BENJAMIN, Walter - sobre o conceito de história - COM ANOTAÇOES

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  • 7/27/2019 BENJAMIN, Walter - sobre o conceito de histria - COM ANOTAOES

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    W ALTER BEN JAM I N

    MAGIA E TCNICA,ARTE E POLTICAENSA I O S SOB RE UTERA TURA

    E H I STOR I A D A CU L T UR A

    O B R A S E S C O L H I D A SV O L UM E 1

    traduo:Sergio Paulo Rouanetprefcio:Jeantte Marie Gagnebin

    editora brasiliense

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    Sobre o conceitoda histria

    Conhecemos a histria de um autmato construdo detal modo que podia responder a cada lance de um jogador dexadrez com um contralance, que lhe assegurava a vitria. U mfantoche vestido turca, com um narguil na boca , sentava-sediante do tabuleiro, coloca :o numa grande mesa. U m sistemade espelhos criava a iluso de que a mesa era totalmente visvel, em todos os seus pormenores. Na realidade, um anocorcunda se escondia nela, um mestre no xadrez, que dirigiacom cordis a mo do fantoche. Podemos imaginar uma contrapartida filosfica desse mecanismo. O fantoche chamado"materialismo histrico" ganhar sempre. Ele pode enfrentarqualquer desafio, desde que tome a seu servio a teologia.Hoje, ela reconhecidamente pequena e feia e no ousa mostrar-se.

    2"Entre os atributos mais'surpreendentes da alma humana", diz Lotze, "est, ao lado de tanto egosmo individual,uma ausncia geral de inveja de cada presente com relao aseu futuro". Essa reflexo conduz-nos a pensar que nossaimagem da felicidade totalmente marcada pela poca quenos foi atribud a pelo curso da nossa existncia. A felicidad e

    MAGIA E TCNICA, ARTE E POLITICA 223capaz de suscitar nossa inveja est toda, inteira, no ar que jrespiramos, nos homens com os quais poderamos ter conversado, nas mulheres que poderamos ter possudo. Em outraspalavras, a imagem da felicidade est indissoluvelmente ligada da salvao. O mesmo ocorre com a imagem do passado, que a histria transforma em coisa sua. O passado trazconsigo um ndice misterioso, que o impele redeno. Poisno somos tocados por um sopro do ar que foi respiradoantes? No existem, nas vozes que escutamos, ecos de vozesque emudeceram? N o tm as mulheres que cortejamos irmsque elas no chegaram a conhecer? Se assim , existe umencontro secreto, marcado entre as geraes precedentes e anossa. Algum na terra est nossa espera. Nesse caso, comoa cada gerao, foi-nos concedida uma frgil fora m essinicapra a qual o passado dirige um apeio. Esse apelo no podeser rejeitado impunemente. O materialista histrico sabe disso.

    3O cronista que narra os acontecimentos, sem distinguirentre os grandes e os pequenos, leva em conta a verdade deque nada do que um dia aconteceu pode ser considerado p erdido para a histria. Sem dvida, somente a humanidaderedimida poder propriar-se totalmente d o seu passado. Issoquer dizer: somente para a hum anidade redim ida o passado citvel, em cada um dos seus momentos. Cada momento vivido transforma-se numa citation l'ordre du jour e essedia ustamen te o do juzo final.

    4"Lutai primeiro pela alimentao e pelo vesturio, e emseguida o reino de Deus vir por si mesm o". Hegel, 1807

    A luta de classes, que um historiador educado por Ma rxjamais perde de vista, uma luta pelas coisas brutas e materiais, sem as quais no existem as refinadas e espirituais.

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    WALTER BENJAMINMas na luta de classes essas coisas espirituais no podem serrepresentadas como despojos atribudos ao vencedor. Elas semanifestam nessa luta sob a forma da confiana, da coragem,do humor, da astcia, da firmeza, e agem de longe, do fundodos tempos. Elas questinaro sempre cada vitria dos d ominadores. Assim com o as flores dirigem sua corola para o sol, opassado, graas a um misterioso heliotropismo, tenta dirigir-se para o sol que se levanta no cu da histria. O materialismohistrico deve ficar atento a essa transformao, a mais imperceptvel de todas.

