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Centro de Formação de Professores Waldorf
AS RELAÇÕES HUMANAS:
O PRINCÍPIO DA
EDUCAÇÃO
Autora: Glauce Kalisch
Orientadora: Melanie Guerra
Trabalho de Conclusão de Curso
São Paulo -‐ Julho/2013
2
Dedicatória:
Dedico este trabalho àqueles que me mostram, dia após
dia, que é a partir das relações que a Vida acontece: minha
família, meu marido Alexandre, minha mãe Luzia, meu pai Nelson
e meus amigos queridos, que me proporcionam inúmeros
momentos de “EU e TU” e dão sentido ao meu “mundo do ISSO”.
3
Agradecimentos:
Agradeço primeiramente a Deus e a cada anjinho que ele
manda lá do céu, que chamamos aqui na Terra de “crianças”,
pois são elas a motivação de todo este trabalho. E Deus, na sua
generosidade, colocou em meu caminho pessoas incríveis que
foram fundamentais para este trabalho acontecer: Melanie
Guerra pelo apoio atencioso de EU para TU, Paula Levy pelo
carinho e por ter me proporcionado vivências práticas de “EU e
TU” inesquecíveis, a Dona Luiza Lameirão e ao Sr. Antonio Ponce,
por me inspirarem e terem me extendido a mão a cada passo que
precisei de ajuda em toda trajetória dessa formação e todos que
estão comprometidos com a Pedagogia Waldorf, que traduzem
em si a esperança de a cada dia sermos melhores seres humanos.
Sumário
4
Resumo........................................................................................................ 5
Introdução................................................................................................... 6
Capitulo 1: A Flor da Vida............................................................................ 7
Capitulo 2: “Deus, o Geômetro”................................................................ 11
Capitulo 3: “No princípio é a relação”...................................................... 16
Capitulo 4: “Eu estou no outro e o outro está em mim”........................... 27
Capitulo 5: A educação à partir das relações humanas ............................ 35
Capitulo 6: O cultivo da “vida rítmica” no educar..................................... 39
Capitulo 7: “Se não tiver amor, nada adiantará”...................................... 45
Conclusão ................................................................................................. 49
Bibliografia ............................................................................................... 51
Resumo
5
Quando o assunto é educação, uma das primeiras imagens que vem à mente
das pessoas é do professor com seus alunos. Mas esse professor dificilmente está
sozinho nessa imagem, vizualiza-‐se também uma escola, com outros professores,
outros alunos, uma diretoria; alguns já incluem também os pais e logo percebemos
que, ao se falar em educação, facilmente chegamos a uma imagem de um pequeno
sistema, uma pequena comunidade onde encontramos pessoas com um objetivo
comum: educação.
Os professores anseiam em compartilhar vivências, conhecimento; a
administração organiza o funcionamento da escola, os pais confiam seus filhos, e as
crianças, se tudo ocorrer bem, são educadas! Podemos dizer que é da boa vontade,
interesse e dedicação dessas pessoas que a educação acontece, mas como ela
acontece?
Poderíamos pensar que basta o professor saber o conteúdo, a escola estar em
funcionamento, os pais deixarem seus filhos e as crianças estarem na sala de aula
para a educação se dar, mas se olharmos atentamente, tais eventos podem ser meras
ações isoladas, que só fazem sentido e cumprem seu objetivo, a educação, se há algo
que as une, que podemos chamar de relação.
A presente tese tem por objetivo mostrar como a educação acontece por meio
das relações humanas, e o quanto é necessário, do ponto de vista do educador,
cultivar todas as relações que o cercam (crianças, familias, colegas), uma vez que a
qualidade das relações é determinante para a educação acontecer de forma
consolidada.
Para abordarmos a relação da individualidade com seu meio, ou seja, com o
mundo, faremos uma relação do indivíduo com a “Meditação do ponto e do círculo”,
proposta por Rudolf Steiner, consequentemente com todo o simbolismo de tal figura
geométrica. A sequência se dará com o aprofundamento na obra “Eu e Tu” do
filósofo austríaco Martim Buber, onde o autor afirma que “No principio é a relação. A
6
relação, o diálogo, será o testemunho originário e o testemunho final da existência
humana.” (pg XXXI) Então trançaremos harmoniosamente os conceitos de relação
propostos por Martim Buber com um caminho profundo de autoeducação,
autodesenvolvimento e autoconhecimento visando proporcionar reflexões e a
possibilidade de construção de um caminho pessoal que facilite a cada um estar à
altura das relações que podem ser concebidas para que a educação e algo muito
maior aconteça entre os seres humanos. Mais importante do que existir um “eu” e
existir um “outro” é que exista o “entre” esses dois seres.
Introdução
O ambiente escolar é um ambiente muito rico, permeado por um ideal
comum, muitas vezes altruísta, de se doar para os alunos em prol da construção de
um futuro melhor! Lindo, não? Leiamos a narrativa: “Mais um dia é o despertador
que tira o professor cedo da cama para que possa estar no seu posto de trabalho no
horário devido, se possível adiantado, para preparar detalhes finais da aula, a sala, se
preparar para mais um dia começar! Porém chega aquele aluno que é um amor, mas
que a mãe fala demais e logo a mãe entra na sala para contar o problema que ela
teve hoje pela manhã! (como ela faz todos os dias!) Pode acontecer do professor
pensar: mas como este aluno tão incrível pode ter uma mãe assim, que família chata!
Como se não bastasse chega aquele colega que faz um desenho de lousa incrível mas
tem uma voz insuportável, nossa como ele é irritante! E é lógico que tem sempre
aquele aluno desastrado, que ao invés de apresentar suas vênias ao professor, abre a
porta de forma deselegante bem na hora da sua meditação matinal! Será que vou
aguentar olhar para esse aluno de novo? Claro que hoje já está sendo melhor do que
ontem, que o despertador não tocou, o professor chegou atrasado e a mãe que
sempre conta seus problemas pessoais o segurou no portão, que foi o tempo de
chegar o professor da voz irritante e falar um bom dia bem forte ao pé do ouvido, e
7
ainda no pátio, o aluno desastrado tromba com você, fazendo com que derrube todo
o chá quente que pegou na sala dos professores para ser seu café da manhã! O
Professor nem chegou em sua sala mas já pensa “Que dia difícil que acabou de
começar”! ”
A pequena narrativa nos mostra que por mais que o professor estude, se
prepare, existe essa questão fundamental que permeia todo o seu trabalho que são
as relações humanas. Estas são o verdadeiro pano de fundo da vida do professor e se
este “pano” estiver amassado, amarrotado, será muito difícil colorí-‐lo ou esticar
qualquer outro pano por cima.
Precisamos nos questionar: é possível amar um aluno e não gostar dos pais?
Principalmente a criança de primeiro setênio, que ainda não remodelou seu corpo
herdado, está totalmente ligada a hereditariedade, como fica a minha relação com
essa criança se não consigo estabelecer uma relação saudável com os responsáveis
por ela no mundo? Quando adentramos ao âmbito do ideal, como posso desenvolver
um trabalho integrado e coerente se não consigo olhar no rosto do meu colega que
me incomoda? Como podemos criar uma escola que tem como premissa um trabalho
à partir do bom, do belo e do verdadeiro se não consigo encontrar isso nos meus
colegas? Se existe um medo de ser criticado ou questionado por colegas em relação
ao trabalho, não caberia uma autoreflexão, de por que preciso “fechar as cortinas”
em relação a mostrar meu trabalho para meus colegas? E ainda é possível educar
uma criança ou um jovem sem nutrir amor e veneração por este ser que veio à mim
pelas tramas do destino?
Capitulo 1: A Flor da Vida
Podemos ver que cada ser humano é um Eu, um ser autoconsciente que de
acordo com suas particularidades habita no mundo. Uma representação possível para
essa imagem é pensarmos o Eu enquanto um ponto, cada indivíduo sendo um centro,
8
e que o mundo é tudo que está ao seu redor. Porém cada ser humano vive dentro de
uma expansão de si mesmo cercada de limites impostos por ele de um lado e de
limites colocados pelo mundo do outro lado, como uma pele, sensível de ambos os
lados, é como se existisse uma linha que se expande do seu Eu central e que moldará
o caminho encarnatório que será percorrido. Temos então uma linha que forma uma
circunferência ao redor desse ponto. Chamemos essa linha de destino. Entre este Eu
central e este destino abre-‐se um espaço onde a vida acontece, onde minha
personalidade atua. Mas é possível que cada ser humano seja um ponto e uma
circunferência isolada? Pode a Vida se dar dessa forma?
Se olharmos ao nosso redor, observarmos a natureza, talvez tenhamos
dificuldade em encontrar uma esfera, uma circunferência perfeita, porém a esfera é a
forma fundamental, dos planetas até as células que compõem os seres vivos, como
afirma Alexander Strakosch na obra “Introdução à geometria por meio da
contemplação e da atividade prática”, onde ele cita:
“A forma básica da geometria era o círculo, aquela linha curva
volta sobre si mesma e cujos pontos tem todos a mesma
distância do centro.” (pág. 21)
Alexander Strakosch nos indica que ao traçarmos algumas circunferências
sobrepostas, respeitando o princípio de traçar uma circunferência central e então,
mantendo a mesma abertura do compasso, colocar a ponta seca do compasso em
qualquer ponto da circunferência e traçar outra circunferência assumindo então o
novo ponto de intersecção que surge como centro de uma nova circunferência, ao
fazermos 6 dessas circunferências chegamos na forma abaixo, a “flor de 6 pétalas”,
de onde, unindo os pontos de intersecção chegamos a triângulos equiláteros e
9
formas que podem ser compostas de triângulos equiláteros, conforme nos mostram
as figuras abaixo:
A partir da “flor de 12 pétalas” (que, segundo Alexander Strakosch, obtemos à
partir da “flor de 6 pétalas”, porém usando o espaço entre as “pétalas” para centro
de mais 6 circunferências, conforme nos mostra a figura abaixo), podemos descobrir
quadrados, bem como losangos, hexágonos, etc, porém sempre a partir de retas que
partem de algum ponto de intersecção entre circunferências.
Percebemos então que de cada intersecção de duas ou mais circunferências
temos um ponto, que representa um ponto de partida para uma possibilidade de algo
novo; com a ajuda de retas devidamente traçadas temos a possibilidade de surgirem
formas. Pensemos então analogamente na relação de duas ou mais pessoas, onde
cada encontro é como um ponto e os frutos desse encontro são como retas, que são
a base para a criação de novas formas, de novas possibilidades.
Exploremos ainda mais o círculo que é a forma primordial, percorrendo um
caminho para chegar a reta à partir dele. Alexander Strakosch nos lembra que um
arco é uma secção de circunferência, e que quanto maior a circunferência, maior o
10
raio (a distância de um ponto da circunferência até seu centro) e que neste processo
de expansão da circunferência o arco vai se aplainando e aproxima-‐se cada vez mais
de uma reta. Porém enquanto o raio for mensurável, por mais aplainado que seja o
arco, será ainda arco. Mas se projetamos o centro para o infinito, o raio passa a ser
imensurável, e do arco temos então uma reta.
