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O epigrama antigo em tempos modernos / Isabella Tardin Cardoso
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Caro Aluno:
Essa atividade pós-exibição é a primeira, de um conjunto de propostas,
que têm por base o segundo episódio do programa de áudio Frases
Célebres. As atividades pós-exibição são compostas por textos que
retomam os programas e encaminham sugestões de atividades e
softwares a serem realizados por vocês. Recomendamos que elas sejam
feitas após a audição em sala de aula desse episódio. No Portal do
Professor você encontrará jogos interativos correspondentes a esse
mesmo episódio e que trata dos mesmos temas das atividades.
O epigrama antigo em tempos modernos / Isabella Tardin Cardoso
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Atividade O Epigrama antigo em tempos modernos
Episódio Epigramas
Programa Frases Célebres
Texto 1 – O epigrama antigo em tempos modernos
Você já sabe que epigramas, já na Antiguidade, passaram de inscrição poética a poemas
(independentes de inscrição). Para entender o que os epigramas em português têm a ver
com os da Antiguidade, é preciso considerar o modo como as obras de poesia e prosa
antiga foram recebidas (ou seja, entendidas e reproduzidas, recriadas) no mundo
moderno.
A partir do Renascimento, com o aumento do interesse em obras de vários gêneros
provindas da Antiguidade, também a poesia epigramática composta na Grécia e Roma
É... Não foi desta vez que ganhamos o
jogo de quiz... Mas vamos tentar de novo!
Agora, o que me intriga é: o que os epigramas de Portugal tem a ver com
os da Antiguidade?
O epigrama antigo em tempos modernos / Isabella Tardin Cardoso
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antigas passa a chamar a atenção do público em diversos países da Europa. Com isso, às
vezes como exercício escolar, às vezes como puro lazer, seleções de epigramas gregos e
romanos eram estudadas, editadas e traduzidas.
Mas não se tratava de uma recepção passiva: eram produzidos novos epigramas,
baseados nos antigos. Curioso é notar que a tradução dos poemas não se dava
necessariamente de línguas antigas para as modernas. Por exemplo, alguns estudiosos
traduziam epigramas do latim para o... grego clássico! Outros, como o português
Antônio de Gouveia (c. 1510-1566), faziam o contrário: traduziam epigramas do francês
para o latim, ou criavam epigramas nessa língua, mais precisamente no chamado
“neolatim”.
Neolatim: forma de latim que se passa a adotar em esferas cultas a partir do Renascimento.
Em contraste com o latim medieval, o neolatim é uma inovação (“neo” sufixo de origem
grega = “novo”), mas que tem como objetivo retomar a língua empregada em Roma antiga
por autores como Cícero (séc. I. a. C.).
Parece estranho? Mas isso era algo que se fazia bastante na época. E, mesmo hoje em
dia, epigramas continuam a ser escritos, por falantes de várias línguas modernas,
também em latim.
É importante lembrar que a época em que se deu o Renascimento variou de país a país.
Por exemplo, na Itália, desde o século XIII cultivam-se os gêneros poéticos greco-latinos
(como a ode, a égloga, a elegia, a épica, o epigrama); já em Portugal isso se deu a partir
do século XVI. Desde então, o epigrama perpassa diversos períodos da literatura escrita
em língua portuguesa, inclusive na que passa a ser composta no Brasil, cujo território,
não nos esqueçamos, é descoberto naquele século. Autores:
Isabella Tardin Cardoso (Coordenadora)
O epigrama antigo em tempos modernos / Isabella Tardin Cardoso
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Carol Martins da Rocha Lilian Nunes da Costa
Mariana Musa de Paula e Silva
Robson Tadeu Cesila
Exercício 1 Estudo dirigido: Epigramas de Antônio de Gouveia no Renascimento
O texto abaixo é uma introdução aos epigramas do português Antônio de Gouveia (1510-
1566)
O português Antônio de Gouveia nasceu na cidade de Beja, por volta do ano de 1510,
escreveu em neolatim e publicou na cidade francesa de Lião (“Lyon” em francês) os seus
principais livros, o Epigrammaton Libri Duo (1539), cujo título significa “Dois livros de
epigramas”, e Epigrammata, Eiusdem
Epistolae Quattuor (1540) (“Epigramas e
Quatro Epístolas do mesmo autor”).
