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Renovação Carismática Católica – Brasil Grupo de Reflexão Teológico Pastoral Texto 01 GRTP I. O Batismo no Espírito Santo 1. Batismo no Espírito Santo e experiência de fé. Queremos fazer uma breve reflexão sobre o "batismo do ou no Espírito Santo", considerando que esta experiência é a que funda o que chamamos na atualidade de “movimento pentecostal”, corrente de renovação na qual se insere a Renovação Carismática Católica. Nesta corrente de renovação, que possui na Igreja diversas matizes, existe uma convicção comum: que o batismo no Espírito Santo entendido como: “Experiência concreta da graça de Pentecostes, na qual a ação do Espírito Santo torna-se realidade experimentada na vida do indivíduo e da comunidade de fé” 1 . É o acontecimento fundante do movimento pentecostal, e é destinado a todo cristão, tornando-se o princípio da “vida no Espírito” que se traduz no testemunho cristão de martírio e parresia. Esta convicção encontra seu argumento no Novo Testamento, sobretudo os Atos dos Apóstolos. Durante todo esse tempo em que a experiência carismática atual acontece na comunidade eclesial a pergunta sobre o significado deste “batismo no Espírito Santo” é fundamental para manter o movimento dentro dessa “corrente de renovação” (Papa Paulo VI). A reflexão sobre essa “graça atual” e as possíveis respostas tem profundos reflexos na práxis do movimento carismático. “A pergunta acerca do que significa o batismo no Espírito Santo é uma pergunta muito existencial. Para cada um de nós pode significar: será que nos queremos abrir para esse batismo? É também uma pergunta para a Igreja como um todo, no que se refere à sua vida íntima e ao seu testemunho para o mundo”. 2 a) Uma experiência existencial, “de sentido”, “fascinação” A definição do batismo no Espírito Santo dada pelo Cardeal Cordes está firmada na expressão “experiência”, portanto, é necessário refletir sobre o significado desta expressão. 1 CORDES, D. Paul Josef, Reflexões sobre a Renovação Carismática Católica, Edições Loyola – 1999, p 23 2 SCHOONENBEERG, Piet sj, “O batismo no Espírito Santo”, texto publicado em “A Experiência do Espírito Santo” – Editora Vozes, 1979 1

Batismo no Espírito Santo - Congresso Teológico da RCC

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Artigo apresentado no Congresso Teológico da RCC sobre o Batismo no ES. Fundamentação bílbico-catequético-doutrinal sobre o tema

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Renovação Carismática Católica – Brasil

Grupo de Reflexão Teológico Pastoral

Texto 01

GRTP

I. O Batismo no Espírito Santo

1. Batismo no Espírito Santo e experiência de fé.

Queremos fazer uma breve reflexão sobre o "batismo do ou no Espírito Santo", considerando que esta experiência é a que funda o que chamamos na atualidade de “movimento pentecostal”, corrente de renovação na qual se insere a Renovação Carismática Católica.

Nesta corrente de renovação, que possui na Igreja diversas matizes, existe uma convicção comum: que o batismo no Espírito Santo entendido como:

“Experiência concreta da graça de Pentecostes, na qual a ação do Espírito Santo torna-se realidade experimentada na vida do indivíduo e da comunidade de fé”1.

É o acontecimento fundante do movimento pentecostal, e é destinado a todo cristão, tornando-se o princípio da “vida no Espírito” que se traduz no testemunho cristão de martírio e parresia. Esta convicção encontra seu argumento no Novo Testamento, sobretudo os Atos dos Apóstolos.

Durante todo esse tempo em que a experiência carismática atual acontece na comunidade eclesial a pergunta sobre o significado deste “batismo no Espírito Santo” é fundamental para manter o movimento dentro dessa “corrente de renovação” (Papa Paulo VI). A reflexão sobre essa “graça atual” e as possíveis respostas tem profundos reflexos na práxis do movimento carismático.

“A pergunta acerca do que significa o batismo no Espírito Santo é uma pergunta muito existencial. Para cada um de nós pode significar: será que nos queremos abrir para esse batismo? É também uma pergunta para a Igreja como um todo, no que se refere à sua vida íntima e ao seu testemunho para o mundo”.2

a) Uma experiência existencial, “de sentido”, “fascinação”

A definição do batismo no Espírito Santo dada pelo Cardeal Cordes está firmada na expressão “experiência”, portanto, é necessário refletir sobre o significado desta expressão.

Quero citar alguns autores que se debruçaram sobre essa questão:

O padre Henrique Vaz sj, eminente filósofo contemporâneo, faz uma observação de deve ser considerada ao respondermos esta pergunta. Em sua obra “Escritos de Filosofia I: problemas de fronteira” faz uma distinção entre “experiência religiosa e experiência de Deus”., afirmando que a experiência de Deus “trata-se do sentido radical”.

No entender do filósofo, a experiência religiosa está ligada ao fascínio e temor daquilo que é misterioso na natureza, redundando então num “sistema de representações” produzindo uma prática e comportamento que têm profunda influência do ambiente e das forças sociais que podem ser manipuladas (Durkheim3).

A diferença então sobre experiência religiosa e experiência de fé está no efeito que esta experiência produz no indivíduo que a sofre. Entende a experiência de fé como:

1 CORDES, D. Paul Josef, Reflexões sobre a Renovação Carismática Católica, Edições Loyola – 1999, p 232 SCHOONENBEERG, Piet sj, “O batismo no Espírito Santo”, texto publicado em “A Experiência do Espírito Santo” – Editora Vozes, 19793 DURKHEIM, Émile – 1858 – 1917 – sociólogo Positivista-Funcionalista.

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“(O) sentido radical ou absoluto na acepção mais estrita. [...] A experiência de Deus não é um luxo espiritual. Não é uma construção intelectual, cujo desenho apenas os iniciados de uma gnose privilegiada poderão seguir. Deus não é um fabuloso e distante Além que se alcança somente através de sutis e complicados roteiros especulativos e místicos. Se se distingue a experiência religiosa como experiência do Sagrado e a experiência de Deus como experiência do Sentido radical, então a experiência de Deus não se encerrará numa dimensão particular da existência, mesmo que se trate de uma dimensão fundamental. Ela deverá ocupar o espaço total onde as dimensões da existência – e da experiência – se desdobram. [...] A experiência cristã de Deus é, portanto, a experiência da fé em Jesus Cristo”4.

