162
CADERNOS IPPUR Publicação semestral do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro O CADERNOS IPPUR é um periódico semestral, editado desde 1986 pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regio- nal da UFRJ. Dirige-se ao público acadêmico interdisciplinar formado por professores, pesquisadores e estudantes interessados na compreensão dos objetos, escalas, atores e práticas da intervenção pública nas dimen- sões espaciais, territoriais e ambientais do desenvolvimento econômico-social. É dirigi- do por um Conselho Editorial composto por professores do IPPUR e tem como instância de consultação um Conselho Científico inte- grado por destacadas personalidades da pes- quisa urbana e regional do Brasil. Acolhe e seleciona artigos escritos por membros da comunidade científica em geral, baseando- se em pareceres solicitados a dois consulto- res, um deles obrigatoriamente externo ao corpo docente do IPPUR. Os artigos assina- dos são de responsabilidade dos autores, não expressando necessariamente a opinião do corpo de professores do IPPUR. Editora Ana Clara Torres Ribeiro Comissão Editorial Ana Clara Torres Ribeiro Fania Fridman Helion Póvoa Neto Hermes Magalhães Tavares Pedro Abramo Assessoria Técnica Ana Lúcia Ferreira Gonçalves Conselho Científico Alain Lipietz (CEPREMAP-FR) Aldo Paviani (UNB) Bertha Becker (UFRJ) Carlos de Mattos (PUC-CHI) Celso Lamparelli (USP) Clélio Campolina (UFMG) Hélène Rivière d’Arc (CNRS-FR) Inaiá Moreira de Carvalho (UFBA) Leonardo Guimarães (UFPB) Lícia do Prado Valladares ( UNIV.LILLE- URBANDATA) Maria de Azevedo Brandão (UFBA) Maurício de Almeida Abreu (UFRJ) Milton Santos (USP) in memoriam Neide Patarra (IBGE) Ramón Gutiérrez (CEDODAL-AR) Roberto Smith (UFCE) Rosélia Perissé Piquet (UFRJ-UCAM) Tânia Bacelar de Araújo (UFPE) William Goldsmith (CORNELL-EUA) Wrana Maria Panizzi (UFRGS) IPPUR / UFRJ Prédio da Reitoria, Sala 543 Cidade Universitária / Ilha do Fundão 21941-590 Rio de Janeiro RJ Tel.: (21) 2598-1676 Fax: (21) 2598-1923 E-mail: [email protected] http:\\www.ippur.ufrj.br

CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

CADERNOS IPPURPublicação semestral do Instituto de Pesquisa e PlanejamentoUrbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro

O CADERNOS IPPUR é um periódicosemestral, editado desde 1986 pelo Institutode Pesquisa e Planejamento Urbano e Regio-nal da UFRJ. Dirige-se ao público acadêmicointerdisciplinar formado por professores,pesquisadores e estudantes interessados nacompreensão dos objetos, escalas, atores epráticas da intervenção pública nas dimen-sões espaciais, territoriais e ambientais dodesenvolvimento econômico-social. É dirigi-do por um Conselho Editorial composto porprofessores do IPPUR e tem como instânciade consultação um Conselho Científico inte-grado por destacadas personalidades da pes-quisa urbana e regional do Brasil. Acolhe eseleciona artigos escritos por membros dacomunidade científica em geral, baseando-se em pareceres solicitados a dois consulto-res, um deles obrigatoriamente externo aocorpo docente do IPPUR. Os artigos assina-dos são de responsabilidade dos autores, nãoexpressando necessariamente a opinião docorpo de professores do IPPUR.

EditoraAna Clara Torres Ribeiro

Comissão EditorialAna Clara Torres RibeiroFania FridmanHelion Póvoa NetoHermes Magalhães TavaresPedro Abramo

Assessoria TécnicaAna Lúcia Ferreira Gonçalves

Conselho Cientí ficoAlain Lipietz (CEPREMAP-FR)Aldo Paviani (UNB)Bertha Becker (UFRJ)Carlos de Mattos (PUC-CHI)Celso Lamparelli (USP)Clélio Campolina (UFMG)Hélène Rivière d’Arc (CNRS-FR)Inaiá Moreira de Carvalho (UFBA)Leonardo Guimarães (UFPB)Lícia do Prado Valladares (UNIV.LILLE-

URBANDATA)Maria de Azevedo Brandão (UFBA)Maurício de Almeida Abreu (UFRJ)Milton Santos (USP) in memoriamNeide Patarra (IBGE)Ramón Gutiérrez (CEDODAL-AR)Roberto Smith (UFCE)Rosélia Perissé Piquet (UFRJ-UCAM)Tânia Bacelar de Araújo (UFPE)William Goldsmith (CORNELL-EUA)Wrana Maria Panizzi (UFRGS)

IPPUR / UFRJPrédio da Reitoria, Sala 543

Cidade Universitária / Ilha do Fundão21941-590 Rio de Janeiro RJ

Tel.: (21) 2598-1676Fax: (21) 2598-1923

E-mail: [email protected]:\\www.ippur.ufrj.br

Page 2: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

CADERNOS IPPURAno XX, No 2Ago-Dez 2006

Page 3: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

Cadernos IPPUR/UFRJ/Instituto de Pesquisa e Planeja-mento Urbano e Regional da Universidade Federaldo Rio de Janeiro. – ano 1, n.1 (jan./abr. 1986) –Rio de Janeiro : UFRJ/IPPUR, 1986 –

Irregular.Continuação de: Cadernos PUR/UFRJISSN 0103-1988

1. Planejamento urbano – Periódicos. 2. Planejamen-to regional – Periódicos. I. Universidade Federal do Riode Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbanoe Regional.

Indexado na Library of Congress (E.U.A.)e no Índice de Ciências Sociais do IUPERJ.

Page 4: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

EDITORIAL

No presente, têm sido profundamente desestabilizados os fundamentos materiais epolítico-ideológicos do planejamento urbano e regional. No que concerne ao terri-tório, observam-se, por exemplo, a desigual extensão das novas redes técnicas e aregionalização privada. Quanto ao Estado, constatam-se o deslocamento da açãono sentido de favorecer os investimentos estrangeiros e a implementação de políticassociais de cunho compensatório. Com relação à economia, multiplicam-se os mo-delos que procuram sintonizar o novo, tais como os referidos ao planejamento es-tratégico, aos arranjos produtivos locais, à logística territorial e ao desenvolvimentoendógeno.

Sem dúvida, a reorganização do capitalismo na escala mundial, que é subjacente aessa desestabilização, tem imposto um trabalho teórico contínuo a pesquisadoresdo campo do planejamento urbano e regional. Trata-se de um amplo investimento,não isento de polêmicas, na proposição de conceitos que permitam apreender ossentidos mais amplos das mudanças socioespaciais em curso. As grandes cidadesconstituem o epicentro desse investimento, já que os impactos da globalização eco-nômica rompem as formas de cooperação e a concentração espacial de recursosque caracterizaram as fases anteriores do capitalismo.

Emergem, atualmente, novas escalas de realização da economia, que mesclam ourbano e o regional, ao mesmo tempo que surgem novos regionalismos, indicativosdos rumos tomados pela atualização da ação político-administrativa. Na AméricaLatina, e particularmente no Brasil, o ajuste, ainda que parcial, a tendências globaistem estimulado a releitura das desigualdades espaciais. Qual é o novo conteúdodas disparidades regionais? Quais são os novos determinantes das desigualdadesintra-urbanas? Como os atores políticos têm assumido os desafios do presente? Quaissão as potencialidades trazidas pelas novas tecnologias para o desenvolvimentoregional? Como a legislação tem acompanhado a dinâmica espacial da economia?

Os artigos publicados neste número dos Cadernos IPPUR tratam essas e outras ques-tões relacionadas ao ajuste periférico às condições trazidas pela globalização eco-nômica. Acredita-se, como indicado no segmento “Rumos da pesquisa”, que otratamento dessas tendências pode ser enriquecido por estudos que valorizem tantoa história do pensamento social dedicado às questões urbano-regionais quanto acuidadosa escuta das múltiplas vozes que expressam leituras sociais do presente.Trata-se da necessária articulação entre o esforço teórico dedicado ao novo e o examede processos que demonstram a complexidade e a vitalidade do espaço herdado.

Page 5: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

CADERNOS IPPUR

SUMÁRIOAno XX, No 2Ago-Dez 2006

Artigos, 7

Edward W. Soja, 9Algunas consderaciones sobre el concepto deciudades-región globales

Alberto de OliveiraJorge Natal, 45Questão regional, Estado e desenvolvimento noséculo XX – “olhares” fluminenses a partir dos“interesses” do Rio

Marcos Antônio MattediIvo Marcos Theis, 69Inovação e desenvolvimento: uma análisecomparativa de dois programas de novastecnologias em Santa Catarina

Óscar A. Alfonso R., 93Economía política del desarrollo inmobiliarioresidencial, Colombia 1950-2005

Rumos da Pesquisa, 117

João Farias Rovati, 119Evolução urbana no Rio Grande do Sul:trajetórias intelectuais

Anita Loureiro de Oliveira, 137Música e ação no Rio de Janeiro a partir dosanos 1990: vozes insurgentes na cidade

SECRETÁRIA

Vera Lúcia Silva Cruz

REVISÃO GERAL E PROJETO GRÁFICO

Claudio Cesar Santoro

CAPA

André DorigoLícia Rubinstein

ILUSTRAÇÃO DA CAPA

Imagem da direita: Barranquilla,Colômbia. Foto de Óscar A. Alfonso R.(2007).

Imagem da esquerda: Alegoria à“evolução urbana” de Porto Alegre,incluída em livro de autoria de EdvaldoPereira Paiva, publicado em 1943.Desenho de Deusino Varela.

Page 6: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

Ar t igos

Page 7: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XX, No 2, 2006, p. 9-43

Algunas consideraciones sobre elconcepto de ciudades-regiónglobales *

Edward W. Soja

IntroducciónEn tan sólo unos pocos años una históri-ca frontera humana como es la demo-gráfica se ha visto desbordada. Porprimera vez en la historia, la mayoría dela población mundial vive actualmentedesparramada en extensas regionesmetropolitanas de más de un millón dehabitantes. Lo que es nuevo no es preci-samente que la mayoría de los habitantesde nuestro planeta viva en asentamien-tos urbanos de diverso tamaño, pues pro-bablemente ha sido así durante muchasdécadas. El nuevo umbral que se ha al-

canzado implica una concentración ex-traordinaria de población y, sin lugar adudas, una concentración aún mayor depoder social, económico, político, y cul-tural, en alrededor de 400 áreas urbani-zadas en continua expansión que hansido descritas por la literatura especializa-da como ciudades-región globales 1.

¿Qué son las ciudades-región globa-les y por qué han llegado a ser tan pro-minentes en el mundo contemporáneo?¿Qué distingue a las ciudades-región con

* A Comissão Editorial dos Cadernos IPPUR agradece à revista Ekonomiaz, do Departa-mento de Fazenda e Administração Pública do Governo Basco, a possibilidade de publicareste artigo.

1 El término ciudad región (sin guión entre las palabras) es el que se utilizará a lo largo deltexto, excepto cuando se haga referencia a escritos en los que expresamente se usaba eltérmino ciudad-región. La ausencia de el guión entre ciudad y región, no obstante, nosignifica que desaparezcan las connotaciones del término con guión, tales como la crecienteconvergencia entre las escalas regional y urbana o la sutil llamada al viejo concepto deciudad-estado.

Page 8: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

10 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

proyección global de conceptos afinescomo ciudad mundial o ciudad global?¿Cómo y por qué las ciudades-regiónglobal plantean nuevos desafíos a la go-bernanza regional, la planificación, y lapolítica pública? Abordaré estas cuestio-nes bajo tres enfoques, intentando refle-jar los tres componentes del términocompuesto: global; ciudad y región. Co-menzaremos con una discusión sobre laglobalización y sus efectos sobre las ciu-dades y áreas metropolitanas, rastreandoel surgimiento del concepto de ciudades-región global del discurso de la globali-zación, al menos parcialmente.

A esto seguirá un examen más con-creto de los nuevos procesos de urbani-

zación que han estado transformando lametrópoli moderna durante los últimostreinta años, ligando el concepto de ciu-dad-región global a lo que he descritocomo la transición postmetropolitana(Soja, 2000). El tercer rasgo definitoriorecombina de forma original lo global ylo urbano en el contexto de lo que sedenomina el Nuevo Regionalismo (NR)Defenderé que el componente regionaldel concepto de ciudades-región globa-les es su rasgo más distintivo y analítica-mente significativo. La discusión concluyecon un comentario conciso sobre la utili-dad del concepto de ciudades-región glo-bal en el orden de la planificación deldesarrollo urbano y regional.

Efectos de la globalización

El proceso de desarrollo y globalizaciónde las grandes ciudades se ha producidoa lo largo de muchos siglos 2. A lo largodel siglo XVI Amberes era, por ejemplo,el centro más importante de la econo-mía europea. También Londres y Áms-terdam, eran ya ciudades globales endicho siglo y concentraban los flujosmundiales del comercio y las finanzas.Casos todavía más tempranos de globa-lización urbana pueden encontrarse enciudades comerciales, imperiales, y re-ligiosas a lo largo y ancho del mundoentero. La ligazón entre la globalización

y procesos de urbanización no es por lotanto nueva. La economía de mercadoha acumulado capital a escala mundialdesde sus inicios. Precisamente los Paí-ses Bajos surgieron como nación a travésde su papel crucial en el centro estraté-gico de la economía mundial en el sigloXVI. Pero eso no quiere decir que unaeconomía mundial sea una economíaglobal. Es ahora cuando está surgiendouna economía global. Desde al menosel comienzo de los sesenta ha habidouna creciente toma de conciencia de queestá habiendo una aceleración pronun-

2 Entre los años 800 y 1000, las ciudades europeas con más de 20.000 habitantes pasande 25 a 35, para llegar a más de 100.000 en 1300. Si en el año 800 las ciudades supe-riores a 50.000 habitantes son apenas 2 y 4 en el año 1000, en 1300 son 12 y serán 21en 1500. como dice Jan de Vries, cuanto más avanzamos en la Edad Moderna registra-mos la formación de un “sistema de ciudades” que cubre Europa occidental como lasintersecciones de una telaraña cada vez más tupida.

Page 9: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

11Edward W. Soja

ciada en la globalización del capital, eltrabajo y la cultura, y que esta globali-zación intensa está teniendo efectos sig-nificativos sobre las ciudades y la vidaurbana en todo el mundo. El primerpaso para entender cabalmente el con-cepto de ciudades-región globales esanalizar someramente la globalizacióny su impacto sobre las ciudades.

Por economía global entendemosuna economía que funciona como uni-dad en tiempo real a escala planetaria.Una economía donde los flujos de capi-tal, los mercados laborales, los mercadosde materias primas, la información, losproductos básicos, la gestión y la organi-zación, en fin, las principales funcionesdel sistema están internacionalizados einterconectados en todo el planeta, aun-que de forma asimétrica, y caracteriza-dos por una integración desigual de lasdiferentes áreas del planeta al sistemaglobal. La globalización de la economíaestá asociada a un proceso de reestructu-ración productiva y reorganización terri-torial en la que las distintas empresas yámbitos espaciales se aprestan a activarsus propios recursos para no quedar almargen o poder competir con éxito enun mundo cada vez más interconecta-do. Por ello los efectos de globalizaciónsobre las ciudades y el desarrollo urbanopueden analizarse en dos niveles: inter-no y externo. En el interior de las ciuda-des y las regiones metropolitanas, laglobalización ha desempeñado induda-blemente un papel clave en la reconfi-guración de la organización social yespacial de la metrópoli moderna y enel cambio de algunas condiciones bási-cas de la vida contemporánea urbana.

El aumento de los flujos globales detrabajo y capital y la concentración deestos flujos en ciertas áreas urbanas hapropiciado la extensión de poblacionesmetropolitanas hasta alcanzar unas pro-porciones hasta ahora inauditas, comopor ejemplo, donde en Asia orientalvarias regiones urbanizadas (ciudades-región) han alcanzado, si no lo han so-brepasado ya, los cincuenta millones dehabitantes. Más allá de la contribucióna esta expansión demográfica sin pre-cedentes de las poblaciones metropoli-tanas, la globalización también ha sidoun factor de primer orden en la creaciónde ciudades culturalmente diversas yheterogéneas y económicamente im-portantes, como nunca antes se habíaconocido en el mundo, lo que ha en-trañado cambios fundamentales no sóloen la geografía metropolitana, sino enlos procesos de planificación y toma dedecisiones políticas.

También hemos asistido a un cam-bio significativo de las relaciones de lasciudades con su entorno, en gran partedebido a los efectos geográficamentedesiguales de la globalización y al impac-to de las nuevas tecnologías de informa-ción y comunicación (TIC). Las ciudadeshan expandido el alcance geográfico desus interacciones y se han estructuradojerárquicamente según criterios no sim-plemente de tamaño demográfico, sinosobre todo según el grado de control delos flujos transnacionales de capital, traba-jo, información, y comercio, ejercido através de centros decisorios establecidosen las mismas ciudades. En la medidaen que hay una creciente interacción ypor ende una creciente influencia mutua

Page 10: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

12 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

según sus posiciones relativas dentro deesta jerarquía global, los acoplamientosinterurbanos a los que asistimos cada vezcon más frecuencia superan las fronterasnacionales sustituyéndose los lazos esta-blecidos a larga distancia por aquellosmás cercanos que se dan entre ciudadesdel entorno. Esta madeja de vínculos in-terurbanos va mucho más allá de los tra-dicionales compromisos y acuerdos entre“ciudades hermanas” y su objetivo es li-diar con asuntos de gran alcance comola son la inversión transnacional, el co-mercio, el turismo, la producción indus-trial, o los intercambios culturales.

