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BOLETIM TÉCNICO IFT #08 Marco Estratégico: um método organizacional para estruturação de empreendimentos florestais comunitários Elias Santos Serejo¹; Ana Carolina C. Vieira²; Ana Luiza V. Espada³; Iran Paz Pires 4 ¹ Jornalista. Especialista em Jornalismo Empresarial e Assessoria de Imprensa (UGF). Mestrando em Comunicação Lingua- gens e Cultura (Unama). Jornalista Ambiental do IFT. E-mail: [email protected]; ²Engenheira Florestal. Mestre em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável na Amazônia (UFPA). Coordena- dora do Programa Florestas Comunitárias do IFT. E-mail: [email protected]; ³ Engenheira Florestal. Mestre em Gestão dos Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia (UFPA). Doutoranda em Recursos Florestais e Conservação (Universidade da Florida). Pesquisadora associada do IFT. E-mail: [email protected]; 4 Engenheiro Florestal. Mestre em Ciências Florestais (UFRA); Secretário Executivo (interino) do IFT. E-mail: [email protected]; Existem grandes desafios para a efetiva- ção do uso dos recursos naturais da Ama- zônia de forma sustentável por moradores tradicionais das florestas. Isso porque, em geral, as populações inseridas no contexto das florestas nativas ainda estão expostas a um baixo nível de apoio em termos de políticas públicas para estruturação de negócios sustentáveis. Boa parte dessas populações luta pela efetivação do mane- jo florestal sustentável e busca parcerias como forma de tornar o extrativismo uma alternativa de geração de renda e bem-es- tar social. No cerne dessa discussão nas- cem novos olhares para a floresta, desta vez com uma visão voltada para aqueles que vivem dela e para ela. É com este olhar que o Instituto Flores- ta Tropical (IFT) atua diretamente em três Unidades de Conservação federal de Usos Sustentável da modalidade Reserva Extra- tivista (Resex): Mapuá, localizada no mu- nicípio de Breves (PA), no arquipélago do Marajó; Verde para Sempre, localizada no município de Porto de Moz (PA); e Ituxi, em Lábrea (AM). Nessas localidades, a parceria entre IFT e os povos da floresta excede a expertise técnica-operacional e passa a se estabelecer, também, no âmbi- to do fortalecimento organizacional por meio da aplicação de ferramentas sociais de valorização da cultura local, e engaja- mento dos produtores agroextrativistas de pequena escala na promoção e idealização de negócios comunitários sustentáveis. Entre as estratégias de apoio utilizadas pelo IFT para fortalecer a organização social está a metodologia do Marco Estra- tégico (ME): um planejamento estratégi- co-organizacional que trabalha noções de coletivismo, princípios e diretrizes orga- nizacionais a partir da visão das comuni- dades em relação aos objetivos finalísticos do projeto de manejo florestal comuni- tário. As diretrizes do ME determinam que todo planejamento deve partir da definição daquilo que é estratégico, para depois pensar no operacional. Portanto, seria um movimento natural definir os objetivos e depois implementar ações para atingi-los. Assim, o Marco Estratégico seria um processo de reflexão daquilo que são os objetivos maiores das ações das comunidades em prol do manejo florestal, e por isso contribui com o processo de sensibilização das comunidades para o tra- balho coletivo e apropriação de conceitos e práticas que nortearam toda ação dos empreendimentos comunitários. Com a definição dos objetivos fina- lísticos, as comunidades passam a com- preender melhor o que querem com o manejo florestal e podem refletir sobre o que fazer para alcançar esses objetivos. É nesta proposta de reflexão que se insere o debate sobre planejamento estratégico levantado por Buarque (2002), que define o planejamento como ferramenta para tomada de decisões que organiza ações lógicas e racionais para garantir resultados positivos e conquistar os objetivos. O ME se insere nessa proposta por fomentar nas comunidades o debate reflexivo sobre os traços culturais que os unem, a história APRESENTAÇÃO BOLETIM TÉCNICO IFT 08 Belém - Pará 2017

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BOLETIM TÉCNICO IFT #08Marco Estratégico: um método organizacional para estruturação de empreendimentos florestais comunitários

Elias Santos Serejo¹; Ana Carolina C. Vieira²; Ana Luiza V. Espada³; Iran Paz Pires4

¹ Jornalista. Especialista em Jornalismo Empresarial e Assessoria de Imprensa (UGF). Mestrando em Comunicação Lingua-gens e Cultura (Unama). Jornalista Ambiental do IFT. E-mail: [email protected];²Engenheira Florestal. Mestre em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável na Amazônia (UFPA). Coordena-dora do Programa Florestas Comunitárias do IFT. E-mail: [email protected];³ Engenheira Florestal. Mestre em Gestão dos Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia (UFPA). Doutoranda em Recursos Florestais e Conservação (Universidade da Florida). Pesquisadora associada do IFT. E-mail: [email protected];4 Engenheiro Florestal. Mestre em Ciências Florestais (UFRA); Secretário Executivo (interino) do IFT. E-mail: [email protected];

Existem grandes desafios para a efetiva-ção do uso dos recursos naturais da Ama-zônia de forma sustentável por moradores tradicionais das florestas. Isso porque, em geral, as populações inseridas no contexto das florestas nativas ainda estão expostas a um baixo nível de apoio em termos de políticas públicas para estruturação de negócios sustentáveis. Boa parte dessas populações luta pela efetivação do mane-jo florestal sustentável e busca parcerias como forma de tornar o extrativismo uma alternativa de geração de renda e bem-es-tar social. No cerne dessa discussão nas-cem novos olhares para a floresta, desta vez com uma visão voltada para aqueles que vivem dela e para ela.

É com este olhar que o Instituto Flores-ta Tropical (IFT) atua diretamente em três Unidades de Conservação federal de Usos Sustentável da modalidade Reserva Extra-tivista (Resex): Mapuá, localizada no mu-nicípio de Breves (PA), no arquipélago do Marajó; Verde para Sempre, localizada no município de Porto de Moz (PA); e Ituxi, em Lábrea (AM). Nessas localidades, a parceria entre IFT e os povos da floresta excede a expertise técnica-operacional e passa a se estabelecer, também, no âmbi-to do fortalecimento organizacional por meio da aplicação de ferramentas sociais de valorização da cultura local, e engaja-mento dos produtores agroextrativistas de pequena escala na promoção e idealização de negócios comunitários sustentáveis.