Alexander Strakosch ainda diz que uma reta pode surgir simplesmente da
ligação de dois pontos de intersecção entre 2 circunferências, conforme figura
abaixo:
Temos então o conceito de reta que surge da intersecção entre dois pontos e o
conceito de reta que pode ser considerada uma porção de arco de uma
circunferência cujo centro está no infinito. Podemos nos perguntar, o que é esse
centro que está no infinito?
Analogamente a reta pode ser o fruto da ligação entre dois encontros. Esta
mesma reta, que de outro ponto de vista, tem sua origem de um arco cujo centro
está no infinito. Podemos dizer então, ainda por analogia, que esse centro no infinito
é o próprio Cristo. O Cristo então que atua à partir do infinito, à partir do Alto, do
Cosmos, naquilo que frutifica onde dois ou mais seres humanos estiverem reunidos,
estiverem em encontro, em relação.
É curioso refletirmos sobre o que Alexander Strakosch nos traz, que entre dois
pontos só pode ser traçada uma única reta, que é um princípio básico da geometria,
um axioma que dispensa comprovação, ou seja, cada reta, cada ligação entre dois
pontos é unica, logo, cada relação que acontece conosco ou ao nosso redor é uma
11
possibilidade única que acontece. Diz Martim Buber que “Toda relação atual com um
ser presente no mundo é exclusiva” (BUBER, Martim -‐ “EU e TU”, pág. 91)
Observemos também que cada vez que uma reta corta esses pontos de
intersecção entre duas circunferências temos um eixo de simetria, a partir do qual
podemos pensar analogamente que cada relação em algum nível nos propõem um
espelhamento, nos propõem uma situação que tem dois lados, dois pontos de vista
pelo menos e que de alguma forma reverberará para os pontos que estão ao redor.
Lembremos que em uma sala de aula, por exemplo, temos muitas vezes 30
“circunferências” interagindo, se sobrepondo umas as outras e muitos pontos de
intersecção surgem, ou seja, temos a base para que infinitas formas, infinitas
possibilidades possam acontecer.
Capitulo 2: “Deus, o Geômetro”
“...Outra era a maneira de pensar dos velhos egípcios. Para
eles, as órbitas celestes das estrelas eram a expressão da
mais elevada sabedoria e harmonia divinas; quando
tinham que traçar um círculo na terra, não podiam
imaginar essa atividade senão como fruto da ajuda
benigna da Deusa da direção. “ -‐ “...quando marcavam o
eixo e a planta do templo, a deusa era representada por
seu sacerdote, que era justamente aquele esticador da
corda. Para se traçar o círculo uma das varas era plantada
no chão e mantida em posição vertical, enquanto o
portador da outra vara, mantendo-‐a fixa, conservando a
corda bem esticada, e desenhando com a extremidade
livre de sua vara uma circunferência... “Quando traçamos
um círculo, em nossos dias, não cogitamos de pedir auxílio
12
de uma deusa ou um representante seu.” (STRAKOSCH,
Alexander -‐ “Introdução à geometria por meio da
contemplação e da atividade prática”, pág. 21)
Não seriam mesmo os deuses que esticam essa corda e traçam o nosso destino
ao nosso redor? Mas parece que cada vez mais o ser humano, que busca a
individualização, almeja traçar essa linha com seu “compasso humano”. Pensemos na
influência que a sociedade, a mídia tem sobre nós, precisamos nos esforçar muito
para seguir os traços que os deuses traçaram ao nosso redor, ou seja, o traço que nós
mesmos traçamos para nossa vida no período entre morte e novo nascimento, mas
que quando chegamos aqui “esquecemos” e dada a tantas interferências fica difícil
encontrarmos vestígios desses traços.
Porém, cada ser humano é um centro desse compasso que Deus coloca no
mundo, como vemos nessa obra do século XIII conhecida como “Deus, o geômetro”.
Interessante que temos uma linha tênue que forma a circunferência, porém há
inúmeras variações na forma circular que estão no interior da circunferência, com
diversas figuras, seriam elas representações do nosso “self (si mesmo)” e do
ambiente em que vivemos?
13
Façamos previamente uma distinção de conceitos. William James, um dos pais
da psicologia, distinguiu o "eu", como a instância interna conhecedora (I as knower),
e o "si mesmo", como o conhecimento que o indivíduo tem sobre si próprio (self as
known). Segundo Carl Gustav Jung, o si mesmo é o centro de toda a personalidade.
Segundo Carver e Scheier, personalidade é uma organização interna e dinâmica que
cria os padrões de comportar-‐se, de pensar e de sentir característicos de uma pessoa.
Logo, vemos que a personalidade é uma força ativa que ajuda a determinar o
relacionamento da pessoa com o mundo que a cerca. (Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_da_personalidade )
Temos então a personalidade como o elemento que permeia a região entre o
Eu e o destino que acontece ao redor desse Eu, ou seja, o que emana do Eu acaba
invariavelmente sendo filtrado pela personalidade até chegar na circunferência, no
destino, no outro. Aprofundemos então a questão perguntando-‐nos quanto da nossa
personalidade molda o Eu, molda o outro e a sua personalidade e até mesmo o
destino do outro.
Com as nossas intenções não é diferente, pois a intencionalidade é algo que
está entre o Eu e o mundo. Pensemos então que, por exemplo, a minha intenção de
sair de casa e chegar no trabalho está entre eu e o trabalho, bem como a minha
intenção de sair da cadeira e ir cumprimentar alguém está entre eu e esse alguém.
Logo estou envolvido em minhas intenções que partem do centro, mas que
atravessam a personalidade para chegar na periferia. Pensando no ponto e na
circunferência, o espaço entre o ponto e a circunferência, o espaço da personalidade,
é o espaço que a intenção atravessa. Poderíamos pensar que as intenções moldam a
personalidade e vice-‐versa, a personalidade molda as intenções?
Considerando então a influência da nossa personalidade, que funciona como
um filtro para o que emana do nosso centro, logo precisamos refletir se a
personalidade tende a enobrecer ou distorcer o que vem do nosso Eu, pois é a
personalidade que tem grande influência em moldar, em dar o tom do ambiente, e
14
tudo o que nos rodeia até que nosso Eu chegue no âmago do outro. Rudolf Steiner é
bem incisivo e deixa claro que: “o ser humano, em sua primeira infância, é
totalmente dirigido e organizado interiormente, até sua circulação sanguínea,
conforme o que ocorre em seu ambiente, e a partir daí flui o que ele assimilou como
diretrizes de pensamentos.” (STEINER, Rudolf -‐ “A prática pedagógica”, pág. 41)
Quando falamos em educação de crianças é imprescindível que o educador
tenha consciência da influência de sua personalidade no ambiente, pois este
reverbera na criança. Tratamos aqui do que está além de gestos, atitudes e de tudo
que é visível e perceptível, mas também do sutil, do que pensamos e sentimos.
Sabemos que o que atua na criança é aquilo que está por dentro das ações que a
rodeiam, mas cabe a nós cuidarmos do que permeia nossas ações. Segundo Steiner,
antes de começarmos a educar, o educador e a criança estão presentes (face a face) e
aí já existe uma atuação entre ambos e logo, a primeira questão importante é como o
professor se coloca diante da criança. (STEINER, Rudolf -‐ “A Metodologia do ensino e
as condições da vida do educar”, pág. 14). Mais importante do que o educador faz é
quem o educador é; ou nas palavras do próprio Rudolf Steiner: “O que é de máxima
importância é que tipo de pessoa eu sou, quais as impressões que a criança recebe
por meu intermédio, se ela pode me imitar.” (pág. 21)
Ao enfocarmos a relação do ser humano em crescimento e o ambiente que o
cerca, teremos normas éticas e sociais da educação. Rudolf Steiner fala da atuação
terrivel que tem sobre as crianças as inverdades interiores do professor e educador,
principalmente nas incoerências, ou seja, quando o professor estipula algo ético para
a criança e ele mesmo não está de acordo, não cumpre com o que prega. (STEINER,
Rudolf -‐ “A Prática pedagogica”, pág 144). Ele ressalta que essa desonestidade atua
indiretamente, via sistema neuro-‐sensorial, sobre a organização do aparelho
digestivo e sobre a vesícula biliar. Portanto, Rudolf Steiner destaca três virtudes que
precisam ser consideradas e devem permear o ambiente, que é a gratidão, o amor e
o dever ligados a vontade.
15
A gratidão deve surgir a partir do desenvolvimento corpóreo da criança,
quando ela está envolvida nesse aspecto religioso natural que a cerca. Não cabe à
criança ser grata pelo que lhe é dado por seu ambiente, uma criança de primeiro
setênio não precisa verbalizar as palavras politicamente corretas que mostram sinais
de gratidão como por exemplo “obrigado”, mas cabe aos educadores expressarem a
partir de si mesmo, na sua vida social, entre adultos, a gratidão, que pode aparecer
muito mais na postura e no gesto em uma situação do que na fala; sendo assim a
criança terá o sentimento de gratidão que reina em seu ambiente para poder imitar.
Rudolf Steiner diz: “Se aquilo que aflui pela imitação refluir do interior da criança
como veneração correta, como amor correto por quem está em volta dela, ou seja,
os pais ou outros educadores, tudo o que emanar da alma da criança será perpassado
por gratidão.” e continua: “é muito importante que o ser humano adquira um
sentimento de gratidão com o mundo todo” (STEINER, Rudolf -‐ “A prática
pedagógica”, pág 110) pois então ele esclarece que do sentimento de gratidão,
mesmo que inconsciente, por exemplo, frente ao sol que reaparece todas as manhãs,
ou em relação a outros fenômenos da natureza, este sentimento de gratidão
universal que é a base da verdadeira religiosidade do ser humano e a raiz do amor a
Deus. A gratidão tem de crescer com a pessoa, por isso a importância dela ser
implantada no período que as forças de crescimento estão no auge. O amor porém,
tem de despertar.
“Assim como o amor a Deus tem sua raízes na gratidão, a correta
impulsividade moral tem por sua vez, sua origem no amor. A
verdadeira virtude ética só é fundamentada pelo amor humano.
Esse amor humano que faz com que não passemos um pelo outro
sem nos conhecermos – o que muitas vezes não acontece hoje
em dia, porque já não temos mais olhos para as características
individuais do próximo.” (STEINER, Rudolf -‐ “A prática
pedagógica”, pág. 118)
16
Rudolf Steiner nos esclarece aqui a importância do amor nas relações humanas
e já nos alerta para nosso estreitamento de percepção do próximo, do outro. Se não
percebo o outro não tenho possibilidade de amá-‐lo e sem amor o que vai
fundamentar a relação? Muitas vezes passamos uns pelos outros sem nos
conhecermos, sem nos percebermos, sem amor, ou seja, sem relação. Passamos
então a ter “contatos”, que se demonstram “impessoais”, e não mais “relações”.
