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36 2013 ATENÇÃO BÁSICA CADERNOS de ESTRATÉGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA DIABETES MELLITUS

Caderno atenção básica diabetes mellitos

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  • 1. 36 2013 ATENO BSICA CADERNOS de ESTRATGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENA CRNICA DIABETES MELLITUS Biblioteca Virtual em Sade do Ministrio da Sade www.saude.gov.br/bvs Federal GovernoMinistrio da Sade 36 2013 ATENO BSICA CADERNOS de ESTRATGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENA CRNICA DIABETES MELLITUS Biblioteca Virtual em Sade do Ministrio da Sade www.saude.gov.br/bvs Federal GovernoMinistrio da Sade 9 788533 42059 5 ISBN 978-85-334-2059-5 CADERNOSDEATENOBSICA36ESTRATGIASPARAOCUIDADODAPESSOACOMDOENACRNICADIABETESMELLITUS

2. MINISTRIO DA SADE Secretaria de Ateno Sade Departamento de Ateno Bsica ESTRATGIAS PARA O CUIDADO DA PESSOA COM DOENA CRNICA DIABETES MELLITUS Cadernos de Ateno Bsica, n 36 Braslia DF 2013 3. 2013 Ministrio da Sade. Todos os direitos reservados. permitida a reproduo parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e que no seja para venda ou qualquer fim comercial. Venda proibida. Distribuio gratuita. A responsabilidade pelos direitos autorais de textos e imagens desta obra da rea tcnica. A coleo institucional do Ministrio da Sade pode ser acessada, na ntegra, na Biblioteca Virtual em Sade do Ministrio da Sade: . Tiragem: 1 edio 2013 50.000 exemplares Elaborao, distribuio e Informaes: MINISTRIO DA SADE Secretaria de Ateno Sade Departamento de Ateno Bsica SAF Sul, Quadra 2, lotes 5/6, Edifcio Premium, Bloco II, subsolo CEP: 70.070-600 Braslia/DF Tel.: (61) 3315-9031 Site: www.dab.saude.gov.br E-mail: [email protected] Editor geral: Hider Aurlio Pinto Editor tcnico: Patricia Sampaio Chueiri Organizao: Danusa Santos Brando Mariana Carvalho Pinheiro Autoria: Angela Maria Vicente Tavares Beatriz D'Agord Schaan Betina Garay Terra Bruce Bartholow Duncan Caren Serra Bavaresco Cristiane Bauermann Leito Daniel Demtrio Faustino da Silva Daniel Miele Amado Djalmo Sanzi Souza Itemar Maia Bianchini Jaqueline Silva Sousa Lena Azeredo de Lima Leonardo Maurcio Diniz Letcia Schwerz Weinert Luis Henrique Santos Canani Maicon Falavigna Margarita Silva Diercks Maria Eugnia Bresolin Pinto Mariana da Silva Bauer Maria Ins Schmidt Michael Schmidt Duncan Ricardo Rahal Goulart Rosane Glasenapp Rui Flores Sandra Rejane Sores Ferreira Simone Valvassori Coordenao editorial: Marco Aurlio Santana da Silva Editora responsvel: MINISTRIO DA SADE Secretaria-Executiva Subsecretaria de Assuntos Administrativos Coordenao-Geral de Documentao e Informao Coordenao de Gesto Editorial SIA, Trecho 4, lotes 540/610 CEP: 71200-040 Braslia/DF Tels.: (61) 3315-7790 / 3315-7794 Fax: (61) 3233-9558 Site: www.saude.gov.br/editora E-mail: [email protected] Equipe editorial: Normalizao:Maristela da Fonseca Oliveira Reviso: Eveline de Assis e Khamila Silva Diagramao: Alisson Albuquerque Superviso editorial: Dbora Flaeschen Impresso no Brasil / Printed in Brazil Ficha Catalogrfica Brasil. Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade. Departamento de Ateno Bsica. Estratgias para o cuidado da pessoa com doena crnica : diabetes mellitus / Ministrio da Sade, Secretaria de Ateno Sade, Departamento de Ateno Bsica. Braslia : Ministrio da Sade, 2013. 160 p. : il. (Cadernos de Ateno Bsica, n. 36) ISBN 978-85-334-2059-5 1. Diabetes Mellitus. 2. Hiperglicemia. 3. Intolerncia glucose. I. Ttulo. CDU 616.379-008.64 Catalogao na fonte Coordenao-Geral de Documentao e Informao Editora MS OS 2013/0359 Ttulos para indexao: Em ingls: Strategies for the care of the person with chronic disease: Diabetes Mellitus Em espanhol: Estrategias para el cuidado de la persona con enfermedad crnica: Diabetes Mellitus 4. LISTADEFIGURAS Figura 1 Diagrama de rastreamento e diagnstico para o DM tipo 2 .............................. 33 Figura 2 Fluxograma de tratamento do DM tipo 2 ............................................................ 52 Figura 3 Aplicao do monofilamento 10 g ..................................................................... 98 Figura 4 Exame sensorial com diapaso ............................................................................. 98 Figura 5 Fluxograma de abordagem nutricional para adultos com glicemia alterada ou DM em consulta mdica e de enfermagem na AB ......................................................... 114 Figura 6 Fluxograma de orientao para a atividade fsica ............................................ 132 Figura 7 Orientao para o manejo clnico de pessoas com DM em consulta odontolgica .......................................................................................................................... 142 Figura 8 Como preparar a insulina .................................................................................... 154 5. LISTADEQUADROS Quadro 1 Classificao dos graus de recomendao da Oxford Centre for Evidence Based Medicine e tipos de estudo que levam em considerao........................................... 13 Quadro 2 Classificao da qualidade de evidncia proposta pelo Sistema GRADE......... 15 Quadro 3 Aspectos relevantes da histria clnica da pessoa com DM .............................. 39 Quadro 4 Aspectos relevantes do exame fsico da pessoa com DM ................................. 40 Quadro 5 Rotina complementar mnima para pessoa com DM ......................................... 41 Quadro 6 Metas de controle glicmico para crianas e adolescentes com DM tipo 1 ..... 49 Quadro 7 Medicamentos de uso oral disponveis na Rename 2012 .................................. 51 Quadro 8 Principais efeitos adversos dos hipoglicemiantes orais e insulinas ................ 57 Quadro 9 Principais interaes medicamentosas de frmacos hipoglicemiantes e insulinas que esto contidos na Rename 2012 ..................................................................... 58 Quadro 10 Estratificao de risco para a pessoa com DM ................................................. 60 Quadro 11 Instrues para o manejo da hipoglicemia pelo paciente, famlia e servio de Sade ...................................................................................................................... 70 Quadro 12 Orientaes para a promoo do autocuidado de pessoas com DM em relao ao cuidado com os ps ............................................................................................... 93 Quadro 13 Fatores de risco para lceras nos ps ............................................................... 95 Quadro 14 Achados especficos no exame do p de pessoas com DM e sugestes de manejo ................................................................................................................................. 99 Quadro 15 Classificao de risco de complicaes em membros inferiores baseada na histria e no exame fsico da pessoa com DM ............................................................... 100 Quadro 16 Cuidados recomendados para leses ulceradas nos ps de pessoas com DM ..... 103 Quadro 17 Abordagem educativa de pessoa com DM para preveno da ocorrncia de ulceraes nos ps e/ou sua identificao precoce ........................................................ 104 6. Quadro 18 Dez passos para uma alimentao saudvel para pessoas com DM ............ 112 Quadro 19 Estratificao do risco metablico segundo o IMC e a CA combinados ...... 115 Quadro 20 Efeitos dos alimentos sobre a glicemia .......................................................... 117 Quadro 21 Quantidade mdia de fibra nos alimentos ..................................................... 119 Quadro 22 Alimentos ricos em potssio ........................................................................... 120 Quadro 23 Cuidados relacionados com a consulta odontolgica da pessoa com DM ... 143 Quadro 24 Prescrio medicamentosa pelo dentista para pacientes diabticos ........... 143 7. LISTA DE TABELAS Tabela 1 Critrios para o rastreamento do DM em adultos assintomticos .................... 27 Tabela 2 Elementos clnicos que levantam a suspeita de DM ........................................... 30 Tabela 3 Valores preconizados para o diagnstico de DM tipo 2 e seus estgios pr-clnicos ............................................................................................................................... 31 Tabela 4 Insulinas disponveis no SUS ................................................................................. 55 Tabela 5 Avaliao e tratamento da descompensao aguda do DM................................ 69 Tabela 6 Valores de albumina utilizados para o diagnstico dos estgios da nefropatia diabtica ................................................................................................................ 76 Tabela 7 Comorbidades frequentes e seu manejo em pessoas com DM .......................... 81 8. Sumrio 1 Panorama do Diabetes Mellitus e a Organizao da Linha de Cuidado............................ 17 1.1 Panorama do diabetes mellitus.............................................................................................................19 1.2 Organizao da linha de cuidado do diabetes mellitus......................................................................21 Referncias.....................................................................................................................................................23 2 Rastreamento, Diagnstico e Acompanhamento da Pessoa com Diabetes Mellitus na Ateno Bsica.................................................................................................................. 25 2.1 Introduo................................................................................................................................................27 2.2 Rastreamento...........................................................................................................................................27 2.3 Classificao do DM.................................................................................................................................28 2.3.1 Diabetes tipo 1...............................................................................................................................28 2.3.2 Diabetes tipo 2...............................................................................................................................29 2.3.3 Diabetes gestacional e diabetes detectado na gravidez.............................................................29 2.4 Diagnstico..............................................................................................................................................30 2.5 Consulta de enfermagem para avaliao inicial e orientao sobre estilo de vida saudvel.............34 2.6 Consulta de enfermagem para acompanhamento de pessoas com DM..............................................35 2.6.1 Histrico.........................................................................................................................................35 2.6.2 Exame fsico....................................................................................................................................36 2.6.3 Diagnstico das necessidades de cuidado....................................................................................36 2.6.4 Planejamento da assistncia.........................................................................................................37 2.6.5 Implementao da assistncia.......................................................................................................38 2.6.6 Avaliao do processo de cuidado................................................................................................38 2.7 Consulta mdica na avaliao inicial e acompanhamento da pessoa com DM...................................38 2.7.1 Histria...........................................................................................................................................38 2.7.2 Exame fsico....................................................................................................................................40 2.7.3 Avaliao de exames complementares.........................................................................................40 9. Referncias....................................................................................................................................................42 3 Tratamento das Pessoas com Diabetes Mellitus na Ateno Bsica.................................. 