Entre as estratégias de apoio utilizadas pelo IFT para fortalecer a organização

social está a metodologia do Marco Estra-tégico (ME): um planejamento estratégi-co-organizacional que trabalha noções de coletivismo, princípios e diretrizes orga-nizacionais a partir da visão das comuni-dades em relação aos objetivos finalísticos do projeto de manejo florestal comuni-tário. As diretrizes do ME determinam que todo planejamento deve partir da definição daquilo que é estratégico, para depois pensar no operacional. Portanto, seria um movimento natural definir os objetivos e depois implementar ações para atingi-los. Assim, o Marco Estratégico seria um processo de reflexão daquilo que são os objetivos maiores das ações das comunidades em prol do manejo florestal, e por isso contribui com o processo de sensibilização das comunidades para o tra-balho coletivo e apropriação de conceitos e práticas que nortearam toda ação dos empreendimentos comunitários.

Com a definição dos objetivos fina-lísticos, as comunidades passam a com-preender melhor o que querem com o manejo florestal e podem refletir sobre o que fazer para alcançar esses objetivos. É nesta proposta de reflexão que se insere o debate sobre planejamento estratégico levantado por Buarque (2002), que define o planejamento como ferramenta para tomada de decisões que organiza ações lógicas e racionais para garantir resultados positivos e conquistar os objetivos. O ME se insere nessa proposta por fomentar nas comunidades o debate reflexivo sobre os traços culturais que os unem, a história

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dos grupos e qual o tipo de organização que almejam para o negócio florestal.

A metodologia do ME foi aplicada pelo IFT em duas Resex: Ituxi (AM) e Verde para Sempre (PA). Na segunda reserva, foi aplicado especificamente na comuni-dade Itapéua. Neste Boletim Técnico, nos deteremos no processo de aplicação das metodologias do Marco Estratégico e no desenvolvimento do produto comunica-cional oriundo de todo esse processo: o Folder do Marco Estratégico. O objetivo deste boletim é apresentar como se deu a aplicação do ME na perspectiva de fomen-tar o debate sobre a participação coletiva na construção de normas, regras, missões e valores de dois grupos de produtores agro-extrativistas que residem em Unidade de Conservação de Uso Sustentável federal.

O trabalho despertou reflexões entre os comunitários sobre os modos de produção sustentável, mas principalmente sobre os papéis que desempenham na condução dos negócios florestais. Há anos as po-pulações residentes nas Resex lutavam para garantir o direito ao uso dos recursos florestais para fins comerciais. Contudo, a efetivação da atividade florestal legalizada esbarrava em uma série de fatores que incluem: a) o isolamento geográfico – para chegar às comunidades leva-se horas de viagem em embarcação, que pode ser barco ou voadeira, a partir da sede muni-cipal; b) a baixa escolaridade - os comu-nitários possuem limitações em leitura e escrita, muitos apenas assinam o nome; c) a ausência de assistência técnica rural e florestal - os manejadores necessitam de apoio externo para aprimorar a gestão do negócio; d) ausência de conhecimento técnico específico para atender a legislação brasileira que regula a atividade florestal; e) necessidade de aprimorar a organização social, pois no manejo florestal comuni-tário são as próprias comunidades que gerenciam o negócio, desde o planejamen-to, a atividade exploratória em campo até a comercialização do produto.

Reflexões sobre a aplicação do Marco Estratégico são necessárias por elucidar

a tensão interna ocasionada pelos diver-sos problemas citados anteriormente e a relação entre a sustentabilidade da floresta e das pessoas que vivem nesse contexto. O boletim parte da análise de que inclui a observação participativa da aplicação da metodologia em dois diferentes espaços: Projeto Jutaí (Itapéua – Verde para Sem-pre) e Projeto Angelim (Ituxi). Assim, a construção deste boletim é alicerçada na análise crítica dos passos metodológicos utilizados para aplicar o ME e na observa-ção da participação dos comunitários em todas as etapas.

O produto comunicacional resultado do Marco Estratégico é expressado em forma-to de folder que contém a reflexão coletiva sobre o papel do grupo de manejadores – forma como os moradores envolvidos no manejo madeireiro querem ser reconhe-cidos – na gestão do negócio florestal. O folder pode ser visto como uma oportuni-dade ao governo, comunidades e sociedade civil organizada de se debruçarem sobre as necessidades das comunidades que alme-jam ter a atividade legalmente reconhecida, assegurando renda, geração de trabalho para jovens e adultos, benefícios coletivos e, consequentemente, direitos sociais e conservação da biodiversidade amazônica.

Cenários de aplicação do Marco Es-tratégico

Verde para Sempre: a maior Resex do Brasil

Marcado pelos conflitos agrários, Porto de Moz é um dos municípios paraenses com os mais baixos Índices de Desenvol-vimento Humano (IDH) do Pará, com 0,503 . Moradores da região denunciam a ação de madeireiros, fazendeiros, grileiros e especuladores imobiliários, que ocasiona mortes e leva à saída de famílias de suas terras. Este quadro alarmante foi instala-do no município com a intensificação da exploração madeireira após a chegada das serrarias na década de 1980. Outro fator que impulsionou este cenário foi o esgo-tamento das espécies madeireiras explo-radas na várzea. A partir disso, a extração de madeira passou a ser realizada em uma

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distância bem maior dos rios principais, in-cluindo a utilização de maquinário pesado sem o planejamento adequado e o licencia-mento da atividade florestal. A região sofre com ações de degradação dos ecossistemas locais e prejuízos ambientais significativos.

A Resex Verde para Sempre é uma Unidade de Conservação da modalidade Uso Sustentável, ou seja, a conservação da natureza está conciliada ao uso sustentável de parte dos seus recursos naturais. Foi criada em 2004, via decreto federal, com área de 1.289.362,78 hectares, localizada em sua totalidade territorial no município de Porto de Moz, estado do Pará (ICMBio, 2015). Porto de Moz está situado no Baixo Xingu, na mesorregião do Baixo Amazo-nas a 420 km de Belém. O principal acesso ao município é via fluvial, sendo Altamira o município com maior infraestrutura na região entorno.