Porém, é possível que a educação aconteça sem as relações, ou seja, sem perceber o
outro, sem amor? E se o amor é o fundamento da verdadeira virtude ética, que
deveria permear a vida em sociedade para que esta aconteça da maneira mais
harmônica possível, como fica a consolidação de uma sociedade? Sem ética, sem
amor, sem percepção do outro, sem relação, logo, de seres que, apesar da
proximidade física vivem isolados. Se seguirmos esta linha de pensamento de forma
radical, a idéia de sociedade entraria em colapso. Rudolf Steiner diz na mesma obra:
“Para a pessoa que atua socialmente, há dois aspectos a considerar: entrega amorosa
às próprias ações e aceitação compreensiva das atitudes dos outros.” (pág. 124) Se
buscamos a construção de uma sociedade saudável optemos primeiramente pela
aceitação do outro e então de suas atitudes, o que exigirá percebê-‐lo, amá-‐lo e entrar
em relação com ele.
Capitulo 3: “No princípio é a relação”
Este capítulo é destinado a uma dissertação livre sobre a obra “Eu e tu” do
filósofo austríaco Martim Buber, que via sua missão como uma resposta à vocação
que havia recebido: a de levar os homens a descobrirem a realidade vital de suas
existências. Ele ajudava, com sua presença, o “parto do espírito” nos homens. Como
nosso ponto central são as relações humanas, o ponto central da reflexão de Buber
foi a filosofia do diálogo, da relação, a qual ele mesmo denominava “A filosofia do
encontro”, como uma síntese do evento e da eternidade, destacando como
fundamental para a compreensão do sentido da existência humana.
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Buber parte da premissa que o EU tenha 2 tipos de relação primordial,
considerando a existência de 2 mundos, o mundo do TU e o mundo do ISSO, logo
temos a relação EU-‐TU e a relação EU-‐ISSO. Ele chama relação para EU-‐TU e
relacionamento para EU-‐ISSO. TU e ISSO são duas fontes onde a eficácia da palavra-‐
princípio (harmônico da palavra cósmica) se desenvolve constituindo a existência
humana (Para Rudolf Steiner, a palavra cósmica permeia a entidade humana e nela se
torna a organização do Eu, é o que faz um ser humano ser realmente um ser humano,
de acordo com a obra “A Metodologia do ensino e as condições da vida do educar;
pag. 57). O TU é primordial e consequentemente o ISSO é posterior ao TU. Deste
modo o EU do homem é também duplo. Pois o EU da palavra-‐principio EU-‐TU é
diferente do EU da palavra-‐principio EU-‐ISSO.
Logo vemos que o EU, do EU-‐ISSO proposto por Buber está em relação com o
“Eu inferior” proposto por Rudolf Steiner, o eu “encarnado” que se percebe através
dos relacionamentos, enquanto que o EU da relação EU-‐TU é quando estabelecemos
relação com o TU a partir de um impulso do “Eu superior” no “Eu inferior”.
Há diversos modos de existência EU-‐ISSO. Buber os resume em dois conceitos:
experiência e a utilização ou uso. A experiência estabelece um contato na estrutura
do relacionamento entre um EU e um objeto manipulável. Este relacionamento se
caracteriza por uma coerência no espaço e no tempo. O mundo do ISSO, ordenado e
coerente, é indispensável para a existência humana, ele é um dos lugares onde nós
podemos nos entender com os outros. Buber o chama de reino dos verbos
transitivos. Ele é essencial na vida humana, mas não pode ser só isso. Em si o EU-‐ISSO
não é um mal, ele se torna fonte de mal, na medida em que o homem vive só nisso,
absorvido em seus fins meramente pessoais, enfraquecendo seu poder de decisão,
sua responsabilidade, sua disponibilidade para o encontro com o outro, com o
mundo e com Deus.
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Diz Martim Buber: “Quando a relação perde seu sentido de construtora do
engajamento responsável para com a verdade do interhumano, aí então, o EU-‐ISSO é
destruição do si-‐mesmo, e o homem se torna arbitrário e submetido à fatalidade.”
(pg LIX)
É fato que o homem não pode viver sem o ISSO, mas Buber destaca que o ser
humano que vive só com o ISSO não é ser humano.
Tratando-‐se do mundo do TU, o critério de maior importância é a
reciprocidade. É um equívoco atribuir ao TU exclusivamente a relação interhumana,
pois o TU pode ser qualquer coisa que esteja presente no face-‐a-‐face, seja outro ser
humano, Deus, uma obra de arte, uma pedra, uma flor, uma peça musical. Assim
como o ISSO pode ser qualquer ser que é considerado um objeto de uso, de
conhecimento, de experiência, inclusive outro ser humano!
“Quando a decisão vital do homem percebe o sopro do espírito
entre ele e o parceiro da relação, acontece a conversão, advém a
resposta, surge o TU.” (pg LIX)
Entender que o EU não é, uma realidade em si, mas relacional, é fundamental.
Não se pode falar em EU sem mundo, sem ISSO ou sem TU. No TU, finitude e
ilimitação se confundem, pois a presença instaura também a finitude. As relações EU-‐
TU, embora não apresentem coerência no espaço e no tempo, não estão
simplesmente soltas. Os instantes fugazes de relação entremeiam na vida do homem
os inúmeros e prolongados momentos de relacionamento EU-‐ISSO. A presença do TU,
subjacente no fluxo constante da relação EU-‐TU e no relacionamento EU-‐ISSO, evoca-‐
nos a ideia de “campo de presença”. Somente na medida em que o TU se torna
presente a presença se instaura, o instante atual e presente dá-‐se somente quando
existe presença, encontro, relação. Muitas vezes fazemos o contrário, procuramos
estar em estado de presença para buscar a relação sendo que é a partir da relação
que acontece a presença.
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As principais características do mundo do TU são imediatez, reciprocidade,
presença, totalidade, incoerência no espaço e no tempo, fugacidade e inobjetivação.
São indícios para percebermos de uma forma um pouco mais concreta quando
alçamos pequenos vôos no mundo do TU.
O fenômeno da relação foi descrito por Buber com o emprego de vários
termos como encontro, relação essencial e diálogo. O encontro é algo presente, um
evento que acontece atualmente. A relação engloba o encontro, abrindo porém a
possibilidade da latência; ela possibilita um encontro dialógico sempre novo. O
diálogo é para Buber uma forma explicativa do fenômeno interhumano. Interhumano
implica presença, pois é um evento de encontro mútuo. Presença significa
presentificar e ser presentificado, precisam acontecer simultaneamente, uma vez que
reciprocidade é a marca definitiva da atualização do fenômeno da relação.
Aqui já podemos traçar um paralelo e refletir a respeito de como lidamos com
esses fenômenos da relação. Estamos sempre encontrando pessoas, mas vivemos
mesmo o encontro, uma vez que é algo “presente”, que acontece no agora e que
exige de nós esta ação presente? A relação essencial, porém, engloba o encontro,
mas com algo a mais, com a possibilidade de conter algo guardado em potencial. O
que seria essa potencialidade velada que permeia cada relação? E para falar de
diálogo ele fala do fenômeno interhumano, um acontecimento observável entre
pessoas. Que acontecimento é esse?
Para Buber o mundo da relação se realiza em 3 esferas. A primeira é a vida
com a natureza. Nesta esfera a relação realiza-‐se em caráter primário, mais instintivo,
aquém da linguagem. A segunda é a vida com os seres humanos. Nesta esfera a
relação é manifesta e explícita: podemos endereçar e receber o TU. A terceira é a
vida com os seres-‐espirituais. Ai a relação, ainda que envolta em nuvens, se revela,
gerando uma linguagem “além”, silenciosa. Nós proferimos, de todo nosso ser, a
palavra-‐princípio sem que nossos lábios possam pronunciá-‐la. Em cada uma das
20
esferas de relação, graças a tudo aquilo que se torna presente, nós vislumbramos a
orla do TU Eterno, nós sentimos em cada TU um sopro provindo dele, nós o
invocamos à maneira própria de cada esfera.
Buber cita como exemplo a observação de uma árvore, onde diz:
“...pode acontecer que simultaneamente, por vontade própria e
por uma graça, ao observar a árvore, eu seja levado a entrar em
relação com ela; ela já não é mais um ISSO. A força de sua
exclusividade apoderou-‐se de mim.”...”tudo o que pertence à
árvore, sua forma, seu mecanismo, sua cor e suas substâncias
químicas, sua conversação com os elementos do mundo e com as
estrelas, tudo está incluído numa totalidade”.
O que é essa vontade própria e o que é a graça nesse âmbito? Podemos
entender vontade como esforço que “sobe” e graça como “presente que desce”,
onde de certa forma a totalidade, a relação, acontece. O EU aspira à relação com o
TU, mas o que permeia a relação é a graça.
“A árvore não é uma impressão, um jogo de minha representação ou um valor
emotivo”, que é o que geralmente transformamos nossas relações: em impressões,
representações pessoais e valores emotivos, ou seja, quando isso acontece, já
perdemos a relação e estamos no mundo do ISSO.
Assim como a prece não se situa no tempo, mas o tempo na prece; do mesmo
modo o homem a quem digo TU não encontro em algum tempo ou lugar. Eu posso
situá-‐lo, aliás sou obrigado a fazê-‐lo constantemente, mas então, ele não é mais um
TU e sim um ISSO (ou ELE/ELA); o TU é atemporal, ao situar no tempo e espaço se
torna ISSO. O EU (do EU-‐ISSO) não está no presente, só tem passado. O experenciar e
utilizar nos leva a viver no passado e privar-‐se de presença. Presença não é algo fugaz
e passageiro, mas o que aguarda e permanece diante de nós. Por mais que falemos
21
em “estado de presença” é importante vermos este “estado” como fluxo, e não como
algo estagnado.
A partir de todo cenário proposto por Buber do mundo dos relacionamentos e
das relações chegamos num ponto de grande drama, quando nos damos conta de
que cada TU em nosso mundo deve tornar-‐se irremediavelmente um ISSO, por mais
exclusiva que tenha sido a sua presença na relação imediata. Por mais intensa que
tenha sido a contemplação autêntica ela é breve e efêmera. O ser natural que se
revela ao EU na relação, se torna consequentemente descritível, decomponível,
classificável; e o próprio amor não pode permanecer na relação imediata, ele dura,
mas numa alternância de atualidade e latência. O ser humano que, agora mesmo era
único e incondicionado, que não era experenciado, mas somente tocado, torna-‐se
um ISSO, um ELE ou ELA. Cada TU neste mundo é condenado, pela sua própria
essência a tornar-‐se uma coisa. Logo, percebemos que a relação EU-‐TU deve ser
construída a cada instante, não por ser efêmera, mas justamente por ser eterna, já
que vivemos na relação tempo-‐espaço e não na eternidade. O TU é único e
incondicionado, só pode ser tangenciado, enquanto que o ELE(A)/ISSO é o reino das
qualidades, da forma, pode ser experenciado.
O ser humano se torna EU na relação com o TU. O face a face aparece e se
desvanece, os eventos de relação se condensam e se dissimulam e é nesta
alternância que a auto consciência do EU se esclarece e aumenta cada vez mais.
