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Capítulo 1- Autismo: História e Definição Atual Autismo Prof. Mariana Viana Gonzaga - CRP 04/34061 Ciclo CEAP – Centro de Estudos Avançados de Psicologia Capítulo 1- Autismo: História e Definição Atual Caros alunos, Neste capítulo teremos a oportunidade de estudar e discutir um pouco sobre a história do autismo, as mudanças na definição do transtorno ao longo dos anos, o aumento no número de casos na população, a definição atual e os aspectos fundamentais para o diagnóstico. Veremos que a definição de autismo mudou muito ao longo dos anos e que atualmente considera-se como “autismo” um grupo de transtornos que afetam o desenvolvimento infantil, também chamados de “Transtornos do Espectro Autístico”, e que dentro desse grupo há transtornos que são distintos (como por exemplo a Síndrome de Asperger e o autismo atípico), mas que apresentam uma sintomatologia em comum. Os temas a serem abordados nesse capítulo serão um primeiro passo para favorecer uma compreensão mais ampla a respeito do autismo infantil. Aproveitamos a oportunidade para dar boas vindas a todos e desejar ótimos estudos! Índice 1. Autismo e síndrome de Asperger: uma visão geral 2. Os Enfoques Cognitivista e Desenvolvimentista no Autismo 3. Autismo - DSM-IV 4. Autismo - CID-10 5. Programa desvenda os mitos sobre o autismo 6. Atividade Prática 7. Estudo de Caso 8. Estudo Dirigido

Autismo- Cap 1

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Curso Introdução ao Autismo

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  • Captulo 1- Autismo: Histria e Definio Atual

    Autismo

    Prof. Mariana Viana Gonzaga - CRP 04/34061 Ciclo CEAP Centro de Estudos Avanados de Psicologia

    Captulo 1- Autismo: Histria e Definio Atual

    Caros alunos, Neste captulo teremos a oportunidade de estudar e discutir um pouco sobre a histria do autismo, as mudanas na definio do transtorno ao longo dos anos, o aumento no nmero de casos na populao, a definio atual e os aspectos fundamentais para o diagnstico. Veremos que a definio de autismo mudou muito ao longo dos anos e que atualmente considera-se como autismo um grupo de transtornos que afetam o desenvolvimento infantil, tambm chamados de Transtornos do Espectro Autstico, e que dentro desse grupo h transtornos que so distintos (como por exemplo a Sndrome de Asperger e o autismo atpico), mas que apresentam uma sintomatologia em comum. Os temas a serem abordados nesse captulo sero um primeiro passo para favorecer uma compreenso mais ampla a respeito do autismo infantil. Aproveitamos a oportunidade para dar boas vindas a todos e desejar timos estudos! ndice

    1. Autismo e sndrome de Asperger: uma viso geral 2. Os Enfoques Cognitivista e Desenvolvimentista no Autismo 3. Autismo - DSM-IV 4. Autismo - CID-10 5. Programa desvenda os mitos sobre o autismo 6. Atividade Prtica 7. Estudo de Caso 8. Estudo Dirigido

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    1. Autismo e Sndrome de Aperger: Uma viso geral

    Ami Klin

    RESUMO

    Autismo e sndrome de Asperger so entidades diagnsticas em uma famlia de transtornos de neurodesenvolvimento nos quais ocorre uma ruptura nos processos fundamentais de socializao, comunicao e aprendizado. Esses transtornos so coletivamente conhecidos como transtornos invasivos de desenvolvimento. Esse grupo de condies est entre os transtornos de desenvolvimento mais comuns, afetando aproximadamente 1 em cada 200 indivduos. Eles esto tambm entre os com maior carga gentica entre os transtornos de desenvolvimento, com riscos de recorrncia entre familiares da ordem de 2 a 15% se for adotada uma definio mais ampla de critrio diagnstico. Seu incio precoce, perfil sintomtico e cronicidade envolvem mecanismos biolgicos fundamentais relacionados adaptao social. Avanos em sua compreenso esto conduzindo a uma nova perspectiva da neurocincia ao estudar os processos tpicos de socializao e das interrupes especficas deles advindas. Esses processos podem levar emergncia de fentipos altamente heterogneos associados ao autismo, o paradigmtico transtorno invasivo de desenvolvimento e suas variantes. Esta reviso foca o histrico, a nosologia e as caractersticas clnicas e associadas aos dois transtornos invasivos de desenvolvimento mais conhecidos o autismo e a sndrome de Asperger.

    Descritores: Autismo/terapia; Sndrome de Asperger/terapia; Psicofarmacologia/efeito de drogas; Desenvolvimento infantil/efeito de drogas; Gerenciamento da doena

    Introduo

    O Autismo e a sndrome de Asperger so os mais conhecidos entre os transtornos invasivos do desenvolvimento (TID), uma famlia de condies marcada pelo incio precoce de atrasos e desvios no desenvolvimento das habilidades sociais, comunicativas e demais habilidades. Na quarta edio revisada do Manual Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais

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    (DSM-IV-TR), a categoria TID inclui condies que esto invariavelmente associadas ao retardo mental (sndrome de Rett e transtorno desintegrativo da infncia), condies que podem ou no estar associados ao retardo mental (autismo e TID sem outra especificao ou TID-SOE) e uma condio que tipicamente associada inteligncia normal (sndrome de Asperger). Os TIDs esto entre os transtornos de desenvolvimento mais comuns. Referem-se a uma famlia de condies caracterizadas por uma grande variabilidade de apresentaes clnicas. Podem variar tanto em relao ao perfil da sintomatologia quanto ao grau de acometimento, mas so agrupados por apresentarem em comum uma interrupo precoce dos processos de sociabilizao. So, por natureza, transtornos do neurodesenvolvimento que acometem mecanismos cerebrais de sociabilidade bsicos e precoces. Consequentemente, ocorre uma interrupo dos processos normais de desenvolvimento social, cognitivo e da comunicao. A conscincia de que as manifestaes comportamentais so heterogneas e de que h diferentes graus de acometimento, e provavelmente mltiplos fatores etiolgicos, deram origem ao termo transtornos do espectro do autismo que, como o termo TID, refere-se a vrias condies distintas (autismo, sndrome de Asperger e TID-SOE), mas que, ao contrrio do termo TID, refere-se a uma possvel natureza dimensional que interconecta diversas condies mais do que a fronteiras claramente definidas em torno de rtulos diagnsticos. Este conceito de natureza dimensional apoia-se no fato de que o autismo e transtornos relacionados so os transtornos do desenvolvimento mais fortemente associados a fatores genticos, e no fato de que podem ser encontradas vulnerabilidade e rigidez social em familiares desses pacientes, mesmo que esses familiares no preencham critrios para um diagnstico clnico. Refere-se, muitas vezes, a esses familiares como portadores do "fentipo mais amplo de autismo".1-2

    Esta reviso foca o paradigma dos TID (o autismo), bem como uma variante prxima (a sndrome de Asperger). Enquanto a validade do diagnstico de autismo inquestionvel, o status de validade da sndrome de Asperger (SA) ainda controverso, mesmo 12 anos aps sua formalizao no DSM-IV. A controvrsia relacionada principalmente ao fato deste diagnstico ser confundido com o de autismo no acompanhado de retardo mental, ou autismo com "alto grau de funcionamento" (AAGF). Ns iremos enfatizar a descrio de casos prototpicos dessas condies. No entanto, as discusses cientficas atuais nessa rea tendem a focar sua ateno nos potenciais mediadores da expresso clnica da sndrome (i.e. fatores preditores de diferentes apresentaes fenotpicas) e no nas questes do diagnstico diferencial (i.e. na questo se o AAGF e SA so a mesma entidade diagnstica ou no). Uma boa dose de confuso ainda cerca o uso do termo sndrome de Asperger ou transtorno de Asperger, sendo que no h quase nenhum consenso entre a comunidade de pesquisadores clnicos.3 A nfase desta reviso no est nas pesquisas voltadas a uma ou outra forma especfica de separar SA e AAGF. Ao contrrio, enfatiza as necessidades e os desafios tpicos enfrentados pelos indivduos com essas condies, independentemente do rtulo especfico a eles atribudo.

    Autismo

    O autismo, tambm conhecido como transtorno autistico, autismo da infncia, autismo infantil e autismo infantil precoce, o TID mais conhecido. Nessa condio, existe um marcado e permanente prejuzo na interao social, alteraes da comunicao e padres limitados ou estereotipados de comportamentos e interesses. As anormalidades no

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    funcionamento em cada uma dessas reas devem estar presentes em torno dos trs anos de idade. Aproximadamente 60 a 70% dos indivduos com autismo funcionam na faixa do retardo mental, ainda que esse percentual esteja encolhendo em estudos mais recentes. Essa mudana provavelmente reflete uma maior percepo sobre as manifestaes do autismo com alto grau de funcionamento, o que, por sua vez, parece conduzir a que um maior nmero de indivduos seja diagnosticado com essa condio.4

    1. Histrico e nosologia

    Em 1943, Leo Kanner descreveu, pela primeira vez, 11 casos do que denominou distrbios autsticos do contato afetivo.5 Nesses 11 primeiros casos, havia uma "incapacidade de relacionar-se" de formas usuais com as pessoas desde o incio da vida. Kanner tambm observou respostas incomuns ao ambiente, que incluam maneirismos motores estereotipados, resistncia mudana ou insistncia na monotonia, bem como aspectos no-usuais das habilidades de comunicao da criana, tais como a inverso dos pronomes e a tendncia ao eco na linguagem (ecolalia). Kanner foi cuidadoso ao fornecer um contexto de desenvolvimento para suas observaes. Ele enfatizou a predominncia dos dficits de relacionamento social, assim como dos comportamentos incomuns na definio da condio. Durante os anos 50 e 60 do sculo passado, houve muita confuso sobre a natureza do autismo e sua etiologia, e a crena mais comum era a de que o autismo era causado por pais no emocionalmente responsivos a seus filhos (a hiptese da "me geladeira"). Na maior parte do mundo, tais noes foram abandonadas, ainda que possam ser encontradas em partes da Europa e da Amrica Latina. No incio dos anos 60, um crescente corpo de evidncias comeou a acumular-se, sugerindo que o autismo era um transtorno cerebral presente desde a infncia e encontrado em todos os pases e grupos socioeconmicos e tnico-raciais investigados. Um marco na classificao desse transtorno ocorreu em 1978, quando Michael Rutter props uma definio do autismo com base em quatro critrios:

    1) atraso e desvio sociais no s como funo de retardo mental;

    2) problemas de comunicao, novamente, no s em funo de retardo mental associado;

    3) comportamentos incomuns, tais como movimentos estereotipados e maneirismos; e

    4) incio antes dos 30 meses de idade.