    5A verdadeira imagem do passado perpassa, veloz. O passado s se deixa fixar, como imagem que relampeja irreversivelmente, no momen to em que reconhecido. " A verdadenunca nos escapar " essa frase de Go ttfried Ke ller carac

    teriza o ponto exato em que o historicismo se separa do m aterialismo histrico. Pois irrecupervel cada imagem do presente que se dirige ao presente, sem que esse presente se sintavisado por ela.

    6Articular historicamente o passado no significa conhec-lo "com o ele de fato foi ". Significa apropriar-se de uma reminiscncia, tal como ela relampeja no momento de um perigo.Cabe ao m aterialismo histrico fixar'uma imagem do passado,como ela se apresenta, no m omento do perigo, ao sujeito his

    trico, sem que ele tenha conscincia disso. O perigo ameaatanto a existncia da tradio como os que a recebem. Paraambos, o perigo o mesmo: entregar-se s classes dominantes, como seu instrumento. Em cada poca , preciso arrancara tradio ao conformismo, que quer apoderar-se dela. Pois oMessias no vem apenas como salvador; ele vem tambmcomo o vencedor do Anticristo. O dom de despertar no passado as centelhas da esperana privilgio exclusivo do historiador convencido de que tambm os mortos no estaro em

    MAG IA E TCNICA . ARTE E POLITICA 225tKwn i i i a se o inimigo vencer. E esse inimigo no tem cessadode vencer.

    7"Pensa na escurido e no grande frioQue reinam nesse vale, onde soam lamentos."Brecht. O p e r a do s r vi n ts

    Fustel de Coulanges recomenda ao historiador interessado em ressuscitar uma poca que esquea tudo o que sabesobre fases posteriores da histria. Impossvel caracterizarmelhor o mtodo com o qual rompeu o materialistmo histrico. Esse mtodo o da empatia. Sua ofigem a inrcia docorao, a acedia, que desespera de apropriar-se da verdadeira imagem histrica, em seu relampejar fugaz. Para os telogos medievais, a acedia era o prime iro fundamento da tristeza. Flaubert, que a conhecia, escreveu: "Peu de gens devi-neront combien il a faliu tre triste pour ressusciter Car-thage". A natureza dessa tristeza se tornar mais clara se nosperguntarmos com quem o investigador historicista estabeleceuma relao de empatia. A resposta inequvoca: com o vencedor. O ra, os que num. mom ento dado dominam so os herdeiros de todos os que venceram antes. A empatia com O vencedor beneficia sempre, portanto, esses dominadores. Isso diztudo para o materialista histrico. Todos os que at hoje venceram participam do cortejo triunfal, em que os dominadoresde hoje espezinham os corpos dos que esto prostrados nocho. Os despojos so carregados no cortejo, como de pra xe.Esses despojos so o que chamamos bens culturais. O materialista histrico os contempla com distanciamento. Pois todosos bens culturais que ele v tm uma origem sobre a qual eleno pode refletir sem horror. Devem sua existncia no somente ao esforo dos grandes gnios que os criaram, com o corvia annima dos seus contemporneos. N unca houve ummonumento da cultura que no fosse tambm um monum entoda barbrie. E, assim com o a cultura no isenta de barb rie,no o , tampouco, o processo de transmisso da cultura. Porisso, na medida do possvel, o materialista histrico se desviadela. Considera sua tarefa escovar a histria a contrapelo.

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    A tradio dos oprimidos nos ensina que o "estado deexceo" em que vivemos na verdade a regra geral. Precisamos construir um conceito de histria que corresponda aessa verdade. Nesse momento, perceberemos que nossa tarefa originar um v erdadeiro estado de exceo; com isso, nossaposio ficar mais forte na luta contra o fascismo. Este sebeneficia da circunstncia de que seus adversrios o enfrentam em nome do progresso, considerado como uma norma histrica. O assombro com o fato de que os episdios que vivemosno sculos XX "ainda" sejam possveis, no um assombrofilosfico. Ele no gera nenhum conhecimento, a no ser oconhecimento de que a concepo de histria da qual emanasemelhante assombro insustentvel.

