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Asylum 01 5 scarlets madeleine roux

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Quando   Dan   e   seus   amigos   conhecem   Cal   em   Sanctum   a   impressão   dos  estudantes   privilegiados   do   New   Hampshire   College   é   menor   que   estelar.  Mas  Cal   não   foi   sempre   o   frio   e   sarcástico   garota   que   é   agora.   Nessa   história  digital  original  que  precede  os  eventos  de  Sanctum,  nós  conhecemos  Cal  quando  estava   na   Faculdade   como   qualquer   outro   rapaz   com   um   grupo   de   amigos  próximos   e   um   pai   que   impunha   muita   pressão.   Porem,   quando   a   pressão  começa  a  cair  sobre  ele  e  Cal  aceita  o  convite  para  conhecer  um  grupo  seleto  de  estudantes  e  ex  alunos  apenas  conhecidos  como  Scarlets,  o  curso  da  vida  de  Cal  muda  para  sempre.  E  o  preço  de  fazer  parte  dos  Scarlets  pode  ser  maior  do  que  ele  poderá  pagar.

Com   muitas   reviravoltas   e   emoções,   Scarlets   é   uma   parte   incrível   da   série  Asylum  que  pode  ser  lida  sozinha  por  novos  leitores  ou  dar  peças  importantes  no  quebra  cabeça  dos  fãs  da  série.

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Porqueserumhomemsevocêpodeserumsucesso?–BERTOLTBRECHT

Existemsempreduasmortes,arealeaquelaqueaspessoasconhecem.

–JEANRHYS,VASTOMARDESARGAÇOS

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A s coisasquequeremos só sãodesejáveisporquenãopodemos tê-las.Para mim, desejo um legado que vá além de minha vidinha

insignificante,talvezatéa imortalidade.Quandoeuconseguir isso–se,nãoquando–,comcertezadeixarádeserocernedaminhavontade.Gostariadesaberoqueeu iriaperseguir emseguida,apesarde temera resposta. Seráalgomaior,claro,equemeconsumiráaindamais,naturalmente.

–TrechododiáriododiretorCrawford,primeirosemestrede1953.

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Q uandoCalacordou,asaladeaulaestavavazia.Semprofessor.Semalunos.Seurostoestavagrudadonacarteiraquandoergueuacabeça.

Sua boca estava com um gosto azedo, omundo inteiro girava e todas ascoisaspareciamdisformeseforadefoco.

–Eleestáaqui.Era a voz da professora. Da professora Reyes. Minha nossa, ela era

péssima. Cal a detestava. Aquela falha entre os dentes. A maneira comoreviravaosolhosquando faziaumaperguntaeninguém levantavaamãopara responder. Talvez esteja na hora de começar a fazer perguntasmelhores,minhasenhora.

Sua cabeça latejava, o gosto azedo na boca fazia seu estômago serevirar. Ele apoiou a cabeça de volta na carteira. Não era exatamenteconfortável,maspareciamelhorquemanterosolhosabertosesentiraluzpenetraratéofundodeseucrânio.

– Já é a terceira vez, Roger – a professora Reyes continuou. – Trêsvezes.Issoéinaceitável.

–Euentendo,Carie.Obrigadopormeinformararespeito.– Claro – Cal já até imaginava os olhos dela se revirando. – Mas da

próximavez...– Ah, não se preocupe – Roger, seu bom e velho pai, soltou uma

risadinhaamarga.–Nãovaiacontecerdenovo.Aportasefechousemviolência,mascomumruídoaudível–aforma

queencontroudeavisarqueestavaindoembora,masnãoestavasatisfeitacom a situação. Uma nova sensação se instalou em seu estômago, eaparentementecomforçasuficienteparafazê-lopassarmal.MasdeviasersóconsequênciadasgarrafasdeYuenglingqueelebebeunanoiteanterior.Afinal, era esse o motivo para ele ter dormido na aula, para começo deconversa.

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– Isso significa que eu posso voltar para Greenport? – Cal ergueu acabeçadenovo,dessavezdeixandoumapoçadesalivanacarteira.–Porfavor,medizqueeupossovoltarparaGreenport.

–PenseiquevocêdetestasseGreenport.Queestivesseansiosoparairemboradelá.

Roger,queeletratavapelonome,enãodepaioupapai,ajeitouocintoantesdesesentaremumacarteiradefrenteparaCal.Omóvelrangeuemprotestocontraopesoaquefoisubmetido.

ParaCal,olharparaseupaieracomoencararumespelhomágicoquelhepermitiaverofuturocasonãoabandonassedevezacervejabarataeaspizzas.Restavaapenasumtufodecabeloscastanhosavermelhadosnotopoda cabeça de Roger, que ele enchia de gel e penteava demodo a tentaresconder a careca cheia de sardas. Havia manchas na pele de seu rostotambém,cadavezmaisescurasporcausadosol.Eleeraumhomembonitonajuventude,algoquesuamãesempredizia,masnãocomafeto,esimcomtristeza.

Seupaieramuitobonito,Cal.Umrapazbembonitão.Calfranziuatesta,baixandoosolhosparaochão.Issopodiasersóuma

ilusão de sua mãe. Ela insistia em dizer isso mesmo depois do divórcio,talvez por uma vontade não assumida de querer voltar no tempo. Naverdade,CalconsideravamuitasortedelaterselivradodeRoger.

–Bêbado,Cal?Nasaladeaula?Trêsvezes?–Rogersacudiuacabeça,balançando suas bochechas flácidas de leão-marinho. – Ainda bem queCaroline veio falar comigo.Você está ganhandomá fama, filho... e eunãovouconseguirsegurarabarrapormuitotempo.

–Coitadinhodevocê.–Sentadireito.Cal obedeceu. De vez em quando isso acontecia automaticamente,

quando Roger usava um determinado tom de voz. Era omesmo que Calouviaantesdereceberumaspalmadasdeseupaiquandoerapequeno.

–Algumaspessoasencaramissocomoumpedidodeajuda,sabe.Calencolheuosombroseestalouopescoço.–Algumaspessoassãosimplesmenteidiotas.–VocênãovaivoltarparaGreenport–Rogercruzouosbraçossobreo

peito,cerrandoosdentes.–Vocênãovaiparalugarnenhum.Vaificaraqui

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efazeraulasparticulares.Vaisairdessabebedeiraepararcomessa...comesse...essasatitudes–eleajeitouagravataevirouacabeçaparaumadasjanelasaltaseenvidraçadas.–Comoseessahistóriadesergaynãofosseobastante, seu comportamento só vem piorando desde que você chegouaqui.

–Puxa,Roger,valeumesmo.Essa história de ser gay. O nó em seu estômago se desfez. Roger só

estava provocando, tentando despertar alguma reação, mas isso não iaacontecer.Elenãopodiapermitirqueacontecesse.

–Vocêfezalgumcursoparafalarcomoumbabacaouessetipodecoisavemnaturalmente?

Eleesperavaumareaçãodeirritação,masnãoumtapa.Calfoiatingidocomforça,esentiuseusdentescortaremointeriordesuabochecha.

Seupaitinhasidoumhomembonitoumdia.Umatleta.Talvezatéumserhumanotambém.

Desgraçado.–Vocêvaifazeraulasparticulares–repetiuRoger,abrindoefechando

amão.–Epararcomabebedeira.–Eseeunãoquiser?Seupaificoudepéeajeitouocintodenovo,encarandoCalcomolhos

friosevazios.–Nósnãoestamosemumanegociação,Cal.Vocêvaiparardebebere

faráasaulasparticulares.Eunãovoufalardenovo.

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A s palavras na página ficaram borradas. Alguma coisa em seu olhodireito parecia estar em pane, como se uma parte do globo ocular

tivesseserompido,deixandoparatrásumlatejardebilitantequeteimavaem não parar. Ele batucou com os dedos na mesa, tentando disfarçar otremornasmãos.

Menosdequatrohorasdepoisde sua conversa comRoger, ali estavaele,procurandoorientaçãonosestudos.Pararcomabebedeira?Bom,umacoisadecadavez.

Havia palavras diante de seus olhos e palavras zunindo em seusouvidos, mas, por mais que tentasse, Cal não conseguia decifrar seusignificadonemdescobrircomopoderiamajudarcomsuaressaca,quenãotinhamelhoradonemumpoucodepoisdetomarumaaspirina.

–Vocêtemcervejaaí?Piscando algumas vezes e segurando um bocejo, sua professora

particular o encarou. Ela até que era bonitinha, apesar de seu jeitomeionerd.Suapeleerameioamareladaeseucabelonãoparecia terumcortedefinido.Seusolhosazuisesverdeadoseramoúnicotraçoconvencionaldebelezaemseurosto.

Eessesolhosazuisesverdeadosoencaravamnaqueleexatomomento.Certo.Fallon.Eraesseonomedela.

– Você sabe que continuar bêbado na verdade não cura a ressaca,certo?–perguntouFallon,coçandoorostocomaborrachadolápis.

– Não sei, e não estou nem aí – Cal se espreguiçou, mas logo seencolheudenovo.Ficarestiradosobreamesaeraaúnicaposiçãoquenãopareciaagravarsuadordecabeça.–Sóseiquequeroumacervejaagora,bemgelada, e sóquero saberomínimo indispensávelpara escrever essetrabalhosobreVastobardesargaços.

–Mar.

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– Que seja. O livro é basicamente uma fanfiction sobre um outroromance,maisfamoso.Porqueprecisamosleressetipodeporcaria?

–Vêsenãoescreveissonoseutrabalho,dejeitonenhum–murmurouFallon, revirando os olhos. Em seguida, ela foi até o frigobar ao lado dacama, se agachou e revirou lá dentro, procurando por uma lata de BudLight.Talvezelanãofossetãonerdassim,nofimdascontas.–Aquiestá.

Ela bateu a lata na mesa com mais força do que o necessário,acentuandoasecuradesuaspalavras.

Calsoltouumarisadinhaeabriualata.–Estádedieta?–Melembradecobrarumextraquandovocêforpagarpelaaula.Quer

dizer,oseupai.Nadadebrincadeiras,então.Faziasentido.AlguémescolhidoporRoger

paraajudá-lonosestudossópoderiaserumapessoasemnenhumsensodehumor.

AssimcomoRoger.–Qualéadele,aliás?–Fallonperguntou,tãobaixinhoecomumtom

tãocasualqueCalimaginouterouvidoerrado.–Dequem?–Doseupai.Nósjánoscruzamosalgumasvezesnocampus,masfiquei

surpresa quando ele me ligou – Fallon o observava com atenção. Atédemais para o gosto dele. – Eu não estou cursando Letras, e nunca meinteressei em ser psicóloga. Existem pessoas mais qualificadas por aquiparaajudarvocê.

–Talvezvocêsejaapessoaquecobramaisbarato–sugeriuCal.–Sei,comoseissofosseumproblemaparaasuafamília–revirandoos

olhos, ela o observava enquanto ele remexia a lata entre os dedos, epareceu interpretar seu silêncio comoumsinaldediscordância. –Penseiquevocêsfossemcheiosdagrana.Eeleéoreitor.Ouvidizerquetemtodomundoaquinobolso,professores,funcionários...

–Quemfoiquedisse isso?–perguntouCal, serecostandonoassentocom um desinteresse fingido, depois tomou um gole da cerveja paradisfarçarofatodequeestavavermelho.

Fallon se virou para a janela, e a luz que entrava tornou seus olhosaindamaisclaroseexóticos.

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–Ninguémmedisse,exatamente–explicou.–Éumboatoquerolapelocampus eno jornal de vez emquando.Ele sempre aparecenonoticiário,fazendocaridade, levantandofundos.Elenãoestáajudandonacampanhadeumpolíticolocal?

–Quemévocê,apresidentedofã-clubedomeupai?–Caldeumaisumgolenacerveja,masnãosentiuoefeitodedormênciaqueesperava.–Vocêestáprecisandodeumnovohobby,amiga.

Fallonfechouo livroese inclinousobreele,comseusolhosclarossealternandoentreorostodeCalealatadecerveja.

–Comofoiquevocêveiopararaqui?Da mesma forma como perdeu o interesse no trabalho que estava

fazendo, ele perdeu o interesse na cerveja, e se recostou no assento,mexendonoaneldeformaturadamãoesquerda.

– Como assim, aqui nesta cadeira? – ele perguntou. – Ou aqui nafaculdade?

–Medigavocê.–Stanfordmerejeitou.Princetontambém–elerespondeu.– Não consigo entender por quê – ele a ouviu resmungar, ou pelo

menospensouterouvido.Falandomaisclaramente,elacomplementou:–Odinheiroeainfluênciadopapainãoforamsuficientes?Querdizer,poraquivocêpoderiasedarmuitobem,enãoéissoqueestáacontecendo.

Ai,ai.Calaencarou,econtinuouolhandoparaelaaté forçá-laavirarparaooutrolado.Qualeraadessamenina?

