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239 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará ASPECTOS RELEVANTES DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: DIFUSO E CONCENTRADO Júlio César Matias Lobo Advogado Aluno do curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho e Processo Trabalhista da Faculdade Christus RESUMO O presente artigo enfoca, sob a ótica analítica e dogmática, as características e os aspectos relevantes do instituto de controle de constitucionalidade, das leis e atos normativos do Poder Público, na modalidade de ação indireta e direta, destacando, outrossim, o entendimento doutrinário, bem como a jurisprudência consolidada a cargo do Supremo Tribunal Federal. A conclusão destaca as premissas seguras com o fito de diferenciar os institutos, sem prejuízo das menções a outros dados fundamentais para escorreito conhecimento científico acerca dos encimados institutos. PALAVRAS-CHAVE Controle de Constitucionalidade. Direito Difuso. Atos Normativos. Poder Público. 1 BREVES CONSIDERAÇÕES INICIAIS A Constituição Federal, obra do Poder Constituinte Originário, norma de maior hierarquia de um sistema jurídico, constitui o fundamento de validade de todas as leis e atos normativos. Desse modo, qualquer espécie normativa, deve, sob pena de invalidade, buscar, na Suma Lex, sua validade ética. É nela, portanto, que toda norma do poder constituinte derivado deve buscar seu fundamento de validade, sob pena, de assim v. 5, n. 1, jan./jul. 2007

ASPECTOS RELEVANTES DO CONTROLE DE … · e com efeitos retroativos, ex tunc, portanto, fulminando de nulidade toda relação jurídica que teve como suporte jurídicos a norma declarada

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239THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará

ASPECTOS RELEVANTES DO CONTROLE DECONSTITUCIONALIDADE: DIFUSO E

CONCENTRADO

Júlio César Matias LoboAdvogado

Aluno do curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho e ProcessoTrabalhista da Faculdade Christus

RESUMO

O presente artigo enfoca, sob a ótica analítica edogmática, as características e os aspectos relevantes do institutode controle de constitucionalidade, das leis e atos normativosdo Poder Público, na modalidade de ação indireta e direta,destacando, outrossim, o entendimento doutrinário, bem comoa jurisprudência consolidada a cargo do Supremo TribunalFederal. A conclusão destaca as premissas seguras com o fitode diferenciar os institutos, sem prejuízo das menções a outrosdados fundamentais para escorreito conhecimento científicoacerca dos encimados institutos.

PALAVRAS-CHAVE

Controle de Constitucionalidade. Direito Difuso. Atos Normativos.Poder Público.

1 BREVES CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Constituição Federal, obra do Poder ConstituinteOriginário, norma de maior hierarquia de um sistema jurídico,constitui o fundamento de validade de todas as leis e atosnormativos. Desse modo, qualquer espécie normativa, deve, sobpena de invalidade, buscar, na Suma Lex, sua validade ética. Énela, portanto, que toda norma do poder constituinte derivadodeve buscar seu fundamento de validade, sob pena, de assim

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não o fazer, macular-se pelo vício da inconstitucionalidade, sejano vício da inconstitucionalidade formal, seja no dainconstitucionalidade material.

Tal fato é assim, tendo em vista a estrutura hierárquicado ordenamento jurídico pátrio, alcançando a Constituição ofastígio e a conseqüente supremacia em relação às demaisdisposições normativas elaboradas por agentes imediatamentesubordinados.

Apresenta também rigidez em relação às demaisespécies normativas, haja vista que seu processo de modificaçãoé mais dificultoso do que o exigido para a alteração das normasinfraconstitucionais, posto que, caso o processo de modificaçãoda Constituição fosse igual ao utilizado para as normasinfraconstitucionais, certamente estaria mitigada a suasupremacia.

De fato, o controle de constitucionalidade visa,como a própria expressão revela, fiscalizar a produção legislativa,quantos aos requisitos formais - o que representa a verificaçãoquanto à competência ratione materiae e legitimidadeprocedimental do órgão que editou o ato jurídico – e, quanto aosrequisitos materiais, – a observância da compatibilidadesubstancial da lei ou ato normativo com a Carta Política.