    9"Mi nha s asas esto prontas para o vo,Se pudesse, eu retrocederiaPois eu seria m enos felizSe permanecesse imerso no tempo vivo."Gerhard Scholem, Sa ud ao d o an j o

    H um quadro de Klee que se chama Angelus Novus.Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo queele encara fixam ente. Seus olhos esto escancarados, sua bocadilatada, suas asas abertas. O anjo da histria deve ter esseaspecto. Seu rosto est dirigido para o passado. Onde nsvemos uma cadeia de acontecimentos, ele v uma catstrofenica, que acumula incansavelmente runa sobre runa e asdispersa a nossos ps. El e gostaria de deter-se para acordar osmortos e juntar os fragmentos. M as um a tempestade sopra doparaso c prende-se em suas asas com tanta fora que ele nopode mais fech-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto oamontoado de runas cresce at o cu. Essa tempestade oque chamamos progresso.

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    Os temas que as regras do claustro impunham meditao dos monges tinham com o funo desvi-los do mundo edas suas pompas. Nossas reflexes partem de uma preocupao semelhante. Neste momento, em que os polticos nosquais os adversrios do fascismo tinham depositado as suasesperanas jazem por terra e agravam sua derrota com a traio sua prpria causa, temos que arrancar a poltica dasmalhas do mundo profano, em que ela havia sido enredadopor aqueles traidores. Nosso ponto de partida a idia de qu ea obtusa f no progresso desses polticos, sua confiana no"apoio das massas" e, finalmente, sua subordinao servil aum aparelho incontrolvel so trs aspectos da mesma realidade. Estas reflexes tentam mostrar como alto o preo quenossos hbitos mentais tm que pagar quando nos associamosa uma concepo da histria que recusa toda cumplicidadecom aqu ela qual continuam aderindo esses polticos.

    11O conformismo, que sempre esteve em seu elemento nasocial-democracia, no condiciona apenas suas tticas polticas, mas tambm suas idias econmicas. E uma das causasdo seu colapso posterior. N ada foi mais corruptor para a classe operria alem que a opinio de que ela nadava com acorrente. O desenvolvimento tcnico era visto como o decliveda corrente, na qual ela supunha estar nadando. Da s haviaum passo para crer que o trabalho industrial, que apareciasob os traos do progresso tcnico, representava uma grande

    conquista poltica. A antiga moral protestante do trabalho,secularizada, festejava uma ressurreio na classe trabalhadora alem. O Programa de Gotha j continha elementosdessa confuso. Nele, o trabalho definido como "a fonte detoda riqueza e de toda civiliz ao ". Pressentindo o pior, M arxreplicou que o homem que no possui outra propriedade que asua fora de trabalho est condenado a ser ''o escravo deoutros homens, que se tornaram... proprietrios". Apesardisso, a confuso continuou a propargar-se, e pouco depoisJosef Dietzgen anunciava: " O trabalho o Redentor dos

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    228 WALTER BENJAMINtempos modernos... No aperfeioamento... do trabalho residea riqueza, que agora pode realizar o que no foi realizado pornenhum s alvador". Esse conceito de trabalho, tpico do m arxismo vulgar, no examina a questo de como seus produtospodem beneficiar trabalhadores que deles no dispem. Seuinteresse se dirige apenas aos progressos na dominao danatureza, e no aos retrocessos na organizao da sociedade.J esto visveis, nessa concepo, os traos tecnocrticos quemais tarde vo aflorar no fascismo. Entre eles, figura umaconcepo da natureza que contrasta sinistramente com asutopias socialistas anteriores a maro de 1848. O trabalho,como agora com preendido, visa uma explorao da natureza,comparada, com ingnua complacncia, explorao do proletariado. A o lado dessa concepo positivista, as fantasias deum Fourier, to ridicularizadas, revelam-se surpreendentemente razoveis. Segundo Fourier, o trabalho social bemorganizado teria entre seus efeitos que quatro luas iluminariam a noite, que o gelo se retiraria dos plos, que a guamarinha deixaria de ser salgada e que os animais predatriosentrariam a servio do homem. Essas fantasias ilustram umtipo de trabalho qu e, longe de explorar a natureza, libera ascriaes que dormem, como virtualidades, em seu ventre. A oconceito corrompido de trabalho corresponde o conceito complementar de uma natureza, que segundo Dietzgen, "es t ali,grtis".

