Augustus Nicodemus - Fundamentalismo

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Ordenao Feminina:

PAGE 21

Srie Cadernos Bblicos

Volume 2Fundamentalismo e Fundamentalistas

Primeira Igreja Presbiteriana do Recife

Recife, Outubro de 2002

Prefcio

IntroduoPara muitas pessoas, o tema deste segundo Caderno Bblico pode parecer rido, acadmico e sem qualquer importncia. Entretanto, considerando os argumentos abaixo, sua relevncia ficar clara. Primeiro, o fundamentalismo est em evidncia no mundo. Em todo o mundo, grupos religiosos fundamentalistas esto crescendo rapidamente. Na Amrica Latina, grupos pentecostais radicais se multiplicam e mudam as estatsticas gerais. Na Coria do Sul e no Taiwan, centros do Confucionismo neotradicionalista se firmam. No Japo, uma nova verso radical do Budismo cresce rapidamente. E o fundamentalismo do mundo islmico conhecido por todos. Nos Estados Unidos e em outras partes do mundo, o fundamentalismo cristo ganha fora, aps um perodo de aparente extino. Muito embora existam profundas diferenas entre estes grupos mencionados, eles tm em comum o desejo de retornar aos fundamentos e s origens de sua religio, e esto dispostos a lutar para isto. Segundo, o termo fundamentalista designa uma larga porcentagem do cristianismo norte-americano, com ramificaes no mundo e tambm no Brasil. A influncia do fundamentalismo no Brasil no pode ser esquecida ou minimizada. Terceiro, o uso pejorativo do termo. Determinados termos, dentro do Cristianismo, acabam por perder seu sentido original e adquirir uma conotao pejorativa. No poucas vezes, estes termos pejorativos so usados irresponsavelmente para rotular adversrios polticos e eclesisticos, e com generalizaes injustas. Se pudermos, devemos sempre ajudar a esclarecer o que o termo significa.

E, finalmente, existem bem poucos estudos sobre o tema fundamentalismo no meio evanglico. Se pudermos ajudar no esclarecimento da Igreja de Cristo sobre este assunto, ficaremos gratos a Deus. neste propsito que a Primeira Igreja Presbiteriana do Recife publica mais este volume da srie Cadernos Bblicos.Rev. Augustus Nicodemus Lopes

Pastor da Primeira Igreja Presbiteriana do Recifendice2Prefcio

Introduo4O Surgimento do Liberalismo Teolgico5A Reao Conservadora: Surgimento do Fundamentalismo Cristo8As principais fases do movimento fundamentalista nos Estados Unidos9O Fundamentalismo no Brasil: Breve Histrico13Concluses14Caractersticas e Avaliao Crtica do Fundamentalismo16Os fundamentalistas vistos pelos crticos16Como os fundamentalistas se entendem17Anlise Crtica do Fundamentalismo19Aspectos Positivos19Aspectos Negativos19O rtulo fundamentalista20Concluso22

O Surgimento do Liberalismo Teolgico

A melhor maneira de compreender a origem do termo fundamentalista entender o crescimento do liberalismo teolgico radical nas principais denominaes histricas dos Estados Unidos no final do sculo XIX e incio do sculo XX. O liberalismo era, de muitas maneiras, um fruto do Iluminismo, movimento surgido no incio do sculo XVIII que tinha em seu mago uma revolta contra o poder da religio institucionalizada e contra a religio em geral. As pressuposies filosficas do movimento eram, em primeiro lugar, o Racionalismo de Descartes, Spinoza e Leibniz, e o empirismo de Locke, Berkeley e Hume. Os efeitos combinados dessas duas filosofias que mesmo sendo teoricamente contrrias entre si concordavam que Deus tem de ficar de fora do conhecimento humano produziu profundo impacto na teologia crist. Em muitas universidades crists, seminrios e igrejas da Europa, e, posteriormente, nos Estados Unidos, as idias racionalistas comearam a ganhar larga aceitao. No que os telogos se tornaram ateus ou agnsticos mas, sim, que procuraram compatibilizar a crena em Deus com os postulados do Racionalismo. Muitos telogos passaram a afirmar a existncia de Deus, mas negavam sua interveno na histria humana, quer atravs de revelao, quer atravs de milagres ou da providncia. Como resultado da invaso do Racionalismo na teologia, chegou-se concluso de que o sobrenatural no invade a histria. A histria passou a ser vista como simplesmente uma relao natural de causas e efeitos. O conceito de que Deus se revela ao homem e de que intervm e atua na histria humana foram excludos de cara. Como conseqncia, os relatos bblicos envolvendo a atuao miraculosa de Deus na histria, como a criao do mundo, os milagres de Moiss e os milagres de Jesus passaram a ser desacreditados. J que milagres no existem, segue-se que esses relatos so fabricaes do povo de Israel e, depois, da Igreja, que atribuiu a Jesus atos sobrenaturais que nunca aconteceram historicamente. Para se interpretar corretamente a Bblia, seria necessria uma abordagem no religiosa, desprovida de conceitos do tipo Deus se revela, ou a Bblia a revelao infalvel de Deus ou ainda, a Bblia no pode errar. Telogos protestantes que adotaram essa abordagem crtica (que consideravam como neutra) justificavam-se afirmando que a Igreja Crist, pelos seus dogmas e decretos, havia obscurecido a verdadeira mensagem das Escrituras. No caso dos Evangelhos, os dogmas dos grandes conclios ecumnicos acerca da divindade de Jesus haviam obscurecido a sua figura humana e tornaram impossvel, durante muito tempo, uma reconstruo histrica da sua vida. Essa impossibilidade, eles afirmavam, tornou-se ainda maior aps a Reforma, quando a exegese dos Evangelhos e da Bblia em geral passou a ser controlada pelas confisses de f e pela teologia sistemtica.

