280
1 LUÍSA TEIXEIRA ANDRADE AULA DE HISTÓRIA: CULTURA, DISCURSO E CONHECIMENTO Dissertação apresentada ao curso de Mestrado da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial à obtenção do título de mestre em Educação Orientadora: Lana Mara de Castro Siman BELO HORIZONTE FACULDADE DE EDUCAÇÃO 2006

AULA DE HISTÓRIA.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

1 LUSA TEIXEIRA ANDRADE AULA DE HISTRIA: CULTURA, DISCURSO E CONHECIMENTO Dissertaoapresentadaaocursode MestradodaFaculdadedeEducaoda UniversidadeFederaldeMinasGerais comorequisitoparcialobtenodo ttulo de mestre em Educao Orientadora:LanaMaradeCastro Siman BELO HORIZONTE FACULDADE DE EDUCAO 2006 2 Aos meus pais: Jos Carlos e Magna Com grande alegria e gratido 3 Agradecimentos professoraLanaMaradeCastroSiman,maiorrefernciaemminhaformao acadmicadesdeainiciaocientfica,pelaorientaocriteriosa,pelaspreciosas contribuies, pelo carinho e pela amizade. AoprofessorEduardoFleuryMortimerpelaoportunidadedeintegrarogrupode pesquisa, pelas contribuies valiosas e pela gentileza constante. professoraMariaLciaCastanheiraeaoprofessorOrlandoGomesAguiarpelas importantes contribuies. Ao CNPq pelo apoio financeiro. professora Eneida pela grande generosidade de abrir as portas de sua sala de aula e mepermitirconvivertodoessetempo.Aosalunosdaturma204,cujasvozes procureiouvir,verelercomateno,peladelicadezaepelocarinho.direoda EscolaEstadualMaestroVilla-Lobosporpermitir,semrestries,aexecuodesta pesquisa. Aosmeuspaispeloamoreapoioincontesteseporseremsempretomaravilhosos comigo. Aos meus queridos irmos Slvia e Bruno, pela amizade e por me causarem tantaadmirao.Eaosquatroporcriaremumambienteondeacultura,aarte,a msica e o conhecimento pudessem fazer sempre parte de minha vida. Ao Fred, pelo carinho, pelo amor, pela cumplicidade, pela pacincia. Pelo alto-astral, pelas leituras e por tornar todos os momentos vividos na trajetria mais felizes. AoMatiiinportermeapresentadoumnovomundoondereinaapenasadouraea fofura. MariadeLourdespeloenormeapoioepelaspalavrassbiasedelicadasdurante tanto tempo. Slviapelacompanhia,amizadeeapoiofundamentais.AoFbiopelocarinhoe pelaamizade.Adjanepelasexperinciascompartilhadasepelasdiscusses.Aos demaiscolegasdemestrado,doLabepehedogrupoLinguagemeCogniopela companhia, pelas discusses, e pelas festas. Aosamigoshistoriadorespelasviagens,pelasfestas,pelasconversasdebotequim. Em especial, a Priscila pela grande amizade. s eternas amigas de infncia sem precisar citar, pelo apoio e pelas gargalhadas. s amigas Virgnia, Vanessa e Bianca, pelo carinho e companhia. s minhas queridas avs: Vov Mariinha e Vov Santa, pela delicadeza e aos meus familiares pelos momentos de alegria. 4 Resumo Esta pesquisa buscou investigar os processos de ensino-aprendizagem de Histria nas interaesdiscursivasdasaladeaula.Paratanto,estabelecemoscomofocode anlise as interaes em uma turma de Histria do 2o ano do ensino mdio da Escola EstadualMaestroVilla-lobosdaRedeEstadualdeEducaodeMinasGerais.Os princpiostericosemetodolgicosdeanlisesebasearamemduastendncias contemporneasdeanlisedasinteraesemsaladeaula:aabordagem sociocultural,cujosmaioresexpoentessoVygotskyeBakhtineaperspectiva etnogrficaemeducaocomnfasenaEtnografiaInteracional.Osprocedimentos metodolgicosincluramregistrosemvideo,notasdecampo,anlisedoespao institucional,questionrios,entrevistaseumtempoprolongadodeimersoem camponovemeses.Almdosprocessosdeensino-aprendizagem,aanlisefeita estevealertaculturainerentesaladeaulaemestudo,aocontextoemseus variadostipos(interacional,social,histrico,institucional,cultural,etc.)eao conjuntodaatividadeeducacionalpormeiododiscurso.Asanlisesdosprocessos deensino-aprendizagempropriamenteditosconstituiram-sededoisfocos:o primeiro, centrado no professor, buscou caracterizar a dinmica discursiva da sala de aula investigada. O segundo foco, centrado no aluno, procurou identificar indcios do processo de sua aprendizagem e de suas operaes cognitivas, alm de tornar visveis as formas como os alunos esto pensando e raciocinando historicamente e sobre que tipo de pensamento/raciocnio est sendo produzido nas interaes registradas. Palavras-chave: processo de ensino-aprendizagem; interaes discursivas, Histria. 5 Abstract ThisresearchaimwastoinvestigatetheHistoryteaching-learningprocessinthe classroomdiscursiveinteractions.Withthisaim,wefocusedtheanalysisonthe interactions in a 2nd grade History classroom at the State of Minas Gerais Educational Network(RedeEstadualdeEducaodeMinasGerais)secondaryschoolEscola EstadualMaestroVilla-lobos.Thetheoreticalandmethodologicalprinciplesthat guidedtheinvestigationwerefoundedontwocontemporarytrendsforclassroom interactionsanalysis:thesocial-culturalapproach,whosegreatestexponentsare Vygotsky and Bakhtin and the ethnographic perspective in education with emphasis ontheInteractionEthnography.Themethodologicalproceduresincludedrecordsin video,fieldnotes,institutionalspaceanalysis,questionnaires,interviewsanda prolongedfieldimmersionperiod(ninemonths).Besidestheteaching-learning processes,theanalysiscarriedoutwasawareoftheclassroomunderstudyinherent culture,theirvariedtypescontext(international,social,historical,institutional, cultural, etc)and to the set of educational activity through the discourse.The actual teaching-learningprocessesanalyseswereformedbytwofocuses:thefirstone, centeredontheteacher,soughttocharacterizethediscursivedynamicsofthe classroom under study. The second focus, centered on the student, sought to identify his/herlearningprocessandcognitiveoperationsclues,besidesmakingvisiblethe studentswaysofhistoricallythinkingandreasoningandaboutwhatkindof thoughts/reasoningis being produced in the registered interactions. Key-words: teaching-learning process, discursive interactions, History.

6 ANEXOS ANEXO I: Mapa de Episdios aula 01/06/2005....................................................199 ANEXO II: Mapa de Episdios aula 31/05/2005..................................................212 ANEXO III: Mapa de Episdios aula 18/05/2005.................................................221 ANEXO IV: Transcrio aula 01/06/2005............................................................230 ANEXO V: Transcrio aula 31/05/2005..............................................................239 ANEXO VI: Transcrio aula 18/05/2005............................................................250 ANEXO VII: Questionrio scio, econmico e cultural..........................................259 ANEXO VIII: Roteiro de entrevista semi-estruturada com a professora.................262 ANEXO IV: Roteiro de entrevista semi-estruturada com os alunos........................263 7 SUMRIO Introduo...................................................................................................................9 C a p t u l o 1: A sala de aula como objeto deinvestigao...................................12 1.Pesquisas sobre interao em sala de aula..............................................................12 1.1Pesquisassobresaladeaulaentreosanos60efinaldosanos70:algumas consideraes.............................................................................................................12 1.2 O surgimento de novas abordagens..................................................................14 1.3 A abordagem sociocultural...............................................................................15 1.4 Pesquisas sobre Interaes em sala de aula em Ensino de Histria um campo ainda por fazer...........................................................................................................17 2. Sala de aula de Histria.........................................................................................19 2.1 Abordagem terica...........................................................................................19 2.1.2Linguagemediscursoemsaladeaula:contribuiesdeVygotskye Bakhtin.......................................................................................................................19 2.1.3 A perspectiva etnogrfica.............................................................................23 2.2Pressupostos metodolgicos...............................................................................26 2.2.1 O processo e os critrios de seleo do locus da pesquisa...........................26 2.2.2 Procedimentos de coleta, tratamento e anlise dos dados............................28 3. O contexto da sala da aula......................................................................................36 3.1 Delimitando abordagens do contexto................................................................36 3.2 O contexto escolar.............................................................................................39 3.2.1 A escola.......................................................................................................39 3.2.1 Os sujeitos....................................................................................................49 C a p t u l o 2: A constituio da cultura da sala de aula..........................................56 1.O contexto cultural da classe...................................................................................56 1.1Significados,aes,eventosesuasrelaescomaaprendizagemda Histria.......................................................................................................................56 1.2Padres, prticas e episdios de interao.........................................................58 1.2.1 A dinmica das interaes e a rotina das lies.............................................59 1.2.2 Prticas avaliativas.........................................................................................78 1.2.3 Estratgias de disciplina e participao.........................................................81 1.2.4 A prtica mediada..........................................................................................88 1.2.5 A prtica pedaggica mediada pelo tempo institucional...............................99 8 1.2.6 O olho da cmera: a presena do outro e de outros.....................................101 2. O que Histria nesta sala de aula.......................................................................107 Captulo3:Emdireoaoprocessodeensino-aprendizagemdaHistria: ajustando a lente........................................................................................................109 Outro foco de luz: o ano letivo.................................................................................109 C a p t u l o 4: Aula de Histria..............................................................................121 1.Introduo..............................................................................................................121 2.Mapa de episdios..................................................................................................123 3. A Revoluo Francesa..........................................................................................125 3.1 O debate............................................................................................................125 3.2 Aula expositiva dialogada.................................................................................144 4. A Independncia dos Estados Unidos...................................................................166 4.1 Aula expositiva dialogada: recuperao oral dos alunos..................................166 C o n s i d e r a e s F i n a i s...............................................................................185 R e f e r n c i a s B i b l i o g r f i c a s.................................................................190 A n e x o s.................................................................................................................199