En el desarrollo de este proceso noes difícil imaginar en el futuro grandesáreas regionales de actividad económicamás o menos especializadas. Grandescircuitos de condensación de actividadeseconómicas en servicios comerciales ybancarios, actividades manufacturerasvarias, mercados de capitales, centros deextracción-producción y transporte deenergía, agriculturas especializadas, etc.Y no hay muchas razones que haganpensar que esos procesos podrán serdetenidos por las fronteras nacionalesexistentes. Estas tendencias han llevadoa algunos observadores a especularsobre la aparición de un “mundo sinfronteras” del “final del estado nación”

y aún más, el fin de la geografía comouna fuerza moldeadora de la actividadeconómica y de la vida contemporá-nea. 3 En los últimos años, los efectosdesiguales de la globalización económi-ca dentro y entre las ciudades han esta-do en el origen de numerosos protestasy revueltas urbanas dirigidas en sumayoría contra la globalización en mar-cha. Independientemente del impacto alargo plazo que pueda tener, está claroque la toma de decisiones y los proce-sos de planificación local, así como lavida diaria en ciudades, se está viendocada vez más afectado por el desarrollocada vez más intenso.

Uno de los primeros en advertir estanueva configuración en curso tanto in-terna como externa de las ciudades y susvínculos con los procesos de globaliza-ción fue el teórico de planificación JohnFriedmann4, un investigador puntero detoda la vida en el campo de desarrollourbano y regional quien a finales de losaños setenta examinó las tendenciasprincipales que afectaban a las ciudadesy regiones en el mundo entero y, conGoetz Wolff, publicó un artículo en 1982titulado “La formación de Ciudad Mun-dial: una agenda para la investigación yla acción” 5. Este trabajo iniciaría un de-bate animado sobre la globalización de

3 Ver Ohmae (1990, 1995); O’Brien (1992).4 La primera gran publicación en usar el término “ciudad mundial” fue Las ciudades

mundiales de (ahora Sir) Peter Hall, publicada en Londres por Weidenfeld and Nicolsonen 1966. Sin embargo, esta referencia no fue directamente relacionada con los efectos dela globalización.

5 Friedmann y Wolff (1982). Ver también Friedmann (1986, 1995). Para una continuaciónde esta tradición de investigación de la ciudad mundial, ver las ricas y extensa páginas webde Globalization and World Cities Group and Network (GaWC) en <http://www.lboro.ac.uk/gawc>.

Page 11: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

13Edward W. Soja

las ciudades que finalmente jugarían unpapel importante en el desarrollo delconcepto ciudad-región global.

La “hipótesis ciudad-mundial” comola denominó tan clarividentemente Fried-mann, examinaba desde la perspectivadel activista social los efectos nefastos dela globalización cada vez más evidentessobre las condiciones de vida urbana,sobre todo con respeto a la polarizacióncreciente entre las expansivas ciudade-las del poder financiero y político y losguetos comprimidos de los pobres. Tam-bién centró la atención sobre dos fenóme-nos: la red global que ha ido surgiendoy la jerarquía de ciudades y regionesmetropolitanas que afectaban de modosignificativo al “sistema mundial” de re-laciones de poder económico y político,reforzándolo, y enturbiando en algunamedida los acuerdos internacionalesentre el Primer y el Tercer Mundo. Esteenfoque del desarrollo de las urbes y elénfasis en el alcance regional de las rela-ciones entre ciudades, así como su inte-rés en la combinación de la cara positivay negativa de la globalización, esto es,los efectos positivos sobre el crecimientoeconómico, el comercio o el consumo ylos decididamente negativos sobre elbienestar, la igualdad y el medio ambien-te marcaría y alimentaría el debate sobreciudades mundiales a lo largo de muchosaños.

El concepto de ciudades mundialesseguiría influyendo en el trabajo de pla-nificadores y geógrafos, pero el términoespecífico ciudad mundial fue eclipsadoen la literatura académica y popular por

el término ciudad global, definido y di-fundido más convincentemente a partirdel trabajo de Saskia Sassen (1991,1993). Bajo la influencia de Friedmann,de la teoría de sistemas mundiales, y delas hipótesis de corte sociológico delpostindustrialismo, Sassen centró la aten-ción sobre la polarización social y el in-tenso crecimiento económico causadopor la concentración de poder financieroen un cada vez más pequeño grupo de“centros de mando” globales, lo quepodría llamarse los nodos controladoresespaciales de una economía global queno cesa de ampliarse. Esto tenía el efec-to de estrechar la definición de ciudadglobal, concentrando la atención sobrelas tres grandes “ciudades del capital mun-dial” (Londres, Nueva York, y Tokio), lasllamadas plazas financieras mundiales, yenfocar la atención en el papel determi-nante del capital financiero en la forma-ción tanto la estructura interna como delas conexiones externas de las principalesregiones metropolitanas del mundo.

El concepto de Sassen de ciudadesglobales también desvió la atención lejosdel proceso de reestructuración indus-trial en curso y de las perspectivas espa-ciales y regionales que eran centrales alconcepto de Friedmann. Incluso conmucha más fuerza, apartó la atencióndel creciente grupo de geógrafos y plani-ficadores que estudiaban en la Universi-dad de California, Los Ángeles (UCLA) 6,las reestructuraciones urbanas y econó-micas que estaban teniendo lugar. Enun entorno tan rápidamente cambiantecomo Los Ángeles, la UCLA era el cen-tro de investigación empírico para los

6 Para obtener una breve idea del trabajo de este grupo, ver Soja, Morales y Wolff (1983).

Page 12: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

14 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

estudiosos de la ciudad global, incluyen-do a Friedmann, mientras que NuevaYork era el centro principal de los queapostaban por un enfoque más socio-lógico y financiero.

Diferentes contextos de investiga-ción ayudaron a crear prioridades dife-rentes y puntos de vista divergentes alestudiar la globalización de ciudades.Aquellos que se centraban en NuevaYork y Londres tendieron a adoptar laversión más cómoda de la tesis de socie-dad postindustrial, que ve la ciudad glo-bal como una ciudad desmanteladaindustrialmente y dominada por el po-deroso sector terciario FUEGO 7 (finan-zas, seguro, bienes inmuebles). Alcontrario, el colectivo agrupado entornoa Los Ángeles veía no el final del indus-trialismo y el ascenso de una economíabasada en los servicios, sino más bienun proceso de reestructuración indus-trial y la aparición de una nueva era in-dustrial marcada por una transición delmodelo fordista (consumo masivo, gran-des escalas de producción, cadena demontaje, homogeneidad de producto,etc.) a la industrialización postfordistaurbana. El grupo de investigadores deLos Ángeles era también decididamentepartidario de un enfoque más espacialy expresamente regional, un énfasis queconduciría más directamente al concep-to de ciudad-región global.

La afirmación y defensa más pode-rosa del nuevo concepto de ciudades-región globales ocurrió en el transcursode una conferencia internacional quetuvo lugar en UCLA en octubre de 1999,

y la publicación dos años más tarde delestudio Global City-Regions, compila-ción de las conferencias corregidas porAllen J. Scott (2001), organizador prin-cipal del congreso y figura prominentedel colectivo de investigadores urbanosy regionales de la UCLA. Entre los par-ticipantes y autores capitales estaban losmencionados padres de las nociones deciudad-global y ciudad mundial (PeterHall, John Friedmann, Saskia Sassen),especialistas prominentes en economíainternacional con un interés particularen la evolución de ciudades y regiones(Kenichi Ohmae, Michael Porter), finan-cieros como el Presidente de BancoMundial James Wolfensohn, y otros in-vestigadores especialistas en la formaciónde ciudades-región globales provenien-tes de Quebec y Ontario, San Paulo yMombasa, Corea y Japón, Estambul yBrasilia, además de Los Ángeles.

El capítulo primero que fijaba el pro-grama de investigación de Global City-Regions fue escrito conjuntamente porcuatro geógrafos y planificadores de laUCLA que han jugado papeles clavesen el desarrollo de la teoría urbana yregional: Allen Scott, Edward Soja,Michael Storper, y John Agnew.

Aquí reproduzco un extracto de estecapítulo marco.

El concepto de ciudades-región glo-bales puede remontarse al de “ciudadesmundiales” de Hall (1966) y Friedmanny Wolff (1982), y al de las “ciudades glo-bales” de Sassen (1991). Sobre estosesfuerzos pioneros, construiremos uno

7 Juego de palabras en inglés: FIRE (finance, insurance, real estate).

Page 13: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

15Edward W. Soja

nuevo, tratando de ampliar el significadodel concepto base, mediante nuevasperspectivas económicas, políticas, y te-rritoriales, y por encima de todo nos es-forzaremos para mostrar cómo lasciudades-región funcionan cada vez máscomo nodos esenciales espaciales de laeconomía global y como actores políti-cos singulares sobre la escena mundial.De hecho, muy lejos de haberse disueltocomo objetos sociales y geográficos porlos procesos de globalización, las ciuda-des-región se hacen cada vez más cen-trales en el tejido de la vida moderna, yaún más en tanto que la globalización(en combinación con las oleadas decambio tecnológicos) ha reactivado suimportancia como base para todas lasformas posibles de actividad producti-va, sea la manufactura o los servicios, latecnología avanzada o los sectores detecnología sencilla. En la medida en queestos cambios han comenzado a definirsu curso, se ha hecho gradualmente másevidente que la ciudad en el sentidoestricto es una unidad cada vez menosidónea o viable de organización local ysocial en comparación con las ciudades-región o las redes regionales de ciuda-des. En este proceso, sostenemos quelas ciudades-región globales han surgidocomo una clase nueva y críticamenteimportante en el ámbito geográfico einstitucional, (Scott, 2001, p. 11-12).

El capítulo comienza con algunaspreguntas espinosas. ¿Por qué las ciu-dades-región globales están creciendotan rápidamente al mismo tiempo quealgunos analistas afirman que el final degeografía está a la vista y el mundo seva convirtiendo en un espacio geográfi-

camente vacío atravesado solamentepor flujos de capital e información aes-paciales? Esta antítesis entre la reorde-nación de la economía mundial basadaen lo espacial y territorial y la basadaen flujos internacionales parece respon-der a dos lógicas contrapuestas, a dosestrategias o tendencias que están dán-dose simultáneamente: la lógica domi-nante, sin anclaje territorial, marcada porla gran empresa trasnacional que hacambiado el modo de producción for-dista por el de empresa-red, pero cuyopatrón de competitividad sigue apoyán-dose en la explotación de recursos ge-néricos (capaces de permitir reducciónde costes/precios), pero que son másfáciles de sustituir. La otra estrategia,adoptada por sistemas territoriales dealcance regional y local integrados porpequeñas y medianas empresas quecooperan a la vez que compiten y que,merced a las actuaciones llevadas a cabopor un tejido de agentes sociales e insti-tuciones, son capaces de convertir losrecursos genéricos en otros específicos(cultura organizativa, capacidad de ges-tión, redes sociales, cualificación y for-mación de recursos humanos), másdifíciles de reproducir ya que requierende un anclaje territorial por lo que es-tán sirviendo como referente teórico.

¿Cómo han respondido las ciudadesy regiones con nuevas formas de organi-zación económica y social a la globali-zación, y que nuevos problemas hansurgido como consecuencia? ¿Cuálesson las principales tareas de gobernanzaque enfrentan las ciudades-región globa-les? ¿Pueden las áreas menos avanzadaseconómicamente del mundo enjaezar las

Page 14: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

16 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

ventajas potenciales del desarrollo mun-dial de ciudades-región globales a suspropias ventajas competitivas y recur-sos? ¿Cómo están siendo desafiadas lasnociones tradicionales de democracia yciudadanía por la aparición de ciuda-des-región globales? Los subtítulos prin-cipales del capítulo incluyen el NuevoRegionalismo en el contexto global, lasciudades-región como los motores de laeconomía global, la geografía social deciudades-región globales, nuevas cues-tiones de gobernanza en ciudades-regiónglobales, las ciudades-región globales enpaíses en vías de desarrollo, y desafíosideológicos y políticos en el nuevo siste-ma mundial.

Este programa de trabajo representamucho más que un cambio nominal delanálisis de la globalización urbana y delconcepto de ciudades globales. Señalauna nueva conceptualización muchomás amplia y ambiciosa. Refleja sobretodo y afirma convincentemente el re-surgimiento del interés por la importan-cia del espacio y de la perspectivaespacial, sobre todo en el estudio deprocesos de globalización. Hay que re-cordar que hasta hace bien poco la co-rriente dominante de la economía nohabía prestado ninguna atención a lageografía.8

Mucho se ha escrito sobre cómo laglobalización y las TIC (Internet) han

reducido la importancia del espacio ygeografía en sí mismos y de las perspec-tivas territoriales en el análisis en la me-dida en que los intensos flujos globalesde información, capital, trabajo, y la cul-tura erosionan fronteras territoriales, lasidentidades individuales y colectivas ylos apegos sentimentales a lugares parti-culares, ciudades, y regiones. Aquí argu-mentaremos justo lo contrario. A pesarde la enorme importancia de los flujosque recorren diariamente la economíamundial, la globalización y las nuevasTIC lejos de relegar el papel de lo terri-torial y local está provocando que elespacio, la localización geográfica, lasredes de ciudades como nodos espacia-les, el desarrollo territorial, las ciudadesy regiones, y el regionalismo adquieranuna importancia creciente en el mundocontemporáneo. A través del conceptode ciudades-región global, la globaliza-ción, la urbanización, la industrializa-ción, y el desarrollo económico, social,y político, se analizan conjuntalmentecomo procesos fundamentalmente denaturaleza espacial y regional.

En este marco se ratifica también laimportancia de la producción industrialy de “todas las formas de actividad pro-ductiva”, independientemente de quesean en la industria o en los servicios. Setrata de señalar una clara ruptura con lasideas postmodernas y su representaciónideológica de la sociedad postindustrial

8 En las universidades y manuales, la economía se describe sin ciudades y regiones, se tratade una economía esencialmente incorpórea donde cuestiones tales como las causas de laurbanización, las razones de por qué la actividad económica tiene lugar en un determinadolugar geográfico, el por qué los centros comerciales o financieros se crean en determinadospuntos espaciales y no en otros, y en general el papel que desempeña la localización físicaespacial en las decisiones económicas brillan por su ausencia.

Page 15: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

17Edward W. Soja

y su exagerado énfasis en la importanciadel sector servicios. Las ciudades-regiónglobales son todavía manifestamente laexpresión del capitalismo urbano indus-trial, ahora más vigoroso si cabe por elembate de una fuerza geográfica e insti-tucional nueva cada vez más importanteen la economía global. Como Scott yotros han estado argumentando durantemuchos años, el sector manufacturero (laindustria) sigue siendo todavía un bastiónde las economías urbanas, regionales,nacionales, y globales, especialmentecuando se piensa en la aparición de im-portantes sectores económicos nuevoscomo la producción de herramientas yservicios de información (hardware y soft-ware), servicios avanzados a la empresa(financieros y tecnológicos), la industriade la cultura y la de las artes creativas.

Tras el énfasis en la reestructuraciónurbana e industrial hay una perspectivadistinta y característica del proceso deglobalización en sí mismo. Se argumentaque el rasgo que más distingue la actualfase de globalización no es la extensióndel comercio internacional, el alcanceglobal del capital financiero o la inver-sión extranjera directa, sino que es es-pecíficamente la difusión selectiva de lasformas avanzadas de producción urba-na industrial. La globalización en estesentido ha sido asociada con la creaciónde “nuevos espacios industriales” enmuchas escalas territoriales diferentes,extendiendo las formas avanzadas deindustrialización y las condiciones carac-terísticas de las sociedades urbanas in-dustriales a áreas donde muy poco deesto existía antes de las crisis urbanas yotras que marcaron los sesenta (Scott,

1988). La globalización del capitalismourbano industrial está lejos de culminar,pero ha cambiado considerablemente latradicional división internacional de tra-bajo y la clara división existente entre elPrimero, el Segundo, y el Tercer Mundoque hubo durante la mayor parte delpasado siglo.

A escala global o internacional, losmejores ejemplos de esta difusión selec-tiva son los conocidos por el acrónimoinglés NIC (Países Recién Industrializa-dos), incluyendo la incorporación másreciente del llamado “Tigre celta” irlan-dés. Irlanda es actualmente la tercera eco-nomía más rica de Europa después deNoruega y Luxemburgo. Pero tambiénpodemos encontrar muchos ejemplos deNIR (Regiones Recién Industrializadas).A escala subnacional, se observa unfuerte ascenso del llamado Sunbelt enEE.UU. y el desarrollo de la llamadaTercera Italia, localizada entre el alta-mente industrializado norte y el atrasadosur agrícola, es otro ejemplo llamativo.A escala de región metropolitana, tene-mos el caso mundialmente renombra-do del Silicon Valley en California peroexisten otras muchas concentraciones deproducción de tecnología avanzada y deempleo muy cualificado que se han de-sarrollado en zonas anteriormente subur-banas, las llamadas áreas “greenfield”.