45 3.1 Introduo................................................................................................................................................47 3.2 Controle glicmico..................................................................................................................................47 3.2.1 Monitorizao da glicemia............................................................................................................49 3.3 Tratamento no medicamentoso..........................................................................................................49 3.4 Tratamento medicamentoso..................................................................................................................50 3.4.1 Antidiabticos orais.......................................................................................................................50 3.4.2 Combinaes para o tratamento medicamentoso no DM tipo 2...............................................53 3.4.3 Tratamento farmacolgico: 1 linha.............................................................................................53 3.4.4 Tratamento farmacolgico: 2 linha.............................................................................................54 3.4.5 Tratamento farmacolgico: 3 linha.............................................................................................55 3.4.6 Considerao sobre os riscos de diabetes associados com o uso de medicamentos..................60 3.5 Acompanhamento...................................................................................................................................60 3.6 Um olhar por ciclo de vida......................................................................................................................61 3.6.1 Diabetes e gravidez.......................................................................................................................61 Referncias.....................................................................................................................................................62 4 Preveno e Manejo das Complicaes Agudas e Crnicas do Diabetes Mellitus na Ateno Bsica.......................................................................................................................... 65 4.1 Introduo................................................................................................................................................67 4.2 Complicaes agudas do diabetes..........................................................................................................67 4.2.1 Descompensao hiperglicmica aguda.......................................................................................67 4.2.2 Hipoglicemia..................................................................................................................................69 4.3 Preveno e manejo das complicaes crnicas do diabetes................................................................71 4.3.1 Doena macrovascular...................................................................................................................71 4.3.2 Doena microvascular e neuroptica............................................................................................73 4.4 Diabetes e depresso...............................................................................................................................80 4.5 Diabetes e multimorbidade....................................................................................................................81 Referncias.....................................................................................................................................................83 5 Avaliao e Cuidados com os Ps de Pessoas com Diabetes Mellitus na Ateno Bsica.......................................................................................................................... 91 5.1 Introduo................................................................................................................................................93 10. 5.2 Fisiopatologia..........................................................................................................................................94 5.3 Consulta de acompanhamento de pessoas com DM e a avaliao dos ps.........................................94 5.4 Classificao de risco para complicaes no p...................................................................................100 5.5 Pessoas com DM e ulceraes nos ps..................................................................................................102 5.6 Pontos-chave para educao em Sade de pessoas com DM para preveno da ulcerao nos ps......103 Referncias...................................................................................................................................................106 6 Recomendaes Nutricionais de Apoio Pessoa com Glicemia Alterada ou Diabetes Mellitus.................................................................................................................... 109 6.1 Introduo..............................................................................................................................................111 6.2 O papel das equipes de Sade na abordagem da alimentao saudvel para adultos com glicemia alterada ou diabetes mellitus na AB...........................................................................................111 6.3 Recomendaes nutricionais para adultos com DM tipo 2 em consulta mdica e de enfermagem na AB.....................................................................................................................................113 Referncias..................................................................................................................................................122 7 Atividade Fsica para Pessoas com Diabetes Mellitus...................................................... 127 7.1 Introduo..............................................................................................................................................129 7.2 Orientao da atividade fsica para a pessoa com DM.......................................................................129 Referncias..................................................................................................................................................133 8 Sade Bucal e Diabetes Mellitus: recomendaes para o trabalho das equipes da Ateno Bsica e orientaes clnicas para o cirurgio-dentista........................................ 135 8.1 Introduo..............................................................................................................................................137 8.2 Consulta de Sade Bucal para pessoas com DM tipo 2 na Ateno Bsica........................................138 8.3 Orientao para o manejo clnico de pessoas com DM em consulta odontolgica..........................141 Referncias..................................................................................................................................................145 Apndices................................................................................................................................ 147 Apndice A Indicadores para a linha de cuidado das pessoas com DM................................................149 Apndice B Recomendaes para o armazenamento, transporte, preparo e aplicao da insulina..... 152 Anexos..................................................................................................................................... 157 Anexo A Tabela para o Clculo Estimado da Filtrao Glomerular para Pessoas do Sexo Feminino.....158 Anexo B Tabela para o Clculo Estimado da Filtrao Glomerular para Pessoas do Sexo Masculino........ 159 11. 13 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica DIABETES MELLITUS Graus de Recomendao e Nveis de Evidncia Um dos maiores desafios para os profissionais da Ateno Bsica manterem-se adequadamente atualizados, considerando a quantidade cada vez maior de informaes disponveis. A Sade Baseada em Evidncias, assim como a Medicina Baseada em Evidncias so ferramentas utilizadas para instrumentalizar o profissional na tomada de deciso com base na Epidemiologia Clnica, na Estatstica e na Metodologia Cientfica. Nesta Coleo, utilizaremos os graus de recomendao propostos pela Oxford Centre for Evidence Based Medicine e os nveis de evidncia propostos pelo Sistema GRADE (Grades of Recommendation, Assessment, Development and Evaluation) como embasamento terico. Leia mais sobre Medicina Baseada em Evidncias em Cadernos de Ateno Bsica, n 29 Rastreamento, disponvel em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderno_ atencao_primaria_29_rastreamento.pdf. O grau de recomendao um parmetro, com base nas evidncias cientficas, aplicado a um parecer (recomendao), que emitido por uma determinada instituio ou sociedade. Esse parecer leva em considerao o nvel de evidncia cientfica. Esses grupos buscam a imparcialidade na avaliao das tecnologias e condutas, por meio da reviso crtica e sistemtica da literatura disponvel (BRASIL, 2011a). O Quadro 1 resume a classificao dos Graus de Recomendao propostos pela Oxford Centre for Evidence Based Medicine. Quadro 1 Classificao dos Graus de Recomendao da Oxford Centre for Evidence Based Medicine e tipos de estudo que levam em considerao Grau de Recomendao Nvel de Evidncia Exemplos de Tipos de Estudo A Estudos consistentes de nvel 1. Ensaios clnicos randomizados e reviso de ensaios clnicos randomizados consistentes. B Estudos consistentes de nvel 2 ou 3 ou extrapolao de estudos de nvel 1. Estudos de coorte, caso-controle e ecolgicos e reviso sistemtica de estudos de coorte ou caso-controle consistentes ou ensaios clnicos randomizados de menor qualidade. C Estudos de nvel 4 ou extrapolao de estudos de nvel 2 ou 3. Sries de casos, estudos de coorte e caso/ controle de baixa qualidade. D Estudos de nvel 5 ou estudos inconsistentes ou inconclusivos de qualquer nvel. Opinio de especialistas desprovida de avaliao crtica ou baseada em matrias bsicas (estudo fisiolgico ou estudo com animais). Fonte: CENTRE FOR EVIDENCE-BASED MEDICINE, 2009. 