9 Introduo 1. A trajetria de construo do objeto Estapesquisainiciou-sedereflexesrealizadasenquantobolsistadeiniciao cientficaemEnsinodeHistriapelaFaculdadedeEducaodaUFMG.Nosdois anosdebolsacientfica(2002-2003),participeidapesquisa-ao,decarter longitudinal,intituladaOpapeldasInteraesDiscursivasedosMediadores Culturaisnoprocessodeconstruodeconhecimentoseraciocnioshistricos, desenvolvidaporprofessoras-pesquisadorasdaEscolaFundamentaldoCentro PedaggicodaUFMG,soborientaodaProfa.LanaMaradeCastroSiman. Duranteoperododequatroanos,iniciadoanteriormenteconcessodabolsa cientfica,umdosprincipaisobjetivosdapesquisafoiinvestigaropapelda linguagemedasinteraesdiscursivasnosprocessosdeensino-aprendizagemde Histria no contexto das aulas das duas professoras-pesquisadoras. O registro dessas aulasnofoifeitocombaseemgravaesemudioouvdeo,masresultoude observaesetnogrficasescritasrealizadasporbolsistasdeiniciaocientfica. Deste modo, nas observaes etnogrficas foi possvel perceber perdasdeidentificaodealgumascrianas;aausnciadaentonaodasvozes, dos gestos, das posturas corporais dos sujeitos envolvidos na situao, dos risos, das brincadeiras, aspectos esses que formam as interaes no verbais presentes em uma saladeaulaequepodemrevelaraspectosoutrosnoreveladospelasinteraes verbais(COELHO e SIMAN, 2003, p.4).10 Defato,astranscriesdapesquisaprivilegiaramapenasasfalasdosalunoseda professora,quemfalaeaordememquefalame,aindaassim,quandosetratavade falas longas e explicaes mais detalhadas, ou ainda de discusses menos ordenadas dos alunos quando muitos falam ao mesmo tempo os bolsistas, muitas vezes, se viramnaimpossibilidadederegistrartodaainteraoemtempointegral. Detectamos, portanto, que esses limites funcionavam como obstculos para a anlise da dinmica discursiva da sala de aula numa perspectiva etnogrfica. Paralelamente,apartirdoanode2004,participeidogrupodeestudosepesquisas sobre a sala de aula, coordenado pelos professores Eduardo Fleury Mortimer e com a participao,dentreoutrosprofessores,deLanaMaradeCastroSiman.Os pesquisadoresintegrantesdogrupovinhamultimamenteincorporandoosprincipais aportes da teoria construtivista aliados perspectiva sociocultural com o objetivo de desenvolverumavisomaisapuradanotocantecomplexidadequeenvolvea relao discurso, ensino e aprendizagem em sala de aula. O grupo travou discusses tericas,sobretudoarespeitodadinmicadiscursivadasaladeaulanointeriordas diferentesdisciplinasescolaresesuasrelaescomosprocessosdeensino-aprendizagem.Debateu-setambmanecessidadedeavanarnessesestudoseuma certainsuficinciadeproduesacadmicasnessecampo.Talcomoobserva Mortimer (2002), Dificilmente algum discordaria da importncia central do discurso dos professores e alunos nas salas de aula para a elaborao de novos significados pelos estudantes. Noentanto,relativamentepoucaatenotemsidodadaaesseaspecto,tantoentre professores,formadoresdeprofessoreseinvestigadoresdarea(MORTIMER, 2002, p. 2). Destemodo,levandoemcontaminhaexperinciacomobolsistaeaexpressodo desejodogrupoaoqualmemantenholigadaemavanarnacompreensodeste campodepesquisa,opteiporcriarumnovobancodedadoscomorientaesmais sistemticaserigorosasdeacordocomosmtodosdaspesquisasnumaperspectiva etnogrfica. Para tanto, elegi como foco de anlise as interaes discursivas de uma saladeauladeHistriadoEnsinoMdiodeRedeEstadualdeEducaodeMinas Gerais.11 Assim,aoconcentraraatenosobreasaladeaula,navertentesociocultural articuladateoriadaenunciaodeBakhtin,investigamososprocessosdeensino-aprendizagem de Histria nas interaes discursivas da sala de aula em estudo. Essa escolha foi fruto da hiptese de que a configurao da experincia verbal individual construdaapartirdeumaprticaquepressupeinteraescoletivasdo conhecimentobaseadasnomovimentodialgicoproduzidoemsaladeaula (SIMAN, 2003). Aosuporqueamaiorpartedasatividadesdesenvolvidasemsaladeaulaso dirigidaspeloprofessorerealizadasemconjunto,indagamos-nossobrecomoos professores do suporte ao processo pelo qual os estudantes constroem significados e raciocnios em sala de aula de Histria, sobre como essas interaes so produzidas e sobrecomoosdiferentestiposdediscursopodemauxiliaraaprendizagemdos estudantes. Nessaperspectiva,partimosdahiptesedequeodiscursoeainteraoemsalade aulatemumaimportnciacentralparaosprocessosdeensino-aprendizagemem geral.Otrabalhodoprofessorumtrabalhodiscursivo.pelodiscursoquese afloram os contedos e por meio dele que a Histria cientfica vai sendo construda emsaladeaula.Vriosestudosdesaladeauladediferentesdisciplinasescolares vieramcorroborarestaquesto.Essesestudosencontram-sedelineadosnocaptulo seguinte. 2. Resumo dos captulos Compemestetrabalhoquatrocaptulosdenaturezadistintaecomplementar.O primeirocaptulo,Asaladeaulacomoobjetodeinvestigao,encarrega-seda revisodaspesquisasnocampo,dadelimitaodosreferenciaistoricose metodolgicos e do contexto da sala de aula investigada. O segundo, A constituio daculturadasaladeaula,consistenaanlisedocontextoculturaldaclasse,tomandoosupostodequeessecontextocriaasoportunidadespotenciasde aprendizagem, potencial learning. J o terceiro captulo, Em direo ao processo 12 deensino-aprendizagemdeHistria:ajustandoa lente,enfocaoanoletivoapartir deumadescrioanalticadetodoocorpus,fazendooexercciodeabordaro processopedaggicodeformaglobaleselecionarasaulasaserem sistematizadamente investigadas partindo de seu conjunto. No ltimo captulo, Aula deHistria,sotecidasasanlisespormenorizadasdasaulasselecionadas,emum esforodecaracterizaradinmicadiscursivadasaladeaulaeosraciocnios histricosmobilizadospelosestudantes.Porfim,sofeitasalgumasconclusese consideraes acerca do trabalho acrescidas de apontamentos para estudos futuros. 13 Captulo 1A sala de aula como objeto de investigao 1. Pesquisas sobre interaes em sala de aula 1.1 Pesquisas sobre sala de aula entre os anos 60 e final dos anos 70: algumas consideraes1. Nosanos1960efinaldosanos1970,aspesquisasrealizadasnasaladeaula, segundoalgunsautores(Koeher,1978;EvertoneGreen,1986;Delamonde Hamilton,1987),focalizavamoscomportamentosdealunoseprofessorescoma finalidade de estabelecer relaes causais entre esses comportamentos e o produto da aprendizagem, avaliado, geralmente, por testes padronizados. Essesestudospretendiamdeterminaraeficciadosprocessosdeensinoemrelao aosresultadosdaaprendizagem.Algunsrepresentantesdessatendncia(Dunkine Biddle, 1974) a nomearam como pesquisas processo-produto. teoria que sustentou esses estudos foi predominantemente a psicologia behaviorista, fundada por Skinner. Uma das pesquisas mais influentes da poca foi a Pesquisa de Flanders, realizada em 1970,quepropsumsistemadecdigosparaaobservaodasaladeaula, 1 Para uma reviso mais ampla destas pesquisas, consultar o trabalho desenvolvido pela professora Maria do Socorro Macedo, 2004. 14 denominadoFIAC(FlandersCategoriasdeAnlisedasInteraes).Tratava-sede dezcategoriaspr-estabelecidasondeopesquisadoranalisavaocomportamento verbal dos alunos e do professor nas interaes. Essas categorias que representavam umcomportamentolingsticopossibilitaramqueoensinofosseanalisado estatisticamenteapartirdoestabelecimentodasrelaescausaisentreos comportamentos,queeramreduzidosaunidadespassveisdemensuraoe tabulao (Macedo, 2004). Muitos autores apontaram os limites dessa abordagem alegando que tais estudos no tiveram um impacto substancial na prtica de sala de aula. Segundo Berliner (1978), essesestudosnoconsideraramacomplexidadedofenmenoestudadoeno trabalharamcommetodologiasapropriadasparainvestigartalfenmeno.Na perspectivadeMehan(1979),nessesestudosanaturezadasinteraesera obscurecida,namedidaemquenoseanalisavamaspectosconstitutivosdas interaestaiscomoocontextoemqueessescomportamentoseramproduzidos,as contribuiesdosestudantesparaainterao,ainter-relaoentrecomportamentos verbais e no verbais. 1.2 O surgimento de novas abordagens Nofimdadcadade1970,ointeressepeloquerealmenteocorrenassalasdeaula faz surgir novas abordagens metodolgicas coerentes com a concepo de que alunos eprofessoressoconstitudossocialeculturalmenteenodemodoisoladodo contextosocialemquevivem.Nessevisanoodecontextosocialtambmse amplia se referindo, inclusive, a contextos especficos (a sala de aula, por exemplo), enoapenasaocontextomaisamplo,asociedade.Nessafronteira,odiscurso educacional torna-se foco prioritrio de ateno para os pesquisadores dos processos escolaresdeensino-aprendizagem.Ostrabalhosquesurgem,emgeral,concordam com a idia bsica de que a 15 anlisedodiscursoeducacional,e,maisconcretamente,dafaladeprofessorese alunos, essencial para continuar avanando em direo a uma melhor compreenso de por que e como os alunos aprendem ou no aprendem e de por que e como os professorescontribuememmaiorouemmenorgrauparaapromoodessa aprendizagem (COLL e EDWARDS, 1988, p.9). No entanto, as pesquisas diferem entre si no apenas no que diz respeito s situaes e aos problemas concretos estudados, mas tambm no que tange s opes tericas e metodolgicaseaosaspectosdodiscursorelevantesparaasanlises.Essagamade abordagensterico-metodolgicasedeenfoquesdepesquisasdiversificadostem produzido um rico e ecltico campo de pesquisas sobre as interaes em sala de aula. Naperspectivadapesquisaaquiapresentada,asprincipaisabordagensquesurgem soadapesquisaetnogrfica,asquaisseapresentamemmltiplasvertentes:a micro-etnografiadeErickson,aetnografiaconstitutivadeMehan,aetnografia interacionaldeGreen,Dixon,Bloome,etc.,easnovasteoriasnocampoda psicologia e da linguagem que passam a influenciar o movimento de constituio da chamada abordagem sociocultural, cujos maiores expoentes so Vygotsky e Bakhtin. A perspectiva da pesquisa etnogrfica parte do princpio de que os processos em sala deaulaocorremsemprenumcontextopermeadoporumamultiplicidadede significadosquefazempartedeumuniversoculturalaserestudadopelo pesquisador. Esses significados so construdos por meio de processos discursivos e interpretativosestabelecidosentreosparticipantesdeumgrupo.Nessaspesquisas, desse modo, a contextualizao das relaes professor-aluno no processo de ensino-aprendizagem e os seus significados so elementos centrais de anlise. 1.3 A abordagem sociocultural A abordagem sociocultural surge no final da dcada de 1970. Seu principal interesse consistenodesenvolvimentodoconhecimentoedacompreensoemsaladeaula (MERCER,1988).Suasproposiestericaspermitiram,principalmente,o deslocamento da concepo de aprendizagem do nvel individual para o social, que dadonasinteraescoletivas.Emoutraspalavras,essaabordagempossibilitoua redefiniodoquedeveseranalisadoemsaladeaula,dasconstruesindividuais 16 paraaselaboraesconceituaisnasinteraesdiscursivas(MORTIMERe MACHADO, 2001). Com efeito, desde a dcada de 1990, esta perspectiva sociocultural tem servido como fontedeinspiraoparadiversasanlisescujoenfoquesoasinteraeseprticas dialgicas estabelecidasem sala de aula. Entreesses estudos podemos citar, fora do Brasil,ostrabalhosdeWertsch,nosEstadosUnidos,naInglaterraostrabalhosde Edwards,MercereScott,enoMxicoosestudosdeCandela.NoBrasil, pesquisadores como Mortimer, Smolka e Rojo vm realizando estudos com base nas proposies da vertente sociocultural em aulas de diferentes disciplinas do currculo escolar. Conforme observa Mortimer, a abordagem das interaes discursivas da sala de aula veiculada s teorias de Vygotsky e Bakhtin no problemtica, uma vez que umdosaspectosdateoriavigotskianaconceberalinguagemcomomediadorada ao humana. Isso privilegia a anlise semitica, o que compatvel com a teoria de Bakhtin, que uma teoria da enunciao (MORTIMER e MACHADO, 2001). EspecificamentenoBrasil,aonvestigaraulasdecincias(Mortimer,1998,2000, 2001; Mortimer e Machado, 2001; Machado, 1999; Mortimer e Scott, 2003), aulas de estudos sociais (Fontana, 1996; Rojo et al., 2001) e aulas de Histria (Siman, 2004, 2003,SimaneCoelho,2003,Rocha,2006),essaspesquisasfocalizamodiscurso produzidoporalunoseprofessoresnoprocessodeelaboraodeconhecimentos. Mortimer(2001),especificamente,estinteressadoemdescrevercomoassituaes deconstruodeconceitosemsaladeaulasolaboriosamenteconstrudasnas interaesdiscursivasentrealunoseprofessor.Suaanlisesensvels caractersticas socioculturais do espao da sala de aula e linguagem. Namesmadireo,SimaneCoelho(2003)investigamsituaesdeconstruo coletivadeconceitoshistricosemsaladeaulaapartirdaaomediadorada professoraetambmdapresenadeobjetosmediadores.Asautorasconstatamque aformaodeumcontextocooperativoetambmautilizaodeinstrumentos mediacionaissovaliososnoprocessodeconstruodeconceitoshistricos (SIMAN e COELHO, 2003). 17 Investigandocrianas,Fontana(1996)analisacomosedesenvolveoprocessode elaborao/apropriao de conceitos, pelas crianas, no contexto da prtica educativa escolar.Elaconstataqueosdiferenteslugaressociaisocupadosporprofessore alunosacabamporpropiciaraemergnciadeformasvariadasdeapreensoe articulaodosconhecimentosqueestosendoelaborados,quefazemcircular mltiplos sentidos a eles relacionados. Destemodo,essecamposobaetiquetadeabordagemsocioculturalestem sintonia com as especificidades deste objeto de estudo, uma vez que, alm de enfocar o processo de compreenso em sala de aula, procurou analisar as classes de histria em sua dimenso social, histrica e cultural. Tal dimenso permitiu e demandou uma articulaocomaperspectivaetnogrficaemeducao,comnfasenaetnografia interacional,vistoqueambascompartilhameexigemumenfoqueculturalsobrea saladeaula,sendoqueaperspectivaetnogrficaampliaosinstrumentostericose metodolgicos para esse enfoque.