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    A definio de Rutter e o crescente corpo de trabalhos sobre o autismo influenciaram a definio desta condio no DSM-III, em 1980, quando o autismo pela primeira vez foi reconhecido e colocado em uma nova classe de transtornos, a saber: os transtornos invasivos do desenvolvimento (TIDs). O termo TID foi escolhido para refletir o fato de que mltiplas reas de funcionamento so afetadas no autismo e nas condies a ele relacionadas. Na poca do DSM-III-R, o termo TID ganhou razes, levando sua adoo tambm na dcima reviso da Classificao Estatstica Internacional de Doenas e Problemas Relacionados Sade (CID-10). Para o DSM-IV, os novos critrios potenciais para o autismo, bem como as vrias condies candidatas a serem includas na categoria TID, foram avaliados em um estudo internacional, multicntrico, que incluiu mais de 1.000 casos avaliados por mais de 100 avaliadores clnicos.7 Os sistemas de classificao do DSM-IV e da CID-10 foram tornados equivalentes para evitar uma possvel confuso entre pesquisadores clnicos que trabalham em diferentes partes do mundo guiados por um ou por outro sistema nosolgico. A definio dos critrios foi decidida com base em dados empricos revelados em trabalho de campo. A confiabilidade entre os avaliadores foi medida para o autismo e condies relacionadas, indicando, em geral, um acordo de bom a timo, principalmente entre os clnicos experientes. O DSM-IV-TR vem acompanhado de textos atualizados sobre autismo, sndrome de Asperger e outros TIDs, mas os critrios diagnsticos permanecem os mesmos que os do DSM-IV.

    2. Epidemiologia O primeiro estudo epidemiolgico sobre o autismo foi realizado por Victor Lotter, em 1966.

    Nesse estudo, ele relatou um ndice de prevalncia de 4,5 em 10.000 crianas em toda a populao de crianas de 8 a 10 anos de Middlesex, um condado ao noroeste de Londres. Desde ento, mais de 20 estudos epidemiolgicos foram relatados na literatura e milhes de crianas foram pesquisadas pelo mundo todo. Os ndices de prevalncia resultantes, particularmente nos estudos mais recentes, apontam para um ndice conservador de um indivduo com autismo (prototpico) em cada 1.000 nascimentos; cerca de mais quatro indivduos com transtorno do espectro do autismo (e.g., sndrome de Asperger, TID-SOE) a cada 1.000 nascimentos; e ndices muito menores para a sndrome de Rett e menores ainda para o transtorno desintegrativo infantil. As possveis razes para o grande aumento na prevalncia estimada do autismo e das condies relacionadas so:

    1) a adoo de definies mais amplas de autismo (como resultado do reconhecimento do autismo como um espectro de condies);

    2) maior conscientizao entre os clnicos e na comunidade mais ampla sobre as diferentes manifestaes de autismo (e.g., graas cobertura mais frequente da mdia);

    3) melhor deteco de casos sem retardo mental (e.g., maior conscientizao sobre o AAGF e a SA);

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    4) o incentivo para que se determine um diagnstico devido a elegibilidade para os servios proporcionada por esse diagnstico (e.g., nos EUA, como resultado das alteraes na lei sobre educao especial);

    5) a compreenso de que a identificao precoce (e a interveno) maximizam um desfecho positivo (estimulando assim o diagnstico de crianas jovens e encorajando a comunidade a no "perder" uma criana com autismo, que de outra forma no poderia obter os servios necessrios); e

    6) a investigao com base populacional (que expandiu amostras clnicas referidas por meio do sistemtico "pente-fino" na comunidade em geral procura de crianas com autismo que de outra forma poderiam no ser identificadas). importante enfatizar que o aumento nos ndices de prevalncia do autismo significa que mais indivduos so identificados como tendo esta ou outras condies similares. Isso no significa que a incidncia geral do autismo esteja aumentando. A crena de aumento na incidncia levou idia que estava ocorrendo uma "epidemia" de autismo (i.e. que o nmero de indivduos com autismo estava crescendo em nmeros alarmantes). At hoje, no existem evidncias convincentes de que isso seja verdadeiro e os riscos ambientais potenciais que hipoteticamente seriam "ativadores" de tal epidemia (e.g., programas de vacinao) no receberam nenhuma validao emprica em vrios estudos em grande escala realizados na Escandinvia, no Japo e nos EUA, entre outros.

    Infelizmente, ainda prevalente a crena entre algumas pessoas de que a vacinao (e.g., a vacina trplice viral ou sarampo/caxumba/rubola), ou os conservantes utilizados em programas de imunizao (e.g., timerosol), possam causar autismo. Essa crena levou muitos pais a retirar seus filhos dos programas de imunizao. Como resultado disso, acumulam-se dados no Reino Unido e nos EUA sugerindo a perigosa reapario dessas doenas graves, particularmente o sarampo, que pode levar ao retardo mental ou at morte.

    Um achado interessante envolvendo tanto as amostras clnicas quanto as epidemiolgicas foi o de que h uma maior incidncia de autismo em meninos do que em meninas, com propores mdias relatadas de cerca de 3,5 a 4,0 meninos para cada menina. Essa proporo varia, no entanto, em funo do grau de funcionamento intelectual. Alguns estudos relataram propores de at 6,0 ou mais homens para cada mulher, em indivduos com autismo sem retardo mental, ao passo que as propores entre os que tinham retardo mental de moderado a grave eram de 1,5 para 1. Ainda no est claro porque as mulheres tm uma menor representao na faixa sem retardo mental. Uma possibilidade de que os homens possuam um limiar mais baixo para disfuno cerebral do que as mulheres, ou, ao contrrio, de que um prejuzo cerebral mais grave poderia ser necessrio para causar autismo em uma menina. De acordo com essa hiptese, quando uma pessoa com autismo for uma menina, ela teria maior probabilidade de apresentar prejuzo cognitivo grave. Vrias outras hipteses foram propostas, incluindo a possibilidade de que o autismo seja uma condio gentica ligada ao cromossomo X (dessa forma, tornando os homens mais vulnerveis), mas atualmente os dados ainda so limitados para possibilitar quaisquer concluses.

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    3. Diagnstico e caractersticas clnicas

    Um diagnstico de transtorno autstico requer pelo menos seis critrios comportamentais, um de cada um dos trs agrupamentos de distrbios na interao social, comunicao e padres restritos de comportamento e interesses. H quatro critrios de definio no grupo "Prejuzo qualitativo nas interaes sociais", incluindo prejuzo marcado no uso de formas no-verbais de comunicao e interao social; no desenvolvimento de relacionamentos com colegas; ausncia de comportamentos que indiquem compartilhamento de experincias e de comunicao (e.g., habilidades de "ateno conjunta" - mostrando, trazendo ou apontando objetos de interesse para outras pessoas); e falta de reciprocidade social ou emocional. Quatro critrios definidores de "Prejuzo qualitativo na comunicao" incluem atrasos no desenvolvimento da linguagem verbal, no acompanhados por uma tentativa de compensao por meio de modos alternativos de comunicao, tais como gesticulao em indivduos no-verbais; prejuzo na capacidade de iniciar ou manter uma conversao com os demais (em indivduos que falam); uso estereotipado e repetitivo da linguagem; e falta de brincadeiras de faz-de-conta ou de imitao social (em maior grau do que seria esperado para o nvel cognitivo geral daquela criana). Quatro critrios no grupo "Padres restritivos repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e atividades" incluem preocupaes abrangentes, intensas e rgidas com padres estereotipados e restritos de interesse; adeso inflexvel a rotinas ou rituais no-funcionais especficos; maneirismos estereotipados e repetitivos (tais como abanar a mo ou o dedo, balanar todo o corpo); e preocupao persistente com partes de objetos (e.g., a textura de um brinquedo, as rodas de um carro em miniatura). Como foi dito, o diagnstico de um transtorno autstico tambm requer desenvolvimento anormal em pelo menos um dos seguintes aspectos: social, linguagem, comunicao ou brincadeiras simblicas/imaginativas, nos trs primeiros anos de vida. E se a criana preenche os critrios da sndrome de Rett ou de transtorno desintegrativo infantil, esses transtornos tm precedncia sobre o autismo.

    H uma variao notvel na expresso de sintomas no autismo. As crianas com funcionamento mais baixo so caracteristicamente mudas por completo ou em grande parte, isoladas da interao social e com realizao de poucas incurses sociais. No prximo nvel, as crianas podem aceitar a interao social passivamente, mas no a procuram. Nesse nvel, pode-se observar alguma linguagem espontnea. Entre as que possuem grau mais alto

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    de funcionamento e so um pouco mais velhas, seu estilo de vida social diferente, no sentido que elas podem interessar-se pela interao social, mas no podem inici-la ou mant-la de forma tpica. O estilo social de tais indivduos foi denominado "ativo, mas estranho", no sentido de que eles geralmente tm dificuldade de regular a interao social aps essa ter comeado. As caractersticas comportamentais do autismo se alteram durante o curso do desenvolvimento. H um considervel potencial para diagnsticos equivocados, especialmente nos extremos dos nveis de funcionamento intelectual. A avaliao da criana com autismo deve incluir um histrico detalhado, avaliaes de desenvolvimento, psicolgicas e de comunicao abrangentes e a gradao das habilidades adaptativas (i.e. habilidades espontneas e consistentemente realizadas para atender s exigncias da vida diria). Um exame adicional pode ser necessrio para excluir prejuzo auditivo, assim como dficits ou anormalidades motoras e sensoriais evidentes ou sutis. O exame clnico deve excluir convulses e esclerose tuberosa (ver abaixo nas condies clnicas associadas), e a pesquisa gentica deve excluir a sndrome do cromossomo X frgil.