Assim, as leis e demais espécies normativas quenão respeitarem os requisitos formais e materiais estatuídos naCarta Magna, incorrerão no vício pernicioso dainconstitucionalidade formal e material, respectivamente, o querepresenta quebra na harmonia do ordenamento jurídico,devendo, por isso, ser de plano restaurado pelo valiosoinstrumento de controle de constitucionalidade na via incidentale direta, a seguir estudado.

2 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE POR VIAINDIRETA OU INCIDENTAL

O controle de constitucionalidade por viaincidental, também conhecido incidenter tantum, por via de

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defesa ou por via de exceção, é aquele exercido por qualquerórgão do Poder Judiciário, no desempenho normal de suasatribuições, que é dizer o direito aplicável a um conflito deinteresses, posto à sua apreciação, de forma definitiva.

A verificação de compatibilidade de uma lei ouato normativo com a Constituição, naquele caso específico,não constitui matéria de mérito, mas incidente processual,que precisa ser solucionado para resolver-se a questãoprincipal, a fim de saber se a espécie normativa deconstitucionalidade duvidosa deve ou não incidir no casoconcreto suscitado. O controle é realizado apenasindiretamente, pois o objetivo principal da lide é a soluçãodo caso concreto, ou seja, a proteção do direito subjetivoviolado ou ameaçado de lesão. Ocorre, porém, que aresolução do caso concreto depende, sob o ponto de vistalógico, da apreciação acerca da constitucionalidade ou nãoda lei ensejadora da demanda.

Sendo assim, a questão prejudicial pode seralegada pelo autor da ação, ou terceiros, legítimosintervenientes; assim como o Ministério Público, quandoparte ou quando oficie como custos legis, como tambémpelo juiz ou tribunal , de ofício, quando da omissão das partes,haja vista que as nulidades devem ser pronunciadas pelojuiz, quando conhecidas ou as encontrar provadas, não lhesendo permitido supri-las, ainda que a requerimento dapartes (CC/2002, art. 168, parágrafo único).

Isto é assim porquanto a inconstitucionalidade évício insanável, ofensor de normas de ordem pública e, deconseqüência, qualquer lei contrária à Constituição é nula,e não anulável. Daí a nossa advertência de que o juiz podereconhecer a inconstitucionalidade da lei.

Contudo, à falta de prequestionamento nasinstâncias ordinárias, do vício de inconstitucionalidade, nestamodalidade (via indireta), obsta a declaração, de ofício, emsede de recurso extraordinário, junto ao Supremo Tribunal

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Federal, da declaração de inconstitucionalidade. Esse é oentendimento jurisprudencial dominante, como se podeobservar:

EMENTA: Falta de prequestionamento(súmulas 282 e 356) da questãoconstitucional relativa ao direitoadquirido no que diz respeito àredução do percentual da inflaçãoaplicável ao caso. Recursosextraordinários não conhecidos.2

O encimado entendimento jurisprudencial seguea regra geral consolidada nas Súmulas 282 e 356, doSupremo Tribunal Federal, pelas quais não se admiterecurso extraordinário quando falte prequestionamento damatéria constitucional invocada.

Desse modo, segundo a jurisprudência do STF,o prequestionamento para o Recurso Extraordinário nãoreclama que o preceito constitucional invocado pelorecorrente tenha sido explicitamente referido pelo acórdão,mas é necessário que este tenha versado inequivocamentea matéria objeto da norma que nele se contenha.

Em virtude do princípio da presunção daconstitucionalidade das leis, somente pelo voto da maioriaabsoluta de seus membros ou dos membros do respectivoórgão especial poderão os tribunais declarar ainconstitucionalidade de lei ou ato normativo do PoderPúblico. Esta norma consubstancia-se no princípio dareserva do plenário.3 Evidente que tal exigência só fazsentido no órgão colegiado.