12. 14 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica O Sistema GRADE tem sido adotado por diversas organizaes envolvidas na elaborao de diretrizes e revises sistemticas, por exemplo, a Organizao Mundial da Sade, American College of Physicians, AmericanThoracic Society, UpToDate e a Cochrane Collaboration (BRASIL, 2011). Esse sistema oferece a vantagem de separar a avaliao da qualidade da evidncia da avaliao da fora da recomendao. A qualidade da evidncia diz respeito ao grau de confiana que se pode ter em uma determinada estimativa de efeito. Ou seja, se uma evidncia de alta qualidade, improvvel que novas pesquisas produzam mudanas substanciais na estimativa de efeito. A fora da recomendao reflete o grau de confiana no balano entre os efeitos desejveis e indesejveis de um tratamento (ou outra ao em sade). H quatro possibilidades: Recomendao forte a favor de uma ao; Recomendao fraca a favor de uma ao; Recomendao fraca contra uma ao; e Recomendao forte contra uma ao. A recomendao contra ou a favor depende do balano de benefcios versus malefcios/ inconvenientes. A recomendao forte ou fraca depende do grau de clareza/certeza em relao superao dos benefcios sobre os malefcios, ou vice-versa. A qualidade da evidncia um dos elementos que determina a fora da recomendao, mas no o nico. H outros aspectos a considerar, como a importncia relativa e o risco basal dos desfechos, a magnitude do risco relativo e os custos (BRASIL, 2011a). O Sistema GRADE classifica as evidncias como de alta, moderada, baixa ou de muito baixa qualidade. Tambm considera o delineamento dos estudos para qualificar as evidncias. Inicialmente, evidncias provenientes de estudos randomizados so consideradas como de alta qualidade, de estudos observacionais como de baixa qualidade e de sries/relatos de casos como de muito baixa qualidade. O Quadro 2 resume os critrios avaliados na qualidade de evidncia. 13. 15 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica Quadro 2 Classificao da qualidade de evidncia proposta pelo Sistema GRADE Qualidade da Evidncia Definio Tipos de Estudo A (Alto) H forte confiana de que o verdadeiro efeito esteja prximo daquele estimado. Ensaios clnicos randomizados bem planejados e conduzidos, pareados, com controles e anlise de dados adequados e achados consistentes. Outros tipos de estudo podem ter alto nvel de evidncia, contanto que sejam delineados e conduzidos de forma adequada. B (Moderado) H confiana moderada no efeito estimado. Ensaios clnicos randomizados com problemas na conduo, inconsistncia de resultados, impreciso na anlise, e vieses de publicao. C (Baixo) A confiana no efeito limitada. Estudos observacionais, de coorte e caso-controle, considerados altamente susceptveis a vieses, ou ensaios clnicos com importantes limitaes. D (Muito baixo) A confiana na estimativa de efeito muito limitada. H importante grau de incerteza nos achados. Estudos observacionais no controlados e observaes clnicas no sistematizadas, exemplo relato de casos e srie de casos. Fonte: GUYATT et al., 2008a; GUYATT et al., 2008b. As referncias classificadas nos Sistema GRADE utilizadas nesta Coleo encontram-se disponveis em: http://dab.saude.gov.br/portaldab/doencas_cronicas.php . Para saber mais sobre o Oxford Centre for Evidence Based Medicine e o Sistema GRADE: www.cebm.net, www.gradeworkinggroup.org. 14. 16 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica Referncias BRASIL. Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade. Departamento de Ateno Bsica. Caderno de Ateno Primria n 29 Rastreamento. Braslia, 2010. BRASIL. Ministrio da Sade. Secretaria de Cincia, Tecnologia e Insumos Estratgicos. Departamento de Cincia e Tecnologia. Diretrizes metodolgicas: elaborao de pareceres tcnico-cientficos. 3. ed. Braslia, 2011. CENTRE FOR EVIDENCE-BASED MEDICINE. Oxford Centre for Evidence-based Medicine - Levels of Evidence (March 2009). 2009. Disponvel em: http://www.cebm.net/index.aspx?o=1025. GUYATT, G. H. et al. GRADE: an emerging consensus on rating quality of evidence and strength of recommendations. BMJ, London, v. 336, p. 924-6, 2008a. GUYATT G. H. et al. What is quality of evidence and why is it important to clinicians? BMJ, London, v. 336, p. 995-998, 2008b. 15. Panorama do Diabetes Mellitus e a Organizao da Linha de Cuidado 1 16. 19 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica 1.1 Panorama do diabetes mellitus O termo diabetes mellitus (DM) refere-se a um transtorno metablico de etiologias heterogneas, caracterizado por hiperglicemia e distrbios no metabolismo de carboidratos, protenas e gorduras, resultantes de defeitos da secreo e/ou da ao da insulina (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1999). O DM vem aumentando sua importncia pela sua crescente prevalncia e habitualmente est associado dislipidemia, hipertenso arterial e disfuno endotelial. um problema de sade considerado Condio Sensvel Ateno Primria, ou seja, evidncias demonstram que o bom manejo deste problema ainda na Ateno Bsica evita hospitalizaes e mortes por complicaes cardiovasculares e cerebrovasculares (ALFRADIQUE, 2009). A prevalncia de DM nos pases da Amrica Central e do Sul foi estimada em 26,4 milhes de pessoas e projetada para 40 milhes, em 2030. Nos pases europeus e Estados Unidos (EUA) este aumento se dar, em especial, nas faixas etrias mais avanadas devido ao aumento na expectativa de vida enquanto que nos pases em desenvolvimento este aumento ocorrer em todas as faixas etrias, sendo que no grupo de 45 a 64 anos, a prevalncia ser triplicada e, duplicada nas faixas etrias de 20 a 44 anos e acima de 65 anos (INTERNATIONAL DIABETES FEDERATION, 2012). No Brasil, dados da Vigilncia de Fatores de Risco e Proteo para Doenas Crnicas por Inqurito Telefnico (Vigitel), de 2011, mostram que a prevalncia de diabetes autorreferida na populao acima de 18 anos aumentou de 5,3% para 5,6%, entre 2006 e 2011. Ao analisar esse dado de acordo com o gnero, apesar do aumento de casos entre os homens, que eram 4,4%, em 2006, e passaram para 5,2%, em 2011, as mulheres apresentaram uma maior proporo da doena, correspondendo a 6% dessa populao. Alm disso, a pesquisa deixou claro que as ocorrncias so mais comuns em pessoas com baixa escolaridade. Os nmeros indicam que 7,5% das pessoas que tm at oito anos de estudo possuem diabetes, contra 3,7% das pessoas com mais de 12 anos de estudo, uma diferena de mais de 50% (BRASIL, 2011). O levantamento apontou, tambm, que o DM aumenta de acordo com a idade da populao: 21,6% dos brasileiros com mais de 65 anos referiram a doena, um ndice bem maior do que entre as pessoas na faixa etria entre 18 e 24 anos, em que apenas 0,6% so pessoas com diabetes. Com relao aos resultados regionais da pesquisa, a capital com o maior nmero de pessoas com diabetes foi Fortaleza, com 7,3% de ocorrncias. Vitria teve o segundo maior ndice (7,1%), seguida de Porto Alegre, com 6,3%. Os menores ndices foram registrados em Palmas (2,7%), Goinia (4,1%) e Manaus (4,2%) (BRASIL, 2011). estimado que o Brasil passe da 8 posio, com prevalncia de 4,6%, em 2000, para a 6 posio, 11,3%, em 2030. Os fatores de risco relacionados aos hbitos alimentares e estilo de vida da populao esto associados a este incremento na carga de diabetes globalmente (ORGANIZAO MUNDIAL DA SADE, 2003). No municpio de Ribeiro Preto, o Estudo de Prevalncia de Diabetes Mellitus (TORQUATO et al., 2003), realizado no perodo de 1996 a 1997, revelou um alto grau de desconhecimento da doena. Das pessoas com DM, 46,5% desconheciam o fato de serem portadores desta doena. Esses dados so ratificados por outros estudos (ROSA, 2008; INTERNATIONAL DIABETES FEDERATION, 2012; BAHIA et al., 2011) os quais identificaram que aproximadamente 50% dos 17. 20 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica indivduos diagnosticados com DM tipo 2 desconheciam ter a doena, o que contribui de forma significativa para que, no momento do diagnstico, j tenhamos a presena de alteraes micro e macrovasculares no organismo. Na maioria dos pases desenvolvidos, quando se analisa apenas a causa bsica do bito, verifica-se que o DM aparece entre as principais causas, entre a quarta e a oitava posio (SCHMIDT et al., 2011). No Brasil, ocorreram, em 2009, 51.828 mortes por diabetes. Houve um aumento de 24%, entre 1991 e 2000 (de 34/100.000 bitos para 42/100.000 bitos), seguido por um declnio de 8%, entre 2000 e 2009 (de 42/100.000 para 38/100.000) (BRASIL, 2011). Analisando a importncia do DM como carga de doena, ou seja, o impacto da mortalidade e dos problemas de sade que afetam a qualidade de vida dos seus portadores, por meio do Disability Adjusted Life of Years (DALY), anos de vida perdidos ajustados por incapacidade, verifica-se que, em 1999, o DM apresentava uma taxa de 12 por mil habitantes, ocupando a oitava posio (BRASIL, 2010). O DM e a hipertenso arterial sistmica (HAS) so responsveis pela primeira causa de mortalidade e de hospitalizaes no Sistema nico de Sade (SUS) e representam, ainda, mais da metade do diagnstico primrio em pessoas com insuficincia renal crnica submetidas dilise (SCHMIDT; DUNCAN; STEVENS et al., 2009; SCHMIDT et al., 2011; ROSA, 2008). As complicaes agudas e crnicas do diabetes causam alta morbimortalidade, acarretando altos custos para os sistemas de sade. Gastos relacionados ao diabetes mundialmente, em 2010, foram estimados em 11,6% do total dos gastos com ateno em sade (INTERNATIONAL DIABETES FEDERATION, 2012). Dados brasileiros sugerem valores semelhantes (ROSA, 2008; INTERNATIONAL DIABETES FEDERATION, 2012). Estudo realizado pela OMS mostrou que os custos governamentais de ateno ao DM variam de 2,5% a 15% dos oramentos anuais de Sade, e os custos de produo perdidos podem exceder, em at cinco vezes, os custos diretos de ateno sade (ORGANIZAO MUNDIAL DA SADE, 2003). Estudos internacionais sugerem que o custo dos cuidados relacionados ao diabetes cerca de duas a trs vezes superior aos dispensados a pacientes no diabticos e est diretamente relacionado com a ocorrncia de complicaes crnicas (INTERNATIONAL DIABETES FEDERATION, 2009). A anlise epidemiolgica, econmica e social do nmero crescente de pessoas que vivem com DM mostra a necessidade da implantao de polticas pblicas de sade que minimizem as dificuldades dessas pessoas e de suas famlias, e propiciem a manuteno da sua qualidade de vida. No Brasil, um estudo realizado em Cuiab/MT (FERREIRA; FERREIRA, 2009) descreveu as caractersticas epidemiolgicas de 7.938 pessoas com DM atendidas na rede pblica entre 2002 e 2006. Os principais fatores de risco cardiovasculares identificados foram: sobrepeso, sedentarismo e antecedentes familiares cardiovasculares. Mais de 80% dessas pessoas tambm eram hipertensas. O infarto agudo do miocrdio (IAM) foi a complicao mais frequentemente observada. Outro resultado importante foi a identificao de que o usurio, quando chega na Unidade Bsica de Sade (UBS), j apresenta sinais de estgio avanado da doena, o que demonstra, entre outros fatores, as dificuldades de diagnstico precoce e aes de preveno primria e secundria. 