Os estudiosos crticos argumentaram ainda que, para que se pudesse chegar aos fatos por detrs do surgimento da religio de Israel e do cristianismo, seria necessrio deixar para trs dogmas e teologia sistemtica, e tentar entender e reconstruir os fatos daquela poca. O principal critrio a ser empregado nessa empreitada seria a razo, que os racionalistas entendiam como sendo a medida suprema da verdade. As ferramentas a serem usadas seriam aquelas produzidas pela crtica bblica, como crtica da forma, crtica literria, entre outras. Assim, muitos pastores e telogos que criam que a Bblia era a Palavra de Deus, influenciados pela filosofia da poca, tentaram criar um sistema de interpretao da Bblia que usasse como critrio o que fosse racional ao homem moderno, dando origem ao chamado mtodo histrico-crtico de interpretao bblica.

Os estudiosos responsveis pelo surgimento e desenvolvimento inicial do mtodo crtico defendiam que o dogma da inspirao divina da Bblia deveria ser deixado fora da exegese, para que a mesma pudesse ser feita de forma neutra. Seguiu-se a separao entre Palavra de Deus e Escritura Sagrada, rejeitando-se o conceito da inspirao e infalibilidade da Bblia. Surge a idia de mito na Bblia, que era a maneira pela qual a raa humana, em tempos primitivos, articulava aquilo que no conseguia compreender. Segundo os exegetas crticos, as fontes que os autores bblicos usaram estavam revestidas de mitos, ou lendas criadas por Israel e pela Igreja apostlica. O surgimento da dialtica de Hegel marcou esta fase. Hegel oferecia uma viso da histria sem Deus, explicando os acontecimentos, no em termos da interveno divina, mas em termos de um movimento conjunto do pensamento, fazendo snteses entre os movimentos contraditrios (tese e anttese). A tentativa de unir o Racionalismo com a exegese bblica no produziu um resultado satisfatrio. Ficou-se com uma Bblia que deixou de ser a Palavra de Deus para se tornar o testemunho de f do povo de Israel e da Igreja Primitiva. Como resultado, surgiu um movimento dentro do cristianismo que se chamou liberalismo, o qual rapidamente influenciou as igrejas crists na Europa, e de l, seguiu para os Estados Unidos, onde defendia os seguintes pontos:1. O carter de Deus de puro amor, sem padres morais. Todos os homens so seus filhos e o pecado no separa ningum do amor de Deus. A paternidade de Deus e a filiao divina so universais.

2. Existe uma centelha divina em cada pessoa. Portanto, o homem, no ntimo, bom, e s precisa de encorajamento para fazer o que certo.

3. Jesus Cristo Salvador somente no sentido em que ele o exemplo perfeito do homem. Ele Deus somente no sentido de que tinha conscincia perfeita e plena de Deus. Era um homem normal, no nasceu de uma virgem, no realizou milagres, no ressuscitou dos mortos.

4. O cristianismo s diferente das demais religies quantitativamente e no qualitativamente. Ou seja, todas as religies so boas e levam Deus; o cristianismo apenas a melhor delas.

5. A Bblia no o registro infalvel e inspirado da revelao divina, mas o testamento escrito da religio que os judeus e os cristos praticavam. Ela no fala de Deus, mas do que estes criam sobre ele.

6. A doutrina ou declaraes proposicionais, como as que encontramos nos credos e confisses da Igreja, no so essenciais ou bsicas para o cristianismo, visto que o que molda e forma a religio a experincia, e no a revelao. A nica coisa permanente no cristianismo, e que serve de gerao a gerao, o ensino moral de Cristo.

Nem todos os liberais abraavam todos estes pontos, e havia diferentes manifestaes do liberalismo. Entretanto, todas elas estavam enraizadas no racionalismo (s a cincia tem a verdade) e no naturalismo (negao da interveno criadora de Deus no mundo) e queriam adaptar as doutrinas do cristianismo moderna teoria cientfica e s filosofias da poca.

A Reao Conservadora: Surgimento do Fundamentalismo CristoO nome fundamentalistas foi cunhado para se referir aos pastores, presbteros e professores conservadores americanos de todas as denominaes histricas que se coligaram para defender a f crist da intruso do liberalismo nos seus seminrios e igrejas. O nome foi usado por trs motivos. Primeiro, os conservadores insistiam que o liberalismo atacava determinadas doutrinas bblicas que eram fundamentais do cristianismo e que, ao neg-las, transformava o cristianismo em outra religio, diferente do cristianismo bblico. Segundo, a publicao em 1910-1915 da srie Os Fundamentos, 12 volumes de artigos escritos por conservadores onde defendiam os pontos fundamentais do cristianismo e atacavam o modernismo, a teoria da evoluo, etc., dos quais foram publicadas 3 milhes de cpias e espalhadas pelos Estados Unidos. H artigos de eruditos conservadores como J. G. Machen, John Murray, B. B. Warfield, R. A. Torrey, Campbell Morgan e outros. E terceiro, a elaborao de uma lista dos pontos considerados fundamentais do cristianismo. Muito embora o conflito entre liberais e fundamentalistas envolvesse muito mais do que somente estes pontos abaixo, os mesmos foram considerados na poca pelos conservadores como os pontos fundamentais da f e do cristianismo evanglico, tendo se tornado o slogan dos conservadores e a bandeira do movimento fundamentalista:

1. A inspirao, -infalibilidade e inerrncia das Escrituras reagindo contra os ataques do liberalismo que considerava que a Bblia estava cheia de erros de todos os tipos.