La expansión de estas formas avan-zadas de industrialización hacia nuevaslocalizaciones ha venido acompañadapor otra forma de “inversión de roles”de las regiones, en la medida en queregiones en otro tiempo dinámicas comoel Cinturón Manufacturero Americano,

Page 16: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

18 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

la región noroeste de Inglaterra o lacuenca alemana del Ruhr han vividouna desindustrialización selectiva y sehan visto obligadas a re-organizar suseconomías regionales para evitar el de-clive industrial sostenido. Un procesosimilar se ha producido en el vaciamien-to de las concentraciones industriales enlos núcleos centrales urbanos de ciuda-des como Detroit y Cleveland.

Sostenido por los flujos masivostransnacionales e interregionales de tra-bajo, capital, comercio, y la informa-ción, esta reestructuración complejaindustrial ha creado una nueva y muydiferente relación entre la globaliza-ción, la industrialización, y los procesosde urbanización. El desarrollo desigualde ciudades, regiones, y economíasnacionales a través del planeta, asícomo la aparición del concepto y larealidad de ciudades-región globales,

han sido notablemente conformados poresta nueva relación.

No hay que olvidar que la extensióngeográfica de formas avanzadas de in-dustrialización hacia nuevas áreas hasido acompañada por la profunda des-industrialización de regiones tradicio-nales de industria en lo que puedellamarse una auténtica “inversión de pa-peles” desempeñados por las regiones.Regiones industriales históricas que go-zaban de una larga prosperidad comoel Cinturón Manufacturero Americano,el Noreste Inglaterra, o el Ruhr alemánfueron intencionadamente desindustria-lizadas con criterio selectivo y forzadasa reorganizar sus economías a fin deevitar un pronunciado declive económi-co. Un proceso similar está asociado alvaciamiento de las concentraciones in-dustriales en ciudades de economía for-dista como Detroit y Cleveland.

Transformaciones urbanas

Las ciudades y regiones metropolitanasde todo el mundo han estado experi-mentando significativos cambios duran-te los últimos treinta años. Mientrascontinúa todavía el debate en cuanto asi estos cambios han sido realmentetransformadores y en qué medida, sinembargo parece haber unanimidad enque tres fuerzas interrelacionadas sonprincipalmente las responsables de estareestructuración urbana: a) la globaliza-ción de capital, el trabajo, y la cultura;b) la formación de una Nueva Econo-mía definida de formas diversas como

postfordista, flexible, global, etc.; y c) elimpacto de la revolución de los TIC.Estas tres fuerzas motrices han contribui-do de manera fundamental a configu-rar la metrópoli moderna, un procesoque he descrito como la transiciónpostmetropolitana (Soja, 2000). Al igualque el estudio de globalización, el aná-lisis de los procesos de reestructuraciónurbanos traza un camino esclarecedordel concepto de ciudades-región globa-les. Las reglas del juego económico-fi-nanciero en vigor refuerzan un ordenterritorial crecientemente polarizado en

Page 17: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

19Edward W. Soja

el de las ciudades-región emergentes.Tampoco hay que ignorar comporta-mientos de carácter “horizontal” quetrascienden a las economías territoria-les y se producen en un ámbito mundialcomo son las estrategias de las grandesempresas trasnacionales o las finanzasinternacionales (banca y mercados).Toda clase de actividad o acontecimien-to urbano, tanto si está engarzada a laproducción, al consumo, al comercio, alentretenimiento o la cultura, tiene enalgún sentido un carácter no sólo localsino también global, dando lugar a tér-minos híbridos como “glocalización”para describir las interconexiones cre-cientes entre lo global y lo local 9.

Mirado de un modo diferente, almismo tiempo que la ciudad-región glo-bal se extiende por el mundo entero, éstea su vez también la está influyendo in-tensamente, creando los espacios másheterogéneos urbanos que jamás hayanexistido. Es como si la metrópoli moder-na hubiera estado girando sobre sí mis-ma simultáneamente de dentro afueray, al revés, de fuera adentro, haciendoque lo que asociamos con la ciudad yel urbanismo como un “estilo de vida”aparezca por todas partes mientras almismo tiempo que lo cosmopolita(“todas partes”) cada vez más se hacepresente en la ciudad. En este sentido,se puede decir que cada lugar sobre latierra, desde el Amazonas a la Antártida,está siendo al mismo tiempo globaliza-do y urbanizado, aunque en intensida-des muy diferentes. Pareciera que elmundo como un organismo de cambios

núcleos atractores de recursos, capitalesy población y áreas de abastecimientoy vertido que se despliega tanto a escalaglobal como regional y local. El nuevoorden metropolitano resultante es fértilen paradojas: se solapan mercados glo-bales y economías de archipiélago, fe-nómenos de integración a gran escala yde exclusión socioeconómica, de cone-xión y de fragmentación territorial.

La metrópoli moderna tal comoexistió en los años sesenta se ha hechocada vez más “indelimitable” en variossentidos de este término. Más que nuncaantes, el alcance de la ciudad se ensan-cha hacia fuera extendiéndose a escalaglobal. El interior metropolitano (hinter-land) ya no será definido exclusivamen-te por las fronteras próximas trazadas porla vida cotidiana, los viajes de cercaníasque diariamente se hacen al lugar de tra-bajo, el empleo de medios de comuni-cación y transporte o las identidadesresidenciales. Los “límites de ciudad”han explotado en escala y en alcance.Hasta llegar al nivel mundial hay todauna escala espacial que se inicia en lolocal y asciende hacia regiones de nue-va configuración, estados y conjuntossupraestatales integrados. No se trata deuna visión estática, sino de una realidadhistórica evolutiva, en proceso de cam-bio acelerado. Hay múltiples relacionesentrecruzadas entre todos esos niveles,el comportamiento de la economíamundial condiciona, de modo diverso,a las economías particulares; pero, a suvez, viene determinado por el de losprincipales espacios económicos o por

9 Para una especial discusión y autocrítica del término glocalización, ver Erik Swyngedouw(1997).

Page 18: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

20 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

y contagios se haya puesto en acción.Las ciudades necesitan proyectarse fuerade si mismas y las que no se expandanfuera de sus tradicionales límites, termina-rán por perder la identidad que deseanpreservar y acabarán pos ser englobadasen el universo territorial de otras máspoderosas. Crecer o morir parece ser lanueva divisa de la modernidad. El intentode conservar las tradicionales actividadeseconómicas o las particularidades de go-bierno evitando una expansión territorialo la asociación e integración en unidadesterritoriales mayores, ciudades-región glo-bales, termina por no hacer viable su su-pervivencia.

Un movimiento en espiral similarparece estar ocurriendo dentro de la re-gión metropolitana al estar siendo afec-tada por las fuerzas de globalización, lareestructuración económica, y las nue-vas tecnologías. En un paradójico pro-ceso de deconstrucción selectiva yreconstitución todavía en curso, la me-trópoli moderna ha sido desindustriali-zada e industrializada de nuevo, se hadescentralizado y centralizado de nuevo,en intensidades y mezclas sumamentevariadas. La transición postmetropolita-na toma muchas formas diferentes enespacios urbanos diferentes. Muchoscentros urbanos densamente poblados,por ejemplo, se han “ahuecados haciafuera”, perdiendo población y empleos,mientras otros han logrado lo contrariodensificarse y rellenarse de nuevo conla afluencia de emigrantes globales y de

capital proveniente de una inversiónmundial revigorizada. Mientras la ciudadinterior está siendo configurada de nue-vo, también ha comenzado lo que puedeser descrito como la urbanización de su-burbios (otro concepto aparentementeparadójico). Lo que antaño fueron losanillos externos concéntricos y homogé-neos de las metrópolis se ven hoy salpi-cados por ciudades-margen (edgecities) 10 densamente pobladas, tecnó-polis, y otros descomunales polos deconcentración de trabajo externos a laciudad.

En la transición entre la metrópoli yla postmetrópoli, el foco típicamentemonocéntrico de la región metropolita-na se ha hecho cada vez más policéntri-co o multinodal. Una vez que distintasconcentraciones urbanas han ido es-parciéndose y multiplicándose desde elcentro hacia los suburbios y han comen-zado a estabilizarse como aglomeracio-nes periféricas el predominio de laciudad central se debilita. Lo que ante-riormente eran fronteras relativamenteclaras entre la ciudad y la periferia, lourbano y lo no urbano, el urbanismo yel suburbanismo como modos de vidaclaramente diferentes se hacen cada vezmás difusos y difíciles de distinguir enla medida en que surgen las nuevasredes de interacción y la ciudad fluyesobre el suburbio y viceversa. Lo queestá surgiendo de estos cambios puededescribirse como un proceso de urbani-zación regional. Asistimos a una reno-

10 Las ciudades-margen (J. Garreau, 1992) describen los inmensos centros comerciales,centros de convenciones y complejos de oficinas que se extienden por las áreas suburbanasde las ciudades norteamericanas que compiten con sus tradicionales centros comercialesy financieros.

Page 19: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

21Edward W. Soja

vación del papel de las regiones y lasciudades como lugar de toma de deci-siones y foro de autonomía política; lasciudades-región están claramente sur-giendo como guías y fuerzas motrices enla construcción de la nueva sociedadmundial.

Uno de los ejemplos más notablesde urbanización regional se encuentraen la ciudad-región Los Ángeles. En losaños 1960, el área urbanizada de LosÁngeles estaba entre la menos densa detodas las áreas principales metropolita-nas de EE.UU. Hacia 1990, sin embargo,ésta había ya sobrepasado el área urba-nizada de Nueva York convirtiéndose enla más densa del país. Mientras más deun millón de residentes blancos y ne-gros abandonó el centro de la ciudad,no menos de cinco millones de nuevosemigrantes lo inundaron, creando unadensidad poblacional en el viejo cora-zón urbano parecida a la de Manhattan.Al mismo tiempo, al menos tres ciuda-des externas, la más grande situada enel Orange County, crecieron desboca-damente en barrios periféricos de lossuburbios, elevándose allí también losniveles de densidad demográfica. No es,por tanto, sorprendente que el conceptode ciudad-región global se ha desarro-llado a partir de sus fuertes raíces en LosÁngeles.

La creciente urbanización regionala escala mundial y el proceso de transi-ción histórica que están experimentandolas ciudades han venido indisoluble-mente asociados con la crisis de las iden-tidades culturales y nacionales y con lasdesigualdades crecientes que conducen

a la polarización social, intensificandomuchos de los problemas identificadospor Friedmann a finales de los años1970. La marcha hacia lo supranacio-nal empaña y difumina las identidadesnacionales, las barreras sociales y eco-nómicas provocando una polarizaciónsocial y territorial que se proyecta nosolo dentro de los países sino tambiéndentro de las ciudades, haciendo que,por ejemplo, la esperanza de vida en losbarrios desfavorecidos de Nueva Yorko Los Ángeles caiga por debajo inclusode la media de los países más pobres.La polarización social avanza así de lamano de la segregación espacial y cultu-ral, amenazando con romper el espaciode vida colectivo, de libertad, aperturay de civismo que en su día fue o preten-dió ser la ciudad. Durante los últimostreinta años, no sólo se ha ido ensan-chando la brecha entre ricos y pobresen las ciudades principales estadouni-denses (encabezado por Los Ángeles yNueva York), sino también se ha pro-ducido una reducción significativa deltamaño de la clase media, con unospocos afortunados (comúnmente defi-nido como el yuppy) que han logradoascender por la escala de ingresos mien-tras un número mucho más grande caehacia las filas crecientes de los trabaja-dores urbanos pobres. Incluso dondehay fuertes sistemas de bienestar delucha contra la pobreza y la exclusiónque han amortiguado esta polarizaciónde ingresos, como en la mayor parte dela Unión Europea, las ciudades se hanido dividiendo cada vez más política yculturalmente. Han sido sobre todo losconflictos entre poblaciones domésticase inmigrantes el eje fundamental de la

Page 20: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

22 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

discordia. Las grandes ciudades euro-peas están concentrando en sus periferiasa la abrumadora mayoría de los millo-nes de inmigrantes de la última década yde ciudadanos de minorías étnicas (hijose hijas de inmigrantes). La ocupación delterritorio urbano por la nueva pobreza ylos colectivos desarraigados están alimen-tando las olas de racismo y xenofobiaque están sacudiendo las institucionesnacionales y de la nueva Europa.

En este contexto de desigualdades ypolarizaciones cada vez más profundas,de creciente heterogeneidad cultural(consolidación de sociedades multiétni-cas y multiculturales no integradas), y unarápidamente cambiante geografía urba-na, la postmetrópoli que todavía está enproceso de desarrollo se ha convertidoen un espacio sumamente volátil, apa-rentemente listo para explotar bajo susnuevas contradicciones. Esto ha provo-cado que por todo el mundo, se expandauna verdadera globalización, a lo queMike Davis ha llamado “el urbanismoobsesionado por la seguridad” y la “eco-logía de miedo” (Davis, 1990). La amal-gama de inseguridades y de amenazasconduce a situaciones anímicas en lasque el encapsulamiento y la exclusiónpasan a ser la primera ley de superviven-cia. La arquitectura se ocupa entonces delcontrol urbano, la vida urbana en cual-quier lugar del mundo se fortifica cadavez más detrás de complicados sistemas

de alarmas, gruesos muros defensivos re-matados con espiral de pinchos y cableselectrificados, entradas blindadas, garitasarmadas en las esquinas de las zonasresidenciales. En fin, barrios, residencias,casas y propiedades transformados enbaluartes fortificados con cámaras de vi-gilancia omnipresentes. 11

Todas estas transformaciones urbanashan tenido el efecto adicional de entur-biar otro límite, el que de manera con-vencional se conocía como las escalasurbana y regional-metropolitana. Antesera bastante fácil distinguir lo urbano delo regional como niveles diferentes deanálisis. En la gran metrópolis modernao postmetrópoli, los dos parecen mezclar-se de muchos modos diferentes. Así, laestructura simple de la metrópoli moder-na, con su clara división entre urbano ysuburbano, su estructura monocéntricabasada en el modelo núcleo-periferia seha hecho añicos y se ha transformado enun abigarrado conjunto de formas nue-vas y todavía inestables de en tres me-tropolitanos de naturaleza multinivel ypolicéntricos, en un regionalismo com-plejo y asimétricamente conectado enred, una amalgama de grandes regionesmulticulturales estructurada entorno aciudades de distinta posición jerárquica.Esto también nos plantea quizás el rasgomás definitivo del concepto de ciudad-región global, centrar su foco de atenciónen las regiones y el regionalismo.

11 Los Ángeles, ciudad presentada como una especie de laboratorio en que contemplarciertas tendencias de los macroprocesos de metropolización actualmente en marcha:desindustrialización y deslocalización a escala gigantesca y reindustrialización, externalizaciónde la mano de obra, tematización, desarticulación de la dialéctica centro-periferia, etc. Esuna guerra de baja intensidad contra y entre las bandas, que ha convertido Los Ángelesen una ciudad en estado de excepción permanente, en la que la policía goza de poderesdesmesurados que usa para imponer un auténtico régimen de terror.

Page 21: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

23Edward W. Soja

El Nuevo RegionalismoOrígenes del NuevoRegionalismo

El renacer y afianzamiento del NR haestado estrechamente relacionado con elinterés en redes y nodos y el papel de laaglomeración urbana e industrial, (losclustering) en la generación de fuerzas decreatividad e innovación en las econo-mías regionales. La estructura interna delas regiones o, más expresamente, de laciudad-región global está compuesta porredes de nodos urbanos de tamaños di-ferentes conectados unos a otros por flu-jos de personas, bienes, información,inversión de capital, ideas, etc. A escalaglobal, forman un mosaico, un archipié-lago de ciudades-región que cubren casila superficie de toda la tierra y está organi-zado en una estructura jerárquica fluidade acoplamientos interregionales. Cadavez más, estas redes de ciudades-regióncompiten con las economías y mercadosnacionales como fuerzas conductoras deldesarrollo de la economía global.

El concepto ciudad-región globalestá más directamente arraigado al resur-gir del interés por las regiones y el regio-nalismo que al estudio de globalizacióny su impacto sobre la reestructuraciónurbana y metropolitana. El énfasis en elplano mundial de las transformacioneseconómicas en curso, es decir, el estudiode la globalización no puede hacernos

ignorar, la existencia de niveles inferio-res en los que el sistema económico glo-bal que va configurándose opera deforma diferenciada, segregando toda unanueva gama de interacciones entre lointernacional, los espacios o bloques eco-nómicos, las nuevas regiones intra e in-terestatales, los estados y las localidades.El proceso de articulación del espacio dela economía mundial es por lo demáscomplejo12. No solo se aumenta el alcan-ce de las nuevas formas regionales comose ha dicho sino también la diversifica-ción de los nexos, la extensión y tipolo-gía de las relaciones.