Para entender melhor o contexto que
levou a tal publicação, é importante levar
em conta o movimento renascentista, que
tomou fôlego em Portugal no século XVI.
Nesta época, D. João III, rei de Portugal,
marcou seu governo por um impactante
investimento não somente em artes
plásticas e musicais, mas também na
educação. Ele renovou o ensino em
Portugal, que passou a ser direcionado nos
moldes do movimento que veio a se
chamar de Humanismo, que valorizava a
cultura greco-romana, visando a
recuperação de valores a ela associados.
Assim, além de fortalecer as instituições de ensino, como a Universidade de Coimbra, o
monarca concedeu de modo sistemático a estudantes portugueses bolsas de estudos em
outros países. Um dos estudiosos contemplados com tais bolsas foi Antônio de Gouveia.
Ele estudou em Paris, um dos mais importantes centros universitários da Europa (de 1527
a 1534) e, mais tarde, viveu e lecionou em diversas cidades européias, entre elas a
mencionada Lião.
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E por que em latim? Ora, como dissemos, o Renascimento foi marcado pela imitação da
cultura clássica. A imitação era, de um lado, uma forma de estudo, uma maneira de
entender como se pensava, se escrevia, se produzia arte na Antiguidade. Nesse
contexto, surgiu também a literatura neolatina. De outro, por meio do ato de imitar,
obtinha-se mais que uma simples cópia: acabava-se por produzir obras novas, com temas
e idéias próprios não mais dos antigos, mas da época renascentista.
Nos livros Epigrammaton Libri Duo (1539) e Epigrammata, Eiusdem Epistolae Quattuor
(1540) constam, além de cartas, respectivamente 105 e 100 epigramas (destes últimos,
53 inéditos, e os demais, versões de epigramas do livro anterior). Uma idéia importante
na poesia neolatina é que se procurava obedecer não apenas à gramática latina antiga,
mas também às convenções de gêneros poéticos presentes em seus modelos, tomados da
literatura antiga. Essas convenções envolviam padrões de forma e conteúdo.
A pergunta da Gabriela nos obriga a abrir parênteses... Se você souber o que é gênero
poético, pode pular esta parte...!
Generalidades sobre gênero...
Quando se fala em gênero, de modo mais amplo, pensa-se em grupos cujos componentes
são marcados por propriedades comuns, por convenções. Dessa forma, quando se diz que o
livro X pertence a tal gênero, geram-se expectativas quanto ao modo como o livro X se
caracteriza.
Não são apenas textos literários os marcados pelas convenções, elas estão presentes em
vários tipos de discurso. Temos, por exemplo, o gênero da “conversa telefônica”, que se
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caracteriza por uma forma (em geral se inicia com um “Alô...”) e por um conjunto de
temas possíveis, prováveis: há coisas mais ou menos apropriadas de se falar ao telefone,
não é?
No mesmo sentido, como você caracterizaria o gênero do gênero email”? Que forma é mais
comum e que tipo de assunto, por exemplo, não seria ideal para este tipo de discurso?
É claro que se pode quebrar convenções e expectativas, mas isso não significa que elas não
existam, muito pelo contrário! Retomando o exemplo da conversa telefônica, alguém
itrritado com a pessoa do outro ladod a linha, pode iniciar a conversa sem nenhuma
fórmula como “Alô!” ou “Pronto!”, mas justamente essa quebra da convenção será muitor
eveladora...
Na artes e literatura, acontece algo parecido. Pensemos, por exemplo, num gênero de
ficção atual, bastante popular em nosso país: a telenovela. Lembremo-nos das telenovelas
mais comuns: de que tipo de tema tratam? Aposto que você dirá: problemas de amor. Ainda
que se fale de política, de questões sociais, de vida após a morte, de seres de outro
planeta...o tema central da telenovela é, convencionalmente, amoroso.