Segundo informações do Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatística (IBGE) , o município possui 17.423 Km² e uma população de 38.471 habitantes. Cerca de 80% do território municipal corresponde à Resex Verde Para Sempre. Trata-se da maior Unidade de Conservação do Brasil (ICMBio, 2015). A população da Reserva representa 42% dos habitantes do municí-pio (~10 mil habitantes), distribuídos em 57 comunidades e 37 localidades (IBGE, 2000). A maioria desses habitantes concen-tra-se nas comunidades/localidades que se estabeleceram na área de transição entre os ambientes de várzea e de terra firme ou

somente na várzea.

As famílias residentes no interior da Resex Verde para Sempre desenvolvem atividades produtivas como a pesca artesa-nal, a agricultura de subsistência, a criação de animais, o extrativismo de sementes e frutos, a produção de óleos vegetais, resi-nas e artesanato de produtos florestais não madeireiros. As principais fontes de renda das comunidades são a criação de búfalos em pequena escala, e a pesca, desenvolvidas nas áreas de várzea; e a roça tradicional, instalada nas áreas de terra firme. Além desses produtos, a madeira tem um papel importante na economia de algumas das comunidades da Resex Verde para Sempre.

Uma forma de atender às necessidades das populações locais por meio da geração de renda e benefícios sociais é a atividade do manejo florestal, baseada nos princí-pios da sustentabilidade. A exploração dos recursos florestais é parte da rotina produ-tiva da comunidade Itapéua e vem sendo realizada há gerações. O manejo florestal sustentável da madeira é visto por um gru-po de moradores desta comunidade como gerador de renda, emprego e capacitação de mão de obra, além de ser um meio legal de fornecimento de produtos florestais ao comércio local e regional. Em 2016, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) aprovou o Plano de Manejo Florestal sustentável (PMFS) e liberou a Autorização de Exploração (AUTEX) para a execução operacional da exploração madeireira de impacto reduzido. Assim, os manejadores puderam executar a atividade exploratória do manejo madei-reiro.

Resex Ituxi: desmatamento e resistência

O destino final da audaciosa Rodovia Transamazônica - que percorre sete es-tados brasileiros (Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão, Tocantins, Pará e Amazonas) - é a cidade de Lábrea, no Amazonas. Com pouco mais de 37 mil habitantes, está loca-lizada na região sul do estado, e pertence à uma extensa área de conflitos do arco do desmatamento que inclui, ainda, áreas de Rondônia e Acre.

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Figura1: Mapa da Resex Verde para Sempre. Desta-que para Área de Manejo Florestal.

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É neste cenário que está localizada a Reserva Extrativista Ituxi, que integra o espaço territorial de Lábrea. O acesso às principais comunidades que vivem nesta UC é fluvial, em barcos ou voadei-ras. Criada em 2008, a Resex possui área aproximada de 780 mil hectares cobertos de florestas de terra firme e várzea. No último censo demográfico realizado pelo ICMBio, em 2012, foram registrados 564 habitantes distribuídos em 123 famílias e 19 assentamentos humanos. As principais atividades produtivas desenvolvidas pelas comunidades de Ituxi são a coleta da cas-tanha-do-brasil (Bertholletia excelsa), pro-dução de farinha de mandioca e a extração do óleo de copaíba (Copaifera sp.). Além desses produtos, a extração da madeira é uma atividade econômica bastante impor-tante para os moradores. A Resex Ituxi é um dos territórios abrangidos pelo projeto desenvolvido pelo IFT.

A relação entre as comunidades da região e o instituto foi estabelecida em 2012, quando o IFT foi contratado pelo Banco Mundial, em um projeto conduzido pelo ICMBio e Serviço Florestal Brasileiro (SFB) para conduzir algumas capacitações preliminares (técnicas pré-exploratórias do manejo florestal) e para avaliar o potencial para o manejo florestal em quatro Unida-des de Conservação federais da Amazônia. O relatório da avaliação revelou potencial para o desenvolvimento do manejo flores-tal na Resex Ituxi.

Entre os produtos já explorados de

forma sustentável pelos povos que habitam a Resex, estão a castanha--do-brasil, o óleo de copaíba, o pira-rucu, o açaí e a madeira. O trabalho é conduzido pelo Empreendimento Angelim, um grupo de manejadores formado pelos próprios comunitá-rios que fazem a gestão de todo o projeto de manejo florestal. A luta para chegar até a execução do ma-nejo florestal comunitário foi árdua e o projeto do IFT foi propulsor de muitas mudanças que ocorreram dentro da Resex.

Marco Estratégico: reflexão coletiva e o olhar para o futuro

Em 2014, o IFT investiu esforços signi-ficativos no fortalecimento da organização social para a efetivação do manejo florestal comunitário em áreas protegidas como as Unidades de Conservação. O IFT perce-beu que existia nas Resex Ituxi e Verde para Sempre um anseio em usar racional-mente os recursos naturais e, inclusive, um interesse das comunidades em desen-volver cadeias de valor para os principais produtos com os quais os comunitários já trabalhavam em escala familiar. Contudo, as dificuldades encontradas por morado-res da floresta ocasionavam forte erosão das tradições e a migração para as cidades em busca de alternativas para geração de renda. O cenário era desfavorável para a implantação do manejo florestal pois, ape-sar de motivados, os comunitários possuí-am pouco conhecimento sobre os trâmites legais de licenciamento e técnicos para o desenvolvimento da atividade. A partir desta premissa, técnicos e comunitários passaram a discutir um novo modelo de atuação, pautado na troca de conhecimen-tos e fortalecimento de competências que incluía dentre as atividades o desenvolvi-mento do Marco Estratégico.

O Marco Estratégico é um norte, uma diretriz maior que guia as ações e tomadas de decisões das comunidades durante as atividades relacionadas ao manejo florestal ou que dele derivam. O cenário em Ituxi e Verde para Sempre era favorável para a

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Figura 2: Mapa da Resex Ituxi. Destaque para Área de Manejo Florestal.

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construção do Marco, havia a necessidade dos manejadores se organizarem como grupo, para trabalharem juntos o mane-jo florestal comunitário. A finalidade era fortalecer a organização social (pessoas) e institucional (associações e cooperativas) para a gestão do empreendimento florestal e dar visibilidade aos projetos e empre-endimentos comunitários que surgiriam, atraindo com isso, mais parceiros.

