assembleia minas gerais

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    1/27

    Deliberao online em consultas

    pblicas? O caso da assembleia

    legislativa de Minas Gerais

    Ricardo Fabrino Mendona e Ernesto Friedrich de Lima Amaral

    RESUMO

    Este artigo busca analisar uma consulta pblica online sobre reforma poltica promovida em 2011 pela Assembleia Legislativa de

    Minas Gerais. Embasado pela teoria deliberacionista, o estudo de 752 posts guiou-se pela discusso de seis tpicos: (1) inclusivida-

    de; (2) provimento de razes; (3) reciprocidade; (4) respeito mtuo; (5) orientao para o bem comum; e (6) articulao entre arenas.

    Os resultados indicam: (1) uma sobrerepresentao de participantes masculinos e oriundos da Regio Metropolitana de Belo Hori-

    zonte, embora no tenha havido concentrao de posts em alguns comentadores; (2) o predomnio de posts on topic e que apresen-

    tam justificativas para as posies advogadas; (3) ndices muito baixos de reciprocidade entre posts e de uso de marcadores de

    interatividade; (4) graus muito elevados de respeito; (5) diferentes formas de ligao das justificativas a ideias de bem comum; (6) o

    baixo impacto decisrio e a conexo com outras arenas da esfera pblica, destacando-se a relao com uma matria publicada em

    jornal de grande circulao. Os achados so ambivalentes para os defensores da deliberao, indicando baixa probabilidade de

    deliberao interna ao frum, mas algum potencial deliberativo quando se adotam lentes mais amplas. Os cruzamentos entre vari-

    veis sugerem que as pessoas tendem a prover mais justificativas em discusses mais controversas, embora tendam a dialogar menos

    nesses casos. Assim, a hiptese da preferncia por conversas entre like-minded encontra respaldo nos dados analisados.

    PALAVRAS-CHAVE: Deliberao; Consulta pblica online; Legislativo; Reforma Poltica; Internet

    Recebido em 13 de Outubro de 2012. Aprovado em 25 de Dezembro de 2012.

    I. Introduo1

    cada vez maior o nmero de iniciativas digitais voltadas a gerar algumtipo de aproximao entre cidados e representantes polticos. As expe-rincias nessa direo so impulsionadas no apenas pelo prprio Esta-do, mas tambm por organizaes civis, partidos, empresas e indivduos. Taisexperincias incluem prticas to diversas como consultas pblicas, platafor-

    mas de produo colaborativa de conhecimento, dispositivos de acompanha-mento de polticas pblicas e execuo oramentria, chatscom autoridades,transmisso de reunies de comisses parlamentares e de audincias pblicas,blogse microblogsde candidatos, alm de grupos de discusso em redes soci-ais, para citar apenas alguns exemplos.

    Nessa ampla gama de iniciativas, chamam ateno as vrias dimenses quepodem contribuir para aproximar cidados de representantes: informao, par-tilha de poder, relacionamento afetivo, discusso, entre outros. Sem negar opotencial das demais dimenses para o aprofundamento da experincia demo-crtica, e acreditando que todas elas atravessam-se de maneiras complexas, ateoria deliberacionista de democracia ressalta o papel da discusso pblica naconstruo de uma relao de alimentao recproca entre Estado e sociedade.

    H, entretanto, muitas dvidas sobre a capacidade de iniciativas digitais defomentar processos de discusso online. Quando se fala, especificamente, so-

    1 O presente artigo foi produzidono mbito do projetoDelibera-o online?, que conta com fi-nanciamento da FAPEMIG (Edi-tal 01/2011 / Processo: SHA -APQ-00544-11 e Edital 03/2013,

    Processo CSA - PPM-00211-13)e da Pr-reitoria de pesquisa daUniversidade Federal de MinasGerais (Edital PRPq 12/2011). Oprojeto tambm contou comapoio da Assembleia Legislativade Minas Gerais. A estas institui-es somos muito gratos. Tam-bm temos dvida de gratidocom Eleonora Schettini Cunha eLucas Maroca de Castro pelaenorme ajuda para a viabilizaodeste artigo. Somos gratos, aindaa Stfany Sid, Fernando Vieira

    de Freitas e Wesley Mateus deOliveira pelo apoio na finalizaodo banco de dados que alimentaeste estudo. Por fim, registramos

    Artigos Rev. Sociol. Polit., v. 22, n. 49, p. 177-203, mar. 2014

  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    2/27

    bre iniciativas institucionais, as dvidas ficam ainda maiores. Teriam elas ca-pacidade de alimentar amplos debates pblicos? Conseguiriam motivar cida-dos a discutir temas de interesse pblico junto a seus concidados? Ou oprprio ceticismo em relao a tais instituies se encarregaria por bloquear aspossibilidades de debate?

    O presente artigo busca refletir sobre tais questes ao propor uma anlisesobre uma experincia especfica: a consulta pblica virtual sobre reforma po-ltica promovida pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em2011. O objetivo discutir tal iniciativa luz de alguns operadores derivadosda teoria deliberacionista. Espera-se, assim, contribuir no apenas para a com-preenso dessa iniciativa singular, mas tambm, para o avano da literaturaemprica dentro dos quadros da matriz deliberativa.

    O texto est estruturado em quatro sees. Na primeira delas, discutimos,brevemente, alguns estudos na rea de deliberao onlinepara situar o campoconceitual em que se inscreve o presente estudo. Na segunda, apresentamos e

    contextualizamos as consultas pblicas da ALMG no bojo de um processomais amplo de mudana institucional em curso h duas dcadas. Na terceiraseo, abordamos a metodologia empregada. Finalmente, na quarta seo,apresentam-se os resultados da anlise.

    II. Deliberaoonline

    No interior da teoria deliberativa de democracia, iniciativas e experinciasdigitais tm ganhado cada vez mais ateno (Davies 2009). Sem a euforia dosestudos da dcada de 1990, que buscavam, na internet, a configurao de uma

    nova esfera pblica, diversos autores tm se dedicado a ler prticasonlinesobas lentes da abordagem deliberacionista2. Esses estudos podem elucidar tantocaminhos como obstculos para o fortalecimento de processos democrticoscontemporneos.

    De forma muito sucinta, entende-se, por deliberao, o intercmbio pblicode razes marcado pela igualdade entre os sujeitos nele envolvidos. A delibe-rao uma prtica social dialgica em que atores buscam convencer seu in-terlocutor por meio da troca discursiva. Essa concepo, de basehabermasiana, viu-se teoricamente desenvolvida nos anos 1990 em uma sriede trabalhos fundamentais3. Desde ento, houve uma proliferao de estudosvoltados: (i) organizao da literatura sobre a abordagem e discusso decrticas a ela4; (ii) ao estudo de experincias democrticas e minipblicos pau-tados pela teoria5; (iii) construo de operadores analticos para investiga-es empricas6 e (iv) expanso da abordagem deliberacionista7.

    A literatura mais contempornea nessa rea faz questo de ressaltar que adeliberao precisa ser compreendida como um processo que se constri nocruzamento de vrias arenas e de muitos momentos (Mansbridge 1999; Hen-driks 2006; Parkinson 2006; Mendona & Santos 2009). Trata-se, pois, de umprocesso que deve ser pensado por uma lgica sistmica, que no busca encon-trar todas as caractersticas do processo em cada enunciado ou enunciador(Goodin 2008; Bchtiger et al. 2009). Nesse sistema deliberativo, as razes

    podem manifestar-se de vrias formas e no implicam um apagamento deemoes ou uma frieza de fala. A deliberao tampouco requer que participan-tes abram mo de interesses privados ou que cheguem a um consenso substan-tivo sobre seus valores e preferncias. O que necessrio um processo de

    nossos agradecimentos aos pare-ceristas annimos daRevista deSociologia e Poltica.

    2 Para alguns exemplos, ver: Pe-drini (2012), Kies (2010), Wales,Cotterill e Smith (2010), Davies eGrangadharan (2009), Bchtigeret alii(2009), Mutz (2006), Woj-cieszak e Mutz (2009), Graham eWitschge (2003), Janssen e Kies(2005), Marques, F. (2006), Mar-ques, A. (2011), Sampaio, Maia eMarques (2010) e Mendona ePereira (2012).

    3 Merecem destaque Dryzek

    (1990), Bohman (1996), Gut-mann e Thompson (1996) e Be-nhabib (1996), alm do prprioHabermas (1992; 1995; 1997).No objetivo do presente artigodiscutir as mltiplas abordagensno interior do guarda-chuva maisamplo de perspectivas delibera-cionistas. Reconhece-se, todavia,que os autores, aqui, menciona-dos tm leituras diferentes da no-o de deliberao.

    4 Bohman (1998), Chambers

    (2003), Fraser (1999), Sanders(1997), Mouffe (2005), Macedo(1999), Hibbing e Theiss-Morse(2002), Elster (1998), Young(1996), Gutmann e Thompson

    178 Ricardo Fabrino Mendona e Ernesto Friedrich de Lima Amaral

  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    3/27

    choque pblico de discursos que induza reflexo e promova a conexo entreexperincias singulares e princpios gerais (Dryzek 2000).

    dentro dessa viso ampliada que os estudos sobre deliberao onlinesemultiplicaram. Frunsonlinepodem funcionar como arenas em meio a proces-sos discursivos mais amplos, contribuindo para alimentar processos deliberati-vos. Longe de comprometer os benefcios dos encontros face-a-face, acomunicao mediada por computador pode provar-se especialmente til aotrabalho deliberativo(Price 2009, p. 37)8. Kies (2010) tambm enfatiza queno h contradio entre internet e deliberao, ainda que muitos julguem queaquela apenas induz interaes frvolas e descompromissadas. Embora crticode muitos estudos sobre deliberaoonline, Lupia (2009, p. 60) outro a vis-lumbrar seu potencial.

    O interesse por esse potencial tem impulsionado diversas investigaes so-bre experincias digitais. Alguns trabalhos precursores a serem citados so aspesquisas de Wilhelm (2000) sobre a Usenet e fruns de discusso nos Estados

    Unidos da Amrica (EUA), a comparao feita por Jensen (2003) envolvendoum grupo de Usenet (dk.politik) e um frum patrocinado pelo governo (Nord-pol.dk), na Dinamarca, e os estudos de Dahlberg (2001) sobre a clebre expe-rincia norte-americana do Minessota E-Democracy. Tambm bastantecitada a investigao de Graham e Witschge (2003) sobre um site governa-mental britnico (o UK Online) que, poca, possua cerca de 20 mil posta-gens.

    Investigaes mais recentes evidenciam a riqueza desse campo de estudoscom uma profuso de objetos investigados. Stromer-Galley (2007), em artigo

    j clssico para pesquisadores de deliberao online, voltou-se ao desenvolvi-mento de uma grade analtica que foi aplicada a um processo deliberativo digi-tal (The Virtual Agora Project), envolvendo 568 residentes de Pittsburgh,sobreo futuro de escolas pblicas subutilizadas. Kies (2010), por sua vez, debruou-se sobre o frum de um partido italiano (o Radicali Italiani) e sobre uma expe-rincia eleitoral francesa, bem como sobre dados de diversos surveyseuropeuse americanos.

    Sb e seus colaboradores (2009) enfocam um frum noruegus (o D:mo),abordando a importncia do design de iniciativas digitais. Algumas das falhasda experincia so atribudas negligncia de aspectos da cultura poltica lo-cal. Wright e Street (2007) tambm evidenciam a papel do desenho das expe-rincias online na promoo ou na restrio de processos deliberativos. Os

    autores realizam um estudo de caso sobre o Futurum (um frum virtual daUnio Europeia) e chamam a ateno para o modo como o tipo de moderao,o contexto institucional e a vinculao com a feitura de polticas pblicas con-triburam para que os debates fossem levados mais a srio.