    1) Idade de incio

    O incio do autismo sempre antes dos trs anos de idade. Os pais normalmente comeam a se preocupar entre os 12 e os 18 meses, na medida em que a linguagem no se desenvolve. Ainda que os pais possam estar preocupados pelo fato de que a criana no escuta (devido falta de resposta s abordagens verbais), normalmente eles podem observar que a criana responde de forma dramtica aos sons de objetos inanimados (e.g., um aspirador de p, doces sendo desembrulhados); ocasionalmente, os pais relatam retrospectivamente que a criana era "demasiadamente boa", tinha poucas exigncias e tinha pouco interesse na interao social. Isso contrasta claramente com as crianas com desenvolvimento normal, para as quais a voz e a face humanas e a interao social esto entre as caractersticas mais interessantes e evidentes do mundo. Ocasionalmente, os pais relatam que a criana parecia desenvolver alguma linguagem e, ento, a fala permaneceu no mesmo patamar ou perdeu-se; tal histrico relatado em cerca de 20 a 25% dos casos. Quase sempre os pais relatam terem ficado preocupados ao redor de dois anos e inevitavelmente em torno dos trs anos. Com a maior conscientizao sobre o autismo e seus sinais precoces (e.g., falta de contato visual, de apontar, dar ou demonstrar comportamentos ou alegria social compartilhadas), um nmero crescente de pais tem se preocupado quando se aproxima o primeiro ano de vida da criana. Claramente, esta sensibilidade aos atrasos e desvios no desenvolvimento social maior em famlias em que um irmo mais velho j tenha sido diagnosticado com autismo. Ocasionalmente, os pais de crianas autistas com alto grau de funcionamento podem se preocupar menos no primeiro ou no segundo ano de vida, especialmente se a fala e a linguagem estiverem surgindo, mas mesmo nesses casos os pais ficam preocupados antes dos trs anos de vida, na medida em que os graves dficits na interao social se tornam mais aparentes em outras situaes alm do contato prximo com os pais (e.g., em lugares pblicos, na interao com colegas da mesma idade ou com familiares).

    2) Prejuzos qualitativos na interao social

    Crianas com desenvolvimento normal possuem um marcado interesse na interao social e no ambiente social a partir do nascimento. Mecanismos bsicos da socializao, tais como ateno seletiva para faces sorridentes ou vozes agudas e brincadeiras, levam as crianas a

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    procurar os cuidadores. A coreografia social mutuamente reforadora entre a criana e o cuidador inicia o desenvolvimento das habilidades sociais cognitivas, de comunicao e simblicas. Em bebs e crianas jovens com autismo, a face humana possui pouco interesse; observam-se distrbios no desenvolvimento da ateno conjunta, apego e outros aspectos da interao social. Por exemplo, a criana pode no se engajar nos jogos habituais de imitao da infncia (e.g., esconde-esconde), pode gastar um tempo descomedido explorando o ambiente inanimado quando estimulada pela fala incidental produzida pelos demais em sua proximidade. As habilidades ldicas, alm da explorao sensorial dos brinquedos, podem estar completamente ausentes. Esses dficits so extremamente caractersticos e no se devem somente ao atraso do desenvolvimento.

    O interesse social pode aumentar com o passar do tempo. H, em geral, uma progresso no desenvolvimento: indivduos mais jovens e com maior comprometimento podem ser distantes ou arredios interao, ao passo que indivduos um pouco mais velhos ou mais avanados podem ter mais disposio de aceitar passivamente a interao, mas no a buscam ativamente. Entre pessoas com autismo, mais capazes funcionalmente, existe com frequncia interesse social, mas elas tm dificuldade em administrar as complexidades da interao social; isto frequentemente leva ao surgimento de um estilo social no usual ou excntrico.

    3) Prejuzo qualitativo na comunicao verbal e no-verbal e nas brincadeiras

    De 20 a 30% dos indivduos com autismo nunca falam. Esse percentual consideravelmente menor do que era h cerca de 10 a 15 anos, graas, em grande parte, interveno precoce e intensiva. Retardos na aquisio da linguagem so as reclamaes mais frequentes dos pais. Os padres usuais de aquisio da linguagem (e.g., brincar com os sons e balbuciar) podem estar ausentes ou ser raros. Bebs e crianas jovens com autismo podem guiar a mo dos pais para obter um objeto desejado, sem fazer contato visual (i.e. como se ela estivesse obtendo o objeto pela mo e no pela pessoa). Ao contrrio da criana com transtorno de desenvolvimento da linguagem, no h motivao aparente em estabelecer comunicao ou tentar comunicar-se por meios no verbais.

    Quando os indivduos com autismo chegam a falar, sua linguagem notvel de vrias formas. Eles podem repetir o que lhes dito (ecolalia imediata) ou o que escutam em seu ambiente, como a TV (ecolalia tardia). A linguagem tende a ser menos flexvel, de forma que, por exemplo, no existe uma avaliao de que a mudana de perspectiva ou com quem se fala necessite de uma mudana de pronome; isso leva inverso pronominal. A linguagem pode ser no recproca em sua natureza, e.g., a criana produz uma linguagem sem inteno de comunicao. Mesmo que a sintaxe e a morfologia da linguagem estejam relativamente preservadas, o vocabulrio e as habilidades semnticas podem ter um desenvolvimento lento e aspectos dos usos sociais da linguagem (pragmtica) so particularmente difceis para os indivduos com autismo. Portanto, o humor e o sarcasmo podem ser uma fonte de confuso, na medida em que a pessoa com autismo pode no conseguir apreciar a inteno de comunicao do falante, resultando em uma interpretao completamente literal da declarao. Em geral, a entonao de voz apagada ou montona e os demais aspectos comunicativos da voz (e.g., nfase, altura, volume, e ritmo ou expresses) so idiossincrticos e pobremente modulados.

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    Os dficits no brincar podem incluir a falha no desenvolvimento de padres usuais de desempenho de papis, ou brincadeiras de faz-de-conta, simblicas ou imaginativas. A criana autstica pode explorar os aspectos no-funcionais dos brinquedos (e.g., gosto ou cheiro) ou usar partes dos brinquedos para a auto estimulao (girar os pneus de um caminho de brinquedo).

    4) Repertrio notavelmente restrito de atividades e interesses

    Crianas com autismo frequentemente possuem dificuldade em tolerar alteraes e variaes na rotina. Por exemplo, uma tentativa de alterar a sequncia de alguma atividade pode deparar-se com terrvel sofrimento por parte da criana. Os pais podem relatar que a criana insiste em que eles participem das atividades de formas muito especficas. As alteraes na rotina ou no ambiente podem evocar grande oposio ou contrariedade. A criana pode desenvolver um interesse em uma atividade repetitiva, e.g., colecionar cordes e utiliz-los para auto estimulao, memorizar nmeros, repetir certas palavras ou expresses. Em crianas mais jovens, as vinculaes aos objetos, quando ocorrem, diferem dos objetos transicionais habituais, no sentido de que os objetos escolhidos tendem a ser rgidos e no fofos e geralmente a classe do objeto, mais do que o objeto especfico, que importante, e.g., a criana pode insistir em carregar algum tipo de revista com ela para todos os lugares. Movimentos estereotipados podem incluir andar na ponta dos ps, estalar os dedos, balanar o corpo e outros maneirismos; esses movimentos so realizados como uma fonte de prazer ou forma de se auto acalmar e podem, s vezes, ser exacerbados por situaes de estresse. A criana pode preocupar-se com objetos que giram, e.g., ela pode gastar longos perodos de tempo olhando um ventilador de teto girando.

    5) Caractersticas associadas

    Como observamos anteriormente, 60 a 70% dos indivduos com autismo possuem retardo mental e cerca de metade deles enquadra-se na faixa de retardo mental leve e os demais na faixa de retardo mental de moderado a profundo. Est bem estabelecido que o retardo mental no simplesmente consequncia de negativismo ou da falta de motivao. O perfil tpico nos testes psicolgicos marcado por dficits significativos de raciocnio abstrato, formao de conceitos verbais e habilidades de integrao, e nas tarefas que requerem um certo grau de raciocnio verbal e compreenso social.14 Portanto, nas escalas do Wechsler, por exemplo, os pontos fracos so notados frequentemente nos subtestes de Similaridades e Compreenso. Por outro lado, os pontos relativamente fortes so geralmente observados nas reas de aprendizado mecnico e habilidades de memria e soluo de problemas visuo-espaciais, particularmente se a tarefa puder ser completada "passo a passo", i.e. sem a criana ter que inferir o contexto ou a "Gestalt" da tarefa. Portanto, o desempenho nos subtestes Desenho de Blocos e Lembrana de Nmeros das escalas do Wechsler usualmente correspondem aos melhores desempenhos obtidos. A preferncia tpica por raciocnios repetitivos e sequncias, mais do que por tarefas de raciocnio e integrao, normalmente implicam que os indivduos com autismo exibem um estilo muito fragmentado de aprendizado, no completando diferentes partes de uma tarefa, comunicao ou situaes em conjuntos coerentes (como se fossem incapazes de ver "o bosque a partir das rvores").15 Dada a ubiquidade dos dficits verbais no autismo, o desempenho nas escalas de Wechsler geralmente caracterizado pelo melhor desempenho nos escores de execuo

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    do que nos escores verbais, particularmente nos indivduos que tm escores na faixa do retardo mental. Indivduos com autismo e maior nvel de funcionamento podem no apresentar um diferencial no desempenho verbal segundo o QI, ainda que continuem apresentando uma preferncia por tarefas repetitivas, memria verbal e por testes de reconstruo visual das partes para o todo em detrimento de tarefas de raciocnio conceitual e social. As funes "executivas" esto em geral prejudicadas, resultando em dificuldade de planejamento de manuteno de um objetivo em mente enquanto executam os passos para faz-lo, do aprendizado por meio de feedback e da inibio de respostas irrelevantes e ineficientes.