En esta economía global ¿cuál es elnivel que debemos considerar primario:municipios, regiones, estados, bloqueseconómicos o en el extremo superior laeconomía mundial? No existe un crite-rio objetivo que proporcione una res-puesta indiscutible, por lo que hay querecurrir a una convención, más o menosarbitraria, establecida en función de loque nos interese investigar. Tradicional-mente se parte del espacio de los esta-dos, las economías nacionales, porconsiderarlas centro gravitacional detodo el funcionamiento, porque hansido a lo largo de al menos los dos últi-mos siglos los espacios económicos bá-sicos, donde además, reside la mayorriqueza de información. Pero optamospor considerar lo más relevante los

12 Aun cuando llegásemos a la conclusión de que existen niveles diferenciados dentro de laeconomía mundial, se suscitarían nuevos problemas. ¿Qué grado de dinámica específicatienen esos niveles? ¿Cómo se interrelacionan? ¿Es posible establecer tipologías significa-tivas de su interdependencia? ¿Cómo caracterizar la inserción de los niveles regional ylocal en el proceso de globalización? ¿Cuál es su margen de libertad? ¿Hasta qué punto esposible aumentarlo y a través de qué medidas?

Page 22: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

24 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

subespacios en ellos contenidos, de ám-bito regional y local, cuya articulacióninfluye en la configuración de las econo-mías nacionales y que son, a la vez, ca-paces de establecer relaciones directas denuevo tipo con otros territorios inclusomás allá de las fronteras nacionalesdonde se hayan. No hay pues ningúnplano, mundial, estatal, regional o local,exclusivo y excluyente que en el mundoactual pueda identificarse como el pri-mordial. Por el contrario existen dinámi-cas económicas significativas en todos losniveles mencionados. El grado de con-sistencia como sistema de cada nivel y laarticulación actual y tendencial entre losdistintos niveles sistémicos detectados seconvierte en una cuestión central. Lo queafirma el NR es que la dimensión regio-nal de la globalización y los procesos deurbanización son con mucho lo más im-portante de las transformaciones en mar-cha. Es la perspectiva regional la queabsorbe y define fundamentalmente lainteracción entre globalización, urbani-zación, industrialización, y desarrollo, yestablece el concepto de ciudad-regiónglobal como fundamento de una formaparticular de análisis e interpretación.

Durante las tres últimas décadas,hemos asistido a no sólo una vuelta pro-nunciada multidisciplinar hacia el pen-samiento y el análisis espacial, sinotambién a un desarrollo estrechamenterelacionado con las perspectivas espe-cíficamente regionales. Este NR, comoha venido a llamarse, ha estado jugandoun papel particularmente importante en

la formación del sentido teórico y prác-tico de la globalización, la reestructura-ción económica, el cambio tecnológico,y otros procesos que conforman la vidacontemporánea. El sostén del NR es unateorización significativamente nueva delos conceptos claves de región y regio-nalismo de la que a continuación vamosa presentar alguna reflexión relevante.

El regionalismo en el sentido másamplio del término es una forma de lo-grar mayor visión teórica y conocimien-to práctico de las regiones, una creenciapragmática activamente defendida deque las regiones son instrumentos útilespara alcanzar una amplia variedad deobjetivos. Estos objetivos pueden ser in-ducir un desarrollo económico más rá-pido y equitativo, el mejoramiento dela eficacia administrativa, la promocióny defensa de la identidad cultural, el real-zar la democracia participativa y la re-presentación política, la conservacióndel medio ambiente natural, y el estímu-lo de la innovación y la creatividad.Como forma de propugnar y afirmar, unprograma defiende la acción colectiva.Por ello el NR es intrínsecamente políti-co, esto es promueve ideas, organizacio-nes, e identidades regionales en modosy formas que a menudo no encajan fácil-mente dentro de las estructuras políticasexistentes. Esto conecta el regionalismocon los temas de la gobernanza, y sobretodo con las dimensiones territoriales oespaciales de gobierno, la administra-ción, el control social, y la recreación delmedio ambiente sea natural o creado 13.

13 La conexión entre regionalismo y gobernanza territorial se remarca en la raíz latina regere,que significa dirigir o gobernar sobre un espacio definido. De ahí han derivado términoscomo régimen, regir, regentar, regular y la propia región.

Page 23: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

25Edward W. Soja

Como se ha dicho la globalizaciónde la economía está asociada a un pro-ceso de reestructuración productiva yreorganización territorial en las que em-presas y ámbitos espaciales se aprestana activar sus propios recursos para noquedar al margen o poder competir conéxito en un mundo cada vez más inter-conectado. La estrategia adoptada pormúltiples sistemas locales integrados porpequeñas y medianas empresas quecooperan a la vez que compiten y que,merced a las actuaciones llevadas a cabopor un tejido de agentes sociales e insti-tuciones, son capaces de convertir losrecursos genéricos en otros específicos(cultura organizativa, capacidad de ges-tión, redes sociales, cualificación y for-mación de recursos humanos), másdifíciles de reproducir ya que requierende un anclaje territorial están sirviendocomo referente teórico en programas dedesarrollo regional. Esta estrategia, enla que el territorio pasa de ser escenarioa convertirse en protagonista de los pro-cesos de desarrollo, responde como severá al modelo de distrito industrial osistema productivo local para explicar eléxito de las áreas de industrializacióndifusa del centro y nordeste de Italia. Setrata de ámbitos donde la proximidadespacial, las relaciones interempresa-riales y las redes socio-institucionalesfavorecen la aparición y difusión de co-nocimientos convirtiendo a los distritosen áreas potencialmente innovadoras,lo que explica su consideración comoterritorios emergentes en la lógica pro-ductiva actual.

A menudo, el término región ha sidousado solo para referirse a una zona gris

situada entre la escala subnacional y lasupraurbana, es decir a regiones geográ-fico-económicas o estados regionalescomo Quebec y Cataluña, así como aregiones metropolitanas, como el GranMontreal o Barcelona. La ciudad-regiónglobal puede ser vista sentándose a hor-cajadas sobre estas dos formas, entre elestado y la ciudad. El término regióntambién puede ampliarse conceptual yanalíticamente para describir todo tipode dominios espaciales organizados ydelimitados, desde las “burbujas” espa-ciales personales que rodean el cuerpohumano, que definen la más íntima re-gión geográfica, y ascendiendo por unaescala de formas geográficas intermedias,hasta llegar al planeta Tierra, la regiónmás grande ocupada por los humanos.

Pensamiento programa de acción eidentidad regional están pues estrecha-mente asociados con conceptos y teoríasde naturaleza geográfica. Esta conjun-ción de regiones y escalas diversas pue-de ser expresada en una declaraciónaxiomática u ontológica que describe laespecialidad como dimensión funda-mental de vida humana. La existenciade todos los seres humanos se desarro-lla en nesting of nodal regions (regio-nes de nidos nodales), comenzando conla región móvil del propio cuerpo y si-guiendo el movimiento hacia arriba porel ambiente construido de habitaciones,casas, vecindarios, barrios, etcétera hastallegar a ámbitos más y más grandes.Mientras el significado específico, el nú-mero de estas escalas y su influenciasobre nuestras vidas varían de un lugara otro, de cultura a cultura, y cambian alo largo de la historia, hay siempre un

Page 24: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

26 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

sistema de nidos nodales que moldeanel comportamiento humano y su existen-cia. En el mundo moderno, las escalasmás grande definidas concretamentesegún tales términos son la región me-tropolitana la región subnacional, el esta-do nación las regiones supranacionalescomo la Unión Europea, y finalmente laregión global. El que a pesar de su indu-dable influencia en nuestra vida poda-mos no ser deliberadamente conscientesde esta regionalización multiescalar y enefecto, todavía se ha escrito relativamentepoco expresamente sobre ello en las cien-cias sociales, no deja de reflejar un rasgofundamental de vida humana.

Hay mucho más que decir sobre estaregionalidad multinivel omnipresente.Es importante reconocer, por ejemplo,que este sistema de nidos nodales es unaconstrucción social y no algo que nosvenga naturalmente dado. Esto significaque regionalidad y regionalismo al nosernos dado por la naturaleza puedenser ambos socialmente cambiados o re-formados. Efectivamente, durante ladécada pasada, se ha desarrollado unaliteratura creciente sobre la noción delnuevo escalamiento regional o territo-rial, sobre todo en conexión con la glo-balización creciente y los efectos de laNueva Economía 14.

La dimensión espacial de la globa-lización la vemos como una reconfigu-ración simultánea de espacios socialessuperpuestos en múltiples escalas geo-gráficas, modificación en todas ellas de

las estructuras geopolíticas y geoeconó-micas enraizadas. No estamos, por tanto,sólo ante la expansión físico-geográficade la economía de mercado, sino frentea la transformación de los espacios so-ciales y políticos en los que se asienta,ante una contradictoria reconfiguracióndel espacio social que acaece simultá-neamente en múltiples escalas geográ-ficas, que no son ni autosuficientes, niestancas, ni recíprocamente excluyen-tes. El espacio social global se nos pre-senta como un complejo mosaico denodos, niveles, escalas y morfologíassuperpuestas e interdependientes. Elproceso de globalización deja de con-cernir sólo a lo mundial, ya que afecta,modifica y transforma todos los espa-cios, haciendo que la territorialidad sediferencie de nuevo concretándose enmúltiples plasmaciones institucionales.Todo proceso histórico de cambio tienelugar a través de la continua produccióny transformación de los límites territorialesestablecidos y de las prácticas espacialesque contienen. Pero esta capacidad demodificar la escala de la territorialidad al-canza un grado cualitativo en la fase ac-tual de la globalización y se convierte endiferencia específica de ésta.

Un ejemplo de estas interrelacionesy morfologías solapadas fue discutidoanteriormente al hablar de la posibleconvergencia que enturbia los ámbitosurbano y regional. El otro tiene que vercon la reestructuración del estado nacióny la soberanía nacional en relación conlos regionalismos subnacionales y supra-

14 Para un reciente y excelente estudio sobre este tema, ver Neil Brenner (2004). La obrade Brenner está directamente relacionada con los trabajos existentes sobre economíapolítica regional y reestructuración industrial.

Page 25: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

27Edward W. Soja

nacionales, ejemplificados en los deba-tes sobre la distribución de poderes enla Unión Europea, en la medida en laque funciones características del poderpolítico son ejercidas externamente alterritorio sobre el que se ejerce sobera-nía o, al menos, son determinadas ocondicionadas exógenamente.

Las distintas escalas regionales y lasestructuras centro-periferia a su vez amenudo están asociadas con los diferen-tes niveles de poder o influencia ejerci-dos sobre nuestras vidas individuales ycolectivas. Tradicionalmente se ha parti-do del espacio de los estados y las eco-nomías nacionales, por considerarlascentro gravitacional de todo el funciona-miento, porque han sido a lo largo de almenos los dos últimos siglos los espacioseconómicos básicos, la escala regionalmás influyente donde además, reside lamayor riqueza de información. Recien-temente, la escala global ha aumentadoconsiderablemente en su influencia tantoabsoluta como relativamente. Esto hagenerado una literatura interesante ypopular sobre el impacto de la globali-zación en la mengua del poder y de lasoberanía del estado-nación y el desa-rrollo de nuevos conceptos de ciudada-nía en una gama que va de lo local a loglobal (ciudadanía cosmopolita), por loque la naturaleza exclusivamente nacio-nal de ciudadanía está crecientementecuestionada (Isin, 2000, 2001).

Pero actualmente lo más relevanteson los subespacios nacional-estatales,de ámbito regional y local, cuya articu-lación influye en la configuración de laseconomías nacionales y que son, a la

vez, capaces de establecer relacionesdirectas de nuevo tipo con otros territo-rios incluso más allá de las fronterasnacionales donde se hayan. Las regio-nes y el regionalismo en este sentidogeneral pueden así ser vistos como con-ceptos e hipótesis meso-analíticos situa-dos en medio y sirviendo como uneslabón que vincula los niveles macroy micro o, con más precisión hablandoen términos regionales, lo global y lolocal. A la vanguardia en el desarrollodel NR ha estado la formación de uncampo híbrido de economía política re-gional, un fértil campo que aporta unavisión creativa meso-analítica construidacombinando distintas perspectivas de laeconomía política urbana e internacio-nal, ligando estrechamente lo exógeno(factores incontrolados), o sea las fuerzasde la globalización que actúan de lacima a la base o de arriba abajo (nivelmacro) a lo endógeno, que van de labase a la cumbre, de abajo arriba, (nivelmicro), como son los procesos de rees-tructuración urbana industrial, desloca-lización, etc. Dicho brevemente, el NRes una nueva perspectiva provenientede la interacción de lo global y lo localvistos ambos no simplemente como undualismo o dicotomía, sino como los es-labones finales de un encadenamientode múltiples escalas regionales inter-medias. Una gama de variantes se confi-guran como opciones combinables. Laarticulación de ese complejo de espaciosintermedios deviene un gran desafío cuyaexistencia se sustenta en un entramadoinstitucional suficientemente enraizadoy controlado y en diversas ciudadaníassimultáneas. Esta articulación no debeinterpretarse como una simple y única

Page 26: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

28 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

relación entre lo particular y la totalidad,lo local y la economía mundial, porqueen toda dinámica, existe no tanto dilu-ción de las relaciones y límites anterio-res como articulación, combinatoria deplanos; local, nacional, 50internacional,global, perviven, surgen y se combinande mil maneras, derivándose una com-binatoria de múltiples articulaciones;opera en sentido vertical, ascendente enescalones sucesivos, con cada nivel rela-cionándose con el inmediato siguiente,desde lo local a lo mundial, atravesandoregiones y estados; se forman redes den-tro de los mismos niveles (interestatal,interregional, interlocal); aparecen nue-vas instancias, como bloques o regionestransfronterizas, fruto de la integraciónde estados preexistentes; se establecentambién, interrelaciones cruzadas, convinculaciones directas que se saltan losescalones intermedios: de lo local con loestatal o directamente con lo mundial(ciudades mundiales), de lo regional conbloques y mundos (áreas geográficas queagrupan territorios pertenecientes a dis-tintos estados), etc.

Quizás la expresión más poderosa delNR vista desde la óptica de la economíapolítica regional es el título de una obraacertadamente nombrada, El MundoRegional, escrita por Michael Storper(1996), por lo que no es ninguna meracoincidencia que su autor también hayacontribuido considerablemente al desa-rrollo del concepto de ciudad-regiónglobal. Como Storper apunta, casi todoslos enfoques más tempranos del regio-nalismo y el desarrollo regional trataronla región como una variable casi com-pletamente dependiente, un resultado

de fuerzas sociales, económicas, y políti-cas subyacentes, conceptuándolo comoun dominio externo, un contenedor enel cual las cosas pasan, pero raras vecescomo una variable independiente, unfactor que influye y moldea todos losdemás ámbitos. Las estrategias de de-sarrollo basadas en una red de agentessociales e institucionales en la que elterritorio pasa de ser escenario a conver-tirse en protagonista de los procesos dedesarrollo responden a modelos surgi-dos de las propuestas del NR. Se tratade ámbitos donde la proximidad espa-cial, las relaciones interempresariales ylas redes socio-institucionales favorecenla aparición y difusión de conocimientosconvirtiendo a las regiones en áreas po-tencialmente innovadoras, lo que explicasu consideración como territorios emer-gentes en la lógica productiva actual.Hoy, la región está siendo concebida demanera bastante diferente, y es esta di-ferencia lo que más enérgicamente dis-tingue la ciudad-región global de otrosconceptos relacionados.

Storper define las regiones como lasunidades fundamentales de la vida social,comparable en importancia a la familia,el estado, y el mercado como modos yámbitos básicos de organizar las socie-dades y las relaciones sociales. Además,argumenta que las regiones y el regio-nalismo son igualmente fundamentalescomo fuerzas motrices para el desarrollosocial, similares en impacto e influenciaa fuerzas sociales tales como la innova-ción tecnológica, la división de trabajo,el comportamiento optimizador guiadopor el lucro y el interés o la libre com-petencia de los mercados. En otras pa-

Page 27: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

29Edward W. Soja

labras, las regiones y, en particular, laseconomías regionales cohesionadas yconsistentes, son fuerzas activas y forma-ciones sociales singulares que puedeninfluir considerablemente en nuestrasvidas, tanto positiva como negativamen-te, a través de modos que van bastantemás allá de las influencias físicas ambien-tales, el acceso a los recursos, o las ven-tajas simples de localización.

En ciertas condiciones, las regioneso, en palabras de Storper, los “mundosregionales de producción”, pueden servistos como generadores del desarrolloy el cambio y estímulos de la innovacióny la creatividad. Esta reformulada visiónde las regiones que ha tenido importan-tes repercusiones teóricas y prácticas,proporciona un fundamento y explicamuy convincentemente el resurgimientodel interés por las regiones y por el NRy, de un modo indirecto, manifiesta porqué la “regionalidad” es tan central alconcepto de ciudad-región global. Laciudad-región global no es solamenteuna nueva vuelta de tuerca al conceptode ciudad global, sino que es un argu-mento teórico y una actitud reivindicativapara situar a las regiones en primera líneaen el análisis y la interpretación de glo-balización, la formación de una NuevaEconomía, el impacto de nuevas tecno-logías, y el modelo de desarrollo urbanoy metropolitano.