1.4PesquisassobreInteraesemsaladeaulaemEnsinodeHistriaum campo ainda por fazer Aspesquisasreservadastemticadasinteraesdiscursivasdasaladeaulano mbito do ensino de Histria ainda so raras. Na disciplina Teorias e Pesquisas em EnsinodeHistria,ofertadanoprimeirosemestrede2005noprogramadeps-graduao da Faculdade de Educao/UFMG, foi realizado um levantamento de teses edissertaesemEducaoeemHistriadetodoopas.Noquetangeaessa temtica, os discentes, entre os quais me incluo, localizaram apenas duas dissertaes demestrado.Aprimeira,cumpridanoprogramadaUNICAMP,em1996,tratado estudodesenvolvidoporCludioBorgesdaSilvaintituladoNoslabirintosda construodoconhecimentohistrico.Nessainvestigao,oautorbuscouanalisar oprocessodeelaboraodoconhecimentohistricoapartirdediferentessituaes deinterlocuoentreprofessorealunos.Ametodologiaconstoudeumtrabalhode campoemsaladeaulade5asriedeumaescolapblicadeCampinas,noqual, foramutilizadascaractersticasdapesquisadetipoetnogrficoemEducaotais 18 como a atividade partilhada entre professor e pesquisador, a interao constante entre professoreobjetodeinvestigaoeanfasenoprocessodetrabalhoenonos resultadosfinais.Emrelaosfontes,oestudocontoucomtranscriesde episdiosdesaladeaula,atividadesindividuaisescritasrealizadaspelosalunose entrevistacomprofessor.Quantoaosreferenciaistericos,lanou-semoda abordagem sociocultural a partir dos estudos de Vygotsky e Bakhtin, da classificao deAdamSchaffnoquedizrespeitoaoprocessodeconhecimento,dosestudosde Peter Burke e de trabalhos voltados para o Ensino de Histria no 1o Grau. Apesquisarevelouomodocomodiferentesvozessoapropriadaspelosalunose comodiferentesestratgiasdedizersopostasemcirculaonocontextoda interlocuo,participandodaconstruodesignificadosparaarealidadesocial. Evidencioutambmquenatramadomovimentodiscursivo,tecidonobojodas relaes sociais, que conceitos, identidades e valores so construdos. Asegundaconstitui-sedoestudodesenvolvidoporRoseliCaoFontana,1996, intitulado Mediao pedaggica na sala de aula, realizado tambm no programa de ps-graduao da UNICAMP. Nesse trabalho, investigando aulas de Estudos Sociais dassriesiniciaisdoensinofundamental,apesquisadoraprocurouenfocaro processodiscursivodeelaboraodoconceitodeculturaemsaladeaulalanando modasvertentestericasdaabordagemsociocultural(BakhtineVygotsky),bem como da perspectiva etnogrfica de pesquisa no mbito educacional. Paraleloaessestrabalhos,conformemencionado,umgrupodeprofessores-pesquisadores do ensino da Histria oriundos da Faculdade de Educao e do Centro PedaggicodaUFMGempreendeuesforosnessesentido.Entreosartigos resultantes dessa pesquisa destacam-seaquele desenvolvido por Siman, 2002, 2003, 2004 e Siman e Coelho, 2003, este acima citado. Siman, (2002), analisou o papel da aomediadoranaconstruodoconhecimentohistricoenodesenvolvimentode seuraciocnioe,namesmadireo,SimaneCoelho(2003)investigaramsituaes deconstruocoletivadeconceitoshistricosemsaladeaulaapartirdaao mediadora da professora e da presena de objetos mediadores.19 Destemodo,detectou-seafragilidadedessanaturezadeestudostantosobumvis prtico quanto terico-metodolgico no domnio do ensino da Histria. Ciente dessa incipincia,estapesquisapretendeuigualmentecontribuirparaoavanoda perspectivametodolgicaqueatenteparaasespecificidadesdassalasdeaulade Histria. 2. Sala de aula de Histria 2.1 Abordagem Terica 2.1.2 Linguagem e discurso em sala de aula: contribuies de Vygotsky e Bakhtin Estruturamosapesquisaapartirdeduaspremissasquefundamopensamentode Vygotsky.A primeira consiste nas origens sociais das funes mentais superiores e a outra diz respeito natureza mediada da cognio. Nessa direo, incorporamos o suposto de que a produo de significados em sala de aula no interior da escola no se processa diretamente entre o sujeito e o objeto a ser conhecido. Entre esses existe aaomediadadoprofessor,dalinguagem,designosedeferramentas(SIMAN, 2002). Em sua lei gentica geral do desenvolvimento cultural, o Vygotsky anuncia que: Qualquer funo no desenvolvimento cultural da criana aparece duas vezes, ou em doisplanos.Primeiroaparecenoplanosociale,emseguida,noplanopsicolgico. Primeiro, entre as pessoas, como categoria interpsicolgicae, depois, no interior da criana,comocategoriaintrapsicolgica.Issotambmverdadeironoquediz respeitoatenovoluntria,memrialgica,formaodeconceitos,eao desenvolvimentodavontade(...)desnecessriodizerqueainteriorizao transformaoprprioprocessoealterasuaestruturaefuncionamento.Asrelaes sociaisouasrelaesentrepessoasembasamgeneticamentetodasasfunes superiores e suas relaes (VYGOTSKY, 1981, p. 163). Segundoessalei,asfunespsicolgicasqueemergemeseconsolidamnoplano socialtornam-seinternalizadas,isto,transformam-separaconstituiro funcionamentointerno.Dessaforma,arelaoentreessesdoisprocessos(intere intramental)adatransformaogenticaedaformaodeumplanointernoda conscincia(WERTSCH,SMOLKA,1994),nummovimentodeconstruoe 20 ressignificaodaculturapelaaodosujeito.Nesseprocesso,anaturezado prprio desenvolvimento humano transforma-se do biolgico para o scio-histrico (VYGOTSKY, apud SMOLKA, 1988). Ainda conforme a lei gentica geral do desenvolvimento cultural, h uma conexo intrnseca entre os dois planos do funcionamento mental que emerge da utilizao de recursosmediacionaissemelhantesemambososplanos.Essesrecursos mediacionais,isto,signosouferramentaspsicolgicas2,quemedeiamas funesmentaissuperiores,possuemnaturezaeorigemsocial.Emdecorrncia, Vygotskysustentaqueofuncionamentomentalnoplanointrapsicolgicoreflete seuspercursosinterpsicolgicosemumtalgrauqueretmumanaturezaquase social(VYGOTSKY,1981).Wertschserefereaessacaractersticadoplano interno da conscincia na expresso minds extends beyond the skin. Nessa perspectiva, Vygotsky centrou suas atenes na compreenso da natureza das ferramentaspsicolgicasemumaanlisesemioticamenteorientada,acreditando seronicoemaisadequadomtododeseanalisaraconscinciahumana. Avanandoemseusestudossobreanaturezadossignos,Vygotskypercebeuquea incorporaodelesnasfunesmentaishumanasnoastornamaisfceisoumais eficientesemumsentidoquantitativo,elasresultamemumatransformao qualitativa, isto , alteram o fluido e a estrutura das funes mentais (Wertsch, 1991). Em sntese, preocupadoem precisar as origens enatureza sociais do funcionamento mental humano, Vygotsky acabou por destacar o papel da linguagem e do outro no desenvolvimento cognitivo humano, deslocando a unidade de anlise no mais para o indivduo,masparaainteraosocial,espaodinmicodetransformaointer-intrapessoal. Essas proposies tericas, em decorrncia, permitiram o deslocamento daconcepodeaprendizagemdonvelindividualparaosocial,quedadonas interaescoletivas.Emoutraspalavras,ateoriadeVygotskypossibilitoua redefiniodoquedeveseranalisadoemsaladeaula,dasconstruesindividuais 2 Tomando como base as concepes de Engels de que o trabalho humano e o uso de instrumentos so cruciaisparaacriaodaconscinciahumana,Vygotskyintroduziuanoodeferramentas psicolgicasousignossendoqueestas,diferentementedosinstrumentosqueatuamna transformaoenocontroledanatureza,tmumaorientaointernaealteramofluidoeaestrutura das funes mentais. 21 paraaselaboraesconceituaisnasinteraesdiscursivas(MORTIMERe MACHADO, 2001). Assim como em Vygotsky, ancoramos tambm nossas anlises em M. Bakhtin tendo emvistaasvriasreciprocidadesecomplementaridadesentreopensamentodesses autores.Dateoriabakhtinianaedosestudosdeladerivados(Mortimer,Macedo, Aguiar,Brait,Wertsch)lanamosmodealgunsconceitosfundamentais,quais sejam, linguagem, interao verbal, dialogia, enunciado/enunciao, etc. Emrelaolinguagem,Bakhtinaconsideraemsuadimensoconstitutivaea definecomoumaprticasocial,histricaeideologicamentemarcada.Naspalavras do autor: Averdadeirasubstnciadalnguanoconstitudaporumsistemaabstratode formaslingsticas,nempelaenunciaomonolgicaisoloda,nempeloato psicofisiolgicodesuaproduo,maspelofenmenosocialdainteraoverbal, realizadoatravsdaenunciaooudasenunciaes.Ainteraoverbalconstitui, assim, a realidade fundamental da lngua (BAKHTIN, 2004, p.125). Sendo a interao verbal a categoria bsica da concepo de linguagem, o enunciado aunidadedeanlisedosprocessosdeinteraoverbal,averdadeiraunidadeda comunicaoverbal,quesemprepartedeumdilogosocialininterrupto. Conforme Bakhtin, a situao social mais imediata e o contexto social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, do seu prprio interior, a estrutura da enunciao(BAKHTIN,2004).Nadinmicadastrocasverbais,aenunciao refere-sepelomenosadoissujeitos.Eladeterminadatantopelofatodeque procededealgum,comopelofatodequesedirigeparaalgum.Elaconstitui justamente o produto da interao entre locutor e ouvinte (BAKHTIN, 2004). Deste modo, a enunciao, na concepo bakhtiniana,

determinadademaneiramaisimediatapelosparticipantesdoatodefala, explcitosouimplcitos,emligaocomumasituaobemprecisa;asituaod formaenunciao,impondo-lheestaressonnciaemvezdaquela,porexemplo,a exignciaouasolicitao,aafirmaodedireitosouaprecepedindograa,um estilorebuscadoousimples,etc.Asituaoeosparticipantesmaisimediatos determinam a forma e o estilo ocasionais da enunciao. Os estratos mais profundos de sua estrutura so determinados pelas presses sociais mais substanciais e durveis a que est submetido o locutor (BAKHTIN, 2004, p.114). 22 Assim,naconcepodeBakhtin,asaesdiscursivasdaspessoasdevemser consideradasluzdocontextosocialehistricomaisamploqueasconstitui. Segundo Macedo, na perspectiva desse autor, a anlise dos fatores institucionais que condicionam a produo do discurso na sala deaula,ouseja,aanlisedascondiesdeproduododiscursopedaggico fundamentalparaumavisomaisaprofundadadacomplexidadequeenvolvea relao discurso, ensino e aprendizagem (MACEDO, 2004, p. 31). Almdisso,osenunciadosestosempreemligaounscomosoutros,segundoas proposies de Bakhtin. Esse autor enfatiza que as enunciaes se configuram como umelonacadeiadacomunicaoverbal.Elassserealizamnocursoda comunicao verbal e s se completam no contato com o meio verbal e extraverbal, isto , com as outras enunciaes. Em suas palavras, qualquerenunciao,pormaissignificativaecompletaqueseja,constituiapenas uma frao de uma corrente de comunicao verbal ininterrupta (concernente vida cotidiana,literatura,aoconhecimento,poltica,etc.).Masessacomunicao verbal ininterrupta constitui, por sua vez, apenas um momento na evoluo contnua, em todas as direes, de um grupo social determinado (BAKHTIN, 2004, p.123). Assim, a enunciao realizada como uma ilha emergindo num oceano sem limites (...).Asdimenseseasformasdessailhasodeterminadaspelasituaoda enunciao(contextoimediatoecontextomaisamplo)eporseuauditrio (BAKHTIN, 2004). Outro conceito subjacente aos definidos o de dialogia. Segundo Vice (1997, apud Aguiar,2006),Bakhtindefineaolongodesuateoriaduasconcepesdoqueseja dialogia.Nosentidomaisgeral,queperpassatodaasuafilosofiadalinguagem,a dialogiaconfigura-secomoumapropriedadedalinguagem(Aguiar,2006). entendidacomoumaidiamuitomaisamplaqueaquelaquenormalmente encontradaassociadaaoconceitodedilogonacinciasocialcontempornea,visto que se constitui no apenas como uma das formas de enunciao, enquanto estrutura detexto,mascomocondiodelinguagem,traofundamentaldoenunciadoeda enunciao (Brait, 2001). 