–Bom,respondendoàsuapergunta,euestouaqui,na faculdadeenacadeira,porquemeupaiéoreitor,comovocêfezquestãodemelembrar–Calrespondeucomumsorrisinhoácido.–Eleusaodinheiroeainfluênciaem benefício de si mesmo, mas por causa disso eu acabo sendo maiscobradodoquedeveria.

– Está falando sério? Fiquei sabendo do que aconteceu na aula daprofessoraReyes.Qualqueroutroalunoseriasuspensoouexpulso.Eudiriaquefazeraulasparticulareséumapuniçãobemleve–rebateuFallon,antesdecomplementaremumtommaisbaixo:–Foimuitasortesua.

Oqueelepoderiadizerdepoisdisso?Quenaverdadenãonasceuemberçodeouro?Eleseafastoudamesaeselevantou,olhandopelajaneladoquarto, quedavapara a área central do campus. Fallon tinha conseguido

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umquartosóparasinoalojamentoJeffrey,oqueparaalguémdosegundoanoera tãocomumquantoseratingidoporumraioeporumcometanomesmo dia. Cal tirou a cortina barata da Ikea da frente do vidro,estreitando os olhos para encarar a dolorosa luz do sol para ver osestudantescirculandoentreumaeoutraaula.

DevonKurtwilder e seus amigos estavamdisputandoumapartidadelacrosse improvisada no gramado do alojamento de Cal, o Brookline.Parecia uma coisa saída de um catálogo da Abercrombie & Fitch, comdireitoabarrigassaradasecabelospropositalmentedesarrumados.

SepelomenoselepudesseterumasaulinhascomDevon...Cal tambémviu seus amigosMicah e Lara sentados embaixo de uma

árvorenãomuitodistantedapartidadelacrosse.UmdosamigosdeDevonpassouabolaparaumcompanheiro,maserrouoalvo,quaseacertandoacabeleira espessa e escura de Lara. Micah ficou de pé imediatamente,praguejandocontraogrupode jogadores.Calpensouqueagritaria fosseacabar se transformando em pancadaria. Mas então viu seu paiatravessandoocaminhodecimentoquecortavaocampus.Rogerfoiatéogramado,secolocouentreosbringuentosedissealgumacoisaparaMicahenquanto folheava os papéis de uma pasta parda. Os jogadores seafastarameretomaramapartida,masRogercontinuoufolheandoapastaegritandocomosamigosdeCal.Qualquerquefosseomotivo,foisuficienteparafazerLararecolhersuascoisasesairdaliàspressas.

CaltorceuparaqueMicahnãoestivesseencrencado–elenãopodiasedar a esse luxo. Seu colega de quarto teve uma vida atribulada antes deentrarnafaculdade,masestavaseesforçandoparaserumbomaluno.Naverdade,MicahsetransformouemumaespéciedecidadãomodelodaNHCqueCalnuncaconseguiuser.MasantesdissofoiprecisoumaajudinhadeRogereumaentrevistacomoconselhodeadmissãoparaqueseuhistóricofosse varrido para debaixo do tapete e ele pudesse se matricular. Pelomenos foi issoqueMicah falou.ParaCal,pareciaumahistória fantasiosa.ElenãoconheciaaqueleRogerqueajudavaaspessoas.

Sefosseverdade,devetersidoacoisamaisgenerosaqueseupaijáfezporalguém.

Calseafastoudajanelacomumarisadinhanervosa.HaviamuitomaisqueumpedaçodevidrooseparandodeMicaheseupai.

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–Atétu,Micah?–eleperguntouemvozalta.– Podemos voltar a falar do livro, por favor? – Fallon perguntou,

bufandoesevirandonacadeira.Elaprendeuoscabeloscacheadosemumcoquemeio caótico, apertando o elástico com tanta força que ele fez atéumacareta.–Oueuvouterquefazeropapeldeterapeutatambém?

–Meusmelhoresamigosna faculdadeestãonamorando–contouCal,como se isso explicasse tudo. Ele ainda fazia questão de fazer essadistinção.Seusmelhoresamigosnafaculdade. Sónãosabiaporquê.Seusamigos de Greenport não queriam mais saber dele. Estavam ocupadosplanejando seus futuros brilhantes como senadores e governadoresenquantoestudavamemYale,Harvardetc.–Nãoqueacoisavádurar.LaravaiacabarpercebendoqueMicahécaretaesemgraça,eissoseráofim.Eladiz que finalmente está interessada emum cara sério,mas eu sei que sóestáfalandodabocaparaafora.

–Careta e semgraça?–Fallon soltouuma risadaum tantoamargaedesviouosolhosdolivro.–Ouvidizerqueeletemantecedentescriminais.

– Ai, meu Deus. Foi por roubo. E quando estava no colégio. Ele nãomatouninguémnemcoisadotipo!

Mas,naverdade,Calhavia ficado intrigadoquandoconheceuMicaheficou sabendo a respeito do passado dele, no ano anterior. Afinal, não émuito comum encontrar um aluno brilhante e bem-educado de cidadepequenacomantecedentescriminais.

–EusempregosteidaLara–Fallonrespondeubaixinho,etalvezcomumapontinhadedecepção.–Nósfizemosalgumasaulasjuntasnoprimeiroano.Elalevavaumagarrafatérmicadeursinhoparaaclassetodososdias.

–Poisé,elacarregaaquelacoisaparatodolugar.Fallonpareciasaberumbocadodecoisassobreseusamigos,apesarde

elenuncatê-lavistofalandocomosdois.Poroutrolado,ocampusdoNHCera pequeno. Ele provavelmente conheciametade dos alunos de seu anopelonome.

CalpassouosdedospelaslombadasdoslivrosdaprateleiradeFallon.Alguns gibis chamaram sua atenção em uma das pontas. Ele deu umarisadinhaepegouumdeles.

–Carinhascomroupascolantesroxas,é?Muitobomgosto.–Vocêpodepegaremprestadosequiser–Fallonrespondeu,fechando

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o livro, resignada. – Mas acho que seu pai me mataria se soubesse queestamoslendogibis.Vocêprecisaestudar,Cal.

–Ofantasma–Calleuemvozaltacomumsorrisinho,ignorandooqueeladisse.–Oespíritoambulante!Ui,queassustador!Masaroupinharoxameioqueestragatudo,nãoacha?

– Sério mesmo, pode pegar. Acho que você vai gostar. É sobre ummenino mimado de família rica que se aproveita de sua situaçãoprivilegiada para combater o crime na selva. Talvez isso sirva para vocêaprender alguma coisa sobre aquilo que nós plebeus chamamos deresponsabilidade.

–Ah,euseitudosobreresponsabilidade.Meupaificamefalandosobreissodesdequeeunasci.Umapenaparaelequenãotenhanenhumpodersobremim–CalfolheoumaisalgumaspáginasdeOfantasma.–Enfim,achoquenãoéumaboaideiameespelharemumcaradecollantroxo.

–Eudissequevocêiagostar,nãoqueerarealista–Fallonsejuntouaeleaoladodaestante.Estavausandoumacalçajeanslargaeumacamisetacinza com uma estampa de lobo e um bracelete de cota de malha queparecia saído de um brechó barato de uma feira temática medieval. Elapareciaserdotipoquefrequentavaesseslugares.–Masvocêtemrazão,émelhorsepreocuparcomoutrascoisas.

–Não,pareceserlegal.Achoquevoulevar–respondeuCal.Fallondeudeombros,maseleviuumsorrisinhoportrásdesuapose

deindiferença.–Eentão,oquemaisvocêprecisafazerparaconvencerseupaideque

agoravaiandarnalinha?– Bom, para começar vou ter que ajudar a organizar as tralhas

guardadas no porão do Brookline – Cal respondeu com um grunhido,sentindoseuhumoroscilarsódepensarnaideia.–DerepenteeuconsigoconvenceraprofessoraReyesdequenãosuportotantapoeira,porcausadaminha saúde frágil – ele falou, pegando amochila onde estavam seuslivros.–Enfim,obrigadopelogibi.

–Semproblemas.Ei,Cal?Eleinterrompeuacaminhadaatéaportaevirouacabeçaparaolhá-la.–Eu,hã,entendoumpoucodecomputadores.Seoseupaicontinuarno

seu pé, posso tentar entrar no e-mail dele. De repente você consegue

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algumacoisaparafazercomqueelevireoalvo,sóparavariarumpouco.Calsoltouumarisadinha,masseinterrompeuquandopercebeuqueela

estava falando sério. Não era má ideia, mas ele ainda não estavadesesperadoaesseponto.

–Obrigado.Euvoume lembrardisso,masnãopossopagaromesmoquemeupaiestáoferecendo.Naverdade,nãopossopagarnada.

–Qualé...Sendobemsinceracomvocê,oseupaipareceserumputadeumbabaca–respondeuFallon, indosesentaràmesa.Elapegouumpen-driveecomeçouamovê-loentreosdedos.–E,acrediteounão,euseicomoé ter uma família pegando no pé. Posso fazer isso como um favor. Nãosignificaquevamosseramigosnemnadadotipo.

–Claroquenão.Calparounaporta,enfiandoogibinamochilaedandoumapiscadinha.– Obrigado pela proposta. Vou pensar a respeito depois de terminar

meuensaiosobreareelaboraçãopós-colonialepós--modernadeJaneEyrefeitaporRhys.

Antes de fechar totalmente a porta, ele conseguiu ver a expressãoperplexanorostodela.

–Quefoi?Eutenhoouvidos.Soucapazdeentenderalgumascoisas.Fallonsorriueenfiouumacanetaatrásdaorelha.–Vocêquasemeenganou.

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CPorãodoBrookline.Seteemponto.Aprofa.Reyesvaiabriraporta.

alolhoufeioparaseucelulareparaamensagemirritantequebrilhavadiante de seus olhos. Aquela informação não era novidade. Roger já

tinha mandando as informações por e-mail naquela manhã. Ele achavamesmonecessáriopoliciarcadapassoseu?

Pare de se preocupar tanto comigo, você não temmaismuitos cabelosparaperder,Cal começouadigitar,masmudoude ideiae jogouocelularsobreacama.EleeMicahdividiamumquartonoBrookline,oquequaseolevoua se candidatarparauma fraternidade, sópara conseguirum lugarmelhor.Osdoisforampararaliquandodecidiramsercolegasdequartonoúltimomomentopossíveldoanoanterior,mas ironicamenteMicahquasenãoficavapor lá, jáquenãodesgrudavamaisdeLara.Mas issoeradeseesperar – as coisas entre Micah e Lara dariam certo por um tempo, eduranteesseperíodoeledesapareceria.Emseguidaelaterminariacomele,ou o contrário, eMicah ficaria na fossa, ouvindomúsica country em suaescrivaninha,obrigandoCalasairdoquartoeirparaqualqueroutrolugar,literalmente.

Cal ficouolhandoparaacamavaziaearrumadadeMicah.Vocêsdoisfazemmuitomalumparaooutro.Tratemdeperceberissologo.

Aprivacidade,poroutro lado,eraboa.Cal seviroudenovoparaseucomputador e para o documento aberto na tela. Ele só tinha escrito seunomeeTÍTULOADEFINIR,alémdeumsubtítulobemlongoquepretendiatransformaremumtrabalhonospróximosmomentos:“Adecadênciarumoàloucuraeaspromessasculturaisnãocumpridas–averdadeiracausadadecadênciadasaúdementaldeAntoinetteemVastomardesargaços”.

Nãoeraruim,maseratudooqueeletinha.Eumsubtítulobombásticonão era suficiente para evitar sua reprovação. Cal soltou um palavrão e

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fechouodocumento.Emseguida,seumauhumorolevoudiretamenteparaofrigobardoquarto.Estavacheiodecerveja,comosempre,masdessaveznão sentiu nenhuma empolgação ao se agachar diante das latinhasreluzentes.Elesabiaque,seenchesseacaranaquelemomento,mostrariadeumavezportodasquenãoestavanemaíparaseupai.

Emvezdisso,elebateuaportadofrigobareabriuajanela.Talvezumpoucodearfrescoajudasseaestimularseustalentosacadêmicos.

AsjanelasdoBrooklineeramasmesmasdesdeosanos1960,quandooprédiofuncionavacomoummanicômio.Afaculdadetinhaabertoefechadoo alojamento várias vezes, com promessas de reformas que nunca sematerializavam.Olugarpareciaumsarcófago.AjanelarangeuquandoCalaempurrou,eumalufadadearúmidoentrounoquarto.Otimedelacrosseestavanogramadooutravez–outalveznãotivessenemsaídodelá–,eosrisosdosjogadoressoavamcomoumamúsicadistante.

–Ei!Kurtwilder!Estoulivreaqui,cara!Passapramim!Calouviuessaspalavras comose fossempartedeumsonho.Elenão

estava totalmente presente ali – era como se estivesse observando omundo a partir de um outro plano, como se a cena que se desenrolavadiantedesifossevisível,masnãotangível.Eleseimaginoudizendoaquelasfrasesemvozalta–paraMicah,talvez,ouparaLara–eouvindooquantopareciam absurdas. Seus amigos provavelmente iriam correndo procurarum dos orientadores do campus, que por sua vez diria que ele estavadeprimido.Aqui,tomeesteremedinho.