18. 21 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica Considerando que a proporo de diagnsticos encontra-se aqum do esperado, que o tratamento muitas vezes inadequado e o controle do DM baixo, colocam-se as seguintes questes para os servios de Ateno Bsica: Por que no se consegue alcanar melhores resultados nos indicadores em relao ao DM? Quais so os fatores que dificultam o controle do DM? Essas dificuldades seriam dos processos de trabalho e das tecnologias utilizadas na assistncia sade, na gesto e nos processos educacionais? Os resultados no controle do DM advm da soma de diversos fatores e condies que propiciam o acompanhamento desses pacientes, para os quais o resultado esperado alm do controle da glicemia o desenvolvimento do autocuidado, o que contribuir na melhoria da qualidade de vida e na diminuio da morbimortalidade. Os objetivos mais importantes das aes de sade em DM so controlar a glicemia e, com isso, em longo prazo, reduzir morbimortalidade causada por essa patologia. Portanto, fazer uma interveno educativa sistematizada e permanente com os profissionais de Sade um aspecto fundamental para mudar as prticas atuais em relao a esses problemas de sade. 1.2 Organizao da linha de cuidado do diabetes mellitus A finalidade da linha de cuidado do DM fortalecer e qualificar a ateno pessoa com esta doena por meio da integralidade e da longitudinalidade do cuidado, em todos os pontos de ateno. Leia mais sobre a organizao do cuidado s pessoas com doenas crnicas no Cadernos de Ateno Bsica, n 35 Estratgias para o Cuidado da Pessoa com Doena Crnica. Resumo dos passos de modelagem da linha de cuidado do DM para a equipe de Ateno Bsica iniciar o processo de organizao com o apoio da gesto municipal e estadual: Partir da situao problema ateno ao DM na Unidade Bsica de Sade (UBS) problematizando a histria natural da doena e como deveria ocorrer a realizao do cuidado dessas pessoas (que fluxo assistencial deve ser garantido para pessoas com glicemia alterada e DM, no sentido de atender s suas necessidades de sade?). Identificar quais so os pontos de ateno no municpio/distrito/regio/estado e suas respectivas competncias, utilizando uma matriz para sistematizar essa informao e dar visibilidade a ela (que aes esses pontos de ateno devem desenvolver incluindo aes promocionais, preventivas, curativas, cuidadoras, reabilitadoras e paliativas?). Identificar as necessidades das UBS quanto ao sistema logstico para o cuidado dos usurios (carto SUS, pronturio eletrnico, centrais de regulao, sistema de transporte sanitrio), pontuando o que j existe e o que necessita ser pactuado com a gesto municipal/distrital/regional/estadual. 19. 22 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica Identificar as necessidades das UBS quanto ao sistema de apoio (diagnstico, teraputico, assistncia farmacutica e sistema de informao), pontuando o que j existe e o que necessita ser pactuado com a gesto municipal/distrital/ regional/estadual. Identificar como funciona o sistema de gesto da rede (espaos de pactuao colegiado de gesto, Programao Pactuada Intergestores PPI, Comisso Intergestores Regional CIR, Comisso Intergestores Bipartite CIB, entre outros). Desenhar o itinerrio teraputico dos usurios na rede e relacionar as necessidades logsticas e de apoio necessrias. Definir os fluxos assistenciais que so necessrios para atender s suas necessidades de sade e as diretrizes ou protocolos assistenciais. Identificar a populao estimada de pessoas com DM e os diferentes estratos de risco e realizar a programao de cuidado de acordo com os parmetros baseados em evidncias que podem ser definidos localmente ou pelo estado ou pelo governo federal. Definir metas e indicadores que sero utilizados para monitoramento e avaliao das Linhas de Cuidado (Apndice A). Vale ressaltar que, apesar de em geral as linhas de cuidado ainda serem organizadas por doenas, essencial que a equipe avalie seu paciente integralmente, j que comumente o DM est associado a outros fatores de risco/doenas. importante lembrar que no h necessidade de organizar o cuidado na Ateno Bsica tambm de forma fragmentada, por doenas, sendo fundamental garantir o acesso e o cuidado longitudinal para a pessoa independente de qual problema ela possui. 20. 23 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica Referncias ALFRADIQUE, Maria Elmira et al. Internaes por condies sensveis ateno primria: a construo da lista brasileira como ferramenta para medir o desempenho do sistema de sade (Projeto ICSAP Brasil). Cadernos de Sade Pblica, Rio de Janeiro, v. 25, n. 6, 2009. BAHIA, L. R. et al. The costs of type 2 diabetes mellitus outpatient care in the Brazilian public health system. Value Health, [S. l.], v. 14, n. 5, Suppl. 1, p. S137140, 2011. BRASIL. Ministrio da Sade. Secretaria de Vigilncia em Sade. Departamento de Anlise de Situao de Sade. Sade Brasil 2009: uma anlise da situao de sade e da agenda nacional e internacional de prioridades em sade. Braslia, 2010. ______. Sade Brasil 2010: uma anlise da situao de sade e da agenda nacional e internacional de prioridades em sade. Braslia, 2011. BRASIL. Ministrio da Sade. Secretaria de Vigilncia em Sade. Secretaria de Gesto Estratgica e Participativa. Vigitel-Brasil 2011: vigilncia de fatores de risco e proteo para doenas crnicas por inqurito telefnico. Braslia, 2012. FERREIRA, Celma Lcia Rocha Alves; FERREIRA, Mrcia Gonalves. Caractersticas epidemiolgicas de pacientes diabticos da rede pblica de sade: anlise a partir do sistema HiperDia. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia, v. 53, n. 1,p. 80-86, 2009. Doi: 10.1590/S0004-27302009000100012. INTERNATIONAL DIABETES FEDERATION. Diabetes atlas update 2012: RegionalCountry Facctsheets. Disponvel em: http://www.idf.org/diabetes-atlas-update-2012-regional-country- factsheets. Acesso em: 22 nov. 2012. ______. IDF Diabetes Atlas. Disponvel em: http://www.idf.org/diabetesatlas/downloads. Accesso em: 25 nov. 2012. ORGANIZAO MUNDIAL DA SADE. Cuidados inovadores para condies crnicas: componentes estruturais de ao. Braslia: Organizao Mundial da Sade, 2003. PING ZHANG et al. Economic impact of Diabetes. In: INTERNATIONAL DIABETES FEDERATION (IDF). Diabetes Atlas. 4th ed. Disponvel em: http://www.idf.org/sites/default/files/Economic_ impact_of_Diabetes.pdf. Acesso em: 23 maio 2013. ROSA, R. S. Diabetes mellitus: magnitude das hospitalizaes na rede publica do Brasil, 19992001. Epidemiologia e Servios de Saude, Braslia, v. 17, n. 2, p. 131134, 2008. SCHMIDT, M. I. et al. Doenas Crnicas no transmissveis no Brasil: mortalidade, morbidade e fatores de risco. In: BRASIL, Ministrio da Sade Departamento de Analise de Situao de Sade Secretaria de Vigilncia em Sade. Sade Brasil 2009: Uma analise da situao de sade e da Agenda Nacional e Internacional de Prioridades em Sade. Braslia: 2010. 21. 24 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica SCHMIDT, M. I. et al. Doenas crnicas no transmissveis no Brasil: carga e desafios atuais. The Lancet, London, 9 maio 2011. DOI:10.1016/S0140-6736(11)60135-9. TORQUATO M. T. et al. Prevalence of diabetes mellitus and impaired glucose tolerance in the urban population aged 30-69 years in Ribeiro Preto (So Paulo), Brazil. So Paulo Medical Journal, So Paulo, v. 121, n. 6, p. 224-30, 2003. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Definition, diagnosis and classification of diabetes mellitus and its complications. Part 1: diagnosis and classification of diabetes mellitus. Geneva: WHO, 1999. 22. Rastreamento, Diagnstico e Acompanhamento da Pessoa com Diabetes Mellitus na Ateno Bsica 2 23. 27 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica 2.1 Introduo Estudos epidemiolgicos demonstram uma relao direta e independente entre os nveis sanguneos de glicose e a doena cardiovascular (MOLITCH et al., 2003) fazendo com que a estratgia clnica de preveno cardiovascular requeira o conhecimento do estado diabtico. No entanto, o diabetes mellitus (DM) pode permanecer assintomtico por longo tempo e sua deteco clnica frequentemente feita, no pelos sintomas, mas pelos seus fatores de risco. Por essa razo, importante que as equipes de Ateno Bsica estejam atentas, no apenas para os sintomas de diabetes, mas tambm para seus fatores de risco (hbitos alimentares no saudveis, sedentarismo e obesidade). A abordagem teraputica dos casos detectados, o monitoramento e o controle da glicemia, bem como o incio do processo de educao em sade so fundamentais para a preveno de complicaes e para a manuteno de sua qualidade de vida (preveno terciria). Algumas aes podem prevenir o diabetes e suas complicaes. Essas aes podem ter como alvo rastrear quem tem alto risco para desenvolver a doena (preveno primria) e assim iniciar cuidados preventivos; alm de rastrear quem tem diabetes, mas no sabe (preveno secundria), a fim de oferecer o tratamento mais precoce. 2.2 Rastreamento A probabilidade de apresentar diabetes ou um estado intermedirio de glicemia depende da presena de fatores de risco. O pblico-alvo para o rastreamento do DM preconizado pela Associao Americana de Diabetes, est apresentada na Tabela 1. Tabela 1 Critrios para o rastreamento do DM em adultos assintomticos Excesso de peso (IMC 25 kg/m2 ) e um dos seguintes fatores de risco: Histria de pai ou me com diabetes; Hipertenso arterial (140/90 mmHg ou uso de anti-hipertensivos em adultos); Histria de diabetes gestacional ou de recm-nascido com mais de 4 kg; Dislipidemia: hipertrigliceridemia (250 mg/dL) ou HDL-C baixo (35 mg/dL); Exame prvio de HbA1c 5,7%, tolerncia diminuda glicose ou glicemia de jejum alterada; Obesidade severa, acanthosis nigricans; Sndrome de ovrios policsticos; Histria de doena cardiovascular; Inatividade fsica; OU Idade 45 anos; OU Risco cardiovascular moderado (Ver Cadernos de Ateno Bsica, n 37 Estratgias para o Cuidado da Pessoa com Doena Crnica Hipertenso Arterial Sistmica). Fonte: AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2013. 24. 28 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica As pessoas com fatores de risco para DM devero ser encaminhados para uma consulta de rastreamento e solicitao do exame de glicemia. No existem evidncias para a frequncia do rastreamento ideal. Alguns estudos apontaram que as pessoas que apresentam resultados negativos podem ser testadas a cada 3 a 5 anos [Grau de Recomendao E] (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2013). Casos de tolerncia diminuda glicose, glicemia de jejum alterada ou diabetes gestacional prvio, podem ser testados mais frequentemente, por exemplo, anualmente (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2013). Recomenda-se que a consulta de rastreamento para a populao-alvo definida pelo servio de Sade seja realizada pelo enfermeiro da UBS, encaminhando para o mdico em um segundo momento, a fim de confirmar o diagnstico dos casos suspeitos. Os objetivos da consulta de rastreamento so: conhecer a histria pregressa da pessoa; realizar o exame fsico, incluindo a verificao de presso arterial, de dados antropomtricos (peso, altura e circunferncia abdominal) e do clculo do IMC; identificar os fatores de risco para DM; avaliar as condies de sade e solicitar os exames laboratoriais necessrios e que possam contribuir para o diagnstico e para a deciso teraputica ou preventiva. 