Portanto a experiência de fé ou de sentido é determinante na existência do indivíduo, atingindo seus critérios de julgar, seus valores mais íntimos sobre os quais fundamenta seu ser. No entender de Karl Rhaner5, trata-se de uma experiência existencial, determinante para o indivíduo a partir do momento em que ela (a experiência) ocorre.

Heribert Muhlen também se aproxima desta concepção, quando entende a experiência de sentido como fascínio.6

“Experiência é portanto, o conhecimento adquirido no múltiplo contato com homens e coisas , em oposição ao conhecimento meramente livresco. Neste sentido, a fé cristã não é apenas o recebimento de experiências alheias transmitidas mas o testemunho de fé de outros provoca no ouvinte , uma profunda comoção (At 2;37) e é só esta experiência inicial que , por sua vez leva à conversão e ao batismo (At2;38)”.

“Na comoção provocada adquire-se a certeza do conhecimento ; ‘...sim , verdadeiramente, este Jesus por vós crucificado , Deus o constituiu Senhor e Cristo !’ (At2,36). Esta profunda admiração, provocada pelo extraordinário nos prende e nos afasta, chamaremos, ‘fascinação’”.

“A palavra ‘fascinação’, verbo latino ‘fascinare’ conjurar, enfeitiçar, encantar. Sentido de ‘ser atraído, ser cativado’. O que nos fascina, tem a tendência de apropriar-se de nós. Quanto maior for o seu valor, tanto maior também será a sua reivindicação a se nos impor, como poder.

Ao refletir sobre o fascínio não podemos passar ao largo de algumas outras experiências bíblicas que podem nos fazer compreender a relação “fascínio e experiência de sentido”:

Abraão ao ser conduzido “para fora” contempla as estrelas – Gênesis 15,5

O profeta Ezequiel seduzido pelo Senhor – Ezequiel 14,9

Pedro, João e Tiago fascinados pela transfiguração do Senhor, querem permanecer na montanha – Marcos 9,2ss e Mateus 17,2ss

b) Algumas conclusões iniciais:

A partir destas reflexões prévias alguns pontos referentes ao batismo no Espírito:

Batismo no Espírito Santo é uma experiência de sentido, ou seja, uma experiência que fundamenta, ou dá um sentido radical (se torna raiz, fundamento) ao “ser” do indivíduo que “sofre” tal experiência a partir do dado crítico.

A experiência do batismo no Espírito Santo é subjetiva, pois é própria do indivíduo. Não se pode “experimentar pelo outro”. Por isso ela é original em cada um.

Embora seja uma experiência subjetiva, possui sinais objetivos que autenticam tal experiência. Podemos citar quatro sinais mais significativos.

I. – Mudança de mentalidade: Uma profunda conversão que não se limita a uma mudança moral, mas de valores, critérios e fundamentos de vida. Conversão semelhante a sofrida por São Paulo, onde a iniciativa é da parte de Deus.

II. – Novo dinamismo espiritual: Esta “nova vida espiritual” se traduz num anseio de intimidade com Deus que se manifesta na busca de uma vida de oração e

4 VAZ, Henrique C. de Lima sj, “Escritos de Filosofia I: Problemas de fronteira” – Coleção Filosofia, Edições Loyola, 196, pp 241 – 256.5 RHANER, Karl sj, “Experiência do Espírito e decisão existencial”, texto publicado em “A Experiência do Espírito Santo” – Editora Vozes, 19796 MUHLEN, Heribert, “Fé cristã renovada: carisma, Espírito, libertação”, Edições Loyola, 1975, pp 95 – 140.

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santidade. Numa valorização das coisas espirituais, como São Paulo insiste na sua carta aos Romanos 8,5.

III. – Impulso testemunhal: O Espírito é dado “para” e o primeiro sentido desta experiência é “ser testemunha”. O testemunho cristão se manifesta em dois sentidos: o martírio – “dar a vida por”, se necessário até o derramamento de sangue; e o anúncio audacioso do Evangelho acompanhado pelos sinais que autenticam a mensagem (carismas). Martírio e parresia tão necessários para a Evangelização dos tempos atuais.

IV. – Vida fraterna: A experiência do Espírito é uma experiência social, ou seja, o testemunho implica numa vida comunitária. O “ver” implica no amor fraterno que deve produz a “utopia evangélica”; não havia necessitados entre eles.

2. A expressão “batismo no Espírito Santo”

O termo "batismo no Espírito Santo" não é um "termo técnico" na Sagrada Escritura, mas a expressão "batizar no Espírito Santo" se encontra em todos os Evangelhos e nos Atos dos Apóstolos.

No Evangelho de João é Jesus chamado "o que batiza no Espírito Santo" (1,33) e isso resume a sua missão, conforme o comentário da Bíblia de Jerusalém a esse versículo e também como o padre Raniero Cantalamessa recentemente em pregação por ocasião da Celebração do Batismo de Jesus, no Advento de 2007.

O teólogo holandês Piet SCHOONENBEERG, em artigo já citado, apresenta um inventário bastante completo sobre a validade deste termo, também secundado pelo eminente biblista brasileiro padre Ney Brasil Pereira.7 Por isso sem a menor dúvida, a expressão “batismo no Espírito Santo” pode ser chamada bíblica, “aliás exclusivamente bíblica”.

Portanto não nos deteremos aqui na justificativa bíblica do termo, mas nos atemos aos aspectos experienciais do batismo no Espírito Santo e na centralidade desta experiência no movimento Renovação Carismática Católica.

3. Batismo no Espírito Santo e RCC

Para a RCC o batismo no Espírito Santo é um vir do Espírito e, com isso, uma união com Cristo; é um batismo que como dom vem a nós, que é experimentado e tem um efeito permanente, sobretudo quanto aos carismas. Esta experiência é central a RCC, sua especificidade e identidade.