La estructura nodal y laseconomías de aglomeración

El término nodal acentúa otro aspectofundamental de la regionalidad, la ten-

dencia de las regiones a organizarseentorno a centros o nodos. La existen-cia de nodos de alta concentración, ca-paces de recibir y procesar flujos deinformación, recursos financieros, servi-cios y de redistribuir eficazmente losinputs recibidos de centros nodales fun-damentales que usan su potencial y lasnuevas TIC para extender y profundizarsu alcance mundial es un elemento clavede la actual regionalidad. El grado deconexión a los nodos es también deter-minante de la posibilidad de acceder aesos flujos y de las distintas insercionesespaciales inducidas. La proximidad eintensidad de la conexión a un centronodal por lo general trae ventajas com-petitivas (regional). En este sentido, ocu-par una posición central o centralidadtambién define su contrario, ocupar unaposición periférica (periferialidad o mar-ginalidad) entraña potencialmente unadesventaja relativa, dando a todas lasregiones al menos una estructura deperiferia principal superficial. En la nue-va economía la productividad y la com-petitividad de las regiones, las ciudadesy las ciudades-región está determinadapor su habilidad para combinar capaci-dad de información, calidad de vida yconectividad a la red de grandes nodosmetropolitanos a escala nacional e in-ternacional.

La “nodalidad”, o mejor la conecti-vidad a los nodos centrales del sistemaregional genera ventajas económicocompetitivas y estimula las fuerzas deldesarrollo de dos modos diferentes porlo menos. El primero obviamente, pro-viene de los ahorros de tiempo y energíaasociados con la acumulación (beneficios

Page 28: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

30 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

de aglomeración o clustering) de activi-dades en el espacio, reduciendo los cos-tes de transacción e información y dedistancia. Esto ha sido la base de lo quedurante mucho tiempo se ha conocidocomo economías de aglomeración oeconomías de localización. Estos aho-rros y otras ventajas debido a la proxi-midad pueden tomar muchas formas: elaprovisionamiento de materias primase inputs de los procesos de producción(encadenamientos hacia atrás en la ma-triz de interrelaciones), en el acceso a losmercados de consumo y a otros produc-tores (encadenamientos hacia adelante),en la búsqueda de habilidades técnicasespecializadas y de fuerza de trabajocualificada. En términos sencillos, ha-biendo necesidad de recursos, incluyen-do el capital humano, tener cerca alalcance de la mano polos de fuerza detrabajo cualificada puede reducir losgastos de producción e inducir crecimien-tos de la eficiencia y la productividad.

Además de estos efectos claramentevisibles de reducción de coste directosde la nodalidad o conectividad (nodali-ty effects), hay otras ventajas menos tan-gibles que pueden ser descritas demanera amplia como “efectos de inno-vación y aprendizaje”. Estos no sóloayudan a reducir los gastos de produc-ción, sino que contribuyen al creci-miento económico continuo y a unaexpansión económica sostenible. Pode-mos referir a estos efectos generados porla aglomeración, más difíciles de mediry de muy complejo funcionamiento,como “economías de urbanización”, y

se han convertido en centro de investi-gación principal de la nueva economíapolítica regional. Aquí el análisis vamucho más allá de la difícil estadísticade relaciones input-output para la firmaindividual o para el grupo o sector eco-nómico para ir al lado más cualitativode los “mundos regionales de produc-ción” (Storper) y pone de relieve la im-portancia de factores fundamentales deldesarrollo como son los emparentadoscomo convenciones sociales, fidelidadesy compromisos no recogidos en contratosnegociados jurídicamente, el pensamien-to estratégico reflexivo, y otros activos re-gionales específicos.

Entre los economistas que más tem-pranamente reconocieron estas ventajasmenos calculables que provienen de laaglomeración urbana está Alfred Mar-shall, una figura clave en el estudio deexterno o economías de aglomeracióny la formación de “distritos industria-les” 15. Marshall vio estas ventajas “en elaire” o la atmósfera de la ciudad y el clus-ter industrial. Cómo esta atmósfera fun-ciona para estimular la productividad yel crecimiento eran confusos, pero quehabía algo innegable en la emanaciónespecial de aglomeraciones y se vinculóa los efectos inducidos de creatividad yaprendizaje.

Las aglomeraciones territoriales deempresas (clusters) han recibido unaatención creciente dentro del análisis dela ventaja competitiva de la empresa.Algunas experiencias empresariales (porejemplo: Silicon Valley o la Tercera Italia)

15 Resulta tentador recordar aquí la frase asociada a la vieja Liga de Ciudades Hanseáticas,siglos atrás “el aire de la ciudad te hace libre”.

Page 29: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

31Edward W. Soja

han aportado importantes fuentes dedatos y han ayudado a la difusión delfenómeno. Entre los conceptos pro-puestos, el de “distrito industrial” puededefinirse como “una entidad socio-terri-torial que se caracteriza por la presenciaactiva de una comunidad de personasy una población de empresas en un áreanatural e históricamente limitada”. Asípues, el distrito industrial está compren-dido por numerosas pequeñas empresasque desarrollan actividades relacionadasy que están localizadas en una comuni-dad claramente identificable, donde losparticipantes comparten un sentimientode pertenencia o identidad común, asícomo un sistema de valores y creencias.Aunque el distrito industrial se puedeconsiderar como un territorio caracteri-zado por un cluster productivo particular,es preferible una definición socio-econó-mica del mismo, entendiéndolo como unproceso “emergente” más que comouna simple localización productiva, re-forzando por tanto, la importancia delcontexto social en el mismo. Es un tejidode agentes sociales e instituciones, ca-paces de convertir los recursos genéricosen otros específicos (cultura organizati-va, capacidad de gestión, redes sociales,cualificación y formación de recursos hu-manos), más difíciles de reproducir yaque requieren de un anclaje territorial eidentitario. Recientemente algunos au-tores han integrado la literatura de losdistritos industriales con las teorías dela creación del conocimiento y la inno-vación. Las empresas aglomeradas pre-sentan capacidades para la combinacióny recombinación de conocimientos di-versos. Dentro de los distritos existe unadotación de conocimiento compartido

en el ámbito de todo el distrito. Esta ideaya fue señalada en las economías mar-shallianas y ha venido a confirmarse porel aprendizaje colectivo de las aglome-raciones intensivas en conocimientocomo Silicon Valley. En conclusión, laesencia de las concentraciones de em-presas se encuentra en los mecanismoscolectivos de gestión de recursos huma-nos para desarrollar aprendizajes espe-cializados y acumular conocimiento.

En los años 1960, Jane Jacobs per-cibió claramente los efectos generativosy creativos de la aglomeración urbanay le sacó mucho partido al asunto ha-blando “de la chispa” de vida urbanaeconómica. Incluso fue mucho más lejoshasta llegar a decir que todo el desarro-llo social, desde hace 12.000 años, re-montándonos a los orígenes de lasciudades y la sociedad agraria, fue ge-nerado por los efectos de aglomeraciónurbana (Jacobs, 1969). Hoy, algunoseconomistas geográficos se refieren aestos efectos que aumentan el capitalhumano en las ciudades como econo-mías o “externalidades jacobsianas”.

El NR ha reconquistado las ideas deMarshall y Jacobs y llevado unos cuan-tos pasos adelante, moviéndolas haciaconceptos todavía no definitivamenteformulados pero potencialmente ricoscomo “capital espacial” y “economíasde regionalización”. El concepto de dis-trito industrial marshalliano ha influidoen nuestra comprensión de la industria-lización regional en muchas partes delmundo, desde la “Tercera Italia” a Sin-gapur, Bangalore, Silicon Valley o Holly-wood. En un trabajo reciente, Michael

Page 30: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

32 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

Storper (con el economista británico An-tonio Venables) avanza estas ideas su-brayando la importancia de los contactoscara a cara en la promoción de innova-ción, creatividad, y el aprendizaje, almenos para ciertas actividades y sectoreseconómicos. Ellos llaman este estímuloparticular que proviene de la aglomera-ción urbana “el zumbido/rumor” y, en elsubtítulo original del artículo, lo descri-bieron como una parte vital de la “fuerzaeconómica de ciudades” (Storper y Ve-nables, 2004). En Postmetropolis, sigo aJane Jacobs cuando se remonta 12,000años atrás a la ciudad neolítica (una con-tradicción en sus términos para la mayorparte de arqueólogos) y uso el términoantiguo griego synoikismos, traducidocomo synekism, para describir el estímulode la aglomeración urbana y ayudar ex-plicar la declaración hecha por JaneJacobs que “sin ciudades todos nosotrosseríamos pobres” esto es, que la urbani-zación ha sido fundamental a todo eldesarrollo social a partir de los principiosmismos de vida sedentaria 16.

El mundo moderno tiene en la ciu-dad su motor inicial y en el agranda-miento de su geografía e influencia el

impulso que multiplica sus ambiciones.El nuevo espacio urbano acerca entresí a las personas, crea oportunidades decontactos anteriormente más esporádi-cos, homologa culturas y comporta-mientos. La ciudad es el lugar donde eltrabajo deja de ser sinónimo de servi-dumbre, donde lo local y específico seinserta en redes universales que lo obli-gan a renovarse para no sucumbir. Laciudad es incubadora de modernidadporque es ahí donde se pone en movi-miento una acción recíproca entre eco-nomía y política sin un destino prefijado,sin una armonía final definible a priori.La ciudad es espejo y espacio de inte-racciones abiertas. Además es el lugaren que la concentración de la poblaciónmultiplica posibilidades de coopera-ción, ocasiones de conflicto y reaccionesmás rápidas frente a estímulos de diversanaturaleza.

La relación mutuamente dinámicaentre regionalidad y nodalidad, es cap-tada con más eficacia en la investigaciónreciente sobre los efectos regionales deaglomeración y es susceptible de darnuevos significados a lo que muchospueden ver como simplemente una adi-

16 “En las ciudades mercantiles nacen nuevos grupos sociales, se perfilan inéditas formas deconflicto entre sus habitantes y entre ellos y señoríos territoriales que exigen un derechopatrimonial y de sujeción. Desde adentro de sus murallas o desde los campos abiertos-donde se enfrentan entre sí, o contra el imperio o contra los turcos- las ciudades son, a lolargo de siglos, el lugar (real y simbólico) de la ausencia de reposo. Un hormiguero dondeel conflicto prepara un vago gusto por la democracia, y la democracia incipiente el enfermizoplacer de los líderes carismáticos que la asfixian en abrazos demasiados amorosos. Ladivisión del trabajo amplía las fronteras de la eficiencia, el comercio sostiene y extiendelos cambios, el roce cotidiano de los individuos en los angostos espacios urbanos losfuerza a experimentar formulas inéditas de convivencia y gobierno. Y tal vez haya sidojustamente la distancia entre nuevos problemas y viejas, inadecuadas, respuestas, aquelloque imprimió a los albores de la Edad Moderna sus rasgos de creatividad insatisfecha”(Ugo Pipitone).

Page 31: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

33Edward W. Soja

ción de ciudad más región. Tal como laciudad y el estado se fundieron paraoriginar un término compuesto en laformación de la polis o ciudad-estadohace varios miles de años, la ciudad yla región han estado caminando juntosy mezclándose durante al menos lostreinta últimos años pasados para crearuna nueva formación distintiva socio-

espacial, la ciudad-región global o, si seprefiere, la ciudad-región. En cualquiercaso, el concepto probablemente seampliará en su empleo e influencia almismo tiempo que vayamos compren-diendo el sentido práctico y teórico delo que está ocurriendo en las ciudadesy la vida urbana en el siglo veintiuno.

Nuevos desafíos para la gobernanza regional y laplanificación

La discusión del NR y su papel centralen el desarrollo del concepto de ciudad-región global que ha surgido en los úl-timos diez años se ha concentradoprincipalmente en la revisión de las teo-rías tradicionales de regiones y regiona-lismo. Para concluir, ampliaré la discusióna los usos potenciales del concepto ciu-dad-región global para promover enfo-ques más innovadores a la planificacióndel desarrollo urbano y regional y la go-bernanza territorial.

Las implicaciones de política econó-mica y planificación práctica más impor-tantes que pueden extraerse del NR ydel concepto de ciudad-región globalson en principio relativamente claras.Hoy día, el desarrollo regional dependecada vez más de redes intraregionales einterregionales de aglomeraciones y delgrado en que pueda configurarse parafuncionar como sistemas de innovación

regionales y economías inteligentes ode aprendizaje (learning economies).Mientras sabemos todavía relativamentepoco sobre cómo y por qué una aglo-meración o cluster, o una ciudad-regiónglobal, se hace más generadora y crea-tiva que otra, la necesidad de centrarseen la promoción de la capacidad dedesarrollo de las economías regionalesse ha impuesto actualmente como unobjetivo estratégicamente planificado 17.

Hacer hincapié en la tarea de creareconomías inteligentes, cohesionadas yemprendedoras no es suficiente, sinembargo, puesto que hay muchos de-safíos adicionales en los ámbitos de lagobernanza regional y la planificación.Los efectos positivos sobre el desarrolloque la globalización y la aglomeraciónde la Nueva Economía inducen se venacompañados de otros negativos, cos-tes inherentes o implícitos expresados en

17 Ciertamente, el uso de conceptos como clusters, economías de emprendizaje, sistemasde innovación regional y ciudades creativas como herramientas de planificación, hanavanzado mucho más que el verdadero significado de estas ideas y como funcionan encontextos del mundo real.

Page 32: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

34 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

variadas formas de polarización social yespacial, marginación y exclusión. Encasi todas las 400 ciudades-región glo-bales, y quizás sobre todo en aquellasque están creciendo más rápidamente,hay signos de una concentración cre-ciente de riqueza y poder en el estractomás rico de la población, una extensióndel número de pobres, significativas pre-siones económicas sobre la clase mediatradicional y un crecimiento de los con-flictos políticos que surgen principal-mente de las reacciones nacionales a lallegada creciente de inmigrantes.

Tanto si los expresamos como unproblema económico de desigualdadeconómica, moral, de justicia social, osociológico de exclusión social y econó-mica, esta desigualdad y polarizaciónintensificada ha tomado nuevos bríos yurgencia en el mundo contemporáneoen todas las escalas geográficas o regio-nales, desde la global a la local. La de-sigualdad, la pobreza, y el desarrollodesigual se han hecho cada vez cuestio-nes “glocales” explosivas, provocandouna serie de manifestaciones violentasde descontento y rechazo a los efectosnegativos de la globalización y la NuevaEconomía. Incluyo aquí no solamentelas protestas y manifestaciones con mo-tivo de las reuniones internacionales enSeattle, Génova, y otras ciudades, sinotambién los tempranos disturbios quetuvieron lugar en Los Ángeles en 1992y los demoledores atentados del 11 deseptiembre de 2001.

Estos acontecimientos se relacionanno tanto con los desacuerdos estructura-les y las características desigualdades de

las sociedades capitalistas y las formastradicionales de racismo blanco-negrosino en realidad con las nuevas condicio-nes que han surgido de treinta años deglobalización acelerada, de reestruc-turación económica continua, de impactodiferencial de las nuevas tecnologías, delas relaciones entre trabajadores nacio-nales e inmigrantes crecientemente ten-sas, de la extensión de la obsesión por laseguridad urbana (“ecología del miedo”)por el mundo entero, y de otras tenden-cias globales, regionales, y urbanas de lasque se ha hablado antes. Pareciera quelas ciudades-región globales del mundohan estado transformándose partiendo deun período de reestructuración generadapor crisis puntuales y acontecimientos delos años sesenta y principios de los añossetenta a un período de crisis intermiten-tes generadas por una reestructuraciónpermanente provocada por cambios ra-dicales continuos que han marcado lastres décadas pasadas del siglo XX.

Estrechamente asociado con todosestos cambios y acontecimientos econó-mico-territoriales hay una crisis crecientede gobernanza territorial. La globaliza-ción y las fuerzas por ella liberadas segu-ramente no han producido un mundosin fronteras, pero si han producido cam-bios notables del significado de las fron-teras territoriales sea cual sea la escalapolítica que consideremos. Esto se hadebido en gran parte a las velocidadesincomparablemente diferentes de losprocesos de reestructuración económicafrente al ritmo parsimonioso de los cam-bios políticos e institucionales. Las es-tructuras políticas e institucionales hantendido a adaptarse mucho más lenta-

Page 33: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

35Edward W. Soja

mente a las condiciones económicasrápidamente cambiantes del mundocontemporáneo, y han creado lo quepodrían llamar una brecha o déficit degobernanza.

Este déficit de gobernanza o desajusteentre los órdenes económicos y políticos,se ha entendido de modos bien diferen-tes. Adoptando los términos de la EscuelaFrancesa Regulacionista, podríamos ex-presarlo como el desafío (problema toda-vía pendiente de resolver) por desarrollarun modo apropiado de regulación quesea capaz de satisfacer las exigencias delo que claramente ha devenido en unnuevo y sustancialmente diferente ré-gimen de acumulación capitalista. Algosimilar es captado en la metáfora de Cas-tells del fluido espacio (económico) deflujos que erosiona el espacio estructural(territorial y político) de lugares. Algunosinvestigadores ven este déficit de gober-nanza surgiendo del complejo procesotodavía en curso de desterritorializacióny reterritorialización, al mismo tiempo quemuchas viejas fronteras nacionales sedesvanecen y otras nuevas se crean. Loque parece estar ocurriendo es que lasimpetuosas fuerzas económicas estánponiendo al descubierto la obsolescenciade las estructuras políticas y las fronterasterritoriales existentes, y presionandopara llevar a cabo una reestructuraciónpolítica y territorial acorde con los pro-cesos económicos de reestructuraciónglobal.