    Gerhards e Schfer (2010) realizam uma interessante distino entre tiposde fruns virtuais, contribuindo para a compreenso de que a deliberao onli-neno pode ser pensada de maneira nica. Os processos que ocorrem por meiode trocas dee-mails, os que se inserem em grupos de discusso e aqueles queemergem dos motores de busca so inteiramente distintos. Com base nessaideia, eles comparam debates na internet e na mdia massiva sobre o genomahumano na Alemanha e nos EUA, em um corpus composto por 1 900 artigosde jornal e 144websites.

    O trabalho de Wojcieszak e Mutz (2009), por sua vez, apresenta avanosinteressantes ao evidenciar que debates polticos na internet tendem a ocorrer

    (2004), Dryzek (2000), Haber-mas (2005) e Thompson (2008).

    5 Fishkin (2009), Hendriks(2011), Hendriks e Carson(2008), Warren (2007), Gastil eLevine (2005), Fung (2004), Co-

    elho e Nobre (2004), Fung eWright (2003), Ackerman e Fish-kin (2003), Fishkin e Luskin(2000; 2006), Wampler e Avrit-zer (2004), Avritzer (2002;2006), Baiocchi (2005), Abers eKeck (2006), Coelho, Pozzoni eMontoya (2005) e Cornwall eCoelho (2009).

    6 Steenbergenet alii(2003),Bchtigeret alii(2009), Blacketalii(2009), Stromer-Galley(2007), Kies (2010), Wales, Cot-

    terill e Smith (2010), Graham eWitschge (2003), Wessler(2008), Maia (2008), Marques(2011), Sampaio, Maia e Mar-ques (2010) e Mendona e Perei-ra (2012).

    7 Habermas (2006), Dryzek(2010), Chambers (2009), Mans-bridge (1999), Young (2000),Hendriks (2006), Parkinson(2006), Goodin (2008), Mans-bridgeet alii(2010), Parkinson eMansbridge (2012), Maia (2008)e Mendona (2010; 2011).

    8 As tradues de lngua estran-geira so de responsabilidade dosautores.

    Deliberao online em consultas pblicas? O caso da assembleia legislativa de Minas Gerais 179

  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    4/27

    em espaos que no foram inicialmente desenhados para discutir poltica. Asautoras realizaram umsurveyjunto a 1 028 pessoas, demonstrando que os gru-pos sobrehobbieselazertendem a suscitar controvrsias sobre questes pbli-cas. Lev-On e Manin (2009) tambm argumentam que espaos nocentralmente voltados discusso poltica podem fomentar acidentes felizes,

    em que vises conflitantes se chocam publicamente.Importante citar, ainda, um veio de estudos preocupado com a compreen-

    so da adaptao de alguns formatos de minipblicos internet. Freschi eMete (2009) estudam dois Town Meetings digitais realizados na Toscanaem 2006 e 2007, indicando que as experincias teriam acabado por gerar certadomesticao dos movimentos participativos da regio (idem, p. 42). Visesmais positivas sobre o potencial de minipblicos online aparecem no estudode Hamlett (2002) sobre uma consensus conference realizada nos EUA e naleitura de Fishkin (2009) sobre os sncronos e Voice-Based Online Deliberati-ve Polls. Outra experincia a apresentar alguns resultados frutferos desen-volvida por Wales, Cotterill e Smith (2010), em que dois grupos virtuais

    selecionados aleatoriamente discutiram questes polmicas no Reino Unido.

    No Brasil, o nmero de estudos sobre deliberao onlinetambm tem cres-cido significativamente. Sampaio, Maia e Marques (2010) conduziram umarica pesquisa sobre o oramento participativo digital de Belo Horizonte, anali-sando 375 mensagens. Miola (2009) analisa um frum do Portal da Cmarados Deputados sobre participao popular, explorando 90 mensagens. Men-dona e Pereira (2012) investigam 118 comentrios de usurios em torno dosprojetos de lei mais polmicos disponveis na plataforma do votenaweb. Mar-ques (2011), Maia (2008) e Francisco Marques (2006) apresentam discussesde carter mais terico sobre deliberao online, e Sampaio, Barros e Moraes

    (2011) fazem um levantamento bibliogrfico sobre os indicadores empricosmais adotados.

    Essa ampla gama de estudos, tanto no Brasil como no exterior, explicita adiversidade de mtodos, de enfoques e de objetos investigados. DeliberaoOnline um fenmeno por demais amplo, podendo adquirir estruturas e carac-tersticas muito diferentes em redes sociais, blogs, sites de notcias, listas dediscusso, fruns de naturezas diversas, chats, comunidades virtuais, vdeosdo YouTube e fluxos do Twitter. Nessa seara de possibilidades, nota-se umgrande interesse por consultas pblicas, como a que ser aqui enfocada.

    De acordo com Fishkin (2009, p. 23), para consultar o pblico, precisa-

    mos comunicar com ele de algum modo, ou permitir que ele comunique entresi. Como isso feito pode afetar tanto quem consultado como os tipos deopinies que so solicitadas. O pesquisador demonstra preocupao com asconsultas que nem promovem a troca de razo entre os participantes, nem sorepresentativas da populao consultada: consultas com pessoas auto-selecio-nadas que expressam o que vem mente no provm um microcosmo do p-blico nem representam julgamentos considerados(idem, p. 31).

    Kies (2010) analisa diversas pesquisas sobre consultas online, argumentan-do que iniciativas organizadas por governos tendem a fortalecer a reciprocida-de entre os participantes, os nveis de respeito e a deliberatividadede umaforma mais geral, visto aumentarem o potencial de impacto externo dos parti-

    cipantes. Schlosberg, Zavestovski e Shulman (2009), por sua vez, buscaramcomparar, por meio de umsurveycom 1 553 participantes, se consultas eletr-nicas sobre leis ambientais fomentariam prticas mais deliberativas. Os dadosanalisados no indicam, contudo, uma postura muito deliberativa dos partici-

    180 Ricardo Fabrino Mendona e Ernesto Friedrich de Lima Amaral

  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    5/27

    pantes. Shane (2009) outro a discutir consultas pblicas governamentais, ad-vogando que prticas deliberativas poderiam contribuir para a superao derelaes de poder que minam muitas experincias participativas.

    Essas discusses sobre o potencial e os dilemas deliberativos de consultasonlineconduzem-nos ao objeto do presente artigo: uma consulta sobre reformapoltica produzida pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Para melhorcompreend-la, faz-se agora preciso contextualizar a experincia e delinearsuas caractersticas gerais.

    III. A assembleia legislativa de Minas Gerais e as consultas pblicasonline

    O poder Legislativo mineiro tem experimentado uma profunda transforma-o desde meados da dcada de 1980, quando a redemocratizao do pas e umdiagnstico negativo sobre a imagem da Assembleia impulsionaram vriasinovaes institucionais (Anastasia 2001; Mangue 2008; Oliveira 2009; Rocha

    2011; Mendona & Cunha 2012). Nesse processo, foram criados diversos me-canismos de interlocuo entre a instituio e a sociedade, no intuito de fo-mentar a aproximao entre elas. Passados mais de 20 anos do incio de talprocesso, as Tecnologias da Informao e da Comunicao (TICs) tm ga-nhando crescente centralidade.

    Isso no significa que a valorizao das TICs na ALMG seja recente. Eleremonta ao final da dcada de 1970, momento em que tem incio o processo deinformatizao da instituio (Anastasia 2001, p. 28). No entanto, em mea-dos dos anos 1990, com o primeiro boomda internet, que as TICs comeam aser pensadas pela Casa com o intuito de intensificar o contato da ALMG com ocorpo de cidados mineiros. Em 1995, a Casa cria seu primeiro portal, tornan-

    do-se o segundo legislativo estadual a estrear o seu canal de comunicaopela internet9.

    Desde ento, a Assembleia tem feito esforos significativos para ampliarsua insero online. Tais esforos mostram-se particularmente incisivos no fi-nal da primeira dcada de 2000, quando a Casa conclui um DirecionamentoEstratgico para o perodo 2010-2020. Nota-se, em primeiro lugar, a institui-o do Comit Gestor do Portal da Assembleia, por meio da Deliberao n. 2496, de 6 de dezembro de 2010. O rgo tem o objetivo de planejar e coor-denar a estruturao e o funcionamento do portal da Assembleia Legislativa naweb10. Cabe ao Comit estabelecer diretrizes para a arquitetura informacional

    do portal, bem como polticas sobre servios e atualizaes. A partir de seutrabalho, nota-se uma profunda reformulao do portal da Casa, com a defesade estruturas mais acessveis ao cidado e interativas. O Comit tambm temdiscutido polticas de uso de mdias digitais que ultrapassam a arena do portal.

    no bojo dessas transformaes que se fortalece o uso pela ALMG dasConsultas Pblicas Online. Trata-se de um recurso em que o internauta con-vidado a apresentar contribuies sobre temas relacionados a eventos institu-cionais ou a proposies legislativas11.Coleman (2009) e Peixoto e Ribeiro(2009) revelam que muitas casas legislativas (em diversos nveis) tm procurado criar canais de interao entre parlamentos e cidados12. Essas iniciativasapontam possibilidades de uma maior conexo entre o poder Legislativo e os

    cidados, o que pode ter consequncias positivas para o fortalecimento demo-crtico, para a educao cvica e para a imagem pblica das instituies e dosparlamentares. No entanto, a implementao de tais experincias no desti-tuda de riscos. O processo pode frustrar os cidados, acirrar conflitos internos

    9 Disponvel em:http://www.almg.gov.br/sobre/sobre-o-portal.html. Acesso em: 26.jan.2014.

    10 Stio da Assembleia Legislati-va de Minas Gerais. O endereono est mais disponvel. (Notado Revisor).

    11 Stio da Assembleia Legislati-va de Minas Gerais. O endereono est mais disponvel. (N. T.).

    12 Experincias como a do portal

    E-Democracia da Cmara dosDeputados do Brasil, as consultaspblicas do Parlamento Britni-co, os fruns online do Bundestag

    Deliberao online em consultas pblicas? O caso da assembleia legislativa de Minas Gerais 181

    http://www.almg.gov.br/sobre/sobre-o-portal.htmlhttp://www.almg.gov.br/sobre/sobre-o-portal.htmlhttp://www.almg.gov.br/sobre/sobre-o-portal.htmlhttp://www.almg.gov.br/sobre/sobre-o-portal.htmlhttp://www.almg.gov.br/sobre/sobre-o-portal.htmlhttp://www.almg.gov.br/sobre/sobre-o-portal.htmlhttp://www.almg.gov.br/sobre/sobre-o-portal.htmlhttp://www.almg.gov.br/sobre/sobre-o-portal.htmlhttp://www.almg.gov.br/sobre/sobre-o-portal.htmlhttp://www.almg.gov.br/sobre/sobre-o-portal.htmlhttp://www.almg.gov.br/sobre/sobre-o-portal.htmlhttp://www.almg.gov.br/sobre/sobre-o-portal.html
  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    6/27

  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    7/27

    o caso de uma consulta realizada pela ALMG entre os dias 1 e 27 de junho de2011, sobre reforma poltica; um tema controverso e relevante, ainda que forado escopo da produo legislativa estadual.