O romance literário, a poesia, também são formas de ficção que falam de amor. Mas, no
gênero telenovela, esse tema está associado a convenções formais específicas, que
envolvem o meio que o transmite (a televisão). Por exemplo: que tipo de atores esperamos
como personagens principais? Um homem, uma mulher, em geral jovens e bonitos. Que tipo
de música? Melodias amorosas certamente fazem parte do repertório. Qual seu formato?
Uma sequência de episódios diários, exceto aos domingos. Como em certos romances, é
comum que cada episódio termine com uma cena impactante, para que o espectador sinta
vontade de saber o que irá aconetceer em seguida e aguarde, então, com expectativa o
próximo capítulo... Uma novela com protagonistas que não fossem apresentados como
bonitos, sem música romântica, ou que ocorresse de uma vez, digamos, aos domingos,
desobedeceria totalmente às convenções próprias do gênero telenovela!
No Renascimento, era grande a preocupação com o respeito ao gênero. Estudavam-se e
procuravam-se seguir as convenções de tema e de forma de cada gênero tal como aparecia nos textos transmitidos da Antiguidade, produzidos mais de uma dezena de
séculos antes!
Para dar exemplos bem gerais: ao contar feitos grandiosos de heróis, o ideal era a poesia
trágica ou épica – cada qual tinha tipos de verso e tamanho específicos (a épica é mais
extensa que a tragédia...), além de certas figuras de linguagem e métrica preferidas.
Para falar mais centralmente de amor por meio de poesia, alguns dos gêneros possíveis
eram as elegias ou ainda os epigramas.
Mas os epigramas modernos, desde o Renascimento, refletem a diversidade de tema
(além dos amorosos, fúnebres, laudatórios, dedicatórios, filosóficos, entre outros) e de
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tons (do mais sério, ao mais sarcástico, passando pelo espirituoso) que este gênero tinha
na Antiguidade. Vamos ilustrar isso por meio de alguns exemplos da poesia neolatina de
Antônio de Gouveia, em versão especial feito por Ricardo da Cunha Lima para este
Episódio.
Comecemos por um belo epigrama fúnebre, dedicado a um certo Jean Montagne,
professor de Direito Civil na cidade francesa de Avignon. Visando à comodidade,
apresentamos antes a tradução em português e, logo a seguir, se você tiver curiosidade,
o texto latino em que foi originalmente escrito o epigrama. Note-se como a brevidade e
a imitação de uma inscrição fúnebre em versos lembra a função de inscrição que tinham
os primeiros epigramas gregos:
EM MEMÓRIA DO ADVOGADO MONTAGNE
Montagne resgatava, das garras da morte, os réus temerosos,
Graças ao poder de sua eloquência e discernimento.
A Morte clamava que seu reino tinha sucumbido, Caronte, seu ganho,
E as inclementes Irmãs, seus poderes.
Sem demora, arrebatam Montagne, sem direito algum.
Ah, não foi assim que ele livrou os réus da morte!
(Epigrama 6 do Epigrammaton Libri Duo (1539). Trad. Ricardo da Cunha Lima)
Glossário:
-eloquência: capacidade de falar bem, de persuadir por meio de palavras.
-discernimento: capacidade de discernir, i.e., de compreender as situações, por exemplo, de separar o
“certo” do “errado”.
-sucumbido: acabado, extinto.
-clamava: exclamava.
-Caronte: na mitologia greco-romana, o barqueiro que, em troca de uma moeda (colocada junto com o
defunto nas cerimônias fúnebres), transportava os mortos para seu destino.
-Irmãs: referência às Parcas. Na mitologia greco-romana, elas eram entidades que determinavam o
destino, portanto a vida e morte, dos seres humanos.
Aqui está o texto latino, em que o poema foi composto:
[6] D. M. MONTANI IVRISPERITI
Montanus trepidos media de morte trahebat,
Viribus eloquii consiliique reos.
Mors regnum, lucrumque Charon, duraeque Sorores
Clamabant uires succubuisse suas.