Ao nos ater ao batismo no Espírito Santo segundo os seus efeitos, podemos, a partir do Novo Testamento, levantar alguns dados relevantes para o movimento:

a) A experiência do batismo no espírito Santo é uma total realização, uma plenitude, uma superabundância, uma repleção. Nos Atos dos Apóstolos fala-se de um "ficar cheio" do Espírito Santo (2,4; 4,8 e 31; 7,55; 9,17; 13,9): é uma plenitude no mais íntimo do coração e em nossas faculdades.

Esta experiência é um contínuo derramar do Espírito, que ultrapassa o dado crítico, muitas vezes emocional (necessário). Derramar contínuo que se confunde, algumas vezes, com a “vida no Espírito”. Não se trata de um “ficar cheio”, mas “permanecer cheio”.

b) Essa plenitude dada pelo Espírito e a união com Cristo são conscientes e reconhecíveis. Os cristãos de hoje vivem, muitas vezes fundados numa doutrina que aceitam, põem em prática formal (experiência religiosa), mas não a vivenciam como princípio, pois não têm a “convicção” (não foram convencidos).

Paulo escreve aos Gálatas a esse respeito: "Recebestes o Espírito por virtude das obras da Lei ou por virtude da pregação da fé?" (3,2). Deve ter acontecido alguma coisa, quando eles

7 PEREIRA, Ney Brasil, padre, “O Batismo no Espírito Santo”, em “Revista de Cultura Bíblica”, vol. XX – n. 77/78, 1996, São Paulo – Edições Loyola.

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começavam a crer: deve ter sido experimentável o recebimento do Espírito. Foi por isso também que Paulo pôde apontar a efusão do Espírito como prova da nossa filiação (Gl 4,4) e garantia da esperança (Rm 5,5).

c) Faz parte da experiência de Pentecostes as manifestações dos carismas. Como atestam as manifestações das orações “em línguas” rompe as barreiras da nossa linguagem inteligível; as curas experimentadas e o dom de curar relativo a elas, etc.

Considerando o batismo no Espírito a identidade e missão da RCC, podemos inferir que esta experiência é normativa para o movimento, definindo assim “quem é e quem não é”.

A esse momento vale a pena uma citação mais longa de Reinaldo Beserra dos Reis8:

Aquilo que identifica, que distingue a Renovação Carismática Católica dentre outras expressões da Igreja (Movimentos, Pastorais, Organismos, Associações, etc), é a leitura, a maneira como ela interpreta o significado do Pentecostes histórico ocorrido em Jerusalém logo após a ascensão de Jesus. E a RCC - e não somente ela! - identifica esse evento ocorrido naquela festa de Pentecostes com o chamado batismo no Espírito Santo, especialmente em decorrência da afirmação do próprio Jesus, quando ordenou aos apóstolos "que não se afastassem de Jerusalém, mas que esperassem aí o cumprimento da promessa de seu Pai, 'que ouvistes, disse ele, da minha boca: porque João batizou na água, mas vós sereis batizados no Espírito Santo daqui a poucos dias! (...)...pois descerá sobre vós o Espírito Santo e vos dará força e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria e até os confins do mundo”. (Atos 1,4-5.8)

Esse texto, juntamente com outros consignados no Novo Testamento9 constituem, por assim dizer, o núcleo essencial da experiência que marca aqueles que se identificam com o Movimento. Com a conseqüente manifestação dos carismas que o Espírito houver por bem conceder, dão visibilidade à própria identidade da RCC, pois, a pertença ao que chamamos de Renovação Carismática não se realiza primordialmente através de uma opção por um tipo diferenciado de espiritualidade, ou da aceitação de uma doutrina e de uma liturgia com tinturas de emocionalismo, de cânticos alegres, de louvores efusivos, mas sim através de uma experiência, de um novo encontro com uma pessoa divina, que dá à nossa vida um novo horizonte espiritual, um novo envio, um novo impulso missionário, uma acelerada disposição em nosso processo de conversão pessoal rumo à santidade... ao que chamamos batismo no Espírito Santo!

II. Comunidades de RenovaçãoUma eclesiologia de comunhão – breve estudo aplicado aos Grupos de Oração

1. O despertar “comunitário”

a) Uma breve “análise de conjuntura”.

Existe uma exigência cada vez maior de qualidade e comportamentos adequados daqueles que dirigem a sociedade. Esta característica da sociedade moderna também se aplica à religião e à Igreja. A insatisfação com os serviços religiosos tradicionais e os escândalos recentes envolvendo a Igreja institucional, (amplamente e maldosamente divulgados pela mídia) provocaram descrédito da instituição e aumento da resistência aos seus pronunciamentos e ensinamentos. Esta decepção, por outro lado, revelou a excessiva “dependência do padre e da paróquia” que a Igreja Católica padece, já que o número de padres não tem crescido no ritmo da população. (em 1970 havia um padre para cada 7.100 habitantes, em 1990 um padre para cada 10.100 habitantes).

Outros grupos religiosos atribuem ao demônio ou espíritos malignos, toda culpa, fazendo que ninguém se sinta responsável por corrigir o erro na sociedade, na qual convivem, formando um quadro, no mínimo estranho: religiosidade e violência, busca de Deus e injustiça.

Essas tendências aparecem nos dados do Censo 2000, relativos à religião, que são três:

A diminuição da porcentagem dos cristãos católicos, de 83,3% para 73,9%.

8 REIS, Reinaldo Beserra dos, Texto do Congresso Teológico Pastoral da RCC, ano de 2006 – São Paulo.9 Mt 3, 11; Lc 3, 16; Mc 1,7-8;Jo 1,33; At 11.16, e 1Cor 12,13

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O aumento da porcentagem dos cristãos evangélicos, de 9,0% para 15,6%.