2. A divindade de Cristo tambm negada pelos liberais, que insistiam que Jesus era apenas um homem divinizado.3. O nascimento virginal de Cristo e os milagres para o liberalismo, milagres nunca existiram, eram construes mitolgicas da Igreja primitiva.4. O sacrifcio propiciatrio de Cristo para os liberais, Cristo havia morrido somente para dar o exemplo, nunca pelos pecados de ningum.5. Sua ressurreio literal e fsica e seu retorno ambas doutrinas eram negadas pelos liberais, que as consideravam como inveno mitolgica da mente criativa dos primeiros cristos.

Em 1920, o termo fundamentalistas foi empregado por conservadores batistas para designar todos aqueles que lutassem em favor destes cinco pontos. O uso se espalhou para todos, de todas as denominaes afetadas pelo liberalismo que lutavam para preservar estas doutrinas fundamentais do cristianismo, e que se alinhavam teologicamente com o contedo da obra Os Fundamentos.

As principais fases do movimento fundamentalista nos Estados Unidos

Nesta parte, analisaremos o desenvolvimento histrico e teolgico do fundamentalismo na Igreja Crist nos Estados Unidos e no Brasil. Podemos dividir sua histria em quatro fases.

Fase 1: Conflito e derrota (at meados da dcada de 1920)

Nesta fase inicial, lderes conservadores levantaram a bandeira contra o liberalismo ou modernismo dentro de suas denominaes. Eles estavam lutando contra a incredulidade, antes que os liberais finalmente tomassem o controle dos seminrios e da administrao. O objetivo era expulsar os liberais das fileiras das igrejas. Vrias medidas foram tomadas com este fim. Entre elas destacamos a publicao da srie Os Fundamentos. O alvo foi atacar o naturalismo, o liberalismo e todos os males a eles associados. A inerrncia da Palavra de Deus reafirmada nesta obra como sendo doutrina bblica e fundamental. Os conservadores, a esta altura j conhecidos como fundamentalistas, se organizam em associaes e em movimentos dentro das denominaes. Surgem as listas dos pontos fundamentais que, embora variando quanto aos itens, concordam que a inerrncia da Bblia essencial. As denominaes realizam encontros e reunies para debater o assunto.

Um importante fato ocorrido neste perodo foi -que J. Gresham Machen e outros importantes professores conservadores deixam o Seminrio Presbiteriano de Princeton, que fica nas mos dos liberais, e fundam o Seminrio de Westminster. publicado o importante livro de Machen, Cristianismo e Liberalismo (1923), um clssico sobre o assunto. Os fundamentalistas tentam tambm, atravs dos meios polticos, promulgar leis federais e nos estados, proibindo o ensino do evolucionismo. Mas, so derrotados no caso Scopes (1925), o julgamento de um professor de escola secundria que ensinava evoluo em classe. Gradativamente o movimento fundamentalista comea a adotar o pr-milenismo como um dos pontos fundamentais da f crist, o que provocar na fase seguinte um importante racha no movimento.Fase 2: Separao e organizao (at meados da dcada de 1940)

Nesta fase, o movimento fundamentalista percebe o fracasso em expulsar os liberais das fileiras das grandes denominaes reformadas, muito embora os conservadores fossem a maioria nestas denominaes. Como resultado, separam-se formando novas instituies, associaes, igrejas e denominaes. So formadas novas denominaes, como a Associao Geral de Igrejas Batistas Regulares (1932), a Igreja Presbiteriana da Amrica que em seguida mudou o nome para Igreja Presbiteriana Ortodoxa (OPC), liderada por J. Machen (1936), a Associao Batista Conservadora da Amrica (1947), as Igrejas Fundamentalistas Independentes da Amrtica (1930) e muitas outras. No sul dos Estados Unidos os fundamentalistas dominaram a maior denominao batista, a Conveno Batista do Sul, a Igreja Presbiteriana do Sul, a Associao Batista Americana e muitas outras denominaes. Todos estas defendem os pontos fundamentais, particularmente a inerrncia da Palavra de Deus.

Os fundamentalistas formaram tambm muitas associaes e juntas missionrias, seminrios e institutos bblicos, peridicos, conferncias bblicas pelo pas afora para evangelizao, defesa da f e treinamento bblico de pastores, missionrios e obreiros. O movimento comea a associar-se com alguns valores morais da cultura americana, como a abstinncia completa do lcool. nesta fase que o movimento fundamentalista se divide pela primeira vez. A causa da separao foi que muitos fundamentalistas queriam considerar o pr-milenismo como um dos pontos fundamentais do cristianismo. Alm disto, havia a identificao crescente deles com a total abstinncia de bebida alcolica e rejeio das descobertas e avanos das cincias. Sai um grupo liderado por Carl McIntire para formar a Igreja Presbiteriana da Bblia e o Seminrio Teolgico da F (1938). Com ele saram Francis Schaeffer, Alan McRae, que posteriormente vieram tambm a afastar-se de McIntire. O ponto principal que nesta fase entra no movimento fundamentalista o conceito de separao organizacional de qualquer associao ou denominao que mantenha e tolere liberais em seu meio. Infelizmente, os fundamentalistas entenderam que a separao era a nica forma bblica para manter a pureza da f e a integridade dos pontos fundamentais do cristianismo. Conseqentemente, o termo fundamentalista comea a ter conotao de intransigncia, divisionismo, intolerncia, anti-intelectualismo, e falta de preocupao com problemas sociais. Assim, no final desta fase, o nome fundamentalistas se referia aos cristos conservadores separatistas que eram maioria dentro das denominaes ao sul dos Estados Unidos e aos que haviam sado de suas denominaes formando outras de carter eminentemente fundamentalista.

