construídas, predomi-nantemente, com paredes de tijolos ou debarro, rebocadas. Seu estado de conser-vação, em geral, é precário e assim ofere-cem bom abrigo potencial para triatomí-neos. Os anexos são freqüentes e nume-rosos, representados não apenas pelos abri-gos de animais domésticos, mas tambémpelos depósitos de gêneros e implementosagrícolas de toda a espécie, e conhecidoscomo "paióis", além de coberturas paraas fossas ou latrinas.

A escolha desta região prendeu-se ao fa-to de ter sido sede de prolongada e siste-mática campanha de controle de triatomí-neos, através da aplicação domiciliar deinseticidas (Freitas10, 1963). Em conse-qüência, deu-se o desaparecimento da po-

pulação de T. injestans que anteriormenteinfestava as habitações. Restou a de P.megistus, cujo comportamento passou a serobjeto destes estudos. Para tanto, como jáse mencionou, foram escolhidas três loca-lidades. Com isso, pretendeu-se abranger,o mais possível, o aspecto paisagístico re-gional, com a inclusão de feições maisparticularizadas. As características de ca-da uma são as apresentadas a seguir.

A primeira é a mais extensa e está si-tuada nas vertentes do vale do rio Cuba-tão, que deságua no rio Pardo. É per-corrida também por vários afluentes doprimeiro, conhecidos por diversos nomessendo, os mais conhecidos, aqueles cor-respondentes aos de rios da Prata, Jacarée da Delícia. A área selecionada compre-ende as localidades denominadas de Bairroda Carqueja e Bairro Jacaré. Inclui-senela os aspectos anteriormente descritose, de maneira particular, representa zonade maior grau de atividade agrícola ede densidade habitacional. Assim sendo,ao lado de terrenos abertos para a agri-cultura e a pecuária, em número apreciá-vel, observa-se a existência de limitadonúmero de manchas de matas residuais.No seu limite ao norte, encontra-se salien-te escarpa de arenito-basalto conhecida co-mo Serra da Carqueja. Tal formaçãoempresta feição acidentada à paisagem e,em seu sopé, pode-se notar o desenvolvi-mento de vegetação predominantemente deporte médio e arbustivo, embora se encon-trem, de maneira esparsa, indivíduos ar-bóreos altos. Desse ponto descortina-sepanorama que inclui as duas localidadessupramencionadas e todo o vale do siste-ma do rio Cubatão, o que fornece boaidéia geral das características regionais(Figs. 2 e 3).

A segunda é representada pela locali-dade conhecida como Bairro da Boiada,atravessada por curso d'água que leva omesmo nome. Caracteriza-se por menornúmero de casas e de lavouras, se com-parada com a interior, mas com maior

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extensão de matas residuais. Nestas pode-se observar, com maior f reqüência , a pre-sença de árvores mais altas e aspecto maisfechado ao nível do solo (F ig . 4 ) .

Finalmente, a terceira corresponde à lo-calidade conhecida como Bairro MonteAlto, e caracteriza-se também por menorconcentração de habitações. Ao lado disso,apresenta maior abundância de terrenout i l izado para o pasto do gado. A vege-tação residual concentra-se ao longo dospequenos cursos d'água ou em conjuntosisolados cercados pelas pastagens (Fig. 5 ) .

MATERIAL E MÉTODOS

O objetivo inicial destas pesquisas foio de colher dados que pudessem definir oquadro local dos focos silvestres e domi-ciliados de P. megistus. Para tanto, naslocalidades escolhidas foram delimitadosterrenos circulares com 600 m de raio ecujo centro correspondeu a uma das casaslocais para tanto selecionada arbitraria-mente. Daí resultaram quatro áreas, assimdistr ibuídas (F ig . 1 ) .

Área Localidade

A Bairro da Carqueja

B Bairro Jacaré

C Bairro da Boiada

D Bairro Monte Alto

Em cada uma delas, efetuou-se o l evan-tamento das habitações e seus anexos, estesrepresentados por locais de animais do-mésticos, depósitos cobertos ("paióis") ounão, abrigos de fossas, cercas e outros.Além disso, esse reconhecimento implicouprocedimento análogo em relação ao am-biente extradomicil iar silvestre, incluindotodos os tipos de vegetação ali encontra-dos .

Em etapa seguinte, levada a efei to noperíodo de setembro de 1971 a outubrode 1972, foram pesquisados todos os ecó-topos a r t i f ic ia i s constituídos pelas casas eseus anexos, nas quatro áreas. No mesmoespaço de tempo, procedeu-se ao exame

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dos possíveis ecótopos naturais em A, Be C, focalizando palmeiras, árvores vivasou secas, troncos ocados, e ninhos de ani-mais incluindo cercas e amontoados dematerial distantes das habitações. Estaspesquisas no ambiente extradomiciliar fo-ram realizadas de maneira a resultar nodesbastamento manual desses biótopos.