O aumento dos que se declaram sem religião, que passam de 4,7% para 7,4% da população (de 7 milhões para 12,5 milhões)

Diante desta análise cabe uma avaliação da qualidade de nossa presença junto ao povo, como exigência da própria missão de evangelizar. Podemos perguntar se, diante das mudanças sócio-culturais, as estruturas de pastorais e o atendimento da Igreja Católica conseguiram alcançar de forma suficiente as populações de um modo geral. A vocação leiga ao apostolado e as novas formas de organização da vida eclesial devem ser incentivadas.

b) Olhando para a Renovação Carismática Católica no Brasil

Os participantes da Renovação Carismática Católica no Brasil estão inseridos neste contexto como fiéis e cidadãos e sendo a Renovação um movimento eclesial, é chamada a dar uma “resposta criativa” aos desafios deste tempo.

Já em 2002 o Projeto “Reavivando a Chama” da RCC/BR fez uma breve analise da realidade carismática, apontando problemas que estão ligados, em suma, a perda de identidade e esfriamento da “experiência carismática”, nos grupos e nas lideranças.

Considerando o “Grupo de Oração”, nota-se que os modelos adotados para as Reuniões de Oração, copiados algumas vezes de assembléias grandes e de grupos “televisivos”, dificultam uma contribuição efetiva de seus participantes e o exercício dos carismas.

É muito comum queixar-se de uma “Igreja anônima”10, imensa, porque o cristão não tem a oportunidade de vivenciar, mais do que uma vez por semana, uma experiência comunitária que permita perceber o que é partilhar a vida de fé, ou que brota da fé. Esta queixa do anonimato atinge também nossos Grupos – Reuniões de Oração, onde o fiel não identificado, pouco participa, somente “reage” as motivações da “animação”, mas não partilha sua vida e não se dá a conhecer.

O “Grupo de Oração (é) o lugar de realização da identidade da Renovação, da missão, da comunhão eclesial, e da vivência da fraternidade”11, e principal visibilidade da RCC na Igreja, espera-se que neles brotem “verdadeiras expressões de comunidade, como um modo de vida que coloca seus participantes sempre mais disponíveis para a obra de Deus, a serviço do outro.”12

Este ideal de comunidade como “um modo de vida” ainda não é tão presente, notando-se a falta de conhecimento e relacionamento fraterno entre os participantes das Reuniões de Oração e, algumas vezes, mesmo entre os membros dos Núcleos de Serviço (Grupos de Oração).

Sem este elemento de fraternidade e comunhão as Reuniões de Oração correm o risco de se tornarem uma prática devocional, ou ainda uma fuga “emocional” do cotidiano, não realizando a “experiência de Pentecostes” já que “não basta alimentar o bem no coração, mas é preciso praticá-lo de fato. Essa práxis se dá, realmente, no relacionamento interpessoal, no auto-posicionamento comunitário, na sociedade em que se vive o que se nutre no coração.”13

Os carismas são dados em “vista do bem de todos” (1Cor 12,7), são para a edificação da comunidade cristã14, portanto nos Grupos – Reuniões de Oração os carismas serão “autênticos” se construírem a comunidade cristã. Daí se as manifestações dos carismas não construírem comunidades correm o risco de se tornarem apenas “espetáculos carismáticos”. Para isso concorre, atualmente, em alguns casos, o grande desenvolvimento do “ministério de música” e do “ministério de animação”, que tende a “monopolizar” a atividade do Grupo – Reunião de Oração, gerando “emocionalismo e sensacionalismo” que podem substituir a verdadeira experiência do Espírito, ou ainda, um intimismo que favorece o individualismo, dificultando a identificação de si e do outros, a dimensão da alteridade e da comunidade.

10 cf. GONDAL, Marie Louise, “Comunidades no cristianismo – um novo passo a ser dado”, Edições Paulinas, 199911 Plano de Ação 2002 RCC/BR – “Reavivando a Chama”, página 5.12 Idem13 CATÃO, Francisco, “Carismáticos, um sopro de renovação”, Editora Salesiana Dom Bosco, 199514 cfr. Christifideles Laici nº 24, Apostolicam actuositatem, nº 3 e Catecismo da Igreja Católica, nº 799

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A crítica que se faz a uma liturgia “por demais óbvia e repetitiva”15, que impossibilita a liberdade de expressão e a vivência da comunidade, pode ser estendida às Reuniões de Oração, em alguns casos, já que existe quase que uma “seqüência litúrgica” a ser seguida.

A rotatividade em alguns Grupos de Oração denuncia a falta de perspectiva de engajamento nas atividades do movimento e, ou, a dificuldade de participar dos núcleos de liderança, por uma burocracia excessiva. Pode significar também o esgotamento da “experiência emocional” que se faz no Grupo-Reunião de Oração, que não gerou convicções e relacionamentos capazes de sustentar uma vida cristã adulta e madura. “A experiência oferecida deve ir além da ‘comunidade emocional’, que satisfaz os sentimentos, mas que não chega a uma experiência autêntica da fé e do compromisso”.16

Os Grupos – Reuniões de Oração “não sendo fechados em si mesmos e não sendo um fim em si mesmo, buscam construir uma comunidade adulta de cristãos”.· Para tanto se faz necessário dar um passo além dos Grupos - Reuniões de Oração. É próprio da experiência do Espírito da descoberta do outro, e a partir desta descoberta a “partilha dos dons, para que se chegue a partilha dos bens”.17

2. Comunidade, fenômeno atual.

a) O fenômeno comunitário na Igreja Católica

"Comunidade" é um termo de uso corrente e conhecido, relativamente claro, embora polivalente; faz pensar em grupos, bastante homogêneos, que partilham muitas coisas e vivem valores fortes com acentuada intensidade.

O fenômeno comunitário assume grande visibilidade. O interesse pelo fenômeno comunitário entre os cristãos remonta aos anos 70 e ainda continua bem marcante nestes tempos.

Apesar de todo o desenvolvimento das comunidades e de formas comunitárias, algumas dificuldades têm aparecido. Não tanto por causa dos problemas que as comunidades costumam suscitar às formas institucionais bem estabelecidas da Igreja, mas sim porque o cristianismo, principalmente o católico, parece andar meio perdido diante do fenômeno comunitário.