2 (STF, RE nº 144093, 1A T., Rel. Min. Moreira Alves, DJ 05/09/1997).3 VADE MECUM. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, Art. 97 transcrito da CFB,p. 37

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Assim, caso a inconstitucionalidade sejadeclarada por um juiz singular, em sede de controleincidental, e a parte sucumbente recorra, o Tribunalcompetente só poderá declarar a inconstitucionalidade daquestionada lei, por maioria absoluta dos seus membros.4Vê-se, portanto, que o Juiz singular tem mais liberdade paradeclarar a inconstitucionalidade de uma lei no caso concreto,do que os Tribunais superiores. Os órgãos fracionáriossomente poderão declarar a inconstitucionalidade, viaindireta, por meio de recurso.

Quanto à eficácia da decisão que declaraincidentalmente a inconstitucionalidade de uma lei ou atonormativo, é importante frisar que seus efeitos se produzemapenas no caso concreto e inter partes, não prejudicandonem beneficiando terceiros.5

É dizer, não produz efeitos erga omnes. Mesmoque o STF profira decisão definitiva, por meio de recursoextraordinário, só produzirá efeitos entre as partes litigantes,e com efeitos retroativos, ex tunc, portanto, fulminando denulidade toda relação jurídica que teve como suportejurídicos a norma declarada inconstitucional.

Com efeito, ensina Valmir Pontes Filho “asuspensão da executoriedade da lei, por resoluçãosenatorial, tem o efeito indireto de elastecer os efeitos dadecisão declaratória de inconstitucionalidade, que até aqueleinstante diziam respeito apenas ao caso sub judice e entreas partes litigantes”6 .

Doutrina e jurisprudência são unânimes emafirmar que, somente no controle de inconstitucionalidadepor via indireta é que cabe ao Senado Federal suspender a

4 Ibidem.5 (CPC, art. 472).6 Pontes Filho, Valmir. Curso Fundamental de Direito Constitucional.São Paulo: Dialética, 2001, p. 110, verbis.

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execução, no todo ou em parte, de lei declaradainconstitucional por decisão definitiva do Supremo TribunalFederal.

Em face de tal situação, pergunta-se: Qual opapel do Senado federal, quando o STF declaraincidentalmente a inconstitucionalidade de uma lei ou atonormativo do Poder Público?

É uníssono o entendimento de que a atuação doSenado é discricionária. Nesse caso, poderá ou nãosuspender a execução, no todo ou parte, de lei declaradaincidentalmente por definição definitiva do STF.

Ousa-se discordar desse entendimento. Sendoo Senado Federal detentor de legitimidade ativa universalpara iniciar a fiscalização de constitucionalidade das leis eatos normativos, visando a defender a Constituição, admitir-se que possa exercer juízo político sobre a retirada ou não dalei declarada incidentalmente inconstitucional é, na verdade,permitir a existência de vício insanável na ordem jurídica, oque não parece razoável, ao menos do ponto de vista da ciênciado direito.

Caso o Senado Federal, via Resolução Senatorial,suspenda o ato normativo, tal decisão produzirá efeitos ex tuncou ex nunc?

Para Valmir Pontes Filho, “tal decisão não temefeitos retroativos, valendo só ex nunc”7 .

Entendimento diverso é o de Luís Roberto Barroso“embora a matéria ainda suscite ampla controvérsia doutrinária,afigura-se fundada em melhor lógica e em melhoresargumentos a atribuição de efeitos ex tunc à suspensão do atonormativo pelo Senado”.8

7 Ibid., p. 1118 Barroso, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no DireitoBrasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise da doutrina e análisecrítica da jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 86, verbis.

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Por fim, ensina o professor: “por dicção legal, nemos fundamentos da decisão nem a questão prejudicial integramos limites objetivos da coisa julgada, de modo que não há falarem autoritas rei iudicata em relação à questão constitucional”.9

Data venia, entende-se por razões de segurança oude excepcional interesse social que a decisão deve produzirefeitos ex tunc, pois, ter-se que a decisão produza efeitos exnunc, é aceitar a tese de que uma lei ordinária, obra do PoderConstituinte Derivado, essencialmente limitado, suspendeu,ainda que temporariamente, a Constituição, obra do PoderConstituinte Originário, por natureza ilimitado.