    Um dos mais fascinantes fenmenos cognitivos no autismo a presena das denominadas "ilhotas de habilidades especiais" ou splinter skills, i.e. habilidades preservadas ou altamente desenvolvidas em certas reas que contrastam com os dficits gerais de funcionamento da criana.

    No incomum, por exemplo, que as crianas com autismo tenham grande facilidade de decifrar letras e nmeros, s vezes precocemente (hiperlexia), mesmo que a compreenso do que leem esteja muito prejudicada. Talvez 10% dos indivduos com autismo exibam uma forma de habilidades "savant" i.e. desempenho alto, s vezes prodigioso em uma habilidade especfica na presena de retardo mental leve ou moderado. Esse fascinante fenmeno relaciona-se a um mbito reduzido de capacidades memorizao de listas ou de informaes triviais, clculos de calendrios, habilidades visuo-espaciais, tais como desenho ou habilidades musicais envolvendo tonalidade musical perfeita ou tocar uma pea musical aps t-la ouvido somente uma vez. interessante que indivduos autistas representam uma maioria desproporcional entre todas as pessoas "savant".

    Tanto a hiper quanto a hipossensibilidade aos estmulos sensoriais so tpicos das crianas com autismo. As crianas com autismo podem ser muito agudamente sensveis a sons (hiperacusia), e.g., tapar os ouvidos ao ouvir um co latir ou o barulho de um aspirador de p. Outras podem parecer ausentes frente a rudos fortes ou a pessoas que as chamam, mas ficam fascinados pelo fraco tique-taque de um relgio de pulso ou pelo som de um papel sendo amassado. Luzes brilhantes podem causar estresse, ainda que algumas crianas sejam fascinadas pela estimulao luminosa, e.g., mover um objeto para frente e para trs em frente dos seus olhos. Pode haver extrema sensibilidade ao toque (defensividade ttil), incluindo reaes fortes a tecidos especficos ou ao toque social/afetuoso, embora haja muitas crianas que sejam insensveis dor e possam no chorar aps um ferimento grave. Muitas crianas so fascinadas por certos estmulos sensoriais, tais como objetos que giram, ou partes de brinquedos que podem girar, enquanto algumas tm prazer com sensaes vestibulares, como rodopiar, realizando esta ao sem, aparentemente, ficarem tontas.

    Distrbios do sono e alimentares podem ser muito esgotantes na vida familiar, particularmente durante a infncia. Crianas com autismo podem apresentar padres errticos de sono com acordares frequentes noite por longos perodos. Distrbios alimentares podem envolver averso a certos alimentos, devido textura, cor ou odor, ou insistncia em comer somente uma pequena seleo de alimentos e recusa de provar alimentos novos. Em crianas com prejuzo cognitivo mais grave, a pica (i.e. comer coisas

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    no-comestveis) pode colocar um conjunto de questes de segurana, incluindo o risco toxicidade por chumbo.

    Crianas com autismo com um grau de funcionamento menor podem morder as mos ou punhos, muitas vezes levando ao sangramento e a formaes calosas. O fato de golpear a cabea, particularmente nas que possuem um retardo mental mais grave ou profundo, pode tornar necessrio o uso de capacetes ou outros dispositivos protetores. As crianas podem tambm cutucar excessivamente a pele, arrancar o cabelo, bater no peito ou golpear-se. Existe uma percepo menor do perigo, o que, junto com a impulsividade, pode levar a ferimentos. Acessos de ira so comuns, particularmente em reao s exigncias impostas (e.g., cumprir uma tarefa), alteraes na rotina ou eventos inesperados. A falta de compreenso ou a incapacidade de comunicar-se, ou a frustrao total, podem, eventualmente, levar a exploses de agressividade. Ainda que alguns indivduos com um grau mais elevado de funcionamento e.g., aqueles com sndrome de Asperger tenham sido descritos como particularmente vulnerveis a exibir comportamentos antissociais, de fato mais provvel que esses indivduos sejam vtimas de piadas ou outras formas de agresso; mais comumente ainda, esses indivduos tendem a se dirigir periferia dos ambientes sociais.

    4. Curso e prognstico

    O autismo um comprometimento permanente e a maioria dos indivduos afetados por esta condio permanece incapaz de viver de forma independente, e requer o apoio familiar ou da comunidade ou a institucionalizao. No entanto, a maioria das crianas com autismo apresenta melhora nos relacionamentos sociais, na comunicao e nas habilidades de autocuidado quando crescem. Pensa-se em vrios fatores como preditores do curso e do desfecho de longo prazo, particularmente a presena de alguma linguagem de comunicao ao redor dos cinco ou seis anos, nvel intelectual no-verbal, gravidade da condio e a resposta interveno educacional. Crianas mais jovens mais frequentemente apresentam uma falta "global" de relacionamentos interpessoais, que costumava ser includa em sistemas diagnsticos mais antigos. Ainda que algumas evidncias de responsividade diferenciada aos pais possa ser observada quando a criana ingressa na escola primria, os

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    padres de interao social permanecem bastante desviados da normalidade. Apesar disso, os ganhos em obedincia e comunicao so conseguidos geralmente durante os anos em que ela cursa a escola primria, especialmente se so feitas intervenes estruturadas, individualizadas e intensivas. Durante a adolescncia, algumas crianas autistas podem apresentar deteriorao comportamental; numa minoria delas, o declnio nas habilidades de linguagem e sociais pode ser associado ao incio de um transtorno convulsivo. Vrios estilos de interao podem ser observados, variando de arredio a passivo e a excntrico (e.g., crianas que realizam tentativas de iniciar o contato com os demais, mas que o fazem de uma forma muito desajeitada ou rgida); esses estilos esto relacionados ao nvel de desenvolvimento. Sintomas depressivos e ansiosos podem aparecer em adolescentes com grau mais elevado de funcionamento, que se tornam dolorosamente conscientes de sua incapacidade de estabelecer amizades, apesar de assim o desejarem, e que comeam a sofrer do efeito cumulativo de anos de contato frustrado com os demais, e de serem alvo da gozao dos colegas.

    Vrios estudos sobre o desfecho no longo prazo sugerem que aproximadamente dois teros das crianas autistas tm um desfecho pobre (incapazes de viver independentemente) e que talvez somente um tero capaz de atingir algum grau de independncia pessoal e de autossuficincia como adultos; entre estes, a maioria pode ter um desfecho razovel (ganhos sociais, educacionais ou vocacionais a despeito de dificuldades comportamentais e de outra ordem), ao passo que uma minoria (cerca de um dcimo de todos os indivduos com autismo) pode ter um bom desfecho (ter capacidade de exercer atividade profissional com eficincia e ter vida independente).

    Sndrome de Asperger

    A sndrome de Asperger (SA) caracteriza-se por prejuzos na interao social, bem como interesses e comportamentos limitados, como foi visto no autismo, mas seu curso de desenvolvimento precoce est marcado por uma falta de qualquer retardo clinicamente significativo na linguagem falada ou na percepo da linguagem, no desenvolvimento cognitivo, nas habilidades de autocuidado e na curiosidade sobre o ambiente. Interesses circunscritos intensos que ocupam totalmente o foco da ateno e tendncia a falar em monlogo, assim como incoordenao motora, so tpicos da condio, mas no so necessrios para o diagnstico.

    1. Histrico e nosologia

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    Em 1944, Hans Asperger, um pediatra austraco com interesse em educao especial, descreveu quatro crianas que tinham dificuldade em se integrar socialmente em grupos. Desconhecendo a descrio de Kanner do autismo infantil precoce publicado s um ano antes, Asperger denominou a condio por ele descrita como "psicopatia autstica", indicando um transtorno estvel de personalidade marcado pelo isolamento social. Apesar de ter as habilidades intelectuais preservadas, as crianas apresentaram uma notvel pobreza na comunicao no-verbal, que envolvia tanto gestos como tom afetivo de voz, empatia pobre e uma tendncia a intelectualizar as emoes, uma inclinao a ter uma fala prolixa, em monlogo e s vezes incoerente, uma linguagem tendendo ao formalismo (ele os denominou "pequenos professores"), interesses que ocupavam totalmente o foco da ateno envolvendo tpicos no-usuais que dominavam sua conversao, e incoordenao motora. Ao contrrio dos pacientes de Kanner, essas crianas no eram to retradas ou alheias; elas tambm desenvolviam, s vezes precocemente, uma linguagem altamente correta do ponto de vista gramatical e no poderiam, de fato, ser diagnosticadas nos primeiros anos de vida. Descartando a possibilidade de origem psicognica, Asperger salientou a natureza familiar da condio e, inclusive, levantou a hiptese de que os traos de personalidade fossem de transmisso ligada ao sexo masculino. O trabalho de Asperger, publicado originalmente em alemo, tornou-se amplamente conhecido no mundo anglfono somente em 1981, quando Lorna Wing publicou uma srie de casos apresentando sintomas similares. Sua codificao da sndrome, no entanto, descaracterizou um pouco as diferenas entre as descries de Kanner e Asperger, pois incluiu um pequeno nmero de meninas e crianas com retardo mental leve, bem como de algumas crianas que tinham apresentado alguns atrasos de linguagem nos primeiros anos de vida. Desde ento, vrios estudos tentaram validar a SA como distinta do autismo sem retardo mental, ainda que a comparao dos achados esteja sendo difcil devido falta de consenso para os critrios diagnsticos da condio.

    A SA no recebeu um reconhecimento oficial antes da publicao da CID-10 e do DSM-IV, ainda que tenha sido relatada pela primeira vez na literatura da Alemanha em 1944. O trabalho de Asperger era conhecido essencialmente nos pases germanfonos e, somente nos anos 1970, foram feitas as primeiras comparaes com o trabalho de Kanner, especialmente por pesquisadores holandeses, tais como Van Krevelen, que tinham familiaridade com as literaturas em ingls e alemo. As tentativas iniciais de comparar as duas condies foram difceis devido s grandes diferenas nos pacientes descritos os pacientes de Kanner eram mais jovens e tinham maior prejuzo cognitivo. Da mesma forma, a conceitualizao de Asperger foi influenciada pelos relatos de esquizofrenia e de transtornos de personalidade, ao passo que Kanner foi influenciado pelo trabalho de Arnold Gesell e sua abordagem de desenvolvimento. Tentativas de codificar os escritos de Asperger em uma definio categorial da condio foram feitas por vrios pesquisadores influentes na Europa e na Amrica do Norte, mas nenhuma definio consensual surgiu at o advento da CID-10. E dada a reduzida validao emprica dos critrios da CID-10 e do DSM-IV, a definio da condio provavelmente ir mudar medida que novos e mais rigorosos estudos surjam no futuro prximo.