Para aplicar a metodologia do Marco Estratégico e alcançar, entre os resultados esperados, um texto que comunique: mis-são, visão de futuro, valores, histórico e público-alvo daquela comunidade, são ne-cessários alguns passos que descrevemos a partir de agora. A priori, adiantamos que a quantidade de atividades e o tempo de construção do ME com as comunidades pode variar de acordo com o planejamen-to de cada facilitador. Nos dois casos em que o IFT atuou como facilitador dos pro-cessos, a construção do ME durou alguns meses, uma média de oito, e necessitou de pelo menos três idas à campo em cada uma das localidades.

O primeiro encontro entre comunida-des e facilitadores ocorre a partir de uma relação pré-estabelecida que possibilita o engajamento dos participantes das oficinas de construção do ME. O IFT contou com a participação de dois engenheiros flores-tais, um sociólogo e um jornalista durante o processo de construção do ME.

É necessário esclarecer que nos dois ca-sos utilizados como objetos de análise da construção do ME, já havia organização social estabelecida (associação comunitá-ria) e a luta pela efetiva regulamentação da atividade produtiva se fazia latente - Ituxi e Verde para Sempre já haviam apresentado Plano de Manejo Florestal Sustentável ao ICMBio. Assim, existia em ambas localidades um grupo de produto-res agroextrativistas que se identificavam com a atividade do manejo florestal e, portanto, funcionavam como um grupo estabelecido. Em Ituxi, o grupo já possuía, inclusive, nomenclaturas específicas para o projeto de manejo florestal comunitá-

rio: o empreendimento chama-se Projeto Angelim. Já na comunidade Itapéua, na Resex Verde para Sempre, a nomenclatura do empreendimento surgiu a partir de um trabalho de produção de identidade visual realizado concomitantemente à elabora-ção do ME que detalharemos no decorrer deste boletim.

Para melhor compreensão do proces-so de construção do Marco Estratégico, desenvolvemos uma trajetória com as seguintes etapas: 1) Observação partici-pante; 2) Entrevistas semiestruturadas; 3) Oficinas (construção do ME; Consolida-ção e devolutiva).

A construção e operacionalização de um Marco Estratégico para comunida-des agroextrativistas:

Etapa 1 – Observação participante

Com raízes epistemológicas na Antropo-logia, a observação participante é o mé-todo por excelência dos estudos de gru-pos e intervenção social que se pretende transformador. De acordo com Fernandes (2015), a observação participante foi reconhecida como técnica de pesquisa no âmbito acadêmico-científico nos primeiros anos do século XX, a partir do trabalho de campo desenvolvido entre 1914 e 1918 por Bronislaw Malinowski autor do clássi-co Os Argonautas do Pacífico Ocidental. A técnica consiste na inserção do pesqui-sador no ambiente estudado, ele precisa ser aceito e participar da rotina do grupo para assim entender a lógica que move a comunidade. Observar e participar contri-bui com o entendimento de determinada realidade e levanta questões, problemas, para serem analisados. O diário de cam-po, o gravador, a máquina fotográfica e a de filmar são acessórios que auxiliam na construção da pesquisa.

Fernandes (2015) afirma que trata-se de uma “técnica de levantamento de infor-mações que pressupõe convívio, compar-tilhamento de uma base comum de co-municação e intercâmbio de experiências com o(s) outro(s) primordialmente através dos sentidos humanos: olhar, falar, sentir, vivenciar” (p.490). O método implica em

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observar a ação no locus em que ocorre. Para além de apenas observar, significa ser partícipe, olhara para o outro no exercício da alteridade de forma direta e interativa.

Na experiência do Marco Estratégico nos dois territórios a observação participante se deu de forma semelhante. O pesquisa-dor é levado às localidades por uma equipe que já possui um grau elevado de afinida-des com os moradores. É apresentado para os moradores da localidade e hospeda-se na própria comunidade para poder viven-ciar a rotina produtiva local. As refeições são sempre feitas na casa de um dos mora-dores, não há diferenciação de alimentação entre comunitários e pesquisadores e as regras de convivência são apontadas pela própria comunidade: hora do banho, hora das refeições, horário de circulação pela comunidade, entre outras.

A partir dessa inserção na rotina local o pesquisador inicia diálogos questionadores tentando entender a dinâmica local. É neste momento que ele identifica quem são os atores sociais que deverão ser convidados para um diálogo mais profundo, e de certa forma direcionado, para obter determina-das informações que auxiliarão o trabalho do pesquisador. Nos dois casos, o IFT direcionou as entrevistas levando em con-sideração, também, as conversas com os presidentes das associações.

Etapa 2 – Entrevistas

A fase das entrevistas é fundamental para que o facilitador compreenda as dinâmi-cas das comunidades, quem são as figuras centrais no debate sobre manejo florestal, entender quem são as lideranças legalmente constituídas (presidentes de associações, cooperativas e grupos formalizados) e outros tipos de lideranças, além de fornecer subsídios para respaldar o debate realiza-do com o coletivo durante as oficinas. Na experiência de aplicação do ME vivida pelo IFT, o entrevistador da primeira fase é o mesmo facilitador de todas as outras etapas da atividade. Entendemos que essa aproxi-mação com o público em campo durante as entrevistas contribui com o desenvol-vimento das atividades coletivas durante

as oficinas. Os atores sociais entrevistados foram escolhidos por serem figuras-chave que poderiam ajudar a rememorar a trajetó-ria da luta pela implementação do manejo. As próprias lideranças locais apontaram jovens que são envolvidos com a atividade e mulheres que acompanham essa discus-são, e que puderam contar as experiências da comunidade com o trabalho coletivo, e também, como é a rotina no trabalho do manejo florestal comunitário.

Com as pessoas chave a serem entrevista-das, aplica-se entrevista em profundidade, ou não-estruturada. Por meio da entrevista em profundidade é possível compreender os aspectos mais relevantes para esses ato-res dentro da lógica organizacional comuni-tária. “A entrevista não-estruturada procura saber que, como e por que algo ocorre, em lugar de determinar a frequência de certas ocorrências nas quais o pesquisador acre-dita” (RICHARADSON, 2012, p. 208). Tal conversação guiada possibilita obter detalhes que auxiliam na avaliação qualitati-va das informações levantadas (Richardson et al, 2012).