3 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE POR VIA DEAÇÃO DIRETA

O controle de constitucionalidade por via principalou por ação direta objetiva a declaração de inconstitucionalidadeda lei em tese, posto que não há caso concreto a ser solucionadopelo órgão julgador. O controle, nesta modalidade, objetivagarantir à supremacia da Constituição Federal, que é a normade maior hierarquia do sistema jurídico.

Visa, portanto, ao contrário, do que ocorre com ocontrole incidental, a proteção da própria ordem jurídica, turbadapela presença de um vício irremediável. Ou no dizer de LuísRoberto Barroso: “Trata-se de um processo objetivo, sem partes,que não se presta à tutela de direito subjetivos, de situaçõesjurídicas individuais”. 10

Neste modo de controle judicial, o objeto principalda lide é a invalidação ou não da lei ou ato normativo, emtese. Isto é, a decisão presta-se a declarar a validade ou nãodo ato impugnado in abstrato.

Ao declarar a invalidade do ato posto à sua

9 Ibid.10 Ibid., p. 114.

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apreciação, assegura a jurisprudência do STF, o Tribunal sópoderá atuar como legislador negativo, não como legisladorpositivo.

Assim, a atuação do órgão julgador limita-se aparalisar a eficácia da norma declarada inconstitucional, ouseja, expulsar a norma do ordenamento positivo, não podendoinovar na ordem jurídica, criando direito e obrigações atéentão inexistentes.

4 DOS LEGITIMADOS PARA DEFLAGRAR O CONTROLEDE CONSTITUCIONALIDADE POR VIA DE AÇÃO DIRETA

Os legitimados para deflagrar o controle deconstitucionalidade por via de ação direta junto ao SupremoTribunal Federal estão arrolados na Constituição FederalBrasileira do seguinte modo:

I – o Presidente da República;II – a Mesa do Senado Federal;III – a Mesa da Câmara dos Deputados;IV – a Mesa da Assembléia Legislativa;V – o Governador de Estado;VI – o Procurador-geral da República;VII – o Conselho Federal da Ordem dosAdvogados do Brasil;VIII – Partido Político com representaçãono Congresso Nacional;IX – Confederação Sindical ou entidadede classe de âmbito nacional.11

Com a Constituição de 1988, o rol dos legitimadosativos para a propositura da ação direta deinconstitucionalidade sofreu substancial ampliação, pois até11 Art. 103 da CF/88

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então a deflagração do controle abstrato e concentrado deconstitucionalidade era função privativa do Procurador-Geralda República.

A legitimação passiva, por sua vez, será exercidapelos órgãos ou autoridades responsáveis pela elaboraçãoda lei impugnada.

Apesar da ampliação significativa doslegitimados ativos para proporem a prefalada ação, ajurisprudência do Supremo Tribunal Federal fixouentendimento distinguindo os legitimados universais eespeciais. Aqueles, dado a função institucional que ocupamna ordem jurídica nacional, têm mais liberdade napreservação da Constituição. Estes ao contrário, precisamprovar relação de pertinência temática com a lei ou o atonormativo que pretendem invalidar.

Com isso, o STF restringe sua atuação àsquestões que diretamente afetem esfera jurídica sua ou deseus filiados.

Assim, são legitimados ativos universais: oPresidente da República, as Mesas do Senado e da Câmara,o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal daOrdem dos Advogados do Brasil e partido político comrepresentação no Congresso Nacional.

São legitimados ativos especiais: o Governadorde Estado, a Mesa de Assembléia Legislativa, confederaçãosindical ou entidade de âmbito nacional.

Questão polêmica na jurisprudência e doutrina éa de saber qual a natureza jurídica da decisão que declara ainconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal tendocom paradigma a Constituição Federal, na modalidade decontrole por via principal.