Otro aspecto de esta brecha de go-bernanza es el ascenso de nuevos mo-

vimientos sociales y el resurgimiento delas nociones de sociedad civil no sola-mente a escala local, sino también regio-nal, nacional, y global. La conflictivarelación nunca resuelta entre mercadoy estado crea nuevas demandas y opor-tunidades para el desarrollo de fuerzassociales y espaciales localizadas enmedio de ambos polos susceptibles deencarar los fracasos de ambos. Como heseñalado antes, esto estimula en todoslos ámbitos nuevas ideas sobre ciuda-danía y democracia, incluyendo un re-planteamiento de la misma naturalezadel nacionalismo y del estado nación ypresiones en aumento para lograrmayores niveles de democracia local yregional 18.

Queda todavía mucho más por es-tudiar acerca de la nueva economía geo-política global, pero concluiré volviendomás concretamente a los temas de la ciu-dad-región global y a la cuestión de lagobernanza y la planificación regional.Aquí extraeré algunas conclusiones deun informe inédito que he preparadocomo consultor para Barcelona Regio-nal, un organismo público encargadode promover la planificación regional enCataluña. El informe titulado “Cons-truyendo un Nuevo Regionalismo enCataluña: Estrategias para el desarrolloregional innovador y la buena gober-nanza” comienza con una discusión ge-neral del desarrollo histórico de las ideasde planificación regionales y las escuelasdel desarrollismo que hacían hincapiéen los recursos nacionales y la sustitu-ción de importaciones como base para

18 El concepto de democracia regional o regionalismo democrático es analizado desdeinteresantes prismas en Iris Marion Young (2000). Ver también Gerald Frug (1999).

Page 34: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

36 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

el desarrollo, propias del período de en-treguerras, pasando por la planificaciónde sistemas espaciales y el regionalismodel bienestar que dominó el período de1950 hasta, al menos, 1970, el ascensode lo que puede llamarse la planifica-ción emprendedora urbana y regionala partir de 1975, hasta llegar a la intro-ducción reciente de las ideas del NR.

De algún modo, los enfoques del NRpueden considerarse como una continua-ción del acento puesto en el espíritu em-prendedor y lo empresarial como guíade la planificación urbana y regional queha surgido en los treinta últimos años. Laplanificación regional apuntaba a redu-cir las desigualdades regionales y a pro-pagar las ventajas de desarrollo a losmás amplios segmentos de la poblaciónnacional, lo que he llamado el regiona-lismo de bienestar, que era dependientede una economía de mercado prósperay un estado liberal interventor o estadodel bienestar. Las sucesivas crisis de losaños 60 y principios de los años 70 fue-ron seguidas en la mayor parte de paí-ses por un abandono gradual de lasambiciosas metas del estado del bienes-tar, de los sistemas de gobernanza dearriba abajo, de la descentralización dela administración pública nacional enbeneficio del protagonismo de ciudadesy regiones, y el estímulo de iniciativasde desarrollo locales autogeneradasbasadas en gran parte en la capacida-des competitivas interurbanas e interre-gionales acrecentadas para conseguirventajas comparativas en unos merca-dos cada vez más globalizados, sobretodo con respeto al turismo y la atracciónde la inversión del capital global.

El regionalismo emprendedor de laúltima época seguramente no es intrín-seco a la matriz de la que ha surgido laconceptualización del NR: las redes ge-nerativas de aglomeración, economíasinteligentes, sistemas de innovación re-gionales, etc. Fue mucho más el produc-to de la reestructuración del estado debienestar, las demandas cambiantes dela Nueva Economía, y la fuerza crecientede la globalización neoliberal. Es fácilentender, sin embargo, cómo planifica-dores activamente emprendedores com-prometidos con la regeneración deciudades, la publicidad internacional delas mismas y la promoción regional,buscando algún golpe regenerador degran impacto del tipo “Efecto-Bilbao”,pudieron ser atraídos a las ideas sobrelas nuevas fuerzas motrices de las econo-mías regionales promovidas por el NR.Si lo analizamos solamente bajo estaperspectiva los enfoques neoregiona-listas de planificación pueden ser fácil-mente vistos como poco más que unacontinuación de las feroces estrategiascompetitivas de los empresarios regio-nales.

Las propuestas del NR, sin embargo,también han resucitado el regionalismode bienestar y reforzado los sistemas deplanificación espaciales mediante unateorización más rigurosa y actualizada dela dinámica regional y, sobre todo, dela ciudad-región global. Estas propues-tas ofrecen un entendimiento muchomás sofisticado de la dinámica subya-cente de desarrollo regional y territorialque el que caracterizó los tradicionalessistemas de planificación espaciales y lateoría del polo de crecimiento, ambos

Page 35: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

37Edward W. Soja

instrumentos fundamentales del viejoregionalismo de bienestar. Los nuevosdesafíos, sin embargo, van bastante másallá de una combinación simple delnuevo espíritu de emprendizaje y losviejos dogmas del bienestar.

El objetivo fundamental es crear unaforma flexible y democrática de gober-nanza regional y planificación quepuede ser adaptable a las condicionesrápidamente cambiantes y mejorar lacompetitividad regional en la economíaglobal, a la vez que se asegura una pro-tección social eficaz, la integración cul-tural, y el respeto medioambiental paratodos los residentes. Desde una pers-pectiva social, el modelo propuesto porel NR debe basarse en una concertaciónsocio-institucional que es incompatiblecon situaciones de precariedad laboral,conflictividad social y desigualdes pro-fundas. Desde una óptica medioam-biental, el modelo no puede sustentarseen una sobreutilización de recursos norenovables y una supeditación total alos requerimientos del mercado (queponen el acento en la eficiencia produc-tiva, social y territorial). Desde una pers-pectiva territorial se trata, de un modelosostenible basado en una planificaciónno centralizada que revierta en unmayor equilibrio y desarrollo territorial,en una progresión del bienestar socialde todos los colectivos y zonas que im-pulsan el crecimiento económico.

A pesar de que este objetivo poliédri-co pueda parecerse a la anterior búsque-

da de modos de combinar la “eficacia”con la “equidad” pero ahora por mediode políticas espaciales/locales, se basa enfuertes fundamentos teóricos y prácticos.En las actuales circunstancias, las econo-mías regionales cohesionadas económi-ca y socialmente son fuerzas poderosasgenerativas tanto para estimular el de-sarrollo económico como para contra-rrestar la polarización social creciente yla desigualdad. La eficacia y la equidaden las particulares circunstancias de hoydeben ser planificadas conjuntamente,y esto requerirá un replanteamiento fun-damental de las estructuras instituciona-les de la gobernanza regional 19.

El “regionalismo flexible”, comollamo al NR, es altamente improbableque vaya a producir una institución mo-nolítica y centralizada que planifiquemagistralmente todos los aspectos de de-sarrollo regional. Este regionalismoadaptativo es intrínsecamente policén-trico y debería implicar una extensa in-terconexión a muchos niveles diferentesasí como una distribución descentrali-zada de las autoridades capaces de tomade decisiones. Esto también tendrá queser organizado políticamente en algunaforma de confederalismo político queasegure la representación de una multi-plicidad de ámbitos políticos (distritoselectorales) y, por supuesto, de algúngrado de coordinación general. La plu-ralidad de agentes, instituciones y planescon objetivos y actuaciones dispares ya menudo descoordinadas contribuyen,sin duda, a acrecentar el desorden territo-

19 Ejemplos de amplias coaliciones en Los Ángeles incluye a “La Asociación de usuarios deautobús” y la “Alianza de Los Ángeles por una Nueva Economía”. Ver el debate deconstrucción de alianzas, justicia espacial y democracia regional en Soja (2000).

Page 36: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

38 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

rial. El NR pone su acento en la consecu-ción de un gobierno multinivel implícitoen el concepto de gobernanza. Se tratade lograr una coordinación real y efec-tiva entre los distintos niveles adminis-trativos: estado central/federal; estadosfederales/gobiernos autonómicos o re-gionales; ayuntamientos/distritos muni-cipales, etc. La desconexión entre lasactuaciones sectoriales acometidas porcada escala político administrativa des-virtúa el principio de la estructura en redpropia del gobierno relacional. La faltade entendimiento entre las diferentesinstituciones que operan en estos ámbi-tos puede tener como resultado desa-tender las dimensiones ambiental, socialy territorial que son fundamentales enel NR. Pero incluso una estructura con-federal tiene que ser flexible y permitirla formación de coaliciones de múltiplesámbitos políticos (distritos electorales) yalianzas de entidades regionales quetrascienden las fronteras locales y lasdiferentes escalas espaciales. Son deimportancia particular las coalicionesentre las organizaciones de empresariosy trabajadores basadas en la comunidadterritorial que adoptan una perspectivaregional.

En Cataluña, el País Vasco, y mu-chas otras partes de la “Europa de lasRegiones”, hay una necesidad crecientede una planificación regional que tengaen cuenta no sólo las relaciones entrelas grandes capitales nacionales, comoen el pasado, sino también las conexio-nes y coaliciones que pueden estable-cerse en tres escalas supranacionales: a)con otras regiones en el mundo; b) conotras ciudades y regiones de la Unión

Europea, y, considerando la recientepolítica comunitaria europea, c) con re-giones transfronterizas (con fronterasestatales comunes) que posibilitaría apro-vechar las nuevas oportunidades de pro-moción del desarrollo fronterizo regional.Barcelona y Cataluña, que juntas formanuna dilatada ciudad-región, han sidoparticularmente activas a la hora de esta-blecer interconexiones a todos los nive-les. Juegan un papel principal en elComité de las Regiones de la UE, en lared de Eurociudades de casi 100 ciuda-des principales, y en la formación del Arcofronterizo Occidental mediterráneo, queincluye Montpellier y Toulouse así comoPalma de Mallorca, Zaragoza, y Valen-cia. Estas redes y otras tienen que desa-rrollar a fondo el potencial de sinergiaque entrañan, promoviendo complemen-tariedades transnacionales económicas yculturales.

Debe también estimularse la exten-sión de redes similares entre todas lasciudades principales y subregiones den-tro de la región más grande cuya confi-guración aumente la probabilidad deque una aglomeración más grande pue-da generar efectos positivos netos sobreotras áreas colindantes. Dado que en lasciudades-región globales hay un altogrado de interdependencia espacial, (loque pasa en un punto espacial tieneefectos significativos sobre todos losdemás), esto implica que las economíasde las urbes tienen que ser supervisadasy moldeadas para estimular una maxi-mización de los efectos “rebasamiento/diseminación” y una minimización delos efectos “perturbadores/turbulentos”,para usar los viejos términos de Gunnar

Page 37: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

39Edward W. Soja

Myrdal. Desde luego, esto no será fácil,pero si contamos con una gobernanzaregional flexible y adaptable, renovaday mejorada con nuevas políticas confuerte potencial innovador como son laspromovidas por la “Perspectiva Euro-pea de Desarrollo Espacial”, las posibi-lidades para alcanzar un grado mayorde éxito que en el pasado son muchomayores 20.

En la medida de lo posible, las ini-ciativas locales tienen que ser coordina-das también dentro de un contexto deplanificación más grande. Aquí tambiénla noción de construcción o forja de coa-liciones es importante. El “regionalismoflexible” debe ser tan sensible como seaposible a las necesidades de la comu-nidad local y a la participación activaciudadana. Al mismo tiempo, las orga-nizaciones comunitarias locales tienenque ser abiertas y adaptarse a las venta-jas y desventajas, restricciones y opor-tunidades regionales, y no concentrarseenteramente en cuestiones inmediatasy de interés meramente local. Se tratade un desafío particularmente difícil, yaque ello exige un complejo conocimien-to regional, comunicaciones estrechas yfluidas entre los niveles local y regional,y buena voluntad de las autoridadesintermedias, así como la existencia deestructuras de administración local quepermitan que sus ámbitos competencia-les territoriales y fronteras administrati-vas sean transcendidos a fin de animarlas interdependencias local-regionales.Muchos esfuerzos de planificación regio-nal han fallado debido a la resistencia

de las administraciones locales-munici-pales a dejar cualquiera de sus poderesa las autoridades regionales.

En ausencia de una autoridad cen-tralizada regional única, la coordinaciónde actividades de desarrollo regionalesse convierte en una cuestión absoluta-mente clave. Hay una clara necesidad de,al menos, tres agencias de planificaciónespecializadas funcionalmente: la relati-va al Medioambiente (desarrollo soste-nible y protección medioambiental); larelativa a Infraestructuras (físicas y tecno-lógicas); y la relacionada con el Desarro-llo Económico y Cultural. Estas agencias,sin perjuicio de que conserven cierta au-tonomía por razón de su especialidad,deben estar fuertemente coordinadas através de una agencia única a escala re-gional. Su existencia es esencial, con res-ponsabilidad especial para coordinarprogramas internos regionales y relacio-nes externas interregionales, así comopara facilitar el intercambio de informa-ción, promover la identidad regional yla cultura, supervisar las condiciones debienestar regionales, y servir como labo-ratorio de ideas o grupo experto (thinktank) en la creación de nuevas ideas yprogramas de investigación punteros.Esta agencia informaría y ofrecería regu-larmente un balance de sus actividadesa una asamblea regional (o gobierno es-tatal) formada por miembros elegidos yrepresentantes de las organizacionesprincipales y coaliciones.

Estas recomendaciones para asentarun regionalismo más flexible, innovador,

20 Para el debate de Perspectiva del Desarrollo Espacial Europeo, ver varios capítulos enAndreas Faludi (2002).

Page 38: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

40 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

y democrático representan sólo unaprimera aproximación al intento de re-plantear la nueva gobernanza y la pla-nificación regional. En gran medida, sondeudoras de los enfoques tradicionalesdel desarrollo regional y la planificaciónde sistemas espaciales, pero tambiénreflejan como hemos repetido un impor-tante número de circunstancias contem-poráneas relevantes. Los esfuerzos porpromover la gobernanza y la planifica-ción regional fueron bloqueados en elpasado por la rigidez de los gobiernoslocales y estatales temerosos de poderperder recursos financieros en favor deotros niveles político-administrativos. In-dudablemente, las fronteras estatales ylas soberanías nacionales siguen siendoen todos los sitios claramente rígidas yresistentes al cambio, pero nunca en lahistoria reciente las escalas territorialesde gobierno habían estado más abier-tas a su transformación, a lo que unoshan llamado la reterritorialización, lanueva escala de agrupamiento, la rees-tructuración estatal.

Asimismo también hemos asistido alsurgimiento de una conciencia cada vez

más acusada de las condiciones y nue-vas fuerzas que han ido desarrollando yemergiendo tan rápidamente durantelos treinta últimos años. Condicionesque han creado tanto nuevas exigenciasy obligaciones como oportunidadespara una planificación y gobernanza re-gional innovadoras. Estas nuevas cir-cunstancias incluyen todas las ideas quehan sido expuestas y discutidas en esteartículo en relación con el concepto ger-minal y en desarrollo de ciudades-regiónglobales y las fuerzas de desarrollo y crea-tivas que de ellas emanan, incluyendola crisis creciente de gobernanza en todaslas escalas, de la global a la local. Comonos movemos a partir de una etapa dereestructuración generada por crisis aotra de crisis permanente generadas porreestructuraciones continuas, reflejandolos cambios profundos que han estadoocurriendo durante las tres décadas pa-sadas, “la cuestión regional” y la impor-tancia de las ciudades-región globalesnunca hasta ahora había sido más cru-cial en el orden del día de la acción so-cial de cara a dar respuesta a los ingentesproblemas económicos, políticos, y cul-turales que nos esperan.

Referencias

BRENNER, Neil. New State Spaces: UrbanGovernance and the Rescaling of State-hood. New York: Oxford University Press,2004.

DAVIS, M. City of Quartz. London: Verso,1990.

FALUDI, A. (Ed.). European Spatial Plan-ning. Cambridge-MA: Lincoln Instituteof Land Policy, 2002.

FRIEDMANN, J.; WOLFF, Goetz. World CityFormation: An Agenda for Research andAction. International Journal of Urban

Page 39: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

41Edward W. Soja

and Regional Research, 6, p. 309-344,1982.

FRIEDMANN, J. The World City Hypothe-sis. Development and Change 17, p. 69-83, 1986.

__________. Where We Stand: A Decadeof World City Research. In: KNOX, Paul;TAYLOR, Peter. (Ed.). World Cities in aWorld System. New York: CambridgeUniversity Press, 1995. p. 21-47.

FRUG, G. City Making. Princeton: Prince-ton University Press, 1999.

GARREAU, J. Edge City: Life on the NewFrontier. New York: Anchor Books,1992.

HALL, Peter. The World Cities. London:Weidenfeld and Nicolson, 1966.

ISIN, Engin. (Ed.). Democracy, Citizen-ship, and the Global City. London:Routledge, 2000.

__________. Being Political: Citizenshipas Alterity from Polis to Cosmopolis. In:ISIN, Engin. (Ed.). Being Political: Gene-alogies of Citizenship. Minneapolis: Uni-versity of Minnesota Press, 2001.

JACOBS, J. The Economy of Cities. NewYork: Random House, 1969.