As entrevistas ocorrem individualmente com cada ator social: lideranças comunitá-rias; conselheiros; mulheres que exercem papel de relevância na tomada de deci-são – independente de ocuparem cargo institucional; lideranças religiosas; jovens engajados ou não na atividade produtiva do negócio sustentável. É aconselhável que sejam gravadas cada uma das entrevistas e depois transcritas para um caderno de campo. Em Ituxi foram realizadas 6 entre-vistas, em Itapéua foram 5 pessoas entre-vistadas. Cada entrevista durou em média 120 minutos, estendendo ou encurtando de acordo com a receptividade do entrevista-do às perguntas.

No caso da elaboração das entrevistas é importante que os pesquisadores elabo-rem perguntas norteadoras para facilitar a condução do diálogo, neste caso foram: a) há identificação tradicional daquela comu-nidade com a exploração florestal madeirei-ra?; b) Como se organizam?; c) Quem são as pessoas envolvidas diretamente?; d) Que

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funções ocupam na atividade em campo?; e) Quem são as instituições que apoiam a atividade direta ou indiretamente?, f) Em que etapa do processo de regulamentação da atividade a comunidade está?; g) Quais são os principais desafios?; h) Quando co-meçou a atividade madeireira na região?; i) Como esse assentamento humano (comu-nidade) se estabeleceu nessa região?

Além disso, nesta etapa o entrevistador levanta imagens (fotografias) da comuni-dade exercendo suas principais atividades. Em caso de não possuírem, o próprio entrevistador pode produzi-las.

Etapa 3 – Oficinas

As oficinas são momentos de discutir coletivamente os objetivos do grupo e traçar as estratégias de desenvolvimento de maneira coletiva respeitando as característi-cas socioeconômicas e culturais do grupo. Neste momento, busca-se uma articula-ção entre os saberes existentes: técnicos e populares. É no ambiente do grupo que o coletivo identifica os problemas e desafios comuns e por meio do diálogo buscam possibilidades de avanços e superação. Nesta etapa, utilizamos a prática do pla-nejamento participativo, onde os atores envolvidos, através do diálogo, trocam experiências e se mobilizam segundo os seus objetivos, necessidades e interesses. A abordagem considera as experiências e sa-beres existentes como um processo estimu-lador de mudanças individuais e coletivas. Em grupo, os sujeitos priorizam problemas e propõem soluções manifestadas no poder de decisão coletivo. Eles criticam e avaliam as situações postas não apenas a partir do próprio bem-estar isolado, mas a constru-ção da identidade social do grupo como cidadãos autônomos.

OFICINA I - Oficina de construção do Marco Estratégico

Para construção do ME, a OFICINA I se divide em: a) momentos de integração; b) apresentação das estratégias; c) levan-tamento de informações e d) sistematiza-ção e análise dos dados, como veremos a seguir:

a) Momentos de integração:

Dinâmica de abertura e boas-vindas. É o momento de 1) reconhecimento da equipe de facilitação e grupo de interesse no coletivo – apresentação dos participan-tes; 2) Levantamento de expectativas; 3) alinhamento dos objetivos da atividade; 4) estabelecimento de regras de convivência.

1) Apresentação: o facilitador pode escolher se apresentar primeiro, contan-do um pouco de sua trajetória, formação, relação com os povos da floresta e com a sustentabilidade – atentar sempre para uma comunicação clara e concisa, evitar jargões científicos e formalidades desnecessárias. Neste momento, é sugerida a dinâmica de apresentação “Eu Espelho do Outro”, que consiste em: cada participante da oficina se apresenta dizendo o nome e contando um pouco sobre quem é, ao final da fala faz um gesto que o represente, o próximo repete o nome e o gesto do anterior e em seguida se apresenta. Desta forma, todos os participantes repetem ou não os gestos dos demais, em momento lúdico de inte-gração.

2) Expectativas: Devidamente apresen-tados e com o clima mais solto é hora de perguntar o que eles esperam da reunião – é fundamental que os presentes tenham sido informados previamente pelas lide-ranças sobre os objetivos gerais da reunião, ou que saibam que tipo de atividade será realizada. Em uma cartolina o facilitador escreve as expectativas do público em formato de lista e fixa em local visível ao longo de toda a oficina.

3) Alinhamento: Com as expectativas em mãos, é hora de o facilitador explicar o que de fato será a atividade, como se desen-volverá e como isso pode afetar a vida de todos, para que compreendam a importân-cia de participar e interagir.

4) Convivência: os presentes são con-frontados sobre a participação deles durante a reunião. Para isso, o facilitador deve escrever em uma cartolina “Regras de Convivência” e questionar os participantes: o que devemos fazer para que a atividade ocorra da melhor forma? E em seguida

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anotar o que surgir, que podem ser frases, como: ser pontuais; participar; interagir; respeitar, entre outras. Fixar o cartaz na entrada do local da atividade.

b) Apresentação das estratégias:

Por meio de apresentação oral e uso de slides, são apresentados os conceitos de cada item que compõe o Marco estratégico:

• Missão: é o propósito ou a razão de existência do projeto de manejo florestal; a missão serve como diretriz geral para orientar a tomada de decisão e auxiliar nas escolhas das melhores estratégias; deve sempre ser visitada para que o projeto de manejo florestal não perca o foco de suas responsabilidades essenciais;

• Visão de Futuro: expressa a situação ideal do projeto no prazo de 10 anos futu-ros; trata-se de como é imaginada a reali-dade das comunidades com as transfor-mações positivas que o projeto de manejo florestal poderá gerar; leva a comunidade a pensar nas conquistas, nas melhorias, nos benefícios que o projeto de manejo florestal pode trazer; devem ser situações desejáveis, ideais, porém possíveis de serem realizadas em dez anos;

• Valores: são princípios éticos e morais fundamentais e permanentes do projeto; representam as convicções e crenças bási-cas, àquilo em que a maioria das pessoas do projeto de manejo florestal acreditam serem valores fundamentais do projeto; os valores devem ser respeitados pelas pes-soas que participam do projeto de manejo florestal, contribuindo para a unidade entre os membros e coerência do trabalho;

• Público-Alvo: grupos de pessoas, clas-ses ou entidades que se envolvem ou são favorecidos com os resultados do projeto de manejo florestal; o público-alvo pode ser direto ou indireto, de acordo com seu grau de participação ou envolvimento no projeto de manejo florestal.