Concomitantemente às atividades supra-citadas, foram construídos galinheiros ex-perimentais ( G E ) , obedecendo à mesmatécnica já descrita em publicação anterior1 Foratt ini e col. 9. 1973). Para localizá-los, levou-se em consideração a possívelinfluência resultante da destruição dos ecó-topos naturais por ocasião do supracitadolevantamento. Além disso, pretendeu-sefocalizar o papel das manchas de matasresiduais e, assim, o referente aos doistipos de ambientes, representados pelosterrenos, coberto e descoberto, em relaçãoa esse revestimento vegetal. Face a taisfatores, decidiu-se colocar essas constru-ções, em locais onde a pesquisa de ecóto-pos naturais não fora realizada, obviandoassim o possível fator de negatividade quepudesse ser atribuído a essa destruição.Dessa maneira os GE foram dispostos nosBairros da Carqueja, Boiada e Monte Al-to, em número de dois para cada locali-dade. Na primeira escolheu-se situaçãofora das áreas trabalhadas A e B e cor-respondente ao sopé da escarpa, entre avegetação local (Fig. 6). Outros dois fo-ram colocados, também fora da área tra-balhada C e o par restante foi instaladoem região onde não se procedeu à pes-quisa no ambiente silvestre, e incluída noBairro Monte Alto. Nestes últimos qua-tro GE, para cada área, a situação obede-ceu ao critério de situar um dentro damata residual e outro no terreno abertoe exterior à vegetação (Fig. 7, 8 ) . Des-sa maneira, e de acordo com a orientaçãodescrita, a disposição desses seis ecótoposartificiais foi a seguinte:

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A situação geográfica desses GE poderáser apreciada no mapa da Fig. 1.

R E S U L T A D O S

Ambiente domiciliar — os resultadosdos exames das casas e seus anexos, nasvárias áreas, acham-se expostos nas Ta-belas 1 e 3. Pode-se verificar a negati-vidade das habitações e a baixa positivi-dade limitada aos anexos. Todavia deve-se ressaltar o relativamente pequeno nú-mero de casas examinadas e o aspecto pe-culiar de um desses anexos ter sido re-presentado por depósito que servia depernoite a pessoa moradora da localidade(Fig. 9). Ali foi encontrado o maior focodomiciliado de P. megistus, representadopela coleta de 16 adultos e 221 ninfas(Tabela 3) . De qualquer forma, nas qua-tro áreas, o triatomíneo apresentou aspec-to relativamente uniforme, ou seja, o dese encontrar domiciliado embora confina-do ao peridomicílio.

Ambiente silvestre ou extradomiciliar— para as três áreas onde foi levada aefeito a pesquisa no ambiente extradomi-ciliar (A, B e C) os resultados acham-seresumidos nas Tabelas 2 e 3. Foram en-contrados 7 focos de P. megistus em ecó-topos naturais de aspecto constantementerepresentado por árvores ocadas, ou seja,que apresentam o tronco escavado (Fig.10). Desses focos, seis situavam-se den-tro das matas residuais e um em espaçoaberto. Este foi representado por árvoreseca localizada dentro dos limites de ter-reno cultivado. Todos esses biótopos, cons-tituiam-se em abrigos de animais silves-tres, albergando ninhos e locais de repou-so identificados pelos vestígios encontra-dos ou pelos próprios animais ali surpreen-

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didos por ocasião do exame. Dessa ma-neira, pôde-se evidenciar a presença nes-ses ecótopos de gambás (Didelphis), mor-cegos, roedores e aves.

Galinheiros experimentais (GE) — De-corrido tempo que variou de 13 a 16 me-ses de sua instalação, os seis GE foramobjeto de exame em 26 e 27. III . 1973.Os resultados obtidos acham-se expostosna Tabela 4. Pôde-se evidenciar a colo-nização do triatomíneo em dois deles, a 1e c1, tendo sido também surpreendidasua passagem em outro, d1. revelada pe-la presença de um ovo eclodido. Por taisresultados verifica-se que a instalação doP. megistus somente ocorreu nos ecóto-pos construídos dentro da vegetação, sejano sopé da escarpa, seja no conjunto dematas residuais. Acresce que um dos

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GE, o c2, teve seu exame prejudicadoface à colonização local de grande colô-nia de carrapatos Argasidae.