    12"Precisamos da histria, mas no como precisam delaos ociosos que passeiam no jardim da cincia."

    Nietzsche, Van t a g e n s e desvan tagens d a h i s t r i ap a r a a v i d aO sujeito do conhecimento histrico a prpria classecombatente e oprimida. Em Ma rx, ela aparece como a ltimaclasse escravizada, como a classe vingadora que consuma atarefa de libe rtao em nome das geraes de derrotados. Essaconscincia, reativada durante algum tempo no movimentoespartaquista, foi sempre inaceitvel para a social-democracia.Em trs decnios, ela quase conseguiu extinguir o nome de

    MAGIA E TCNICA, ARTE E POLITICABlanqui, cujo eco abalara o sculo passado. Preferiu atribuir classe operria o papel de salvar geraes futuras. Com isso,ela a privou das suas melhores foras. A classe operria desaprendeu nessa escola tanto o dio como o esprito de sacrifcio. Porque um e outro se alimentam da imagem dos antepassados escravizados, e no dos descendentes liberados.

    13"Noss a causa est cada dia mais clara e o povo cada diamais esclarecido."Josef Dietzgen, F i l oso f i a soc i a l - democ ra t a

    A teoria e, mais ainda, a prtica da social-democraciaforam determinadas por um conceito dogmtico de progressosem qualquer vnculo com a realidade. Segundo os social-democratas, o progresso era, em p rimeiro lugar, um progressoda humanidade em si, e no das suas capacidades e conhecimentos. Em segundo lugar, era um processo sem limites, idiacorrespondente da perfectibilidade infinita do gnero humano. Em terceiro lugar, era um processo essencialmenteautomtico, percorrendo, irresistvel, uma trajetria em flecha ou em espiral. Cada um desses atributos controvertido epoderia ser criticado. M as, para ser rigorosa, a crtica precisair alm deles e concentrar-se no que lhes comum . A idia deum progresso da humanidade na histria inseparvel daidia de sua marcha no interior de um tempo vazio e homogneo. A crtica da idia do progresso tem com o pressuposto acritica da idia dessa marcha.

    14"A Origem o Alvo."Karl Kraus, Pa l a v r a s em verso

    A histria objeto de uma construo cujo lugar no otempo homogneo e vazio, mas um tempo saturado de *'ago-ras" . Assim , a Roma antiga era para Robespierre um passado

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    230 WALTER BENJAMINcarregado de "agor as", que ele fez explodir do continuum dahistria. A Revoluo Francesa se via como uma Roma res-surreta. Ela citava a Roma antiga como a moda cita um vesturio antigo. A moda tem um faro para o atual, onde querque ele esteja na folhagem do antigamente. Ela um salto detigre em direo ao passado. Somente, ele se d numa arenacomandada pela classe dominante. O mesmo salto, sob o livrecu da histria, o salto dialtico da Rev oluo, com o o concebeu Marx .

    15A conscincia de fazer explodir o continuum da histria prpria s classes revolucionrias no momento da ao. AGrande Rev oluo introduziu um novo calendrio. O dia como qual comea um novo calendrio funciona como um acelerador histrico. No fundo, o mesmo dia que retorna sempresob a forma dos dias feriados, que so os dias da reminiscncia. Assim, os calendrios no marcam o tempo do mesmomodo que os relgios. Eles so monumentos de uma conscincia histrica da qual no parece mais haver na Europa, hcem anos, o mnim o vestgio. A Revoluo de julho registrouainda um incidente em que essa conscincia se manifestou.Terminado o primeiro dia de combate, verificou-se que emvrios bairros de Paris, independentes uns dos outros e namesma hora, foram disparados tiros contra os relgios localizados nas torres. Uma testemunha ocular, que talvez deva rima a sua intuio proftica, escreveu:

    "Qu i le cro irait! on dit qu'irrits contre l'heureDe nouveaux Josus, au pied de chaque tour,Tiraient sur les cadrans pour arrter le jo ur. "

    16O materialista histrico no pode renunciar ao conceitode um presente que no transio, mas pra no tempo e seimobiliza. Porque ese conceito define exatamente aquele presente em que ele mesmo escreve a histria. O historictsta apre-

    MAGIA E TCNICA, ARTE E POLTICAsenta a imagem " eter na" do passado, o materialista histricofaz desse passado uma experincia nica. Ele deixa a outros atarefa de se esgotar no bordel do historicismo, com a meretriz "era uma vez". Ele fica senhor das suas foras, suficientemente viril para fazer saltar pelos ares o continuum dahistria.

    17O historicismo culmina legitimamente na histria universal. Em seu mtodo, a historiografia materialista se distancia dela talvez mais radicalmente que de qualquer outra. Ahistria universal no tem qu alquer armao terica. Seu procedimento aditivo. Ela utiliza a massa dos fatos, para comeles preencher o tempo homogneo e vazio. Ao contrrio, ahistoriografia marxista tem em sua base um princpio construtivo. Pensar no inclui apenas o movimento das idias, mastambm sua imobilizao. Q uando o pensamento pra, bruscamente, numa configurao saturada de tenses, ele lhescomunica um choque, atravs do qual essa configurao secristaliza enquanto mnada. O materialista histrico s seaproxima de um objeto histrico quando o confronta enquanto mnada. Nessa estrutura, ele reconhece o sinal deunia imobilizao m essinica dos acontecimentos, ou, d ito deoutro modo , de uma oportunidade revolucionria de lutar porum passado oprimido. Ele aproveita essa oportunidade paraextrair uma poca determinada do curso homogneo da histria; do mesmo modo, ele extrai da poca uma vida determinada e, da obra composta durante essa vida, uma obradeterminada. Seu mtodo resulta em que na obra o conjuntoda obra, no conjunto da obra a poca e na poca a totalidadedo processo histrico so preservados e transcendidos. O frutonutritivo do que compreendido historicamente contm emseu interior o tempo , como sementes preciosas, mas inspidas.

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    "Com parado s com a histria da vida orgnica na Te rra ",diz um bilogo contemporneo, "os mseros 50000 anos do

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    WALTER BENJAMINHomo sapiens representam algo com o dois segundos ao fim deum dia de 24 horas. Por essa escala, toda a histria da humanidade civilizada preencheria um quinto do ltimo segundoda ltima hora." O "agora", que como modelo do messinicoabrevia num resumo incomensurvel a histria de toda ahumanidade, coincide rigorosamente com o lugar ocupado nouniverso pela histria humana.

    Ap n d i ce1

    O historicismo se contenta em estabelecer um nexo causal entre vrios momentos da histria. Mas nenhum fato,meramente por ser causa, s por isso um fato histrico. Elese transforma em fato histrico postumamente, graas a acontecimentos que podem estar dele separados por milnios. Ohistoriador consciente disso renuncia a desfiar entre os dedosos acontecimentos, com o as contas de um rosrio. Ele capta aconfigurao em que sua prpria poca entrou em contatocom uma poca anterior, perfeitamente determinada. Comisso, ele funda um conceito do presente como um "agora" noqual se infiltraram estilhaos do messinico.

    2Certamente, os adivinhos que interrogavam o tempo parasaber o que ele ocultava em seu seio no o experimentavamnem como vazio nem como homogneo. Quem tem em mente

    esse fato, poder talvez ter uma idia de como o tempo passado vivido na rememorao: nem como vazio, nem comohomogneo. Sabe-se que era proibido aos judeus investigar ofuturo. Ao contrrio, a Tora e a prece se ensinam na rememorao. Para os discpulos, a rememorao desencantava ofuturo, ao qual sucumbiam os que interrogavam os adivinhos.Mas nem por isso o futuro se converteu para os judeus numtempo homogneo e vazio. Pois nele cada segundo era a portaestreita pela qual podia penetrar o Messias.1 9 4 0