    Essa inexistncia de uma ligao direta com a produo legislativa poderiadesmotivar potenciais participantes a se engajarem, como aponta Kies (2010).No entanto, observa-se que a consulta sobre a reforma poltica foi aquela querecebeu o maior nmero de contribuies entre as experincias j realizadaspela Assembleia, contabilizando 752 contribuies. Justamente por isso, opta-mos por investig-la13.

    A consulta em questo foi dividida em dez temas (Tabela 2), que estrutura-ram processos independentes de discusso: (i) clusula de barreira ou clusulade desempenho; (ii) coligao eleitoral; (iii) data da posse dos chefes de poderexecutivo; (iv) fidelidade partidria; (v) filiao partidria e domiclio eleitoral; (vi) financiamento eleitoral e partidrio; (vii) reeleio e durao dos man-datos; (viii) sistemas eleitorais; (ix) suplncia de senador; (x) unificao daseleies. Cada uma das discusses era aberta por um pequeno texto explicativosobre os pontos em debate no interior daquele tema, ao qual seguiam as contri-buies dos cidados.

    Cada contribuio publicada vinha acompanhada do nome do participantee de seu municpio de residncia, da data e da hora da postagem e de conesque permitiam que outros participantes avaliassem a postagem (positiva ounegativamente). Contextualizada a experincia em anlise, passamos, agora, apresentao dos procedimentos empregados.

    IV. Metodologia

    Para compreender a consulta em questo luz da teoria deliberacionista,estruturou-se uma grade analtica em dilogo com diversos estudos que tmbuscado construir operadores para a anlise da deliberao online (Stromer-

    Galley 2007; Bchtiger et al. 2009; Kies 2010; Wales, Cotterill & Smith 2010;Marques 2011; Sampaio, Barros & Marques 2011; Mendona & Pereira 2012).A grade foi, contudo, adaptada para o contexto especfico das consultasonlineda ALMG e readaptada sucessivamente ao longo do processo de codificao.

    Tabela 2 Distribuio de comentrios da consulta pblica sobre reforma poltica daALMG por grupos de discusso (junho de 2011)Grupo de discusso Frequncia Percentual

    1) Clusula de barreira ou clusula de desempenho 60 8,05

    2) Coligao eleitoral 60 8,05

    3) Data da posse dos chefes de poder executivo 37 4,97

    4) Fidelidade partidria 68 9,135) Filiao partidria e domiclio eleitoral 42 5,64

    6) Financiamento eleitoral e partidrio 108 14,50

    7) Reeleio e durao dos mandatos 98 13,15

    8) Sistemas eleitorais 90 12,08

    9) Suplncia de senador 98 13,15

    10) Unificao das eleies 84 11,28

    Total 745 100

    Fonte: Consulta Pblica sobre Reforma Poltica da Assembleia Legislativa do Estado

    de Minas Gerais (ALMG), realizada entre 1 e 27 de junho de 2011.

    13 Poder-se ia argumentar que aconsulta ainda muito limitada,tendo em vista os 19,6 milhes de

    cidados do estado de Minas Ge-rais. Embora esse limite seja b-vio, preciso lembrar que, com-parativamente, essa consulta nose mostra menos exitosa do que amaioria das experincias realiza-das. Basta lembrar, a ttulo deilustrao, o caso investigado porMiola (2009) de um frum noportal da Cmara dos Deputadosque contou com apenas 90 co-mentrios ao longo de 25 sema-nas.

    Deliberao online em consultas pblicas? O caso da assembleia legislativa de Minas Gerais 183

    http://localhost/var/www/apps/conversion/tmp/scratch_4/http://localhost/var/www/apps/conversion/tmp/scratch_4/http://localhost/var/www/apps/conversion/tmp/scratch_4/http://localhost/var/www/apps/conversion/tmp/scratch_4/
  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    8/27

    A anlise foi guiada por seis variveis, inspiradas no trabalho de Wales,Cottertill e Smith (2010), pr-testadas em outro estudo (Mendona & Pereira2012) e novamente adaptadas no presente trabalho:

    Inclusividade avalia, quantitativamente, o grau de incluso da consulta noque se refere a gnero e mesorregio de residncia do(a) participante, bemcomo presena de uma pluralidade de posies. Alm disso, observa a din-mica do frum para mensurar se houve dominao da arena por alguns partici-pantes.

    Provimento de razes avalia, quantitativamente, o grau de comentrioson-topice a presena ou ausncia de justificativas (razes). Dentro dessa vari-vel, tambm se observaram, qualitativamente, os argumentos e enquadramen-tos construdos pelos participantes e a utilizao de experincias pessoaiscomo fonte de justificao.

    Reciprocidade avalia o grau de interlocuo no interior do frum. A cate-goria envolve tanto uma interlocuo direta entre postagens(por meiode men-es explcitas a outros comentrios ou por meio de uma interao clara,embora no explicitada), como pela adoo de marcadores frasais que permi-tem vislumbrar a disposio interlocuo: formulao de perguntas no ret-ricas e incorporao de contra-argumentos. Ainda como indicador dereciprocidade, contabilizou-se o nmero de one-timersde cada uma das dezdiscusses que conformaram a consulta e o nmero de comentrios que foramcurtidos ou repudiados por outros participantes. Nota-se, por fim, umaateno de ordem qualitativa reciprocidade discursiva(Mendona & Pereira2012), possibilitada pelo mapeamento de enquadramentos mobilizados.

    Respeito mtuo por meio da mensurao de expresses de desrespeito a

    comentrios e a grupos, avalia o grau de respeito dos participantes.Orientao para o bem comum avalia, qualitativamente, se e como os

    participantes buscam vincular seus argumentos a alguma concepo de bemcomum e as formas mais recorrentes como o fazem.

    Articulao de arenas analisa a relao da consulta com outras arenasdiscursivas formais e informais.

    A unidade de anlise empregada foi o comentrio, totalizando-se 745 pos-tagens analisadas. Isso porque foram descartadas sete postagens duplicadas. Oprocesso de codificao foi realizado por quatro codificadores. Inicialmente,

    realizou-se um pr-teste em uma das discusses especficas. Dvidas e altera-es da matriz analtica foram coletivamente discutidas. Na sequncia, os ou-tros nove grupos de discusso foram divididos entre os codificadores,assegurando-se que 30% das postagens de cada um deles fossem analisadaspor, pelo menos, dois codificadores. Dvidas foram novamente debatidas esanadas a partir da acareao de anlises. O banco de dados foi, ento, traba-lhado com o auxlio do softwareStata.

    Algumas dificuldades do processo de codificao merecem meno. Aprincipal delas refere-se varivel reciprocidade, que passou por vrias re-formulaes. No final, optou-se por uma estratificao da varivel de modo acriar diferentes parmetros de avaliao: (i) uma reciprocidade entre posta-

    gens; (ii) marcadores de interlocuo; (iii) reciprocidade discursiva. Mesmocom essa estratificao, a primeira varivel gerou dvidas e discusses entreos codificadores, j que nem sempre fcil captar referncias implcitas a ou-tras postagens. Optou-se, assim, por uma estratgia conservadora de somente

    184 Ricardo Fabrino Mendona e Ernesto Friedrich de Lima Amaral

  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    9/27

    codificar relaes bastante claras entre comentrios nessa primeira subvari-vel. A terceira subvarivel de natureza qualitativa e ser avaliada a partir doseixos de enquadramentos adotados.

    Outra dificuldade ocorreu com uma tentativa de aplicao do operadorsourcing no interior da varivel provimento de razes. Desenvolvido porStromer-Galley (2007), tal operador busca avaliar as fontes mobilizadas porparticipantes na sustentao de seus argumentos. Como a grande maioria dosparticipantes no explicita suas fontes, o operador s poderia ser adotado comuma srie de inferncias que no julgamos confiveis.

    V. Anlise e discusso dos dados

    As prximas sees apresentam alguns dados iniciais da pesquisa. Por ra-zes de espao e escopo, no presente trabalho restringir-nos-emos apresenta-o dos dados quantitativos e a breves menes a alguns achados qualitativos.

    Uma discusso de flego sobre os enquadramentos, a reciprocidade discursivae a varivel orientao para obem comumser realizada em outro artigo.

    V.1. Inclusividade

    A troca pblica de razes prescrita pelos deliberacionistas deve ser inclusi-va. No caso das consultasonline, havia uma expectativa de que a utilizao deuma iniciativa digital expandisse a capacidade da instituio de abrir-se a ummaior nmero de pessoas. Os dados analisados mostram, contudo, que a pr-pria consulta perpassada por certas formas de excluso. Isso fica claro, por

    exemplo, se observa-se a distribuio dos comentrios por sexo. Dos 745 co-mentrios, 76% foram realizados por homens, 20% por mulheres e, em 4%deles, no foi possvel identificar o sexo da pessoa. O fato de apenas 20% doscomentrios serem enviados por mulheres mostra como a arena onlinerepro-duz padres de excluso que tendem a restringir a participao feminina emesferas de discusso pblica (Pateman 1992). O achado corrobora diversaspesquisas que encontram fruns com ampla sobrerrepresentao masculina(Kies 2010)14. Tais estudos tambm revelam uma concentrao da participa-o em pessoas jovens. No entanto, no tivemos acesso aos dados sobre a faixaetria dos participantes para averiguar tal hiptese.

    Uma segunda forma de assimetria que mostra os limites de inclusividade

    da consulta de ordem territorial. A ALMG esperava que o uso de iniciativasdigitais ampliasse o contato da instituio com moradores de todas as regiesdo estado. No entanto, a anlise da distribuio geogrfica das postagens evi-dencia a enorme concentrao de mensagens na capital mineira (Tabela 3).

    Como se nota, a representatividade geogrfica dos comentrios muitopequena. A Regio Metropolitana de Belo Horizonte responsvel por maisde 80% das postagens, embora tenha cerca de 30% dos cidados do estado.Essa concentrao revela que o provimento de plataformas virtuais no sufi-ciente para assegurar a capilarizao almejada.

    Para alm desses dados sociodemogrficos, outro critrio que ajuda a refle-

    tir sobre a questo da inclusividade a observao da concentrao de posta-gens enviadas por algumas pessoas. Consultas dominadas por um nmeroreduzido de pessoas so menos inclusivas. Os dados da consulta pblica sobrereforma poltica da ALMG revelam que no houve uma concentrao das

    14 Curiosamente, Kies (2010, p.128) encontra exatos 76% de par-ticipantes masculinos em suaanlise sobre o frum do PartidoRadical Italiano, embora ele de-clare-se no surpreso com esseresultado dada a sobrerrepresen-tao masculina na vida poltica eespecialmente em frunsonline.

    Deliberao online em consultas pblicas? O caso da assembleia legislativa de Minas Gerais 185

  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    10/27

  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    11/27

    dominante e a posio secundria (Tabela 5). Mais adiante, sero apresentadasdiferentes categorizaes do ndice de dominncia, com o objetivo de investi-gar sua correlao com as variveis analisadas.

    Os dados indicam uma grande variao entre os grupos. Alguns deles so

    relativamente equilibrados, como os que tratam de: data da posse dos chefesdo Executivo, financiamento eleitoral, reeleio e durao dos mandatos. Emoutras, as assimetrias so significativas e mostram a existncia de uma arenaamplamente dominada por uma nica posio. o caso do grupo que versasobre a suplncia dos senadores (em que 80% dos comentadores defendem aabolio da suplncia), do que trata de filiao partidria e domiclio eleitoral(em que 82% advogam o fortalecimento dos vnculos entre candidatos e cida-dos), aquele que trata da unificao das eleies (em que 69% mostram-sefavorveis a essa proposta) e o sobre sistemas eleitorais (77% a favor do votomajoritrio).