2.3 Classificao do DM O DM tipo 2 abrange cerca de 90% dos casos de diabetes na populao, sendo seguido em frequncia pelo DM tipo 1, que responde por aproximadamente 8% (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2010). Alm desses tipos, o diabetes gestacional tambm merece destaque, devido a seu impacto na sade da gestante e do feto (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2010). Em algumas circunstncias, a diferenciao entre o diabetes tipo 1 e o tipo 2 pode no ser simples. Em alguns casos de dvida, podem ser solicitados nveis de anticorpos anti-GAD e avaliao da reserva de insulina pancretica por meio da medida de peptdeo-C plasmtico. Anticorpos positivos e peptdeo C abaixo de 0,9 ng/ml sugerem o diagnstico de diabetes tipo 1, enquanto que anticorpos negativos e peptdeo C elevado sugerem diabetes tipo 2 (MARASCHIN et al., 2010). Outros tipos especficos de diabetes so mais raros e podem resultar de defeitos genticos da funo das clulas beta, defeitos genticos da ao da insulina, doenas do pncreas excrino, endocrinopatias, efeito colateral de medicamentos, infeces e outras sndromes genticas associadas ao DM. 2.3.1 Diabetes tipo 1 A apresentao do diabetes tipo 1 em geral abrupta, acometendo principalmente crianas e adolescentes sem excesso de peso. Na maioria dos casos, a hiperglicemia acentuada, evoluindo 25. 29 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica rapidamente para cetoacidose, especialmente na presena de infeco ou outra forma de estresse. Assim, o trao clnico que mais define o tipo 1 a tendncia hiperglicemia grave e cetoacidose. O termo tipo 1 indica o processo de destruio da clula beta que leva ao estgio de deficincia absoluta de insulina, quando a administrao de insulina necessria para prevenir cetoacidose. A destruio das clulas beta geralmente causada por processo autoimune (tipo 1 autoimune ou tipo 1A), que pode ser detectado por autoanticorpos circulantes como antidescarboxilase do cido glutmico (anti-GAD), anti-ilhotas e anti-insulina. Em menor proporo, a causa desconhecida (tipo 1 idioptico ou tipo 1B). A destruio das clulas beta em geral rapidamente progressiva, ocorrendo principalmente em crianas e adolescentes (pico de incidncia entre 10 e 14 anos), mas pode ocorrer tambm em adultos. 2.3.2 Diabetes tipo 2 O DM tipo 2 costuma ter incio insidioso e sintomas mais brandos. Manifesta-se, em geral, em adultos com longa histria de excesso de peso e com histria familiar de DM tipo 2. No entanto, com a epidemia de obesidade atingindo crianas, observa-se um aumento na incidncia de diabetes em jovens, at mesmo em crianas e adolescentes. O termo tipo 2 usado para designar uma deficincia relativa de insulina, isto , h um estado de resistncia ao da insulina, associado a um defeito na sua secreo, o qual menos intenso do que o observado no diabetes tipo 1. Aps o diagnstico, o DM tipo 2 pode evoluir por muitos anos antes de requerer insulina para controle. Seu uso, nesses casos, no visa evitar a cetoacidose, mas alcanar o controle do quadro hiperglicmico. A cetoacidose nesses casos rara e, quando presente, em geral ocasionada por infeco ou estresse muito grave. A hiperglicemia desenvolve-se lentamente, permanecendo assintomtica por vrios anos (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2010). 2.3.3 Diabetes gestacional e diabetes detectado na gravidez Diabetes gestacional um estado de hiperglicemia, menos severo que o diabetes tipo 1 e 2, detectado pela primeira vez na gravidez. Geralmente se resolve no perodo ps-parto e pode frequentemente retornar anos depois. Hiperglicemias detectadas na gestao que alcanam o critrio de diabetes para adultos, em geral, so classificadas como diabetes na gravidez, independentemente do perodo gestacional e da sua resoluo ou no aps o parto. Sua deteco deve ser iniciada na primeira consulta de pr-natal (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2010). 26. 30 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica Mais informaes sobre o diabetes gestacional leia em Cadernos de Ateno Bsica Ateno ao Pr-Natal de Baixo Risco, disponvel em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/caderno_atencao_pre_natal_baixo_risco.pdf. 2.4 Diagnstico Os sinais e sintomas caractersticos que levantam a suspeita de diabetes so os quatro Ps: poliria, polidipsia, polifagia e perda inexplicada de peso. Embora possam estar presentes no DM tipo 2, esses sinais so mais agudos no tipo 1, podendo progredir para cetose, desidratao e acidose metablica, especialmente na presena de estresse agudo. Sintomas mais vagos tambm podem estar presentes, como prurido, viso turva e fadiga. No DM tipo 2, o incio insidioso e muitas vezes a pessoa no apresenta sintomas. No in- frequentemente, a suspeita da doena feita pela presena de uma complicao tardia, como proteinuria, retinopatia, neuropatia perifrica, doena arteriosclertica ou ento por infeces de repetio. A Tabela 2 resume os elementos clnicos que levantam a suspeita de diabetes. Tabela 2 Elementos clnicos que levantam a suspeita de DM Sinais e sintomas clssicos: Poliria; Polidipsia; Perda inexplicada de peso; Polifagia. Sintomas menos especficos: Fadiga, fraqueza e letargia; Viso turva (ou melhora temporria da viso para perto); Prurido vulvar ou cutneo, balanopostite. Complicaes crnicas/doenas intercorrentes: Proteinuria; Neuropatia diabtica (cimbras, parestesias e/ou dor nos membros inferiores, mononeu- ropatia de nervo craniano); Retinopatia diabtica; Catarata; Doena arteriosclertica (infarto agudo do miocrdio, acidente vascular enceflico, doena vascular perifrica); Infeces de repetio. Fonte: DUNCAN, B. B. et al., 2013. 27. 31 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica O diagnstico de diabetes baseia-se na deteco da hiperglicemia. Existem quatro tipos de exames que podem ser utilizados no diagnstico do DM: glicemia casual, glicemia de jejum, teste de tolerncia glicose com sobrecarga de 75 g em duas horas (TTG) e, em alguns casos, hemoglobina glicada (HbA1c). Os critrios diagnsticos para cada um dos exames so apresentados na Tabela 3. A utilizao de cada um desses quatro exames depende do contexto diagnstico (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2006; AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2013). Quando a pessoa requer diagnstico imediato e o servio dispe de laboratrio com determinao glicmica imediata ou de glicosmetro e tiras reagentes, a glicemia casual o primeiro exame a ser solicitado, pois fornece um resultado na prpria consulta. Nesse caso, o ponto de corte indicativo de diabetes maior ou igual a 200 mg/dL na presena de sintomas de hiperglicemia (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2013). No havendo urgncia, prefervel solicitar uma glicemia de jejum medida no plasma por laboratrio. Pessoas com glicemia de jejum alterada, entre 110 mg/dL e 125 mg/dL, por apre- sentarem alta probabilidade de ter diabetes, podem requerer segunda avaliao por TTG-75 g (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2006). No TTG-75 g, o paciente recebe uma carga de 75 g de glicose, em jejum e a glicemia medida antes e 120 minutos aps a ingesto. Uma glicemia de duas horas ps-sobrecarga maior ou igual a 200 mg/dL indicativa de diabetes e entre 140 mg/dL e 200 mg/dL, indica tolerncia glicose diminuda. Tabela 3 Valores preconizados para o diagnstico de DM tipo 2 e seus estgios pr-clnicos Categoria Glicemia de jejum* TTG: duas horas aps 75 g de glicose Glicemia casual** Hemoglobina glicada (HbA1C) Glicemia normal 110 140 200 Glicemia alterada 110 e 126 Tolerncia diminuda glicose 140 e 200 Diabetes mellitus 126 200 200 (com sintomas clssicos***) 6,5% Fonte: Adaptado de Sociedade Brasileira de Diabetes, 2009; World Health Organization (2006). *O jejum definido como a falta de ingesto calrica por, no mnimo, oito horas. **Glicemia plasmtica casual definida como aquela realizada a qualquer hora do dia, sem se observar o intervalo desde a ltima refeio. ***Os sintomas clssicos de DM incluem poliria, polidipsia e polifagia. Pessoas com hiperglicemia intermediria (glicemia de jejum entre 110 mg/dl e 125 mg/dl, e duas horas ps-carga de 140 mg/dl a 199 mg/dl e HbA1c entre 5,7% e 6,4%), tambm denominadas de casos de pr-diabetes, pelo seu maior risco de desenvolver a doena, devero ser orientadas para preveno do diabetes, o que inclui orientaes sobre alimentao saudvel e hbitos ativos de vida, bem como reavaliao anual com glicemia de jejum. 28. 32 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica A hemoglobina glicada, hemoglobina glicosilada ou glico-hemoglobina, tambm conhecida pelas siglas A1C e HbA1C, indica o percentual de hemoglobina que se encontra ligada glicose. Como ele reflete os nveis mdios de glicemia ocorridos nos ltimos dois a trs meses, recomendado que seja utilizado como um exame de acompanhamento e de estratificao do controle metablico. Tem a vantagem de no necessitar de perodos em jejum para sua realizao. A Figura 1 sugere um fluxograma de rastreamento e diagnstico para o DM tipo 2. 29. 33 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica Figura 1 Diagrama de rastreamento e diagnstico para o DM tipo 2 Pessoa 18 anos Sintomatologia tpica de DM2?* Glicemia casual 200 ml/d? Possui critrios para rastreamento de DM2?** Solicitar glicemia de jejum Glicemia menor de 110 mg/dl SIM NO Consulta de enfermagem para orientaes sobre estilio de vida saudvel Diagnstico de DM: encaminhar para consulta mdica NO SIM NO Glicemia entre 110 mg/dl e 126 mg/dl Glicemia maior de 126 mg/dl Consulta de enfermagem para orientaes sobre estilo de vida saudvel Solicitar TTG-75 g e/ou HbA1C (se disponvel) Repetir glicemia de jejum: nova glicemia 126 mg/dl? TTG -75g 140 mg/dl e/ou HbA1C 5,7% TTG-75g 140 mg/dl e 200 mg/dl e ou HbA1C5,7%e6,5% TTG 200 mg/dl e/ou HbA1C6,5% Consulta para orientao de MEV e reavaliao em 1 ano Diagnstico de DM conrmado: consulta mdica para denir tratamento e acompanhamento pela equipe NO SIM SIM Fonte: DAB/SAS/MS. * Ver Tabela 2 Elementos clnicos que levantam a suspeita de DM. ** Ver Tabela 1 Critrios para o rastreamento de DM para adultos assintomticos. MEV = Mudanas de estilo de vida. 30. 