Talvezissoajudasse,elepensou,seinclinandosobreajanelaaberta.Eleseperguntouseoscomprimidostornariamabarreiraentreeleeorestantedomundomaisestreitaouaindamaisespessa.Calnãosabiaqualopçãoeraamaisassustadora.

De onde estava, ele só conseguia ver o cursor piscando na tela. Àespera.Contandoossegundosqueeledesperdiçavapensandosobrenada.Elepodia largar tudo.Essaseriaumadas formasde lidarcomasituação.Talvezelepudesseligarparasuamãe,ouviroqueelatinhaadizer.Elaeraumapessoagentil,aocontráriodeRoger.Mastambémnãoeraexatamenteummodelo a seguir, já que boa parte de sua gentileza se devia a doseselevadasdetranquilizantesevodca.

Calolhouparaorelógio.Seisemeia.

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Meia hora. Ele era capaz de se sentar e estudar pormeia hora, comcerteza.Elevoltouparasuacama,ondeolivrosobreoqualprecisavafazero trabalhoestavaaberto, compost-itsnaspáginas comaspassagensqueFallon destacou para ele. Cal deitou na cama e pegou o livro, seacomodandodecostasedobrandoosjoelhos.

– “Existem sempre duas mortes” – ele leu – “a real e aquela que aspessoasconhecem”.

Quando enfim estava conseguindomergulhar na história, seu celularvibrou,fazendocomqueelesesobressaltasseederrubasseolivrosobreacabeça.Irritado,afastouolivrocomocotoveloepegouotelefone.

Seteemponto,Cal.Estoufalandosério.

–Minhanossa,Roger,eujáentendi.É como se ele pudesse sentir minha procrastinação à distância. O

superpodermaispatéticodetodosostempos.Com um grunhido, Cal guardou o telefone no bolso e foi pegar sua

mochila e seus sapatos, um par de docksides gastos que ganhou de seuprimeironamoradonocolégio.Bom,naverdadeCalhaviaroubadoaquelessapatos, e Jules não teve coragem de pedir de volta. Ele os usaria atéficaremesburacados,eentãoencontrariaalguémparaconsertá-los.

OscorredoresdoBrooklineestavamvazios.Ninguémgostavadeandarpor ali depois de anoitecer. Amaioria dos alunos ia para a biblioteca ouparaaacademiadepoisdojantar,eoutrosiamparaalgumensaioougrupode estudos. Mesmo nas horas mais movimentadas do dia, aquelealojamento nunca parecia um lugar animado. Movimentado talvez, masanimadonão.

Havia motivos para isso, como boatos assustadores sobre o queacontecia nos velhos tempos do Brookline, quando o lugar ainda era ummanicômio,enãomaisumprédiohistóricoemumcampuscompostoporprédios históricos. Até onde ele sabia, era quase tudo conversa fiada,historinhasdeDiadasBruxasparaassustar calourose candidatosaumavaganafaculdade.Elenãofazianemideiadoquepoderiahavernoporão,queeratrancadoachave.Asantiguidadesmaisvaliosaseosarquivosmais

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importantesjádeviamestarguardadosemumlugarmaisseguro,não?Calcomeçouaassobiarenquantodesciaasescadas,determinadoanão

arrastarseumauhumornoiteadentro.Aquiloeraparaserumcastigo,maseleencarariadeoutraforma.Casoseesforçasseumpouquinho,poderiaatéacabarsedivertindo, talvezdesencavandoumahistóriabacanaparaLarausar emumde seus trabalhos de arte. Boa parte deles eram sobre fatoshistóricosesquecidos.

Elechegouaotérreoecontinuoudescendo,passandoporumaentradaescura e sombria que nunca teve a curiosidade de atravessar. Algumasvozes chegavam até ele de um ponto mais à frente. Cal passou por umquadro de vidro com alguns recortes de jornais e em seguida virou àdireita,sendoobrigadoadeteropassosubitamenteparanãoesbarrarnascostasdealguém.

– Ah, nosso quinto integrante chegou – a professora Reyes esticou opescoçoparadesviarosolhosdabarreirahumanaparadadiantedeCal.

A barreira humana se virou, e Cal ficou paralisado, contorcendo osdedosdopé dentrodos docksides. EraDevon.O craquedo lacrosse comcorpo de deus grego. Devon Kurtwilder, ainda suado por causa do jogoimprovisadonogramado.

– Certo, então já estão todos aqui – a professora Reyes continuou.Estava toda vestidadepreto, e coberta comumxale damesma cor, comlantejoulas brilhantes. Haviamais de uma dezena de colares penduradosem seu pescoço. – Vamos descer, e enquanto isso eu vou explicando asregras.

–Asregras?–repetiuCal.Elenãoreconheceuasoutrasduasalunas,maspareciammaisvelhas,

talvezdoterceiroouquartoano.Seupaihaviacomentadoquesetratavade“umgrupodemuitasorte”,escolhidoadedopelaprofessoraparadesceraoporão e catalogar as coisas que encontrassem por lá. Era um comitêexploratório, segundo suas palavras, e parecia algo oficial e inteligentedemaisparaCaltersidoincluídoporseusprópriosméritos.Entãoeleerasóumacompanhantedeluxo.Quemaravilha.

Devono ignorou, estourandoumabolhade chiclete e se voltandodenovoparaaprofessora.Suacamisacheiravaagramafrescaesuor.

A professora enfiou amão emumdosmuitos bolsos de sua roupa e

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retirou de lá um enorme chaveiro que parecia um artefato saído deHogwarts. Ela observou cada um dos alunos com seus olhos escuros eatentos,balançandoacabeçadeformasolene.

– Existem regras para descer, Cal. As regras do porão. As regras doBrookline. O que vamos encontrar por lá não são apenas memórias epoeira. Existem instrumentos perigosos também, apesar de enferrujados.Por isso temos regras e, se você as seguir, não vamos ter problemanenhum.

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C aldetestouoporão.–Vocêscostumamdesceraquisempre?–murmurou.Parecia fundamental falar baixo, como se as sombras que se

espalhavam forado focoda lanternadaprofessorapudessemde repenteganharvida.

–Éumprocessodelicado,começaracatalogaresepararoqueexisteno Brookline – a professora Reyes explicou do pontomais adiante ondeestava. As paredes se estreitaram quando eles chegaram a uma segundaporta,comumajaneladevidroquedavaparaumaespéciedesaguão.Elausouuma chaveparadestrancá-la também. –Eu sóme sinto confortáveltrazendoosestudantesmaisqualificadosaqui.

Elenãodeixoudenotaraênfasepostanapalavraqualificados.Elanãopareceumuitoconvencidaaodizê-la.

–Deondevocêtirouessecalouro?–DevonKurtwilderquestionou.Eleestavalogoàfrente,eCalquaseesbarrouemsuascostasdenovo

quandoogrupoparouparaesperarqueeladestrancasseaoutraporta.–Segundanista–Calcorrigiu,irritado.– O sr. Erickson é... um caso especial. Por ora ele vai só observar e

aprenderalgumasdastécnicasdepreservaçãoqueusamos–aprofessoraReyesexplicou.–Umamentecuriosaésemprebem-vinda.

– Pff.Erickson – Devon se virou e o encarou com seus olhos verde-escuros.–Agoraentendi.

Calnemtentousedefender.Elesentiuumnónagarganta–porcausadapoeira,explicouasimesmo,nãodahumilhação.Aportaseabriucomumruídosecoerepentino,eCal teveumsobressalto.AprofessoraReyesmanteveaportaabertaparaasduasmeninaseparaDevon,massegurouCalpelocotovelodacamisaxadrezquandoelepassou.

–VocêteráqueaguentarumpoucooDevon–elasussurrou,masseus

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olhoseseutomdevoznãopareciamnadaamenos.–Ele,MariaeColleentiveramquepreencherdiversospré-requisitosparaparticipardoprimeirogrupo de preservação damemória do prédio. Como você poder ver, elesficaramumpouco...sentidos.

– Entendi – respondeu Cal, puxando o braço de volta. – E inclusiveconsigomecolocarnolugardeles.Ei,seissoservirparamelhoraroclimadogrupo,eupossovoltarláparacimasemproblemase...

–Boatentativa.Vamosandando.Estamosperdendotempoaqui.Os outros estudantes aguardavam no saguão, com o facho de suas

lanternas percorrendo as superfícies empoeiradas de escrivaninhas,mesinhasde canto e cadeiras abandonadas. Parecia queumvulcãohaviaentrado em erupção e coberto tudo com uma camada espessa de poeiracinzenta.OnarizdeCalestavacoçandoeseusolhoscomeçaramaarderporcausadoarviciado.

–MariaeColleenestãoacostumadasatrabalharjuntas,entãovocêvaificarcomDevonnoquartotrês.

Quarto três. Parecia uma instrução bem simples. Cal abriu umsorrisinho para seu novo parceiro de trabalho, mas Devon já estava nocorredor que saía do saguão. Cal teve que se apressar para ir atrás dele,semnenhumaluzqueoguiasse.

O quarto três era pequeno, pouco mais que uma cela, com umalumináriademetal penduradano tetoqueparecianão veruma lâmpadafaziatempo.Aúnicajaneladorecintoestavatãoempoeiradaquenenhumaluzpoderiaatravessá-la,nemdedia.Ovidroeracobertodegrades,ondeapoeira se acumulava emmontes de diferentes tamanhos. Era impossívelesquecerqueestavamemumporão–ofriodosubterrâneoatravessavaassolasgastasdeseussapatos,deixando-osgeladosdacabeçaaospés.

–Então–Devoncomeçouadizer,distraído,ajoelhandoaoladodeumavelhacamaenferrujada–asregras...

–Medesculpaporvocêteracabadopresoaquicomigo–disseCal.Eledeixouqueseusolhospasseassempelasparedesimundaseochão

encardido antes de se voltarem de novo para os ombros encolhidos deDevon.

Ooutroestudanteestavaremexendoemumabolsadecouro,deondetirouumcaderno,umacâmeraealgumascanetas,além

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deumpardeluvasbrancasdeborracha.– Só não encosta em nada, tá bom? Essa é a regra número um para

você.Devon tinha um sotaque bem forte de nova-iorquino, ainda que

amenizado pelo tempo passado longe de casa. Cal ficou em silêncio,observandoenquantoele rabiscavaalgumacoisanocaderno.EmseguidaDevon pegou a lanterna e ficou de pé, virando-se a tempo de revelar aprofessoraReyesaindaparadanaporta.Elaseajoelhoueposicionouumalâmpadaalimentadaabateriasobreumpardehastesdeplástico.Pareciaseralgousadoparailuminarcanteirosdeobrasànoite.

A lâmpada se acendeu, e Cal levou amão ao rosto, para proteger osolhosdobrilhorepentino.

–Boacaçada–disseaprofessoraReyes,dandoumaúltimaolhadaparaCalantesdedesaparecerdenovo.

Boa caçada. Como se alguma coisa boa pudesse surgir de um lugarcomoaquele.

– Ela estava falando comigo – Devon se apressou em esclarecer. Eleestavamaispróximodacama,removendoocobertorsemidestruídocomosdedosenluvados.–Vocêestáaquisóparaolhar,porenquanto.

– Obrigado, eu já tinha entendido da primeira vez – Cal cruzou osbraços,absorvendooolhardeaborrecimentoqueooutrolançouporcimadoombro.

–Ah,quebeleza.Umespertinho.Parafazeranotaçõesvocêserve,pelomenos?

– O que você quer que eu escreva? – Cal perguntou, pegando seucadernoeumacaneta.

Sete e cinco da noite, ele rabiscou.Preso em uma cela úmida com umgostosãoirritadinho.PQP.

–Avisoquando encontrar alguma coisa –murmurouDevon antesdeficardenovoemsilêncio,concentradoemsuatarefa.

Cal gostava muito mais dele daquele jeito. Alto, loiro, com os olhosverde-escuroseoqueixoquadrado...Nãoqueissofizessediferença.EstavanacaraqueDevonnãotinhaamenorchancedesergay.Pelasegundaveznaquela noite, ele sentiu a barreira invisível se erguer ao seu redor. Eleestavasempreolhandotudodefora,sóobservando.Ummeroobservador.

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Ora,quebelamerda.Cal se virou para a direita, afastando-se da inspeção rigorosa que

Devonfaziadacama.Olugarnãosetornounemumpoucomenossinistrodepoisde iluminado.A luzevidenciavaacordascoisas, transformandoomarromdasparedesemumtomdecinzadesbotado.Comoissopoderiaserconsideradoumaatividaderelacionadaapsicologia,enãoarqueologia?Oque eles estavamquerendo encontrar?Havia umamesinha encostada naparedeopostaàdacama,semnadasobresuasuperfície.Oquartoestavavazio,seráqueninguémtinhapercebido?

FoientãoqueCalnotoualgoquealâmpadahaviarevelado.Depoisdese certificar de queDevonnão estava olhando, ele chegoumais perto daparede.Oquechamousuaatençãoestavaatrásdamesinha,eeletevequeseagacharparaver,encolhendo-seaoladodeumadaspernasbambasdomóvel.