    V.2. Provimento de razes

    A deliberao implica um intercmbio de razes, no sentido de que os ato-res precisam justificar seus atos. Argumentar no significa fazer uso de umtipo especial de comunicao, epistemicamente complexo. O importante ape-nas que a posio de um dado ator expresse alguma forma de justificativa.

    O primeiro operador empregado para avaliar a racionalidade dos coment-rios diz respeito quantidade de postagensque versavam sobre os temas emfoco em cada grupo de discusso. Os exemplos abaixo ilustram postagens co-dificadas, respectivamente, comoOn TopiceOff Topic.

    Postagem OnTopic, grupo Clusula de Barreira: Essa clausula de barreira deveria ser de10%, acho que deveriamos ter no maximo 2 partidos politicos, um de situaao e outro deoposicao, evitaria este franksteim de coligacoes, como pode o PT e PMDB ser coliga-dos?15

    Postagem On Topic, grupo Clusula de Barreira: Chega dos nossos polticos agiremcomo se fossem os nossos colonizadores, que nos exploram, tiram todas as nossas rique-zas em benefcio prprio. hora deles pensarem no bem e na grandeza do nosso pas.-Sejam homens honrados e respeitem o povo.

    Tabela 5 Distribuio de comentrios da consulta pblica sobre reforma poltica da ALMG por posio dominante eposio secundria em cada grupo de discusso (junho de 2011) (n = 758)

    Grupo de discusso Posio domi-nante (%)

    Posio secun-dria (%)

    Diferena (%) Total absoluto

    1) Clusula de barreira ou de desempenho 56,60 37,74 18,86 53

    2) Coligao eleitoral 62,07 18,97 43,10 58

    3) Data da posse dos chefes de poder executivo 47,22 36,11 11,11 36

    4) Fidelidade partidria 68,18 16,67 51,51 66

    5) Filiao partidria e domiclio eleitoral 81,58 13,16 68,42 38

    6) Financiamento eleitoral e partidrio 45,63 42,72 2,91 103

    7.1) Reeleio1 50,54 41,94 8,60 93

    7.2) Durao dos mandatos1 46,55 36,21 10,34 58

    8) Sistemas eleitorais 76,92 14,10 62,82 78

    9) Suplncia de senador 80,43 8,70 71,73 92

    10) Unificao das eleies 68,67 24,10 44,57 83Fonte: Consulta Pblica sobre Reforma Poltica da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG), realizadaentre 1 e 27 de junho de 2011.NOTA: 1. Desdobrou-se a discusso do stimo grupo (reeleio e durao dos mandatos) emdois grupos, j que grande parte das postagens posicionava-se em relao a um dos assuntos, mas no ao outro.

    15 Todas os postagens apresenta-dos no artigo foram reproduzidosexatamente como aparecem napgina da ALMG, sem correesortogrficas, gramaticais e de for-ma (caixa alta e baixa, por exem-plo).

    Deliberao online em consultas pblicas? O caso da assembleia legislativa de Minas Gerais 187

  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    12/27

    A anlise mostra que 95% dos 745 comentrios da consulta foram On To-pic. A Tabela 6, a seguir, apresenta os altos ndices de comentrios focados emcada um dos grupos analisados.

    O fato de o primeiro grupo apresentar um percentual maior de postagensOff Topic compreensvel, j que algumas pessoas entram no primeiro frumlistado pelo stio para falar sobre outros assuntos. Ainda assim, o percentual depostagens On Topic bastante alto. Isso indica que o tratamento discursivodado s questes no foi disperso, o que importante para a discusso.

    Quando se atenta para a presena de justificativas nas mensagens, tambmencontram-se condies favorveis existncia de um debate dentro da con-sulta. Os exemplos abaixo ilustram postagens codificadas, respectivamente,comocomesem justificativa:

    Postagem com justificativa, grupo Sistemas Eleitorais: Sou a favor do sistema majori-trio uninominal por entender que nesse sistema todas as regies teriam uma representati-vidade na cmara de forma igualitria.

    Postagem sem justificativa, grupo Sistemas Eleitorais: Sou a favor do sistema majori-trio para eleio de vereadores e deputados no qual eleito o candidato com maiornmero de votos. Adotado no Brasil para escolha de senadores, prefeitos, governadores epresidente da Repblica.

    No total, 63% dos comentrios apresentam razes sobre a posio que ad-vogam. Entretanto, h diferenas muito significativas entre os grupos de dis-cusso (Tabela 7).

    Chamam a ateno os grupos sobre Data de Posse do Executivo e Supln-cia de Senador, em que o nmero de mensagens sem justificativas superou ode mensagens com justificativa. Uma possvel explicao para este fato a

    relativa simplicidade dos temas, que acabam convocando posies mais ime-diatas do que em outros casos.

    Poder-se-ia cogitar que um grupo fortemente dominado por uma posioteria menos justificativas, dada a no necessidade de convencimento dos ou-tros. Essa explicao poderia ser desafiada pelo fato de um dos exemplos men-cionados com baixo ndice de justificativa apresentar grande equilbrio deposies (Data de Posse do Executivo). No entanto, o cruzamento das vari-

    Tabela 6 Distribuio percentual de comentrios da consulta pblica sobre reformapoltica da ALMG por posio on topice off topicem cada grupo de discusso (junhode 2011)

    Grupo de discusso On Topic(%)Off Topic

    (%)1) Clusula de barreira ou clusula de desempenho 88,33 11,67

    2) Coligao eleitoral 96,67 3,33

    3) Data da posse dos chefes de poder executivo 94,59 5,41

    4) Fidelidade partidria 97,06 2,94

    5) Filiao partidria e domiclio eleitoral 92,86 7,14

    6) Financiamento eleitoral e partidrio 96,30 3,70

    7) Reeleio e durao dos mandatos 97,96 2,04

    8) Sistemas eleitorais 92,22 7,78

    9) Suplncia de senador 93,88 6,12

    10) Unificao das eleies 98,81 1,19

    Total 95,17 4,83Total absoluto 709 36

    Fonte: Consulta Pblica sobre Reforma Poltica da Assembleia Legislativa do Estado

    de Minas Gerais (ALMG), realizada entre 1 e 27 de junho de 2011.

    188 Ricardo Fabrino Mendona e Ernesto Friedrich de Lima Amaral

  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    13/27

    veis revela significncia estatstica, corroborando a hiptese. Aps vrios tes-tes, verificou-se que, em grupos cuja posio dominante superior a 70%,houve maior propenso a dar justificativas do que em grupos com ndice dedominncia menor (Tabela 8).

    Quando se testa o cruzamento entre o ndice de dominncia, obtido a partirda diferena entre a posio dominante e a posio secundria, tambm encon-tra-se significncia estatstica (Tabela 9).

    Ainda que alguns estudos sobre deliberao apregoem a importncia deuma mensurao do grau de complexidade das justificativas (Steenbergenet al.

    Tabela 7 Distribuio percentual de comentrios da consulta pblica sobre reformapoltica da ALMG por posio com e sem justificativa em cada grupo de discusso(junho de 2011)Grupo de discusso Com Justificativa

    (%)Sem Justificativa

    (%)1) Clusula de barreira ou clusula de desem-

    penho

    71,67 28,33

    2) Coligao eleitoral 71,67 28,33

    3) Data da posse dos chefes de poder executivo 40,54 59,46

    4) Fidelidade partidria 72,06 27,94

    5) Filiao partidria e domiclio eleitoral 59,52 40,48

    6) Financiamento eleitoral e partidrio 69,44 30,56

    7) Reeleio e durao dos mandatos 58,16 41,84

    8) Sistemas eleitorais 70,00 30,00

    9) Suplncia de senador 41,84 58,16

    10) Unificao das eleies 71,43 28,57

    Total 63,22 36,78

    Total absoluto 471 274

    Fonte: Consulta Pblica sobre Reforma Poltica da Assembleia Legislativa do Estadode Minas Gerais (ALMG), realizada entre 1 e 27 de junho de 2011.

    Tabela 8 Distribuio de comentrios da consulta pblica sobre reforma poltica da ALMG por posio com e semjustificativa em categorias do ndice de dominncia (junho de 2011)Dominncia1 Com Justificativa Sem Justificativa Total2

    0-70% 399 (65,09%) 214 (34,91%) 613 (100%)

    70,01-100% 129 (56,09%) 101 (43,91%) 230 (100%)

    Total 528 (62,63%) 315 (37,37%) 843 (100%)

    Fonte: Consulta Pblica sobre Reforma Poltica da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG), realizadaentre 1 e 27 de junho de 2011.NOTAS: 1. A dominncia a categorizao do percentual da posio dominante em cadagrupo de discusso.2. O aumento do nmero de comentrios para 843 deve-se dupla contagem das postagens do grupo de

    discusso 7 (reeleio e durao dos mandatos), o qual contabiliza posies em torno de duas questes distintas.3. Teste deQui-Quadrado de Pearson (com um grau de liberdade) igual a 5,7919 (p = 0,016).

    Tabela 9 Distribuio de comentrios da consulta pblica sobre reforma poltica da ALMG por posio com e semjustificativa em categorias do ndice de dominncia (junho de 2011)ndice de Dominncia1 Com Justificativa Sem Justificativa Total2

    0-10,34% 132 (64,08%) 74 (35,92%) 206 (100%)

    10,34-51,51% 267 (65,60%) 140 (34,40%) 407 (100%)

    51,51-100% 129 (56,09%) 101 (43,91%) 230 (100%)

    Total 528 (62,63%) 315 (37,37%) 843 (100%)

    FONTE: Consulta Pblica sobre Reforma Poltica da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG), realizada

    entre 1 e 27 de junho de 2011.NOTAS: 1. Esse ndice de dominncia a categorizao da diferena percentual entre aposio dominante e a posio secundria em cada grupo de discusso. O limite de 10,34% representa o 33o percentil e olimite de 51,51% representa o 66 percentil dessa varivel.2. O aumento do nmero de comentrios para 843 deve-se duplacontagem das postagens do grupo de discusso 7 (reeleio e durao dos mandatos), o qual contabiliza posies em torno deduas questes distintas.3. Teste de Qui-Quadrado de Pearson (com dois graus de liberdade) igual a 5,9277 (p = 0,052).

    Deliberao online em consultas pblicas? O caso da assembleia legislativa de Minas Gerais 189

  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    14/27

    2003; Bchtiger et al. 2009), no se julga interessante essa estratgia, tantoporque tal mensurao mostra-se bastante subjetiva, como porque a complexi-dade do silogismo elaborado no implica necessariamente melhor deliberao.Argumentos extremamente complexos podem at obstruir o fluxo comunicati-vo entre os participantes. Vale mencionar que h quem defenda que a contabi-

    lizao dos nmeros de palavras das mensagens indica a profundidade dodebate (Bchtiger et al. 2009; Stromer-Galley 2007). No partilhamos dessaviso, visto haver postagens longas que sequer apresentam argumentos. Outrospreferem contar o nmero de argumentos por postagem (Fuchs 2006). Tam-bm no julgamos tratar-se de estratgia frutfera, pois discursos mais estrutu-rados no so necessariamente aqueles que apresentam um nmero maior deargumentos.