NICHOLLS, W. J. Forging a New Organi-zational Structure for Los Angeles’ Pro-gressive Community. InternationalJournal of Urban and Regional Re-search, 27, p. 881-896, 2003.

OHMAE, Kenichi. The Borderless World.New York: Harper, 1990.

__________. The End of the Nation State:The Rise of Regional Economies. NewYork: Free Press, 1995.

O’BRIEN, R. Global Financial Integration:The End of Geography. London: Pinter,1992.

SASSEN, Saskia. The Global City: NewYork, London, Tokyo. Princeton: Prince-ton University Press, 1991.

__________. Cities in the World Econo-my. London: Sage, 1993.

SCOTT, Allen. New Industrial Spaces.London: Pion, 1988.

__________. (Ed.). Global City-Regions:Trends, Theory, Policy. New York:Oxford University Press, 2001.

SOJA, Edward. Postmetropolis: CriticalStudies of Cities and Regions. Malden, US;Oxford, UK: Blackwell Publishers, 2000.

SOJA, Edward; MORALES, Rebecca; WOLFF,Goetz. Urban Restructuring: An Analysisof Social and Spatial Change in LosAngeles. Economic Geography, 59, p.195-230, 1983.

STORPER, M. The Regional World:Territorial Development in a GlobalEconomy. New York: Guilford, 1996.

STORPER, M.; VENABLES, Anthony. Buzz:Face-to-face Contact and the Urban

Page 40: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

42 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

Economy. Journal of Economic Geog-raphy, 4(4), 2004.

SWYNGEDOUW, E. Neither Global nor Lo-cal: “Glocalization” and the Politics ofScale. In: COX, Kevin. (Ed.). Spaces of

Globalization. New York: Guilford,1997. p. 137-166.

YOUNG, I. M. Inclusion and Democracy.New York: Oxford University Press,2000.

Resumen

¿Qué son las ciudades-región globales ypor qué han llegado a ser tan prominen-tes en el mundo contemporáneo? ¿Cómoy por qué las ciudades-región globalplantean nuevos desafíos a la gobernanzaregional, la planificación, y la políticapública? Estas cuestiones se abordan,intentando reflejar los tres componentesdel término compuesto: global; ciudad yregión. Comenzaremos con una discu-sión sobre la globalización y sus efectossobre las ciudades y áreas metropolita-nas, rastreando el surgimiento del con-cepto de ciudades-región global deldiscurso de la globalización, al menosparcialmente. A esto seguirá un examenmás concreto de los nuevos procesos deurbanización que han estado transfor-mando la metrópoli moderna durante losúltimos treinta años, ligando el conceptode ciudades-región global a lo que hedescrito como la transición postmetropo-litana. El tercer rasgo definitorio recom-bina de forma original lo global y lourbano en el contexto de lo que se de-nomina el Nuevo Regionalismo. La dis-cusión concluye con un comentariosobre la utilidad del concepto de ciuda-des-región global para la planificacióndel desarrollo urbano y regional.

Abstrac t

What are global city regions and whyhave they become so prominent in thecontemporary world? How and why doglobal city regions generate new chal-lenges to regional governance, plan-ning, and public policy? I will addressthese questions in three ways, reflectingthe three components of the compositeconcept: global + city + region. I beginwith a discussion of globalization and itseffects on cities and metropolitan areas,tracing how the concept of global cityregions has emerged in part from theglobalization discourse. This is followedby a more specific look at the new ur-banization processes that have beentransforming the modern metropolisover the past thirty years, linking theconcept of global city region to what Ihave described as the post-metropolitantransition. The third defining feature re-combines the global and the urban inthe framework and context of what hasbeen called the New Regionalism. Thediscussion concludes with a brief com-ment on the usefulness of the conceptof global city regions in urban and re-gional development planning.

Page 41: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

43Edward W. Soja

Palabras clave: global, ciudad-región,metrópoli, gobernanza regional.

Keywords: global, city-region, metropo-lis, regional governance.

Edward W. Soja é professor de Desenvolvimento Regional e Internacional doDepartamento de Planejamento Urbano da UCLA (Universidade da Califórnia, LosAngeles) e PhD em Geografia pela Universidade de Syracuse (NY). Tem concen-trado sua pesquisa, nos últimos vinte anos, na reestruturação urbana em Los Angelese nos estudos urbanos e regionais.

Recebido em outubro de 2006. Aprovado para publicação em novembro de 2006

Page 42: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XX, No 2, 2006, p. 45-68

Questão regional, Estado edesenvolvimento no século XX –“olhares” fluminenses a partirdos “interesses” do Rio *

Alberto de Oliveira e Jorge Natal

Apresentação

Este artigo, escrito na forma de ensaio,parte de quatro evidências. A primeiradiz respeito ao fato de a clássica temáticadenominada questão regional ser estra-nha aos debates travados sobre a reali-dade e o devir da região fluminense 1 emparcela significativa da segunda metadedo século passado 2, notadamente entre

a população carioca 3. A segunda dizrespeito ao fato de a presença do Estadoter sido decisiva para a reprodução eco-nômica e mesmo societária da região emexame, pelo menos desde o momentoem que ela se tornou sede do governoimperial, com destaque para o espaçoque no presente compreende o referido

* O termo fluminense diz respeito aos habitantes do atual estado do Rio de Janeiro. Antesda chamada fusão (1973) do antigo estado do Rio de Janeiro com o também antigoEstado da Guanabara (1961-73), esse termo era atinente apenas aos habitantes da pri-meira unidade federativa assinalada; mas depois da referida fusão o designativo fluminensefoi estendido para toda a população do estado.

1 A expressão região fluminense refere-se à área compreendida pelo antigo estado do Riode Janeiro e a ex-capital federal (ou seja, o atual estado do Rio de Janeiro).

2 Que demarca o período do seu auge e relativo ocaso enquanto tema relevante da agendapública nacional.

3 Desde 1973, o termo refere-se apenas aos habitantes do atual município do Rio deJaneiro. Em termos históricos, pode-se também fazer menção aos que um pouco antes(1960-73) habitavam o antigo Estado da Guanabara. Ainda em termos históricos, pode-se fazer igual menção aos que habitavam o antigo Distrito Federal quando ele estavasediado na fração territorial hoje designada município do Rio de Janeiro (1763-1960).

Page 43: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

46 Qustão regional, Estado e desenvolvimento no século XX

município do Rio de Janeiro. A terceiraevidência é que o próprio Estadoacabou sendo naturalizado na regiãomencionada, principalmente no espaçoanotado, pela (simples!) razão de nelesediar-se, por aproximados duzentosanos, a capital federal do país. E a quartaevidência é que essa presença, do Esta-do, foi determinante para efeito doapontado estranhamento (da questãoregional) em toda a região em tela, comdestaque para a ex-capital brasileira aquiem exame (e não para o antigo estadodo Rio de Janeiro – como resultará evi-dente).

Dadas essas quatro evidências, en-tende-se que é possível sintetizá-las emduas linhas reflexivas: uma delas diz res-peito ao entendimento da chamadaquestão regional pela população flumi-nense e, em particular, pela carioca, emsua (evidente) imbricação histórica coma problemática do Estado; e a outra, re-plicando o que acabou de ser escrito,distingue-se pela consideração da pro-blemática do desenvolvimento (da re-gião em tela).

Em termos meramente introdutó-rios, observa-se que a problemática re-gional, com participação relevante nodebate nacional a partir de meados doséculo passado (até a década seguinte),sempre esteve associada às chamadas“regiões-problemas” – quer na literaturabrasileira quer estrangeira. Nesses ter-mos, o Rio de Janeiro, enquanto capitalfederal, com sua larga capacidade deatrair recursos de toda ordem (e nãoapenas fiscal-financeiros), pelo menosaté a entrada dos anos 1960 não pode-

ria (mesmo) ser caracterizada como tal,qual seja, uma “região-problema”. Deoutra forma: o Estado desempenhouentão papel fundamental no espaço flu-minense, marcadamente no carioca,posto ser ele a sede da presidência darepública, dos ministérios, das estatais,do parlamento etc. (por aproximados200 anos), resultando daí, como já seindicou, a sua inequívoca naturalizaçãoe a conseqüente obliteração do temaquando ele foi guindado à agenda pú-blica.

Por conseguinte, poder-se-ia con-cluir que a “questão regional” era no li-mite um não-tema, seja para a reflexãoda academia seja para a da populaçãoem tela (principalmente entre a carioca),por causa do seu relativo dinamismoeconômico, assim como a própria dis-cussão acerca dos interesses (e do desen-volvimento) do “Rio” na sua imbricaçãocom o Estado, posto que ele encontrava-se completamente incorporado à “pai-sagem” da vida social local.

Mas a partir do final dos anos 1950tudo se transforma. De maneira precisa:inicialmente com a transferência da ca-pital para Brasília (1960) e depois coma fusão (1973), há a emergência e oavanço da elaboração não apenas deum discurso de cunho regionalista, mastambém de reiteradas demandas e críti-cas aos sucessivos governos federais,invocando-se compromissos (de Esta-do) assumidos pregressamente com aunidade federativa aqui em exame porconta dos eventos assinalados (transfe-rência da capital e fusão), tratados quesão como “perdas” e, passo seguinte,

Page 44: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

47Alberto de Oliveira e Jorge Natal

responsáveis pela sua fragilidade eco-nômica.

Iniciava-se aí, finalmente, o processode reconhecimento de que o Rio de Ja-neiro era parte da União, mas não “aUnião”. Nesse contexto, convém subli-nhar que o período compreendido entreo início da década de 1980 e final daprimeira metade da que lhe é subseqüen-te, sintetizado por Dain (1990) comosendo o do “Rio de Todas as Crises”, étambém aquele no qual o binômio “criseeconômica” 4 - “discurso regionalista”teria alcançado seu ápice – o período in-dicado e o processo histórico sugeridoserão retomados adiante de forma maisacurada.

Por último, a partir de meados da dé-cada passada até o momento presente,em razão da inflexão econômica positivaexperimentada pelo estado fluminense(Natal, 2005), conquanto seja minimi-zada sua caracterização como “região-problema”, aprofunda-se o discursoproferido por dirigentes do ExecutivoEstadual, parte do empresariado e mes-mo parcela importante da populaçãoque atribui aos sucessivos governos fe-derais a culpa pelo desenvolvimentoeconômico não ser mais avançado noestado; haveria, enfim, conforme essaretórica, um alheamento perverso doRio pelos sucessivos governos federaisno/do intervalo temporal supramencio-nado.

É desse imbróglio, que articula re-gião/regionalismo e estado/governofederal – termos esses às vezes concei-tualmente confundidos –, conforme os“olhares” do Rio acerca dos seus “inte-resses”, que se tratará neste artigo. Paratal, além desta apresentação, ele encon-tra-se estruturado em três outras seções.Na primeira, examinam-se a gênese e odesenvolvimento da chamada questãoregional brasileira em sua imbricaçãocom o Estado, mostrando-se o porquêdessas temáticas serem estranhas aos flu-minenses em geral e aos cariocas emespecial no “momento” compreendidoentre o final do Século XIX e os anos1950. Na segunda, examina-se o binô-mio supracitado de modo a desvelar oentendimento também dos fluminensesem geral e dos cariocas em particularsobre a chamada questão regional (fi-nalmente enunciada como problematambém “nosso”) e a necessidade do go-verno federal para efeito da promoçãodo seu desenvolvimento econômico(acusado de ser ausente ou mesmo dis-criminatório para com “os interesses doRio”), no período que se estende daentrada dos anos 1960 até o primeiroqüinqüênio deste Século XXI. Na tercei-ra, de Considerações Finais, tendo emconta as principais questões exploradasno artigo, aponta-se para a complexida-de presente na atualidade para a afirma-ção de um projeto de desenvolvimento“digno desse nome” no estado do Riode Janeiro (ERJ) 5; complexidade essa

4 O Rio seria uma unidade federativa entendida como estando vivendo uma espécie desituação terminal.

5 Que combine crescimento econômico com justiça distributiva, avanço da democracia emaior “equilíbrio” ao nível dos seus espaços, bem como ativa participação nas lutas fede-rativas em termos da disputa pela condução dos rumos do país.

Page 45: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

48 Qustão regional, Estado e desenvolvimento no século XX

que se mostra ainda maior quando seobserva que determinados discursospresentes na cena política do estado,com “peso” (qual seja, alguma legitimi-

dade), não apenas confundem como,pior, obstam à produção de diagnósticosverdadeiramente conseqüentes acercada realidade dessa unidade federativa.

Questão regional e papel do Estado – a “regiãofluminense” do final do século XIX aos anos 1950

A chamada questão regional brasileiraemerge inequivocamente no debate so-cioeconômico e político a partir de mea-dos dos anos 1950. Conforme Cano(1977) 6, fatos diversos levaram à referi-da emergência, a saber: a publicaçãodos dados das Contas Nacionais e Re-gionais do Brasil evidenciou as dispari-dades regionais existentes em termos detaxas de crescimento econômico, prin-cipalmente das verificadas no Sudesteem relação às demais regiões, em espe-cial as de São Paulo em relação às doNordeste (NE); a divulgação dos resul-tados do Censo de 1960 mostrou a con-centração da produção industrial emSão Paulo vis-à-vis ao restante do Brasil,reforçando a identificação da questãoregional brasileira a problemas própriosdo desenvolvimento nacional em suaconcreção espacial Nordeste (e, simul-taneamente, pressupondo a “experiên-cia” paulista como paradigma a serseguido); a ocorrência de grandes secasno NE ao final dos anos 1950 levou àextraordinária migração em direção aosul do país e, assim, corroborou a afir-mação nacional da problemática regio-nal; a ampla divulgação das técnicas eexperiências de planejamento econômi-co no contexto da América Latina tor-

nou a questão regional objeto de açãoinstitucional, é dizer, que cabia ao Esta-do, através dos seus aparelhos, promo-ver as políticas públicas que se fizessemnecessárias para a superação planejadados seus “atrasos”; as disparidades exis-tentes em termos de desenvolvimentoeconômico entre países do “centro” e da“periferia” (conforme o léxico da Comis-são de Estudos para a América Latina eCaribe - Cepal), notadamente no pós-Segunda Guerra Mundial, intensifica-ram a discussão interna, regional, postoterem prescrito não apenas políticaspúblicas para o país (a industrializaçãonacional), como especificamente para assuas regiões “subdesenvolvidas” (comoseria o caso do Nordeste).

Nesses termos, é possível afirmarque a denominada questão regionalingressa na agenda pública nacional es-treitamente associada à defesa da neces-sidade da presença do Estado para efeitoda superação dos problemas que elaexpressava. Em face do anotado, tam-bém cumpre sublinhar que não há re-gistro de qualquer preocupação naliteratura que a examina apontando aantiga capital federal carioca como “re-gião-problema”; quando muito se po-

6 Ver especialmente as duas primeiras páginas da Introdução (11 e 12).

Page 46: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

49Alberto de Oliveira e Jorge Natal

deria afirmar que, se havia um senão,ele diria respeito ao antigo estado do Riode Janeiro – tal aspecto será retomadologo à frente.

Voltando ao ponto. Se a emergênciada questão regional no debate nacionalocorre nos anos 1950, sua gênese, aindaseguindo a análise de Cano, data do fi-nal do século XIX. Mais especificamente:ela é posicionada no cenário nacionala partir da civilização do café 7 ou, con-forme o léxico de Cardoso de Mello,desde o surgimento no país da chamadaeconomia exportadora capitalista cafeei-ra nacional (paulista). De autores comoFurtado até mesmo ao literato MonteiroLobato, há o notório reconhecimento deque com o café, quando instalado noOeste Paulista, inaugura-se uma novaetapa na história brasileira. Enfim, paraa maioria da intelectualidade brasileira,o café foi verdadeiramente o primeirotradeable (ou commodity) do país 8.Explicando: com ele, as relações de pro-dução e as forças produtivas, assimcomo a dinâmica da acumulação decapital, mostraram-se pela primeira vezna história brasileira verdadeira e defi-nitivamente capitalistas.

Qual a importância dessa civilização(do café)? De outra maneira: por quecom essa civilização a questão regionalemerge na cena social nacional, adicio-nando mais uma problemática à (já)complexa e igualmente problemática

formação brasileira? Em linhas gerais,em consonância com a análise elabora-da nos anos 1970 por economistas daUniversidade Estadual de Campinas(Cano, Cardoso de Mello, Sérgio Silva,Conceição Tavares), a tese é que com aeconomia cafeeira paulista verifica-seuma experiência pioneira e singular nahistória brasileira, a saber: forma-se umverdadeiro complexo econômico (ca-feeiro), com efeitos notáveis de enca-deamento dinâmico, irreproduzível emquaisquer outros espaços nacionais.Explicando: a economia cafeeira exigeo surgimento ou o desenvolvimento deuma série de indústrias, setores, ativida-des, e de um amplo mercado de traba-lho e de consumo, de sorte a estabeleceruma estrutura econômico-societária im-possível de se reproduzir enquanto talem qualquer outro lugar do Brasil.