Fase 3: Neo-Evangelicalismo (at meados de 1970)

Nesta fase o fundamentalismo continua a batalha contra o liberalismo, de fora das denominaes e contra um novo inimigo, o neo-evangelicalismo. O movimento ganha repercusso internacional. Os fundamentalistas criam programas de rdio e televiso, e fundam faculdades que os mantm unidos e ligados como numa rede invisvel. ento que surge o neo-evangelicalismo ou evangelicalismo, uma ala dentro do movimento fundamentalista que deseja preservar os pontos fundamentais da f mas no deseja o esprito separatista da primeira gerao de fundamentalistas. O evangelicalismo procura comunho e associao com outros cristos, pentecostais, conservadores e mesmo liberais, desejando fugir do rtulo fundamentalista, embora afirme a princpio a inerrncia das Escrituras.

Esta segunda diviso no movimento atinge seriamente igrejas, denominaes e seminrios fundamentalistas. Os que se consideravam evanglicos saem do movimento fundamentalista para formar novas associaes e igrejas evangelicais. Em termos organizacionais, surge nos Estados Unidos o Conclio Americano de Igrejas Crists, fundado por Carl McIntire (1941) representando os fundamentalistas e a Associao Nacional de Evanglicos (1942), representando os evangelicais. Surgem o Seminrio de Fuller, a revista Christianity Today, o Wheaton College e a Associao Billy Graham, dentro da perspectiva evangelical. O fundamentalismo comea a atacar o evangelicalismo, considerando-o um grande perigo ao verdadeiro cristianismo, por causa de sua abertura para outros cristos, associao com liberais e tendncia de acomodar a f cincia moderna.Da parte dos fundamentalistas criado o Conclio Internacional de Igrejas Crists (1948), formado por denominaes, igrejas e indivduos que se identificaram com a bandeira fundamentalista, em oposio ao Conclio Mundial de Igrejas (CMI), ecumnico e liberal em muitos aspectos. Nesta fase, o fundamentalismo se torna menos proeminente, e alguns at pensaram que havia morrido. Na verdade, estava se expandindo firmemente, atravs da evangelizao, publicaes, plantao de igrejas e programas de rdio. Fase 4: Luta contra o Humanismo Secular (at meados de 1980)

A partir da campanha de Ronald Reagan para a presidncia dos Estados Unidos, o fundamentalismo americano entrou numa nova fase. Ganhou proeminncia por oferecer uma soluo para a crise social, econmica, moral e religiosa da Amrica que envolvia legalizao do aborto, proibio da leitura da Bblia e orao nas escolas pblicas, etc. O inimigo era o humanismo secular, responsvel por corroer os valores morais, as escolas, universidades, o governo e a famlia. Os males associados ao humanismo eram: evolucionismo, liberalismo poltico e teolgico, moralidade frouxa, perverso sexual, socialismo, comunismo e o ataque autoridade das Escrituras. Para combater o novo inimigo, surgem de dentro do fundamentalismo novos ministrios fundados e liderados por uma nova gerao de fundamentalistas, utilizando-se da mdia televisiva e impressa. Entre eles: Jerry Falwell, Tim LaHaye, Hal Lindsey, James Dobson, Pat Robertson. A base deles era a Conveno Batista do Sul, mas atingiram rapidamente todas as denominaes e tambm outros pases, como o Brasil. Ao contrrio de geraes anteriores de fundamentalistas, envolveram-se com questes scio-polticas. Fundamentalistas antigos, como Carl McIntire, somem do cenrio por causa de desgaste poltico e extremo isolacionismo.

O alvo principal dos ataques fundamentalistas nesta poca era o domnio do governo por humanistas e as conseqncias disto para a nao, em termos da libertinagem e relaxamento dos valores morais. Acreditavam que havia uma conspirao humanista para tomar a Amrica e banir o cristianismo. A luta do fundamentalismo contra os direitos dos homossexuais, do uso de drogas, o movimento feminista, associaes com a Rssia, posse de armas. Por outro lado, os fundamentalistas se engajam na luta pelo ensino do criacionismo nas escolas, ao lado do evolucionismo.

Esses novos lderes fundamentalistas mantinham os mesmos pontos doutrinrios e a mesma viso separatista da primeira gerao de fundamentalistas, embora enfrentassem um outro inimigo, o humanismo secular. Sua mensagem foi de chamar a Igreja a retornar aos fundamentos da Palavra de Deus, como chave para uma nova reforma na sociedade e na Igreja. Neste sentido foi formada a Maioria Moral (1979), sob a liderana de Jerry Falwell, para combater o liberalismo moral e social nos EUA. Nisto se associam com catlicos, pentecostais e judeus de pensamento igual ao deles.

O fundamentalismo ganhou mais fora nesta poca com o fato de que o movimento evangelical comeou a dar mostras de que a poltica de boa vizinhana com liberais e catlicos terminava em prejuzo para a f bblica. Lderes evangelicais, bem como seminrios e publicaes evangelicais, comearam a aceitar o evolucionismo testa, o ecumenismo com catlicos e liberais (Billy Graham). Associaes evangelicais de telogos comearam a tolerar telogos que questionavam mesmo a oniscincia de Deus. Por outro lado, os escndalos na dcada de 1980, envolvendo o casal Bakker, televangelistas fundamentalistas, causaram um grande revs no movimento fundamentalista nos Estados Unidos. Surgem movimentos radicais de dentro do fundamentalismo como o Reconstrucionismo de Gary North e Rushdoony.