    Ainda no que concerne ao provimento de razes, julgamos interessantemapear, mnima e qualitativamente, o teor dos argumentos proferidos no inte-rior da consulta. Embora no possamos explorar, neste artigo, o quadro maisdetalhados das justificativas oferecidas pelos participantes, faz-se interessantemencionar alguns grandes eixos que as pautaram. Para tanto, recorremos aoconceito deenquadramentocomo desenvolvido por Goffman (1986) e aplica-do em diversos estudos (Gamson & Modigliani 1989; Ferree et al. 2002; Porto2004; Levin 2005; Reese 2007; Mendona & Santos 2009; Mendona & Si-mes 2012). Por enquadramento, entende-se a moldura de sentido que pauta adefinio da situao e o engajamento dos sujeitos nela envolvidos. Intersubje-tivamente edificado e culturalmente baseado, um quadro permite a leitura e acompreenso de um dado contexto.

    Em nossa anlise, encontramos oito grandes quadros que perpassam asmensagens dos dez grupos em questo. So eles: (i) partido vsindivduo; (ii)

    proximidade entre representantes e representados (incluindo discusses sobreprestao de contas de diversas naturezas); (iii) custos e logstica das eleies;(iv) equilbrio de foras polticas; (v) cultura poltica brasileira; (vi) mudanavspermanncia; (vii) pblicovsprivado; (viii) outros.

    Codificaram-se enquadramentos apenas em postagens que apresentavamjustificativas. No se estabeleceram limites sobre o nmero de enquadramen-tos que cada comentrio poderia conter. Os dados revelam o predomnio dosseguintes enquadramentos ao longo da consulta: proximidade entre represen-tantes e representados (21,4%); partido vsindivduo (19,7%); custos e logstica(17,4%); pblicovsprivado (16,25%) no conjunto da consulta (Tabela 10).

    Os dados sugerem que algumas formas de enquadrar a questo da reformapoltica perpassam as discusses de diversos grupos da consulta. Na prximaseo, veremos que h alguns grupos mais concentrados em torno de um qua-dro e grupos mais dispersos, com usos equilibrados de vrios quadros.

    V.2. Reciprocidade

    Processos deliberativosdependem do engajamento efetivo entre interlo-cutores. Isso porque a deliberao no uma simples apresentao isolada deopinies. preciso que haja mutualidade e reciprocidade, de modo a que os

    participantes do processo considerem a existncia uns dos outros. Se os envol-vidos ignoram-se e no operam em conjunto, h uma expresso de suas vises,mas no um processo discursivo como o prescrito pelos deliberacionistas (Pri-ce 2009; Kies 2010).

    190 Ricardo Fabrino Mendona e Ernesto Friedrich de Lima Amaral

  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    15/27

    A anlise da reciprocidade , contudo, bastante complexa. H diferentes

    nveis de reciprocidade (Graham & Witschge 2003) e formas variadas de bus-car apreender a mutualidade. Com os dados disponveis sobre a consulta pbli-ca online, adotamos trs procedimentos para aproximarmo-nos da discussosobre reciprocidade. O primeiro deles, de natureza mais simples, envolve omapeamento da responsividade entre comentrios. A categoria inclui tantomenes explcitasa postagens como aquilo que foi codificado como intera-o clara sem meno explcita. A postagem abaixo ilustra um dos casos codi-ficados como evidncia de responsividade com meno explcita.

    Postagem com meno explcita, grupo Reeleio e Durao de Mandatos: Acreditoque o limite de reeleies deve ser ampliado de Presidente, Governadores e Prefeitos,para atingir Deputados, Senadores e Vereadores, evitando o continusmo poltico, bem

    como a possibilidade de formao de cartis e lobies. Assim, acabariamos de vez o coro-nelismo no pas. Firmo minha concordncia com o sr. Pedro Calixto Alves de Lima.

    Apenas 6% dos 745 comentrios analisados apresentam essa forma de reci-procidade mais evidente. Dentre esses 6% (equivalentes a 45 postagens), 91%dos comentrios (41 em nmeros absolutos) configuram-se como interaesclaras, embora no explcitas. Ou seja, apenas quatro (!) dos 745 comentriosfazem referncia explcita a outro participante.

    Interessante observar que, quando se cruzam esses dados de reciprocidadecom aqueles referentes s posies defendidas pelos comentadores, um padrointeressante emerge. Participantes tendem a ter comportamento mais recprocoem grupos que apresentam maior ndice de Dominncia (Tabela 11). Ou seja,quando uma ampla maioria de participantes defende a mesma posio, o graude reciprocidade tende a ser maior do que quando h maior divergncia. Esseachado corrobora a literatura que aponta que as pessoas tendem a sentir-se

    Tabela 10 Distribuio de enquadramentos da consulta pblica sobre reforma polticada ALMG por tipo de enquadramento (junho de 2011)Enquadramento Frequncia Percentual

    Partidovsindivduo 115 19,07Proximidade entre representantes e representa-

    dos (Accountabilitye transparncia)129 21,39

    Custos e logstica 105 17,41Equilbrio de foras polticas 54 8,96

    Cultura poltica b 20 3,32

    Mudanavspermanncia 55 9,12Pblicovsprivado 98 16,25Outros 27 4,48

    Total 603 100

    Fonte: Consulta Pblica sobre Reforma Poltica da Assembleia Legislativa do Estado

    de Minas Gerais (ALMG), realizada entre 1 e 27 de junho de 2011.

    Tabela 11 Distribuio de comentrios da consulta pblica sobre reforma poltica da ALMG por posio com e semreciprocidade em categorias do ndice de dominncia (junho de 2011)Dominncia1 Com reciprocidade Sem reciprocidade Total2

    0-50% 7 (2,88%) 236 (97,12%) 243 (100%)

    50,01%-100% 47 (7,83%) 553 (92,17%) 600 (100%)

    Total 54 (6,41%) 789 (93,59%) 843 (100%)

    Fonte: Consulta Pblica sobre Reforma Poltica da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG), realizadaentre 1 e 27 de junho de 2011.NOTAS: 1. A dominncia a categorizao do percentual da posio dominante em cadagrupo de discusso.2. O aumento do nmero de comentrios para 843 deve-se dupla contagem das postagens do Grupo deDiscusso 7 (reeleio e durao dos mandatos), o qual contabiliza posies em torno de duas questes distintas.3. Teste deQui-Quadrado de Pearson (com um grau de liberdade) igual a 7,0761 (p = 0,008).

    Deliberao online em consultas pblicas? O caso da assembleia legislativa de Minas Gerais 191

  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    16/27

    mais vontade para conversar com aqueles que pensam de maneira semelhan-te (Mutz 2006; Lev-On & Manin 2009).

    Quando se testa o cruzamento do ndice de Dominncia (diferena entreposio dominante e secundria) com a reciprocidade, tambm se identifica

    essa tendncia, embora com fraca significncia estatstica. Ainda assim, o n-vel de confiana prximo a 90% (Tabela 12).

    O segundo procedimento para a discusso da reciprocidade envolve a iden-tificao de dois elementos que indicam abertura interao: ( i) a elaboraode perguntas no retricas e (ii) o uso de contra-argumentos posio defendi-da na prpria mensagem. Os comentrios abaixo ilustram a codificao dessasvariveis:

    Postagem com pergunta no retrica, grupo Unificao das Eleies: [...] A divisodas eleies, proporciona ao povo maior clareza sobre o voto e uma nova oportunidadede participao poltica. Se o poder emana do povo, este s poder ser realizado comqualidade. A pergunta , qual o impacto financeiro da unificao, em detrimento do ima-

    pacto qualitativo poltico?

    Postagem com uso de contra-argumento, grupo Unificao das Eleies: atual sistematem suas vantagens e desvantagens, a pior delas que de dois em dois anos o pais paradurante alguns meses por causa das eleies, mas na minha opinio a grande vantagem doatual sistema de eleies a cada dois anos a quantidade de temas que podem ser discuti-dos a cada eleio , a meu ver se houver apenas uma eleio vai ficar muito difcil para oeleitor acompanhar todas as propostas dos candidatos, sero muitos cargos em disputa e aquantidade de informao para o eleitor ser gigantesca, o atual modelo facilita o debate ea exposio de propostas.

    Apenas 8 das 745 mensagens (1,1%) colocam questes efetivas para outrosparticipantes; e somente 27 (3,6%) mobilizam argumentos contrrios propos-

    ta que defendem.Um terceiro procedimento empregado foi a observao de alguns compor-

    tamentos dos usurios da plataforma. Como j revelado anteriormente, 33%dos 204 participantes foram one-timers e enviaram uma nica mensagem consulta. Se se considera aqueles que postaram entre uma e trs mensagens, ovalor sobe para 61,3%. Os dados no so animadores e esse valor aumentariamuito se se contabilizasse osone-timersdentro de cada grupo de discusso, emvez da consulta como um todo. Havendo tantas pessoas que postam um nicocomentrio no grupo, fica difcil imaginar a possibilidade de uma interlocuoefetiva entre os participantes dentro de cada arena. Como lembra Stromer-Gal-ley (2007, p. 12), concebvel, especialmente em ambientes virtuais, que par-

    ticipantes na discusso se ignorem, em vez de engajarem-se uns com osoutros.

    Tabela 12 Distribuio de comentrios da consulta pblica sobre reforma poltica da ALMG por posio com e semreciprocidade em categorias do ndice de dominncia (junho de 2011)ndice de Dominncia1 Com reciprocidade Sem reciprocidade Total2

    0% |10,34% 7 (3,40%) 199 (96,60%) 206 (100%)

    10,34% |51,51% 32 (7,86%) 375 (92,14%) 407 (100%)

    51,51% || 100% 15 (6,52%) 215 (93,48) 230 (100%)

    Total 54 (6,41%) 789 (93,59%) 843 (100%)

    Fonte: Consulta Pblica sobre Reforma Poltica da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG), realizadaentre 1 e 27 de junho de 2011.NOTAS: 1 Este ndice de dominncia a categorizao da diferena percentual entre a posio

    dominante e a posio secundria em cada grupo de discusso. O limite de 10,34% representa o 33o percentil e o limite de51,51% representa o 66

    opercentil desta varivel.2. O aumento do nmero de comentrios para 843 deve-se dupla contagem

    das postagens do grupo de discusso 7 (reeleio e durao dos mandatos), o qual contabiliza posies em torno de duasquestes distintas.3. Teste de Qui-Quadrado de Pearson (com dois graus de liberdade) igual a 4,5539 (p = 0,103).

    192 Ricardo Fabrino Mendona e Ernesto Friedrich de Lima Amaral

  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    17/27

    Outro fator interessante do comportamento dos participantes diz respeito expresso de avaliaes (curtir ou no curtir) sobre os comentrios uns dosoutros. Em 21,6% das 745 postagens h alguma forma de avaliao. Curiosa-mente, a ferramenta mais utilizada para a expresso de avaliaes positivas.Do total de 709 avaliaes expressas em relao s 161 postagens avaliadas,

    476 (67,1%) so positivos. A postagem com maior nmero de avaliaes posi-tivas recebeu 23 posicionamentos favorveis, enquanto a postagem com maiornmero de avaliaes negativas teve oito posicionamentos contrrios. Se con-sideradas apenas as postagens avaliadas, a mdia de 4,4 posicionamentos porpostagem, embora haja variaes significativas entre elas.