34 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica 2.5 Consulta de enfermagem para avaliao inicial e orientao sobre estilo de vida saudvel Como j foi descrito no tpico anterior, os indivduos com presena de fatores de risco requerem investigao diagnstica laboratorial. O teste laboratorial que dever ser utilizado na suspeita de diabetes a glicemia de jejum (nvel de glicose sangunea aps um jejum de 8 a 12 horas). O processo de educao em sade do usurio dever ser contnuo e iniciado na primeira consulta. fundamental que o plano de cuidado seja pactuado com a pessoa e inclua as mudanas de estilo de vida (MEV) recomendadas. A avaliao inicial visa determinar se existe um problema associado que requeira tratamento imediato ou investigao mais detalhada. Para estabelecer um plano teraputico preciso classificar o tipo de diabetes e o estgio glicmico. de competncia do enfermeiro, realizar consulta de enfermagem para pessoas com maior risco para desenvolver DM tipo 2, abordando fatores de risco, estratificao do risco cardiovascular e orientao sobre MEV. A consulta de enfermagem tem o objetivo de conhecer a histria pregressa do paciente, seu contexto social e econmico, grau de escolaridade, avaliar o potencial para o autocuidado e avaliar as condies de sade. importante que o enfermeiro estimule e auxilie a pessoa a desenvolver seu plano de autocuidado em relao aos fatores de risco identificados durante o acompanhamento. Recomenda-se a utilizao do escore de Framinghan para estratificao de risco cardiovascular (BRASIL, 2010), descrito no captulo 2 do Cadernos de Ateno Bsica, n 37 Estratgias para o Cuidado da Pessoa com Doena Crnica Hipertenso Arterial Sistmica, desta Coleo. Esta classificao considera que toda pessoa com diagnstico de DM possui alto risco cardiovascular. No entanto, no h um consenso de que o DM, isoladamente, configure um alto fator de risco cardiovascular. Estudo apontou que pessoas com diabetes sem infarto do miocrdio prvio tm um risco 43% menor de desenvolver eventos coronarianos em comparao com as pessoas sem diabetes com infarto do miocrdio prvio (BULUGAHAPITIYA et al., 2009). Dessa forma, alguns autores recomendam o uso de verses modificadas do escore de Framingham. Nas consultas de enfermagem o processo educativo deve preconizar a orientao de medidas que comprovadamente melhorem a qualidade de vida: hbitos alimentares saudveis, estmulo atividade fsica regular, reduo do consumo de bebidas alcolicas e abandono do tabagismo. Voc encontrar mais informaes sobre como apoiar as MEV em Cadernos de Ateno Bsica, n 35 Estratgias para o Cuidado da Pessoa com Doena Crnica, desta Coleo, e tambm no curso de educao a distncia Autocuidado: como apoiar a pessoa com diabetes, que est acessvel na pgina http://dab.saude.gov.br/portaldab/cursos.php. 31. 35 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica A orientao sobre MEV no exclusiva do mdico e/ou do enfermeiro. Todos os profissionais da Sade podem orientar essas medidas. Essas aes possuem baixo custo e risco mnimo, ajudam no controle da glicemia e de outros fatores de risco, aumentam a eficcia do tratamento medicamentoso (causando necessidade de menores doses e de menor quantidade de frmacos) e diminuem a magnitude de muitos outros fatores de risco para doenas cardiovasculares (KLEIN et al., 2004; AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2004a; AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2004b; TUOMILEHTO, 2001). 2.6 Consulta de enfermagem para acompanhamento de pessoas com DM A consulta de enfermagem para o acompanhamento da pessoa com diagnstico de DM pode ser realizada por meio da aplicao da Sistematizao da Assistncia de Enfermagem (SAE) e possui seis etapas interrelacionadas entre si, objetivando a educao em sade para o autocuidado. A assistncia de enfermagem para a pessoa com DM precisa estar voltada para um processo de educao em sade que auxilie o indivduo a conviver melhor com a sua condio crnica, reforce sua percepo de riscos sade e desenvolva habilidades para superar os problemas, mantendo a maior autonomia possvel e tornando-se corresponsvel pelo seu cuidado. As aes devem auxiliar a pessoa a conhecer o seu problema de sade e os fatores de risco correlacionados, identificar vulnerabilidades, prevenir complicaes e conquistar um bom controle metablico que, em geral, depende de alimentao regular e de exerccios fsicos. Apresenta-se a seguir um resumo dos passos da consulta de enfermagem para pessoas com DM. 2.6.1 Histrico Identificaodapessoa(dadossocioeconmicos,ocupao,moradia,trabalho,escolaridade, lazer, religio, rede familiar, vulnerabilidades e potencial para o autocuidado). Antecedentes familiares e pessoais (histria familiar de diabetes, hipertenso, doena renal, cardaca e diabetes gestacional). Queixas atuais, histria sobre o diagnstico de DM e os cuidados implementados, tratamento prvio. Percepo da pessoa diante da doena, tratamento e autocuidado. Medicamentos utilizados para DM e outros problemas de sade e presena de efeitos colaterais. Hbitos de vida: alimentao, sono e repouso, atividade fsica, higiene, funes fisiolgicas. Identificao de fatores de risco (tabagismo, alcoolismo, obesidade, dislipidemia, sedentarismo). 32. 36 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica 2.6.2 Exame fsico Altura, peso, circunferncia abdominal e IMC. Presso arterial com a pessoa sentada e deitada. Alteraes de viso. Exame da cavidade oral, com ateno para a presena de gengivite, problemas odontolgicos e candidase. Frequncia cardaca e respiratria e ausculta cardiopulmonar. Avaliao da pele quanto a sua integridade, turgor, colorao e manchas. Membros inferiores: unhas, dor, edema, pulsos pediosos e leses; articulaes (capacidade de flexo, extenso, limitaes de mobilidade, edemas); ps (bolhas, sensibilidade, ferimentos, calosidades e corte das unhas). Leia mais sobre exame dos ps no Captulo 5 deste Caderno. Durante a avaliao ginecolgica, quando pertinente, deve-se estar atento presena de candida albicans. 2.6.3 Diagnstico das necessidades de cuidado a interpretao e suas concluses quanto s necessidades, aos problemas e s preocupaes da pessoa para direcionar o plano assistencial. Nesse ponto, importante reconhecer precocemente os fatores de risco e as complicaes que podem acometer a pessoa com DM; identificar a sintomatologia de cada complicao, intervir precocemente, principalmente atuar na preveno evitando que esses problemas aconteam. fundamental, para seguir o processo de planejamento e implementao da Sistematizao da Assistncia de Enfermagem (SAE), estar atento para as seguintes situaes: Dificuldades e dficit cognitivo, analfabetismo; Diminuio da acuidade visual e auditiva; Problemas emocionais, sintomas depressivos e outras barreiras psicolgicas; Sentimento de fracasso pessoal, crena no aumento da severidade da doena; Medos: da perda da independncia; de hipoglicemia, do ganho de peso, das aplicaes de insulina; 33. 37 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica Insulina: realiza a autoaplicao? Se no realiza, quem faz? Por que no autoaplica? Apresenta complicaes e reaes nos locais de aplicao? Como realiza a conservao e o transporte? Automonitorizao: Consegue realizar a verificao da glicemia capilar? Apresenta dificuldades no manuseio do aparelho? 2.6.4 Planejamento da assistncia So estratgias para prevenir, minimizar ou corrigir os problemas identificados nas etapas anteriores, sempre estabelecendo metas com a pessoa com DM. Pontos importantes no planejamento da assistncia: Abordar/orientar sobre: o Sinais de hipoglicemia e hiperglicemia e orientaes sobre como agir diante dessas situaes; o Motivao para modificar hbitos de vida no saudveis (fumo, estresse, bebida alcolica e sedentarismo); o Percepo de presena de complicaes; o A doena e o processo de envelhecimento; o Uso de medicamentos prescritos (oral ou insulina), indicao, doses, horrios, efeitos desejados e colaterais, controle da glicemia, estilo de vida, complicaes da doena; o Uso da insulina e o modo correto de como reutilizar agulhas; planejamento de rodzio dos locais de aplicao para evitar lipodistrofia. Solicitar e avaliar os exames previstos no protocolo assistencial local. Quando pertinente, encaminhar ao mdico e, se necessrio, aos outros profissionais. importante que o enfermeiro mantenha a comunicao com toda a equipe durante a implementao da SAE. Ampliando o escopo do diagnstico e planejamento para alm da equipe de Enfermagem, envolvendo tambm o mdico, agentes comunitrios de Sade e o Ncleo de Apoio Sade da Famlia (Nasf), quando disponvel e necesssrio, nas aes desenvolvidas. 34. 38 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica 2.6.5 Implementao da assistncia A implementao da assitncia dever ocorrer de acordo com as necessidades e grau de risco da pessoa e da sua capacidade de adeso e motivao para o autocuidado, a cada consulta. As pessoas com DM com dificuldade para o autocuidado precisam de mais suporte at que consigam ampliar as condies de se cuidar. O apoio ao autocuidado poder ser da equipe de Sade ou de outros recursos, familiares ou comunitrios, articulados para esse fim. 2.6.6 Avaliao do processo de cuidado Avaliar com a pessoa e a famlia o quanto as metas de cuidados foram alcanadas e o seu grau de satisfao em relao ao tratamento. Observar se ocorreu alguma mudana a cada retorno consulta. Avaliar a necessidade de mudana ou adaptao no processo de cuidado e reestruturar o plano de acordo com essas necessidades. Registrar em pronturio todo o processo de acompanhamento. Veja mais sobre autocuidado em Cadernos de Ateno Bsica, n 35 Estratgias para o Cuidado da Pessoa com Doena Crnica, desta Coleo. 2.7 Consulta mdica na avaliao inicial e acompanhamento da pessoa com DM A consulta de avaliao inicial de pessoas com diagnstico de DM ser realizada pelo mdico da Ateno Bsica. Nesta consulta, o profissional precisar identificar os fatores de risco, avaliar as condies de sade, estratificar, se necessrio, o risco cardiovascular da pessoa, e orientar quanto preveno e ao manejo de complicaes crnicas (abordado no Captulo 4 deste Caderno). A consulta mdica dever incluir quatro aspectos fundamentais: histria da pessoa, exame fsico, avaliao laboratorial e estratificao do risco cardiovascular. Vamos ver estes aspectos a seguir. 2.7.1 Histria A histria e o exame fsico da pessoa com DM devem ser obtidos de forma completa. O Quadro 3 resume os principais aspectos a serem observados na histria do paciente. 35. 39 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica Quadro 3 Aspectos relevantes da histria clnica da pessoa com DM Identificao: sexo, idade, raa e condio socioeconmica. Histria atual: durao conhecida do DM e controle glicmico; sintomas (polidipsia, poliria, polifagia, emagrecimento, astenia, prurido vulvar ou balanopostite, diminuio brusca da acuidade visual, infeces frequentes), apresentao inicial e evoluo dos sintomas, estado atual. Investigao sobre diversos aparelhos e fatores de risco: dislipidemia, tabagismo, sobrepeso e obesidade, sedentarismo, perda de peso, caractersticas do sono, funo sexual, dificuldades respiratrias. Queixas sobre infeces dentrias, da pele, de ps e do aparelho genito-urinrio; lcera de extremidades, parestesias, distrbios visuais. Histria pregressa: infarto agudo do miocrdio (IAM) ou acidente vascular cerebral (AVC) prvios; intercorrncias metablicas anteriores (cetoacidose, hiper ou hipoglicemia etc.); passado cirrgico e histria gestacional. Histria familiar: de diabetes mellitus (pais, filhos e irmos), doena cardiovascular e outras endocrinopatias. Perfil psicossocial: hbitos de vida (incluindo uso de lcool e outras drogas), condies de moradia, trabalho, identificao de vulnerabilidades, como analfabetismo e dficit cognitivo, potencial para autocuidado, rede de apoio familiar, entre outros. Avaliao de consumo alimentar: incluindo o consumo de doces e acar, sal, gordura saturada e cafena. Medicaes em uso: uso de medicaes que alteram a glicemia (tiazdicos, betabloqueadores, corticosteroides, contraceptivos hormonais orais, por exemplo); tratamentos prvios e resultados. Prtica de atividade fsica. Fonte: DAB/SAS/MS. Toda mulher com diabetes em idade frtil deve receber orientaes sobre planejamento da gravidez. A gestao da mulher com diabetes , por definio, de alto risco para complicaes, mas muitas delas podem ser evitadas com planejamento prvio. Mulheres que querem engravidar devem receber atendimento para otimizar o controle metablico, rastrear complicaes e avaliar medicamentos utilizados. As mulheres que no desejam engravidar no momento devem receber orientaes sobre mtodos anticoncepcionais disponveis e planejamento familiar. Mais informaes leia em Cadernos de Ateno Bsica, n 26 Sade Sexual e Reprodutiva e Cadernos de Ateno Bsica, n 32 Ateno ao Pr-Natal de Baixo Risco. 