23 luz do princpio dialgico de Bakhtin, a compreenso do processo de significao configura-secomoumprocessodearticulaodemltiplasvozesemconfronto, enfim,comoumprocessodiscursivo.Paraoautor,qualquerprocessode entendimento verdadeiro dialgico por natureza, pois ele se constitui na medida em que o sujeito gera palavras prprias em resposta a palavras alheias. Em suas palavras, Entenderaenunciaodeoutrapessoasignificaseorientaremrelaoaela, encontrarseulugarnocontextocorrespondente.comosensespecificssemos, emrespostaacadapalavradaenunciaoqueestamosemprocessode entendimento, um conjunto de nossas prprias palavras. Quanto maior o nmero e o pesodessaspalavras.Quantomaioronmeroeopesodessaspalavras,mais profundo e substancial ser o nosso entendimento. (BAKHTIN,1973, p.112) Desse modo, uma enunciao envolve no apenas a voz que a produz, mas tambm asvozesaqueelasedirige.Issoconseqnciadadialogiaquecaracterizao processodeentendimento(MORTIMEReMACHADO,2001).Emadio,a prpriaexistnciahumanadialgicanamedidaemqueaconscinciadecada indivduoformadapeloconfrontocomosoutrosnasprticassociaisenousoda linguagem (AGUIAR, 2006). Ooutrosentidodedialogiadaobra,maisrestrito,relaciona-seinvestigaode contextos histricos e culturais especficos nos quais a linguagem moldada. Nesse caso, o autor faz uma distino entre discurso de autoridade e discurso internamente persuasivo(Bakhtin,1981).Essadistinoestnaraizdoconceitodeabordagem comunicativa, elaborado na estrutura analtica proposta por Mortimer e Scott (2003) 3. 2.1.2 A perspectiva etnogrfica Ascorrentesdepesquisadotipoetnogrficonocampodaeducaopossuem natureza distinta e complementar e assumem vertentes diversas a micro-etnografia de Erickson, aetnografia constitutiva de Mehan,a etnografia interacionalde Green, Dixon,Bloome,etc.Noobstanteamaioriadelasencontrar-seenraizadasna Antropologia,elassedistinguememtermosdefocodeanlise.Aetnografia 3 Essa estrutura ser por ns inspirada nas anlises do captulo 4. 24 interacional(Green,Dixon,1993;Castanheira,Crawford,Dixon,Green,2001),por combinarperspectivasetnogrficascomanlisedodiscurso,foiaquemelhor norteounossainvestigao(GeeeGreen,1998,apudCastanheira2004)4vistoque os princpios e prticas culturais construdos e compartilhados pelos membros da sala deaulainquiridaforamapreendidospormeiodaanlisedodiscursoembora ancorada sobretudo na perspectiva bakhtiniana. Deste modo, guiamos-nos por alguns princpios e prticas centrais caros Etnografia Interacional(Green,DixoneZaharlic,2002;CollinseGreen,1992;Castanheira, Crawford,Dixon,Green,2001).Procuramos,emprimeirolugar,causarum estranhamentonofamiliarcomointuitodetornarvisveisoscomumenteinvisveis padres e prticas culturais do grupo em estudo, uma vez que estes no se constituem apenascomopanodefundocultural,mascomoconstituinteseconstituidorasdos prpriosprocessoseeventosqueocorremnointeriordasaladeaula.Examinamos, paratanto,oqueosmembrosdeummesmogrupoprecisamsaber,produzir, entenderepreverparasesentiremmembros.SegundopesquisadoresdaEtnografia interacional,estesprincpioseprticasculturaisquebuscamoscaracterizarem nossasanlisesnosofixos,masabertosparaodesenvolvimento,amodificao, expanso e reviso medida que os membros do grupo interagem com o meio social, ouseja,estabelecempapiserelacionamentos,normaseexpectativas,direitose obrigaes(Green,Dixon,Zaharlic,2002).Almdisso,umperodoextensode emerso(overtime)foinecessrioparaumamaiorargciadasprticasculturaise daquiloqueseconstituicomorelevanteparaogrupopesquisado.Estivemosem campo por um perodo de nove meses. Emsegundolugar,fizemosusodealgunscontrastes.Estabelecemosuma triangulaodedadosdenaturezadistintaecomplementardadosemvdeo, entrevistas,questionrios,dadosdoespaoinstitucional,notasdecampo,bem comonosapropriamosdediferentesteoriasemetodologiasque,sendo complementares,permitiramampliaroespectrosobreaclasseinvestigada.Este 4Estaperspectivaresultadousodeteoriascomplementares:aantropologiacognitiva,cujosmaiores expoentes so Geertz (1983) e Spradley (1979, 1980), a Sociolingstica interacional (Gumperz, 1982, 1986) e a Anlise Crtica do Discurso que tem como representantes Fairclough (1993) e Ivanic (1994). 25 recursonosforneceuumcaminhoparaaanliseeidentificaodoquecontacomo prticas culturais de um grupo cujo foco so as escolhas das palavras e aes que os membrosdessegrupofazemparaneleseengajarem.Comoessesmembrosno apresentamamesmainterpretaodasaeseeventosdosquaisfazemparte,o contraste entre suas diferentes apropriaes permite o acesso a diferentes aspectos da vida social desse grupo. Para isso nos valemos, sobretudo, das entrevistas realizadas comalgunsdiscentesecomaprofessoraescolhida.E,ainda,lanamosmodos richpointseflameclashes(Green,DixoneZaharlic,2002)osquaisse configuramcomoespaosprivilegiadosondeasnormaseexpectativas,papise relacionamentos, direitos e obrigaes dos membros de um grupo se tornam visveis tanto a eles prprios quanto ao pesquisador. Um estranhamento provocado a partir deumasituaonovaquealterouasformashabituaisdecomportamento.Estes pontospodemocorrernointeriordogrupo,aovisitarumespaonovooumesmo quandoopesquisadorjimersonocamponocapazdeatribuirsignificadoss aes e atividades ali presentes. Nessas situaes, as prticas culturais e os recursos queosmembrosdogrupoconstroemsetornamvisveisemseusesforospara mantersuaparticipao.Nestetrabalhoforamdetectadosvriosmomentosemque isso aconteceu5. Em ltimo lugar, abordamos a sala de aula investigada em uma perpectiva holstica, isto , consideramos os eventos da sala de aula e os sujeitos neles envolvidos em uma realidadeeperspectivatemporalmaisampla:oanoletivo.Portanto,fizemosum esforodenosinserir,duranteumperododenovemeses,nopassadoenofuturo desse grupo de sujeitos, buscando indcios reveladores dessa realidade maior da qual constituem e so constitudos. 5 Eles encontram-se no captulo 2, que aborda a cultura da sala de aula. 26 2.2 Pressupostos metodolgicos 2.2.1 O processo e os critrios de seleo do locus da pesquisa Dois objetivos constituram-se como norteadores do processo da seleo do locus da pesquisa: trabalharcom a rede pblica de ensino e escolher uma prticapedaggica bem-sucedidae,acimadetudo,interativa.Nonossocaso,estamosconsiderando prticasbem-sucedidasaquelasquepreenchemalgunsrequisitos,taiscomo:a aprovao dos alunos, a disciplina em sala de aula, a ateno e o interesse por parte dos alunos e ainda o bom aproveitamento escolar na disciplina. Do ponto de vista da interatividade, muitos estudos e pesquisas j mencionados anteriormente evidenciam a sua importncia para o sucesso escolar. Aopopelaredepblicadeensinofoimotivadapelaprticapolticadeincluso social.Investigarosprocessosdeensino-aprendizagemdeHistriaporpartede alunos,emsuamaioria,provenientesdeextratosmdiosepopulares,contribuiria paraavalorizaodessessujeitoscomoagentesdoconhecimentohistrico,bem como aprimoraria a prtica pedaggica no mbito dessa rede. Nestadireo,estivemosemvriasescolas,tantoderedepblicamunicipalcomo estadual,acompanhandoeobservandoaulasatchegarprticaquemaisse aproximavadoscritriosreferidos.interessanteobservarquemuitosprofessores no se sentiam vontade para abrir as portas de suas salas de aula e se submeterem ao olhar criterioso do pesquisador. O encaminhamento a essas escolas se deu por meio de fontes diversas, quais sejam, outras pesquisas acadmicas nelas realizadas e indicaes por parte de professores e alunos da Faculdade de Educao/UFMG. AnossaescolharecaiusobreaEscolaEstadualMaestroVilla-lobos(EEMVL)ea professoraEneidaCarraraporduasrazes:aprofessoraapresentaumaprtica 27 pedaggicamarcadapelaaltainteratividadeeaprovaoporpartedosalunosepor ser uma escola que abria as portas para a investigao, como j foi o caso da pesquisa de mestrado desenvolvida neste espao com a mesma orientadora6. Portanto,aprofessoraescolhidaatendiaaoscritriospornsestabelecidos.O primeirorelacionou-seainteratividade.Buscvamosaprticapedaggicadeuma professoraquedisponibilizasseconstantementeafaladosalunosnoplanosocialda sala de aula (e que, ao contrrio, no garantisse o monoplio da palavra). A procura deumaprticadiferenciadaebemsucedidaconfigurou-senosegundocritrio. Assim,objetivvamostornarvisveisprticaspedaggicasdeprofessoresque buscamainovaocomvistasacontribuirparaaformaodocente,assimcomo paraelucidarosraciocnioshistricosqueosalunosmobilizamemsituaesdas interaes verbais que ocorrem na sala de aula sob a mediao da professora. O contato foi estabelecido primeiramente com a professora Eneida por telefone e, em seguida, com a direo da escola que aprovou o projeto e disponibilizou a instituio sem restries. Esse contato foi seguido de uma reunio com a professora em que foi explicada a proposta dapesquisa e ascondiesum pouco adversas quesua prtica pedaggica experimentaria tais como, filmagens sistemticas, entrevistas, aplicaes de questionrios aos alunos, etc. Tudo foi aprovado sem restries. A professora Eneida Carrara ministra nesta escola seis turmas de segundo ano, o que lheconfereumacargahorriadedezoitohorassemanais.Comoobjetivodeeleger umadasturmasparafilmagenseobservaessistemticasfrequentamostodaselas, emumintervalodedoismeses.Duranteesseperodo,constatamosquealgumas turmasrespondemmelhordoqueoutrasaoincentivodaprofessoraparticipao oraldosalunos.Portanto,emconsonnciacomnossoscritrios,selecionamosa turma 204, segundo nomenclatura da escola, que alm de dispor de maior nmero de 6 A pesquisa acima mencionada intitulou-se O uso do Livro Didtico por professores de Histriae foi desenvolvida pela estudante Daniele Espndola Parker na Faculdade de Educao/UFMG em 2003.28 alunosalternandoturnosdefalacomaprofessora,aqueapresentaessa participao com mais assduidade. Oacessoaodiscursodeoutrosprofessoresdediferentesdisciplinastambm contribuiuparanossaescolha.Comrelaoturma204,foiconsensodequeera bastante participativa e, ao mesmo tempo, muito agitada. 2.2.2 Procedimentos de coleta, tratamento e anlise dos dados Coleta Osprocedimentosdecoletadedadosestiveramemsintoniacomaperspectiva terico-metodolgicaquenorteiaapesquisa:aabordagemsocioculturalealguns princpiostomadosdaspesquisasdotipoetnogrficoemeducaocomnfasena etnografia interacional7. Acompanhamos, sob este vis, uma sala de aula de Histria de uma turma do segundo ano da Escola Estadual Maestro Villalobos observando-se o cotidiano da classe. A anlise feita esteve alerta cultura inerente sala de aula em estudo,aocontextoemseusvariadostipos(interacional,social,histrico, institucional,cultural,etc.)eaoconjuntodaatividadeeducacionalpormeiodo discurso. A fim de conferir mais fidedignidade aos dados e empreender uma anlise que d conta da complexidade do fenmeno de construo do conhecimento em sala de aula, abordando a natureza integral da vida social sem fragment-la nem limit-la porcategoriasrgidasemnomedaconveninciametodolgica,empregamosalguns recursos tecnolgicos, quais sejam, gravador e filmadora. Almdosdadosdeudioevdeo,foiadotadocomoprincpio,conforme mencionado,trabalharcomdiferentesfontes,comoobjetivodeestabeleceruma triangulaonoprocessodeanlise.Assim,foramutilizadasentrevistascomo professorealunoseanlisedoespaoinstitucional.Almdisso,osestudantes, 7 Para esta pesquisa foram considerados os estudos de COLLINS e GREEN (1994); GREEN, DIXON eZAHARLIC,(2002)EtnografiaInteracionaledealgunsexpoentesdasociolingstica interacional GUMPERZ, Jonh (1992); ERICKSON, Frederic and SCHULTZ, Jeffrey (1981) e outros. 