    Os dados apresentados indicam que a apropriao feita pelos usurios daconsulta pblica sobre reforma poltica muito mais voltada expresso depontos de vista do que ao estabelecimento de dilogo. Pelo menos no que dizrespeito a uma interatividade mais imediata e direta entre os participantes, nose notam marcas muito evidentes de considerao recproca. Obviamente, esseaspecto no retira a relevncia da experincia. Ele mostra, contudo, que sua

    estrutura mais pensada como um dispositivo de participao do que umaarena de deliberao.

    preciso considerar, todavia, que a reciprocidade de que depende a delibe-rao no precisa restringir-se a uma interatividade direta entre participantes(Dryzek 2000). possvel imaginar outro tipo de reciprocidade, de naturezadiscursiva, que no se realiza por meio das intenes dos sujeitos, mas concre-tiza-se no choque pblico de discursos (Mendona & Santos 2009). Se pensa-da dessa maneira, a mutualidade configura-se na estruturao mais ampla deum debate que permite pensar em eixos discursivos que balizam um debatecoerente.

    O j mencionado conceito de enquadramento pode mostrar-se particular-mente til, nesse sentido. O enfeixamento de comentrios em torno de algunsquadros dentro de cada um dos grupos de discusso pode elucidar a estrutura-o de um processo discursivo coerente em torno de algumas questes. Talenfeixamento permitiria, acreditamos, inferir a existncia desse outro tipo demutualidade no centrada nos indivduos. Quando se observam os dados daconsulta sob anlise, tem-se o resultado exposto na Tabela 13, a seguir.

    Os nmeros sugerem a existncia de um choque enfeixado de discursos emalguns grupos de discusso. Em cinco das dez temticas discutidas, um dosenquadramentos representa mais de 50% dos quadros mobilizados nas justifi-

    Tabela 13 Distribuio de enquadramentos da consulta pblica sobre reforma poltica da ALMG por quadro dominante,quadro secundrio e quadro tercirio em cada grupo de discusso (junho de 2011) (n = 603).Grupo de discusso Quadro dominante

    (%)Quadro secundrio

    (%)Quadro tercirio

    (%)Total absoluto

    1) Clusula de barreira ou de desempenho 30,43 28,26 28,26 46

    2) Coligao eleitoral 55,10 28,57 12,24 49

    3) Data da posse do poder executivo 64,29 14,29 14,29 14

    4) Fidelidade partidria 75,93 16,67 3,70 54

    5) Filiao partidria e domic. eleitoral 48,15 18,52 14,81 27

    6) Financiamento eleitoral e partidrio 30,08 22,56 18,05 133

    7) Reeleio e durao dos mandatos 41,38 21,84 17,24 87

    8) Sistemas eleitorais 42,65 29,41 10,29 68

    9) Suplncia de senador 67,31 11,54 9,62 5210) Unificao das eleies 58,90 10,96 10,96 73

    Fonte: Consulta Pblica sobre Reforma Poltica da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG), realizada

    entre 1 e 27 de junho de 2011.

    Deliberao online em consultas pblicas? O caso da assembleia legislativa de Minas Gerais 193

  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    18/27

    cativas. Em trs outros, o enquadramento predominante representa mais de40%. Apenas em dois grupos (Clusula de BarreiraeFinanciamento de Cam-panha), nota-se um equilbrio entre os trs quadros mais usados.

    Nota-se, pois, de uma maneira geral, um enfeixamento interpretativo queindica a existncia de reciprocidade discursiva. As postagens no abordam asquestes por enfoques inteiramente distintos. H certa convergncia de pa-dres interpretativos, que sugerem a possibilidade de uma discusso. Mesmoque no se interpelem de maneira explcita, os comentadores fazem parte deum processo discursivo balizado por molduras semelhantes. Molduras essasque no implicam a defesa de uma mesma posio, j que se podem defenderargumentos contrrios dentro de um mesmo enquadramento (Ferree et al.2002).

    Importante salientar, por fim, que uma anlise mais apurada sobre recipro-cidade discursiva e o efetivo choque de argumentos requereria uma abordagemqualitativa que no poder ser desenvolvida aqui.

    V.3. Respeito mtuo

    H certo consenso de que processos deliberativos exigem certo grau derespeito. Discordamos, contudo, daqueles que igualam o respeito necessrio deliberao a alguma forma de empatia (Kies 2010) ou daqueles que tendem avalorizar a expresso explcita de elogios a outros comentrios (Steenbergen etal. 2003). Basta que os participantes no se ofendam para que a deliberaoseja possvel, embora nem toda comunicao desprovida de desrespeito possaser caracterizada como deliberativa.

    Nesse sentido, codificamos os comentrios da consulta pblica de acordocom dois tipos de desrespeito: desrespeito a argumentos e desrespeito a grupose pessoas. As postagens abaixo ilustram casos codificados desses dois tipos dedesrespeito:

    Postagem com desrespeito a argumento, grupo Clusula de Barreira: Mais uma vez omenino mimado, que no concorda com a deciso do Supremo Tribunal Federal tentamodificar a constituio e fazer vale a sua vontade....

    Postagem com desrespeito a grupos e/ou pessoas, grupo Fidelidade Partidria: [...]Grandes naes vivem muito bem com apenas dois partidos, onde os candidatos so elei-tos pela vontade dos eleitores e no de aspirantes e veteranos partidrios que brigamcomo hienas por uma carona que os levar ao picadeiro acompanhando o palhao.

    A Tabela 14, a seguir, revela os baixssimos ndices de desrespeito diag-nosticados.

    Os dados mostram que os comentrios postados na consulta da ALMG soextremamente respeitosos. Por um lado, e contra os temores de que discussesna internet seriam marcadas pelo desrespeito possibilitado pelo distanciamentofsico, nota-se que h possibilidade de debates respeitosos na rede. Alis, essa

    Tabela 14 Distribuio de comentrios da consulta pblica sobre reforma poltica da ALMG por desrespeito ou respeito emcada categoria de respeito mtuo (junho de 2011)Respeito mtuo Desrespeito Respeito Total

    A argumentos 2 (0,27%) 743 (99,73%) 745 (100%)A grupos e pessoas 13 (1,74%) 732 (98,26%) 745 (100%)

    Fonte: Consulta Pblica sobre Reforma Poltica da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG), realizada

    entre 1 e 27 de junho de 2011.

    194 Ricardo Fabrino Mendona e Ernesto Friedrich de Lima Amaral

  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    19/27

    uma tendncia diagnosticada em vrios estudos (Kies 2010; Wales, Cotterill& Smith 2010; Mendona & Pereira 2012). Por outro lado, tais ndices tam-bm podem indicar a baixa reciprocidade entre comentrios. Na medida emque as mensagens tendem a ignorar-se, o desrespeito a argumentos mostra-seraro. Alm disso, desrespeitos a grupos frequentemente desencadeiam reaes

    de outros participantes, o que tambm pode elevar os ndices de reciprocidade(Wales, Cotterill & Smith 2010, p. 28).

    Interessante observar que buscamos cruzar os dados sobre respeito comaqueles de reciprocidade. Isso porque almejvamos testar uma hiptese de queessas variveis tendem a seguir rumos opostos. Supomos que a reduo dondice de Respeito implicaria aumento da reciprocidade, na medida em quecomentadores se interpelam para se desrespeitar. O cruzamento dessas vari-veis, de fato sugere algo nessa direo (Tabela 15). Porm, os baixssimosnmeros absolutos inviabilizam qualquer inferncia minimamente confivel.Trata-se, todavia, de uma hiptese que estamos testando em outro estudo em

    fase de desenvolvimento.

    V.4. Orientao para o bem comum

    A orientao para o bem comum um critrio importante para os delibera-cionistas, embora ela no possa ser confundida com alguma espcie de altrus-mo ou de desistncia dos prprios interesses (Mansbridge et al. 2010;Mendona 2011). Frequentemente, a busca por alguma espcie de bem comumrevela interesses prprios e vice-versa. No h, pois, uma dicotomia entre apersecuo do autointeresse e a do bem comum, embora essa oposio possa

    manifestar-se em alguns casos. Optamos, portanto, na trilha de Wales, Cotterille Smith (2010), por uma abordagem qualitativa que busca ler o material emp-rico em busca da forma como os prprios participantes entendem a ideia debem comum.

    A anlise revela que praticamente todas as postagens com justificativasdefendem suas posies invocando alguma concepo de interesse pblico.Embora, no presente artigo, no possamos desenvolver essa anlise qualitativa,notamos que h algumas maneiras recorrentes de conceber o bem comum.

    A primeira delas o repdio corrupo e ao uso indevido de recursos ecargos pblicos. A crtica sistemtica aos polticosque usariam seus manda-tos em benefcio prprio evidencia uma preocupao com o que deveria per-tencer coletividade e ser usado em prol dela. O foco da reforma seria, pois,uma espcie de moralizao da poltica. Inserem-se, aqui, muitas mensagenssobre financiamento de campanha, suplncia de senadores e reeleio. Tam-bm situam-se aqui as vrias demandas para que os representantes polticostrabalhem mais e faam jus aos proventos que recebem.

    Tabela 15 Distribuio de comentrios da consulta pblica sobre reforma poltica daALMG por reciprocidade e respeito mtuo a argumentos (junho de 2011)Respeito mtuo a argu-mentos

    Com reciprocidade Sem reciprocidade Total

    Sim 52 (7%) 691 (93%) 743 (100%)No 1 (50%) 1 (50%) 2 (100%)

    Fonte: Consulta Pblica sobre Reforma Poltica da Assembleia Legislativa do Estado

    de Minas Gerais (ALMG), realizada entre 1 e 27 de junho de 2011.

    Deliberao online em consultas pblicas? O caso da assembleia legislativa de Minas Gerais 195

  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    20/27

    Uma segunda maneira de conceber o bem comum revela-se na preocupa-o com o fortalecimento das instituies democrticas, o que visto como umbenefcio sociedade. Tal preocupao manifesta-se: (i) nos diversos comen-trios que sugerem o estreitamento da relao entre instituies representativase cidados; (ii) nas postagensque abordam a importncia do equilbrio de for-

    as na competio poltica e (iii) nos comentrios que discutem formas deaprimoramento das relaes entre os poderes. Muitas das discusses sobre sis-temas eleitorais, coligaes e unificao das eleies poderiam ser localizadasnesse conjunto.

    Uma terceira forma de expresso do bem comum mostra uma preocupaocom diversidade e a pluralidade constitutiva da sociedade. Para ser justa, umacomunidade poltica deveria assegurar que grupos mais fracos eleitoralmentepossam sobreviver, de maneira a evitar-se uma espcie de ditadura da maioria.Tal posio aparece em algumas discusses sobre clusulas de barreira, coliga-es eleitorais e sistemas eleitorais.

    Por fim, nota-se uma quarta maneira de conceber o bem comum guiadapelas ideias de direitos e liberdades. Alguns argumentos revelam um anseiopor garantir que os cidados tenham direitos e liberdades garantidas. Essa vi-so emerge, por exemplo, em alguns posicionamentos contrrios ao financia-mento pblico de campanhas que frisam a necessidade de investimentos emservios pblicos essenciais. Ela tambm se manifesta em postagens focadasem liberdades para problematizar seja a questo do voto obrigatrio, seja aquesto do domiclio eleitoral ou da fidelidade partidria.

    As quatro concepes aqui apresentadas no so exaustivas. A anlise qua-litativa dos argumentos revela nuances no interior de cada uma delas e relaes

    entre elas que no podemos explorar aqui. O que se nota, contudo, uma preo-cupao bastante forte com argumentos que evidenciam preocupaes com obem comum.

    V.5. Articulao entre arenas

    A microanlise das postagens da consulta pblica da ALMG sobre a refor-ma poltica ajuda a compreender algumas caractersticas da experincia. Osdados revelam que os participantes apresentam graus elevados de respeito euma tendncia a discorrer sobre o tema e a prover razes sobre suas posies.Eles mostram, ainda, os baixos ndices de reciprocidade entre os comentrios eos problemas significativos de inclusividade (no tocante a gnero e dispersogeogrfica). Pela anlise dos comentrios, avaliou-se, ainda, algumas formasde apresentao de argumentos e de expresso do bem comum.