Erauma inscrição –umaúnica linha irregularde texto, entalhadanaparededecimento.

Fantasmas,fantasmasnassombras,fantasmasnaluz,eagoravoumetornarumtambém

Calficouolhandoparaaquiloporumtempo,quasesemperceberqueestavacomacanetaeocadernonamão,jácomeçandoacopiaraspalavras.A caneta semovia sobre o papel quase por vontade própria. E então elesentiuumalufadadearfriojuntoasuaorelhaesquerda,quelogodeulugaraumaausênciadefrio,oudecalor,oudequalquertemperaturaquefosse,comosetodooaraoseuredortivessesidosugado.

Ele sentiu algo. Bem ali. Bem ao lado de sua orelha, vindo de trás...Comosealguém tivesse se inclinadosobre seuombro,observandooqueestavaescrevendo.Suamãotremeu,eaúltimapalavrasaiutodatorta,comomfinalseesticandocomoseapróprialetrativesseseassustado.

–Olá.Cal ficou paralisado. Era a voz de um garotinho, suave e curiosa. Ele

virou a cabeça para o lado, e por uma fração de segundo viu o rosto domeninoaoseulado.Erabemnovinho–noveoudezanos–esuaexpressão

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erasimpática,mashaviaalgoerradocomsuacabeça,queestavaumtantodeformada,comoseeletivessesofridoumacidente.

–Vocêestáaquiparaajudar?Outambémécomoeles?Cal se afastou daquele rosto, daquela voz. Não era só sua mão que

estava fora de controle, era o corpo todo. Cal deu um pulo para trás nadireçãodaporta,batendoascostasnaparede.Eleprecisavasairdali.Mas,no instante em que se mexeu, o rostinho pálido desapareceu, e o calorincômododoquartovoltou.Aluzbrilhoucommaisforça,eDevon...Devonestavaolhandoparaele.

–Vocêdissealgumacoisa?–murmurouCal.Aquelerosto...Aquelacoisa...Nãoestavamaislá,certo?Ounaverdade

nunca esteve. Ele esquadrinhou o quarto com os olhos,mas tudo estavacomoantes.

– Que foi? Você mexeu em alguma coisa? – Devon ficou de pé, secolocandoaoladodele.–Eudisseparavocênãomexeremnada!

–Eunãomexi!–Calfoiandandonadireçãodaporta,quasetropeçandonalâmpada.–Euouvi...vocênãodissenadamesmo?Nãoénadalegalfazerissocomigo,cara.Ébemassustadoraqui!

–Professora!– soltandoumsuspiro,Devonpôsasmãosnacinturaesacudiuacabeça.–Onovatoestáassustado.Émelhorelesairdaquiantesqueacabesurtando.

Parecia uma ótima ideia. Cal saiu porta afora, entrando no corredorcompassosapressados.Issonãoajudouemnada.Elenemsabiamaiscomoerarespirararfresco.Pelomenosestavaconseguindosentirsuasmãosdenovo, e seus pés, apesar de não conseguir se livrar da sensação de queaquele garotinho estava por perto, de olho nele. Observando-o enquantoele tentava guardar o caderno e a caneta. Observando-o enquanto eleatravessavaocorredornadireçãodaprofessoraReyes,queoencaravacomatestafranzida.

– Isso é alguma gracinha sua para sair mais cedo? – ela perguntou,chegandopertodemaisparaogostodele.–Estoutentandoajudarvocê,Cal.Tentandoserpacienteecolaborarcomseupai...

– Não é gracinha nenhuma – respondeu Cal. Ela não notou que eleestavapálido?Ele estava se sentindo pálido. – Eu ouvi alguma coisa. E viumapessoa.

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A expressão da professora se amenizou, e ela o segurou pelo braço,conduzindo-odevoltaparaosaguão.

–Vocêpareceestarbemabalado.Tudobem,podesairmaiscedohoje.Vátomarumar,Cal.Desceraquipodeserumaexperiênciabemintensa.Sóprecisorevistarsuamochilaprimeiro.

–Tudobem.Podepegar–eleestendeuamãocomamochilaparaela.Desdequeeusaialogodaqui.

Calobservouenquantoelaremexeuemsuamochila,abriuseucaderno,fezumapausaeoguardoudevolta.Elasegurouamochilacomforçaeadevolveuparaele.

Do outro lado do corredor, ele ouviu o barulho de uma porta seabrindo. Quando se virou, viu o facho de uma lanterna se aproximar,oscilandopelo corredor.Eraumadasmeninas.Elaveio correndoemsuadireção,ofegante,afastandooscabeloscastanhosdosolhos.

–Professora–elafalou,olhandonervosamenteparaCaledenovoparaReyes.–Noescritório...Achomelhorvocêvirver.

Osolhospretosdaprofessorabrilharamnasemipenumbradocorredoreelaodispensoucomumgesto.

–Vocêjápodeir,Cal.Vátomarumar,conversarcomseusamigos.Mastratedepôr a cabeçano lugar, porquevai terquevir denovo amanhã ànoite.

Quandoelevoltouasemover,elajáestavadesparecendodooutroladodocorredor.

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E letentoudetudoparaconseguirdormir.Micahnãovoltouparaoquartonaquelanoite,entãoCalpôdedeixaro

abajurdaescrivaninhaacesoduranteamadrugada.Elenãoconseguianemfecharos olhos semver o rostodaquele garotinhopairandodiantede si.Quandoseviravadelado,suascostasdoíam;quandosedeitavadecostas,seupescoçodoía...Oqueestavaacontecendocomele?Calnãoacreditavaemfantasmas,assombraçõesnemnadadotipo.Maseletinhavistoalgo.Eouvidotambém.Nãoacreditarnissoeranãoacreditaremsimesmo.

Cal saiu da cama, foi até o frigobar e ficou remexendo lá dentro atéencontrarumagarrafapequenadevodcabemnofundo.Elevirouabebidadeumavez,babandoelimpandooqueixocomamão,eemseguidajogouagarrafa emuma embalagemde comida chinesa perto da pia. Pelomenoserareciclável.

Quandovoltouparaacama,suacabeçanãoestavanemumpoucomaisleve.Elefechouosolhos.Não.Omeninoestavadevolta,observando-ocomolhos nada ameaçadores, mas curiosos, o que por algum motivo pareciaaindapior.

O pulso de Cal se recusava a desacelerar. Ele se lembrou de ter sesentidoassimnaúltima semanado semestre anterior, quandoestava tãoestressadoepressionadoquedesistiudedormir.Ficavasódeitadonacamacom a mão sobre o peito, sentindo o coração disparado, incapaz de seacalmar, incapazdedesligarseucérebro.Eleestavaassimoutravez,comaquelasensaçãoterríveldenãotercontrolesobreseucorpoousuamente.

Elesesentou,decididoausaraquelaenergianervosapara lere fazeranotações.Masnãoconseguiuseconcentrar.Porfim,desistiuetirouogibideFallondamochila.Ficouolhandoparaaspáginasatécomeçarasonhar.

Omenino estava em seu sonho, como um vulto branco e azul que oseguia.

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–Vocêestáaquiparaajudar?–ogarotinhoperguntou.Elesestavamdemãosdadas,andandopelocaminhodecimentoque ligavaoBrooklineaocampus.Calconseguiaverqueestavasegurandoamãodogaroto,masnãosentiaseutoque,seucalor...–Outambémécomoeles?

Cal não conseguia responder. Ele não era capaz de controlar suasreaçõesnosonhoe,mesmoque fosse,nãosaberiaoquedizer.Omeninoapontou para os prédios ao redor, que compunham a parte central docampus.Estavatudoempretoebranco,destruído,osedifíciossedesfaziamempartículas,comoseestivessemsedesmanchandopoucoapouco.Alémdisso,estavamdecabeçaparabaixo,comostelhadoscravadosnogramadodesbotado.

–Existemsempreduasmortes–continuouomenino–,arealeaquelaqueaspessoasconhecem.

Quando Cal tentava olhar para ele com mais atenção, o meninodesviava o olhar, às vezes contorcendo o corpo de forma pouco natural,revelandoavisãofugazqueCaltevenoquartotrês.

Orestantedeseucorpoerasóumvulto.– Tem um... um homem associado aos Bandar – disse o menino,

apontando para Cal. – Não um homem, na verdade um espectro! Umfantasma!Umfantasmaquenãomorre,quetemséculosdeidade...

Calolhouparaoprópriocorpo.Eleestavausandoumcollantroxo.Comoassim?–Elaencontrouumacoisa–avozdomeninoeraagudacomoodeuma

criança qualquer, mas com um tom vazio e carregado de tristeza. – Elaencontrou a chave, ela o encontrou, e agora eles nunca vão embora. Nósnuncavamosembora,vamosafundartodosjuntos.

O menino parou e o encarou atentamente. Seus olhos eram doisburacosescurosquesangravam.

–Vocêestáaquiparaajudar?Outambémécomoeles?

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–Cal? – talvez ele ainda estivesse sonhando. Alguém o sacudia peloombrocomforça.–Cal!Minhanossa.Acorda,Cal.Estáderessacade

novo?– Não. Cala a boca – Cal grunhiu, rolando para ficar de barriga para

cima e afastarMicah. – É que... Não dormi bem. Estou estressado. Rogerestánaminhacoladenovo.

–Me lembra de comprar um solvente para ele, então –Micah falou,rindoesedirigindoaoseuladodoquarto.

Ele se sentou à escrivaninha e observou enquantoCal lutava para selevantar.

Calesfregouosolhos inchadosepegouocopod’águaquecostumavadeixarnocriado-mudo.Estavavazio.Elesoltouumpalavrãoeobateudevoltanomóvel.

– Pode entregar para ele da próxima vez que tiverem uma de suasconversinhas–Calresmungou.

–Doquevocêestá falando?–Micahquestionou,se inclinandoparaafrentenacadeira.

Ele tirouosóculos,quecomeçoua limparnabarradacamisetapolo.Eleestavatentandodeixarcrescerumcavanhaque?IssosópodiasercoisadeLara.

–EuvivocêeRogernogramadooutrodia–contouCal.Eleselevantoudacamacomcuidado, levandoocopoatéapiaparaenchercomáguadatorneira.–Aconversaerasobrealgumacoisaemparticular?Comoofilhoinútilqueeletem?

Micah deu risada e pôs de novo os óculos. O cavanhaque o deixavamesmo diferente, mais parecido com o cara durão que Lara certamentegostariaqueelefosse.

– Ao contrário do que possa parecer, Cal, o mundo não gira ao seu

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redor. A gente estava conversando sobre um programa que ele querimplantar.Parecequetemumpessoalarrumandoencrencacomos locaisforadocampus.Elequerqueeufalecomelessobreminhasexperiênciasnoreformatório.

–Queengraçado,elenãopediuparaeucompareceràsuapalestra.– Provavelmente porque quer ajudar você pessoalmente – Micah

rebateu.Calpercebeuotomdevozexasperadodeseuamigo.–Vocêsabequeeunãosou fãdoRoger,mas,deondeeuvenho,seoseupaiestáemcondiçõesdeajudar,vocêaceitaaajudaeficaquieto.

–Deondevocêvem,aspessoascomem jacarés, entãoeu tenhobonsmotivosparanãoaceitarseusconselhos.

Micahergueuasmãosemumgestoderendição.–Vocêéquesabe,cara.Sóachoquevocêestáentendendotudoerrado.

VêseaceitaaajudadoRoger.Sevocê fizeroqueelequer,vai ficar tudobementrevocês.

OtelefonedeCalvibrouemcimadaescrivaninha.Fazendoumacareta,eleoapanhou,jásabendodeantemãodequemeraamensagem.

–Porfalarnodiabo–eleresmungou.–Roger?–Quemmaisseria?–eleesfregouastêmporaseapertouonarizentre

osolhos.Em seguida, lembrou que esse era um dos tiques de Roger, e

interrompeuogesto.–Você sabequeeleestápreocupado,né?–disseMicah,masCalnão

estava escutando de verdade. – Lara e eu também. Você pode conversarcomagentesequiser.

–Certo–respondeuCal.–Beleza.Valeu.

Naminhasala.Agora.Seiquevocêsótemaulaàtarde,entãonadadedesculpas.

–Seguireioseuconselhodessavez–acrescentou,distraído.Ele não faria isso, claro, mas era bom saber que havia quem se

preocupassecomseubem-estar.

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Cal arrumou sua mochila para o dia de aula e saiu andando pelocampus.PrimeiroeleiriaatéasaladeRoger,emseguidairiaparaaauladeEconometria Elementar, de que ele até gostava. Depois disso, almoço, edepoisamalditaauladeMicroeconomiaIntermediária.Paraencerrar,umaaula particular com Fallon. Pelo menos ele estaria ocupado, o que oajudariaaparardepensarnoqueaconteceunanoiteanterior.