Somente aquele que conhece a relação e a presença do TU, esta apto a tomar
uma decisão. Aquele que toma uma decisão é livre, pois se apresenta diante da Face.
Quando o espirito age livremente na vida, ele não é mais espirito “em si,” mas
espírito no mundo, graças a seu poder de penetrar no mundo e transformá-‐lo . O
espirito só esta “consigo” quando está no face a face com o mundo que se lhe abre,
mundo ao qual ele se doa, que ele liberta e pelo qual é libertado. E aqui precisamos
falar sobre o que é livre arbítrio e o que é arbitrariedade. Livre arbítrio tem a ver com
22
liberdade, com escolha, arbitrariedade tem a ver com o aleatório. Arbitrariedade
conduz a fatalidade, liberdade conduz ao destino.
O homem sabe que pode ultrapassar a barreira do mundo do ISSO e chegar ao
mundo do TU, sabendo, porém, que lá não pode permanecer, pois sua obrigação de
deixá-‐lo logo depois de atingí-‐lo, incessantemente, esta intimamente ligada ao
sentido e ao destino dessa vida, ele sabe que, enquanto homem, é aqui nas regiões
inferiores, que a centelha divina deve se confirmar. Logo o que aqui se chama
necessidade não o apavora, pois lá, no santuário, no mundo do TU, ele conheceu a
verdadeira necessidade, isto é, o destino, o que faz com que, em seu coração, o
mundo do ISSO seja permeado de sentido. Atentemo-‐nos ao fato curioso das palavras
destino e sentido serem anagramas.
“Destino e liberdade juraram fidelidade mútua” (pág. 62) diz Buber.
Poderíamos dizer que a liberdade se dá no mundo do TU e que o destino acontece no
mundo do ISSO. Somente o homem que atualiza, que se reconecta com a liberdade
encontra o destino. Quando eu descubro a ação que me requer, é ai, nesse
movimento de minha liberdade que se me revela o mistério. Mas o mistério se revela
a mim não só quando posso realizar esta ação como eu pretendia, mas também até
na própria resistência. Àquele que se esquece de toda causalidade e toma uma
decisão do fundo do seu ser, àquele que se despoja dos bens e da vestimenta para se
apresentar despido diante da Face, a este homem livre, o destino aparece como
réplica de sua liberdade. O destino não é o seu limite, mas o complemento; liberdade
e destino unem-‐se mutuamente para dar sentido; e neste sentido o destino, até há
pouco olhar severo suaviza-‐se como se fosse a própria graça.
Assim como liberdade e destino estão interligados, assim também o estão o
arbitrário e a fatalidade. O ser humano livre é aquele cujo querer é isento do
arbitrário. É necessário sacrificar aquele pequeno querer, escravo, regido pelas coisas
e pelos instintos, em favor do grande querer para ir ao encontro do destino. É
23
quando a personalidade não intervém mais, mas nem por isso permite que as coisas
aconteçam pura e simplesmente. Ele espreita aquilo que por si mesmo se
desenvolve, o caminho do ser no mundo; não para se deixar levar por ele, mas para
atualizá-‐lo como ele deseja ser atualizado, por meio do espírito humano e do ato
humano. Ele crê, o que equivale dizer; ele se oferece ao encontro.
O ser humano que vive no arbitrário não crê e não se oferece ao encontro. Ele
desconhece o vínculo, ele só conhece o mundo “exterior” e serve-‐se do que ele
propõe aos sentidos. Na verdade, ele não vive seu destino, mas é somente um ser-‐
determinado pelas coisas e pelos instintos, e isto é realizado com um sentimento de
independência mas embasado no aleatório, que é justamente o arbitrário. O seu
mundo é privado de oferta e graça, de encontro e presença, entravado nos fins e nos
meios. Este mundo não pode ser diferente, é pura fatalidade. Quando somos
deixados levar pela fatalidade no nosso dia a dia? Precisamos aprender a ser
senhores do nosso destino, aprender a fazer escolhas, aprender a ser livre.
As linhas de todas as relações, se prolongadas, entrecruzam-‐se no TU eterno.
O Tu eterno é aquele que tudo o mais vive da sua luz, cuja amplidão é incontestável.
Entrar na relação pura com o TU eterno não significa prescindir de tudo, mas sim ver
tudo no TU, não é renunciar ao mundo, mas sim proporcionar-‐lhe fundamentação.
Afastar o olhar do mundo não auxilia a ida para Deus, olhar fixamente nele também
não faz aproximar de Deus, porém aquele que contempla o mundo em Deus, está na
presença d’Ele.
Buber afirma que sem dúvida Deus é o “totalmente outro”. Que é insensato e
sem esperança aquele que se afaste de seu próprio caminho a fim de procurar Deus,
mesmo que houvesse conquistado toda sabedoria da solidão e todo o poder de
concentração, não o encontraria. Ao contrário, é antes como alguém que anda pelo
seu caminho e deseja que este seja o caminho certo, é no poder de seu desejo que se
manisfesta a sua aspiração. Cada evento de relação é uma etapa que lhe possibilita
24
um olhar sobre a relação completa. Ele vai pelo seu caminho, mesmo não estando
pronto e não procurando, mas justamente por isso ele possui a serenidade para com
as coisas e sabe como agir nas situações.
Aqui nos questionamos, não seria essa a postura esperada de um professor?
Quando aquele que vai pelo seu caminho encontra a relação completa, o seu coração
se afasta das coisas, mesmo que tudo agora venha ao seu encontro de uma só vez,
pois este achado não é o fim do caminho, mas o seu eterno centro. O que seria esse
eterno centro? Uma possibilidade é a imagem da união do Eu superior com o Eu
inferior no centro de nossa circunferência, em total harmonia.
Quando um ser ama outro ser de tal modo que um se torna presente na vida
do outro, o TU do olhar de um permite ao outro vislumbrar um raio do TU eterno.
O homem voltado para o mundo espiritual já livrou-‐se da tensão entre “ser e
dever ser” e caminha acima da tensão entre “Deus e mundo”, seu “fardo passa a ser
leve e o jugo suave”, não há mais desejo pessoal mas sim uma interação voluntariosa
com o que é disposto, pois assim todo o dever fundamenta-‐se no todo, no Tu eterno,
e as coisas mundanas, se ainda subsistem, perdem o seu valor. Deve-‐se desempenhar
seu papel no mundo, mas em outro nível de compromisso, participando de suas
ações sem delas se apropriar. Permuta-‐se uma “responsabilidade finita”, que procura
resultados, por uma responsabilidade infinita, a força de assumir com amor a
responsabilidade por todos os acontecimentos inexploráveis do mundo. Ser moral já
não é uma meta, mas tem-‐se uma necessidade do agir corretamente, ímpeto que
pertence à criação, porém este fazer não é imposto pelo mundo, mas cresce no
homem.
O fenômeno pelo qual o ser humano não sai do momento do encontro
supremo do mesmo modo como entrou é uma ideia do que seria uma relação pura. O
momento do encontro não é vivência que simplesmente surge na alma receptiva;
mas algo ai acontece no ser humano. Às vezes parece um sopro, às vezes, como se
25
fora uma luta, pouco importa: acontece. Ao sair do ato essencial da relação pura, o
ser humano tem em seu ser um “mais”, um acréscimo sobre o qual ele nada sabia
antes e cuja origem ele não saberia caracterizar corretamente.
Na verdade, a relação pura não pode atingir a estabilidade espaço-‐temporal,
mas pode ser realizada, efetivada na vida. O homem só pode corresponder à relação
com Deus se ele atualiza Deus no mundo. A verdadeira garantia da continuidade
consiste no fato de que a relação pura pode realizar-‐se transformando os seres em
TU, elevando-‐os. O tempo da vida floresce em uma plenitude de atualidade, e a vida
humana, embora não deva e nem possa libertar-‐se do contato com o ISSO, é de tal
modo impregnada de relação que adquire nela uma estabilidade radiante, irradiante.
Os momentos de suprema relação não são relâmpagos nas trevas, mas como a lua
que se levanta, em uma clara noite estrelada. E assim, a garantia autêntica de
estabilidade no espaço, consiste no fato de que as relações dos homens com seu
verdadeiro TU, os raios que vão de todos os Eus ao centro, formarem um círculo.
Não é a periferia, isto é, a comunidade que é dada primeiro, mas os raios, a
conformidade da relação com o centro. Somente ela garante a verdadeira
consistência da comunidade.
Buber conclui sua obra com a imagem dessa forma geométrica mágica,
sagrada, o círculo. Reflitamos o que são esses raios propostos por Buber. Não são eles
justamente o espaço entre o centro e a periferia? Ele propõe que o raio venha antes
da periferia, ou seja, existe uma periferia porque existe o raio, logo existe uma
comunidade porque existem relações.
A partir desta obra podemos perceber que por mais que vivemos no mundo
dos relacionamentos é fundamental que busquemos relações autênticas, pois é a
partir da relação com o TU que o ser humano pode vislumbrar um real caminho de
autoconsciência para o EU, por mais que viva nos relacionamentos EU – ISSO, os
instantes de relação EU – TU, por mais fugazes que sejam, são o que alimentam essa
26
possibilidade do vir a ser da autoconsciência do EU, e é a partir da autoconsciência
que vem o real poder de decisão do ser humano, o que faz com que seja livre.
Desenvolver a autoconsciência do EU é ser livre, na medida em que se escolhe
e não se deixa levar arbitrariamente. Para isso é necessário ter acessado o mundo do
TU, ter entrado em relação com o TU, pois é somente a partir do mundo do TU que o
ser humano conhece a verdadeira necessidade, ou seja, o destino. Conhecer o
destino por meio da relação faz com que, mesmo encontrando-‐se no mundo do ISSO,
seu coração seja permeado de sentido. Aqui entendemos a frase enigmática de
Buber, que parece antagônica, quando diz que destino e liberdade juraram fidelidade
mútua. Esta frase só é compreensível se o EU acessa o mundo do TU, pois é lá que ele
vislumbra seu destino, é lá onde ele escolhe livremente cumprir tal destino, pois é o
que dá sentido ao mundo do ISSO.
“As linhas de todas as relações, se prolongadas, entrecruzam-‐se no TU eterno.”
(pág. 87) É dessa forma que Buber fala da relação com Deus, que não há um
distanciamento, um caminho a ser percorrido para chegar a Deus, mas ao contrário,
que estamos em Deus, e em Deus há um entrecruzar-‐se das “linhas” de relação. O
“estar em Deus” se revela a partir do outro, é o “totalmente outro” para cada EU.
Aqui tanto o TU quanto o ISSO ganham a conotação de OUTRO quando o EU entra em
relação com o Mundo (seja do TU ou seja do ISSO) a partir do Tu eterno, pois ai o EU
inferior e o EU superior caminham juntos, harmoniosamente.