    2. Epidemiologia

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    Dada a falta de definies diagnsticas at recentemente, no surpreendente que a prevalncia da condio seja desconhecida, ainda que tenha sido relatado um ndice de prevalncia de 2 a 4 em 10.000. H poucas dvidas de que a condio seja mais prevalente entre homens do que em mulheres, com um ndice relatado de 9 para 1. Nos ltimos anos, tem havido uma proliferao de associaes de apoio familiar, organizadas em torno do conceito de SA, e h indicaes de que esse diagnstico est sendo feito pelos clnicos de forma muito mais frequente do que h somente alguns poucos anos; h tambm indicaes de que a SA tambm esteja funcionando atualmente como um diagnstico residual dado a crianas com nvel de inteligncia normal e com um grau de comprometimento de habilidades sociais que no preenchem os critrios de autismo, superpondo-se, dessa forma, com o termo TID-SOE do DSM-IV. Possivelmente, o uso mais comum do termo SA como um sinnimo ou uma substituio para autismo em indivduos com QIs normais ou superiores.

    Esse padro diluiu o conceito e reduziu sua utilidade clnica. A validao emprica dos critrios diagnsticos especficos extremamente necessria, ainda que tenha que aguardar relatos de estudos rigorosos que utilizem procedimentos diagnsticos-padro, e fatores que deem validao realmente independente da definio diagnstica, tais como dados neuropsicolgicos, neurobiolgicos e genticos.

    3. Diagnstico e caractersticas clnicas

    O diagnstico de SA requer a demonstrao de prejuzos qualitativos na interao social e padres de interesses restritos, critrios que so idnticos aos do autismo. Ao contrrio do autismo, no h critrios para o grupo dos sintomas de desenvolvimento da linguagem e de comunicao e os critrios de incio da doena diferem no sentido de que no deve haver retardo na aquisio da linguagem e nas habilidades cognitivas e de autocuidado. Aqueles sintomas resultam num prejuzo significativo no funcionamento social e ocupacional.

    Contrastando um pouco com a representao social no autismo, os indivduos com SA encontram-se socialmente isolados, mas no so usualmente inibidos na presena dos demais. Normalmente, eles abordam os demais, mas de uma forma inapropriada e excntrica. Por exemplo, podem estabelecer com o interlocutor, geralmente um adulto, uma conversao em monlogo caracterizada por uma linguagem prolixa, pedante, sobre um tpico favorito e geralmente no-usual e bem delimitado. Podem expressar interesse em fazer amizades e encontrar pessoas, mas seus desejos so invariavelmente frustrados por suas abordagens desajeitadas e pela insensibilidade em relao aos sentimentos e intenes das demais pessoas e pelas formas de comunicao no-literais e implcitas que elas emitem (e.g., sinais de tdio, pressa para deixar o ambiente e necessidade de privacidade). Cronicamente frustrados pelos seus repetidos fracassos de envolver outras pessoas e de estabelecer relaes de amizade, alguns indivduos com SA desenvolvem sintomas de transtorno de ansiedade ou de humor que podem requerer tratamento, incluindo medicao. Eles tambm podem reagir de forma inapropriada ou no compreender o valor do contexto da interao afetiva, geralmente transmitindo um sentido de insensibilidade, formalidade ou desconsiderao pelas expresses emocionais das demais pessoas. Podem ser capazes de descrever corretamente, de uma forma cognitiva e frequentemente

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    formalista, as emoes, as intenes esperadas e as convenes das demais pessoas; no entanto, so incapazes de atuar de acordo com essas informaes de uma forma intuitiva e espontnea, perdendo, dessa forma, o ritmo da interao. Sua intuio pobre e falta de adaptao espontnea so acompanhadas por um notvel apego s regras formais do comportamento e s rgidas convenes sociais. Essa apresentao responsvel, em grande parte, pela impresso de ingenuidade social e rigidez comportamental, que to forosamente transmitida por esses indivduos.

    Ainda que significativas anormalidades na linguagem no sejam comuns em indivduos com SA, h pelo menos trs aspectos nos padres de comunicao desses indivduos que so de interesse clnico.21 Primeiro, a linguagem pode ser marcada pela prosdia pobre, ainda que a inflexo e a entonao possam no ser to rgidas e monotnicas como no autismo. Eles geralmente exibem um espectro restrito de padres de entonao que utilizado com pouca relao no funcionamento comunicativo da declarao (e.g., asseres de fato, comentrios bem-humorados). A velocidade da fala pode ser incomum (e.g., fala muito rpida) ou pode haver falta de fluncia (e.g., fala entrecortada) e h, frequentemente, modulao pobre do volume (e.g., a voz muito alta, apesar da proximidade fsica do parceiro da conversao). A ltima caracterstica pode ser particularmente observvel no contexto de falta de ajustamento ao ambiente social em questo (e.g., em uma biblioteca, em uma multido barulhenta). Segundo, a fala pode ser tangencial e circunstancial, transmitindo um sentido de frouxido de associaes e incoerncia. Ainda que em um nmero muito pequeno de casos esse sintoma possa ser um indicador de um possvel transtorno de pensamento, a falta de contingncia na fala um resultado do estilo de conversao em monlogo e egocntrico (e.g., monlogos incansveis sobre nomes, cdigos e atributos de inmeras estaes de TV no pas), incapacidade de fornecer a origem dos comentrios e de demarcar claramente as mudanas de tpico, e a no-supresso da produo vocal que acompanha os pensamentos introspectivos. Terceiro, o estilo da comunicao dos indivduos com SA caracteriza-se, geralmente, por notvel verbosidade. A criana ou adulto pode falar incessantemente sobre um assunto favorito, geralmente sem qualquer relao com o fato de a pessoa que escuta estar interessada, envolvida, ou tentar interpor um comentrio ou alterar o tema da conversao. Apesar de tais monlogos prolixos, o indivduo pode no chegar nunca a um ponto ou a uma concluso. As tentativas do interlocutor de elaborar sobre questes de contedo ou de lgica ou de mudar a conversao para tpicos relacionados so frequentemente frustradas.

    Os indivduos com SA normalmente acumulam uma grande quantidade de informaes factuais sobre um tpico, de uma forma muito intensa. O tpico em questo pode alterar-se de tempos em tempos, mas em geral domina o contedo do intercmbio social. Frequentemente, toda a famlia pode estar imersa no assunto por longos perodos de tempo. Esse comportamento extravagante no sentido de que, na maior parte das vezes, grandes quantidades de informaes factuais so aprendidas sobre tpicos muito circunscritos (e.g., cobras, nomes de estrelas, guias de programao da TV, panelas de fritura comerciais, informaes sobre o tempo, informaes pessoais sobre membros do Congresso), sem uma genuna compreenso dos fenmenos mais amplos envolvidos. Esse sintoma pode nem sempre ser facilmente reconhecido na infncia, j que fortes interesses, como dinossauros ou personagens ficcionais da moda, so onipresentes. No entanto, tanto

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    em crianas mais jovens como em mais velhas, os interesses especiais normalmente se tornam mais bizarros e com foco mais restrito.

    Indivduos com SA podem ter um histrico de aquisio atrasada das habilidades motoras, tais como andar de bicicleta, agarrar uma bola, abrir garrafas e subir em brinquedos de parquinho ao ar livre. Com frequncia, so visivelmente desajeitados e tm uma coordenao pobre, e podem exibir padres de andar arqueado ou aos saltos e uma postura bizarra. Do ponto de vista neuropsicolgico, existe, em geral, um padro relativamente elevado em habilidades auditivas e verbais e aprendizado repetitivo, e dficits significativos nas habilidades visuomotoras e visuoperceptuais e no aprendizado conceptual. Muitas crianas exibem altos nveis de atividade na infncia precoce e, como mencionado, podem desenvolver ansiedade e depresso na adolescncia e no incio da vida adulta.

    4. Curso e prognstico

    No h ainda estudos sistemticos de acompanhamento no longo prazo de crianas com SA, parcialmente devido a problemas com a nosologia. Muitas crianas so capazes de assistir a aulas em escola regular com servios de apoio adicional, ainda que sejam especialmente vulnerveis a serem vistas como excntricas e a serem alvo de chacotas ou serem vitimizadas; outras requerem servios de educao especial, geralmente no devido a dficits acadmicos, mas devido s suas dificuldades sociais e comportamentais. A descrio inicial de Asperger previu um desfecho positivo para muitos de seus pacientes que, com frequncia, eram capazes de utilizar seus talentos especiais para obter emprego e ter vidas auto-sustentadas. Sua observao de traos similares em familiares, i.e. pais, pode tambm t-lo tornado mais otimista sobre o desfecho final. Ainda que seu relato tenha sido pouco comprovado durante o perodo em que ele tinha visto 200 pacientes com a sndrome (25 anos aps seu artigo original), Asperger continuava a acreditar que um desfecho mais positivo era um critrio central para diferenciar os indivduos com sua sndrome daqueles com o autismo de Kanner. Ainda que alguns clnicos tenham apoiado informalmente essa afirmao, particularmente com relao a conseguir um bom emprego, independncia e o estabelecimento de uma famlia, no existe nenhum estudo disponvel que tenha estudado especificamente o desfecho no longo prazo de indivduos com SA. O prejuzo social (particularmente as excentricidades e a insensibilidade social) considerado permanente.