Apesar de tudo, o fundamentalismo nos Estados Unidos continua firme e crescendo. O crescimento, entretanto, no se faz em termos denominacionais, mas da multiplicao da mentalidade fundamentalista nos aspectos teolgicos e apologticos, dentro das denominaes tradicionais e no crescimento de ministrios, misses, institutos e seminrios de posio teolgica fundamentalista.O Fundamentalismo no Brasil: Breve Histrico

Vejamos em breves palavras o impacto do movimento fundamentalista em nosso pas e os principais eventos da sua formao e continuidade. J em 1951 foi fundada por fundamentalistas a Aliana Latino Americana de Igrejas Crists (ALADIC), cujo primeiro presidente foi o brasileiro Rev. Synrio Lira, do Rio de Janeiro. A ALADIC congregava igrejas fundamentalistas na Amrica Latina e no Brasil e tinha como alvo opor-se na Amrica Latina ao Conclio Mundial de Igrejas (CMI), de orientao liberal e ecumnica. Nesta mesma poca, Dr. Israel F. Gueiros, pastor da Igreja Presbiteriana de Recife e ligado ao Conclio Internacional de Igrejas Crists (CIIC), liderou uma campanha contra o Seminrio Presbiteriano do Norte (SPN) sob a acusao de modernismo. O liberalismo teolgico j havia chegado ao Brasil e entrado em vrios seminrios das denominaes histricas. Havia professores nestes seminrios como Richard Shaull, no Seminrio Presbiteriano do Sul, em Campinas, considerado como o pai da teologia da libertao. No Nordeste, alguns missionrios americanos da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos (PCUSA) que eram professores do SPN questionavam a integridade dos relatos de Gnesis sobre a criao, atacando a inerrncia das Escrituras.Dr. Gueiros fundou outro seminrio e foi deposto pelo Presbitrio de Pernambuco em julho de 1956. Em 21 de setembro foi organizada sob sua liderana a Igreja Presbiteriana Fundamentalista do Brasil com quatro igrejas locais (incluindo elementos batistas e congregacionais), que formaram um presbitrio com 1800 membros. A nova denominao se filia ao CIIC e ALADIC. A Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), diante da penetrao cada vez maior no pas da influncia dos dois Conclios surgidos no final da dcada de 40, toma a seguinte resoluo em 1962: -(1) A IPB reafirma a sua posio teolgica e doutrinria formada em termos, no de eqidistncia de qualquer conclio ou conselho ecumnico, e sim em termos de fidelidade s Escrituras do Velho e do Novo Testamento; (2) A IPB reafirma a posio de no envolvimento formal nem em relao ao CIIC, nem ao CMI e outros, no fugindo, porm, a contatos com estes agrupamentos ecumnicos em tudo que no fira seus padres ticos, nem implique em concesses na rea de seus smbolos de f; (3) A IPB reafirma que no h de sua parte, qualquer resoluo ou inteno de filiar-se a conclios ou conselhos ecumnicos de mbito mundial. Esta posio foi mais tarde reafirmada, em 1966. Nos anos 50 a 90, o movimento fundamentalista floresceu no Brasil, particularmente no Nordeste, realizando congressos, campanhas, mantendo programas de rdio e televiso e publicando literatura. Tambm expandiu-se no interior de Pernambuco e outros estados, abrindo congregaes e igrejas em vrias cidades. Talvez fosse importante mencionar a Igreja Presbiteriana Conservadora (IPC). Esta denominao havia sado da Igreja Presbiteriana Independente por causa da infiltrao do liberalismo teolgico, havendo pastores que negavam a realidade da eternidade do castigo de Deus sobre os mpios. A IPC participou em Amsterdam, como fundadora do Conclio Internacional de Igrejas Crists, do movimento fundamentalista mundial. Desenvolveu-se como denominao no sul-sudeste e no centro-oeste do Brasil. Permaneceu no CIIC at a dcada de setenta, quando saiu por discordar de decises e rumos que estavam sendo tomados pelo CIIC, do qual desligou-se oficialmente em meados da dcada de 70, diminuindo ainda mais a influncia do CIIC no Brasil, que ficou praticamente apoiado pela I.P. Fundamentalista. Os Batistas Regulares j haviam sado do CIIC no final da dcada de 60.No final da dcada de 90, a Igreja Presbiteriana Fundamentalista v a grande maioria de suas igrejas voltando para a IPB, permanecendo apenas algumas poucas dentro do movimento fundamentalista. Com isto, o movimento se faz representar no Brasil hoje por estas poucas igrejas presbiterianas e algumas igrejas batistas tendo se identificado com o Pentecostalismo tradicional - que abraou o dispensacionalismo como cerne teolgico, a viso restrita de liberdade crist e alguns aspectos da batalha espiritual. A ALADIC continua realizando congressos a cada trs anos: Chile (1992), Vigiai, Cristo est retornando em breve; Equador (1995), Igrejas fiis evangelizam, edificam e ficam firmes pela f; Guatemala (1999), Maranatha, o Senhor est voltando. O alvo sempre combater o Conclio Mundial de Igrejas. Mas como movimento, o fundamentalismo no tem mais expresso no quadro evanglico nacional.

Caractersticas do Fundamentalismo Brasileiro Atual

Atualmente, o fundamentalismo brasileiro, com possveis excees, parece exibir as seguintes marcas caractersticas: o dispensacionalismo, o sionismo, separatismo das demais denominaes, o Oriente Mdio como relgio do mundo, sndrome de uma conspirao mundial ocultista para controlar o mundo, batalha espiritual e a aniquilao futura dos palestinos, entre outras. Alm disto, parece ter desenvolvido uma mentalidade de censura e apego a itens perifricos como se fossem o cerne do evangelho (tal mentalidade est presente em muitas de nossas igrejas). Tem declarado guerra especialmente ao surgimento da Nova Ordem Mundial, identificada como o reino do Anticristo, e levantado a bandeira contra itens que julga ser instrumentos de Satans para promover este Reino, desde smbolos ocultistas espalhados em todo lugar at verses modernas da Bblia (especialmente a Bblia na Linguagem de Hoje e a Nova Verso Internacional), a clonagem humana, como um dos fundamentos da nova ordem mundial e os jogos olmpicos mundiais.

preciso notar que o fundamentalismo brasileiro no est mais restrito a esta ou aquela denominao. mais uma atitude que se faz presente em igrejas locais das mais diversas denominaes e em determinadas misses e instituies evanglicas.Concluses