O controle por via indireta ou incidenter partes,como se viu, é aquele exercido no caso concreto e porqualquer órgão jurisdicional como questão prejudicial demérito. Os efeitos da decisão se produzem apenas inter

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partes. Eventual pronunciamento do STF sobre a questãoprejudicial, não terá o condão de produzir efeitos erga omnes.Tal efeito só é alcançado por meio da Resolução Senatorial,com efeitos ex nunc.12

Diferentemente, se dá no controle por via diretajunto ao STF. Nessa modalidade, a decisão produzirá efeitoserga omnes, independentemente de manifestação doSenado Federal. Mas, os efeitos são ex tunc ou ex nunc?.

Encontram-se veneráveis posições dos doislados. Boa parte da doutrina e da jurisprudência entendeque a decisão deveria retroagir, fulminando de nulidade todosos atos praticados sob o império da lei declaradainconstitucional. A decisão, portanto, limitar-se-ia a declararalgo já existente, qual seja, o vício de nulidade coeso com aelaboração da lei. Teria, assim, natureza meramentedeclaratória, com efeitos, por conseguinte ex tunc. Outros,ao revés, entendem que os efeitos da decisão são para ofuturo. O que ficou regulado na vigência da lei declaradainconstitucional deve ser preservado, em nome do princípioda segurança das relações jurídicas. Desse modo, asentença teria natureza des/constitutiva, com efeitos ex tunc.

Data venia, parece insustentável a posiçãodaqueles que admitem sentença desconstitutiva, com efeitosex nunc. Luís Roberto Barroso ensina que “ainconstitucionalidade, portanto, constitui vício no plano davalidade. Reconhecida a invalidade, tal fato se projeta parao plano seguinte, que é o da eficácia: norma inconstitucionalnão deve ser aplicada”13 .

Assim, norma inconstitucional não deve seraplicada, pois se assim o proceder se estaria admitindo quea lei inconstitucional produziu algum efeito em detrimento

12 PONTES FILHO, Valmir. Op. Cit. P. 111.13 BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit. P. 14.

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da Constituição, o que é inadmissível. Daí a censura nosentido de que a natureza da decisão que declara ainconstitucionalidade de uma lei é meramente declaratória,e não constitutiva, com efeitos retroativos.

Não é só. Se a lei inconstitucional se situa noplano da validade poderemos, em tese, ter um vício de menorou maior gravidade. É dizer, dependendo da gravidade dovício, poderia ser o ato nulo ou anulável. Se nulo, a naturezajurídica da sentença seria meramente declaratória, efeitosex tunc. Se anulável, desconstitutiva, ex nunc. O vício seráde somenos importância quando ofender interessesparticulares, ou seja, quando violar normas dispositivas. Serávício de maior gravidade quando ofender interesse social e,portanto, violar normas de ordem pública.

Mas, acentua Valmir Pontes Filho, citando ZenoVeloso:

Em nosso direito e doutrina civilística,temos graus de invalidade: a nulidadee anulabilidade. Mas o Direito PúblicoBrasileiro - ao contrário do português- não conhece graus deinconstitucionalidade. A única sanção,entre nós, para a inconstitucionalidade,é a nulidade. E as leis nulas, assim,como atos nulos, não prescrevemjamais.14

Assim, se a única sanção imposta ao atoinconstitucional é a nulidade, a decisão que assim o fizer,terá natureza meramente declaratória, limitando, portanto, adeclarar vício insanável congênere com a elaboração da lei.

Em verdade, por imperativo de ordem lógica e

14 PONTES FILHO, Valmir, Op. Cit. P. 114.

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científica, a decisão que declara a inconstitucionalidade deuma lei ou ato normativo, terá natureza declaratória e efeitosex tunc.

Por isso que foi adotada no Brasil a teoria danulidade, embora com ressalvas, como se verá.