As comunidades hoje existentes correspondem a acentuações ou estilos de fé que são bem peculiares. É o caso, por exemplo, das comunidades de base (CEBs), muitas vezes comprometidas com o aspecto sócio-político, das comunidades de vida e ou de aliança surgidas na Renovação Carismática, orientadas por uma experiência própria do Espírito (carisma fundante) e voltadas para o louvor a Deus e o anúncio explícito do Evangelho; ambas supõem uma vocação e uma solidariedade que não são exatamente as de todos os cristãos.

Daí a necessidade de que surjam comunidades mais diversificadas que respondam a busca e o desejo do povo cristão, de um modo geral. Ou seja, comunidades simples, acessíveis, que permitam partilhar a vida que se leva e a fé que se tem.

Existe a tentação de pensar que os cristãos nada esperam nesse campo, que são individualistas e não se interessam ou não vêm a necessidade de uma comunidade. Mas, depois de tantos anos de trabalho e de reflexão, temos a convicção que falta, no momento atual, um empenho a favor do florescimento de comunidades cristãs abertas a um maior número de pessoas. As comunidades atualmente existentes não respondem às necessidades que são ou deverão ser satisfeitas.

b) Necessidades de uma comunidade

Falamos de necessidades, mas por quê? Por dois motivos. O primeiro: uma Igreja demasiado anônima, onde a maioria dos cristãos não tem a possibilidade de viver uma experiência comunitária que permita perceber, de um modo diferente do que ocorre em grupos anônimos, o que é partilhar a fé.

15 cfr. Comblin, José, “Um novo amanhecer da Igreja?”, Editora Vozes, 2002 (2ª edição)16 Documentos da CNBB, nº 71, Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil 2003 – 2006, nº 140.17 Cfr. Suenens, Cardeal LJ e Câmara, Cardeal Helder, “Renovação no Espírito e serviço ao homem”, Edições Paulinas, 1979

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O segundo motivo é que os cristãos anseiam por comunidades, se não no começo de sua trajetória eclesial, pelo menos na medida em que avançam. Quando descobrem ou redescobrem uma nova maneira de viver a fé evangélica e a pertença eclesial sentem muito claramente que a missa dominical não basta para alimentar sua fé. Eles sentem necessidade também de falar com outras pessoas acerca do que fazem e do que crêem, e que, aliás, descobriram graças aos meios que a Igreja lhes propiciou. Estariam eles como que impedidos de prosseguir numa perspectiva comunitária simplesmente porque isso é mais difícil ou menos habitual na Igreja de todos os dias? Precisamos refletir sobre o que poderia ser uma experiência normal de comunidade para cristãos comuns que o Espírito convoca para viver em Igreja.

Existem pressões e não basta fazer alarde do "comunitário" para enfrentar os desafios de nosso tempo e as relações sociais, nacionais e internacionais. A comunidade não é uma panaceia, nem tem resposta para tudo. Mas talvez seja um elemento precioso, e até mesmo vital, a levar em conta diante dos múltiplos desafios que tanto as Igrejas como as sociedades têm de enfrentar.

c) O que é comunidade?

São muitas as ocasiões de estar com os outros, e nem todas essas ocasiões dão origem, efetivamente, ao que chamamos de comunidade. Daí a utilidade de começar por explicitar não só a terminologia, mas também os diversos tipos de experiência que podemos fazer nesse campo.

Podemos dizer que uma comunidade tem a ver com o que hoje costumamos chamar de “mundo associativo, ou seja, as formas de encontro, comunicação e ação comum que resultam da livre iniciativa dos membros que as compõem, e que não pertencem — pelo menos quando começam — à rede de instituições da sociedade global (esferas da política, da administração, da comunicação etc.)”.18

Nesse sentido, uma comunidade (eclesial ou não) é um grupo livremente instituído (1) à margem do sistema social (ou eclesial) tomado em conjunto (2). Não são todos os grupos que possuem estas duas características, existindo grupos que são células da organização coletiva (câmaras de vereadores e, no que toca à Igreja, as paróquias).

A palavra "grupo" tem, portanto, um sentido mais amplo e mais neutro do que "comunidade"; um grupo tanto pode ser "informal" como pode estar ligado estatutariamente à organização social ou eclesial. Já uma comunidade corresponde a um tipo peculiar de grupo, que depende da livre iniciativa de seus membros e tem certa autonomia com relação à sociedade ou à Igreja. É uma associação.

Observamos que certas comunidades, considerando que a palavra "comunidade" tem uma conotação mais profunda preferem chamarem-se simplesmente de “grupo”.

Costumamos também falar de "comunidades naturais" para enfatizar o aspecto concreto de agrupamentos de forte base local (família, aldeia, bairro, redes de solidariedade ou de proximidade social). Lembramos que essa base natural sempre manifesta a vontade cultural de encontro com os outros.

Diante do exposto, “podemos dizer que uma comunidade resulta de um pacto entre seus membros, de uma aliança contratual livremente consentida, qualquer que seja sua forma, isto é, quer haja uma regra comunitária, quer não haja regulamentos e a comunidade prefira viver no dia-a-dia a fidelidade às orientações comuns”19.

O termo "comunidade" pode ser empregado também em sentido amplo para designar certas instituições ou organizações que enfatizam ou valorizam, ao mesmo tempo, os relacionamentos internos e o estilo de convivência. Nesse sentido, pode-se falar de uma "comunidade urbana", de uma "comunidade paroquial".

Os documentos do Concílio Vaticano II utilizam a palavra “comunidade” de uma maneira mais ampla, podendo designar:

A Igreja em seu conjunto: Constituição pastoral Gaudium et spes 58; Decreto Ad gentes, 14 e 16; Constituição Sacrosanctum concilium 37;

18 GONDAL, Marie-Louise – “Comunidades no cristianismo, um novo passo a ser dado”, Edições Paulinas, 199919 Idem

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A paróquia: Constituição pastoral Gaudium et spes 30; Decreto Ad gentes, 15, 16 e 37; Decreto Apostolicam actuositatem, 10; Constituição Sacrosanctum concilium, 42; Decreto Christus Dominus,30;

A diocese: Decreto Ad gentes, 20, 37;

Um tipo específico de comunidade, a chamada comunidade religiosa (ordens, congregações, institutos): Decreto Perfectae caritatis;

As Igrejas separadas : Decreto Unitatis redintegratio, 3, 4, 19; Decreto Optatam totius, 16.