• Histórico: é a narrativa escrita que reúne uma síntese histórica do grupo ou comunidade que está desenvolvendo o ME.

c) Levantamento de informações:

Construção compartilhada do conheci-mento: após a apresentação de cada um dos conceitos, os comunitários, em grupo, passam a refletir sobre cada um deles e iniciam um processo dialógico que vere-mos a seguir em que o facilitador instiga a reflexão por meio de perguntas-chave e utilização de dinâmicas específicas:

• Missão: para se chegar a missão do projeto é necessário levantar algumas ques-tões, a principal é: O que vocês querem de fato com esse projeto? Neste momento, o facilitador anota em cartolinas pregadas em quadro branco as respostas que surgi-rem. É aconselhável, também, fomentar o debate para que o público não permaneça lacônico. Pode-se utilizar, outros questiona-mentos, como: O que representa o manejo florestal para vocês? É possível fazer o ma-nejo de forma individual na atual realidade de vocês?

• Visão de futuro: por meio da apre-sentação oral, o facilitador desenha um cenário futuro em que o manejo florestal está plenamente funcionando e os recursos financeiros já estão sendo utilizados para investimento social coletivo. Nesse cenário, os comunitários passam a identificar como eles gostariam que a comunidade estivesse estruturada: Como você imagina sua co-munidade daqui há 10 anos? Quais são as principais estruturas (escola, creche, posto de saúde, entre outras) que precisam estar estabelecidas nessa época? Em cartolina de tonalidade de cor diferente da utilizada para anotar informações acerca da Missão, o facilitador anota tudo que ouve.

• Valores: para que a comunidade possa refletir sobre os valores coletivos que os unem é necessário levantar algumas ques-tões: O que os une em prol desse objetivo? O que são valores para vocês? Citem valo-res que vocês têm em comum? Os parti-cipantes da oficina escrevem em tarjetas coloridas apenas a palavra que lhes vêm à cabeça após ouvirem essas questões. (Ex.: respeito; responsabilidade; transparência; humildade). Em seguida, o facilitador recolhe a tarjeta e cola no quadro para que todos vejam. A partir de então, reflete-se

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sobre cada uma delas, criando conceitos explicativos do porquê de cada escolha.

• Público-alvo: Para identificar o público--alvo é necessário conduzir a comunidade à reflexão sobre quais atores sociais o projeto vai impactar direta e indiretamente: quem são os parceiros? Quem são as instituições próximas ao projeto e que de alguma forma impactam ou são impactadas pelo projeto? Nesse momento, é fundamental evidenciar a parceria com poder público em todas as esferas e potenciais compradores dos pro-dutos. Entregar tarjetas para que escrevam e em seguida apresentar para todos os presen-tes definirem de fato quem são os públicos--alvo.

d) Sistematização e análise dos dados:Com os dados coletados em campo é hora

de retornar ao escritório e sistematizar as in-formações: 1) Transcrever as entrevistas em arquivo Microsoft Word ou Excel apontando nome, cargo (se houver) e idade do entrevis-tado, além de hora e local da entrevista; 2) Sistematização das oficinas por meio de um documento integrado que comente passo-a--passo o que foi debatido, incluindo todas as informações coletadas com as comunidades em cada um dos eixos: Missão, Visão de Futuro, Valores, Histórico e Público-alvo; 3)

Aanálise e triangulação dos dados da entre-vistas com as informações das oficinas; 4) elaboração de um relatório textual; 4) Envio dar o relatório para um profissional da co-municação e/ou letras para que possa revisar e adaptar a linguagem técnica e/ou popular à um formato que seja adequado ao tipo de público que se quer atingir.

OFICINA II - Consolidação do Marco Estratégico

No segundo encontro, em caso de o gru-po/projeto não possuir um nome, sugeri-mos que seja debatido entre eles para que definam, para que o grupo possa ter uma identidade reconhecida pelo coletivo [Ver Quadro 1]. Nossa sugestão é de levantar esse nome do grupo/projeto apenas no segundo encontro, pois é neste momento que eles já estarão imersos na reflexão sobre a coletividade. Nesta etapa, são apresentados os textos sistematizados a partir das infor-mações levantadas na Oficina I. Os textos são projetados em datashow, utilizando ferramenta de edição de texto e lidos junto com os comunitários, que podem e devem pontuar algo que não esteja dentro do que foi debatido.

Após essa apresentação, é realizada a Linha Histórica do projeto [ver exemplo na figura 3], metodologia que vai nortear a

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1945 - 1970Após o segundo ciclo da borracha, a madeira pasou a ser explorada na região do rio Ituxi. A derruba era

feita com o machado e as toras eram arrastadas com a ajuda do “jurará”,

um resistente cipó.

1970 - 1975 Com o advento das serras elétricas a explo-ração ganhou escala e a produção começou

a ser enviada para Manaus. Nesta época, registra-se a introdução da técnica de arraste chamada de “Joãozinho”, uma espécie de

rondana rudimentar que utiliza cabos de aço para içar as toras e embarcá-las nas balsas.

1975-1985 Instalam-se grandes serrarias na região

que começam a beneficiar a madei-ra em Lábrea. As principais espécies exploradas para comercialização com as serrarias eram a Samaúma, Assacu,

Virola, Copaíba, Louro amarelo, Louro vermelho e Jacarandá

1985 - 1990Recém criado, o IBAMA intensifica a fiscalização na região. Os primeiros

Planos de Manejo Madeireiro empresa-rial são instalados na região, porém muita madeira foi “esquentada”. Empresários afundavam toras de madeira para fugir

da fiscalização. Muita madeira se perdeu debaixo na água nesta época.

1992Um empresário local que mantinha ser-raria em Lábrea começa a fomentar um mercado moveleiro no município. Nesta

época muita madeira do Rio Ituxi foi beneficiada para ser vendida em prancha

para uso moveleiro.

1995Dois Planos de Manejo empresariais estavam instalado no Rio Ituxi, na região de Cabeçudas e na região de

Matrixã. Ambos pertencial ao Dr. Villa, empresário de Lábrea.

1996Inicia-se uma mobilização para a criação da RESEX Ituxi. É criada a APADRIT e protocolado um documento junto ao Centro Nacional de Populações Tradi-cionais (CNPT) solicitando a criação da reserva para beneficiar as comunidades

da região .