O Mundo do ISSO é gratificado a partir do olhar do EU com o Tu eterno e
então os relacionamentos EU-‐ISSO são potencializados, e a partir da graça podem
conquistar instantes de relação EU-‐TU. Assim se dá o nosso cotidiano. Por mais
envolvidos que estejamos nos relacionamentos do mundo do ISSO, se estivermos em
Deus, portamos a potencialidade de uma relação autêntica acontecer e de a
percebermos, por mais efêmera que seja.
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Estes encontros de relação pura, mesmo que fugazes, são transformadores e
percebemos que pequenas (ou em alguns casos grandes) coisas já não são mais como
eram antes, nossa visão de mundo se transforma mesmo que milimétricamente. A
relação pura nos atualiza com o mundo, nos coloca no instante e então mesmo que
inconscientemente nos moldamos para a real necessidade do espírito.
Por fim Buber nos oferece um caminho prático, que mesmo no mundo do ISSO
cabe a nós buscarmos a verdadeira reciprocidade, mas sem esperar alívio; ele destaca
que muitas vezes a vida se torna até mais pesada, porém é pesada de sentido. Sendo
assim NADA mais pode ser sem sentido. Precisamos nos questionar de tudo que
fazemos, sentimos e pensamos, inclusive nossos hábitos, até mesmo o que
chamamos de “tradição,” pois o que estiver na forma do convencionalismo, do
“porque sempre foi assim” não cabe mais. Este é o sentido que ele diz que não deve
ser meramente experenciado, mas sim realizado, efetivado na vida.
Capitulo 4: “Eu estou no outro e o outro está em mim”
Vimos no capítulo 1 a importância da relação entre as circunferências para as
possibilidades de novas formas e tratemos então da relação entre as pessoas a partir
da circunferência, considerando este espaço entre centro e periferia onde a
personalidade atua e onde o ambiente pode ser decisivo.
Vemos o Eu como ponto central e o outro na circunferência, na periferia. Mas
muitas vezes o ser humano tem impulsos que alimentam e fortalecem a própria
personalidade em detrimento do outro. Um exemplo seria uma atitude egoísta, como
uma pessoa que tem acesso a uma informação e não compartilha com outras para
que apenas ela se beneficie daquilo, ou uma atitude que prevaleça o orgulho, onde a
pessoa se acha superior em uma situação; nestes casos o Eu deixa de ser um
pequeno ponto central, pois a personalidade encobre o Eu que “infla-‐se”então até
chegar em um ponto de inversão, onde passa a ver o outro não mais na
28
circunferência ao seu redor mas como pontos isolados que deixam de se relacionar
com o EU, que foi tomado pela personalidade inflada, como diz Jörgen Smit em sua
obra “Meditação e experiência com o Cristo.”
Neste caso faz-‐se necessário redescobrir quem é o outro e perceber sua
importância. Jörgen Smit destaca que um caminho possivel é perceber quanto
determinada pessoa foi importante em algum momento especifico e assim
sucessivamente, fazendo com que o outro cresça em importância ao meu redor,
como mostram as figuras:
Ou seja, voltamos para a forma onde o Eu é enquanto possibilidade de relação
com o outro. E que a partir da relação com o outro, o outro possibilita a ida do Eu
para a periferia de si mesmo, vislumbrando seu Eu superior que está
simultâneamente no interior de si mesmo e nas outras pessoas ao redor.
Na obra “Meditação e experiência com o Cristo”, de Jörgen Smit, ele cita:
“Até agora eu acreditei que minha consciência do eu fosse o mais
significativo perante tudo o que se encontra em meu ambiente;
agora devo descobrir que todo círculo de minha vida é, na
verdade, parte de mim mesmo, e que minha pequena e centrada
consciência do eu pode ser expandida para as outras com as
quais me relaciono.” (pág. 52)
29
Assim como temos atos egoístas, o outro também tem, e conforme já vimos o
quanto estamos interligados em termos de relação, é esperado que tanto o Eu
quanto o outro projete suas sombras um no outro, e que muitas vezes a sombra que
vejo no outro é mera projeção da minha própria sombra. Logo, busquemos também
o que há de positivo no outro enquanto que elevamos nossos ideais interiormente, e
complementando com a busca pelo Cristo. “Se digo que posso encontrar o Cristo em
mim e por isso não preciso dos outros, isso é um erro”, diz Jörgen Smit na mesma
obra e complementa dizendo que “A pessoa pode encontrar o Cristo em si mesma,
porém só quando simultâneamente o encontra na outra pessoa.”(SMIT, Jörgen -‐
“Meditação e experiência com o Cristo”, pág. 68)
Para maior aprofundamento, Rudolf Steiner nos propõe uma meditação
(encontrada na obra “Curso de Pedagogia Curativa” pág. 158) que consiste em
vivificar na consciência todas as noites antes de dormir a afirmação: “Deus está (é)
em mim” – ou “o espírito divino”, ou algo semelhante, o mais importante é que seja
de forma muito vívida. E nos mostra a representação nas cores azul e amarela, como
vemos abaixo:
“Deus está (é) em mim (In mir ist Gott)”
E então pela manhã, de forma que isto ilumine todo o dia, deve-‐se meditar em:
“Eu estou (sou) em Deus (Ich bin in Gott)”
30
Rudolf Steiner explica: “Pela manhã os senhores deverão pensar: “Este é um
círculo (onde aponta para o ponto central azul), este é um ponto (onde aponta para a
circunferência amarela). Os senhores tem de compreender que um círculo é um
ponto e um ponto é um círculo.” Ele continua: “Em primeiro lugar, contudo, deverá
ser bastante claro que estas duas figuras, estas duas representações, são a mesma
coisa; não tem diferença alguma uma da outra. Elas só aparecem diferentes quando
vistas de fora.” (págs.158/159)
Lembremos da indicação de Steiner de que “um círculo é um ponto e um
ponto é um círculo” e pensemos no encontro deste ponto central que se expande no
sentido da circunferência, e da circunferência que se concentra no sentido do ponto.
Meditemos a partir da pulsação entre ponto e circunferência.
Minha observação pessoal desse movimento de pulsação entre ponto e
circunferência é que temos um momento de sobreposição de superfícies, e
considerando as cores indicadas, tive a experiência de vivenciar brevemente um
círculo verde que se forma. Segundo a autora Liane Collot D’Herbois, quando
chegamos no verde estamos muito perto da fonte da luz, que é a cor que expressa o
encontro entre a luz forte e a escuridão mais fraca. Ela fala do verde como a cor que
porta a luz para a alma.
31
Consideremos que temos o ponto que expande, como que “Deus crescendo”
em nós e a circunferência que contrai como que “eu diminuo para que Ele cresça”;
nesta pulsação, neste círculo verde que surge de forma surpreendente, podemos nos
referir como uma imagem de “Deus e eu somos um”. Como diz Santo Agostinho, em
sua obra “Confissões”:
“Por conseguinte, eu não existiria, meu Deus, de modo nenhum
existiria, se Vós não estivésseis em mim. Ou antes, existiria eu se
não estivesse em Vós, "de quem, por quem e em quem todas as
coisas subsistem"?”
Aqui podemos relacionar com o tema pelo qual Rudolf Steiner nos propôs essa
meditação, que é para que cheguemos a uma profunda compreensão do que ele
esboça em uma representação como “homem da cabeça” e “homem do metabolismo
e membros”, conforme indica a figura da lousa abaixo, feita durante a quinta palestra
que temos publicada no livro “Curso de Pedagogia Curativa” (pág.205):
32
Onde destacamos:
Imagem 1 (“Cabeça”) Imagem 2 (“Corpo”)
Na imagem 1 temos a organização do Eu que está bem no interior; seguida da
organização astral como que irradiando para fora, mais afora a organização etérica e
bem para fora a organização fisica. Na imagem 2 temos o contrário, a organização do
Eu bem para fora, mais para dentro a organização astral, depois a etérica e então a
física (Rudolf Steiner ressalta que essa é uma forma didática de tratar o assunto, para
o pensar, pois os limites entre os corpos não se dão de forma tão definida como na
representação).
Rudolf Steiner explica essa lousa da seguinte maneira:
“Desta forma, o primeiro ser foi transformado na cabeça humana
e o segundo no sistema metabólico-‐motor. De fato, é assim que
são as coisas no Homem. Na organização da cabeça, o Eu se
oculta bem internamente e o corpo astral está também
comparativamente escondido no interior, enquanto, do lado de
fora, aparecem configurados o corpo físico e o etérico, dando
forma ao semblante. No sistema metabólico-‐motor, ao contrário,
o Eu está do lado de fora, vibrando, com sua sensibilidade, com o
calor e o tato... Assim vemos na cabeça uma disposição
centrífuga, originada no Eu e direcionada para fora, através do
corpo físico. No sistema metabólico-‐motor é centrípeta: do Eu ao
físico, segue adentro.” (Pedagogia Curativa, pag. 73-‐74)
33
Quando relacionamos as imagens da cabeça e do corpo com a meditação, ele
nos indica que a imagem meditativa que levamos para noite esta relacionada com a
imagem que temos para o corpo:
“Deus está (é) em mim” (In mir ist Got) Imagem 2 (“Corpo”)
Aqui precisamos ressaltar que Rudolf Steiner, ao desenhar a imagem
meditativa da noite na lousa, desenhou a circunferência azul no sentido anti-‐horário,
de certa forma nos propondo para entrarmos, como que através de um
encantamento mágico, em uma noite interior, cósmica, como diz Eric Arlin (na
publicação “Seelenpflege in Heilpädagogik und Sozialtherapie”, pág. 19).
Consideremos então que ao adormecermos levamos juntamente com a
afirmação “Deus está em mim”, os frutos da vontade que exercemos no mundo
juntamente com os impulsos que recebemos do mundo, através do nosso corpo,
onde o Eu atua periféricamente com força centrípeta. Logo, esses frutos serão
assimilados nessa “noite interior, cósmica”. Na noite essa força centrípeta
misteriosamente me leva ao meu ponto central onde existe a possibilidade de
perceber que “Deus está (é) em mim”.
Ao desenhar a imagem meditativa da manhã, Rudolf Steiner desenhou a
circunferência amarela no sentido horário, onde temos a seguinte relação:
34
“Eu estou (sou) em Deus (Ich bin in Gott)” Imagem 1 (“Cabeça”)
No processo de acordar, temos a resolução do Eu atuando internamente com
força centrífuga, ou seja, irradiando o que recebemos da assimilação noturna, como
que um eco da noite que impulsionará para um novo dia onde temos a afirmação “Eu
estou (sou) em Deus”.
No decorrer do dia temos continuamente nossos corpos que se misturam de
dentro para fora e de fora para dentro, o que compõe nosso sistema rítmico, onde
irradiamos durante todo o dia que “Eu estou (sou) em Deus” e levamos para a noite a
resolução de que “Deus está (é) em mim”.
O importante é entender que a transformação do ponto em círculo e do
círculo em ponto se dá através do sistema rítmico, através da relação entre nosso
corpo físico com nossos corpos sutis, com o mundo de sentimento que vivemos, e
que no decorrer de cada dia, cada encontro compõem esses laços entre “dois
sistemas rítmicos”, e temos então essa “vida rítmica” que vivemos diariamente a qual
nos oferta a substância para a nossa vida meditativa.