AsaladeRogerficavanaconstruçãomaisbonitadocampus,oMiddleCollege, umamansão do século XIX perto do PavilhãoWilfurd. As portaseram adornadas por bandeiras com temas acadêmicos e ficavam sempreabertas quando o tempo estava bom. O sino da capela tinha acabado detocarquandoCal atravessou correndoa entradadepedra.Umaduplademeninasdoúltimoanopassouporele,deixandoatrásdesiumcheirofortedecafé.

A iluminação lá dentro parecia cavernosa em comparação com o solabundantenogramado.Painéisdemadeiraescuracobriamasparedesdoandarsuperior,adornadoscomretratosdosantigosreitoresatéaentradado corredor que levava aos escritórios. O de Roger era o terceiro, comnome na porta e tudo. Algumas das outras portas eram decoradas comadesivos da faculdade ou recortes de jornal, mas a de Roger era lisa eaustera.

Calbateu,sentindoonónoestômagohabitual.–Entre.Respire fundo. Você consegue. Fez a aula particular, foi ajudar a

professoraReyes.Estáfazendosuaparte.Estáfazendosuaparte.

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R ogerestavasentadonabeiradadesuaenormemesademogno,comopé estranhamente solto no ar, exibindo uma parte da meia social

vermelha. Terno cinza risca de giz. Lenço no bolso. Ele devia ter algumareunião importante marcada. Ficou observando Cal por um momento,apertandooslábiosantesderelaxardenovo.

–Vocêestádeprimido?Calpiscoualgumasvezes,confuso.–Quê?Seilá.Achoquesim.Equemnãoestá?EssanãoeraarespostaqueRogerqueria.Elepegouumafolhadepapel

decimadamesa.Suasalaeratãodesprovidadepersonalidadequantosuaporta – o vazio das paredes só era quebrado por alguns pôsteres dafaculdade, provavelmente colocados por umdos funcionários, e não pelopróprioRoger.

–Recebiume-maildaprofessoraReyes–anunciouRoger,sacudindoopapel. Cal engoliu em seco. – Ela disse que você apareceu na horacombinada, o que ébom,mas “ficou agitado equis sairmais cedo”.Vocêpodeseexplicar?

–Sériomesmoquevocêprecisavaimprimirisso?–questionouCal.– Eu não vou entrar nesse tipo de discussão hoje. Simplesmenteme

recuso–elepôsopapeldevoltanamesaelargouasmãossobreocolo.–Oquevocêquer,Cal?

Nãoeraumaperguntacapciosanemnadadotipo.–Oquevocêquer?–Rogerrepetiu,estreitandoosolhos.–Seiquenão

é me fazer feliz, isso está na cara. Não sei se tudo isso é por causa dodivórcio,oudasuacrisede identidade, ou simplesmenteporquevocênãotemambiçãonemfoco,masprecisosaberoquevocêquer.Pensebememeresponda.Oquevocêquer?

Calseremexeunacadeira,olhandoparaseusdocksides.Seriamelhor

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seRoger tivesse gritado, ou lhedadooutro tapa. Elenão sabia lidar comesseladodoseupai.

–Eu...Eunãoseioquequero,tábom?–Opior é que, fosse o que fosse, você conseguiria ter – disseRoger,

com um tom de desânimo. – Nós temos como conseguir.Eu tenho comoprovidenciar.

Rogerficoudepé,pegandooe-maildaprofessoraReyeseumacanetatinteiro de cima da mesa. Ele estendeu a mão para Cal, e esperoupacientementequeelepegasseopapeleacaneta.

–Porescrito,então.Escrevaoquevocêquer,Cal.–Comoassim,agora?–Sim,agora.Minhanossa,quesituaçãoembaraçosa.Calpegouopapeleacanetae,

quandobateuosolhosnoe-mail,nãoconseguiudeixardenotarumafraseemespecial:Sequerqueseufilhoacorde,vocêsabeoquefazer.

Todomundoachavamesmoqueelenãotinhamaisjeito?Deseupontodevista,suavidanãoparecia tãoruim,mastalvezelenão fosseapessoamaisindicadaparadizerisso.Fossecomofosse,eraumaboaoportunidadeparatirarumsarrodeRoger,quesópoderiaestarmalucosepensavaquepodiasimplesmentedescobriremumpassedemágicaoqueCalqueriadavida. Engolindo em seco, ele estendeu a mão e tentou escrever a sério,ficandosurpresocomafacilidadecomqueaspalavrascomeçaramafluir.Queromeusamigosdevolta.QueroqueDevonKurtwilderrepareemmim.

Nãoqueromaisseralguémquesóestragatudo.Ele estremeceu. Talvez não tivesse sido uma boa ideia. Ele queria

mesmo que Roger soubesse alguma coisa sobre como se sentia? Rogerpegou a caneta e o papel e soltou um grunhido baixinho ao ler. QuandoolhouparaCal,pelomenosnãoestavafazendocarafeia.

–Issomedáesperança,Cal.–Eunãopossodizeromesmo.Seupaisoltouumarisadinhaeguardouopapelemumdosbolsosdo

paletó.–OquevocêestáachandodeFallonBrandt?–Hã?–foiumamudançadeassuntobembrusca.–Ameninadasaulas

particulares?

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–Sim,aFallon.Oquevocêachoudela?–Rogerseaprumounamesaoutravez,observandoCalatentamente.

Seja diplomático, seja diplomático, mesmo que seja para dar uma deMicah.

–Elaé...legal,acho.Pareceinteligente.Gosteidela.Ondeessaconversavaiparar?– É umameninameio estranha, não acha?Não gosto nemumpouco

dela. Vive burlando as redes de segurança da faculdade e bisbilhotando.Nãodevesernada,masnãopodemossubestimaressetipodecoisa–Rogerajeitouagravata,eaalisoucomasduasmãos.–Elaéumahacker,Cal.Éencrencacerta.Estáfuçandonosarquivosdafaculdadesópordiversão,eeunãoestougostandonadadisso.

Seutomdevozvoltouaficargelado.Calseinterrompeualgumasvezesantesdeenfimresponder:–Nãoentendi.Foivocêquememandouatéela.Penseiquefossepara

meajudarnomeutrabalhodeliteratura.–Sim,quandopossíveleusempreprefiromatardoiscoelhoscomuma

cajadada só – confirmou Roger, abrindo um sorrisinho. – Mas agora eutenhoisso–eleacrescentou,batendonobolsoondeguardouaspalavrasdeCal.–Entãoagoraoplanoéoseguinte:vocêfazumacoisaparamim,enósprovidenciamosoquevocêquer.

Nós?Cal deu risada. Só podia ser brincadeira, era uma situação absurda

demais.Desdequandoseupaiestavainteressadonoqueelequeria,emvezdeobrigá-loaobedecerasuasordens?

– A não ser que você tenha uma forma de controlar a mente daspessoas,issovaisermeiodifícil.

Rogersorriueseinclinousobreamesaparaabrirumagavetadooutrolado. Depois de um momento, tirou lá de dentro um objeto pequeno ereluzente, com uma superfície esverdeada que refletia a luz que entravapelajaneladasala.

–Estamosemumaencruzilhadaaqui,Cal –disseRoger, encarando-ocomumolharestranho.Quandoolhouparaseupai,Calnãoconseguiusereconhecernele.Elenãoconheciaaquelehomem.–Pegueistoaquieplanteemalgum lugardoquartodela.Se fizer isso,ascoisasvãoserdiferentes.

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Melhores.Euprometo.Cal caminhou de um lado para o outro sobre o chão acarpetado,

hesitante. Ele viu o cilindro de vidro na mão de seu pai, e seu coraçãodisparou.Eraumcachimbo,enãodotipoqueerafeitoparafumartabaco.Se pusesse aquilo no quarto de Fallon, ela teria uma encrenca séria nasmãos...

– Ela já tem duas advertências por burlar a rede de segurança dafaculdade– continuouRoger, estendendoo cachimbo.Cal olhoupara ele,sentindo sua mão coçar. – Se for pega de novo, ela deixa de ser umproblema.

–Umproblema?Éassimquevocêresolveseusproblemas?Roger,eunãoqueroqueelasejaexpulsaporminhacausa–elerebateu,sesentindoingênuo,infantil.–Elapareceserlegal.

–Claroqueparece, Cal. Edeve terparecido aindamais legal quandopediusuaajudaparainvadirmeucomputador.

CalhesitoueRogerabriuumsorrisinhoprepotente.–Comoeupensei.Elaéencrenca certa.Eaúltimacoisadequevocê

precisaédemaisencrenca–Cal fechouosdedosem tornodocachimbo,mas Roger não o soltou. – Então estou pedindo com educação,mas comfirmeza, para você vir para o outro lado. Se quisermesmo fazer o que émelhorparavocêeasrta.Legalzinha,comcertezavaidizersim.

Elesoltouocachimbo,eCaldeuumpassoatrás.SeusolhossevoltaramparaobolsodeRoger,ondeestavasualistadedesejos.

– E se eu não fizer isso? – ele murmurou. Seus lábios estavamdolorosamenteressecados.

–Existemoutraspessoasquenomomentoestãodoladocerto,masquepodem acabar se encrencando rapidinho – seu tomnão eramais gelado.Quando sevirououtravezpara seupai, Cal viu seusolhos emchamas. –Micah,porexemplo.

Calapertouocachimbocomforça.– Ele passou algunsmeses no reformatório por roubo... e daí?Não é

nadademais.Issonãoémotivoparaexpulsarninguém.–Roubo?–Rogerjogouacabeçaparatrásecaiunagargalhada.–Foi

issoqueelecontou?–suarisadalogoesmoreceu,eseurostoreassumiuaexpressãoimplacável.–Vocêéaindamaisperdidodoqueeuimaginava.

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Rogerparoudefalar,masCalserecusouadaraeleasatisfaçãodeumpedidodeexplicações.

–Tudobem–elerespondeu.–Voufazerascoisasdoseujeitoentão...SónãoqueroprejudicardemaisavidadaFallon.

Roger o dispensou comumgesto, virando-se para pegar a caneca decafénamesa.Seusorrisoestavadevolta,comoseaquelaconversativessesidoumatransaçãocorriqueira.

– Se preocupe apenas em cumprir a sua parte do acordo, e eu meencarregodaminha–elerespondeu,batendocomodedona listadentrodobolso.

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Meu velho e gordo pai faz parte da máfia universitária, Cal pensouenquantosearrastavapelocampusatéoquartodeFallon.Duranteo

dia todo, o cachimbo ficou pesando em seu bolso como uma âncora, umlembreteincômododoqueeleprecisavafazer.

ElenemconheciaFallon,claro,maselapareciaserboagente.Nãoerado tipo comquemele costumava fazer amizade,mas issonão significavaque devesse ser expulsa da faculdade. Ele conseguiu absorver algumascoisasqueela falousobreo livro,eatépegouumgibiemprestadodesuaestante.

Aliás,eleacabouesquecendoogibiemseuquarto.Droga.Eleprecisavaencontrarumjeitodedevolverantesqueumbedelencontrasseocachimbonoquartodela.

Elepassoupelascasasdasfraternidadeseirmandadesespalhadaspelarua que levava aos alojamentos. Cal viu a luz se acender dentro dafraternidade Sig Tau, que ocupava uma casa em um estilo vitorianotenebroso,comquatrocolunasbrancaseumafachadadepedra.

DevonprovavelmenteestavaládentrojogandoXBoxcomseuscolegasde fraternidade, contando sobre o novato que se apavorou no porão doBrooklinecomoumbebezão.

AlgumacoisaroçouopulsodeCal.Eleolhouparabaixo,esperandoverumateiadearanhaouumaplanta,maseraomalditogarotinho,sorrindoparaele.

Omeninoestavasegurandosuamão.Calsoltouumsuspirodesustoeafastouseusdedosdealgoqueparecia

serabsolutamentenada.Oespectrodogarotinhodesapareceu,deixandoparatrásumsoprofrio

emsuapele.Minhanossa,eeleprecisariavoltarparaaqueleporãoem–eledeuumaolhadanorelógio–apenastrêshoras.

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MasantesdissohaviaFallon.CalapertouopassoparachegaratéoJeffrey.Eleusouaentradamais

próxima, passando por um cara que fumava na porta e não facilitou emnadasuapassagem.

Havia elevadores no saguão principal, mas Cal decidiu ir de escada.Seus passos ecoaram pelos três andares, e uma música suave escapavapelasparedes.Alguémestavapraticandoviolinoemumdosquartos.

Ele bateu na porta do quarto de Fallon logo abaixo do quadro derecados. Ele viu que alguém tinha deixado uma mensagem com canetamarca-textoverde.Oi,Fal,passeiporaqui.Saudade,gata.Dáumaolhadanosubreddit,ok?Holly

E,acimadisso,haviaumaviso:Entradapermitidaapenasparafarra.Calbateudenovo,chegandomaispertodaporta.–Eunãovimcairnafarra,masagentetinhaumaaulamarcada.Ele ouviu o trinco ser destravado, e a porta se abriu um segundo

depois. Fallon não o cumprimentou, então ele foi entrando, soltando umsuspiroedeixandoamochilacairsobreobraço.Aquelacoisadeviaestarpesandounsvintequiloscomtantoslivrosládentro.