A comunidade humana como um todo : Constituição dogmática Lumen gentium, 31, 42, 44; Constituição pastoral Gaudium et spes, 5, 9, 25, 65, 73-75, 84 e 86; Declaração Gravissimum educationis, , 3; Decreto Apostolicam actuositatem, 7.

d) As relações de partilha

Aprofundando a compreensão do que seja uma comunidade, percebemos um terceiro elemento constitutivo: a comunidade supõe e estimula relações intensas entre seus membros. Uma comunidade é um grupo onde o interpessoal tem grande importância. Os membros se conhecem, e não desejam que se introduza o germe do anonimato em seu meio; o grupo deve favorecer cada membro falar e dar-se a conhecer. Cada um pretende ser ouvido e, em troca, dispõe-se a ficar atento ao que os outros membros têm a dizer. Evidentemente, o número de membros que permite que o grupo se sinta em "escala humana" é variável.

Uma comunidade supõe uma partilha bastante profunda. Não é apenas um grupo de tarefas, ou um agrupamento constituído em vista de uma ação. Isso também, mas não é tudo. Os membros de uma comunidade cristã estão de acordo para referir-se às iniciativas do grupo em nome de uma experiência espiritual de "partilha", de escuta e oração em comum. “Cada um assume arriscar algo que é seu, e disso nasce uma experiência de natureza diferente daquela a que cada um estava acostumado. Uma comunidade é da ordem do qualitativo, e de um qualitativo específico”.20

Falamos do "calor humano" do grupo, e muitas vezes receamos que os grupos calorosos acabem se “fechando” servindo de desculpa para evitar as dificuldades da vida na sociedade (mundo). Existe o risco, mas temos que impedir a experiência antes de tentar viver a ousadia do desafio comunitário? Queremos descobrir a vida e a fé sob uma nova forma, diferente, e para tanto o grupo se apresenta ao mesmo tempo como meio e expressão concreta, ou presença, dessa outra vida para a qual todos tendem. No cristianismo, pensamos na comunidade a partir do ideal de convivência apresentado nas Escrituras e nos exemplos apresentados ali.

e) Comunidade e comunidade

A definição geral de comunidade não é bastante. A comunidade cristã é, como qualquer outra comunidade, uma forma associativa de caráter opcional e autônoma e que visa estimular a partilha em seu seio. Mas o cristianismo acrescenta na ordenação desses grupos algumas particularidades que são, evidentemente, essenciais.

Acrescenta, sobretudo, as indicações clássicas e conhecidas: a comunidade deve ter algo de familiar e ser semelhante a uma fraternidade e supõe, como lemos nos Atos dos Apóstolos, a dimensão espiritual, a dimensão material, a confiança e os momentos intensos da experiência de Deus.

Uma comunidade supõe não apenas a dimensão associativa (livre decisão e autonomia), mas também a partilha propriamente dita (e, portanto, uma forma de relação mais exigente do que a requerida por uma associação não-comunitária).

Sob esse aspecto, a comunidade distingue-se da equipe. É certo que, nos dois casos, trata-se de efetivos restritos e há certa convivência; e, por ser livremente constituída, a equipe faz parte igualmente do gênero associativo. Todavia, a diferença está na concepção de partilha, isto é, do que é posto em comum, pois numa comunidade as relações entre as pessoas têm um estilo mais denso e um conteúdo mais amplo e mais pessoal do que numa equipe.

20 GONDAL, Marie-Louise, obra citada

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"Posto que Jesus Cristo é seu único fundamento, a comunidade cristã não é uma realidade de ordem psíquica, mas de ordem espiritual. E nisso ela se distingue de todas as outras formas de comunidade. 'Espiritual', segundo a Bíblia, é o que vem do Espírito Santo, que é quem nos faz reconhecer Jesus Cristo como Senhor e Salvador. Por 'psíquico ', a Bíblia entende, ao contrário, tudo aquilo que, em nossas almas, é a expressão de nossos desejos, de nossas virtudes e de nossas possibilidades naturais”.21

Existem fatores a serem considerados quando tomamos a comunidade em relação a conjuntos numericamente mais importantes e de estrutura menos delimitada. É o caso que ocorre com o povo (uma determinada etnia, ou o povo de Deus), que se exprime através de uma consciência de pertença e co-responsabilidade, de uma história comum que serve como referência, ou de uma língua comum; mas, como tal, o povo não chega a constituir propriamente uma comunidade, pois é por natureza muito numeroso e não pode ser fisicamente reunido.

Também o que chamamos de “público”, ou seja, um conjunto humano relativamente indeterminado cuja unificação se dá ou por interesses comuns ou pelas estratégias da mídia, (público de um filme ou de uma rede de televisão ou "o grande público", ou ainda "público-alvo") que é por natureza mais delimitado, não forma uma comunidade, embora em seu meio existam correntes de opinião e determinadas conivências.

Não podemos chamar de comunidades certas organizações sociais ou eclesiais que procuram suscitar e manter entre seus membros uma consciência comum e certa solidariedade (empresas, escolas, organizações não-governamentais etc), pois em geral são organismos de grandes dimensões, e as relações entre seus membros são principalmente de natureza funcional. Talvez possam ser consideradas como comunidades no sentido mais amplo.

Aliás, é o que costuma ocorrer quando uma comunidade se desenvolve e se dissemina, dando origem a outras comunidades e guardando a designação de comunidade para identificar o conjunto (esta forma é identificada como “rede”). É compreensível que se queira preservar uma linguagem comunitária, própria ao grande grupo (por exemplo: Igreja de "comunhão"). Mas uma rede de comunidades não é exatamente uma comunidade no sentido próprio, mesmo quando o que a anima é o espírito comunitário.

f) Comunidade paroquial

Necessariamente temos que citar, mesmo que sucintamente, o problema que é despertado pela paróquia. Alguns anos atrás, muitos cristãos sonhavam com "paróquias comunitárias", e hoje em dia continua-se a ver a paróquia como uma comunidade. Mas, observando as coisas mais de perto, o que se percebe é que a paróquia, principalmente a urbana, não vai muito além daquela forma ampliada e genérica de comunidade de que já falamos. Por um tempo, é bem possível que se tenha sonhado reencontrar na cidade o tipo de relações que antes existia na paróquia rural, mas mesmo esta não era propriamente uma comunidade no sentido que hoje se dá à palavra.