Rudolf Steiner diz que ativando uma verdade como esta dentro de si que é
possivel alcançar algo no campo da pedagogia, uma vez que a vida meditativa é a
grande vinha do educador Waldorf.
Vale destacar uma advertência que Rudolf Steiner nos deixa:
“Contudo, nunca o alcançaremos (a vida meditativa) enquanto
permitirmos que qualquer vestígio de vaidade permaneça em nós
35
– e a vaidade está a nos espreitar em cada canto da alma.”
(STEINER, Rudolf -‐ Pedagogia Curativa, pág. 160)
Busquemos trilhar nossos caminhos atentos às armadilhas, muitas vezes
colocadas por nós mesmos, que podem nos prender ou desviar a cada passo.
Nesta imagem podemos considerar também como uma forma de exercício
meditativo, o azul como sendo “eu” e o amarelo como sendo “o outro”, onde
passamos a ver que “O outro está em mim e eu estou no outro.”
A imagem do ponto e do círculo é tão grandiosa na vida humana, que desde a
grande conquista do andar, do falar e do pensar, vemos como o ser humano começa
a conquistar esse “círculo”. Quando a criança começa a andar, são os primeiros
passos que podemos imaginar partindo do ponto ao encontro da circunferência, ou
seja, do mundo, porém ainda de forma restrita. Já ao conquistar a fala, seu círculo de
vida aumenta, mas é ainda pequeno. Contudo quando o ser humano conquista o
pensar seu círculo aumenta de forma que ele faz parte de toda a humanidade,
conforme citação de Rudolf Steiner:
“...com o falar ainda estamos dentro de um círculo de vida
menor; com o pensar, fazemos parte de toda a humanidade.
Assim, ampliamos nosso círculo de vida com o andar, o falar e o
pensar.” (STEINER, Rudolf -‐ “A prática pedagógica”, pág. 56)
Capitulo 5: A educação à partir das relações humanas
“Quero chamar a atenção para o fato de que conhecer
realmente, verdadeiramente o ser humano não é ocupar-‐se
simplesmente da compreensão de cada pessoa, conforme seu
corpo, sua alma, seu espírito, tal como ela se coloca diante de
nós, mas sim querer captar, antes de mais nada, com os olhos da
36
alma, o que se passa entre as pessoas na vida terrena.” (STEINER,
Rudolf -‐ “A Metodologia de Ensino e as condições da vida do
educar, pág. 11)
A partir das palavras de Rudolf Steiner fica claro que a relação, por ser a base
da existência humana, é a base da educação; que a partir da ciência espiritual
antroposófica, vemos que o mais importante na educação e no ensino é o que se
passa entre a alma do professor e a alma da criança, como um traço sutil, sem forma
rígida, maleável que forma uma lemniscata circundando o educador e a criança num
ir e vir sem cessar.
O que o professor faz com a criança em idade escolar penetra profundamente
em sua natureza física, psíquica e espiritual, logo lembremos de Martim Buber que
diz: “Não tenho ensinamentos a transmitir... Tomo aquele que me ouve pela mão e o
levo até a janela. Abro-‐a e aponto para fora. Não tenho ensinamento algum, mas
conduzo a um diálogo.” (“Eu e Tu”, pg LXIX). O que seria este “tomar pela mão”, o
“levar até a janela”, “conduzir a um diálogo” senão o educador que “fala” de alma
para alma com a criança, que se coloca como um meio e não um fim. Pensemos no
processo educativo como um agir do qual eu participo sem poder dele me apropriar.
“A vida pré-‐natal das crianças é um puro vínculo cósmico, um
afluxo de um para outro, uma interação corporal na qual o
horizonte vital do ente em devir parece estar inscrito de um
modo singular no horizonte do ente que o carrega, pois não é
somente no seio de sua mãe que ele repousa. Cada criança em
desenvolvimento, como todo ente em formação, repousa no seio
da Grande Mãe, isto é, do mundo primordial indiferenciado e que
precede toda forma.” (BUBER, Martim – “Eu e Tu”, pág 28)
Frente a esta magnitude, como deve se portar um educador de primeiro
setênio? Rudolf Steiner diz que o educador deve cair em uma disposição religiosa
37
como de um sacerdote, onde o serviço de educar torna-‐se um serviço sacerdotal,
como uma espécie de culto que é celebrado no altar sagrado da vida humana,
fazendo com que o serviço religioso da educação se torne um assunto do coração,
que não parta da individualidade, mas de algo maior, em harmonia com os mistérios
do universo, que jorra para a vida física através do coração humano (“A Metodologia
do ensino e as condições da vida do educar”, pág. 32). O professor deve então se
consagrar em seu relacionamento com o mundo, pois seu olhar para a criança e sua
atividade se transforma para realmente impulsionar a educação como exige o
desenvolvimento do ser humano e consequentemente da humanidade.
“A criança tem um prazo para substituir a ligação natural, que a unia ao
universo, por uma ligação espiritual, isto é, a relação”, diz Martim Buber. Logo, a
criança vai perdendo essa ligação natural que tem com o cosmos, mas cada relação
que ela estabelece, desde sua infância, são como fios que ela tece e compõem essa
ligação espiritual, agora consciente, com o universo.
Citaremos ainda Martim Buber para falarmos da relação autêntica que
circunda a criança a partir da fantasia:
“A originalidade da aspiração de relação já aparece claramente
desde o estado mais precoce e obscuro do desenvolvimento
humano. Antes de poder perceber alguma coisa isolada, os
tímidos olhares procuram no espaço obscuro algo de indefinido
no vazio.”
Não seria esse “lugar” de onde nasce a fantasia? Ele continua: “Pois estes
olhares (das crianças), na verdade, depois de minuciosas tentativas, se fixarão em um
arabesco vermelho de um tapete e dele não desprenderão até que a essência do
vermelho se lhes tenha revelado.” Esta é então uma vivência de relação autêntica.
Em se tratando de fantasia Martim Buber complementa: “não se trata de uma
experiência de um objeto, mas de um confronto, que sem dúvida, se passa na
38
fantasia, com um parceiro vivo e atuante. Esta fantasia não é de modo algum uma
animação, ela é o instinto de tudo transformar em TU, o instinto de relação que,
quando o parceiro se apresentar em imagem e simbolicamente, vivo e atuante ela (a
criança) lhe empresta vida e ação tirando de sua própria plenitude.” Vemos que a
criança porta instintivamente a essência da conexão com o TU a partir da fantasia,
que é esta vida e ação que brotam de sua plenitude.
“Deve-‐se ter interesse de que um desenvolvimento sadio se
imponha nas relações da humanidade. É uma atitude sábia
semear tanto amor quanto possível na Terra. Não há nada mais
sábio do que promover o amor na Terra.” (GA 143, palestra de
17/12/1912, “Amor, poder, sabedoria”, pp. 23)
E aqui Rudolf Steiner deixa claro qual a semente que deve ser semeada para
que as relações brotem de maneira saudável: o Amor. Amor que não é mero
sentimentalismo.
“Os sentimentos, nós os possuimos, o amor acontece. Os
sentimentos residem no homem, mas o homem habita em seu
amor.” (BUBER, Martim – “Eu e Tu”, pág. 17)
Segundo Buber, o amor é o que acontece entre o EU e o TU, é uma força
cósmica, e responsabilidade de um EU para com um TU.
Martim Buber vai ao encontro de Rudolf Steiner quando diz que “a verdadeira
comunidade” não nasce do fato de que as pessoas têm sentimentos uma para com as
outras (embora seja também importante e ela não possa, na verdade, nascer sem
isso), mas ela nasce de duas coisas: de estarem todos em relação viva e mútua com
um centro vivo e de estarem unidas umas às outras em relação viva e mútua.
Entendamos esse centro vivo como o Cristo. Rudolf Steiner nos diz:
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“Devemos ensinar com a consciência de que temos que realizar
em cada criança uma salvação, na qual cada uma, ao longo de
sua vida, seja levada a encontrar em si o Impulso do Cristo, um
renascimento.” (STEINER, Rudolf -‐ “A questão pedagógica como
questão social”, pág.97)
Ele destaca na mesma obra que deve-‐se exigir do professorado que sua alma
esteja fortemente envolvida com essa preocupação pela humanidade.
Capitulo 6: O cultivo da “vida rítmica” no educar
Cultivar a vida rítmica do educar é buscar as mais fortes sementes para
compor um jardim onde possamos trabalhar diariamente. O Amor é a substância
primordial, que nutri a terra para todas as sementes. Cubriremos este jardim com um
manto de terra fértil que podemos chamar de autoeducação, e é nesta terra que o
educador precisa se aprofundar.
É o trabalho de autoeducação que sustentará toda a vida do educador, é o
pilar de sustentação sem o qual o educador literalmente despenca, pois de nada vale
o aparente, o superficial se a essência, a fundação não está devidamente firme.
Para falar de autoeducação é preciso despertar as camadas profundas da alma,
é preciso ir além do estudo e da explicação intelectual. Primeiramente é necessário
buscar um estado de recolhimento, para que as camadas profundas e íntimas da
alma possam se tornar ativas e frutificar.
É da relação do esforço pessoal com a realidade espiritual que pode se dar a
autoeducação. Esforço já é uma palavra que nos traz a impressão de fardo, de
cansaço, mas pensemos no esforço de um equilibrista. Leiamos a matéria abaixo:
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“Daredevil Nik Wallenda, trapezista americano, levou cerca de 22
minutos a atravessar o Grande Canyon num cabo de aço de
aproximadamente 5 centímetros de espessura, sem
equipamento de segurança. "Obrigado senhor. Obrigado por
teres acalmado o vento, Deus", afirmou 13 minutos depois de ter
iniciado o percurso no cabo. Wallenda não quis utilizar um arnês
(equipamento de segurança) e iniciou a acrobacia vagarosamente
e de forma estável até que a mesma terminasse... Wallenda
explicou que por vezes os ventos que sopram pelo desfiladeiro
são imprevisíveis ...” (fonte: http://visao.sapo.pt/trapezista-‐
atravessa-‐grande-‐canyon-‐num-‐cabo-‐de-‐aco-‐a-‐450-‐metros-‐de-‐
altura=f737059#ixzz2YlSGsjDb)
Sem dúvida o equilibrista D. N. Wallenda teve muito esforço, em diferentes
níveis, até decidir atravessar o Grande Canyon. Horas de treino físico para ter a
firmeza e a leveza necessárias para se equilibrar, um trabalho técnico que envolve
saber qual a roupa, o calçado adequado, como dar cada passo, como segurar o
bastão, como lidar com o vento, além de um intenso trabalho psíquico de
concentração, de controle mental, de paz de espírito, confiança, entre outras coisas,
ou seja, muito esforço. Porém, na hora que ele está na corda será que ele pensa,
imagina, planeja cada passo? Se o fizer racionalmente certamente cairá. Ele precisa
eliminar toda atividade do intelecto e da imaginação para evitar a queda, é a
inteligência do seu sistema rítmico (respiratório e circulatório) que substitui a
inteligência do seu cérebro. É neste momento que todo o esforço prévio transforma-‐
se em concentração, agora, sem esforço, pois já não tem necessidade de pensar, mas
sim de acontecer. Não é o esforço mental, mas é o acontecer da vontade, que flui de
forma rítmica na sua respiração, na circulação do sangue por todo seu corpo, em
plena harmonia e unicidade. É a concentração que silencia o automatismo intelectual
e imaginário.