Oquarto estava comum cheiro forte de incenso, o que era proibido,masCaljásabiaqueaquelagarotanãotinhaomenorinteresseemcumprirregras.

–Sândalo?–eleperguntou,apontandocomoqueixoparaopalitinhomarrom que queimava perto da janela aberta. Ela usou uma lata derefrigerante vazia como porta-incenso. – Está tentando esconder algumacoisa?

–Tipooquê?–Fallonperguntoucomumaexpressãovazia.–Esquece.Elajáhaviaabertooslivroseoscadernosparaosdoisestudarem.Cal

sejuntouaelanaescrivaninha,sentando-secomumgrunhido.–Teveumdiadifícil?–elaperguntou.Estavausandoumvestidodeverãoazul-escuroporcimadeumacalça

leggingestampada,eumcolardecotademalhaemvezdeumbracelete.–Vocênãofazideia–CalpegouseuexemplardeVastomardesargaços

eseucaderno,equandoabriudeudecaracomamensagem.

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Fantasmas,fantasmasnassombras,fantasmasnaluz,eagoravoumetornarumtambém

Elefechouocadernoeoescondeudebaixodosbraços.–Vocêpareceestarmeiotenso.Querumacerveja?–elaofereceu,jáse

encaminhandoparaofrigobar.–Temcertezadequeissonãovaiatrapalhar?Fallonencolheuosombros,bagunçandoaindamaisoscabelossoltos.–Meutrabalhoaquiégarantirquevocênãobombeemliteratura.Não

precisofiscalizaroquebebe.Eutomoumacomvocê.Paredesersimpática,vocêsóestádificultandoascoisas.–Conseguiumbomcomeçoparaomeutrabalhoontemànoite–Cal

mentiu, abrindo sua cerveja. Estava bem gelada e, ele era obrigado aadmitir,ajudouaconterofrionabarrigaquesentia.–Obrigado.Achoquevocêestámeajudando.

–Milagresacontecem–elabrincou,erguendosua lataemumbrinde.Em seguida ela começou a folhear seu exemplar do livro, procurando olocalondehaviamparado.–Seupaicontinuapegandonoseupé?

MaisperguntassobreRoger.Talvezseupai tivesserazãosobreela, esuaatitudeamigávelfossesófingimento.Calencolheuosombros,olhandoao redor do quarto, procurando por um lugar para esconder seucontrabando.

–SabeaqueleporãodoBrookline?Dandomaisumgolenacerveja,Fallonbalançouacabeçaepegouuma

caneta,batucandonolivroabertodiantedesi.–Vocêtevequedesceratélá,né?Comofoi?–Nojento.Empoeirado.Deprimente.–Nãoéumbom lugarparadarunsamassos?–Fallonsorriueabriu

sua lata, produzindo o ruído bem característico. – Então vou riscar daminhalista.

Calficouvermelho.–Ah,eu...nãofaçoissocomgarotas.–Eeunãofaçoissocomgarotos–eladeuumapiscadinhaamistosa,eo

frionabarrigadelevoltou.

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Ele precisava se distrair, caso contrário ia acabar contando sobre osplanosdeseupai.

– Tem uma parte do livro que gostei bastante... – Cal reviroufreneticamentesuasanotações.–Essafrase:“Existemsempreduasmortes,arealeaquelaqueaspessoasconhecem”.

Fallonbalançouacabeça,eseusolhosazuispareceramdistantes.– Ah, sim. A minha favorita sempre foi: “Espante a lua, recolha as

estrelas.Amornoescuro,poisaescuridãoviráembreve,muitoembreve”.–Vocêsabedecor?–Calquestionou,impressionado.Elaestremeceuevoltousuaatençãoparaolivro.–Algumascoisasficammarcadasnanossamente,sabe?Calpassouamãoemseucaderno.Elesabiamuitobemdisso.Ele enfiou a mão no bolso e posicionou o cachimbo um pouco mais

longe de seu alcance. Aquilo permaneceria escondido, como deveria, eFalloncontinuarianoNHC,ondedeveria.

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C al estava orgulhoso por só ter precisado demais duas cervejas paracriarcoragemdemanterseucompromissocomaprofessoraReyese

os demais. Ele chegou no horário, e bem disposto, levando sua próprialanterna.

Hojeeunãovoumexeremnadanemolharcomatençãoparanada,eleprometeu a si mesmo. Vou ficar parado observando o que Devon estáfazendo–oquenãoéumamaneiranadaruimdepassarotempo–emaisnada.

O problema era que faltava uma pessoa quando ele chegou – ejustamenteDevon.

Erasóumacoincidência,elegarantiuasimesmo.Devoneraumatleta–devia terdistendidoummúsculona academia, ou levadoumapancadaemumtreino.

–Onde está oDevon? – ele perguntou, enfiando asmãos nos bolsos,olhandoparaasgarotasedepoisparaaprofaReyes.

Cal deixou o cachimbo no quarto, trancado em um cofre debaixo dacama.

– Infelizmente, parece que Devon não vem – a professora Reyeslamentoucomumsuspiro–e,comovocêestavasobsupervisãodele,estádispensadoporhoje,sr.Erickson.

–Ah–elerespondeusemsealterar.–Quepena.–Sim.Dáparaverquevocêestáarrasado.–Euvounessa,então...–Esperovocêamanhã,nohoráriode sempre–aprofessorapegouo

chaveiroedeuascostasparaele.–Meninas,hojeeuquerocomeçarpeloescritório. Se encontraremmais algumamenção aomenino, tragam paramim.Nãoprecisamtirarcópiadenada,tragamooriginalmesmo.

Cal só soltou seu suspiro de alívio depois de começar a subir as

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escadas. A ausência injustificada de Devon era estranha, masprovavelmentenãoeranada.OalíviodeCal,porém,sódurouatéelevoltaraoquarto.

Davaparaouviracomoçãodooutroladodaporta.–IssoéMENTIRA.Micah.Elenãogrita.Elenuncaelevaotomdevoz.Issoera...–Quemcontouparavocê?–elegritououtravez.–Quemfoi?!Cal abriu a porta com cautela, temeroso de que algo voasse em sua

direçãocasoentrassedeformasúbitademais.Seucolegadequartoestavaandandodeumladoparaooutro,segurandoocelularcomforçanamão,comosequisesseesmigalharoaparelho.

– Não dava nem para dizer pessoalmente? Precisava mandar umaporradeumamensagemdetexto?

Calouviuumavozagudaefrenéticadooutroladodalinha.Umavozdemulher. Ele entrou no quarto, sentindo seu pulso se acelerar ao se darconta do que estava acontecendo. Eles estavam brigando, rompendo orelacionamentodenovo,porémmaiscedodoqueeleimaginava.Emgeralcostumavaduraralgumassemanas...

– Eu não soumais essa pessoa –Micah falou, umpoucomais calmo,mas ainda ofegante e desesperado, comoCal nunca tinha visto. – Eu nãosoumaisessapessoa.

Por fim, Micah notou a presença de Cal, e o encarou com o rostomolhadodelágrimas.

–Estátudobem?–Calperguntoubaixinho.– Preciso desligar –Micah falou ao telefone, e atirou o aparelho com

forçanacama.Otelefonequicounocolchãoeparouemcimadotravesseiro.–Elaterminoucomigo–eleanunciouemumsussurro,olhandoparao

chãocomosenuncativessevistoaquelepisoantes.–Denovo.Namanhãseguinte,ocavanhaquetinhasumido.

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TEstoudecepcionado,Cal.

rêspalavrassimples.OsdedosdeCalpairavamsobreotelefone,masele não sabia como responder. Não havia plantado o cachimbo, e só

restava torcer para que Roger não estivesse falando sério sobre o queaconteceriacasoelefalhasse.

Sóprecisodemaistempo,Calenfimrespondeu.Eramentira.Elenãoiafazernada.Dealgumaforma,precisavadarum

jeito na situação. Teria que ir até a sala de Roger e desfazer o acordo,prometersecomportarmelhor,melhorardeverdadesemnenhumtipodesubornoouameaça.

O que quer que estivesse acontecendo entre Fallon e Roger, isso eraproblemadeles.E,deverdade,eledesejavatodaasorteparaFallon.Talvezela conseguisse alguma coisa nos e-mails de Roger que o pusesse nadefensiva.

Calpôsocelularsobreacama.Osoldamanhãcomeçavaaseinsinuarentreascortinas,eelepôsamãosobreumpedaçodocolchão iluminadopelos raios solares, sentindo o calor em sua pele – uma sensação bemdiferentedotoquedogarotoemsuamão.

Eleestremeceu.Osonhotinhaserepetido.Dessavezomeninoestavacom ele no Brookline, conduzindo-o até a porta que só podia ser abertacomaschavesdaprofessora.

– Vá em frente – o menino falou, apontando para a porta. – Vá emfrente,fantasmaqueanda,váemfrente.

Isso era tudo que Cal conseguia lembrar. Ele cumpriu sua rotinamatinal de forma meio desordenada, saindo sem escovar os dentesenquanto Micah ainda ressonava na cama. Cal mandou uma mensagemparaLaraperguntandoseelaestavabemerecebeuumarespostaimediata,

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apesardenegativa.Eletinhaseusamigosdevolta,masnãodamaneiracomogostaria.Suasaulasnaquelediaerampoucas,oqueerabom,considerandosua

dificuldadeemsemanteracordadomesmodepoisdebeberumenergético.Depois da última aula, ele tinha seu último horáriomarcado com Fallonantesdeentregarotrabalhosobreolivro.

Atravessou correndo a rua das fraternidades e irmandades até oalojamentodeFallon.Asnuvensescurasquevinhamse juntandodurantetodo o dia pareciam prestes a se romper, e ele não queria chegar lámolhado,alémdeexausto,confusoeestressado.

Eleverificouumaúnicavezantesdesubir,eficousurpresoaonãovernenhumareaçãoirritadadeRogerasuamensagemdetexto.Rogernãoeradotipoqueaceitavaofracassoemsilêncio.

Franzindoatesta,Caldesviouosolhosdocelulareviuquenãoeraoúnico visitante de Fallon. Uma menina baixinha de cabelo azul estavaparadadiantedaporta.Um ladode sua cabeça era raspado, e o restantedoscabelosestavapresoemumrabodecavalosobreanuca.Acamisetaqueusavaeragrandeelargademais,mostrandoosutiãrosaderendaporbaixo.

ElasevirouemediuCaldecimaabaixo.–Quefoi,bonitinho?VeioatrásdaFaltambém?–Eufaçoaulaparticularcomela–elerespondeu,franzindooslábios.–

Quemquersaber?–Holliday–elaestendeuamão.Detãoclara,suapeleeraquasetransparente.Haviaumanelemcada

umdeseusdedos.Umdelesinclusivepareciaterumcompartimentoondeelapodiaescondercoisas.

–Cal–elerespondeuenquantoapertavasuamão,sentindoseusdedosfrioscomogelo.–AFallonnãoestá?

– Não. Não está respondendo e-mails, nem atendendo ao telefone –Hollidayestremeceudeleve,pondoamãoespalmadanaportadeFallon.–Falnãofazessetipodecoisa.Elanãoseisolaassim,nãosemfalarcomigoprimeiro.

Ai,merda.–Elapodeterficadopresanaaula–Calsugeriu.–Osinaldocelularé

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umaporcariadentrodasclasses.– É uma porcaria aqui também, mas o telefone dela é modificado.

Enfim,eunemseiporqueestou falando issoparavocê,bonitinho.Sómeavisaseencontrarcomela,certo?

Hollidayopuxoupelobraço comuma força surpreendente, e anotouseutelefonenoantebraçodelecomumacanetapreta.

– Ei – ele puxou o braço de volta. – Você podia ter pedido minhapermissãoprimeiro.

– Sei. Então, se ficar sabendo de alguma coisa, me manda umamensagem–HollidayseafastoueolhouparaaportadeFallonumaúltimavezantesdesairandandopelocorredor.

Seeuficarsabendodealgumacoisa.Esenaverdadeeujásouber?CalquasemandouumamensagemparaRogeravisandoque suaaula

particular teve que ser cancelada, na esperança de obter uma reação desurpresa.Noentanto, ele tinhauma forte suspeitadequeRoger já sabia.Quehaviaencontradooutramaneiraderesolverseuproblema.

Não,não,não.Issonãopodiaestaracontecendo.

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C al não voltou direto para o Brookline. Ele ficou perambulando pelocampus, torcendopara que a situação se resolvesse sozinha e Fallon

aparecesse,explicandoquetinhacaídonosononabiblioteca,ouentãoqueestavanaacademia.Nofim,Calacabouvoltandoparaoquarto,depoisdese convencer de que estava sendo paranoico e de que havia inúmerasexplicaçõesperfeitamentelógicassobreoparadeirodela.