    Embora a microanlise seja reveladora, no se deve, entretanto, deduzirdela, de uma vez por todas, que uma arena seja ou no deliberativa. Cada vezmais, pesquisadores deliberacionistas reconhecem que o debate deve ser pen-sado como um processo disperso no tempo e no espao, sendo que suas carac-tersticas no se manifestam de maneira unificada, harmnica e simultnea(Hendriks 2006; Parkinson 2006; Goodin 2008; Warren 2007; Bchtiger2009; Mendona 2009; Pakinson & Mansbridge 2012). a conexo de dife-

    rentes arenas, cada uma com seus limites e suas contribuies, que permitedelinear-se um choque pblico de discursos. Por isso, importante refletir so-bre a maneira como uma arena discursiva se articula (ou no se articula) aoutras.

    196 Ricardo Fabrino Mendona e Ernesto Friedrich de Lima Amaral

  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    21/27

    Dois tipos de articulao so especialmente importantes para que se reflitasobre um fenmeno luz da abordagem deliberacionista. O primeiro deles em relao a instncias de tomada de deciso. Ainda que processos deliberati-vos no precisem desaguar em decises polticas, essa uma dimenso impor-tante a ser considerada. O fato de a consulta pblica sob anlise ter sido

    realizada dentro de uma Assembleia Legislativa estadual, que dedicou recursospara sua viabilizao, pode gerar a sensao de que ela foi umbilicalmenteligada a instncias de tomada de deciso. Mesmo que a experincia seja, pordefinio, consultiva, poder-se-ia inferir que ela seria bastante influente. Noentanto, preciso lembrar que a questo da reforma poltica de competnciafederal. A consulta no buscou subsidiar os parlamentares em uma tomada dedeciso, mas alimentar um debate pblico sobre tema considerado relevante.Mesmo que um relatrio sobre a consulta tenha sido enviado para a Comissoda Reforma Poltica da Cmara dos Deputados e que os deputados estaduais daComisso Extraordinria de Acompanhamento da Reforma Poltica do Legis-lativo mineiro tenham analisado o material, sua capacidade de afetar tomadas

    de deciso muito pequena. A consulta serve mais para a ALMG mostrar-seantenada a agendas relevantes do que para aumentar a porosidade de institui-es decisrias.

    O segundo tipo de articulao a ser debatida aquela que se estabelececom outras arenas discursivas da esfera pblica. Se o processo deliberativono foi voltado a uma tomada de deciso, pode-se discutir o modo como elenutre outras arenas ou nutrido por elas. No que concerne forma como aconsulta em questo pode abastecer outras instncias interativas, bom lem-brar a carga informativa das consultas. Para alm dos textos iniciais sintticossobre os pontos da reforma poltica, as prprias postagens contm informa-es, posies e argumentos que podem subsidiar cidados em outros espaos

    de interao. Vale destacar, ainda que a pgina da consulta continha um linkpara oFacebook, permitindo que os participantes dessem capilaridade ao con-tedo da consulta. Seria muito interessante seguir a trajetria de algumas des-sas conexes em redes sociais, embora isso no tenha sido possvel nesse casoespecfico16.

    No que concerne forma como a consulta abastecida por outras arenas, importante citar, aqui, um episdio que marcou esse processo. Pouco antes doencerramento da consulta pblica, um artigo do Jornal Estado de Minas, em 18de junho de 2011, chamou a ateno para sua existncia e para a possibilidadede participao negligenciada pelos cidados (Maakaroun 2011). O artigo, as-

    sinado por Bertha Maakaroun, afirmava que, durante os 20 primeiros dias daconsulta, apenas 62 pessoas haviam enviado comentrios. A concluso era a deque o cidado mineiro mediano est[aria] desmobilizado, desatento e reticentediante da temtica da reforma poltica(idem). O artigo estimulou um grandefluxo de postagens, como indica o Grfico 1.

    Os dados so inequvocos. Sozinho, o dia 18 de junho, data de publicaodo artigo, responsvel por 46,6% dos comentrios de toda a consulta ( i.e.,347 postagens). Se contabilizados os trs dias subsequentes publicao (19,20 e 21 de junho), o volume chega a impressionantes 92,5% (689 postagens).

    Como afirma Kies (2010, p. 36), muitas experincias sugerem que a pas-

    sividade cvica s pode ser superada por meio do aumento de incentivos [...] participao. fundamental, portanto, criar estratgias e investir na motiva-o dos cidados para que venham a engajar-se em iniciativas participativas.Osmediaparecem ter um papel nesse sentido, seja divulgando a existncia de

    16 Temos trabalhado nessa dire-o em outras anlises de delibe-raoonline.

    Deliberao online em consultas pblicas? O caso da assembleia legislativa de Minas Gerais 197

  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    22/27

    tais iniciativas, seja contribuindo para o fortalecimento de uma cultura cvica.Curiosamente, contudo, vale ressalvar que oefeito visibilidadeparece dissipar-se rapidamente, visto que, no quarto dia aps a veiculao do supramenciona-do artigo, j h uma reduo significativa no nmero de comentrios.

    O exemplo ilustra o modo como o cruzamento de arenas pode fomentarprocessos discursivos ricos e capilarizados. Como assinalam Sb, Rose eMolka-Danielsen (2009, p. 421), o recrutamento possibilitado pela mobiliza-o de outros veculos de comunicao fundamental para o fortalecimento dearenasonline.

    VI. Concluses

    O presente artigo buscou investigar, luz da teoria deliberativa, uma con-sulta pblicaonlinerealizada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Oestudo guiou-se pela discusso de seis variveis que argumentamos serem es-senciais para a compreenso de uma iniciativa digital a partir da teoria deliber-cionista: (i) inclusividade; (ii) provimento de razes; (iii) reciprocidade; (iv)respeito mtuo; (v) orientao para o bem comum e (vi) articulao entre are-nas.

    Os resultados indicam: (i) uma sobre-representao de participantes mas-culinos e oriundos da Regio Metropolitana de Belo Horizonte, embora notenha havido concentrao de postagens por alguns comentadores; (ii) o pre-domnio de postagenson topice que apresentam justificativas para as posiesadvogadas, alm do mapeamento dos quadros empregados; (iii) ndices muitobaixos de reciprocidade entre postagens e de uso de marcadores de interativi-

    dade, apesar de elementos que permitem vislumbrar a edificao de reciproci-dade discursiva; (iv) graus muito elevados de respeito; (v) diferentes formas deligao das justificativas ao princpio geral do bem comum; (vi) o baixo im-pacto decisrio e a conexo com outras arenas da esfera pblica, destacando-se

    Grfico 1 Frequncia de postagens por dia da consulta pblica sobre reforma polticada ALMG por grupos de discusso (junho de 2011)

    Fonte: Consulta Pblica sobre Reforma Poltica da Assembleia Legislativa do Estadode Minas Gerais (ALMG), realizada entre 1 e 27 de junho de 2011.

    198 Ricardo Fabrino Mendona e Ernesto Friedrich de Lima Amaral

  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    23/27

    a relao com uma matria publicada em jornal de grande circulao que afe-tou, muito significativamente a intensidade da participao em alguns dias.

    Embora vrios testes de cruzamentos de variveis tenham sido realizados,poucos revelaram significncia estatstica. Entre eles, destacam-se a relaoentre dominncia de uma posio em um grupo de discusso e o grau de apre-sentao de justificativas. A anlise revelou que grupos fortemente dominadostendem a ter ndices menores de justificao, o que compreensvel j que no preciso convencer quem defende a mesma posio. Curiosamente, contudo,nesses casos de ampla dominncia, a reciprocidade entre participantes tende aser maior, corroborando a hiptese recorrente na literatura de que as pessoasdialogam mais com aqueles que pensam de maneira semelhante. Outro cruza-mento com significncia estatstica foi entre respeito e reciprocidade, sugerin-do que os ndices de respeito aumentam na medida em que a reciprocidadediminui. No entanto, os baixssimos nmeros absolutos inviabilizam qualquerinferncia minimamente confivel de nossa parte, permanecendo a afirmaocomo hiptese a ser testada em outro estudo.

    Importante salientar, por fim, que a anlise aqui explorada no esgota aspossibilidades de pensar a experincia em questo luz da teoria deliberacio-nista. Convm mencionar que os autores j esto trabalhando em anlises qua-litativas que complementam os resultados aqui apresentados. Os dadosdiscutidos no presente artigo dizem, contudo, sobre a natureza do processoestudado e permitem ver uma consulta que, se pouco interativa e inclusiva,pode alimentar processos mais amplos com argumentos respeitosos e voltadospara o bem comum acerca de uma questo de interesse pblico.

    Ricardo Fabrino Mendona ([email protected]) doutor em Comunicao Social pela Universidade Federal deMinas Gerais e professor do Departamento de Cincia Poltica da mesma instituio.

    Ernesto Friedrich de Lima Amaral ([email protected]) doutor em Sociologia/Demografia pela Universidade do Texasem Austin e professor do Departamento de Cincia Poltica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

    Referncias

    Abers, R.N. & Keck, M., 2006. Muddy Waters: The political construction of deliberative River Basin governance in Brazil.International Journal of Urban and Regional Research, 30(3), pp. 601-622.

    Ackerman, B. & Fishkin, J., 2003. Deliberation Day. In J. Fishkin. & P. Laslett, eds. Debating Deliberative Democracy.Malden: Blackwell.

    Anastasia, F., 2001. Transformando o legislativo: a experincia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. In F. Santos, ed.O poder Legislativo nos estados: diversidade e convergncia . Rio de Janeiro: FGV.

    Avritzer, L., 2002. O Oramento Participativo: as experincias de Porto Alegre e Belo Horizonte. In R. Dagnino, ed. Socie-dade civil e espaos pblicos no Brasil. So Paulo: Paz e Terra.

    _____. 2006. New Public Spheres in Brazil: Local democracy and deliberative politics. International Journal of Urban andRegional Research, Hoboken, 30(3), pp. 623-637.

    Bchtiger, A.; Shikano, S.; Pedrini, S. & Ryser, M., 2009. Measuring Deliberation 2.0: Standards, discourse types, andsequenzialization. In5thECPR General Conference, Postdam.

    Baiocchi, G., 2005.Citizens and Militants. Stanford: Stanford University.Benhabib, S., 1996.Democracy and Difference:Contesting the boundaries of the political. Princeton: Princeton University.Black, L.W.; Burkhalter, S.; Gastil, J. & Stromer-Galley, J., 2009. Methods for Analyzing and Measuring Group Delibera-

    tion. In L. Holbert, ed. Sourcebook of Political Communication Research: Methods, measures, and analytical techni-

    ques. New York: Routledge.Bohman, J., 1996.Public Deliberation:Pluralism, complexity and democracy. Cambridge (MA): MIT._____. 1998. The Coming Age of Deliberative Democracy. The Journal of Political Philosophy, 6(4), pp. 400-425.Chambers, S., 2003. Deliberative Democratic Theory.Annual Review of Political Science, 6, pp. 307-326.

    Deliberao online em consultas pblicas? O caso da assembleia legislativa de Minas Gerais 199

  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    24/27

    _____. 2009. Rhetoric and the Public Sphere: Has deliberative democracy abandoned mass democracy? Political Theory, 37(3), pp. 323-350.