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Leiamos então a declaração final do equilibrista:
"Foi o caminho que mais teve vento que já percorri. Foi
necessário cada pedaço de mim para manter o foco durante todo
o percurso" (fonte: http://visao.sapo.pt/trapezista-‐atravessa-‐
grande-‐canyon-‐num-‐cabo-‐de-‐aco-‐a-‐450-‐metros-‐de-‐
altura=f737059#ixzz2YlSGsjDb)
“Foi necessário cada pedaço de mim para manter o foco...” Wallenda nos deixa
aqui a chave para se alcançar esse nível de concentração: “juntar cada pedaço de si
mesmo”. O cotidiano exige cada vez mais que tenhamos atenção em muitas coisas ao
mesmo tempo, o que faz com que nos “separamos de nós mesmos”, o que não tem
problema, desde que tenhamos consciência e saibamos “juntar” depois, porque a
tendência é ficarmos “despedaçados”. Um exemplo é quando ao falar com alguém
estamos pensando em outra coisa, outro assunto; perdemos a oportunidade de estar
com o outro, de entrar em relação. O automatismo intectual e imaginário é o
combustível para viver nesse estado “despedaçado”, pois além de colocarmos
atenção em muitas coisas simultâneamente, a maior parte delas colocamos atenção
“automatizada”. Geralmente escovamos os dentes pensando em como será o dia,
tomamos café da manhã planejando mentalmente a reunião que teremos em 1 hora,
colocamos os sapatos lembrando que esquecemos de regar as plantas, regamos as
plantas pensando no almoço na casa da sogra na semana que vem e lá se passaram
atividades sem que estivéssemos nelas. Podemos pensar “mas são atividades bobas,
é bom que aproveite meu tempo mentalmente com outras coisas”. Porém nem
percebemos que no escovar dos dentes estava um dos nossos filhos observando
nosso fazer, que na mesa do café da manhã estava toda família reunida à mesa com
um delicado raio de sol que batia na janela clareando o rosto de todos ali presentes,
que ao lado dos sapatos havia o bichinho de estimação da casa que teria apreciado
um carinho e que aquela planta que há meses você rega finalmente floresceu!
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Quando realizamos algo com o automatismo do intelecto e da imaginação
podemos dizer sim que “tudo é feito, e muito bem feito”, porém não podemos dizer
que tudo é vivido. Pois a vida só acontece no presente. O que passou é passado o que
virá é futuro mas a vida é o agora.
Podemos dizer que é premissa para a autoeducação buscar este estado de
“concentração sem esforço” como o equilibrista, pois viver neste estado é estar em
presença, é o fluir de todo esforço prévio que já está internalizado, é o encontro do
pensar com o querer no sistema rítmico, como uma lemniscata, num ir e vir sem
cessar, em estado de tranquilidade. É quando os desejos, as preocupações, a
imaginação, a memória, o pensamento discursivo silenciam para que a vida possa
acontecer. Para que se saiba o que se tem que saber, que se faça o que se tem que
fazer simplesmente por estar em harmonia com o momento presente. Dennis Klocek
cita em uma palestra: “Se quisermos tomar boas decisões é necessário que estejamos
livres de tudo aquilo que pensamos, porque o que pensamos se coloca no caminho
daquilo que tem de acontecer. (PEW – 49/2010 – pág. 4) Podemos vivenciar este
estado por instantes, minutos que sejam, mas é importante que esteja sempre
presente na vida da alma, que é como se a alma trabalhasse em contato direto com
os céus.
“O meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11,30) são as palavras de Jesus
Cristo. Ao olharmos para nossa vida, nosso cotidiano, podemos fazer das palavras do
Mestre as nossas palavras? Geralmente nos identificamos mais com o Deus Atlas que
carrega o peso do mundo nas costas! Como podemos migrar da sensação do Deus
Atlas para o estado que se encontra Jesus Cristo?
Se como educadores trabalhamos com crianças, aprendamos com elas. A
criança resolve que ela é a mãe, o amiguinho é o filho. Ela vai até o cesto dos panos,
coloca um “lindo vestido”, pega uma “roupa” para seu “filho”, coloca nele; com sua
bolsa no ombro, pega na mão de seu “filho” e “vai ao mercado”,“fazer compras”. A
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criança brinca. A brincadeira é séria. Se perguntar a ela: “Aonde vais?” Ela responderá
com toda convicção: “No mercado fazer compras!” E ela vai. Seriamente. Passado
alguns minutos a brincadeira mudou, o que não importa, importa que é séria, que
tem comprometimento, que por mais efêmera que seja, durante o tempo que dura é
eterna! Quando se toca o eterno, a alma toca o céu, que passa a trabalhar com a
alma, e então não se carrega sozinho o que é preciso carregar: as forças do céu, as
forças do alto ajudam e eis que “o jugo se torna suave e o fardo se torna leve”.
Lembremos da declaração do equilibrista: "Obrigado senhor. Obrigado por teres
acalmado o vento, Deus". Transformemos nosso trabalho em autêntica brincadeira
de criança, com atenção inteira e indivisa, com espontaneidade e vontade, com todo
comprometimento que uma criança tem.
Para isso é preciso que saibamos observar uma criança, observar o mundo,
observar a vida. Dennis Klocek também nos traz uma curiosidade interessante em
relação à palavra “observar”, que nela temos embutido o verbo “servir”. Ele afirma:
“Nós nos rendemos àquilo que observamos na vida interior da alma e para nos
rendermos precisamos parar de pensar sobre aquilo; temos de entrar em um
processo de pensar com aquilo ... Ao observar, a minha alma serve a alguém...” (PEW
– 49/2010 – pág. 6)
“Que o maior entre vós seja o servo de todos” (Mat 23:11) também foram
palavras de Jesus Cristo ao seus discípulos. Que bela imagem para um professor,
onde o professor não é o “maior” em termos de personalidade, mas é aquele que se
torna “maior” no momento que entende que o que importa é ser o servo de todos; é
a prática dessa virtude que o faz grande.
Nesse caminho de “servo” o professor conquista a autoridade amada tão
falada por Rudolf Steiner, onde sua autoridade pessoal não substitui a autoridade
divina, mas ao contrário, cede o lugar a ela. Ao contrário de se preencher
completamente com certezas, convicções, receitas, fórmulas, “tradições”, deixa um
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espaço em si para o divino, para o espírito atuar. Assim disse Lao tsé (“Tao Te King”-‐
pág 78, ed. Attar) :
“Os vasos são feitos de argila, mas é graças ao seu vazio que ele
pode ser usado, uma casa tem paredes, janelas, portas, mas é o
seu vazio interior que a torna habitável. Assim o ser produz o útil,
mas é o não-‐ser que o torna eficaz”
Podemos pensar que uma vez colocadas as flores no vaso, está preenchido, e
está lindo, afinal de contas, são flores! Mas lembremos que se não trocarmos a água,
apodrecerá. E mesmo trocando a água será necessário de tempos em tempos trocar
as flores, que podem ser do mesmo tipo, mas serão outras, novas, frescas que trarão
vitalidade e alegria renovando o ambiente que estão.
No cultivo dessa terra fértil que é a autoeducação, quando conquistamos
substâncias para essa “terra fértil” como o estado de presença, quando da relação do
esforço pessoal com a realidade espiritual conseguimos nos colocar em estado de
concentração “sem esforço”, quando conseguimos transformar nosso trabalho em
“jogo”, quando nosso jugo se torna suave e nosso fardo se torna leve, nos damos
conta que existe ainda algo maior, que abarca a tudo, inclusive cada um de nós, e que
misteriosamente independe do esforço humano, que é a graça.
“O Sol brilha igualmente sobre os bons e os maus, mas é
necessario abrir as janelas para que a luz entre no quarto. A luz
do Sol não foi criada nem é merecida por nós. Ela é dom puro e
simples, gratia gratis data. Devemos, entretanto, abrir as nossas
janelas para que ela entre em nossa morada como devemos abrir
os olhos para vermos.” (diz autor anônimo em “Meditações sobre
os 22 Arcanos Maiores do Tarô”,pág. 188)
E então a terra está fértil o suficiente para enriquecer o jardim. Jardim que, até
então, é terra, mas que agora pode receber as sementes, de todos os tipos. Porém,
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em um bom pedaço de terra, plantamos, lado a lado, várias sementes do mesmo tipo
e cabe a elas saberem como crescerem entre si, respeitando as raízes umas das
outras, os espaços, mas que cresçam de forma harmônica. É dever do professor
“saber crescer” com os seus colegas de trabalho. Não faz sentido um professor que
não sabe se relacionar com seus colegas, uma vez que o princípio da educação é a
relação entre as pessoas e o amor. O professor que não consegue florescer ao lado
de seus semelhantes precisa de ajuda. O princípio de uma escola é inserir a criança
no florescer de sua vida social. Uns dos exemplos mais dignos de ser imitável que ela
pode ter são dois ou mais adultos que vivem uma relação em verdade, em amor. Se o
professor não consegue se relacionar com os colegas que interage diariamente, com
a pessoa que o auxilia todos os dias, com profissionais que ajudam a pulsar a vida
anímica da escola, como pode este professor ter uma relação verdadeira com as
crianças, com os pais, com as familias? Mesmo que ele consiga cultivar uma relação
com as familias, é uma relação sem lastro, é imprimir na alma das crianças o conceito
da hipocrisia de que “amamos o mundo,” mas não conseguimos amar o próximo, ou
seja, o que está ao nosso lado.
Por isso que antes de colocarmos as sementes na terra, é fundamental ter o
cuidado de trabalhar esta terra, de fertilizá-‐la com uma vida de autoeducação, que é
desta terra bem tratada que dependem todas as sementes.
Capitulo 7: “Se não tiver amor, nada adiantará”
A terra bem tratada, sementes e mudas bem escolhidas são as premissas para
se ter um belo jardim, porém para manter este jardim é necessário cuidados
constantes. A autoeducação não pode ser uma teoria distante, tem que ser uma
prática presente em nosso dia a dia. Assim como existem técnicas de jardinagem,
existem técnicas para se autoeducar. Cabe a cada educador procurar seu próprio
caminho, de acordo com sua individualidade, porém cabe a todos lembrar que o mais
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importante é “manter o jardim”. Não adianta irmos atrás dos melhores paisagistas e
esquecermos de regar o jardim diariamente, bem como importar sementes exóticas
se não percebermos as ervas daninhas que estão crescendo por entre as plantas.
Mais importante do que fazer o extraordinário é fazer o ordinário, o simples, o
essencial.
