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BOY ERASED: CENAS QUE AJUDAM A RE/PENSAR A “CURA GAY” Isaias Batista de Oliveira Júnior (Universidade Estadual do Paraná) Diego Raone Ferreira (Universidade Estadual de Maringá) [email protected] Resumo Este texto tem o objetivo de pensar o filme Boy Erased no psicologia e da diversidade sexual. O filme vem ao encontro da necessidade de problematizar a onda conservadora que tem assolado o Brasil, principalmente no que se refere ao tratamento de reorientação sexual. Metodologicamente analisamos parte dos discursos presentes no filme. Concluímos que determinadas estratégias trazem mais prejuízos do que contribui efetivamente com as pessoas que estão em condição de sofrimento ligados a fatores sexuais, pois abre brecha para práticas, que com razão já foram outrora proibidas, pois já foi comprovado que as mesmas traziam mais sofrimento do que alívio aos indivíduos aos quais se destinavam. Palavras-chave: Sexualidade; Cura Gay; Cinema. Introdução Tratamos aqui do filme baseado no livro de Garrard Conley, Boy Erased, cujo qual foi produzido pela Universal Pictures, em 2018. O longa metragem retrata a luta de um jovem que se vê forçado a questionar todos os aspectos de sua identidade ao assumir sua homossexualidade aos 19 anos. Filho de pastor da Igreja Batista, nascido no Arkansas (EUA), Garrard – representado pelo ator Lucas Hedges – é confrontado pelos pais a tomar uma decisão que poderia mudar sua vida: submeter- se a participar de uma terapia de conversão gay ou ser exilado e rejeitado pela família, amigos e religião optando por assumir os riscos da terapia de reversão sexual.

BOY ERASED: CENAS QUE AJUDAM A RE/PENSAR A “CURA GAY” · nascido no Arkansas (EUA), Garrard – representado pelo ator Lucas Hedges – é confrontado pelos pais a tomar uma decisão

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Page 1: BOY ERASED: CENAS QUE AJUDAM A RE/PENSAR A “CURA GAY” · nascido no Arkansas (EUA), Garrard – representado pelo ator Lucas Hedges – é confrontado pelos pais a tomar uma decisão

BOY ERASED: CENAS QUE AJUDAM A RE/PENSAR A “CURA GAY”

Isaias Batista de Oliveira Júnior (Universidade Estadual do Paraná)

Diego Raone Ferreira (Universidade Estadual de Maringá)

[email protected]

Resumo Este texto tem o objetivo de pensar o filme Boy Erased no psicologia e da diversidade sexual. O filme vem ao encontro da necessidade de problematizar a onda conservadora que tem assolado o Brasil, principalmente no que se refere ao tratamento de reorientação sexual. Metodologicamente analisamos parte dos discursos presentes no filme. Concluímos que determinadas estratégias trazem mais prejuízos do que contribui efetivamente com as pessoas que estão em condição de sofrimento ligados a fatores sexuais, pois abre brecha para práticas, que com razão já foram outrora proibidas, pois já foi comprovado que as mesmas traziam mais sofrimento do que alívio aos indivíduos aos quais se destinavam. Palavras-chave: Sexualidade; Cura Gay; Cinema. Introdução

Tratamos aqui do filme baseado no livro de Garrard Conley, Boy Erased, cujo

qual foi produzido pela Universal Pictures, em 2018. O longa metragem retrata a luta

de um jovem que se vê forçado a questionar todos os aspectos de sua identidade ao

assumir sua homossexualidade aos 19 anos. Filho de pastor da Igreja Batista,

nascido no Arkansas (EUA), Garrard – representado pelo ator Lucas Hedges – é

confrontado pelos pais a tomar uma decisão que poderia mudar sua vida: submeter-

se a participar de uma terapia de conversão gay ou ser exilado e rejeitado pela

família, amigos e religião optando por assumir os riscos da terapia de reversão

sexual.

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Desenvolvimento A orientação sexual é uma atração que pode ser de ordem afetiva e/ou

sexual, que uma pessoa sente por uma ou por várias outras pessoas, num

continuum que pode ser manifesto desde a homossexualidade exclusiva até a

heterossexualidade exclusiva ou permeada pelas distintas formas de bissexualidade.

Alguns profissionais, como exemplo da Psicologia “[...] não consideram que a

orientação sexual seja uma opção consciente que possa ser modificada por um ato

da vontade” (BRASIL, 2004, p. 29).

Contrariamente a esse posicionamento em 15 de setembro de 2017, o juiz

federal da 14ª Vara do Distrito Federal Waldemar Cláudio de Carvalho concedeu

liminar objetivando a suspensão dos efeitos da Resolução CFP 001/1999, cuja letra

estabelece:

Art. 3° - os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados. Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades. Art. 4° - Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 1999, p. 2).

Para Costa, Silva e Lima Júnior (2018) a liminar se justificava num suposto

“interesse científico” que possibilita a abertura de lacunas para um tratamento de

reorientação sexual, que, assim como retratado no filme Boy Erased, muitas vezes é

composto por estratégias aversivas, que podem incluir desde choques, isolamento,

medicamentos, entre outros. Práticas como essas, não tem qualquer validade

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científica muito menos eficácia na reorientação sexual de homossexuais, tampouco

contribuiu para fazê-los se interessar por pessoas do sexo oposto. Num nível

entusiasta o máximo que se pode obter desse tratamento é a inibição ou

clandestinidade da sexualidade em relação aos desejos sexuais por pessoas do

mesmo sexo.