Quandoseutelefoneenfimvibrou,umahoramais tarde,amensagemnãoeradeFallonnemdeRoger.Eradeumnúmeroqueelenãoconhecia.Cal leu amensagem com uma sensação de que seumundo estava sendoviradodo avesso. Emqualquer outro dia, seria uma surpresa bem-vinda.Mas,nomomento,suareaçãofoideumsilênciohorrorizado.

Oi, é o Devon. De ontem à noite, lembra?Nós começamos com o péesquerdo.Vamosnosencontrarhojeànoite.Quetalumjantar?

–Como foi que ele conseguiumeu telefone? – Calmurmuroupara simesmo.

Ele piscou várias vezes e limpou o suor que brotou nas têmporas.Certo. Ainda dava tempo de corrigir as coisas. Para começar, precisavadevolveraquelecachimboidiotaparaRoger.Eleexplicariacalmamentequenãoqueriafazerpartedenadadaquilo,equefazeraquelalistatinhasidoumerro.Calnãoestavamaisinteressadonaquelascoisas–nãoeramaisoqueelequeria.

E certamente não iria jantar com Devon. Não naquela noite. Nãoenquanto não descobrisse o que estava acontecendo. Um clichê idiota,“Muito cuidado com o que deseja”, passou por sua cabeça naquelemomento.

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– Pois é – ele resmungou, ficando de joelhos para tirar seu cofre debaixodacama.–Eusouumidiota,etudoissoéculpa...minha.

Ele se interrompeu.Ocofreestavaaberto. Impossível... a combinaçãotinha seis dígitos. Nem Micah sabia da existência daquele cofre, e elesmoravamnomesmoquarto.Calcomeçouarevirarseuconteúdo,paraveroqueestavafaltando.Sóocachimbo.

Claro.–Mudançadeplanos–eledisse,determinado,massentiuqueestava

ficandovermelho,eofamiliarnónoestômagonãodemorouaseinstalar.Otelefoneemseubolsovibroubemalto,eCalquasecaiunochãodesusto.–Minhanossa,vocêestásedescontrolando,Erickson.

Eraumamensagemdeoutronúmerodesconhecido.NãoodeDevon,outro.

Olhepelajanela.

Ele começoua suarparavaler, o telefoneestavaquaseescapandodesuamão.

Calfoicorrendoatéajanela.Era aquela menina, Holliday, parada no gramado com seus cabelos

azuisbrilhandosobospostesdeiluminação.Elaseguravaocelularjuntodaorelhacomumadasmãos,eocachimboacimadacabeçacomaoutra.Emseguida,elabaixouocelularecomeçouadigitar.

Sentiufaltadealgumacoisa?

Para que o telefone? Cal abriu a janela e se inclinou para fora paragritar:

–Comofoiquevocêconseguiumeunúmero?Hollidaypôsocelulareocachimbonobolso,apesardeeleacharque

não caberiam na calça jeans apertada. Ela apontou para a janela e saiuandando.Entãoelaestavasubindo.Quemaravilha.

–Oquartonãoestáarrumadopararecebervisitas!–elegritou.–Edaí?

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Cal voltou para dentro e fechou a janela. Ele não confiava nem umpoucoemHolliday.Aquelameninaesquisitatinhaconseguido invadirseuquartoeabrirseucofre.Deviaserumahacker,comoFallon.

Seutelefonevibrouemsuamãooutravez,avisandosobreachegadademaisumamensagemdeDevon.

Cal?Quersairparajantar?Estouesperandoumarespostasua,cara.

Sim.Não.Droga.Foiumaexperiênciaquaseagradávele libertadoracerrarosdentese

digitararesposta.

Hojenão,Devon.Quemsabeoutrodia.

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–A cabeiderecusarumjantarcomocaramaislindoquejáconhecinavida–Calesbravejouenquantoabriaaporta–entãoébomvocêter

umbommotivoparaviraqui.– Uma correção: o autômato mais lindo que já conheceu na vida –

rebateuHolliday,fechandoaportaatrásdesi.–Toma–elafalou,jogandoocachimboparaele.–Sabiaqueissoiachamarsuaatenção.

–Existem jeitosmais fáceisde fazer isso–Calrespondeu,exaltado.–Um telefonema, por exemplo. Ou um e-mail bem educado. Mas, falandosério,comofoiquevocêdescobriuacombinaçãodocofre?

Elacaminhoupeloquarto,olhandoparaasfotosnasparedeseparaosobjetosespalhadosporalicomosejátivessevistotudoaquilomilhõesdevezesantes.Etalveztivessemesmo.

–Agoravocêsabequenãoestoudebrincadeira.–Comoassim,nãoestádebrincadeira?Oquevocêquerdemim?–Eraoaniversáriodasuamãe–revelouHolliday,encostandonajanela

ecruzandoosbraços.Elaafastouumamechadecabelosazuisdafrentedosolhos. – Consegui a informação no seu notebook, que tem como senha onome do seumúsico favorito, que está em um pôster logo acima da suacama– elaolhoupara a fotode Jack Johnsone revirouosolhos. –Equealiáséumsacoelevadoaoquadrado.

Umsaco?Elevadoaoquadrado?–Ondevocêvive,naLua?–Não,na internet–elaabriuumsorrisinho.Haviaumpiercingentre

seulábioeseunariz,umapeçapequena,deprata.–Efoi láqueconseguiseunúmero.Faleeucompartilhamostudo.Quandoelacomeçaadaraulaspara alguém, me passa o telefone da pessoa, para o caso de umaemergência.Sóporprecaução.

– Vocês fazem isso mesmo? – Cal perguntou, erguendo uma

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sobrancelha.Elenão sabia oque fazer como cachimboque estava em suasmãos,

então jogouemcimada camae torceuparaquenãoaparecessenenhumbedel.

– Nós somos meninas, claro que fazemos isso – Holliday revirou osolhos como se estivesse falando a coisa mais óbvia do mundo. – Enfim,aindanão tivenenhumanotícia.Ela sumiu.Estádesaparecida.Euseiqueestá.Eseiqueelesestãocomela.

–Eles?–acadaminutoquepassava,asituaçãosetornavamaismaluca.Mas, sede fatoconsiderava tudouma loucura,porqueeleestavasuandoembicas?–Quemsãoeles?

– Os cretinos que controlam tudo por aqui – respondeu Holliday,pegandoseucelulareclicandoalgumasvezesnatelaantesdemostrarparaele.Eraumafotomeioborrada,dedoisvultoscorrendo.Estavamvestidosdospésàcabeçadevermelho,usandooquepareciamser túnicas, comorosto virado para o outro lado, se escondendo da câmera. – Eles. OsScarlets.

– Eles não são só uma fraternidade acadêmica? – Cal já tinha ouvidofalardeles,masapenasporalto.

Peloquediziam,sóosalunosmaisinteligentesdas“melhores”famíliaseramconvidadospara fazerpartedogrupo.Umdesses fatores estavaaoseufavor,masooutronão.

– Se é isso que você pensa, então eles estão fazendomuito bem seutrabalho.NocomeçoFalpensouquevocêtambémfizesseparte,masdepoisseconvenceuquenão–informouHolliday.

Ela foi andando até a escrivaninha dele e desabou na cadeira,estendendoobraçoparaabrirseunotebook.Semhesitação,eladigitouasenha.

Cal soltou um grunhido, fazendo um lembrete mental para trocar asenha.

–Naverdadeestousurpresaporvocênãofazerparte.–Talvezeufaça–eledissecomumrisinho–evocênãosaiba.AcadeirarangeuquandoHollidaysevirouparaencará-lo.Elaergueu

assobrancelhasfinasepretas.–Sei,atéaparece–elasevoltououtravezparaocomputador.–Você

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nãoéumScarlet,masseupaisim.–Meu...?–Calfoiatéamesaesecurvousobreoombrodela.–Doque

vocêestáfalando?Onó em seu estômagohavia se transformado emmatéria sólida, um

líquidogeladoqueseexpandiaesetornavamaisdifícildemanterdentrodocorpoacadasegundoquepassava.

Hollidaycomeçouadigitarfuriosamente,abrindoonavegadoreváriasabas.

–Essecachimbo...eraparaincriminaraFallon,né?Calhesitou,oqueparaelapareceubastarcomoconfirmação.–Foioqueeupensei.Adireçãoestátentandoentrarcomumprocesso

de expulsão contra mim e Fallon por motivos ridículos já faz doissemestres, e o cachimbo seria a gota d’água para ela. Mas você não ocolocounoquartodela–elase interrompeudenovo, inclinandoacabeçapara encará-lo. Seus olhos eram escuros, quase pretos, e seu queixo eramiúdoepontudo.–Porquenão?

Calencolheuosombros.–MeupaifalouqueFalloneraencrencacerta,queestavahackeandoas

coisasdele.Mas issonãosignificaqueprecisaserexpulsadocampus.Eladeviaganharumamedalhaporisso,pô.

–Eletemrazão.Paraele,Fallonéencrencacerta.Eutambém.Noanopassado, nossa amiga Michelle ficou esquisita. Tipo, esquisitamesmo. Agentepensouquefossesóumafase,umlancedequererficarcareta,masaíelaparoudefalareatéolharparaagente.Nemumacenodelongeelafaziamais, sabe?Eracomoseagentenãoexistisse.Então... fomos fuçarnose-mailsdela.Seiquenãoécoisaquesefaça,masacuriosidadefaloumaisalto– os dedos dela digitavam rapidamente e Cal percebeu que ela estavaentrandonosarquivosdafaculdade.–Olhasóissoaqui.

Elacomeçouafazerváriaspesquisas,como“Brookline”,“manicômio”,“os Scarlets” e “sociedade”, além de “desaparecimentos em Camford”.Aparecerampoucosresultados.OsartigossobreoBrooklineeramcurtos,edavaparaverqueeramrelatosaçucaradosfeitosparaacalmarospaisdosalunos,enãoalgobaseadoemfatos.

–Eagoraissoaqui–elacontinuou,abrindooutraabaedigitandoumendereçoqueofezselembrardealgo.

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– Você escreveu sobre isso na porta da Fallon, não? Sobre esse sub-alguma-coisa?

– Sim, esse é o nosso subreddit – explicou Holliday, abrindo umsorrisinho de aprovação. – Boa sacada. Depois de invadir o e-mail daMichelle, não conseguimosmais parar. Temmuitomais coisa aqui. Tipoesse cara–elaapontouparaa tela comaunha lascadapintadadepreto,indicando um link com o nome $4UL. – Ele tem recortes de jornais dosúltimos quarenta anos, fotos, teorias... Mas nada dessas coisas está nosarquivosda faculdade e, quandoFal e eu tentamoshackear, vimosqueoníveldeencriptaçãoeraaltíssimo.Tipo,estoufalandodeumacoisadignadasForçasArmadas,eporquê?

Cal não sabia se ela estava ou não esperando uma resposta. Dequalquerforma,hackearnãoeraexatamentesuaespecialidade.

– De repente eles guardaram alguns arquivos dos pacientes para aposteridade? Eles podem querer que as pessoas não vejam isso, pormotivos de privacidade. A professora Reyes faz de tudo para limitar oacessoaosarquivosnoporão.

–Achoquetemmaiscoisaaí.Muitomais.Enósvamosdescobrir–osolhosdelabrilharam,eparecerammaisclarosemenospretossobobrilhodoabajurdaescrivaninha.

– A gente não devia tentar encontrar a Fallon? – ele perguntou, seafastandodaescrivaninhaepassandoasmãosnos cabelos. – Issopareceserumassuntobemmaisurgente.

Holliday ficou de pé também, aproximando-se dele com suas pernasfinaseabrindoumsorriso.Pareciameiomaluca,maselecomcertezanãoiacomentarnada.

– Não é a gente que vai encontrar a Fallon – Holliday se virou paraolharocachimboemcimadacama.–Évocê.

–Eu?–Calolhouparasimesmo,comoseelaoestivesseconfundindocomalguém.–Eoqueéqueeupossofazer?

–Vocêeseupaisedãobem?–elaperguntou.–Não,nãoexatamente.– Bom, você pode se preocupar com isso depois de mandar a

mensagemparaele–Hollidayrespondeu,revirandoosolhos.Ascoisasestavamavançandoumpoucodepressademais.

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–Quemensagem?–Precisamosdeumregistrodoseupaiadmitindoqueestáenvolvido

comosScarlets, equenão se trata sódeuma sociedadeacadêmica– elafalou,remexendonosbolsosoutravezesacandoseucelular.–Eupossomeesconder em algum lugar por perto. Você só precisa fazer com que elerespondaporquetentouincriminarFallon.Achaqueconseguefazerisso?

TalveztivessesidomelhorirjantarcomDevon,nofimdascontas.Maseletinhacoisasmais importantesparapensar,não?ComosaberseRogerestavamesmoportrásdoconvitedeDevonparasair.DorompimentotãosúbitodeMicaheLara.DofatodeFallontersumidodomapa...

–ComoissovaiajudaraFallon?– Se o seu pai admitir que está metido em alguma coisa obscura,

podemos usar isso contra ele – Holliday explicou, mordendo o lábioinferior. Não era algo que inspirasse muita confiança. – Chantagear ochantageador,sabecomoé?