Nec mora, Montanum rapiunt sine legibus ullis.
Ah, non sic fatis abstulit ille reos.
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Compreensão do texto
a) Nos dois primeiros versos do epigrama (tanto da tradução quanto do original
em latim), temos uma apresentação da pessoa falecida, a quem o epigrama é
dedicado. Que termos da tradução em português indicam as qualidades de
Montagne (pronuncia-se “montánhe” em português) como advogado?
b) Nos versos a seguir, temos várias orações em que, em lugar de repetir os
verbos “clamar” (= “reclamar”) e “sucumbir”, eles são omitidos, indicando-se
a omissão com uma vírgula. Essa figura de linguagem é denominada elipse.
b1. Reescreva as orações acrescentando o verbo omitido:
A Morte clamava que seu reino tinha sucumbido, Caronte, seu ganho,
E as inclementes Irmãs, seus poderes.
b2. No poema a morte é apresentada não como substantivo abstrato, mas,
sim, conforme ocorre na mitologia greco-romana, como uma
pessoa/entidade, obtendo-se a figura de linguagem chamada
personificação. Que aspectos do poema nos fazem perceber a morte
personificada?
c) A personificação da morte e a menção a entidades a ela associadas na
mitologia grego-romana antiga colaboram para caracterizar como injusto o
modo súbito como teria morrido o advogado. Que verso do poema explicita a
morte repentina e a injustiça? Cite-o e explique sua resposta.
Exercício 2 Epigrama amoroso
Como o fizeram os autores antigos, Antônio de Gouveia escreveu epigramas também do
tipo amoroso. O seguinte se apresenta como versão em latim de um poema de um
importante poeta lírico francês, contemporâneo ao epigramatista português.
PARA CATHERINE DE BEAUFFREMONT Versão de um poema em francês de Clément Marot
Catherine me atingiu com uma neve candente: eu pensava
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Que a neve não tinha fogo; a neve, no entanto, era fogo.
Não é uma credulidade vã, não é uma experiência enganosa:
Senti de verdade o coração queimado por uma súbita brasa.
Assim, onde estarei seguro, se o ardor se esconde na neve,
Onde escaparei das tuas tochas, cruel Cupido?
Tu, Catherine, podes apagar estas súbitas chamas,
Não com gelo, ou neve, ou água cristalina,
Mas na medida em que a causadora do meu tormento também sentir o que sofro,
E cada um de nós arder com uma chama igual.
(Epigrama 12 do Epigrammaton Libri Duo (1539). Trad. de Ricardo da Lima da Cunha)
Glossário: -candente: que arde em brasa. -credulidade: crença, ingenuidade. -Cupido: deus romano do amor (Eros, para os gregos).
[12] AD CATHARINAM BOFREMONTANAM E Gallicis Marotti
Me niue candenti petiit Catharina: putabam
Igne carere niuem: nix tamen ignis erat.
Non est uana fides, non experientia fallax:
Sensi etenim subitis corda cremata rogis.
Ergo ubi tutus ero, niuibus si conditur ardor, 5
Effugiamque tuas, saeue Cupido, faces?
Tu, Catharina, potes subitas extinguere flammas,
Non glacie, aut niuibus, marmoreis uel aquis.
Sed si quae patior, poenae quoque sentiat autor:
Et nostrum flamma flagret uterque pari.
a) Tal como ocorre em diversos epigramas amorosos antigos – como, por
exemplo, os de Catulo (ver Atividade 5 do Episódio “O Epigrama na
Antiguidade”) – o poema apresenta a contradição como um aspecto central
da experiência de quem ama. Que imagem, neste poema, representa essa
contradição? Assinale passagens do texto que justifiquem sua resposta.
b) Como, segundo o poema, o sofrimento do amor pode ser extinto? Para
responder, assinale passagens do poema e explique-as com suas próprias
palavras.
Exercício 3
PARA ÉTIENNE DOLET
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Por que não te elogio, creio, Dolet, que perguntas.
Isso tu fazes melhor do que eu.