36. 40 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica 2.7.2 Exame fsico O exame fsico da pessoa com DM muito importante, visto que pode detectar complicaes da doena e identificar outras condies que, associadas, aumentam a morbimortalidade e influenciam no tratamento. O Quadro 4 apresenta os aspectos relevantes do exame fsico. Quadro 4 Aspectos relevantes do exame fsico da pessoa com DM Medidas antropomtricas: obteno de peso e altura para clculo do ndice de massa corporal (IMC) e aferio da cintura abdominal (CA). Veja mais sobre medidas antropomtricas em Cadernos de Ateno Bsica, n 38 Estratgias para o Cuidado da Pessoa com Doena Crnica Obesidade. Exame da cavidade oral: ateno para a presena de gengivite, problemas odontolgicos e candidase. Medida da PA e frequncia cardaca: duas medidas de PA, separadas por, pelo menos, um minuto, com paciente em posio sentada. Pescoo: palpao de tireoide (quando DM tipo 1). Ausculta cardaca e pulmonar. Exame dos ps: leses cutneas (infeces bacterianas ou fngicas), estado das unhas, calos e deformidades. Avaliao dos pulsos arteriais perifricos e edema de membros inferiores; exame neurolgico sumrio. Leia mais sobre o exame e cuidados com os ps no Captulo 5 deste Caderno. Exame de fundo do olho. Fonte: DAB/SAS/MS. 2.7.3 Avaliao de exames complementares O elenco de exames a seguir necessrio para o atendimento inicial e acompanhamento da pessoa com DM. A periodicidade destes exames depender do acompanhamento individual de cada paciente, considerando o alto risco cardiovascular para a pessoa com DM, o controle metablico, as metas de cuidado e as complicaes existentes. O Quadro 5 mostra os exames de rotina mnima para a pessoa com DM. 37. 41 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica Quadro 5 Rotina complementar mnima para pessoa com DM Glicemia de jejum e HbA1C. Colesterol total (CT), HDL e triglicerdeos (TG). o A frao LDL pode ser calculada utilizando-se a frmula de Friedewald: LDL = CT HDL TG/5 (para triglicerdeos abaixo de 400 mg/dL). Creatinina srica. Exame de urina tipo 1 e, se necessrio, microalbuminria ou relao albumina/creatinina. Fundoscopia. Fonte: DAB/SAS/MS. Tambm podem ser solicitados exames para avaliao cardiolgica, conforme necessidade individual, como eletrocardiograma (ECG). Atualmente, no h benefcio do rastreamento adicional em pacientes assintomticos com ECG normal [GRADE C] (YOUNG et al., 2009). Dessa maneira, avaliao adicional para identificao de doena coronariana est indicada apenas nos pacientes com sintomas cardacos tpicos ou atpicos e quando ECG de repouso alterado (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2012). Sugere-se que os exames de glicemia de jejum e HbA1C sejam realizados duas vezes ao ano, nas situaes em que a pessoa encontra-se dentro da meta glicmica estabelecida e, a cada trs meses, se acima da meta pactuada. Os demais exames podero ser solicitados uma vez ao ano, considerando sempre as necessidades da pessoa e os protocolos locais. 38. 42 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica Referncias AMERICAN DIABETES ASSOCIATION. Diagnosis and classification of diabetes mellitus. Diabetes Care, Alexandria, v. 33, Suppl. 1, p. S6269, 2010. ______. Nutrition principles and recommendations in diabetes. Diabetes Care, Alexandria, v. 27, Suppl. 1, Jan. 2004. ______. Physical Activity/exercise and diabetes. Diabetes Care, Alexandria, v. 27, Suppl. 1, p. S58-S62, Jan. 2004. ______. Standard of medical care in diabetes 2011. Diabetes Care, Alexandria, v. 2011, Alexandria, v. 34, Suppl. 1, Jan. 2011. ______. Standards of Medical Care in Diabetes 2013. Diabetes Care, Alexandria, v. 36, Suppl. 1, jan. 2013. ______. Standards of medical care in diabetes 2012. Diabetes Care, Alexandria, v. 35, Suppl. 1, p. S1163, 2012. ______. Standards of Medical care in Diabetes 2006. Diabetes Care, Alexandria, v. 29, n. Suppl. 1, Jan. 2006. ______. Standards of medical care in diabetes 2012. Diabetes Care, Alexandria, v. 35, Suppl. 1, p. S1163, 2012. BRASIL. Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade. Departamento de Ateno Bsica. Rastreamento. Braslia, 2010. (Cadernos de Ateno Bsica, n. 29). BULUGAHAPITIYA, U. et al. Is diabetes a coronary risk equivalent? Systematic review and meta analysis. Diabetic medicine, Chichester, v. 26, n. 2, p. 142148, Feb. 2009. DUNCAN, B.; SCHMIDT, M. I.; GIUGLIANI, E. R. J. Medicina Ambulatorial: condutas de ateno primria baseada em evidncias. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. DUNCAN, B. B. et al. Medicina Ambulatorial, Condudas de Ateno Primria Baseadas em Evidncias. 4. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2013. KLEIN S. et al. Weigtt management through lifestyle modification for the prevention and management of type2 diabetes: ratinale and strategies: a statement of the American Diabetes Association, The North American Association for the study of obesity, and the American Society for clinical nutrition. Diabetes Care, Alexandria, v. 27, p. 2067-2073, 2004. MARASCHIN, J. F. Classificao do diabete melito. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, So Paulo, v. 95, n. 2, p. 4046, 2010. MOLITCH, M. E. et al. Diabetes Prevention Program Research Group.The diabetes prevention program and its global implications. Journal of the American Society of Nephrology, Washington,v. 14, n. 7, Suppl. 2, p. S103-7.SBD, Jul. 2003. 39. 43 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2009. 3. ed. Itapevi: A. Araujo Silva Farmacutica, 2009. Disponvel em: http://www.diabetes.org.br/attachments/ diretrizes09_final.pdf. Acesso em: 22 nov. 2012. TUOMILEHTO, J. et al. Prevention of type 2 diabetes mellitus by changes in lifestyle among subjects with impaired glucose tolerance. The New England Journal of Medicine, [S.l.], v. 344, n. 18, May 3, 2001. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Definition and diagnosis of diabetes mellitus and intermediate hyperglycemia : report of a WHO/IDF consultation. Geneva, 2006. ______. Definition and diagnosis of diabetes mellitus and intermediate hyperglycemia: report of a WHO/IDF consultation. WHO, Geneva, 2006. YOUNG L. H. et al. Cardiac outcomes after screening for asymptomatic coronary artery disease in patients with type 2 diabetes: the DIAD study: a randomized controlled trial. JAMA, [S.l.], v. 301, n. 15, p. 15471555, 2009. 40. Tratamento das Pessoas com Diabetes Mellitus na Ateno Bsica 3 41. 47 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica 47 3.1 Introduo A programao do atendimento para tratamento e acompanhamento das pessoas com DM na Ateno Bsica dever ser realizada de acordo com as necessidades gerais previstas no cuidado integral e longitudinal do diabetes, incluindo o apoio para mudana de estilo de vida (MEV), o controle metablico e a preveno das complicaes crnicas. O tratamento do diabetes mellitus (DM) tipo 2 consiste na adoo de hbitos de vida saudveis, como uma alimentao equilibrada, prtica regular de atividade fsica, moderao no uso de lcool e abandono do tabagismo, acrescido ou no do tratamento farmacolgico. Estes hbitos de vida saudveis so a base do tratamento do diabetes, e possuem uma importncia fundamental no controle glicmico, alm de atuarem no controle de outros fatores de risco para doenas cardiovasculares. O manejo clnico da insulinizao no DM tipo 2, com aporte de mltiplas doses dirias, deve ser prioritariamente realizado na Unidade Bsica de Sade (UBS), mas pode ser realizado em um ambulatrio de especialidade em casos especficos, ou com apoio matricial, se for necessrio. A pessoa com DM tipo 1, apesar de geralmente ser acompanhada pela Ateno Especializada, tambm deve ter seu cuidado garantido na Ateno Bsica. essencial que a equipe conhea essa populao e mantenha a comunicao constante com os demais nveis de ateno. 3.2 Controle glicmico O controle dos nveis glicmicos essencial para o tratamento do DM. Com a realizao do controle metablico o paciente mantm-se assintomtico e previne-se das complicaes agudas e crnicas, promovendo a qualidade de vida e reduzindo a mortalidade. O controle glicmico pode ser monitorado por glicemias de jejum, pr-prandial (antes das refeies), ps-prandial (aps as refeies) e pela hemoglobina glicada (HbA1c). As glicemias so utilizadas para orientar o ajuste de dose da medicao empregada, uma vez que apontam os momentos no decorrer do dia em que ocorre falta ou excesso de sua ao. A HbA1c o parmetro utilizado para avaliar o controle glicmico em mdio e em longo prazos, pois reflete os nveis glicmicos dos ltimos dois/trs meses. Dois ensaios clnicos randomizados clssicos (THE DIABETES CONTROL AND COMPLICATIONS RESERCH TRIAL GROUP, 1993; HOLMAN et al., 2008) mostraram que o controle glicmico mais estrito pode prevenir complicaes crnicas e mortalidade. Reduo dessas complicaes pode ser obtida pelo controle glicmico intensivo (HbA1c 7,0%) e pelo manejo dos demais fatores de risco cardiovasculares (GAEDE et al., 2008; GAEDE; PEDERSEN, 2005). Em pessoas com DM tipo 1, o controle glicmico intensivo previne o desenvolvimento e a progresso de complicaes micro (THE DIABETES CONTROL AND COMPLICATIONS RESERCH TRIAL GROUP, 1993) [GRADE B] e 42. 