    Concluso

    As sndromes autsticas e a de Asperger so sndromes originadas de alteraes precoces e fundamentais no processo de socializao, levando a uma cascata de impactos no desenvolvimento da atividade e adaptao, da comunicao e imaginao sociais, entre outros comprometimentos. Muitas reas do funcionamento cognitivo esto frequentemente preservadas e, s vezes, os indivduos com essas condies exibem habilidades surpreendentes e at prodigiosas. O incio precoce, o perfil de sintomas e a cronicidade dessas condies implicam que mecanismos biolgicos sejam centrais na etiologia do processo.23 Avanos na gentica, neurobiologia e neuroimagem (descritos em outros artigos deste suplemento) esto ampliando conjuntamente nossa compreenso sobre a natureza dessas condies e sobre a formao do crebro social em indivduos com esses

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    caractersticas.24 Junto com esta nova onda de estudos prospectivos sobre o autismo,25 na qual irmos sob risco de desenvolver a condio so acompanhados desde o nascimento, uma nova perspectiva da neurocincia social sobre a patognese e a psicobiologia dos fatores est surgindo. Este esforo provavelmente ir elucidar os mistrios da etiologia e da patognese dessas condies. A transio do foco das pesquisas para tratamentos mais eficazes, seno a preveno, ir provavelmente acontecer.

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    2. Os enfoques cognitivista e desenvolvimentista no autismo: uma anlise

    preliminar

    Carolina Lampreia1

    Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro

    RESUMO

    A impreciso do conceito de autismo pode ser vista pela diversidade de quadros clnicos que entram neste conceito, assim como pelos diferentes enfoques tericos que procuram explic-lo. Desde a descrio de Kanner, o autismo tem sido visto ora como um problema afetivo/social, ora como um problema cognitivo. Nas dcadas 1970/80, alguns autores consideraram o prejuzo social como primrio no autismo enquanto outros defenderam o prejuzo da habilidade cognitiva da linguagem. Este debate mostrou-se inconclusivo. Hoje predominam dois enfoques tericos: o cognitivista e o desenvolvimentista que resgata a viso de autismo como um problema afetivo/social e dissolve a oposio social x linguagem na medida em que um de seus pressupostos epistemolgicos conceber a linguagem verbal como uma atividade social cujos precursores so encontrados nas comunicaes no-verbais me-beb. O objetivo deste artigo iniciar uma reflexo a respeito da relevncia do esclarecimento dos pressupostos epistemolgicos e das implicaes de diferentes enfoques tericos do autismo para a busca da etiologia e para a interveno.

    Palavras-chave: Autismo; cognitivismo; desenvolvimentismo.

    ABSTRACT

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    The diversity of clinical pictures and different theoretical approaches may explain the blurred boundaries of the concept of autism. Since Kanner, autism has been explained either as a social/affective deficit or a cognitive one. In the fruitless debate of the 1970/80s, some authors argued that the primary deficit was social/affective while others that it was in the cognitive area of language. Today the cognitive and developmental approaches predominate. The latter revives the social/affective approach to autism and dissolves the social x language opposition. One of its epistemological assumptions is to view language as a social activity because its precursors can be found in the mother-infant nonverbal communications. The purpose of this article is to begin a discussion about the importance of the epistemological assumptions of the different theoretical approaches to autism for the search of its etiology and intervention.

    Keywords: Autism; cognitivism; developmentalism.

    O conceito de autismo um conceito, ainda nos dias de hoje, de contorno bastante impreciso, impreciso esta que pode se dar em diferentes nveis. Por um lado, quanto s caractersticas comportamentais, podemos encontrar, diagnosticadas como autistas, crianas que falam e outras que no falam; crianas com pouco ou nenhum tipo de contato social e outras com um tipo bizarro de relacionamento; crianas com deficincia mental e outras com um nvel de desenvolvimento adequado para sua idade. Esta heterogeneidade tambm est refletida no prprio DSM-IV (APA, 1995) a partir do qual pode-se tirar pelo menos 96 quadros clnicos diferentes se combinarmos dois critrios de interao social, um critrio de comunicao e um de padres restritos e repetitivos. Tendo em vista que existem quatro subitens relativos a cada uma dessas trs categorias de avaliao, atravs de uma anlise combinatria chega-se ao resultado de 96 combinaes possveis. E isto, sem levar em conta os outros dois itens requeridos para se chegar aos seis itens exigidos para o diagnstico, o que elevaria em muito o nmero de combinaes possveis. Sem um conhecimento da etiologia, ou possveis etiologias, ficamos limitados a uma tentativa de definio do autismo a partir das caractersticas comportamentais.

    Outro nvel de impreciso do conceito envolve diferentes concepes de autismo em termos de enfoque terico desenvolvimentista ou cognitivista que invocam diferentes prejuzos primrios social ou linguagem, por exemplo. Segundo a viso cognitivista, o prejuzo primrio no autismo deve ser encontrado em um dos diversos mdulos da mente. No passado, esta viso considerou que o mdulo afetado era principalmente o da linguagem, enquanto que, nos dias atuais, predomina a ideia de que o mdulo responsvel pela teoria da mente que est prejudicado. Segundo a viso desenvolvimentista, o quadro autstico se deve a um desvio do desenvolvimento que tem em sua origem um ou diversos transtornos de cunho biolgico, ainda no esclarecidos, que afetam basicamente a afetividade e capacidade geral de relacionamento social, impedindo assim o desenvolvimento de forma tpica.

    Nos anos 1970/80, deu-se um importante debate sobre qual seria o prejuzo primrio no autismo, prevalecendo duas posies vistas como antagnicas. A primeira defendia um

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    prejuzo do relacionamento social que prejudicaria o desenvolvimento da linguagem, enquanto a segunda defendia um problema mais bsico na rea da linguagem que prejudicaria a interao social. Seria possvel argumentar que esta polarizao talvez no faa sentido na medida em que podemos considerar que est implcita, no conceito de interao social, a ideia de comunicao e que nesta est implcito o conceito de interao social. Ou seja, seria possvel argumentar que, por definio, no h linguagem/comunicao sem interao social. Assim como no h interao social sem comunicao. Contudo, esta argumentao pode no ser to bvia quanto parece ser.

    Embora este tipo de debate no seja mais predominante na literatura atual, torna-se importante rev-lo por duas razes. Em primeiro lugar, para analisar e tentar esclarecer os conceitos de social e linguagem no autismo. Parece haver uma certa impreciso quanto a estes conceitos, na medida em que comportamentos de comunicao no-verbal, como gestos, podem ser tambm concebidos como comportamentos sociais, como o faz o DSM-IV (APA, 1995). Em segundo lugar, este tipo de debate tambm permite refletir sobre a possvel dissoluo das oposies tericas subjacentes s posies adotadas. Aqueles que defendem um prejuzo primrio da linguagem costumam adotar um enfoque cognitivista, enquanto os defensores de um prejuzo social adotam, principalmente nos dias atuais, um enfoque desenvolvimentista que concebe os problemas de interao social como decorrendo de uma falha muito bsica na capacidade de expressividade e responsividade emocional/afetiva. Em outras palavras, a discusso dos conceitos de interao social e linguagem est intimamente relacionada discusso dos pressupostos tericos envolvidos. E isto tem implicaes para o prprio conceito de autismo, que no pode ser definido apenas a partir de caractersticas comportamentais, assim como tambm para a interveno.

    O objetivo deste artigo iniciar uma reflexo a respeito da relevncia do esclarecimento dos pressupostos epistemolgicos e das implicaes de diferentes enfoques tericos do autismo para a busca da etiologia e para a interveno. Isto ser feito inicialmente a partir de uma discusso dos conceitos de interao social e linguagem no autismo, visando uma anlise crtica das posies cognitivista e desenvolvimentista.

    Em um primeiro momento, ser apresentado o histrico dos posicionamentos tericos para em seguida rever o debate das dcadas 1970/80. Finalmente, ser apresentada a posio desenvolvimentista atual e como concluso ser avaliado o alcance de suas implicaes.

    Histrico dos Posicionamentos Tericos Ao longo dos anos, desde a primeira formulao da sndrome descrita por Kanner (1943), o autismo tem sido visto, predominantemente, ora como um distrbio social/afetivo, ora como um distrbio cognitivo. Trs fases podem ser discriminadas neste sentido2. Na primeira fase, a da formulao inicial de Kanner, o autismo visto como um distrbio de contato afetivo. O desligamento de relaes humanas, antes dos 12 meses de idade, uma das cinco categorias discriminadas, no seu estudo de 1943, para definir o autismo junto com a falha no uso da linguagem para a comunicao, a manuteno da rotina, a fascinao por objetos e as boas potencialidades cognitivas (Eisenberg & Kanner, 1956). Em 1956, depois de efetuados estudos de follow-up, so isolados dois aspectos patognmicos : o auto-

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    isolamento extremo e a insistncia obsessiva na preservao da rotina, que se manifestam nos dois primeiros anos de vida. Contudo, o problema principal estaria na rea social quando afirmado que "A principal patologia permanece na rea da inabilidade de se relacionar de maneira ordinria com outros seres humanos", mencionando-se tambm a "surpreendente falta de conscincia dos sentimentos dos outros" e a "falha em reconhecer os outros como entidades separadas de si mesmo" (Eisenberg & Kanner, 1956, pp. 558-559). Em termos de etiologia, Kanner no considera que haja um agente etiolgico nico, sendo o quadro clnico produzido conjuntamente por fatores inatos e ambientais.

    Na segunda fase, ao longo das dcadas de 1970 e 80, o autismo passa a ser visto, predominantemente, como um distrbio cognitivo. Nesta poca, ele deixa de ser considerado como uma condio envolvendo basicamente retraimento social e emocional, e passa a ser concebido como um transtorno do desenvolvimento envolvendo dficits cognitivos severos com origem em alguma forma de disfuno cerebral. A observao da existncia de dficits cognitivos leva considerao de questes envolvendo, entre outros, processos de ateno, memria, sensibilidade a estmulos e linguagem. Neste sentido, por exemplo, Rutter (1976) focaliza a possvel importncia do prejuzo da linguagem, ao considerar esta anormalidade como um aspecto central do dficit cognitivo associado ao autismo, passando a desenvolver pesquisas nesta rea (Ex.: Bartak, Rutter & Cox, 1975).