(Epigrama 37 do Epigrammaton Libri Duo (1539). Trad. Ricardo Lima da Cunha)
[37] AD STEPHANVM DOLETVM
Quid te non laudem, credo, Dolete, requiris,
Id me tu melius facis.
a) O que, segundo o poema, Étienne Dolet fazia melhor do que o próprio poeta?
b) Ao dizer “isso fazes melhor do que eu”, o poeta está ou não de fato
elogiando a pessoa a quem o poema é dedicado? Explique.
c) Baseado na sua resposta acima, trata-se de um poema laudatório ou satírico?
Para atender à curiosidade da Gabriela, que pode ser também a sua, neste Episódio sobre epigramas do programa Frases Célebres, temos entrevistas com algumas pessoas que lidam atualmente com língua e literatura grega e latina. Na primeira, o entrevistado é Paulo Sérgio de Vasconcellos, professor de língua e -literatura latina (Instituto de Estudos da Linguagem – Unicamp):
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O professor de latim Paulo Sérgio de Vasconcellos (Unicamp). Foto de Elaine Sartorelli
Professor, hoje você leciona e orienta pessoas que estudam latim em vários níveis. Mas como você teve o primeiro contato com o grego e o latim, e o que o estimulou a decidir trabalhar com língua e literatura clássicas?
Desde que me conheço por gente, meu passatempo predileto é ler, sobretudo poesia, o que
me encaminhou para a área de Letras. Fui a São Paulo, vindo do interior, para estudar
Letras na USP e, na faculdade, conheci o latim e me apaixonei pelas letras clássicas, tanto
que fiz o vestibular novamente para poder realizar regularmente o curso completo dessa
língua, em quatro anos. Desde então - lá se vão mais de 25 anos - nunca mais deixei de me
dedicar à área, sobretudo ao latim.
Além dos epigramas publicados neste Episódio, você costuma ler e/ou traduzir poesia epigramática de outros autores?
Gosto de ler de tudo, inclusive poesia epigramática em várias línguas. Aliás, a concisão do
epigrama se encontra ainda com mais força nos haicais japoneses, pequenos tesouros de
poesia concentrada em apenas três versos breves. Acho interessante a idéia de sintetizar,
de ser conciso, de reduzir ao essencial, seja para fins cômicos, seja para outros fins, como
o de dizer em poucas palavras algo tão denso que temos a impressão de se captou um
vislumbre de pura poesia, excluindo-se tudo o que é desnecessário. Há epigramas assim de
Cecília Meireles, concisos e musicais; a concisão, aqui, contribui para o efeito impactante
no leitor.
Além de traduzir (que sabemos, tem muito de autoria também), você costuma escrever poesia, literatura em geral?
Escrevia poesia regularmente na juventude e tenho até um livrinho publicado pela
prefeitura de minha cidade natal, quando eu tinha dezesseis anos. Acho que foi mesmo por
amor à poesia que decidi estudar Letras. Mas depois, por excesso de autoexigência ou
realismo..., passei a escrever muito esporadicamente, apenas quando sinto necessidade
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absoluta de expressar em poesia algo que eu não poderia ser expresso em outra linguagem.
Você está trabalhando em alguma tradução no momento? Conte um pouco sobre a obra e seu processo de tradução!
Pretendo lidar com tradução daqui a algum tempo, depois de terminar uma série de
trabalhos que têm preferência no momento. Mas na vida de professor de Latim estamos
sempre traduzindo, modestamente, em sala de aula ou em casa, literatura latina. Gostaria
de traduzir em forma poética, como já tentei com dois poemas de Catulo, traduções que
foram publicadas numa revista. Sonho em traduzir poesia latina recriando em protuguês, de
modo poético, os efeitos de som, ritmo, etc., do original, um empreendimento sempre
difícil, sempre fascinante.
Quais gêneros e/ou autores antigos são seus preferidos no momento? Por quê (o que o atrai neles)?
Amo Virgílio, por versos belíssimos,densos de som, ritmo e imagens muito expressivas. Há
versos de sua epopéia, a Eneida, que parecem intraduzíveis, tão densamente poéticos são.