Rudolf Steiner nos deixou muitos exercícios espirituais, meditações, orações
como caminhos belíssimos de autoeducação que devem permear a vida do educador.
Cabe então a cada um encontrar o caminho que tem mais afinidade, de acordo com
aquilo que reverbera em seu coração.
Lembremos, porém, de permear nossa vida com o simples e primordial, com
um material muito rico que temos ao nosso alcance, que é base e alicerce de um
caminho autêntico de autodesenvovlvimento, que são às Sagradas Escrituras, no
caso, o Novo Testamento, que é a fonte primordial dos ensinamentos cristãos, e
voltemos nossa atenção para às palavras de Paulo aos Coríntios quando ele diz:
“Ainda que eu falasse línguas, as dos homens e as dos
anjos, se eu não tivesse a caridade, seria como bronze que
soa ou como címbalo que tine. Ainda que eu tivesse o dom
da profecia, o conhecimento de todos os mistérios e de
toda ciência, ainda que tivesse toda a fé, a ponto de
transportar montanhas, se não tivesse a caridade nada
seria... ainda que entregasse meu corpo às chamas, se não
tivesse a caridade, isso nada adiantaria. A caridade é
paciente, a caridade é prestativa, não é invejosa, não se
ostenta, não se incha de orgulho, nada faz de
inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se
irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça,
mas se regozija com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê,
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tudo espera, tudo suporta. ... Agora, portanto,
permanecem fé, esperança, caridade, essas três coisas. A
maior delas porém é a caridade.” (1 Coríntios 13 – Bíblia
de Jerusalém)
Paulo já havia nos deixado o caminho, o simples e o essencial, que deveria
trilhar o educador. Primeiramente entendamos que ele chama por “caridade” o que
conhecemos por “amor de dileção”, que é o amor não passional, o amor que quer o
bem do próximo. Então ele nos esclarece que por mais que se saiba falar com seus
semelhantes e até com hierarquias espirituais acima de nós, sem amor, todo discurso
ecoaria indiferentemente. Ainda que se tivesse dons, seja para lidar com crianças,
para as artes, para os trabalhos manuais, que se tivesse conhecimento, estudos,
pesquisas e mesmo que se tivesse fé, que se fizesse orações, concentrações,
meditações, sem amor nada adiantaria, pois não se poderia nem “Ser”. Aqui nos
damos conta que realmente antes de todo e qualquer trabalho espiritual de natureza
mais profunda é necessário uma real e sincera análise de como está minha caridade,
meu amor que quer o bem do próximo. Para sabermos isso é só fazermos uma
autoanálise do que é a prática desse amor: Eis que somos pacientes, prestativos, não
invejosos, vivemos sem ostentar, sem orgulho, sem fazer o que é inconveniente, sem
procurar sempre nossos próprios interesses, sem se irritar, sem guardar rancor, nos
alegrando com a justiça e dispostos a tudo desculpar, crer, esperar e suportar?
Horas de treinamento esotérico, de exercícios, de concentração, de estudos
são em vão se não considerarmos as belas palavras que Paulo nos deixou; pois
formam-‐se intelectuais no assunto, mas dificilmente sábios. Temos então aquelas
pessoas que fazem palestras de como fazer uma meditação, que conhecem todas as
técnicas de concentração, mas que facilmente perdem a cabeça no trânsito; que
falam do amor cristão, mas que seriam incapazes de comer na mesma mesa que a
faxineira, que defendem a justiça, os “direitos iguais” para todos, mas pede para
“furar uma fila”, para ter privilégios. Paulo mesmo nos diz que este caminho que ele
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nos indica ultrapassa a todos, não por ser superior, mas por ser o primeiro, a
primeira etapa de um longo caminho.
Busquemos consequentemente o caminho medidativo para que cultivemos
nossos dons, como nos lembram as palavras de Paulo:
“Procurai o amor de dileção. Entretanto, aspirai aos dons
do Espírito.” (1 Coríntios 14)
Aspirar aos dons do espírito é fundamental para uma compreensão meditativa
das relações que permeiam o nosso cotidiano. Cabe ao educador saber lidar com
seus colegas educadores, com as crianças, com as familias, e obviamente distinguir as
diferenças, os sentimentos que permeiam cada uma destas relações. Observemos a
relação de Jesus com o menino possesso que curou (Mt 17: 14-‐18), que foi permeada
de certos sentimentos, e observemos a relação de Jesus com Lázaro quando operou o
milagre da ressureição (Jo 11: 1-‐46), que foi permeada por outros sentimentos,
podemos dizer que cada situação foi permeada por sentimentos distintos, porém o
amor em ambas as situações é um, é o mesmo.
Os sentimentos que vivemos entre colegas de trabalho, com as crianças, com
as famílias são diferentes, mas o amor é o mesmo. Não tem como afirmarmos que
amamos as crianças e não amamos os pais! Que amamos um colega de trabalho e
odiamos outro! Aliás, o contrário do amor, mitologicamente falando, não é o ódio,
mas sim o egoísmo. No mito “O anel do Niebelungo”, Albérico abriu mão do Amor
para roubar o ouro do Reno e forjar o anel do egoísmo. (HEINDEL, Max – “O Mistério
das Grandes Óperas”) Se existe amor frente a uma relação e não existe frente a
outra, é preciso fazer esse amor reverberar e permear todas as instâncias das
relações, pois se não conseguimos fazer isso, então o que pensamos que é amor, não
é amor, mas talvez um egoísmo recoberto com um sentimentalismo amoroso, que
pode até ser um bom sentimento, mas que tem sua raiz no egoísmo e não no Amor.
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Para garantirmos que nossos sentimentos tenham lastro no Amor e não no
egoísmo, é preciso que lancemos um olhar para dentro de nós mesmos antes de
olharmos para fora, para o outro, logo, é preciso que cultivemos o Amor próprio que
jorra do Espírito. Que saibamos cultivar a paz, a autoconfiança, a autoestima, a força
de vontade, a próatividade, o respeito, a intrepidez entre outras virtudes, lembrando
que temos sempre as hierarquias espirituais que podemos invocar para nos ajudar e
guiar em momentos difíceis, e então estamos prontos para amarmos o próximo como
a nós mesmos.
“Todas essas coisas o amor fará por vós a fim de que vos torneis
sabedores dos segredos de vossos corações, e que, imbuídos
desse saber, vos transformeis num fragmento do coração da
Vida.” (GIBRAN, Khalil – “O profeta” pág. 14)
E então voltamos, como que traçando uma bela circunferência, novamente ao
ponto inicial, à meditação do ponto e círculo, com a citação de Khalil Gibran, na obra
“O Profeta” :
“Quando amardes, não deveríeis dizer: “Deus está em meu
coração”, mas sim: “Eu estou no coração de Deus.” E não pensai
que seríeis capazes de determinar seu curso, pois o amor, se
considerar-‐vos dignos, direcionar-‐vos-‐á.” (pág. 14)
Conclusão
Em cidades grandes, é muito comum presenciarmos cenas onde um
motoqueiro atravessa o sinal vermelho e quase choca-‐se com um outro veículo, ou
pessoas que andam apressadamente pelo metrô e esbarram-‐se umas nas outras. Por
que muitas vezes nos chocamos uns com os outros? Será que não levamos para a
vida adulta a essência da vivência da criança pequena que “bate” no amigo para
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buscar a relação? Quando nos chocamos com algo ou alguém cria-‐se resistência,
porém lembremos que só vemos a luz porque há algum nível de resistência para ela.
Muitas vezes uma implicância com alguém, uma situação dificil faz você
conviver mais com a pessoa, com a situação, faz você entrar em relação, não ficar só
no relacionamento superficial. A pessoa passa a ter uma importância naquele
momento que nos traz para o presente, para o agora e tem-‐se uma relação EU-‐TU!
Precisamos agradecer toda oportunidade de relação que nos é ofertada.
Permear de amor principalmente as relações difíceis. Relações difíceis muitas vezes
desconstroem o que precisa ser desconstruido em nós: a egolatria, a vaidade, o
orgulho. São relações que abalam nossas estruturas, porém nos proporcionam a
oportunidade de revermos nossos alicerces e refletirmos no que estamos nos
fundamentando, nos sedimentando. É o viver entre relações de simpatia e de
antipatia que gera uma pulsação, e é esta pulsação que nos tira da zona mais
perigosa: a da indiferença.
Para neutralizarmos os extremos tanto da simpatia quanto da antipatia
busquemos a relação sem interesse pessoal, que eu não me sirva do outro mas que
eu me coloque a serviço do outro, que eu me coloque a serviço da relação para que o
TU se manifeste.
É no aqui, no agora, neste momento que entramos em relação com o Cristo,
que é o Eterno. A chave para as relações humanas é ter disposição para sempre fazer
o que precisa ser feito, no aqui, no agora e que eu seja o momento presente.
Destarte o EU passa então a fazer o que precisa ser feito para o Cosmos, através e
junto com o OUTRO.
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Bibliografia
-‐ Livros/Apostilas:
AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo: Nova Cultural, 1999
ANÔNIMO. Meditações sobre os 22 Arcanos Maiores do Tarô. São Paulo: Paulus, 1989
ARLIN, Eric. Seelenpflege in Heilpädagogik und Sozialtherapie. 4/2010
Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus 2002
BUBER, Martim. Eu e Tu. São Paulo: Centauro Editora, 1974
D’HERBOIS, Liane Collot. Luz, escuridão e cor na pintura terapêutica. (Apostila) São Paulo, 1996
GIBRAN, Khalil. O profeta. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011
HEINDEL, Max. O Mistério das Grandes Óperas. São Paulo: FRC, 2009
KLOCEK, Dennis. Seminário de Inicio do Ano Letivo de 2010. PEW – 49/2010 49 ed. ex.3
SMIT, Jörgen. Meditação e experiência com o Cristo. São Paulo: Editora Antroposófica, 1996
STEINER, Rudolf. A prática pedagógica. São Paulo: Editora Antroposófica, 2000
STEINER, Rudolf. Metodologia do ensino e as condições da vida do educar. São Paulo: Federação das Escolas Waldorf no Brasil, 1974
STEINER, Rudolf. Curso de Pedagogia Curativa. São Paulo: Federação das Escolas Waldorf no Brasil, 2005
STEINER, Rudolf. A questão pedagógica como questão social. São Paulo: Editora Antroposófica: Federação das Escolas Waldorf no Brasil, 2009
STEINER, Rudolf. Amor, poder, sabedoria. GA 143, palestra de 17/12/1912
STRAKOSCH, Alexander. Introdução à geometria por meio da contemplação e da atividade prática. São Paulo: Associação Pedagógica Rudolf Steiner, 1979
TSÉ, Lao. Tao Te King. São Paulo: Attar, 1995
-‐ Sites:
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Jornal Visão. Disponível em: http://visao.sapo.pt/trapezista-‐atravessa-‐grande-‐canyon-‐num-‐cabo-‐de-‐aco-‐a-‐450-‐metros-‐de-‐altura=f737059#ixzz2YlSGsjDb Acesso em: 18/julho/2013