    Coelho, V.S.P. & Nobre, M., 2004. Participao e deliberao: teoria democrtica e experincias institucionais no Brasilcontemporneo. So Paulo: Editora 34.

    Coelho, V.S.P.; Pozzoni, B. & Montoya, M. C., 2005. Participation and Public Policies in Brazil. In J. Gastil & P. Levine,eds. The Deliberative Democracy Handbook: Strategies for effective civic engagement in the twenty-first century . San

    Francisco: Jossey-Bass.Coleman, S., 2009. Making Parliamentary Democracy Visible: Speaking to, with, and for the public in the age of interactive

    technology. In Chadwick, A. & Howard, P. N., eds.The Routledge Handbook of Internet Politics. London: Routledge.Cornwall, A. & Coelho, V.S.P., 2009. Novos espaos democrticos: perspectivas internacionais. So Paulo: Singular.Dahlberg, L., 2001. The Internet and Democratic Discourse: Exploring the prospects of online deliberative forums extending

    the public sphere.Information, Communication & Society, 4(4), pp. 615-633.Davies, T., 2009. Introduction. In T. Davies & S. Gangadharan, eds. Online Deliberation: Design, research and practice.

    Chicago: Center for the Study of Language and Information.Davies, T. & Gangadharan, S., eds. 2009.Online Deliberation: Design, research and practice. Chicago: Center for the Study

    of Language and Information.Dryzek, J.S., 1990.Discursive Democracy: Politics, Policy, and Political Science. New York: Cambridge University._____. 2000.Deliberative Democracy and Beyond: Liberals, critics, contestations. New York: Oxford University.

    _____. 2004. Legitimidade e economia na democracia deliberativa.In: V. Coelho & M. Nobre, eds.Participao e delibera-o:teoria democrtica e experincias institucionais no Brasil contemporneo. So Paulo: Editora 34.

    _____. 2010.Foundations and Frontiers of Deliberative Governance. New York: Oxford University.Elster, J., 1998. Introduction. In _____.Deliberative democracy.Cambridge (UK): Cambridge University.Ferree, M.M.; Gamson, W.A.; Gerhards, J. & Rucht, D., 2002. Shaping Abortion Discourse: Democracy and the public

    sphere in Germany and the United States. Cambridge (UK): Cambridge University.Fishkin, J., 2009.When the People Speak: Deliberative democracy and public consultation . Oxford: Oxford University.Fishkin, J.S. & Luskin, R., 2000. The Quest for Deliberative Democracy. In M. Saward, ed. Democratic Innovation. Delibe-

    ration, representation and association. London: Routledge._____. 2006. Broadcasts of Deliberative Polls: Aspirations and effects. British Journal of Political Science, 36(1), pp. 184-

    188.Fraser, N., 1999. Rethinking the Public Sphere: A contribution to the critique of actually existing democracy. In S. During,

    ed.The Cultural Studies Reader. London: Routledge.Freschi, A.C. & Mete, V., 2009. The Political Meanings of Institutional Deliberative Experiments: Findings on the ItalianCase. Sociologica, 2-3, pp. 1-55.

    Fuchs, C., 2006. eParticipation Research: A case study on political online debate in Austria. ICT&S Center, Research Paper,n. 1, June. University of Salzburg. Disponvel em:http://icts.uni-salzburg.at/media/pdf/pdf1060.pdf. Acesso em:27.jan.2014.

    Fung, A., 2004. Receitas para esferas pblicas: oito desenhos institucionais e suas consequncias. In V. Coelho & M. Nobre,eds.Participao e deliberao: Teoria democrtica e experincias institucionais no Brasil Contemporneo. So Paulo:Editora 34.

    Fung, A. & Wright, E., eds. 2003.Deepening Democracy. London: Verso.Gamson, W. & Modigliani, A., 1989. Media Discourse and Public Opinion on Nuclear Power: A constructionist approach.

    American Journal of Sociology, 95(1), pp. 1-37.

    Gastil, J. & Levine, P., eds. 2005. The Deliberative Democracy Handbook: Strategies for effective civic engagement in thetwenty-first century. San Francisco: Jossey-Bass.Gerhards, J. & Schfer, M. S., 2010. Is the Internet a Better Public Sphere? Comparing old and new media in the USA and

    Germany.New Media & Society, 12(1), pp. 143-160.Goffman, E., 1986.Frame Analysis: An essay on the organization of experience. Boston: Northeastern University.Goodin, R.E., 2005. Sequencing Deliberative Moments.Acta Politica,40(2), pp. 182-196._____. 2008.Innovating Democracy. Cambridge (UK): Cambridge University.Graham, T. & Witschge, T., 2003. In Search of Online Deliberation: Towards a new method for examining the quality of

    online discussions.Communications, 28(2), pp. 173-204.Gutmann, A. & Thompson, D., 1996.Democracy and Disagreement.Cambridge (MA): Harvard University._____. 2004.Why Deliberative Democracy? Princeton: Princeton University.Habermas, J., 1992. Further Reflections on the Public Sphere. In C. Calhoun, ed.Habermas and the Public Sphere. Cambrid-

    ge (MA): MIT._____. 1995. Trs modelos normativos de democracia. Lua Nova, 36, pp. 39-53._____. 1997.Direito e Democracia: entre a facticidade e a validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro._____. 2006. Political Communication in Media Society: Does democracy still enjoy an epistemic dimension? The Impact of

    Normative Theory on Empirical Research. Communication Theory, 16(4), pp. 411-426.

    200 Ricardo Fabrino Mendona e Ernesto Friedrich de Lima Amaral

    http://icts.uni-salzburg.at/media/pdf/pdf1060.pdfhttp://icts.uni-salzburg.at/media/pdf/pdf1060.pdf
  • 7/26/2019 assembleia minas gerais

    25/27

    _____. 2005. Concluding Comments on Empirical Approaches to Deliberative Politics. Acta Politica,40(3), pp. 384-392.Hamlett, P., 2002. Adapting the Internet to Citizen Deliberations: Lessons learned. In International Symposium on Technolo-

    gy and Society, Raleigh.Hendriks, C. M., 2005. Consensus Conferences and Planning Cells: Lay citizen deliberations. In J. Gastil & P. Levine, eds.

    The Deliberative Democracy Handbook: Strategies for effective civic engagement in the Twenty-First century . SanFrancisco: Jossey-Bass.

    _____. 2006. Integrated Deliberation: Reconciling civil societys dual role in deliberative democracy.Political Studies, 54(3),pp. 486-508.

    _____. 2011.The Politics of Public Deliberation: Citizen engagement and interest advocacy. London: Palgrave.Hendriks, C. M. & Carson, L., 2008. Can the Market Help the Forum? Negotiating the commercialisation of deliberative

    democracy.Policy Sciences, 41(4), pp. 293-313.Hibbing, J.R. & Theiss-Morse, E., 2002. Stealth Democracy. Cambridge (UK): Cambridge University.Janssen, D. & Kies, R., 2005. Online Forums and Deliberative Democracy. Acta Politica,40, pp. 317-335.Jensen, J. L., 2003. Public Spheres on the Internet: Anarchic or government-sponsored: A comparison.Scandinavian Political

    Studies, 26(4), pp. 349-374.Kies, R., 2010.Promises and Limits of Web-Deliberation. New York: Palgrave Macmillan.Levin, D., 2005. Framing Peace Policies: The competition for resonant themes.Political Communication, 22(1), pp. 83-108.Lev-On, A. & Manin, B., 2009. Happy Accidents: Deliberation and online exposure to opposing views. In T. Davies & S.

    Gangadharan, eds.Online Deliberation: Design, research and practice. Chicago: Center for the Study of Language andInformation.

    Lupia, A., 2009. Can Online Deliberation Improve Politics? Scientific foundations for success. In T. Davies & S. Gangadha-ran, eds.Online Deliberation: Design, research and practice. Chicago: Center for the Study of Language and Informa-tion.

    Maakaroun, B., 2011. Eleitores ignoram consulta pblica sobre reforma poltica. Em.com.br, 18.jun. Disponvel em:http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2011/06/18/interna_politica,234821/eleitores-ignoram-consulta-publica-sobre-reforma-politica.shtml. Acesso em: 28.jan.2014.

    Macedo, S., ed. 1999. Deliberative Politics: Essays on democracy and disagreement. New York: Oxford University.Maia, R.C.M., 2008. A Democracia e a Internet como esfera pblica virtual: aproximao s condies da deliberao. In W.

    Gomes & R.C.M. Maia, eds.Comunicao e democracia: problemas e perspectivas. So Paulo: Paulus.Mangue, D.C., 2008. (In)formao, um caminho para a participao poltica? Um estudo de caso sobre o programa de

    educao para a Cidadania da ALMG. Dissertao de Mestrado. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Ge-rais.

    Mansbridge, J., 1999. Everyday Talk in Deliberative System. In S. Macedo, ed. Deliberative Politics: Essays on democracyand disagreement. New York: Oxford University.

    Mansbridge, J.; Bohman, J.; Chambers, S.; Estlund, D.; Follesdal, A.; Fung, A.; Lafont, C.; Manin; B. & Mart, J. L., 2010.The Place of Self-Interest and the Role of Power in Deliberative Democracy. Journal of Political Philosophy, 18(1), pp.64-100.

    Marques, A.C.S., 2011. Aspectos terico-metodolgicos do processo comunicativo de deliberao online. Revista Brasileirade Cincia Poltica, 6, pp. 19-40.

    Marques, F.P.J., 2006. Debates polticos na internet: a perspectiva da conversao civil. Opinio Pblica, 12(1), pp. 164-187Mendona, R.F., 2009. Reconhecimento e deliberao:as lutas das pessoas atingidas pela hansenase em diferentes mbitos

    interacionais. Tese de Doutorado. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais.

    _____. 2010. Democracia discursiva: contribuies e dilemas da abordagem deliberativa do grupo australiano. BIB, 69, pp.59-78.

    _____. 2011. Reconhecimento e (qual?) deliberao.Opinio Pblica, 17(1), pp. 206-227.Mendona, R.F. & Santos, D.B., 2009. A cooperao na deliberao pblica: um estudo de caso sobre o referendo acerca da

    proibio da comercializao de armas de fogo no Brasil. Dados, 52(2), pp. 507-542.Mendona, R.F. & Simes, P.G., 2012. Enquadramento: diferentes operacionalizaes analticas de um conceito. Revista

    Brasileira de Cincias Sociais, 27(79), pp. 187-201.Mendona, R.F. & Cunha, E.S., 2012. Aprimoramento dos Eventos da ALMG. Relatrio de pesquisa. Belo Horizonte: Uni-

    versidade Federal de Minas Gerais.Mendona, R.F. & Pereira, M.A. 2012. Democracia digital e deliberao online: um estudo de caso sobre o VotenaWeb.

    Revista Latinoamericana de Opinin Pblica, 2, pp. 109-158.Miola, E., 2009. A deliberao online em ambientes institucionais. Um estudo do frum de discusso do portal da Cmara dos

    Deputados.Contempornea, 7(2), pp. 1-24.Mouffe, C., 2005. Por um modelo agonstico de democracia. Revista de Sociologia e Poltica, 25, pp. 11-23.Mutz, D., 2006.Hearing the Other Side: Deliberative versus participatory democracy. Cambridge (UK): Cambridge Univer-

    sity.

    Deliberao online em consultas pblicas? O caso da assembleia legislativa de Minas Gerais 201

    http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2011/06/18/interna_politica,234821/eleitores-ignoram-consulta-publica-sobre-reforma-politica.shtmlhttp://www.em.com.br/app/noticia/politica/2011/06/18/interna_polit