1997 - 2004Aumenta a exploração ilegal de madeira

na região do Ituxi, e com a falta de retorno do governo para a solicitação

de criação de reserva extrativista, a APADRIT incia a tentativa de aprovar

Planos de Manejo numa articulação com o IDAM.

2006No início do ano a APADRIT protocola

11 Planos de Manejo no IPAAM. No mês de junho a RESEX Ituxi é oficial-

mente criada.

2007-2008Com a criação da RESEX Ituxi foram cancelados os Planos de Manejo proto-

colados no órgão estadual (IPAAM). Um novo Plano de Manejo comunitário foi ela-borado, mas não foi aprovado pelo recém criado ICMBio, que alegou a existência de conflitos fundiários com terras do Estado.

2012 - 2014Inicia-se um novo projeto de manejo madeireiro, denominado de Projeto

Angelim, Um novo Plano de Manejo é elaborado e enfim aprovado.

Figura 3: Linha histórica do Marco Estratégico do projeto Angelim – Ituxi/Lábrea (AM).

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construção do texto da seção Histórico. Em um varal, o facilitador prega uma série de papeis em branco e questiona os presentes: quando iniciou o trabalho com madeira aqui na região? Munido de informações já coleta-das por meio das entrevistas em profundida-de realizadas na primeira etapa, o facilitador consegue nortear a linha histórica e elaborar novas perguntas que podem guiar a constru-ção coletiva do histórico. No primeiro papel em branco escreve-se a década, ou período de tempo, em que iniciou a exploração ma-deireira na região conforme os relatos dos comunitários presentes na oficina.

A partir disso, inicia um processo de diálogo entre facilitador e participantes da oficina que funciona como um grupo focal, em que todos estão refletindo ao mesmo tempo e dialogando sobre o mesmo con-texto e juntos vão rememorando o pas-sado. Cada item da linha histórica condiz a algum fato que marcou a trajetória da exploração madeireira na região e a história de luta e sobrevivência do grupo. Com a li-nha histórica em mãos, é possível construir o texto com os comunitários e consolidar no mesmo encontro.

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Ao longo do processo de construção do Marco estratégi-co, notamos a necessidade de o empreendimento ser identificado por uma logomarca e por uma nomenclatura que os representasse, que reforçasse as ideias que mais tarde seriam expressas no folder com os resultados textuais do ME. Em Ituxi, o grupo já possuía a marca, mas em Itapéua não, logo, o processo de desenvolvimento da marca ocorreu concomitante ao ME. Nesta seção, gostaríamos de apresentar esse processo.

Discorrer sobre símbolos de representação é também discorrer sobre a identidade de um indivíduo. Ao inserirmos o debate sobre a marca entendemos que trata-se de fator fundamental para o entendi-mento da colocação daqueles atores sociais no mundo e da compreen-são sobre como se dá o constructo histórico-político-cultural do grupo.

Para entender a visão de mundo e do empreendimento florestal ao qual pertencem designamos um momento da oficina devolutiva para discutir a nomenclatura do projeto e a marca. O momento dura cerca de três horas e envolve a) Compartilhamento conheci-mentos sobre identidade visual b) Compreender o que o grupo enten-de por identidade visual; c) Refle-xões sobre como cada indivíduo compreende o empreendimento d)

Chuva de ideias com possibilidades de nomes para o grupo e) Captação de instrumentos gráficos para a marca:

a) Por meio de exposição oral conceitua-se identidade visual, marca e slogan. Em seguida, por meio de slides, mostra-se marcas famosas no mercado dividindo-as em dois grupos: 01) logomarcas em que podemos ver símbolos e ícones: Coca-Cola, Olympikus, Sadia; 02) logomarcas em que apenas tenhamos o símbolo, sem as palavras, mas que ainda assim sejam facilmente reconhecidas: Globo, Facebook, Volkswagen. O objetivo aqui é mostrar que a marca deve ser o cartão de visita deles, que os sím-bolos e ícones que a compuserem serão os mesmos pelos quais serão reconhecidos em qualquer lugar.

b) Questionar o grupo sobre a importância de ter uma identidade que os presente. Após a explicação sobre o que é uma marca, pergun-tar: porque o grupo deve ter uma marca? Anotar em formato de lista em cartolinas e afixar no quadro.

c) Entregar duas tarjetas em cores diferentes para cada um dos presentes. Pede-se que em uma delas insiram uma palavra que represente o empreendimento para eles (o que representa o grupo de manejadores para você?); na outra pede-se que citem um elemento da natureza que os representa (se você

fosse algum elemento da nature-za, qual seria?) e explica-se quais características possuem em comum com esse elemento. O objetivo aqui é fazê-los refletir, de forma lúdica, sobre pertencimento e como esses vários elementos podem conver-gir em apenas um ícone que os represente.

d) Divide-se o público em grupos de trabalho de pelo menos 4 pessoas. Entrega-se tarjetas para que escrevam sugestões de nomes para o grupo. Questões nortea-doras: o que há no território de atuação de vocês que é único? Tem algo aqui que só pode ser encontra-do neste local? Há expressões que vocês usam para identificar o traba-lho de vocês que foram inventadas por vocês mesmos? Que árvores, frutos ou animais poderiam repre-sentar vocês? Quando vocês falam sobre o trabalho que realizam aqui, quais aspectos mais trazem alegria, orgulho?

e) Em tarjetas, pede-se para que desenhem formas geométricas que tenham apelo cultura para eles: círculos, retângulos, triângulos, quadrados e outros.

Com os dados em mãos, é hora de encaminhar um relatório descri-tivo da experiência para um profis-sional da publicidade e propaganda ou design que auxilie na produção de uma identidade visual do grupo.

Quadro 1

Comunicação e identidade – Como conduzir a reflexão sobre logomarca em um empreendimento comunitário?

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OFICINA III – Devolutiva do Marco Estratégico

O terceiro encontro ocorre na comu-nidade e desta vez o facilitador já tem a primeira versão do folder que reúne as informações construídas a partir da meto-dologia do Marco Estratégico. Uma cópia é entregue para cada um dos presentes e lida em voz alta para que a edição do texto seja coletiva. A partir da autorização dos pre-sentes, o material é encaminhado à gráfica e retorna para os comunitários na versão final.