Calsuspiroueolhoupelajanela.–Vocêachamesmoqueissovaifuncionar?–Eleéumhomem,enadamaisqueisso,Cal–elafalou,endireitandoos

ombrosfrágeis.–Ésóoseupai,certo?Nãoesquece.Ésóoseupai.

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Tecnicamente já era primavera, mas Cal estava morrendo de frioenquanto aguardava no gramado em frente ao Brookline. Holliday

estava por perto, atrás de umas árvores e arbustos a alguns metros dedistância,provavelmentecongelandotambém.

Tentei pôr o cachimbo no quarto da Fallon, mas ela não atende amalditaporta.Algumasugestão?Podemosnosencontrarparaconversar?

Ele estreitou os olhos, irritado pelo brilho intenso da tela e damensagem escrita nela. Cal não sabia nem se Roger ia responder, masHolliday fezquestãoqueeleaenviasse.Depoisdereceberaresposta,eleera obrigado a admitir que a teoria da conspiração apresentada por elaestavacadavezmaiscondizentecomarealidade.

Estouindoaí.Meencontreemfrenteaoprédioemvinteminutos.

O gramado estava vazio, a não ser pela presença de Cal. Ele viu umvultoseaproximando,vindodadireçãodosprédiosacadêmicos,eentãoasilhueta de alguém do tamanho do pai. Uma fina névoa pairava sobre ochão,envolvendoabasedaárvoreondeHollidayaguardava.

Cal observava a aproximação de seu pai, garantindo a simesmo quenão estava vendo o fantasma do garotinho no encalço de Roger. Eleesperou, todo trêmulo, revisando a lista em sua cabeça:Quero quemeusamigosestejambem,nãoimportasejuntosounão.QueroqueFallonfiquenafaculdade.Querodizeraelaquegosteidogibi...

–Muito bem–Roger falou, umpouco ofegante. Ele olhou ao redor eseguroucomfirmezaocotovelodeCal.–Vocêestáaqui.Issoébom.Agora

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vamos.Caloseguiucompassoshesitantes,sentindoseubraçoficarvermelho

sobotoquedeseupai.–Vamosaonde?ElenãoqueriaseafastardemaisdeHollidayeseucelular.SeRogerera

mesmooresponsávelporseusumiço,elesprecisavamregistrar issocomsuasprópriaspalavras.

–Láparadentro.Apesardeterfalhadoemfazersuaparte,vocêjásabedemais.Éumdenósagora.

Umdenós?–Nósquem?–Calperguntou.ElesestavamentrandonoBrookline,e

seupeitocomeçouadoer, comocoraçãobatendoamil,umsinaldequehaviaalgumacoisamuitoerrada.–Oqueestáacontecendo?CadêaFallon?Elanãoestánoquarto,enãorespondenadapelotelefone.

–Minha nossa, eu crieimesmoum idiota – resmungouRoger. –Maspelomenosvocêfinalmenteestácolaborando.

Cal sentiu a boca seca. Ele ouviu passos atrás de si, e torceusilenciosamenteparaqueHollidaymantivesseadistância,ondequerqueestivesse. Aquilo não era parte do plano, e não queria que ela acabassepresaemalgumlugarcomRoger.Nofundo,elesabiaaondeestavamindo,eseguiu com passos inseguros enquanto Roger o conduzia até o porãotrancadocomocadeado.

Rogersacoudobolsodacalçaumaúnicachave,eaenfiounoburaco.–Porquevocêtemachavedaqui?–murmurouCal.–Noquevocêestá

metido,pai?Dandoumarisadinha,Rogerdeuumaolhadaparaeleeopuxouporta

adentro.–Vocêdeveestarassustadodeverdadeparamechamarassim.–Assustado não – Cal se apressou emdizer. Ele tinha que entrar no

jogo,paraqueseupaiacreditassequeestavaaoseulado.Pensa.–EunãofaziaideiadequeserumScarletdavaacessoatantacoisa.

Rogerdeteveopasso,balançouacabeçaecoçouagarganta.– Isso dá acesso a tudo, Cal. Esta faculdade, esta cidade, tudo é dos

Scarlets.Vocêvaiver.Cadavezmais,Calseconvenciadequenãoqueriaver.

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– Essa menina, a Brandt, estava perto, bem perto. Era bem esperta.Achoqueelaeaamiganãovãoserasúltimaspessoasaenfiaronarizondenãosãochamadas.Aindanãodemosumjeitoemtodomundoepodemosnuncaconseguir,maspodemosmandarumbomaviso,ah,issosim.

–Doquevocêestáfalando?–Caltentoumanterumtomdevozcalmo.–Vocêestáparecendoparanoico.

–Paranoiconão,preparado.A garganta de Cal começou a coçar por causa da poeira enquanto

desciamaoporão.Eleouviuvozesesonsdepéssearrastando.Maisumavez,eletorceuparaqueHollidaymantivesseadistância.

– Por que você nuncame contou sobre isso antes? – Cal questionou,sinceramentecurioso.

Rogerolargou,aparentementesatisfeitoporCalestaraliporvontadeprópria. Eles passaram por um chão coberto de poeira, atravessando osaguãoe entrandono corredorqueCal já conhecia.Ospassos e as vozesficarammais altos, e ele ouviu uma risada parecida comum farfalhar deasasnaescuridão.

– Como eu disse, gosto dematar dois coelhos com uma só cajadadasemprequepossível.

Rogermostrouosdentes,nãoexatamenteemumsorriso,mais comoumabocaescancarada.Comoumpredador.Umanimal.

Calouviuasvozesaindamaisnitidamente,apesardeseu tomnãosealterar, permanecendo constante e monótono. Roger parou na frente doquartotrêsesegurouCalpelosombros,obrigando-oaencará-lo.

– Isso significa que você vai ser um de nós em breve, filho – Rogeranuncioudeformasolene.

Calpiscoualgumasvezesesesegurouparanãofugir.Enfim,estavasedando conta de que já estava envolvido naquilo tudo. Querendo ou nãoestarali,elefariapartedoqueestavaacontecendonaquelequarto.Elenãohaviafeitonadaparaimpedirisso,etalvezissootornassetãoruimquantoosdemais.

Mantenhaadistância,Holliday.Fiquelongedisso.–Agoravamos resolver logoesseproblema–Roger falou, apertando

seuombroeabrindoumsorrisodeverdade,umsorrisoeufórico.Com firmeza, ele guiou Cal pelo ombro até o quarto três. Estava

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exatamente como se lembrava – as paredes caindo aos pedaços commanchas de umidade e mofo; a janela pequena e escura; a cama e amesinha...

No entanto, havia mais uma coisa daquela vez: uma cadeira nova eintacta,comamarrasnaalturadosbraços,daspernasedopescoço.Fallonestavasentadaali,lutandoparaselibertar.

Cal era capaz de sentir a presença acusadora do menino fantasma,observandotudo.

– Eu não estou aqui para ajudar, né? – elemurmurou, com o queixotrêmulo.–Eusoucomoelestambém.

–Oquevocêdisse?–Rogerperguntou,masnãoesperoupelaresposta.–Deixaparalá–eleelevouotomdevoz,sevirandoparaaporta.–Peguemaoutra.Elaveioespreitandopelassombrasatrásdenós.

Passoscomeçaramaressoarpelocorredor.Emseguida,Calouviuumgrito–odeHolliday–,einstantesdepoiselaestavasendoarrastadaparadentro do quarto por duas figuras usando túnicas vermelhas. Calestremeceu,esentiuamãodeseupaiapertaraindamaisseuombro.

– Me larguem! – Holliday estava resistindo, se debatendo. – Seuspsicopatas!Me larguem!Não podem encostar emmim – seu tomde vozestavacadavezmaisdesesperado.–Vocêsnãopodemencostaremmim!

Rogerdeuumarisadinha.–Aquiembaixopodemos.FallonficouolhandoparaCaldacadeiraondeestavapresa.Obrilhode

seusolhos azuis haviadesaparecido.A fita adesiva colada em suaboca amantinhaemsilêncio,maseleconseguiaouvirsuastentativasdegritar.

–Achoque a srta.Brandtnãovaimaisquerer ir atrásde segredos –Rogerdisse.–Elaesuaamigasempregostaramdearrumarencrencaesemeternascoisas.Meninasenxeridaspodemacabarenfiandoonarizondenão deveriam – ele ergueu amão e fez um gesto para o quarto três e oporão lá fora. – Como um lugar como este aqui. Meninas assim podem,digamos,cairdaescada.Seperder.Desaparecer.

Desaparecer?Comoassim,desaparecer?A barreira invisível, que Cal detestavamas conheciamuito bem, não

estava mais lá. Ele estava ali por inteiro, vivenciando o momento atédemais. Com medo e com raiva, querendo a barreira de volta. Ele não

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queriasesentirassim.Calolhouaoredor, seesforçandoparaconteranáusea.Fallonestava

presaaumacadeiracomumafiguralogoatrás,todadepreto.Logoaolado,umamesacomestranhosinstrumentosmédicos...

–Calma–Roger rugiu, virando-separaHolliday.As figurasde túnicavermelhaaindatentavamimobilizá-la.Umadelasenfimconseguiupassarafita sobre sua boca,masHolliday havia visto amesa e a bandeja comosinstrumentos reluzentes e afiados. Ela se debatia com mais força,esperneando.–Issonãoéparavocês,nãosevocêssecomportaremefazeroquemandamos.

–Nós?–Calse livroudotoquedeseupai.–Eunãotenhonadaavercom isso! Isso um é problema seu e dos Scarlets com... com ela! – eleapontouparaFallon,presanacadeira.–Edaíqueelasestavamhackeando?Ésópediraexpulsãodelas,sei lá,mas,peloamordeDeus,deixeasduasiremembora!

–Vocêdissequeeleestavadonossolado–eraafiguravestidadepretoquemestavafalando.

Suavoz femininaparecia familiar,masabafadapelamáscara.Elenãoconseguiureconhecê-laenomomentonãosabiaparaondeolhar.Hollidayestavasendoarrastadaparafora,esperneandoesedebatendo,eafiguradepretoestavaavançandoemsuadireção,segurandouminstrumentolongoeafiado.

–Dáumjeitonele–elafalou.–Oueumesmafaçoisso.–Nãotemnecessidadedisso–Rogerrespondeu,erguendoasmãos.Ele

foi andando lentamente até Cal. – Pensei que estivéssemos falando amesmalíngua,filho.Eucumpriminhapartedoacordo,não?Fiztudooquevocêqueria.

Calsoltouumarisadaenlouquecidaeflexionouaspernas,procurandouma brecha para fugir. Ele não ia conseguir passar por seu pai, e oinstrumentoprateadoeafiadoestavacadavezmaispróximo...

–Eunãoqueroisso,seupsicopata!Quemvocêpensaqueeusou?–Eunãofaçoideia–Rogerrespondeucomtranquilidade.–Eéporisso

quevocêéumproblema.Calviuseupaibalançaracabeça.Seriaumsinal?Mesmoamordaçada,

Fallongritouparaavisá-lo.Calseviroueviuafiguradepretoaparecerlogo

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atrásdesi,comoinstrumentoafiadoaindanamão.Maispassosecoarampelocorredor.ElesjáhaviamterminadocomHollidayeestavamvoltandoparaele,queporestarsozinhocertamenteseriasubjugado.

Cal agiu por impulso, sem pensar, e agarrou o instrumento,arrancando-odamãodaestranha.NãodemoroumuitoparaRogerirparacima dele, tentando tirá-lo de sua mão. Com um grunhido furioso, elereuniu todas as forças e se virou para se atracar com seu pai. Rogercambaleouparatrás,semagilidadepararepeliroataque.Eleserecuperoudepressa, tentando dar um soco no estômago de Cal, mas errou o alvo.Golpeandodecimaparabaixo,Calcravouoinstrumentoafiadonoolhodeseupai.

Cal sentiu o sangue atingir seu rosto, morno e repentino, e recuou,enojado,semconseguirenxergar.Haviasangueescorrendodeseusolhos?Elenãosabia...

Fallonparoudegritaratrásdamordaça.Algoatingiucom forçaa cabeçadeCal,borrandosuavisãoe fazendo

suaspernascederem.Eleouviuseupaigritandoesedebatendo,eosangueemseurostofoificandocadavezmaisespessoepegajoso.

Existemsempreduasmortes,arealeaquelasqueaspessoasconhecem.Omundo ficoupretoedepoiscinza,oscilandoesedesintegrandoem

partículas que se desfaziam todas aomesmo tempo. Como os prédios decabeçaparabaixo.Comoosseussonhosfantasmagóricos.

Seu pai continuava gritando quando um vulto se curvou sobre ele, aúltimaimagemqueCalviuantesqueaescuridãoengolissetudo.

–Está tudobem.Nós cuidamosdisso–eraumavozbaixae suave.Afigura de preto. – Você é um de nós, Cal. Vamos cuidar de você. Vamoscuidardetudo.

FIM