Contudo, a Lei n° 9.868, de 10 de novembro de1999, que dispõe sobre o processo e julgamento da açãodireta de inconstitucionalidade e da ação declaratória deconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal,trata, expressamente de mitigar os efeitos temporais dadecisão que declara a inconstitucionalidade de lei ou atonormativo. Assim dispõe:

Art. 27. Ao declarar ainconstitucionalidade de lei ou atonormativo, e tendo em vista razões desegurança jurídica ou de excepcionalinteresse social, poderá o SupremoTribunal Federal, por maioria de doisterços de seus membros, restringir osefeitos daquela declaração ou decidirque ela só tenha eficácia a partir de seutrânsito em julgado ou de outro momentoque venha a ser fixado.

Vê-se, portanto, por imperativo de Justiça esegurança, em situação excepcional em que a declaraçãode nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultariagrave ameaça a todo o sistema legislativo vigente, éfacultado ao STF abrandar a regra absoluta da teoria nanulidade adotada pelo Brasil. O que é, de planocompreensível, tendo em vista as injustiças que poderiamser perpetradas face aos cidadãos que atuaram, de boa fé,sob a égide de uma lei inconstitucional.

Frise-se, igualmente, que o citado dispositivo tem

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sua aplicação restrita ao controle concentrado deconstitucionalidade. Este é o entendimento do SupremoTribunal Federal. Veja-se, por exemplo, a seguintejurisprudência:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EMAGRAVO DE INSTRUMENTO. IPTU.PROGRESSIVIDADE. COBRANÇA.IMPOSSIBILIDADE. EFEITOS DADECLARAÇÃO DEI N C O N S T I T U C I O N A L I D A D E .CONTROLE DIFUSO. 1. O artigo 67 daLei n. 691/84, do Município do Rio deJaneiro, não foi recepcionado pelaConstituição do Brasil, eis queestabeleceu a progressividade do IPTUem função da área e da localização dosimóveis, circunstâncias ligadas àcapacidade contributiva. Precedentes. 2.Efeitos da Declaração deInconstitucionalidade no controle difuso.A aplicação do artigo 27 da Lei n. 9.868/99 apenas se impõe no controleconcentrado de constitucionalidade.Agravo regimental a que se negaprovimento.15

Por outro, a Constituição Federal16 e a Leisupracitada no seu artigo 11, § 1°, autorizam o STF aconceder medida cautelar dotada de eficácia contra todos,com efeitos ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva

15 (STF, AgR. nº 440881, 1ª T., Rel. Min. Eros Grau, DJ, 05/08/2005).16 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação

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conceder-lhe eficácia retroativa. Prevê, ainda, o parágrafo2°, que, a concessão da medida cautelar torna aplicável alegislação anterior, acaso existente, salvo expressamanifestação em sentido contrário.

Proposta a ação não se admitirá desistência, nemintervenção de terceiros (art. 5° e 7°, da referida Lei).

Por último, prevê o art. 26, da mesma Lei, que adecisão que declara a inconstitucionalidade da lei ou atonormativo em ação direta é irrecorrível, ressalvado ainterposição de embargos, não podendo, igualmente, serobjeto de ação rescisória.

É de irremedável utilidade este artigo, pois nãofaz sentido movimentar o Guardião da Constituição para sepronunciar sobre algo que já se sabe qual será seupronunciamento.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode se concluir, quanto ao controle por viaincidental, que este pode ser indireto ou incidenter partes,também denominado de sistema americano, o qual é exercidoà luz de um caso concreto. A fiscalização deconstitucionalidade, neste sistema, não é o objeto principalda lide, mas mera questão processual que precisa serresolvida como pressuposto lógico e necessário para odeslinde da questão principal.

Visa-se, portanto, tutelar o direito individualsubjetivo ameaçado ou violado pela lei inconstitucional. Daía denominação de fiscalização no caso concreto, pois sedeclara a inconstitucionalidade no caso posto à apreciaçãodo Poder Judiciário, para que ela não incida naquele casoespecífico.

A sentença que declara a inconstitucionalidadeda lei ou ato normativo produz efeitos apenas no casoconcreto e entre as partes litigantes, mas com efeitos ex tunc.