29 sujeitosdapesquisa,foramcaracterizadosquantoaoseuperfilsocial,econmicoe cultural mediante o uso de um questionrio. Apesquisadecampofoiiniciadaemfinsdemarode2005econcludanofimde novembrodomesmoano.Otempoprolongadodeimersoemcampo,novemeses no total, foi motivado pela necessidade inerente a trabalhos que adotam princpios da perspectiva etnogrfica em educao. InicialmentefreqentamosasseisturmasdaprofessoraEneidaCarrarae,conforme dito, selecionamos uma turma para filmagens e observaes sistemticas, entrevistas comaprofessoraealgunsalunos,almdequestionriosparacaracterizaodo universo scio, econmico e cultural dos discentes, sujeitos da pesquisa. Ocontatocomaturmasedeuemduasfases.Aprimeiraconstituiu-sede observaessistemticas,anotaesdecampo,semqualquerapoiotecnolgico,em umintervalodedoismeses,easegunda,maisintensificada,foipermeadapor registros em vdeo, alm das notas de campo. Aescolhadovdeocomorecursometodolgicoestrelacionadaintenode analisartantoosaspectoslingsticosquantoosextralingsticosdosdiscursos(da professora e dos alunos)na sala de aula, compartilhando esse aspecto metodolgico comaperspectivatericautilizadaquedemandaousodesserecursocomofonte primria. As gravaes em vdeo ocorreram em um intervalo de seis meses, de maio a incio de outubrode2005,contemplandoquatrounidadestemticasAIndependnciados EstadosUnidos,ARevoluoFrancesa,ACrisedoSistemaColonialeas Revolues Europias do sculo XIX respectivamente os captulos 38, 39, 40 e 41 dolivrodidticoadotado.Tudoissoresultouemumconjuntodevinteaulas.Esses procedimentosforammotivadospelapreocupaoemregistrarumacadeiade enunciados,sempreemligaounscomosoutros,segundoasproposiesde Bakhtin,jmencionadasacima.Esseautorenfatizaqueasenunciaesse 30 configuramcomoumelonacadeiadacomunicaoverbal.Elassserealizamno cursodacomunicaoverbalessecompletamnocontatocomomeioverbale extraverbal, isto , com as outras enunciaes (Bakhtin, 2004). Destarte, o registro de vriasunidadestemticasserviuparainserirasenunciaesemumtodomaior grande parte de um ano letivo no sentido de explicitar esse elo ao qual Bakhtin se refere. Mudanasnoposicionamentodacmeraforamrealizadasdurantetodooprocesso com o objetivo de capturar diferentes ngulos da turma. Inicialmente a cmera ficava mvelemfrenteaosalunos,geralmentenocantoesquerdodasala,deformaa abranger toda a turma e a professora. Em um segundo momento, a cmera ocupou o fundodasala,naalaesquerda.Essadisposioimpediuoregistrodemuitosdos aspectosextralingsticos,umavezquefocavaascostasdosalunos,e,comefeito, atravessou um breve espao de tempo. No final das filmagens, a cmera posicionava-senomeiodaltimafileiradocantoesquerdo,entreascarteiras.Nestaposioa filmadoracapturavatantoaprofessoraquantoosalunossemanecessidadede movimentos bruscos. Em todos os espaos ocupados pela cmera, sempre que possvel, procurei focar cada alunonomomentoemqueestavaparticipandooralmentedasdiscusses.Estive atenta, tambm, aos momentos de disperso dos alunos ou de um grupo deles durante a aula. Nas aulas de grupo8, realizadas uma vez por semana9, a cmera circulava por toda asalaemboraatendoaosalunosindividualmentenomomentodesuasfalas. importanteregistrarqueaprofessoranotemohbitodeproportrabalhosem pequenos grupos. As classes so organizadas basicamente em duas aulas expositivas e uma aula do grupo em crculo, privilegiando debates e opinies. 8 Terminologia utilizada pela professora.9 Exceto dias de prova, reviso ou eventos e reunies da escola. 31 Como dito, alm dos registros em vdeo, realizei entrevistas com a professora e seis alunos.Essasentrevistasfuncionaramcomoauxiliaresnoprocessode reconhecimento da cultura da classe em estudo. A entrevista com a professora, gravada em udio, teve durao de aproximadamente umahoraequarentaminutosefoirealizadanotrminodeumdialetivo.Essa pretendeu discutir e contextualizar a prtica pedaggica da professora como um todo, do qual merecem destaque alguns aspectos: os significados que o professor atribui a suasaeseaosprocessosdeensino-aprendizagem,otrabalhoearelaocoma escola,oplanejamentodidtico,asintenes,arelaoafetivacomosalunosea concepo de aprendizagem e de Histria10. Esses aspectos acentuados na entrevista foram importantes para lanar uma luz sobre aprpriabasesobreaqualserealizaarelaoensino-aprendizagemdefinindoas possibilidades daquilo que ser produzido. Asentrevistascomosdiscentestiveramduraodeaproximadamentemeiahorae ocuparamohorrioletivodeHistria.Selecionamosseistiposdiferenciadosde alunosemtermosdeparticipaoemsaladeaula.Oalunoatentoesilencioso Pedro,oconversadore,aomesmotempo,participativoVitor,oatento, participativo e brincalho Luiz, as atentas e participativas Cludia (esta tambm muito estudiosa) e Elaine e a atenta, silenciosa e muito estudiosa Fernanda11. Esses alunosforamquestionadosarespeitodametodologiadeensino-aprendizagemda professora,docontedoabordado,domaterialdidticoadotado,darelaoafetiva comaprofessoraecomoscolegas,daescolaemgeralearespeitodapresenada pesquisadora em sala de aula12. A representao inicial deles no tocante a entrevista era que seriam questionados a respeito de contedos de Histria. Quando perceberam que no se tratava disso, se sentiram vontade e confortveis para responder. 10 Ver ANEXO VIII roteiro para entrevista semi-estruturada com a professora. 11 Os nomes dos alunos so fictcios por motivo de conferir aos sujeitos pesquisados caractersticas de imparcialidade. 12 Ver ANEXO IX roteiro para entrevista semi-estruturada com os alunos. 32 Foiinteressantepercebernosdepoimentosperspectivasdenaturezacompartilhada, distintaecomplementar.Ademais,algumasopinieseramunnimescomoa aprovao das aulas e da professora. Todo esse conjunto de informaes foi til para o reconhecimento da cultura e do contexto daquela classe da qual abrolham mltiplos significados,algunsdistintos,outroscompartilhados,queseropormenorizadosno captulo dois. Essa perspectiva da cultura e da natureza compartilhada dos saberes e conhecimentos construdosnasaladeaula,sejamelesdenaturezapedaggicaoudisciplinar, sustentadapelaestruturaterico-metodolgicadaetnografiainteracionalepelas contribuies de Edwards e Mercer (1987). Estes autores partem do princpio de que todoensinoestrelacionadoaodesenvolvimentodeumacompreenso compartilhada e que a linguagem, como instrumento psicolgico e cultural, encontra-senocentrodesseprocesso,namedidaemqueoprincipalmeiodecomunicao entre alunos e professores. A perspectiva de etnografia interacional vai alegar que os membros de um determinado grupo social, no caso professor e alunos, desenvolvem umdeterminadoconhecimentoculturalcompartilhadonecessrioparaparticipar apropriadamente dos eventos cotidianos da sala de aula. Deste modo, segundo essas perspectivas, da natureza de qualquer grupo social dos quais se inclui a sala de aula criar e instituir prticas e significados compartilhados. O ltimo instrumento de pesquisa utilizado o questionrio recolhendo informaes sociais, econmicas e culturais dos estudantes teve como finalidade perceber quem soossujeitosqueestointeragindoemsaladeaula,oquegostamdefazer,onde moram, como gastam o tempo, a que se dedicam, o que querem ser para uma melhor compreenso do todo da classe investigada13. O questionrio foi aplicado no horrio letivo de aula de Histria e ocupou todo o tempo. Muitos retardatrios o levaram para casameretornandonasemanaseguinte.Comalguns,poucos,foiprecisocerta insistnciadesuadevoluo.Outrosnodevolveram.Oquestionriofoi acompanhadoporumtermodeaceitaoparaparticipaonapesquisaquedeveria ser preenchido pelos pais e/ou responsveis pelos alunos menores de idade. 13 O tratamento dos dados desse questionrio foi feito no item seguinte. 33 Tratamento e anlise dados em vdeo, notas e entrevistas Optamosportrabalharcomvriosnveisdetratamentoeanlisedosdados.O primeiro nvel encerra um vis macro, pois tem como objetivo alcanar um espectro abrangente da dinmica discursiva da sala de aula. Encerradasasfilmagensedepossedosvdeos,oprimeiroprocedimentofoia captura das imagens em vdeo para CD. O processo demorado e a captura acontece emtemporeal.Emseguida,fizemosummapadeconjuntodetodososdadosem vdeo,isto,dasquatrounidadestemticasregistradas.Apsassistirsaulas inmerasvezes,semcontarcomaqueladaqualsedeuoregistro,almdoexame minucioso das notas de campo, procuramos delinear os princpios e prticas culturais visveiseinvisveisdogruposocialinvestigado.Issofoidecorrentedaperspectiva tericadaEtnografiaInteracionalpornsapropriadaquepostulaqueessacultura implcita inerente s salas de aula no consiste apenas em um cenrio que sustenta os processosdeensino-aprendizagemqueocorrememseuinterior,masaocontrrio constituem e so constitudas por eles (Green, Dixon e Zaharlic, 2002). Apscaracterizaressesprincpioseprticasculturais,foramselecionadasduas unidadestemticasquesemostraramrepresentativasdocontextoinvestigadoa RevoluoFrancesaeaIndependnciadosEstadosUnidosparafinsdeanlises sistemticas. Estas foram representativas por variadas razes explicitadas no captulo subseqente.Destemodo,maisumavezemconsonnciacomasproposiesde Bakhtinqueafirmaquequalquerenunciadoapenasumelonacorrenteda comunicaoverbal(Bakhtin,1986),concebemosprimeiramenteumaunidadede anlise mais ampla as duas unidades temticas que alm de nos terem fornecido o contexto,conferiusentidosaes,documentadasemumsegmentomaiscurtoda vida daquela classe, como uma aula ou duas. Das aulas que compem as duas unidades selecionadas, fizemos um recorte de cada uma delas em episdios ou unidades de significados tendo em vista outra implicao subjacenteteoriabakhtinianajmencionada,quesereferenecessidadede 34 construirumconjuntodedadosdecomoosepisdiosconstituintesdessaunidade temticaseorganizamtemporalmente.Paratal,apartirdeumaaproximaoglobal dosdadoselaboramosmapasdeepisdiospormeiodosquaiscadaaulafoi segmentadaemumasrietemporaldeepisdios.Essesmapaspermitirama contextualizao do episdio na unidade temtica em que ele se insere.Mortimer e al (2005) tomam a noo de episdio como uma adaptao da definio de evento na tradio da Etnografia Interacional (Bloome e Bayley, 1992, p.186). Deste modo, umepisdiodefinidocomoumconjuntocoerentedeaesesignificados produzidospelosparticipanteseminterao,quetemumincioefimclaroseque pode ser facilmente discernido dos eventos precedente e subseqente. Normalmente, esseconjuntodistintotambmcaracterizadoporumafunoespecficanofluxo do discurso (MORTIMER et al., 2005). EsseinstrumentodesenvolvidoporGreen&Meyer,1991;BloomeeBailey,1992; Castanheira,2000;eapropriadoporMortimer,2005,sobaterminologiaepisdio; temcomofunorepresentarcomoainteraoentreosalunoseentreestesea professora foi organizada, quais os padres interacionais recorrentes na sala de aula, e como o tempo foi gasto na realizao das atividades e desenvolvidas. Alm disso, osmapasdeeventos,nocasodestapesquisadeepisdios,permitema contextualizao do discurso produzido na sala de aula uma vez que so construdos pormeiodaanlisedodiscursoedasaes(aquiassumidascomodiscurso)dos participantesnoprocessointeracional.Essesmapas,portanto,consistiramemum esforoinicialdeinvestigaodasaulas,propriamenteditas,queembasaramas anlises subseqentes. Nestadireo,apartirdosepisdiosmapeadosdetodasasaulasdasduasunidades temticas,numtotaldeseis,selecionamosasprincipaisestratgiaspedaggicas, servidas pela professora. Para tal, elegemos duas aulas de cada unidade temtica que abrangemosdoistiposdeestratgiaspedaggicasquecompem,defineme caracterizam a prtica da professora em estudo14. Estas aulas foram objeto de estudos sistematizadoseespecficosquevisaramlanarumolharsobreosprocessosde ensino-aprendizagem de Histria nessa classe, sob a mediao da professora objeto 14 Essa seleo ser mais bem aclarada e visualizada quando da exposio dos mapas de conjunto e de episdios apresentados no captulo 4. 35 destapesquisa.Cadaaulafragmentou-seemepisdiosecadaepisdio,por conseguinte,dividiu-seemsequnciasdeinterao.Estasltimasseconstituram como corpus privilegiado e minucioso de anlise. Para perceber que tipo de mediaes a professora estabelece, sob que propsitos, em quecondies,isto,paraacaracterizaodadinmicadiscursivadaclasse,nos apoiamosemestudosemetodologiasdesaladeauladediferentesdisciplinas escolaresquenosserviramcomoexpectativastericasemetodolgicasque orientaramaleituraeinterpretaodosdados.Entreessesestudosdestacamosa estrutura analtica desenvolvida por Mortimer e Scott (2003) e a ampliao desta por Mortimeretal.(2005).Essecorpusmetodolgicocitadoperspectivacitadaeos outrosestudosexistentesforamnuanadosemfunodasespecificidadesdassalas deauladeHistria.SegundoMortimer,essascategorias,inspiradasnosaportes tericos da abordagem sociocultural, permitem descrever, com um nvel de detalhes adequado,asdinmicasdiscursivasdassalasdeauladecincias,comnfasena linguagem verbal e na produo de significados (MORTIMER, 2002)15.