"A paróquia atual não é, em sentido verdadeiro, uma comunidade. Ela não pode ser uma comunidade propriamente dita porque mesmo o número de seus membros, demasiado grande, serve de obstáculo e impede que eles realmente se conheçam, mantenham relações verdadeiramente humanas e, a fortiori, possam trocar idéias e experiências no nível da vida espiritual e da fé”.22

A Igreja local (paróquia) não é parcela da Igreja no sentido exato do termo; trata-se antes de modalidade organizatória da Igreja particular com o objetivo de melhor satisfazer às tarefas pastorais. Sob este prisma de sua origem, a paróquia cuidava de três encargos: administração do batismo, celebração da eucaristia e assistência aos indigentes. O âmbito de sua competência dependia da densidade populacional. Crescendo a influência do sistema feudal, a paróquia também adotava traços feudalistas expressos na circunscrição territorial de sua jurisdição, nos bens materiais e na administração dos bens espirituais necessários para a salvação (sacramentos e sacramentais).

21 BONHEFFER, Dietrich – Sobre a vida comunitária.22 LÉGAUT, Marcel – “Mutation de l’Église et converion personelle”, Aubier, 1975, citado por Schillebeeckx, Edward, in “Por uma Igreja mais humana”, Edições Paulinas, 1989

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“Um dos distintivos da paróquia é a centralização da administração dos sacramentos, a insistência sobre o múnus presbiteral e a sua jurisdição delegada da parte do bispo, pelo que o pároco funcionava como intermediário entre bispo e do povo, sendo este delimitado territorialmente a um só lugar de administração da salvação e da atividade religiosa, cabendo-lhe papel bastante passivo. A finalidade da organização era abarcar, em nome da religião, o Povo de Deus dentro da estrutura patriarcal e do sistema feudal de produção para santificar-lhe a vida apostolicamente. Esta finalidade era atingida realmente durante séculos em seguida”.23

Atualmente são muitos documentos oficiais e teólogos que abordam a grave crise deste modelo pastoral: "Em nossa pátria, por causa da vasta extensão das paróquias e escassez de clero e pouca influência da renovação eclesial, propiciada pelo Concílio de Trento, além de outros fatores tais como a originalidade da formação de nossas cidades e dos métodos de evangelização nelas empregados, a paróquia viu-se enfraquecida na eficácia da ação evangelizadora, apresentando deficiências que progressivamente foram se agravando, atingindo uma fase mais crítica no período da atual caminhada da Igreja... Este sistema tem funcionado com certa eficácia nas cidades pequenas e médias, segundo cada região. Entretanto, o atual fenômeno da urbanização com suas características próprias não deixa de questionar a estrutura e o sistema paroquiais".24

O homem urbano já vive num ambiente social abrangente de todas as áreas de sua vida. As múltiplas implicâncias sociais asseguram ao indivíduo as mais variadas opções capazes de lhe estimular a liberdade pessoal. A paróquia tradicional, comprovada como instância controladora e totalitária, é rejeitada instintivamente. Em seu lugar, o homem busca outros agrupamentos e comunidades para fazer frente à quantidade das possíveis realizações. "Portanto precisamos prever para o futuro vários tipos de laços comunitários e vários tipos de pertença à Igreja por meio da pertença aos grupos. Cada pertença será limitada, cada comunidade será especializada e capacitada para responder a um tipo de necessidades cristãs. A harmonia na multiplicidade fará a configuração da Igreja de amanhã".25

Os fatores concretos da transformação e da diferenciação da população, a dependência dos modelos de organização técnica e econômica, a discriminação dos cidadãos segundo a profissão, a cultura, a residência, os lazeres e as ideologias — arrastaram o homem ao isolamento até a marginalização, sugerindo, por outro lado, o desejo de solidariedade e participação ativa no processo sociológico. Esse comportamento reflete, na comunidade paroquial, o desejo de uma “comunidade mais humana” e possível aos fiéis. São estes mesmos fatores que põem em xeque a estrutura paroquial, que reclama "uma séria revisão do sistema paroquial com seu território, matriz e grupos atuantes".26

O critério territorial conserva a sua legitimidade por ser a "igreja" o ponto de convergência das comunidades, dos líderes e dos ministros hierárquicos. Ao seu lado está surgindo o princípio pessoal que congrega uma comunidade paroquial portadora dos interesses e objetivos comuns, independentemente da residência de cada um (a paróquia por opção). A paróquia transforma-se então numa "rede de grupos organizados" que abriga espontaneamente aquelas pessoas cujas aspirações religiosas combinam com este ou aquele grupo. Estes agrupamentos (aqui vemos o sentido das “comunidades e Grupos de Oração”) necessitam da função integrante da paróquia, a fim de que seja renovadas a sua dimensão apostólica e missão missionária no seio da Igreja, e orientada em vista da vida total da Igreja. Sem essa precaução, os ditos grupos cairiam inevitavelmente no perigo do isolamento.

“Entre os encargos mais urgentes sobressai a promoção das comunidades no intuito da tarefa especial e do exercício de seus carismas, bem como da formação de lideranças idôneas e indispensáveis para um apostolado leigo harmonioso”27.

“A paróquia reúne em si duas realidades eclesiais: unificada na tradição apostólica, ela cria comunidades que ostentam uma convivência fraternal no espírito evangélico, celebrando a

23 PIEPKE, Joaquim G. Svd, “A Igreja voltada para o homem”, Edições Paulinas, 198624 COMBLIN, José, “Utopia da comunidade paroquial", em Pastoral urbana, pp. 787-789; Pastor, “Crise da paróquia” em Paróquia, pp. 25-27.25 COMBLIN, José, “Pastoral urbana”, p. 79226 CNBB Sul I, Pastoral, p. 1327 Piepke, Joaquim G. svd, “A Igreja voltada para o homem”, Edições Paulinas, 1986

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presença salvífica de Deus em meio ao dia-a-dia (1). Ela alarga o horizonte do Povo de Deus universal, missionário e responsável pelo mundo, agregando-o ao ministério hierárquico do Povo de Deus, atribuindo-lhe segurança institucional, deduzida da filiação divina na morte e ressurreição de Jesus Cristo, superposta aos vínculos humanos da solidariedade (2)”.28

g) Grupo de Oração, Reunião de Oração e Comunidade.