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Mesmo que a decisão definitiva seja proferidapelo STF, em grau de recurso, na mesma ação judicial, nãoterá efeitos erga omnes.

Somente à Resolução do Senado Federal cabeelastecer os efeitos da decisão do STF. Contudo só aoSenado Federal compete suspender a execução da leideclarada inconstitucional (CF/88, art. 52, inciso X), quandoa decisão definitiva do STF for proferida, incidentalmente, e,portanto no controle indireto, em grau de recurso.

A atuação do Senado Federal, no controleindireto, não é vinculante, mas discricionário. Suspenderáou não, de acordo com seu juízo de conveniência eoportunidade, a lei declara inconstitucional pelo STF.

Em relação ao controle por via de ação direta, seentende que o controle por via principal, inspirado nomodelo europeu, é aquele exercido em tese, in abstrato, forade um caso concreto. Não se presta à tutela dos direitossubjetivos, mas a preservação e harmonia do sistemajurídico.

A decisão que declara a inconstitucionalidade delei ou ato normativo produz efeitos erga omnes e ex tunc. Édizer, a decisão tem natureza meramente declaratória, postoque reconhece vício insanável congênere com a elaboraçãoda lei.

Contudo, apesar do Brasil adotar a teoria danulidade, tendo em vista razões de segurança jurídica ou deexcepcional interesse social, poderá o STF, por maioria dedois terços de seus membros, restringir os efeitos daqueladecisão ao decidir que ela só tenha eficácia a partir de seutrânsito em julgado ou de outro momento que venha a serfixado, em respeito aos princípios da Justiça e segurança quenorteiam o ordenamento jurídico pátrio.

Observou-se também que, no controle por viade ação direta, exercido junto ao Guardião da Constituição, adecisão tem, por si só, o efeito de expulsar do ordenamento

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jurídico, a norma declarada inconstitucional, sem aparticipação do Senado Federal,

Assim, a decisão no controle por via principalproduz, em regra, efeitos retroativos (ex tunc), gerais (ergaomnes), repristinatórios e vinculantes.

Desse modo, a restrição contida no citadodispositivo legal da Lei 9. 868/99, segundo a jurisprudênciadominante do Supremo Tribunal Federal, fica restrita à açãodireta de inconstitucionalidade.

Ainda se pode afirmar que, somente os atosnormativos emanados do Poder Público Federal ou Estadualsão impugnáveis mediante ação direta deinconstitucionalidade junto o STF, tendo como paradigma aConstituição Federal.

É importante destacar que o controle deconstitucionalidade por via indireta não se confunde com ocontrole difuso, muito menos o controle de constitucionalidadepor via direta com o controle concentrado.

Quanto ao controle indireto e direto já foidemasiadamente debatido, o que torna desnecessário tecermais comentários.

No controle difuso, a fiscalização deconstitucionalidade é exercida por qualquer órgão do PoderJudiciário. Desde o Juiz singular até o Ministro do SupremoTribunal Federal. Daí a expressão “difuso”.

Já no concentrado, o controle é exercidosomente pelo STF, por meio da ação Direta deInconstitucionalidade, de lei ou ato normativo federal ouestadual, tendo como base a Constituição.

Por isso, alerta Luís Roberto Barroso:

O controle por via principal é associadoao controle concentrado e, no Brasil, teránormalmente caráter abstrato, consistindoem um pronunciamento em tese. Contudo,

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assim, como controle incidental e difusonão são sinônimos, tampouco seconfundem a fiscalização principal econcentrada. É certo que, como regra, háno direito brasileiro coincidência entreambas, mas tal circunstância não éuniversal.

Exceção à regra no controle concentrado deconstitucionalidade, é a ação direta interventiva junto ao STF,em que a fiscalização não é em tese, mas exercida no casoconcreto.

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REFERÊNCIAS

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MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18ª. ed. São Paulo:Atlas, 2005.

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PONTES FILHO, Valmir. Curso Fundamental de Direito Constitucional.São Paulo: Dialética, 2001.

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