48 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica macrovasculares (NATHAN et al., 2005) [GRADE C] em comparao com o tratamento convencional. Em pessoas com DM tipo 2, o controle glicmico intensivo pode prevenir o desenvolvimento e a progresso de complicaes microvasculares (UK PROSPECTIVE DIABETES STUDY, 1998) [GRADE C] especialmente se associado ao controle pressrico intensivo (STRATTON et al., 2006). Alm disso, o controle glicmico intensivo pode tambm reduzir a ocorrncia de infarto agudo do miocrdio (IAM) no fatal (HOLMAN, 2008) [GRADE B]. A meta para o tratamento da hiperglicemia em adultos, atualmente recomendada pela Associao Americana de Diabetes, alcanar HbA1c 7%. As metas glicmicas correspondentes so: glicemia de jejum entre 70 130 mg/dL e ps-prandial abaixo de 180 mg/dL (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2013). Metas mais flexveis (HbA1c 8%) vm sendo estabelecidas para certos grupos de pacientes (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2013), veja a seguir. A deciso de qual grau de controle buscar precisa ser pactuado entre equipe e usurio, considerando possveis benefcios, riscos e disponibilidade dos recursos tcnicos necessrios. As metas tambm precisam considerar a idade/expectativa de vida da pessoa, a durao da doena, e as comorbidades. Alvo menos rigoroso (HbA1c entre 7% e 7,9%) pode ser considerado em casos mais complexos, como pessoas com histrico de hipoglicemias frequentes, doena micro ou macrovascular avanada e/ou dificuldade em obter bom controle glicmico, apesar da associao de diversas medicaes antidiabticas (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2013). Maior flexibilidade recomendada tambm para pessoas com diabetes tipo 2 cujo incio ocorreu aps 60 65 anos. Quando for difcil alcanar o controle glicmico desejado, bom considerar a potencialidade do controle de outros parmetros, como peso e presso arterial, ou fatores de risco, como sedentarismo e alimentao inadequada (DUNCAN, 2013; AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2013). Um estudo de coorte que acompanhou pacientes com DM tipo 2 mostrou que a relao entre nveis de HbA1c e mortalidade (mdia de cinco anos de acompanhamento) tem a forma de U, ou seja, com uma faixa de menor risco ocorrendo naqueles valores de HbA1c em torno de 7,5% (CURRIE et al., 2010). Modesto benefcio e maior risco foi verificado com tratamentos intensivos por aproximadamente cinco anos em pacientes com DM tipo 2 (NNT1 de 140 para cardiopatia isqumica, 768 para AVC, 272 para cegueira mono-ocular e 627 para insuficincia renal terminal; NNH2 de 328 para mortalidade total e 21 para hipoglicemia grave). possvel que seguimentos mais longos obtenham maior benefcio (TURNBULL et al., 2009). As metas de controle glicmico para crianas e adolescentes com DM tipo 1 tambm so mais flexveis, conforme o Quadro 6 (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2013). 1 NNT = Nmero Necessrio para Tratar. Mostra o nmero de doentes que tm de se tratar com a medicao (ou outra forma de tratamento) em estudo para se evitar um evento definido (desfecho). Leva em considerao o intervalo de tempo em que a teraputica foi efetuada no estudo correspondente. 2 NNH = Number Needed to Harm (Nmero Necessrio para Causar Dano). Indica quantas pessoas precisam ser expostas a um fator de risco ao longo de um perodo de tempo para causar danos. Quanto menor o nmero necessrio para causar danos, pior o fator de risco . 43. 49 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica Quadro 6 Metas de controle glicmico para crianas e adolescentes com DM tipo 1 Valores por faixa etria Glicemia pr-prandial (mg/dl) Glicemia ao deitar/ noite (mg/dl) HbA1C (%) Lactentes e pr-escolares (0 a 6 anos) 100 180 110 200 8,5% Escolares (6 a 12 anos) 90 180 100 180 8% Adolescentes e adultos jovens (13 a 19 anos) 90 130 90 150 7,5% Fonte: AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2013. 3.2.1 Monitorizao da glicemia recomendada a monitorizao da glicemia capilar trs ou mais vezes ao dia a todas as pessoas com DM tipo 1 ou tipo 2 em uso de insulina em doses mltiplas (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2013) [Grau de Recomendao B]. Em pessoas com bom controle pr-prandial, porm com HbA1c elevada, a monitorizao da glicemia capilar duas horas aps as refeies pode ser til. Em pessoas com DM tipo 2 em uso de antidiabticos orais a monitorizao da glicemia capilar no recomendada rotineiramente (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2013). A HbA1c deve ser medida no incio do tratamento e a cada trs meses, podendo ser realizada duas vezes ao ano para aqueles com bom controle metablico. Hemlise, sangramentos, anemia e hemoglobinas variantes podem interferir na sua aferio, devendo ser considerados quando a glicemia capilar e a HbA1c no forem compatveis (DIABETES RESEARCH AND CLINICAL PRACTICE, 2011; AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2012). A pesquisa de corpos cetnicos na urina (cetonria), precisa ser aferida em pessoas com DM tipo 1 se a glicemia for maior do que 300 mg/dl, se houver estresse agudo ou sintomas de hiperglicemia/cetose (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2012). No h indicao de seu uso no DM tipo 2. 3.3 Tratamento no medicamentoso Todas as pessoas com DM, independente dos nveis glicmicos, devero ser orientados sobre a importncia da adoo de medidas para MEV (NATHAN et al., 2009; AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2011; MCCULLOCH, 2011a) [Grau de Recomendao A] para a efetividade do tratamento. Hbitos de vida saudveis so a base do tratamento do diabetes, sobre a qual pode ser acrescido ou no o tratamento farmacolgico. Seus elementos fundamentais so manter uma alimentao adequada e atividade fsica regular, evitar o fumo e o excesso de lcool e estabelecer metas de controle de peso (GUSSO; LOPES, 2012). 44. 50 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica Pessoas com DM precisam ser apoiadas para realizar mudanas em seu estilo de vida e instrudas sobre como faz-lo. Uma reviso recente mostra que diversos ensaios clnicos sobre programas intensivos para MEV em pessoas com DM tipo 2 que obtiveram melhora em desfechos como glicemia, HbA1C e peso corporal, foram apoiados com estratgias cognitivo-comportamentais (SPAHN et al., 2010). A reviso mostra ainda que a entrevista motivacional, uma estratgia que visa desencadear mudana de comportamento auxiliando a pessoa a explorar e resolver a ambivalncia na mudana, aumenta a aderncia a recomendaes e melhora desfechos como controle glicmico e perda de peso. importante tambm instruir as pessoas sobre sua doena e as formas de enfrent-la para obter o melhor desfecho possvel. Estratgias cognitivo-comportamentais que promovam mudana de comportamento e aderncia s recomendaes, bem como programas de educao em sade que visam promoo e ao apoio ao autocuidado fazem parte do tratamento do DM e, como tal, a equipe precisa ser instrumentalizada para aplic-los no seu dia a dia. Leia mais sobre MEV e estratgias cognitivo comportamentais no Cadernos de Ateno Bsica, n 35 Estratgias para o Cuidado da Pessoa com Doena Crnica, desta Coleo. 3.4 Tratamento medicamentoso O tratamento do DM tipo 1, alm da terapia no farmacolgica, exige sempre a administrao de insulina, a qual deve ser prescrita em esquema intensivo, de trs a quatro doses de insulina/ dia, divididas em insulina basal e insulina prandial, cujas doses so ajustadas de acordo com as glicemias capilares, realizadas ao menos trs vezes ao dia. Esse esquema reduz a incidncia de complicaes microvasculares [GRADE B] e macrovasculares [GRADE C] em comparao com o tratamento convencional de duas doses de insulina/dia (THE DIABETES CONTROL AND COMPLICATIONS RESERCH TRIAL GROUP, 1993). Pela maior complexidade no manejo desses pacientes, eles so, em geral, acompanhados pela ateno especializada (DUNCAN et al., 2013). O DM tipo 2, que acomete a grande maioria dos indivduos com diabetes, exige tratamento no farmacolgico, em geral complementado com antidiabtico oral e, eventualmente, uma ou duas doses de insulina basal, conforme a evoluo da doena. Casos que requerem esquemas mais complexos, como aqueles com dose fracionada e com misturas de insulina (duas a quatro injees ao dia), so em geral acompanhados pela ateno especializada (DUNCAN et al., 2013) e sero apenas brevemente abordados aqui. 3.4.1 Antidiabticos orais Os antidiabticos orais constituem-se a primeira escolha para o tratamento do DM tipo 2 no responsivo a medidas no farmacolgicas isoladas, uma vez que promovem, com controle 45. 51 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica estrito, reduo na incidncia de complicaes, tm boa aceitao pelos pacientes, simplicidade de prescrio e levam a menor aumento de peso em comparao insulina (GUSSO; LOPES, 2012). O Quadro 7 apresenta os hipoglicemiantes orais disponveis na Relao Nacional de Medicamento (Rename) de 2012. Quadro 7 Medicamentos de uso oral disponveis na Rename 2012 Classe farmacolgica Denominao genrica Concentrao Apresentao Dose mnima (dose inicial) Dose mxima (dia) Tomadas ao dia Biguanidas Cloridrato de Metformina 500 mg Comprimido 500 mg 2.550 mg 3 Cloridrato de Metformina 850 mg Comprimido 500 mg 2.550 mg 3 Derivados da ureia, sulfonamidas Glibenclamida 5 mg Comprimido 2,5 mg 20 mg 2 3 Gliclazida 30 mg Comprimido de liberao controlada 30 mg 1 Gliclazida 60mg Comprimido de liberao controlada 30mg 1 Gliclazida 80 mg Comprimido 80 mg 320 mg 1 2 Fonte: Relao Nacional de Medicamento (Rename) de 2012. A Figura 2 apresenta uma sugesto de fluxograma de tratamento do DM tipo 2. 46. 52 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica Figura 2 Fluxograma de tratamento do DM tipo 2 Pessoa com diagnstico de DM* Glicemia 300 ou sintomas importantes** NO Atingiu metas aps 3 meses? NO MEV Introduzir antidiabtico oral Atingiu metas aps 3 meses? NO Introduzir 2 antidiabtico oral Atingiu metas aps 3 meses? HbA1c atingiu meta? Ajustar esquema de insulina conforme AMGC (antes do almoo, antes do jantar e ao deitar) em geral iniciar com 4U e ajustar 2U a cada 3 dias at atingir as metas Glicemia antes do almoo aumentada: adicionar insulina de ao rpida antes do caf Glicemia antes do jantar aumentada: adicionar NPH pela manh Glicemia ao deitar aumentada: adicionar insulina de ao rpida antes do jantar Solicitar HbA1c aps 2-3 meses da meta de GJ atingida Manter acompanhamento de HbA1c de 6 em 6 meses SIM SIM SIM SIM NO Associar insulina SIM Iniciar com dose nica de NPH ao deitar. Corrigir dose conforme glicemia de jejum: 70 = diminiur 4U 70-130 = manter 131-180 = aumentar 2U 180 = aumentar 4U NO Fonte: DAB/SAS/MS. * Introduzir metformina ao diagnstico para pessoas com sobrepeso e obesos. ** Quando h o diagnstico, nessa situao, a insulinoterapia deve ser plena e pode ser temporria. AMGC automonitorizao da glicemia capilar. 47. 53 Ministrio da Sade | Secretaria de Ateno Sade | Departamento de Ateno Bsica 3.4.2 Combinaes para o tratamento medicamentoso no DM tipo 2 A escolha do medicamento geralmente segue a sequncia apresentada a seguir. No entanto, casos com hiperglicemia severa no diagnstico (300 mg/dl) podem se beneficiar de insulina desde o incio. Outros fatores que podem nortear a escolha de um medicamento, alm do custo, so as preferncias pessoais. Ao combinar mais de um frmaco, levar em conta que a efetividade comparativa da adio de um novo hipoglicemiante oral mostra uma reduo de 0,9% a 1,1% para cada novo frmaco acrescentado (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2013). 3.4.3 Tratamento farmacolgico: 1 linha Se a pessoa no alcanar a meta glicmica em at trs meses com as medidas no farmacolgicas, o tratamento preferencial acrescentar a metformina (SAENZ et al., 2005) no plano teraputico. A introduo mais precoce pode ser considerada em alguns pacientes que no respondem ao tratamento, com ou sem excesso de peso (SAENZ et al., 2005). A escolha desta medicao como primeira opo teraputica deve-se ao seu perfil de segurana em longo prazo, efeito neutro e at mesmo de reduo do peso, ausncia de hipoglicemias e sua capacidade de reduzir eventos macrovasculares. A metformina pode reduzir a incidncia de infarto agudo do miocrdio em 36% e mortalidade em 32% [GRADE B] (SAENZ et al., 2005; HOLMAN et al., 2008; DUNCAN, 2013). A metformina aumenta a captao da glicose e sua utilizao na musculatura esqueltica, reduzindo a resistncia insulina, e diminuindo a produo heptica de glicose (RANG et al., 2003). Alm de reduzir o nvel da glicemia, com uma reduo mdia de 1,5% em mdia na Hb1Ac, a metformin