    Na terceira fase, a partir do final da dcada de 1980, vrios autores passam a pesquisar em detalhe o prejuzo social e a adotar um enfoque desenvolvimentista. Sua posio que a incapacidade inata de se relacionar com pessoas, isto de responder emocionalmente aos outros, teria como uma de suas consequncias o prejuzo do desenvolvimento da comunicao no-verbal e por conseguinte da linguagem. Alguns dos principais autores representativos desta posio so Trevarthen (Trevarthen, Aitken, Papoudi & Robarts, 1998), Hobson (2002) e Dawson (Dawson & Galpert, 1986; Dawson & Lewy, 1989). Embora esta viso desenvolvimentista ganhe cada vez mais adeptos, ainda h autores, como por exemplo Frith (1997) e Baron-Cohen (2000), que defendem a viso cognitivista da Teoria da Mente. Segundo esta posio, autistas no possuem a habilidade de imaginar e compreender o estado mental dos outros, isto , de ter uma teoria da mente, por terem o mecanismo cognitivo inato, responsvel por esta habilidade, prejudicado. Por esta razo, tm seu comportamento social afetado.

    As diferentes posies envolvidas neste debate concordam que na base do autismo encontra-se um prejuzo biolgico que seria responsvel pelas caractersticas comportamentais, sobre as quais tambm h concordncia. Contudo, elas diferem principalmente, como visto, em seu enfoque terico: cognitivista x desenvolvimentista. E isto tem implicaes para a conceituao do autismo. Uma das possveis formas para se pensar a impreciso deste conceito procurar esclarecer a dicotomia social x linguagem.

    O Debate sobre o Prejuzo Primrio no Autismo Ser apresentado aqui o debate ocorrido em 1970/80. Primeiro sero considerados os argumentos em favor de um prejuzo primrio da linguagem e, em seguida, os argumentos do prejuzo primrio da interao social. Em cada uma dessas partes, sero vistos

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    inicialmente os prejuzos mais caractersticos e, em seguida, os argumentos em favor de ser o prejuzo primrio. Finalmente, sero vistas algumas consideraes que procuram relativizar a oposio social/linguagem.

    O prejuzo da linguagem Inmeras crianas autistas cerca de 50% nunca fazem uso da fala e aquelas que falam apresentam anormalidades (Rutter, 1978). Os prejuzos nas habilidades lingusticas e pr-lingusticas no autismo envolvem no apenas um atraso mas, principalmente, um desvio no curso do desenvolvimento. No autismo, o desenvolvimento das habilidades lingusticas muito diferente do desenvolvimento das crianas ditas 'normais' e daquelas que apresentam desordens da linguagem.

    O prejuzo lingustico no autismo envolve problemas de comunicao no-verbal, problemas simblicos, problemas de fala, assim como problemas pragmticos. H falhas em habilidades que precedem a linguagem como o balbucio, a imitao, o uso significativo de objetos e o jogo simblico. H tambm falhas na compreenso da fala, falta de gestos, mmica e do apontar.

    Stone, Ousley, Yoder, Hogan e Hepburn (1997) afirmam que, no primeiro ano de vida, os bebs "normais" aprendem a se comunicar no-verbalmente atravs do contato ocular, vocalizaes e gestos pr-lingusticos. Os autistas apresentariam um padro desordenado do desenvolvimento da comunicao com dficits no uso e compreenso de formas no-verbais de comunicao, assim como uma amplitude limitada de comportamentos comunicativos no-verbais, isto , um uso menos frequente de contato ocular, apontar e mostrar objetos.

    Crianas autistas apresentam problemas em responder a comunicaes no-verbais tais como gestos, expresses faciais, entonao (Garfin & Lord, 1986), e a rea de ateno compartilhada uma das mais prejudicadas (Camaioni, Perucchini, Muratori & Milone, 1997; Mundy & Crowson, 1997; Mundy & Sigman, 1989).

    Problemas no desenvolvimento do apontar, mostrar e imitar, especialmente se combinados com estereotipias e jogo simblico deficiente, apontam para um diagnstico de autismo em vez de transtorno do desenvolvimento da linguagem ou retardo (Rapin, 1996). Uma pesquisa relatada por Rapin encontrou que o jogo de faz-de-conta separou autistas de no-autistas. Esta autora considera, ento, que o jogo simblico um bom marcador do autismo e pode servir de critrio de diagnstico em crianas com atraso cognitivo com suspeita de autismo.

    Com relao aos aspectos pragmticos da linguagem, h prejuzo da compreenso e uso da linguagem, dentro de um contexto social, mas no necessariamente do significado literal. Embora os acompanhamentos no-verbais da fala normal - expresso facial, contato ocular, postura corporal, gestos, mmica - quase sempre estejam afetados, Shah e Wing (1986) e Wing (1988) consideram que o "prejuzo social" consiste em dificuldades no uso espontneo de sistemas verbais e no-verbais de comunicao, que tornam o intercmbio social recproco efetivo. O problema mais geral na comunicao no seria uma ausncia dos

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    mecanismos fsicos de gesto, expresso facial e fala mas uma falha no uso correto em situaes sociais ou como ajuda para a comunicao efetiva.

    Rutter e Schopler (1988) tambm fazem referncia aos prejuzos na rea da linguagem mencionados pelos autores acima. Eles afirmam que: muito antes de falar, os bebs autistas no usam sons para se comunicar; h um dficit nas habilidades pr-verbais como o jogo simblico ou de faz-de-conta; os autistas no conseguem se comunicar atravs do uso de gestos, como as crianas surdas fazem; h falha em responder comunicao dos outros e em sustentar uma conversa, alm de haver uma falta de uso social das habilidades de linguagem possudas.

    Como mencionado anteriormente, Rutter (1976) um dos que defendem a posio de que o prejuzo da linguagem anterior ao prejuzo social. Este autor vai contra o argumento de Kanner (1943) de que o retraimento social que leva aos problemas de linguagem, considerando que, ao contrrio, o problema social parece estar vinculado ao problema de linguagem. Seu argumento que o atraso na fala uma condio quase invarivel no autismo e que a linguagem o fator de prognstico mais importante, fora o QI. Cita tambm um estudo em que vrios autistas deixaram de apresentar retraimento social mas permaneceram sem fala e tinham dificuldades em compreender instrues faladas, embora obedecessem a gestos e demonstraes. Sua concluso que a falha em falar se deve a uma falha bsica em habilidades de linguagem e no falta de motivao para falar ou o retraimento social (Rutter, 1968). Ele argumenta que o dficit na compreenso da linguagem em geral o problema simblico e no especificamente o dficit da fala, parece ser primrio e no secundrio ao problema social. Para ele, a hiptese da linguagem oferece uma explicao que parece dar conta da maioria dos principais resultados, embora a natureza da anormalidade bsica de linguagem permanea desconhecida (Rutter, 1968, 1976). Em suma, o dficit cognitivo seria uma parte essencial do autismo e as anormalidades da linguagem, uma parte essencial desse dficit cognitivo (Rutter, 1976).

    Wing tambm se posiciona a favor de um dficit mais bsico na rea da linguagem, embora focalize primordialmente em seu escritos a rea social. Em um texto em que aborda a questo do possvel prejuzo primrio, Wing (1980) advoga em favor de problemas cognitivos que afetam a compreenso e o uso da linguagem, em quaisquer de suas formas. Ela afirma que, embora Kanner visse o isolamento social como um prejuzo primrio, o isolamento uma inferncia feita pelo observador a partir de problemas cognitivos, de linguagem e de comunicao no-verbal que interferem seriamente com os intercmbios sociais. Como argumento a favor de um problema mais bsico de linguagem dando lugar a problemas na rea social, Wing considera que crianas surdas, que apresentam isolamento social, perdem seu "autismo" quando aprendem mtodos alternativos de comunicao. Por outro lado, crianas com desordem de desenvolvimento da fala receptiva, que apresentam algum comportamento autista, tm maior probabilidade de usar gestos e algum jogo simblico. O diagnstico diferencial entre distrbio da fala receptiva e autismo seria o uso de smbolos.

    Em suma, vrios pesquisadores reconhecem dficits comunicativos muito precoces que podem ser vistos a partir de dficits no uso e compreenso da comunicao no-verbal e na ateno compartilhada. Wing (1980) e Rutter (1976), que concebem o prejuzo lingustico

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    como sendo mais bsico, argumentam que: o isolamento social uma inferncia a partir de problemas cognitivos e comunicativos; o prejuzo social consiste em dificuldades no uso da comunicao verbal e no-verbal; a falha na linguagem no se deve ao retraimento social, sendo o problema simblico anterior ao problema social.

    O prejuzo da interao social

    A observao de vrios desvios comportamentais desde o nascimento, ou pelo menos muito cedo no desenvolvimento inicial, tem levado inmeros pesquisadores a inferir um transtorno em processos neurobiolgicos especficos que prejudicariam o desenvolvimento social e emocional no autismo (Dawson & Galpert, 1986; Mundy & Sigman, 1989; Richer, 1976; Rutter, 1978; Rutter & Schopler, 1988; Shah & Wing, 1986).

    Em termos mais gerais, dentre os dficits sociais, so mencionados a apreciao inadequada de deixas socioemocionais e a falta de reciprocidade socioemocional (Rutter & Schopler, 1988), transtornos nas capacidades expressiva e receptiva iniciais e dificuldade para discriminar e compreender expresses faciais (Dawson & Galpert, 1986), desordens especficas no desenvolvimento de comportamentos de comunicao no-verbal (Mundy & Sigman, 1989).

    Em termos mais especficos, tem sido mencionada a falta de aconchego no colo, de antecipao postural e de contato ocular. Foi observado tambm uma ausncia de expresso facial, que o beb raramente ri ou chora, e uma falta de imitao gestual (Dawson & Galpert, 1986) e de gestos para regular a interao social (Rutter & Schopler, 1988). H uma falta de respostas s emoes dos outros (Rutter, 1978) sendo rara tambm a procura de outros para ter consolo e afeio (Rutter & Schopler, 1988).

    importante sublinhar, neste momento, que nem todos os pesquisadores aqui mencionados, embora reconheam falhas iniciais na rea social, postulam o prejuzo social como sendo primrio no autismo. Rutter (1968) por exemplo, como visto, um dos que defendem um prejuzo primrio de ordem cognitiva na rea da linguagem, e Wing (Shah & Wing, 1986), como ser visto a seguir, na rea da cognio social.