C O M E N T Á R I O S

Como se referiu a persistência de Pans-trongylus megistus no ambiente domiciliarconstitui fato observado há certo tempo.No caso particular da região objeto dopresente estudo, tal aspecto foi assinaladodesde as primeiras pesquisas de Freitas 10

(1963), que atribuiu esse fenômeno, pelomenos em parte, à presença de focos extra-domiciliares. Os resultados aqui relatadosconcordam com os desse autor, em suaslinhas gerais.

Parece fora de dúvida que a populaçãolocal do triatomíneo encontra-se como queassediando a casa do homem, tentando in-

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vadi-la para ali estabelecer suas colônias.Sua presença nos anexos peridomiciliaresevidencia esse fato e, o relativo pequenonúmero de achados pode ser levado emconta como resultado do constante serviçode vigilância e controle, que não permiteao inseto maior desenvolvimento popula-cional nesses ambientes.

Por sua vez, os resultados das pesqui-sas de focos silvestres, também foramescassos. No entanto, revelaram aspectoconstante no tipo local de ecótopos natu-rais, representado por ocos de árvores si-tuadas nas matas residuais, e que serviamde abrigo a mamíferos silvestres, princi-palmente marsupiais (Didelphis) . Nas ob-servações anteriormente já citadas, eviden-ciou-se a possibilidade de locas de pedravirem a desempenhar esse papel (Frei-tas10, 1963). A colonização obtida noGE a 1, instalado na proximidade dessesbiótopos, ou seja, no sopé da escarpa da

Carqueja, sugere fortemente a presençadesses focos.

A despeito do número um tanto redu-zido de encontros do P. megistus no am-biente natural, à instalação de galinheirosexperimentais (GE) seguiu-se apreciávelcolonização pelo menos em dois desses ecó-topos. Embora esse fato tenha sido obser-vado por Freitas10 (1963) não o foi coma intensidade aqui obtida. Pode-se argu-mentar que os GE que resultaram positi-vos, foram aqueles localizados dentro davegetação residual e, desta forma, em pro-ximidade dos focos naturais. Na reali-dade esse aspecto somente poderá ser es-clarecido através de futuras investigações,mas parece bastante claro que a popula-ção local possui capacidade não desprezí-vel de habitar ecótopos artificiais. Tudoindica que existe a possibilidade de inter-câmbio entre o ambiente domiciliar e osilvestre e, de acordo com observações le-vadas a efeito em outras regiões, essetriatomíneo apresenta a capacidade de mo-vimentar-se a consideráveis distâncias emdireção ao ambiente artificial (Miles11,1975).

Os resultados obtidos permitem eviden-ciar a presença de domiciliação e de há-bitos silvestres concomitantes, por partedo P. megistus. Esse quadro permite atri-buir-lhe valência ecológica suficiente pa-ra o desenvolvimento de poder invasivoem relação ao ambiente humano.

C O N C L U S Õ E S

Pelo que foi exposto, conclui-se o quesegue:

1 — Na região do município de Cássiados Coqueiros, Estado de São Paulo, Bra-sil, ocorre população de Panstrongylus me-gistus domiciliada.

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2 — Nesse particular situa-se, pois, naárea de distribuição geográfica onde essetriatomíneo desempenha papel de trans-missor da tripanossomíase americana.

3 — Ao lado da domiciliação, a popu-lação local do inseto encontra-se habitandoo ambiente extradomiciliar, representadoprincipalmente pelos aglomerados de ma-tas residuais.

4 — A população silvestre apresentacapacidade evidente de ocupar ecótoposartificiais, demonstrada pela franca colo-nização de galinheiros experimentais(GE).

5 — Na dependência de sua capacida-de de dispersão e mobilidade, o ambientedomiciliar estará sujeito à invasão porparte do triatomíneo, a partir desses focossituados nas matas residuais.

RSPU-B/340

FORATTINI, O. P. et al. [Ecological aspects of South American Trypanoso-miasis. VIII — Local domiciled and wild pattern of Panstrongylus me-gistus.] Rev. Saúde públ., S. Paulo, 11:73-86, 1977.

ABSTRACTS: Local pattern of domiciled and wild distribution of Panstron-gylus megistus was observed through artificial and natural ecotopes investigation.The bug was found inhabiting periodomestic dwellings and hollow trees inthe sylvatic environment serving as shelters for wild animals. This wasmainly represented by spots of remaining forests. Colonization of experimentalchicken houses was obtained suggesting that interchange occurs between naturaland artificial ecotopes. So it seems suitable to atribute high ecological valenceto this bug population.

UNITERMS: Trypanosomiasis, South American. Pantrongylus megistus.Triatomids bugs, domiciliarity. Medical ecology.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Page 14: ASPECTOS ECOLÓGICOS DA TRIPANOSSOMÍASE AMERICANA

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Recebido para publicação em 08/09/1976Aprovado para publicação em 10/09/1976