Olhando a histria, podemos perceber vrios aspectos do fundamentalismo que o caracterizam e definem. Primeiro, o fundamentalismo como movimento teolgico de retorno aos fundamentos bblicos do cristianismo histrico, o qual foi representado pelos conservadores que se levantaram contra o liberalismo no incio do sculo passado e defendendo os cinco pontos fundamentais, entre outros. Neste aspecto, o fundamentalismo se v, no como um novo movimento, mas como a continuao histrica da f bblica. Segundo, o fundamentalismo como movimento separatista do erro teolgico como meio de preservar a verdade crist. Sob este aspecto, o fundamentalismo cr que no pode haver associao com igrejas, denominaes e indivduos que neguem os pontos fundamentais do cristianismo. Fazer isto seria acomodar a f crist ao erro e trair o ensino bblico de que os cristos devem se separar dos falsos mestres. Neste aspecto, o fundamentalismo se v como movimento apologtico de defesa da f, que entende como tarefa da Igreja crist defender a f que, uma vez por todas, foi entregue aos santos.

Terceiro, o fundamentalismo como rejeio do conhecimento cientfico, dos avanos e descobertas modernos, da utilizao de novos conhecimentos e mtodos na interpretao bblica. Neste aspecto, desconfia de tudo novo que provenha de descobertas cientficas.

Quarto, o fundamentalismo como movimento escatolgico, profundamente identificado com o dispensacionalismo, com Israel, com os acontecimentos polticos do Oriente Mdio, com a destruio dos palestinos, e que percebe uma conspirao mundial para o surgimento do Reino do Anticristo atravs do ocultismo, da tecnologia, da mdia, dos eventos mundiais, das superpotncias.

Quinto, o fundamentalismo como movimento ativamente identificado poltica e socialmente com o capitalismo, avesso s questes sociais, inimigo dos sistemas polticos identificados com o atesmo, como o comunismo e o socialismo.

Muitos cristos conservadores que no pertencem a denominaes fundamentalistas se identificam hoje com aspectos do fundamentalismo, principalmente a aderncia aos pontos fundamentais da f e a defesa da f crist, muito embora no aceitem o rtulo fundamentalista.Avaliao Crtica do Fundamentalismo

Devemos entender que o fundamentalismo no um movimento monoltico. H muitas e diferentes expresses do fundamentalismo. Entretanto, os crticos tendem a trat-las de forma uniforme e a identificar como fundamentalista qualquer pessoa que exiba alguma caracterstica do fundamentalismo. Lembremos ainda que o termo fundamentalismo ganhou conotaes muito mais polticas do que religiosas nesses ltimos anos, principalmente por causa do Islamismo, que utiliza a religio para fazer poltica.Os fundamentalistas vistos pelos crticos

H muitas crticas feitas aos fundamentalistas por diferentes grupos. Eles so acusados por grupos liberais ou neo-ortodoxos de terem criado o inerrantismo, doutrina resultante da influncia do prprio racionalismo e que no defensvel diante das descobertas da cincia. So tambm acusados por estes grupos de crerem na inspirao verbal plenria, isto , que Deus teria ditado cada palavra da Bblia e de terem uma interpretao literatista da Bblia, que acredita literalmente em cada palavra das Escrituras, rejeitando o mtodo histrico-crtico que representaria um avano na hermenutica.

Quanto apologtica, so criticados como donos da verdade, guardies da Igreja ou defensores de Deus, por terem uma atitude militante em defesa da f e contra o que consideram como erro doutrinrio e prtico. Neste aspecto so freqentemente chamados pejorativamente de xiitas e de separatistas e divisionistas, que no conseguem conviver com quem pensa diferente deles. J os grupos feministas acusam os fundamentalistas de machistas, por militarem contra o movimento feminista e especialmente contra a ordenao de mulheres ao ministrio.

Os fundamentalistas so ainda considerados como obscurantistas e anti-intelectuais, por desconfiarem das descobertas cientficas e do valor delas para a interpretao mais acurada da Bblia, de isolacionistas e pessimistas quanto ao mundo e ao homem, por no se envolverem em questes sociais e polticas.

No geral, so vistos como um movimento reacionrio, movido pelo medo da extino de si mesmos e da verdade, que se alimenta das crises religiosas, polticas sociais e econmicas para subsistir. So as sobras de um passado distante, atrasados, antiquados e retrgrados. Ainda so criticados como totalitaristas, pessoas que desejam impor suas idias e sua viso de igreja e de mundo fora, por todos os meios possveis.

Naturalmente, as crticas feitas aos fundamentalistas dependero dos posicionamentos teolgicos e ticos dos que as fazem. Os cristos evanglicos reformados e conservadores percebero que muitas das crticas feitas aos fundamentalistas, na verdade, so ataques ao cristianismo histrico e bblico defendido por eles, pelo menos nos incios do movimento.

Como os fundamentalistas se entendem

Vejamos em seguida a concepo que os fundamentalistas tm de si prprios e que se encontra em artigos e publicaes escritos por fundamentalistas. No geral, eles se entendem como descendentes e preservadores atuais de tradies antigas, e no manifestaes contemporneas de sobras de um passado distante. Lembram que sua caracterstica distintiva a interao crtica com a cultura moderna (teologia, filosofia, cincia, etc.). Portanto, no podem ser considerados como antiqurios e antiquados. Eles se definem em oposio ao mundo moderno, muito embora firmados na antiga Bblia.

Eles insistem que o fundamentalismo mais que a afirmao dos cinco fundamentos. tambm uma atitude militante contra todas as afirmaes e atitudes anti-bblicas, na Igreja e na sociedade, e a separao bblica de quem apia ou tolera estas afirmaes e atitudes. Para eles, o divisionismo e o separatismo so bblicos, quando a preservao da pureza do Evangelho assim o requeira. As exigncias feitas para que algum pertena s suas igrejas e organizaes (converso, aderncia confisses e credos) no separatismo ou exclusivismo, mas obedincia aos critrios bblicos visando a pureza doutrinria das igrejas locais.