Resultados

O Marco Estratégico contribuiu com o fortalecimento da organização social dos empreendimentos florestais em que o IFT o aplicou. As comunidades podem utilizá-lo como referência para tomadas de decisão e ferramenta coletiva de aplicação de regras e diretrizes. Acompanhe abaixo o cenário atual de cada empreendimento e veja imagens do folder do Marco Estratégi-co de cada um deles:

Angelim

Os produtos da Resex Ituxi serão comer-cializados por meio da Cooperativa Agro-extrativista do Rio Ituxi (Coopagri), criada ao longo do projeto desenvolvido pelo IFT. A assembleia de criação da Coopagri foi realizada no dia 12 de dezembro de 2015 na comunidade Vila Vitória e contou com a participação de mais de 50 morado-res interessados em compor a cooperativa. A chapa eleita por aclamação tem como presidente a jovem professora Gilmara Pe-reira do Nascimento, 22 anos. Aliás, fôlego jovial é o que não vai faltar ao grupo que é composto em sua maioria por jovens com idade entre 20 e 30 anos. Veja o resultado do Marco Estratégico do Projeto Angelim:

Jutaí

O Projeto Jutaí é um empreendimento dos moradores da comunidade Itapéua de uso comercial da floresta pautado na sustentabilidade ambiental, econômica e social, fruto dos esforços das populações tradicionais que vivem na floresta. É for-mado exclusivamente por comunitários que

moram na Resex Verde para Sempre. O grupo já está operacionalizando o manejo florestal e iniciou o debate sobre a criação de uma cooperativa para comercializar os produtos. Veja abaixo o resultado do Mar-co Estratégico:

Considerações finais

O processo proporcionou reflexões so-bre o papel do manejo florestal nas flores-tas comunitárias e a visibilidade dos grupos de manejadores, pois foram produzidos folders que reúnem as reflexões apresen-tadas na forma de missão, visão, valores e outros, que diferentes públicos (governo, empresas, ONGs) podem acessar. Parcei-ros da comunidade, como o IFT, atuam apenas como mediador do processo, tudo que é produzido vem da reflexão cole-tiva sobre o papel do manejo florestal comunitário, por isso, a participação dos moradores é essencial.

Os comunitários, quando instigados, produzem reflexões importantes para o coletivo. O processo de definição dos valores do grupo é algo que surte efeito para o que é um trabalho coletivo, em que não existe patrão, e que o respeito é a base das relações. A atividade de cons-trução do Marco Estratégico resultou na importância de estabelecer fundamentos para o trabalho em grupo, como o do-cumento intitulado Regimento Interno do Manejo Florestal Comunitário de cada um dos projetos, que além das regras de admissão e demissão dos manejadores, por exemplo, também estabelece como os benefícios financeiros serão utilizados. Tra-ta-se de um olhar de si, para si. Baseados na missão e visão de futuro, descritos no Marco Estratégico, os moradores podem definir como aplicar os recursos financei-ros provenientes da atividade madeireira. Em suma, o Marco foi o ponta pé inicial que estruturou a organização para o traba-lho coletivo e fortaleceu o sentimento de pertencimento do manejador ao grupo.

Os dois Marcos Estratégicos apresenta-dos como exemplo estão sendo utilizados como modelo para outras comunidades

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residentes em Resex que estão em fase de elaboração das diretrizes para o uso e manejo dos recursos naturais. Além disso, o Marco Estratégico está contribuindo como um ins-trumento de gestão social para as operações florestais em desenvolvimento no interior de algumas comunidades, como é o caso de outros cinco projetos de manejo florestal comunitário localizados na Resex Verde para Sempre.

Referências bibliográficas

FERNANDES, Fernandes. Considerações Metodológicas sobre a Técnica da Observa-ção Participante. In MATTOS, R. A.; BAP-TISTA, T. W. F. Caminhos para análise das políticas de saúde, 1.ed.– Porto Alegre: Rede UNIDA, 2015. p.487-503.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEO-GRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Cida-des@-PA-Porto de Moz. 2010.

INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE

- ICMBio. Unidades de Conservação: Bioma Amazônia. 2015.

LIMA, Deborah; POZZOBON, Jorge. Amazônia socioambiental: sustentabilidade ecológica e diversidade social. Estudos Avan-çados, São Paulo, v. 19, n. 54, p. 45-76, Ago. 2005.

MARCO ESTRATÉGICO DO PROJETO JUTAÍ. Associação de Desenvolvimento Sus-tentável dos Produtores Agroextrativista da Comunidade Itapéua. Porto de Moz: ADES-PAC, 2015.

PRESSLER, Neusa. Comunicação e Meio Ambiente: Agência de Cooperação Interna-cional e Projetos Socioambientais na Amazô-nia. Belém: Unama; Manaus: UEA, 2012.

BUARQUE, Sérgio C. Construindo o de-senvolvimento local: metodologia de planeja-mento. Rio de Janeiro: Garamond, 2008. 4 ed.

RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. Atlas: São Paulo, 2012. 3 ed.

Os autores agradecem aos moradores da co-munidade Itapéua e da Resex Ituxi pela acolhida em todos os momentos de campo, aos parcei-ros do Comitê de Desenvolvimento Sustentá-vel (CDS) de Porto de Moz, ao ICMBio, Fundo Vale, SFB, Apadrit e demais parceiros que pos-sibilitaram a realização do Marco Estratégico.

Aos profissionais do IFT que apoiaram nas eta-pas de planejamento e referenciais técnicos nos-so muito obrigado. Os pareceres, conclusões, recomendações e sugestões apresentadas neste estudo são de responsabilidade dos autores, e não refletem necessariamente a visão dos finan-ciadores deste boletim.

AGRADECIMENTOS

Os boletins técnicos do IFT, editados a partir de 2011, compilam informações sobre a atuação da instituição em diferentes âmbitos do manejo florestal na Amazônia. Tratam-se de resultados preli-minares de pesquisas e testes realizados pela equipe técnica, além de observações de campo e notas de expedições que possam de alguma forma servir a sociedade. É voltado a estudantes, tomadores de decisão, jornalistas, profissionais florestais, instrutores de manejo florestal acadêmicos ou práti-cos e demais atores com interesse em temas ligados ao manejo de recursos naturais, especialmente florestais, na Amazônia.

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