A liminar concedida pelo juiz atendia de forma parcial uma Ação Popular

impetrada contra o Conselho Federal de Psicologia por Rozangela Alves Justino,

que pedia a suspensão das regras do órgão que estabelece normas de atuação para

os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual. De acordo com o jonal El

Pais – Brasil, a proponente é Psicóloga de formação e se autointitula missionária.

Seu registro profissional foi cassado em 2009 porque ela oferecia pseudoterapias

para curar a homossexualidade masculina e feminina. Naquele ano, às vésperas de

seu julgamento, ela chegou a dizer que pessoas têm atração pelo mesmo sexo

"porque foram abusadas na infância e na adolescência e sentiram prazer nisso".

Também afirmou que "o movimento pró-homossexualismo tem feito alianças com

conselhos de psicologia e quer implantar a ditadura gay no país". Por fim admitiu:

"Tenho minha experiência religiosa que eu não nego. Tudo que faço fora do

consultório é permeado pelo religioso. Sinto-me direcionada por Deus para ajudar as

pessoas que estão homossexuais" (BETIM, 2017).

Esse radicalismo é evidente no filme, quando os pais de Garrard, ao tomarem

conhecimento da homossexualidade do filho, convidam a visitá-los, dois pastores,

considerados aptos pelo pai a enfrentar a situação. A partir desse momento Garrard

irá para a instituição “Amor em ação” para dar início à terapia de reorientação

sexual.

Essa estratégia vem de encontro às conclusões de Natividade (2006) de que

determinadas denominações religiosas, como a evangélica, retratada no filme,

proferem um discurso que reafirma a exterioridade da homossexualidade, rejeitando

veementemente concepções deterministas e defendendo a possibilidade de

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reversão por meio da conversão. O pânico moral insuflado pelo cultivo de uma

imagem negativa produz uma série de acusações morais subjacentes que atribuem

aos homossexuais características de “promiscuidade”, “pedofilia” “vetores de

doenças”, portanto, indivíduos perigosos à coletividade. Isso se deve a apropriação

de noções oriundas de outros saberes institucionalizados e da veiculação de

imagens da homossexualidade como “doença”, “vício”, “perversão” ou

“degeneração”.

Barajas (2018) aponta que há uma tendência de crescimento dos evangélicos

na América Latina que contribui para a elevação de influências políticas e

politizadoras, onde as regulações morais e sexuais contemporâneas também

aumentarão proporcionalmente. Prova disso são os resultados das últimas eleições

presidenciais no Brasil, realizadas em 2018, onde as urnas reforçaram o peso da

bancada evangélica no Congresso Nacional. Para a Câmara dos Deputados foram

eleitos 84 candidatos (nove a mais do que na última legislatura). No Senado, houve

um salto de três para sete parlamentares evangélicos. No total, o grupo que era

composto por 78 integrantes, conta com 91 congressistas para a gestão de 2019 a

2022. O levantamento é do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar

(DIAP), com base nos dados disponíveis no portal do Tribunal Superior Eleitoral

(TSE) (DAMÉ, 2018).

Além da bancada constituída pelo voto popular, o recém-eleito Presidente da

República, Jair Messias Bolsonaro, nomeou para o Ministério da Mulher, Família e

Direitos Humanos, a pastora evangélica Damares Alves que tem causado furor entre

com suas declarações homofóbicas, sexistas e heteronormativas.

Considerações finais

Assim como no filme Boy Erased, a tentativa de curar aquilo que não é

doença trás mais prejuízos do que contribui efetivamente com as pessoas que estão

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em condição de sofrimento ligados a fatores sexuais, pois abre brecha para práticas,

que com razão já foram outrora proibidas, pois já foi comprovado que as mesmas

traziam mais sofrimento do que alívio aos indivíduos aos quais se destinavam. Referências

BARAJAS, Karina Bárcenas. Pánico moral y de género en México y Brasil: rituales jurídicos y sociales de la política evangélica para deshabilitar los principios de un estado laico. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, 38(2): 85-118, 2018.

BETIM, Felipe. ‘Cura gay’: o que de fato disse o juiz que causou uma onda de indignação. El País: Brasil. São Paulo: 20 set. 2017. Disponível em < https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/19/politica/1505853454_712122.html>. Acesso em 08 fev. 2019.

BRASIL. Conselho Nacional de Combate à Discriminação. Brasil Sem Homofobia: Programa de combate à violência e à discriminação contra GLTB e promoção da cidadania homossexual. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução CFP N° 001/99 de 22 de março de 1999. Brasília: 1999.

COSTA Amanda Elias de Oliveira. SILVA, Diego Marcos Vieira da. LIMA JÚNIOR, José Ivaldo. Reorientação sexual: compromisso científico ou subterfúgio para cura gay? Anais...III Jornada Acadêmica do HUPPA, GEP NEWS, Maceió, V.2, n.2, p. 198-203, abr./jun. 2018

DAMÉ, Luisa. Em crescimento, bancada evangélica terá 91 parlamentares no Congresso. Agência Brasil. 18. nov. 2018. Disponível em < http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2018-10/em-crescimento-bancada-evangelica-tera-91-parlamentares-no-congresso>. Acesso em 08 fev. 2019. NATIVIDADE, Marcelo. Homossexualidade, gênero e cura em perspectivas pastorais evangélicas. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 21 nº. 61 junho/2006, p. 115-132.