Negam que sejam anti-intelectuais. Desejam apenas que o raciocnio seja guiado pelos pressupostos bblicos e no pelo racionalismo e o naturalismo controladores das cincias modernas. Rejeitam da modernidade aquilo que contrrio Palavra de Deus, mas usam o que bom e proveitoso, como a tecnologia de comunicaes, entre outros. Negam ainda que sejam reacionrios e apontam para o fato de que tm desenvolvido meios criativos, atravs da histria, de expressar positivamente a f bblica e de apresentar solues para problemas sociais, morais, espirituais e polticos que afligem o homem moderno. Rejeitam a idia de que so produto de crises, como os crticos dizem, tentando desta forma rotul-los negativamente. A organizao, a continuidade e o sucesso deles na histria (enquanto que seus inimigos j mudaram ou sumiram) mostram que o fundamentalismo mais que um movimento reacionrio que se alimenta das crises da humanidade. Tambm negam que sejam alimentados e movidos pelo medo (que a tese de Karen Armstrong em Em Nome de Deus), no tm receio de extino e nem que a verdade um dia vai ser extinta da terra. Na verdade, so otimistas e confiantes na vitria final do Reino de Deus e da verdade aqui neste mundo e acreditam que Deus e a histria esto do lado deles.Tambm no se vem como machistas sua atitude para com as mulheres no que tange ao ministrio cristo (no ordenam mulheres) so em obedincia ao ensino bblico sobre o papel da mulher na Igreja. Na verdade, condenam a agresso feita s mulheres pelos fundamentalistas islmicos. O fato de que defendem uma sociedade que seja orientada por princpios bblicos em todas as reas (escolas, leis, poltica, economia, artes) no quer dizer que sejam totalitrios, os quais se utilizam da fora e da violncia para impor estes princpios, como no fundamentalismo islmico.

Em 1976, no Congresso Mundial de Fundamentalistas, na Esccia, a seguinte definio de um fundamentalista foi elaborada:

Um fundamentalista um crente no Senhor Jesus, que nasceu de novo, e que:

1. Conserva uma lealdade inamovvel Bblia, que ele recebe como inerrante, infalvel e inspirada verbalmente por Deus.

2. Acredita na veracidade de tudo aquilo que a Bblia diz.

3. Julga todas as coisas pela Bblia e julgado somente por ela.

4. Afirma as verdades fundamentais da f crist histrica: a doutrina da Trindade; a encarnao, nascimento virginal, sacrifcio expiatrio, ressurreio fsica e ascenso gloriosa, e a segunda vinda do Senhor Jesus; o novo nascimento pela regenerao do Esprito Santo; a ressurreio dos santos para a vida eterna; a ressurreio dos mpios para o julgamento final e a morte eterna; e a comunho dos santos, que so o corpo de Cristo.

5. Pratica fidelidade a esta f e procura preg-la a cada criatura.

6. Expe e se separa de todas as negaes eclesisticas desta f, do compromisso com o erro, e da apostasia da verdade.

7. Contende fervorosamente pela f uma vez dada aos santos.Em resumo, podemos identificar como marcas teolgicas gerais do fundamentalismo o apelo de retorno aos fundamentos da f crist; o compromisso inalienvel com pontos fundamentais do cristianismo histrico, especialmente a doutrina da inerrncia bblica e as demais doutrinas disto decorrentes, como a autenticidade e historicidade de todos os relatos bblicos (nascimento virginal, sacrifcio expiatrio, ressurreio fsica, segunda vinda de Cristo, os milagres da Bblia, etc.); a defesa militante destes fundamentos contra tudo que possa amea-los, como o liberalismo teolgico, o evangelicalismo, o humanismo, o ocultismo e tudo mais que for a isto associado; o separatismo eclesistico de organizaes que sejam, mantenham ou tolerem liberais ou outros que ameacem a f crist.

Anlise Crtica do Fundamentalismo

Aspectos Positivos

H pontos positivos no fundamentalismo que merecem ser admitidos e mencionados. Primeiro, consideremos o fundamentalismo em sua condio de movimento teolgico de retorno aos fundamentos bblicos do cristianismo histrico, com sua aderncia inabalvel aos fundamentos da f crist, particularmente ao conceito da autoridade das Escrituras, onde estes fundamentos se apiam. Esta nfase acabou promovendo uma grande nfase s doutrinas reformadas, contribuindo para o fortalecimento da f reformada inclusive entre os batistas em geral, que haviam sucumbido ao arminianismo. Um outro aspecto positivo do fundamentalismo sua face apologtica, como movimento de defesa da f, que entende ser tarefa da Igreja crist defender a f que uma vez por todas foi entregue aos santos. Neste aspecto, positiva a disposio de lutar em favor da f bblica, identificando inimigos potenciais do cristianismo, como o liberalismo teolgico, o humanismo, o evolucionismo e o neo-evangelicalismo no que tem gradualmente abandonado a doutrina da infalibilidade da Escritura e adotado tanto o ecumenismo quanto o evolucionismo testa.