    Shah e Wing (1986) apresentam uma discusso a respeito dos prejuzos cognitivos especficos subjacentes interao social, e consideram haver a possibilidade dos autistas terem dficits especficos nas habilidades cognitivas subjacentes percepo de pessoas e da interao social recproca. As autoras consideram que est em aberto a questo de se esses dficits na cognio social so a causa subjacente das anormalidades do comportamento social e das relaes interpessoais. E afirmam que a relao causal inversa tambm uma possibilidade.

    Em outro trabalho, Wing (1988) afirma que o problema central que, por definio, tanto necessrio como suficiente para o diagnstico de uma desordem no continuum do espectro autista, um prejuzo intrnseco no desenvolvimento da habilidade de se engajar em interao social recproca. E Waterhouse, Wing e Fein (1989) consideram que os problemas de interao social so a base para todos os esquemas de diagnstico.

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    Desta maneira, embora Wing no considere o problema de interao social como sendo primrio no autismo, todo o seu trabalho se desenvolve em torno desta questo, chegando inclusive a propor um sistema de classificao do espectro autista baseado na qualidade da interao social isolamento social, interao passiva, interao ativa mas bizarra (Wing & Gould, 1979) e a conceber o autismo a partir de uma trade de prejuzos: 1) na interao social, com falhas no reconhecimento social; 2) da comunicao social, que afeta o dar e receber sinais verbais e no-verbais, pr-verbais sociais; 3) da imaginao e compreenso social que afeta a habilidade de copiar aes dos outros com compreenso de seu significado e objetivo, e interfere com o desenvolvimento do faz-de-conta e da teoria da mente (Wing, 1988). O prejuzo social passa a ser concebido mais como um critrio essencial para o autismo do que um dficit primrio.

    Mas outros autores so mais especficos na defesa de um prejuzo social anterior ao prejuzo de linguagem, concebendo-o como uma desordem primria. Mundy e Sigman (1989) argumentam que os dficits sociais e emocionais so componentes fundamentais da desordem e no epifenmenos de disfuno cognitiva sendo que alguns dos primeiros tipos de dficit parecem ocorrer na expresso afetiva e comunicao no-verbal.

    Walters, Barrett e Feinstein (1990) observam que o beb humano pr-programado para reconhecer emoes nos outros e para usar emoes para se comunicar, antes do desenvolvimento de outras formas de comunicao, e que h uso de evitao do olhar aos 6 meses para regular a ativao durante intercmbios afetivos em situao face-a-face.

    Hermelin e O'Connor (1985), em vez de considerarem a falha na ligao afetiva e a anormalidade cognitiva como problemas independentes, afirmam que o processamento cognitivo e lingustico retm muitas caractersticas anormais e peculiares, talvez como uma consequncia do prejuzo afetivo. Os autores propem a existncia de uma disfuno lgico-afetiva que d sndrome sua qualidade peculiar. Para eles, o baixo nvel de competncia na compreenso de indicadores emocionais aponta para uma dificuldade especfica com os sinais no-verbais que comunicam sentimentos. Esta concluso seria apoiada pela ausncia de gestos que expressam emoes em seu comportamento espontneo.

    Em suma, vrios autores reconhecem um prejuzo social inicial, evidenciado principalmente por transtornos nas capacidades receptiva e expressiva iniciais. Mencionam, mais especificamente, uma apreciao inadequada de deixas socioemocionais, falta de reciprocidade socioemocional, ausncia de expresso facial, dificuldade para discriminar e compreender expresses faciais. Mesmo aqueles pesquisadores, como Rutter e Wing, que no consideram o prejuzo social como sendo primrio no autismo, endossam essas caractersticas. Aqueles que defendem o dficit social como primrio argumentam basicamente que: o dficit de comunicao no-verbal um tipo de dficit social; os problemas cognitivos e lingusticos podem derivar do prejuzo afetivo; h uma falha no reconhecimento e uso de emoes para se comunicar antes do desenvolvimento de outras formas de comunicao. Em outras palavras, o dficit social anterior aos problemas de comunicao.

    Relativizando a oposio social/linguagem

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    Algumas ponderaes precisam ser feitas de maneira a relativizar, em certa medida, a oposio social/linguagem. Em primeiro lugar, alguns autores observam que os prejuzos no autismo so mais qualitativos que quantitativos. Mundy e Sigman (1989), por exemplo, afirmam que o dficit de contato ocular pode ocorrer em alguns contextos mas no em outros e que crianas autistas respondem estimulao social, sendo que o apego no est completamente ausente. Da mesma maneira, Cairns (1986) afirma que no h uma falha total da reciprocidade mas uma falha no nvel, e espontaneidade, da reciprocidade normal.

    Em segundo lugar, alguns autores observam uma correlao entre os prejuzos sociais e os de linguagem. Interpretando os dados do estudo de Camberwell, Wing (1981) observa que no grupo de crianas sociveis todas compreendiam e usavam a comunicao no-verbal, e aquelas com compreenso da linguagem correspondente a 20 meses apresentavam jogo simblico. Por outro lado, as crianas no-sociveis no apresentaram comunicao no-verbal nem jogo simblico. Nestas no-sociveis, os nveis de prejuzo da linguagem dependeram do subgrupo em que foram enquadradas 'isoladas', 'passivas' ou 'ativas mas bizarras'. No estudo de Camberwell, o prejuzo social paralelo ao prejuzo da funo simblica, isto , as crianas 'isoladas' em sua maioria no tinham compreenso ou uso da linguagem, e no tinham jogo de faz-de-conta; as 'passivas' tinham alguma linguagem e algumas imitavam o faz-de-conta, enquanto as 'ativas mas bizarras' tinham alguma linguagem ou falavam (Wing, 1988)

    Em terceiro lugar, alguns autores como Schopler e Mesibov (1986), defendem a no separao entre social e linguagem. Olley (1985) diz que comunicao , por definio, um ato social, e Lord (1985) considera a linguagem uma habilidade social. Richer (1976) tambm concebe a linguagem como uma habilidade social, e por isso dficits sociais poderiam impedir o desenvolvimento da linguagem e competncia comunicativa. Contudo, ele observa que o oposto tambm se aplica. Por isso, considera que pode ser frutfero estudar padres de interao social dos autistas para ver que implicaes eles podem ter tanto para a socializao quanto para a comunicao. Da mesma maneira, Garfin e Lord (1986) consideram a comunicao como um tipo de comportamento social e propem que se discuta: a relao entre problemas de comunicao e problemas sociais; aspectos da comunicao relacionados mais diretamente ao funcionamento social; e elementos do desenvolvimento social que afetam a aprendizagem e uso das habilidades de comunicao. Por fim, Cairns (1986) afirma que difcil imaginar que o desenvolvimento social proceda independentemente do desenvolvimento da linguagem ou vice-versa. Ele observa que a construo terica, relevante a esses dois domnios, tem progredido como se os tericos vivessem em terras diferentes. Para este autor, a convergncia das disfunes sociais e de linguagem no autismo pode proporcionar um novo insight para a questo mais ampla de como esses domnios podem ser integrados teoricamente. E isto parece estar presente nas propostas de alguns autores desenvolvimentistas.

    A Viso Desenvolvimentista do Autismo A perspectiva desenvolvimentista traz uma nova forma de entendimento dos prejuzos do autismo sem cair na oposio linguagem/social, mostrando ao contrrio como estas capacidades humanas esto relacionadas, ou melhor, como a linguagem se desenvolve a

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    partir da interao social. Sero apresentadas aqui trs elaboraes tericas iniciais de importantes autores na rea do autismo: Trevarthen (Trevarthen & cols., 1998), Hobson (2002) e Dawson (Dawson & Galpert, 1986; Dawson & Lewy, 1989). Embora diferentes, suas formulaes tm em comum um ponto de partida biolgico e a anlise do desvio do processo de desenvolvimento.

    Trevarthen e colaboradores (1998) consideram que o autismo deve ser um distrbio do mecanismo inato para se relacionar com pessoas e acreditam que a linguagem, e os processos de pensamento baseados na linguagem, so afetados nos autistas porque as funes de ateno e intersubjetividade, mais profundas e com desenvolvimento precoce, esto prejudicadas.

    A partir da observao de filmes, estes autores afirmam que bebs nascem com a capacidade de se comunicar com os sentimentos, interesses e objetivos de outras pessoas. Ainda muito pequenos, eles reconhecem pessoas e gostam de conversar com elas. Esta primeira fase do relacionamento intersubjetivo, que aparece logo aps o nascimento, a fase da intersubjetividade primria. Ela consiste de proto-conversaes que envolvem uma alternncia rtmica de turno de atos expressivos. Me3 e beb apresentam expresses e percepes ativas de emoes, em interaes face-a-face. A me usa o manhs (motherese), toca e apresenta ao beb expresses com a face e as mos, enquanto o beb responde brincando com afeto, imita e provoca imitaes pela me.

    De acordo com Trevathen e colaboradores (1998), o autismo uma condio que afeta o desenvolvimento desse sistema interativo pr-lingustico inato, devido a uma falha, provavelmente no primeiro ms do desenvolvimento do embrio, em uma regio do crebro por eles chamada de Formao de Motivo Intrnseca (Intrinsic Motive Formation). Desta maneira, a falta de respostas expressivas e de orientao, por parte do beb autista, tenderia a cort-lo das transaes comunicativas e emocionais dos outros. A raz do problema seria, ento, um dficit especfico na percepo e na motivao com relao a pessoas. E isto impediria a passagem para a segunda fase do relacionamento intersubjetivo, a da intersubjetividade secundria que se desenvolve por volta dos 9 meses de idade e caracterizada pela proto-linguagem. Nesta fase, as interaes me-beb passam a incluir eve