Igualmente, para a determinao da aprendizagem dos alunos de forma processual, o constructo EngajamentoDisciplinar Produtivo tambm nos serviu comoexpectativa terica e metodolgica. Esse constructo, elaborado por Engle e Conant (2002), indica o alcance de envolvimento dos estudantes em temas e prticas de uma disciplina e se talenvolvimentoresultouemumprogressointelectual.Grossomodo,elecombina doisfatoresinter-relacionados:osaspectosinteracionaisdoengajamentodos estudantescomasidiasdoqueseconfiguracomoumdiscursoprodutivoemum domnio especfico do conhecimento. Em linhas gerais, esse constructo se configura emumavanometodolgiconoqueconcerneaosestudossobreaprendizagem escolar,vistoquepermiteanalis-laemsuaformaprocessual.Constitui-seassim numvisanalticoquecapturaelementosimponderveisporavaliaese comparaes estticas oriundas de pr e pos testes. Essa perspectiva, ao incorporar o 15 Sobre esses estudos desenvolvidos por Mortimer et al,ver Meaning making in secondary science classes (2003) e os artigos Uma metodologia de anlise e comparao entre a dinmica discursiva de salas de aulas de cincias utilizando software e sistema de categorizao de dados em vdeo: Parte 1, dados quantitativos e Parte 2, dados qualitativos (2005). 36 contedoeainterao,resgataerealaapercepodaaprendizagemcomoum processocognitivoesocial,evidenciando,assim,sintoniacomoobjetodesta pesquisa e com a perspectiva terica empregada. Buscamos,ademaiseprincipalmente,naanlise,tornarvisveisquaistiposde pensamentos/raciocnioshistricosestosendoproduzidosnessasinteraes registradas. Emsntese,nestapesquisafoifeitaumaconjugaodevriosnveisdeanlise:os mapasdeconjunto,asunidadestemticasselecionadas,osmapasdeepisdiosdas aulasquecompemtaisunidadestemticas,asaulasselecionadasdessasunidades (querepresentamaprticapedaggicadaprofessora),osepisdiosquecompem taisaulas,assequnciasdeinteraodetaisepisdiose,porltimo,osturnosde fala. Igualmente, fizemos a conjugao de vrios nveis de contexto: o contexto mais amplo,ocontextoinstitucional,ocontextosituacional(asaladeaula)locus privilegiado desta pesquisa. 3. O contexto da sala de aula 3.1 Delimitando abordagens do contexto Asaladeaula,comoobjetodeinvestigao,mostra-sealgocomplexoe multifacetado.Aspesquisasemseuinterior,emgeral,edecunhoetnogrfico,em particular,guardamalgumasexignciasdenaturezatantotericaquanto metodolgica.Umadelasasensibilidadeaocontextoinvestigado,objetodeste item. Igualmente,aperspectivasocioculturalrequerestamesmadisposio.Bakhtin ressalta a importncia do contexto ao mencionar a enunciao como sendo

determinada de maneira mais imediata pelos participantes do ato de fala, explcitos ouimplcitos,emligaocomumasituaobemprecisa;asituaodforma enunciao, impondo-lhe esta ressonncia em vez daquela, por exemplo a exigncia ouasolicitao,aafirmaodedireitosouaprecepedindograa,umestilo rebuscado ou simples, etc. A situao e os participantes mais imediatos determinam 37 aformaeoestiloocasionaisdaenunciao.Osestratosmaisprofundosdesua estrutura so determinados pelas presses sociais mais substanciais e durveis a que est submetido o locutor(BAKHTIN, 2004, p. 45, grifos nossos). Nestefragmento,Bakhtindelineiaosvrioscomponentescontextuaisqueesto envolvidosemcadasituaodeenunciao:osparticipantesdoatodefala,a situaomaisimediataeaspressessociais.Assim,oconceitodecontextoaoqual estamosnosreferindo,almdenoseresumiraoespaofsicoeaosparticipantes quedelefazemparte,apresentanaturezamltipla,comoporexemplo,asinmeras pressessociaisaqueossujeitosdaenunciaoestosubmetidos.Taispresses compem-se deelementos que fogem aos dadosimediatos, aos aspectosvisveis do espao fsico da sala de aula, sendo, portanto, perceptveis na hora que os sujeitos da enunciaosepronunciam.Nosseusdiscursoseaesvislumbram-seasmarcas dessesestratosmaisprofundosquenoapenascompemasituaodaenunciao, mas balizam os prprios eventos dela. Jaabordagemdaetnografiainteracionalpriorizaocontextocultural,definidopor meiodalinguagem.Talcontextoseconfiguracomoprincpioseprticasculturais queguiamasaes,interaes,produesdeartefatos,construesdeeventose atividades cotidianas dos membros de determinado grupo. Apreende-se esse contexto culturalnasformasdeagir,deviver,interpretareavaliarpelasquaisaspessoas optam para se engajar no grupo a que pertencem, bem como atravs das expectativas dessesmembros.Estecontextoseriaopanodefundoculturalqueestnoapenas implcitonasinteraesdiscursivas,masmoldandoesendomoldadosporelas. Assimsendo,elenoconsisteemumparmetroexterior,easaeseexpectativas dosparticipantesdedeterminadogrupoculturalseconstituemcomoumaatividade inseparvel desse contexto16. Emsintonia,aabordagemSociolingsticaInteracional(Gumperz,1992)pensao contexto como algo que constitui e constitudo pelos participantes. Assim, ele no concebidoapenaspeloambientefsicoouaindapelacombinaodepessoasesim peloqueelasestofazendo,ondeequandofazem(EricksoneShultz,1981).Na 16 O contexto cultural da sala de aula investigada ser objeto de anlise do captulo 2. 38 perspectiva de McDermont (1976), as pessoas em interao se tornam ambientes um dooutro.Ocontextosocial,assim,constitudopordefiniesdesituaes mutuamentecompartilhadaseratificadasemaessociaisqueaspessoasaceitam combasenessasdefinies.Acadamudanadecontexto,osrelacionamentose papisentreparticipantessoredistribudosproduzindoconfiguraesdiferentesde ao de pensamento. AindasegundoEricksoneShultz,ocontextoconstrudoatravsdeprocessos discursivos e interpretativos estabelecidos entre os participantes do grupo. Nessa perspectiva, Gumperz (1992) inaugura a noo de ndices de contextualizao traduzidos do ingls contextualization cues. Esses ndices permitem aos participantes deumainteraoidentificareconstruirseucontexto,determinarcomquemeles falameemquegnerodediscursovoestarouestoimplicados.Osentidoda contextualizaofazcomqueacomunicaoincluaumaprosdia(entonao, enfoque ou acentuao e mudanas no registro da entonao); sinais paralingsticos (detempo,pausaehesitao,sincroniadeconversaoincluindotravamentoou sobreposio de turnos e outras dicas de expresso de voz); escolha do cdigo (trocar ocdigoouoestilo,ouselecionarentreasopesfonticas,fonolgicasou morfossintticas)eaescolhadeformaslxicasouexpressesformuladas(abertura, fechamentoouexpressesmetafricasnonveldasemnticareferencial)...Suma boainterpretaodessesndicesconfereaossujeitosapossibilidadedese comportarem adequadamente nas interaes. Emlinhasgerais,anaturezadoscomponentesdocontextomltiplaealterade acordocom a perspectiva terica utilizada. Como vimos, a abordagem sociocultural consideracomocomponentescontextuaisosparticipantesdoatodefala,asituao maisimediataeaspressessociais.JaEtnografiaInteracionalpriorizaocontexto cultural,enquantoaSociolingsticaInteracionalpriorizaocontextointeracional. Algunsautores,ainda,incluemoutros.Hymes(1972),porexemplo,almde participantes, lugar, momento e finalidade, inclu a o tema, ognero dediscurso, o canal, o dialeto empregado, as regras sobre os turnos da fala em uso na comunidade... 39 Outrospesquisadoresabrangemossaberesdosparticipantessobreomundo,seus saberes respectivos de um sobre o outro, um saber sobre o pano de fundo cultural da sociedade de onde emerge o discurso, etc. (Maingueneau, 2000). Essescomponentescontextuaissegundoacombinaodessastrsperspectivas tericasdelineadas(abordagemsociocultural,etnografiainteracionale sociolingstica interacional), moldam e so moldados pela situao mais imediata da enunciao,nestaocorrncia,asaladeaulaeosprocessosqueincidememseu interior. Assimsendo,estudarosprocessosdeensino-aprendizagemdeHistriaemclasse requer apreender, de antemo, quem so os sujeitos que interagem (participantes do atodefala),emquetipodeescolaerededeensinoestoinseridos,queaparato textual utilizam, que padres e prticas culturais foram sendo institudas por eles no decorrerdoanoletivopormeiodeprocessosdiscursivoseinterpretativos estabelecidosentreosparticipantesdogrupoe,porfim,quaisaspressessociais oriundasdocontextomaisamplo,-sejamdasecretariadeensino,sejamdacultura escolar , afloram na situao mais imediata da enunciao. 3.2 O contexto escolar 3.2.1 A escola AEscolaEstadualMaestroVilla-lobos(EEMVL)situa-senaregioCentro-Sulde BeloHorizonteMG.Ainstituioofereceapenasoensinomdioefuncionaem trs turnos regulares. Elaatendeaumaclienteladeclassemdiaemdiabaixa,emboraestejalocalizada nobairroSantoAgostinhoconsideradoumbairrodeclassemdiaalta.Deste modo,opblicodainstituionohabitaoentornoeprovm,emsuamaioria,da RegioOesteeNoroeste17.Osdadosdoquestionriosocioculturaldaturma 17 Dados relativos a uma pesquisa realizada pelo professor de geografia da escola junto a seus alunos. 40 pesquisada,queseroapresentadosaolongodestecaptulo,tambmrevelaramque grande parte dos alunos reside em bairros distantes e, do mesmo modo, por meio das entrevistaspudemosinferircertointeressepeloensinoporpartedosalunosesuas famliasrefletidoemseusdeslocamentosdirios....minhamequeriaqueeu sassedaquiporquemuitolonge,sabe;decasacinqentaminutosdaquilem casa. A eu quis vir porque eu j tava acostumada com a escola, com o povo daqui, os professores daqui eu gosto, que eles do aula bem, a direo eu gosto... Eu gosto da escola, do ambiente da escola (Elaine). Eu moro longe daqui, quase uma hora prachegaraqui(Fernanda).Mesmoassim,taldeslocamentodemandacondio financeiramnimaparaocusteiodotransportedirio....geralmenteessasescolas [escolasdebairro],quemestudanessasescolasassim,geralmentequemnotem condiesprapagarpassagemtodososdias,teraqueledinheirofixo,entendeu? (Elaine). No que concerne s finalidades do estabelecimento, durante o ano de 2002, realizou-se uma pesquisa envolvendo toda a comunidade escolar pais, alunos, professores , buscandobalizarqualdeveriaseraprincipalmetadaescola.Osresultados apontaramparaaaprovaonovestibulare,emdecorrncia,desde2002,aescola vembuscandoatingiressealvoprincipalaprovaonovestibular18.Ovestibular, deste modo, se configura como uma das presses sociais provenientes dos estratos mais profundos da sociedade que deixam marcas na dinmica das interaes desta classe de ensino mdio, locus central deste trabalho. Essas marcas so visveis tanto na dinmica das interaes essa pergunta dela cai demais em vestibular... (aula 01/06/05,turno3019),quantonosdepoimentosdaprofessoraedosalunos entrevistados. A gente se especializou, vamos dizer assim, em segundo grau; ento, agenteseespecializouemprepararalunoprovestibular,onossoobjetivo (professora); ...porque o ensino daqui serve como base pro vestibular, e das outras escolas no (Vitor); ... [a escola] como se fosse um pr-vestibular, n, matria... dumarevisoemtodasasmatriasassim,sabe?