Mencionemos ainda a viso evangelstica do fundamentalismo, sempre ativamente engajado na evangelizao, preparao de obreiros e divulgao de literatura. Neste sentido, usaram o melhor que a tecnologia pode oferecer, com redes de rdio e TV, organizaes e editoras. Exemplos no Brasil: Focus on the Family (James Dobson), Organizao Palavra da Vida, Chamada da Meia Noite (Wim Malgo), Clube dos 700 (Pat Robertson), Aliana Crist Missionria, entre outros.Aspectos Negativos

Porm, existem alguns aspectos do fundamentalismo que merecem reparo. Primeiro, o conceito fundamentalista de que a separao institucional do erro teolgico o nico meio de preservar a verdade crist. Sob este aspecto, o fundamentalismo cr que no pode haver associao com igrejas, denominaes e indivduos que neguem os pontos fundamentais do cristianismo. Entretanto, conservadores s vezes tm optado por fazer resistncia organizada dentro de suas denominaes, quando as mesmas foram tomadas pelos liberais, s vezes com bons resultados. Os conservadores da denominao Batista do Sul dos Estados Unidos, aps terem perdido para os liberais em muitos seminrios, conseguiram reagir e readquiriram recentemente o controle da denominao e da educao teolgica. Nos Estados Unidos, os evanglicos que permaneceram na Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos (PCUSA) formaram uma Aliana de Igrejas Confessantes, que juntou presbitrios e igrejas conservadoras em torno de uma breve confisso de 3 pontos: infalibilidade da Bblia, condenao do homossexualismo e salvao somente por Cristo, pontos polmicos dentro da denominao. As igrejas filiadas Aliana no do dzimo para a Assemblia Geral, no aceitam pastores e pastoras homossexuais, e se mobilizam para lutar contra os liberais nos conclios da denominao. Podemos mencionar ainda a formao na Holanda, em 1905, da Gereformeerde Bond (Aliana Reformada) dentro da Igreja Reformada do Estado (Hervormde Kerk) , que estava aceitando o liberalismo teolgico. E, por fim, o ocorrido na Igreja Presbiteriana da Esccia, onde o nmero de pastores reformados era pouco mais de trs ou quatro cerca de trinta anos passados. Sob a liderana de William Still e posteriormente de David Searle, decidiram permanecer na igreja, ainda que fossem uma insignificante minoria, usando duas armas, a orao e a pregao expositiva, preparando novos pastoresque simpatizaram com esta causa. Hoje renem um grupo de cerca de 300 pastores a cada ano para a reflexo sobre as marcas da Igreja de Cristo. No obstante serem ainda minoria no contexto da denominao, existe grande esperana de que a Igreja da Esccia volte a ser o que John Knox desejou e orou em favor dela. Os exemplos acima mostram que o separatismo denominacional e eclesistico no o nico caminho correto para se lidar com o erro teolgico, quando o mesmo se infiltra nas organizaes eclesisticas. H limites, claro, para a estratgia mencionada acima, como por exemplo, o abandono de toda confessionalidade por parte de uma denominao ou a aceitao oficial do homossexualismo.Aqui incluiramos tambm, como aspecto negativo, a atitude de desconfiana, crtica e separatismo que alguns fundamentalistas tm para com irmos conservadores que no pensam como eles em todos os pontos. O fundamentalismo nem sempre consegue conviver com diferentes opinies, mesmo em questes que no afetam os pontos fundamentais da f, e acaba tratando com desconfiana irmos conservadores que concordam com os pontos fundamentais mas que divergem em outras questes. Um outros aspecto negativo a identificao atual do fundamentalismo com o dispensacionalismo, alm do desenvolvimento de uma sndrome de conspirao mundial para o surgimento do Reino do Anticristo atravs do ocultismo, da tecnologia, da mdia, dos eventos mundiais, das superpotncias. Acrescente-se ainda o desenvolvimento de uma mentalidade de censura e apego a itens perifricos como se fossem o cerne do evangelho e critrio de ortodoxia (por exemplo, s bblico e conservador quem usa verses da Bblia baseadas no Texto Majoritrio, quem no assiste desenhos da Disney e no assiste Harry Potter).

ConclusoConclumos este Caderno indagando sobre a propriedade e convenincia de usarmos o termo fundamentalista para descrever cristos que crem na importncia dos fundamentos bblicos da f, como o fundamentalismo acredita. Muito embora no seja, definitivamente, um descrdito para o cristo o compromisso com os pontos fundamentais, certamente muitos no gostariam de ser chamados de fundamentalistas. O prprio J. Gresham Machen, em vrias ocasies, disse que preferia no ser chamado assim, mas sim um cristo reformado, comprometido com o cristianismo bblico e histrico. H vrios motivos pelos quais o rtulo no mais apropriado. Primeiro, pelo carter emocional do termo. Ele usado dentro e fora da Igreja para expressar emoes fortes de revolta e rancor da parte dos que o utilizam contra outros que ousam discordar e opor-se de forma firme, mesmo que estejam corretos nesta oposio.Segundo, pelo carter vago do termo. Freqentemente ele usado em generalizaes injustas e maldosas, sem que se faa distines importantes e sem que se explique o que um fundamentalista. Atualmente, o termo se tornou to vago pelo uso generalizado e emocional, que no quer dizer mais nada. Terceiro, pelo carter pejorativo do termo. O mesmo tem sido usado para denegrir, rotular e marcar de forma negativa. Funciona apenas como um insulto, boa parte das vezes em que empregado, e portanto no serve mais como designao da posio teolgica de algum. Os trs pontos acima podem ser ditos tambm de outros termos como liberais, puritanos e pentecostais.Quarto, porque h diversos aspectos do fundamentalismo com os quais o reformado confessional no se identifica, conforme mencionamos acima. O reducionismo do movimento fundamentalista que, muito embora tenha um slido centro doutrinrio, entretanto deixou de representar, com o passar dos anos, o cristianismo bblico em toda a sua amplitude, por exemplo, nas questes sociais.Por fim, o termo fundamentalista se refere a um movimento relativamente recente na histria da Igreja, e pode dar a idia de mais uma novidade ou excrescncia da Igreja Crist moderna americana, enquanto que o reformado confessional se v como aderente do cristianismo bblico e das antigas doutrinas da graa.