Grupo de Oração

Aqui cabe uma distinção entre Grupo de Oração e Reunião de Oração. Nem toda Reunião de Oração é um Grupo de Oração.

O conceito GRUPO envolve dimensões comunitárias, ou seja, da formação de uma comunidade, como já vimos acima. As Reuniões de Oração (que nós chamamos de Grupos de Oração) são promovidas por este Grupo Comunitário ou pela Comunidade, sendo expressão de sua vida e “porta” para aqueles que querem participar desta experiência.

O conceito de Grupo “implica na consciência de interesses comuns (comunitários) e no reconhecimento da interdependência” e na solidariedade (co-responsabilidade) Estes elementos podem ser chamados de fraternidade. Ainda “grupo é um todo dinâmico, em movimento, por fazer-se, com relações de partilha e co-responsabilidade entre os seus membros.”29

Este mesmo conceito de Grupo como comunidade orienta toda a reflexão de Bert Ghezzi no livro “Se o Senhor não construir”, Edições Paulinas – 1976, onde na pág 75, afirma que “A reunião de oração é o coração do Grupo de Oração”. Portanto concluímos que o Grupo de Oração precisa ser uma expressão de comunidade, ou melhor, de uma experiência de vida de comunidade, sendo este seu objetivo. A mesma visão leva o Cardeal Paul Cordes a considerar os Grupo de Oração como uma forma de vida comunitária ao lado das “novas comunidades”.30

A reunião do Grupo de Oração (grupo no sentido afirmado acima) está fundamentada na promessa de nosso Senhor que "onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles" (Mt 18,20). Sua finalidade é proporcionar e aprofundar a experiência do encontro pessoal com Jesus Cristo que se faz pelo derramamento do Espírito Santo.

Reunião de Oração

As Reuniões de Oração são expressões de um Grupo de Oração e servem para manifestar a vida comunitária gerada pela experiência do Espírito Santo, sendo, ao mesmo tempo, uma oportunidade de inserção nesta mesma comunidade para todo participante.

Este Grupo de Oração, considerando suas relações internas, solidariedade (co-responsabilidade), empenho em tarefas e objetivos comuns e, sobretudo, participante de uma experiência religiosa – espiritual comum, pode ser chamado de “comunidade” ou ainda, o “princípio de uma comunidade”.

A reunião do Grupo de Oração é uma reunião semanal de uma comunidade que procura levar uma vida cristã intensa no mundo moderno. É no encontro de oração que esta comunidade se reúne para compartilhar suas experiências, dar e receber estímulos, e evangelizar e acolher os novos participantes. Tem características que a distinguem da maioria das reuniões de cristãos:

Jesus é o centro de atenção do encontro de oração. Tudo que se diz e tudo que se faz é dito e feito pela fé em Jesus como Senhor e com uma convicção profunda da sua presença. É um encontro onde há muita liberdade, cantos, gestos, ensinamento, louvor, oração espontânea, petição etc. Tudo tem o seu sentido.

Não é um acontecimento unilateral em que os homens fazem tudo. Deus age por seu Santo Espírito, comunicando seus dons e inspirando a oração e as atividades na reunião. Na reunião Deus fala aos homens: Sagrada Escritura, ensinamentos, acontecimentos da vida diária, e dons carismáticos. São estes dons especialmente que tornam nossos encontros de oração únicos.

Bert Ghezzi

28 idem29 Sartre, Jean Paul (1978) – citado em Liderança , aprenda a mudar em Grupo,de Maria Gayotto e Ideli Domingues, Editora Vozes, 1996, pág. 22.30 Cordes, Cardeal Paul, Reflexões sobre a Renovação Carismática Católica, Edições Loyola, 1999

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A seguir um trecho do livro de Bert Ghezzi, pois que são bem oportunas suas considerações:

O cristianismo, por vontade de Deus, é um sistema de relacionamento entre irmãos do Senhor. Quando Jesus orou pela nossa unidade "a fim de que todos sejam um" ( Jo 17, 21 ) e nos mandou amar uns aos outros como ele nos amou "dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros" ( Jo 13,34 ), ele não estava falando de algo invisível ou abstrato. Estava chamando-nos para formar um corpo que todas as pessoas pudessem ver. Era sua intenção que as pessoas viessem a acreditar que o Pai o tinha enviado, observando a qualidade de nosso relacionamento de uns com os outros. Os grupos de oração carismáticos estão vivendo uma renovação desta dimensão da vida da Igreja e prometem renová-la em todo o cristianismo.

Não é fácil construir um relacionamento fraterno, mas o Senhor nos deu recursos poderosos com os quais o podemos fazer. Os grupos de oração deverão despender o máximo de esforço para ajudar os membros a aprender s se amarem mutuamente, uma vez que o amor é a finalidade da vida cristã.

Os grupos de oração podem dar uma grande contribuição à renovação da Igreja empregando fielmente todos os meios possíveis de promover o relacionamento pessoal entre os seus membros.

Os grupos de oração são ambientes que ajudam as pessoas a amarem o Senhor e a amarem seus irmãos. Todas as reuniões e atividades do grupo devem destinar-se a levar as pessoas a progredir no amor. Os membros do grupo de oração nunca devem considerar as reuniões como obrigações, mas como oportunidades de aperfeiçoar o seu relacionamento pessoal. Assim as equipes de dirigentes devem considerar bem os esquemas dos encontros do grupo e das suas e das suas atividades para se certificar que o amor, não o encontro é a finalidade do grupo de oração. .31

31 Ghezzi, Bert, Se o Senhor não construir, Edições Paulinas, 1976, pag 147 e 148

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