Poesia, em seus vários gêneros, é meu tipo de literatura preferido e o que mais gosto de
fazer, como professor, é mostrar aos alunos como os poetas antigos são interessantes,
entre outras coisas pelo modo extraordinário com que criam, habilmente, efeitos poéticos
em língua latina (ou grega) em versos tão memoráveis que têm sido imitados ao longo de
séculos.
Que obras (livros, filmes, músicas, etc.) você recomendaria para pessoas interessadas em começar a conhecer a língua e literatura, a cultura greco-romana antiga?
Há documentários muito bem feitos, que podem ser, para os mais jovens, uma porta de
entrada no mundo antigo: por exemplo, uma série da BBC, chamada "Construindo um
império"; o DVD dedicado a Roma é bem interessante. Um livro que traz um panorama
sucinto sobre o mundo greco-romano é Antiguidade clássica, de Mary Beard e John
Henderson, publicado pela editora Jorge Zahar. Recomendo também A vida quotidiana na
Roma antiga, do professor Pedro Paulo Funari. Quanto a filmes, sinceramente, não gosto da
maioria dos que tratam diretamente de tema greco-latino, como Tróia, mas há filmes que
se apropriam das obras antigas e as recriam, como "E aí, irmão, cadê você?", dos irmãos
Cohen, que se baseia na intriga da Oisséia de Homero, evocada sutilmente.
Qual sua posição quanto a se estudar latim e grego clássicos no Ensino Médio? Por quê?
Antigamente, era contra, porque no passado muitos professores torturavam os alunos com
um ensino hipergramatical, em que se decoravam regras sem se ter acesso à cultura e aos
textos. Mas seria a favor se esse ensino voltasse sobre novas bases: apresentando-se aos
alunos um panorama da cultura antiga, promovendo-se exibição de filmes e documentários,
audição de músicas contemporâneas em latim (da new age ao heavy metal, por que não?),
além de atividades interdisciplinares (por exemplo: o professor de Latim e o professor de
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História poderiam estabelecer um programa conjunto sobre a história antiga, a vida
cotidiana em Roma e na Grécia, etc.). Em resumo, um ensino atraente sem deixar de ser
didaticamente sólido. Recentemente, noticiou-se que nos EUA o interesse dos alunos do
ensino médio pelo Latim cresce inacreditavelmente: faltam professores para atender à
demanda, e o Latim ameaça desbancar o Alemão como terceira língua mais requerida pelos
alunos! Que diferença em relação a outros tempos em que o ensino era um decorar insípido
e maçante de regras e exceções que não servia para nada! Com alguns conhecimentos
básicos de latim, o estudante entenderá certos aspectos do português, terá uma idéia da
enorme influência da cultura antiga sobre os séculos seguintes e poderá ver como o latim e
o grego estão presentes ainda hoje em nossa cultura. A literatura latina tem autores
fascinantes; estudar a cultura antiga é fascinante; seria uma pena que os alunos do ensino
médio tivessem apenas a impressão de que estudar latim é algo difícil e chato!
Pequena Biobibliografia Paulo Sérgio de Vasconcellos nasceu em Mogi Guaçu (SP), em 23 de novembro de 1959.
Professor de Latim do Departamento de Linguística da Unicamp, é licenciado em Letras
(Latim-Português-Francês), mestre e doutor em Letras Clássicas pela USP
Professor da Unicamp desde 1988.
Seus principais trabalhos publicados são: Catulo. O cancioneiro de Lésbia, pela Hucitec;
Efeitos intertextuais na Eneida de Virgílio, pela Humanitas/FAPESP; além das edições das
traduções de Manuel Odorico Mendes (Bucólicas e Eneida), anotadas e comentadas pelo
Grupo Odorico Mendes, coordenado por ele e sediado na Unicamp. Atualmente prepara
uma sintaxe do período subordinado latino, entre outros trabalhos.
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Mestrado inédita. Campinas: Unicamp, 2004. BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso . In: Idem, Estética da criação verbal. São
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