(Pedro).Estaidiadereviso expressa por Pedro imprime um ritmo no processo pedaggico. A professora tem que 18 Dados oriundos da entrevista realizada com a Professora Eneida no dia 5/10/2005. Ela j exerce cargo de professora h vinte anos na EEMVL. 19 Esta aula foi analisada no captulo 4.41 cumprirtodaamatria,restringindooespaoparaoutrossaberes.Dessemodo,o vestibular exerce uma presso muito forte que atravessa os muros da universidade e invade o cotidiano das classes em geral, e desta em particular. Em 2004, a Secretaria de Educao do Estado de Minas Gerais iniciou a implantao do Projeto Escolas-Referncia, para o qual a EEMVL foi uma das selecionadas entre asdemais.DeacordocomjustificativadaSecretariadeEducao,esteprojeto buscaidentificareapoiaraquelasescolasquesedestacamnasrespectivas comunidades,sejapelotrabalhoquerealizam,sejapelasuatradiooupela dimenso do atendimento populao de ensino fundamental e mdio da localidade, visandotorn-lasfocosirradiadoresdamelhoriadaeducaonoEstado 20.A inserodaescolanesseprojetotrouxealgumasimplicaes.Seporumladoa instituioganhouapoiofinanceiro,poroutro,foiobrigadaacumprirdeterminados requisitos. O principal deles constitui-se no Grupo de Desenvolvimento Profissional (GDP).Compemessegrupoprofessores21representantesdecadaumadas disciplinasescolares.Trata-sedeestudosindividuaisecoletivoscomvistasao aprimoramentodaprticadocenteeaimplantaodeumnovocurrculoescolar. Segundodepoimentodealgunsprofessores,asreuniesdessegrupoextrapolama carga horria semanal e, muitas vezes, so realizadas inclusive aos sbados22. Noentanto,emfunodainserodaEEMVLnesteprograma,em2004,aescola elaborouumprojetoparaaSEEMGsolicitandorecursosfinanceirosparasuas demandas.Comoaescolapossuicarnciasvariadas,todaacomunidadeescolar participoudasdecisessobreoqueeraprioridadenomomento.Osprincipais projetosalcanados,jemandamento,foram:recursosparaacompradelivrosdo vestibulardaUFMGePUC/MGedelivrosdidticos,coberturadaquadra poliesportiva,salaambienteparatodasasdisciplinas,entreoutros.Pensamosqueo fatodeaEscolaserrefernciatambmpodeseconfigurarcomoumapresso institucionalqueemergenocontextointeracionalpesquisado,umavezqueserve 20 Dados contidos no site da SEEMG www.educao.mg.gov.br 21 A professora desta pesquisa participa deste grupo desde a sua implantao. 22 Os professores no possuem benefcios individuais em funo de sua insero no grupo.Alguns chegam a usar o termo doao. 42 como motivadora dos processos de ensino-aprendizagem que incidem em seu interior peloreconhecimentooficialmentecomprovadodaqualidadedoestabelecimento. Este dado de contexto situacional deixa marcas em muitos depoimentos dos alunos e professoraquereconhecemaqualidadedeensinodaEscola.(...)euachoum ambiente bom, muitos que trabalham noutras escolas falam que isso aqui um cu, que aqui uma maravilha, principalmente o primeiro turno (Professora); Eu ouvi falar e acho que , uma das melhores escolas estaduais de Belo Horizonte (Vitor); A qualidade de ensino boa (Fernanda). Com relao ao espao fsico da escola, este possui dois prdios de dois andares cada eumanexo,compostoporumasaladeaulaeumasaladeinformtica.Osdois prdiosdispem-sejuntosde16salasdeaula,biblioteca,saladeprofessores, secretaria,saladedireo,saladevice-direo,salaparaorientaopedaggica, cozinha,refeitriocentral,banheirosfemininoemasculino,banheirospara professores, quadra poliesportiva e quadra de vlei e um pequeno laboratrio pouco utilizado. Aescolacontacomosseguintesmateriaisdidticosauxiliares:livrosdidticos, dicionrios, alguns filmes, TV e videocassete (que ficam na biblioteca e necessrio reserv-losemcasodeuso),aparelhodesom,retroprojetor,CDplayeresalade informtica. No possui sala ambiente para as diferentes disciplinas, sendo que estas esto sendo solicitadas no projeto supracitado. Oquadrodeprofissionaiscompostopor47professores,sendosetedeHistria; duas orientadoras educacionais, formadas em pedagogia, que atendem os trs turnos, diretora(comformaoemHistria,h5anosnafuno),trsvice-diretoras(uma para cada turno) e 34 funcionrios distribudos entre a secretaria, biblioteca, cozinha, manuteno,limpezaecantina.Adireoeavice-direosocargoseletivos, escolhidos com a participao de toda a comunidade escolar. A coordenao tambm um cargo eletivo, definido pelo grupo de professores de cada turno. 43 AinstituiotemparceriacomaFundaodeDesenvolvimentoGerencial(FDG) queprestaaelaconsultoriagratuita,auxiliando-anaorganizaodemetasmetas de aprovao, metas para diminuir a evaso, metas para admisso na universidade a serem alcanadas e promovendo reunies e eventos dentro da escola. A FDG fornece orientaoeferramentasdegesto,sendoaprpriainstituioresponsvelpelo planodeao.Dessemodo,comaparceria,oestabelecimentoaprendeuacoletar dados e se basear neles, para alcanar as metas estabelecidas. 23 Segundo a consultora doprograma,adiretoradaEscolajestbastanteaptaadesenvolvereautilizar qualquerferramentavistoteradquiridomuitahabilidadeeconhecimentodegesto. ElaacrescentaqueaFDGestconseguindocumprirseuobjetivo,qualseja,fazer comqueaescolaorientadaconsigatrabalharsozinha.Algumasdessasmetas interferem na sala de aula pesquisada como uma presso institucional, uma vez que a professoradevecumpri-lasnocotidianodaslies.Nocorpusdestapesquisa apreendemosalgunsindciosdeixadospelossujeitosinvestigadosquenos permitiramvislumbrarapresenadesseextratosituacional(FDG)balizandoalguns eventos daclasse.Algumas vezes a professora,no incio das aulas, trabalhou junto aosalunosalgumasmetas,sobretudodelimpezadaescola,propostasporessa fundao.Outroindcioseimprimiuemalgumasaulas,cujasreuniesdaFDG geraram tumulto e disperso dos alunos, principalmente dos representantes de turma que eram retirados sistematicamente de sala. O planejamento feito pelos professores trimestralmente, num total de trs por ano. Nofinaldecadatrimestrerealizadooconselhodeclasse,comaparticipaodos professores e da orientadora pedaggica do turno. As reunies pedaggicas ocorrem durante o ano, num total de aproximadamente dez. Muitas reunies ocupam o horrio letivoeosalunossoinformadosnoprpriodiaemqueelasacontecem.Essa ocorrnciamotivodemuitasreclamaesporpartedeles,expressasnosseguintes depoimentos:Olha,aspectosnegativosdaescola,euachoquemuito desorganizado,tudoaqui.Osdias,oshorriostambm,svezestemumareunio, atrapalha. Ento tem reunio pra feira, ento no tem os ltimos horrios, sei l, eu achomuitodesorganizado(Cludia);Aescolaumpoucodesorganizada(...) 23 Dados oriundos da entrevista realizada com a consultora da FDG e da pasta contendo os planos de ao. 44 Essa coisa de ter... toda hora... s vezes a gente t aqui pra estudar... na sala de aula esperandooprofessorechegaalgumefala:Ah...ttendoconselhodeclasse`. Ento como assim, a gente veio na aula pra ter aula, t tendo conselho de classe(...). ... Ento assim acorda muito cedo, a gente estuda de manh, igual eu tenho que sai de casa seis horas pra chegar aqui s sete. Ento, seis horas eu pego o nibus, at chegar aqui, fica aquela coisa toda... pra chegar aqui no ter aula, ento s vezes a escolaumpoucodesorganizada(...)euachoqueelesdeveriamavisar (Fernanda). O sistema de avaliao se divide em trs trimestres, valendo, respectivamente, 30, 30 e40pontos.Oprocessoderecuperaolongoeserealizaemdiversasetapas. Primeiramente,osalunoscomdificuldaderealizamumaatividadepararecuperara mdia.Casonoofaam,emdezembro,so submetidosprogressoparcialtendo que cumprir uma semana de aula e submeter-se a uma prova valendo 100 pontos. Se mesmoassimoalunonoalcanaamdia,terdireitoaoutraavaliaodemesmo valor,emfevereiro.Seaindaassimamdianoforobtida,oalunoficacom dependncia nesta matria e ao final do ano seguinte, caso tenha recuperado a mdia anual, ele progride para o prximo ano. Caso contrrio retorna ao ano anterior. Esta flexibilidade no sistema de avaliao, que atinge a maioria das escolas da Rede Estadual de Ensino deMinas Gerais, tem sidoalvo de variadas crticas. Professores deoutrasescolasdaRedejexprimiramseudescontentamento,declarando, ironicamente, que o aluno tem que fazer um esforo muito grande para conseguir ser reprovado,apenasosextremamentefracosalcanamesseresultado.Outracrticase expressanafaladeumdosalunos,sujeitodapesquisa,duranteentrevistarealizada porns.Outroproblemadaescolatambmporquevoc,seil,vocficadez pontosnotrimestre,masvocjtcomissona cabea,quenovaitomarbomba. Porquetemdependncia,temmuitotrabalho,vocpassaemtudo!Econsegue passar de ano, sabe? Ento eu acho que o povo j... tem dependncia, vai fazer um trabalhinho e pronto e j passou! (...) Acho que facilita, porque, sei l, eu acho que isso...emalgumasescolasestaduaistemisso,quevocnovaichegarnuma escolaquevoctpagando,chegarlficarlconversando,conversando, 45 conversando e no final do ano fazer um trabalhinho, um monte de coisa assim e eles aindateempurram.Euachoque,nossa,euachoqueagentemuitoempurrado (Cludia).Pormeiodenossosregistroseobservaesdecampopudemosverificar que esta se trata de uma aluna atenta, estudiosa, interessada, inteligente, participativa e que tem, conseqentemente, um engajamento efetivo nos processos escolares. Hdiversasatividadesextraclasserealizadasnaescola.Nocampoesportivo acontecemanualmenteolimpadaseumtorneioextra.Nombitocultural,ocorre uma Feira de Cultura que em 2005 cedeu lugar Feira de Arte. Para arrecadao de fundosparaestaFeira,realiza-sefestajuninacomgincana.Nodomniodoensino ocorrem trs simulados anuais para o terceiro ano e dois para o segundo, alm de um eventodenominadoVitrinedeProfissesquecontacomapresenadepalestrantes oriundos das faculdades FUMEC e Newton Paiva. Apropriando-sedaconceituaofeitaporJuarezDayrell(2001)daescolacomo espao sociocultural, existem vrios aspectos positivos e alguns negativos, apontados pelosprpriossujeitossociaisehistricos,presentesnesteespao.Segundo depoimentos,ainstituioumbomlugarparatrabalhareestudareestmuito acimadamdiadequalidadedasescolasdaRedeEstadual.Euachoumaescola muito boa de trabalhar, a convivncia entre os professores muito boa, a direo d muitaliberdadepragente,osalunostmintenodepassarnovestibular,pelo menos isso que eles falam n, e...(professora); Eu amo estudar aqui (Cludia); Eu gosto da escola, do ambiente da escola (Elaine); Escola muito boa, convvio bom,pessoalmuitogenteboa,professoresexcelentes(Pedro);aquiminha segundo casa (professora). Outroaspectorelaciona-sequalidadedosprofessores.Somuitoelogiadosetm amplaaprovaoporpartedosalunos.Professoresexcelentes(Pedro);...os professores,apesardeseremdeescolapblica,nosoruins,eugostodomodo delesensinarem,achoquesobonsprofessores(Elaine);Aquiosprofessores so...so...aEneidagente...aEneidaelaformada,muitobemformada,ela muitointeligente.Tmoutrosprofessoresaquitambmquesobeminteligentes, 46 que so dinmicos, quea gente s do professor falar a gente j, j transmite assim aquela coisa de ... ser um bom professor, no s com a inteligncia, mas da forma que,queapessoadaaula.Entoaquitemmuitosprofessoresbons(...)as discussesqueelespromovemaquisomuitoboas,nosoemvo,sabe,tipo,a gente vai pra Praa Sete e sabe alguma coisa de l, a gente vai pro lugar inteligente, sabe,coisasque,que...enriquecemoconhecimento,queagentepodever,quea gentepodeaprender,semprequeagentevaitemuminstrutorpraexplicaraquela coisa, ento no pra baguna, uma coisa pra aprender mesmo (Fernanda); Os meninostmprofessoresmuitobons.Olhapravocver,aquitemdentistaqued aula,tmqumicos,profissionaisdevriasoutrasreas(professora);Os professores, timos, os melhores de Belo Horizonte (Vitor). A direo e a vice direo igualmente possuemexpressivo respaldo de competncia ... a direo da escola muito boa, muito eficiente (...) tudo que a escola precisa a direo corre atrs. Se voc precisa de um material didtico, a voc vai l e fala com a Jlia: oh Jlia, ns tamos precisando disso, disso e disso`. A a Jlia vai l e correatrs.Setemquecomprar,aosprofessores...geralmenteosprofessoresdo terceiroanoqueajudamcomisso,igualosmeninosdoterceiroanoque precisavamdeunsguiasdevestibularespraestudar,prafazervestibular, comearamavendersuconaescola,afazeraltostrabalhos,pracompraresses livrosedoaramprabiblioteca.Issotudocomaajudadadireo(Luiz);Nossa diretoratima,eladumaaberturamuitograndepragente,e,aquiloqueeu falei pra voc, aquela pessoa quedeixa a gente vontade, sabe? Voc pode usar o mtodo que voc acha melhor, ela confia plenamente (professora); (...) a diretora umaboadiretoratambm,elasempreouveosalunos,ela...Elavainasala, pergunta tudo o que t acontecendo, talvez eles chegam l de surpresa, no primeiro horrio:gente,hojeagenteveioaquispraconversarsobre...oquevocs estoachandodaescola?`Aelesrelatamtudoe...evoembuscapratentar melhorar. Igual a quadra que eles, que eles reformaram agora e que t faltando s cobrirn.Entoassim,j...foi...issofoiabasedodepoimentodosalunos,ento nessepontoadiretoraouve(...)elescorrematrsda,damelhoriaparaosalunos tambm (Fernanda); Eu gosto, que ela, tipo, voc vem conversar com ela, ela no, 47 no fala assim, ela no tem aquela soberba de diretor, sabe? Ela conversa com voc numaboa.Outrodiaeufuiconversarcomela,dasaulas,quenotavatendo condio de ter aula dequmica nem de fsica, ningum deixava. Ela falou queera praconversarcomoprofessor,elaconversoucomigonaboa,sabe,nofoi xingando, falandoo que a sala tava fazendo de errado`. Ela conversou comigo, viu os prs e os contras e a gente teve uma conversa assim, aberta. Porque geralmente, aculpadaturma,quenodeixaoprofessorexplicaretconversando.No,ela falou: no, a gente vai sentar, vai ver, se isso no melhorar a gente senta, v quem que t errado e quem que t certo, os professores e os alunos` (Elaine). Esseselementosconfereminstituiooatributodedemocrtica,sejapor professores,paisoualunos.Aescolamuitodemocrtica,adireodaescola,o Soesp,ouvemuitoosprofessores,ouvemuitoosalunos,entoagentetenta,na medida do possvel, fazer uma escola bem democrtica, onde todos participem, dem opinies,somandon,melhorando.Euperceboquevemmelhorando,eufaleipra voc que eu to aqui h vinte anos n, e eu percebo que a escola tem melhorado muito nesse perodo todo (professora). Deste modo, o ambiente imediato sala de aula em estudo de dilogo e de interatividade. Quanto aos pontos negativos, os alunos lamentam a desorganizao da coordenao no que se refere s reunies, conforme supracitado, e, apesar dos elogios, no raros, existetambmporpartedeumaalunaalgumainsatisfaonoquetangedireo. Euachoqueeles[adireo],tmhoraqueelesqueremserrgidosdemais,tem horasqueelesnotmtantarigidez,sabe.Seil,euachoquenomuitoassim, digamos,igualitria,entreaspas.Porqueeunoachoquesejaigualpratodos (Elaine). A discente se refere ao tratamento dado a alguns alunos ditos bagunceiros que diferenciado em relao ao tratamento dispensado aos outros. Estamesmaalunaapontaaindaaexistnciadealgunsproblemas,segundoela, inerentesaoensinopblico....ummontedeprofessorfalta,notem...notem assim,porquenaoutraescolaqueeuestudei,eraparticular,aeuvimtoda acostumada,n.Faltavaumprofessor,imediatamentetinhaoutroquesubstitua, 48 aquino,faltouumprofessor,agenteficousemaula,ouassim,demoraum tempinho pra substituir ele (...) ... lgico que tem coisas que em escolas pblicas tem, esse negcio de pichao, que no bom, a quadra no coberta (Elaine). Como vimos,asituaodoensinopblicoconfigura-seigualmentecomoumapresso social que deixa marcas no discurso dos alunos e no cotidiano escolar. Aprofessorapesquisadatambmdeploraopoucoempenhodosalunosedesuas famlias quanto ao investimento educativo, em geral, e em ingressar na universidade por meio do vestibular, em particular. Agora se eles [os alunos] estivessem mesmo querendopassarnovestibular,elesiamquererassistiraaula,aulacommais ateno, com mais cuidado n, e correr atrs, ento a gente v muito isso no n. A gentevmaisoprofessorquetinteressadoqueelespassem,notainda interiorizadoisso,vamosdizer,easfamliastambm,eunovejomuitoempenho nasfamliasassim,em...sabe,emdesenvolveressavontadenosmeninos no.Ela alegaqueospaisafirmamnoestaremdandocontadecolocarofilhoparaestudar porqueestesficanainternetounateleviso,chegademadrugadaemcasa. Mesmoassim,oquestionrioaplicadoaosalunosinvestigadosafirmouque70% delesgarantemprocurarafamliaquandoqueremsaberalgo,oquedecertomodo demarca a presena da famlia na vida do aluno. Outropontonegativoabalizadopelaprofessoraaausnciadearticulaoentre professoresdamesmadisciplinae/oureasafins,oque,emsuaopinio,tornariao processodeinstruomaislinear.Euachoquefaltaescoladesenvolveruma articulao,dpradaralgummomento,espaopragentearticular,praserlinear esteprocesso,tantoquecadaummuitonasua,procverentoeuestudandoagora,entrand,naindependnciadaAmricaLatina.Voudarumexemplon, seria ideal que o professor de Geografia estivesse estudando com os meninos pases daAmricaLatina,masnoest,estdesarticuladoeentoissoatrapalha,esse processo,elenoumprocessolinear.Segundoaprofessora,faltamtempoe remunerao de hora extra para que isso ocorra uma vez que as reunies geralmente ocupam horrios letivos O que falta pra ns tempo, tempo disponvel n, a gente nopodedispensaralunopranada(...)seagentetivesseumespaomaior,nas 49 escolasparticulares,oprofessoreleremuneradoinclusiveporessasaulas,... extras que tem n, essas reunies, ns no temos, a gente tem que trabalhar. Em sntese, aqui nos ocupamos de esboar o perfil da escola tanto no que tange aos recursoshumanos,aspectosfsicoseadministrativosquantoaosaspectos socioculturais. Este ltimo compreende a escola, naticadacultura,sobumolharmaisdenso,quelevaemcontaadimensodo dinamismo,dofazer-secotidiano,levadoaefeitoporhomensemulheres, trabalhadoresetrabalhadoras,negrosebrancos,adultoseadolescentes,enfim, alunoseprofessores,sereshumanosconcretos,sujeitossociaisehistricos, presentesnahistria,atoresnahistria.Falardaescolaenquantoespao socioculturalimplica,assim,resgataropapeldossujeitosnatramasocialquea constitui, enquanto instituio (DAYRELL, 2001, p. 136). Esseperfildelineadonospermitiu,comosevernodecorrerdestetrabalho, identificarumadasdimensesdosmltiploscontextosenvolvidosnocotidianoda classe estudada. 3.2.2 Os sujeitos Sobovistericoprivilegiadonesteestudo,osuniversossocioculturaisdos participantes da sala de aula igualmente fazem parte do contexto entendido em toda a suaamplitudeepistemolgica.So,porconseguinte,componentescontextuais.Para acaracterizaodestes,elaboramosquestionriosaosdiscenteserealizamos entrevista com a professora. A professora A professora Eneida Carrara graduou-se em Histria no ano de 1972 na Universidade FederaldeMinasGerais.Atuanareadomagistriodesdeagraduao.Possui tambm uma segunda formao em Pedagogia e especializao em Inspeo Escolar. Ademais,garantecontinuarseatualizandopormeiodecursoseleiturasdas produes acadmicas principalmente na rea de Histria e de Historiografia. 50 Presentemente, exerce funo docente apenas na EEMVL e efetiva. Possui mais de 30anosdedocnciasendoaposentadaemumcargoeh20anosnosegundo.Na entrevista,aprofessoraafirmouterlecionadoemescolasparticularestambm,mas que seu empenho e comprometimento esto direcionados para o ensino pblico. (...) jtrabalheiemescolaparticular,trabalheinocolgioSalesiano,entreoutras escolas, mas eu gosto de trabalhar na Rede Pblica, e eu sinto que sou mais til aqui do que na Rede Particular. Aindanaentrevista,aprofessoralamentounoterinvestidomaisemformao continuada,qualseja,mestradoedoutorado,pormdemarcou,nasentrelinhas,que suaformaotambmestpautadaemoutroscamposquenoapenasopuramente acadmico.(...)outrodiaumaalunafalouumacoisaparamim:Professoract desperdiada,cdeviaterfeitomestrado,estardandoaulanumafaculdade,eu falei assim, tem razo, mas em respeito ao mestrado, eu devia ter buscado mais, eu de certa forma eu parei, eu devia estar dando aula numa faculdade tal, mas eu no me sinto desperdiada, de jeito nenhum. Eu t aqui no lugar certo, eu acho que