E o que é decisivo para a presentereflexão: essa estrutura societária, peloseu dinamismo econômico, implicou naconstituição de uma série de vínculosentre o “centro” dinâmico (economiapaulista) e as demais economias “peri-féricas”. Esses vínculos, de especializa-ções e complementaridades (de iníciode natureza comercial e depois de na-tureza produtiva 9), acabaram diferen-ciando os lugares: uns, principalmenteSão Paulo, mais modernos em termoscapitalistas, e os demais (em diferentesgraus), ao reverso, mais eivados de rela-ções sociais pretéritas (com prevalência

7 Ver a respeito Motta Sobrinho (1978).8 É dizer: a madeira, o açúcar, a borracha nunca puderam, nas condições históricas, ex-

pressar-se verdadeiramente enquanto mercadoria, conforme o sentido conceitual em-prestado por Marx a essa categoria.

9 Ver a respeito Guimarães (1986).

Page 47: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

50 Qustão regional, Estado e desenvolvimento no século XX

de relações de trabalho não-assalariadas,de estruturas produtivas com baixos coe-ficientes de elaboração industrial e tecno-lógica, do mando típico do coronelismoetc.). De outra forma: a chamada questãoregional brasileira emerge como (maisum) problema integrante da agenda so-cial do país no contexto dos primeirospassos da industrialização verificada emSão Paulo; logo, ela “nasce” como con-creção histórica e questão teórica própriasda economia/sociedade cafeeira estrutu-rada a partir do último quartel do SéculoXIX no estado.

Portanto, a instauração de relaçõesmais especificamente capitalistas nascondições sociais dadas teria instauradotambém, como uma das suas expres-sões, uma diferenciação não-natural dasdiversas frações territoriais nacionais.Assim sendo, parece pertinente dizerque essa diferenciação “seguiria” umadada lógica de estruturação, qual seja,a lógica comandada a partir dos moder-nos interesses capitalistas sediados emSão Paulo.

E a região fluminense nesse contex-to? No caso, há que considerar as duasformações sociais, distintas, que a inte-gravam: a do antigo estado do Rio deJaneiro e a do antigo Rio de Janeiro, aex-capital federal.

No caso da primeira, não há dúvidade que a emergência da poderosa eco-nomia paulista, em certa medida auto-suficiente e extremamente competitiva,foi letal para as atividades cafeeiras flu-minenses 10. Ela apresentava importan-tes desvantagens competitivas: escalasde produção (diminuta, com notóriasimplicações sobre os custos e a lucrativi-dade), custos de transportes (ferroviárioselevados, em região topograficamenteacidentada em vista das montanhas queprecisavam ser cruzadas), escasso mer-cado de consumo (mão-de-obra escra-va) etc. De outro lado, o que era restriçãopara a economia cafeeira fluminense semostrava no limite potencialidade oumesmo vantagem para a nascente eco-nomia capitalista paulista. Por conse-guinte, embora houvesse um espaçoextremamente problemático no tocanteà geração de riqueza social no âmbitoda “região” fluminense, ele dizia respeitoao antigo estado do Rio de Janeiro e nãoao antigo Rio de Janeiro, a ex-capitalfederal (como se analisará mais adiante).

No entanto, apesar do inegável de-clínio econômico e mesmo societário doantigo estado do Rio de Janeiro, quetalvez tenha sido uma das principais “ví-timas” nacionais da emergência e desen-volvimento da moderna economiapaulista no país (num certo cinturão de

10 Dizê-la letal significa considerar que a referida emergência foi a gota d’água. De outramaneira: havia no processo histórico de estruturação dessa economia cafeeira problemasde toda ordem (endividamento elevado junto aos atacadistas, localizados no porto doRio; o envelhecimento dos cafezais e da própria terra, que reduzia a produtividade cafeeira;a massa significativa de capitais aplicada na escravaria, tornada assim óbice para outrasaplicações que avançassem a produtividade da atividade em tela; etc.) que vieram intei-ramente à tona quando do posicionamento da economia exportadora cafeeira capitalistapaulista na cena nacional.

Page 48: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

51Alberto de Oliveira e Jorge Natal

economias decadentes) 11, essa unidadefederativa nunca foi apresentada comouma das expressões do processo de dife-renciação socioespacial brasileiro entãoem curso – nem mesmo quando da suaentrada “para valer” na agenda públicanacional nos anos 1950. Possivelmenteas “luzes da ex-capital ofuscassem a vi-sualização” do então estado vizinho;nesses termos, mais rigorosa e detida-mente, as especificidades econômicas eda política local em sua interação comprocessos mais gerais (muitos deles na-cionais) são os melhores “lugares” parabuscar as explicações fundadoras do fe-nômeno em discussão. Mas esse temá-rio, ao escapar ao foco deste artigo, ficaaqui apenas sugerido.

No caso da segunda, sem prejuízodas “virtudes” da emergente e poderosaeconomia paulista materializada na suarelativa auto-suficiência e competitivida-de, não se pode dizer que a economiada antiga capital federal foi então negati-va e gravosamente alcançada em termosde derrubada da sua renda e emprego.Como desenvolvido em outro trabalho(Natal, 2005), em determinados aspec-tos a economia da ex-capital federal foiaté mesmo beneficiada, na medida emque, por exemplo, a Estrada de FerroCentral do Brasil e o porto do Rio deJaneiro, pelo menos até os anos 1940,continuaram ou mesmo ampliaram suascentralidades como caminho e lugar,respectivamente, para o escoamento da

produção paulista, particularmente docafé 12. Em adição, convém anotar queo Rio de Janeiro continuou, também pormuito tempo, e por causa, sendo a princi-pal praça comercial e financeira do país.Se há um senão, e ele existe, é que a eco-nomia carioca (que não passou por ne-nhuma crise efetiva em termos de rendae emprego, como assinalado) foi progres-sivamente perdendo posição relativapara a economia paulista em termos deprodução industrial, diversificação pro-dutiva etc.

Mas essa situação, de perda de po-sição relativa, foi em larga medida nuan-çada pelo próprio avanço da economiapaulista, da brasileira como um todo, eainda por conta das diversas conjuntu-ras positivas da mundial (todas favore-cedoras da economia nacional e, emalgum grau, da economia do Rio de Ja-neiro). Explicando: no que concerne àeconomia paulista, por meio tanto dosimpactos positivos da sua demandasobre a economia carioca quanto da suacapacidade contributiva em termos fis-cais (afinal, o Rio era a capital do país),o seu dinamismo acabava “alimentando”a unidade federativa em tela; no caso daeconomia brasileira, “puxada” pela pau-lista, ela também acabava contribuindopara o relativo dinamismo da mesma eco-nomia carioca mediante o aumento derenda e da demanda que gerava; e nocaso da economia mundial ela igualmen-te contribuía para a economia nacional

11 Ver a situação do Espírito Santo e de bordas “fluminenses” de Minas Gerais à época, queforam igualmente arrastados nesse processo (histórico).

12 Essa situação apenas veio a ser alterada quando se logrou vencer os obstáculos relativosà travessia da serra (de Santos), via cremalheiras, e, passo seguinte, conferiu-se ao Portode Santos a primazia antes conferida ao Porto do Rio.

Page 49: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

52 Qustão regional, Estado e desenvolvimento no século XX

(e carioca, por suposto), na medida emque ampliava sua demanda e nela inje-tava recursos via investimentos diretos ouporque, quando se fechava em projetosnacionais autárquicos, permitia o surgi-mento de indústrias e serviços que pas-savam a atender à demanda doméstica.

Portanto, ao mesmo tempo que achamada questão regional ia sendo ins-crita na agenda nacional, principalmen-te como questão nordestina, na antigacapital federal continuava a se viver àmargem desse debate; melhor, como seesse problema fosse dos “outros”, emque pese a crescente perda de posiçãorelativa da sua economia para a paulistae, nesse sentido, não ao nível discursivo,mas da realidade concreta, do seu con-tínuo encaminhamento no sentido deafirmar-se como mais uma “região-pro-blema” brasileira 13.

Esse quadro se estende pelo menosaté os anos 1950. Reiterando: os seto-res mais avançados da economia pau-lista e da fluminense, notadamente osque mais logravam ter acesso, direta ouindiretamente, aos fundos públicos, nãotinham do que reclamar. Nesses mesmos

anos, via Plano de Metas (1956-61) dogoverno JK, apesar da euforia cariocade então (ver bossa nova, cinema novo,arquitetura etc.), foi São Paulo (SP) quede fato conseguiu obter decisivos apoiosfiscal-financeiros para a consolidação deuma industrialização especificamentecapitalista 14. E a ex-capital federal? Estaficou com o passar do tempo, a cada dia,mais defasada em relação à modernaindústria de SP, mostrando-se ainda tri-butária da União, bem como, por forçadaquela realidade histórica brasileira,da própria capacidade de arrecadaçãodeste ente governamental ao nível daeconomia paulista. Não fora bastante,há nesse mesmo processo a transferên-cia da capital para Brasília na entradada nova década (1961).

Mas desse novo período se tratarána seção seguinte. Ele implica consi-derar no mínimo dois fenômenos: umé o reconhecimento de que a chamadaquestão regional brasileira, entendidacomo aprofundamento da diferencia-ção socioespacial vis-à-vis a outras uni-dades federativas economicamentemais dinâmicas, não era fenômeno so-cial exclusivo dos estados do Nordeste 15,

13 Não se derive do anotado, pois não é este o sentido, afirmando que a situaçãosocioeconômica se equivale à prevalecente na região Nordeste à época; apenas, insista-se, afirmando que o desenvolvimento capitalista nacional, na ausência de condições sociaisintra-unidade federativa para fazer frente ao desenvolvimento anotado, pelo menos emparte contribuiu para o seu crescente estiolamento econômico.

14 Ver, a respeito do termo “especificamente capitalista”, o livro O Capital, Livro I, CapítuloVI (Inédito) (1978), de Karl Marx. Sobre os recursos alocados, ver Ianni (1977), Lafer(s./d.) e Lessa (1975).

15 É fato que a questão regional não foi verbalizada enquanto tal na ex-capital federal; mas,como apontado, parece pertinente insistir: caso ela tivesse sido e o Rio de Janeiro fosseconsiderado uma “região-problema”, isso mudaria a discrepância de ritmo de crescimentopaulista diante do fluminense? Em outras palavras: suspeita-se firmemente que a aplicaçãode mecanismos de transferência de renda para a unidade federativa em análise não alteraria

Page 50: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

53Alberto de Oliveira e Jorge Natal

e o outro (simplificando) é que o Estado,em face da diminuição da sua presençaem seus “domínios”, tornou-se efetivoproblema para aquele presente e quiçá

para o seu devir histórico, ou seja, parao seu desenvolvimento (em sentidolato).

Questão regional e papel do Estado – da entrada dosanos 1960 ao novo século na “região” fluminense

Como veio de ser registrado, até o finaldos anos 1950, nem a temática do de-senvolvimento regional nem a do Esta-do eram entendidas como problemassocietários de relevo pelos cariocas emgeral e tampouco pelas “elites” locais.Como também se registrou, a reversãodesse quadro, o que sublinha o planodiscursivo, tem início com a transferênciada capital para Brasília e avança inques-tionavelmente com a fusão do antigo es-tado do Rio de Janeiro com o tambémantigo Estado da Guanabara (criadoquando da mencionada transferência).Luzes de aviso dos novos tempos foramentão acesas. De outra maneira: os anos1960 e 1970 foram ante-salas do queestava por vir. Mais precisamente: osanos 1980 e a primeira metade dos anos1990 foram marcados pelo entendimen-to generalizado de que o estado do Riode Janeiro possuía enormes problemaseconômicos (baixo dinamismo) e pelareiteração de verbalizações regionalis-tas (de demandas e reclamações relati-vas ao governo federal); sendo que no

segundo qüinqüênio e entrada destenovo século, conquanto a economia flu-minense tenha logrado alcançar sensívelmelhora na geração de riqueza, proces-so que minimizou a retórica que o loca-lizava como uma “região-problema”,persiste um “clima” de conflito em vistade um sentimento razoavelmente gene-ralizado de que o estado do Rio de Ja-neiro estaria sendo marginalizado pelossucessivos governos federais, procedi-mento que, por conseguinte, obstaculi-zaria o seu desenvolvimento econômicomais vigoroso. Dessas questões/periodi-zações se tratará em seguida.

A emergência da “questãoregional fluminense” e o“abandono” pelo governofederal

É fato que a transferência da capital fe-deral para Brasília provocou “dores”como as das perdas definitivas; uma sen-sação saudosista, para o bem e para o

suas condições sociais, históricas, físicas etc., como ilustrado pelo NE, que mesmo com aintrodução deles (mecanismos) não experimentou modificações econômicas significati-vas, quer em termos nacionais quer em relação ao estado de São Paulo (ainda que tenhahavido impactos não desprezíveis em termos da sua renda absoluta, ao nível distributivointra-estadual ou regional também pouco mudou, a não ser o aprofundamento do abis-mo social).

Page 51: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

54 Qustão regional, Estado e desenvolvimento no século XX

mal, em especial na “alma” carioca. Emque pese essa observação/fato, nos anos1960 as atenções e preocupações esta-vam centralmente voltadas não apenaspara os processos societários que culmi-naram no golpe político-militar de 1964,como para os seus desdobramentos,sendo ainda necessário reconhecer quea economia nacional, depois da relativaparalisia de 1961-66, logo volta a cres-cer, relegando a segundo plano a ques-tão regional (inclusive a nordestina).Ademais, alguns investimentos impor-tantes, pela magnitude dos capitais apli-cados, foram efetivados em seu territórionesses mesmos anos 1960, como exem-plificado pela duplicação da capacidadeprodutiva da Refinaria de Duque deCaxias, reforçando o adiamento da en-trada efetiva da temática em discussãona agenda pública local.

Completando um pouco mais essequadro: a transferência da capital paraBrasília encontrava-se em processo, oque significa dizer que seus efeitos ne-gativos sobre a renda local não geravamresultados imediatos na ex-capital fede-ral do país, sem falar das reiteradas pro-messas de sua compensação, aventadaspelo governo da época, pelas aponta-das “perdas” (entendidas como umcompromisso a ser honrado pelo EstadoNacional em vista da assinalada trans-ferência). Há ainda que considerar oseguinte: a economia mundial vivia na-quele momento (até o final dos anos1960) sob o signo dos anos de ouro docapitalismo, conjuntura que tambémconspirava contra a inclusão do temacrise econômica na agenda pública na-cional; afora, é trivial, o fato de o próprio

dinamismo da economia internacional ede o clima de guerra fria “produzir” efei-tos positivos em economias periféricasde relativo porte, como (já) o era a bra-sileira.

Nesses termos, o sentimento de per-da existia, mas ele mais alcançava osdesvãos da alma carioca, da sua auto-estima, do que propriamente a dinâmicaeconômica e os ganhos das “elites” lo-cais. É dizer: nem a temática do desen-volvimento regional nem a ausência doEstado eram, especialmente para os ca-riocas, questões verdadeira e definitiva-mente inscritas na agenda pública local.Portanto, esses problemas continuavamsendo, sobretudo, dos outros.

E os anos 1970? Nessa década, ape-sar de o desempenho da economiamundial sinalizar para o esgotamentodos seus “trinta anos gloriosos” (primeiroe segundo choques do petróleo, avançodo desemprego, tensões inflacionáriasetc.), a brasileira experimentou cresci-mento extraordinário (ver o chamadomilagre brasileiro – 1968-73 – e os im-pactos notáveis sobre a economia nacio-nal derivados da implantação do II PNDdo Governo Geisel – 1974-79). Ou seja:embora houvesse falas orientadas nosentido das cobranças relativas aos ônusdo Rio para com o governo federal, querpela transferência da capital quer pelaulterior fusão, tanto o cenário econômi-co paulista quanto o do conjunto do paíse também o internacional eram de cres-cimento, evidentemente mitigando assupramencionadas reclamações e o pró-prio reconhecimento da região flumi-nense como “problema”.

Page 52: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

55Alberto de Oliveira e Jorge Natal

Convém enfatizar nesse ponto ainda,como lembra Carlos Lessa (1978) emdiversas falas e escritos, de que havia noideário castrense de então um olhar ge-neroso, embora eivado de delírios au-toritários: o de que o Rio de Janeiro seriaa sede das empresas tecnologicamentemais modernas do país. Mas não eramapenas delírios; tanto não eram que al-guns investimentos, seja pelos recursosempregados seja pelo seu conteúdo tec-nológico, chegaram mesmo a ser verifi-cados no território fluminense, comoocorreu emblematicamente com a ins-talação da Usina Nuclear de Angra dosReis.

Por conseguinte, havia elementosreais de “represamento” tanto da questãoregional quanto do avanço das cobran-ças aos governos federais acerca dosseus compromissos com a nova unidadefederativa criada por força de lei – quan-do mais não fosse porque o Brasil seencontrava sob as “botas de uma dita-dura político-militar” que, reitere-se, emseus delírios, executava uma política do“Estado, para o Estado e pelo Estado”(Lessa, 1978). Nos termos dos temas erecortes aqui propostos, essa é a confor-mação socialmente presente pelo me-nos até o final dos anos 1970, quando,enfim, resulta meridianamente claro queos anos de ouro seriam “coisas” do pas-sado. Da “ilha de tranqüilidade em marrevolto” do general Geisel passa-se à“economia de guerra” do general Fi-gueiredo, à moratória mexicana, aos“defaults”, à chamada década econômi-ca perdida. Numa frase: a festa acabarae, com ela, o que fora ensaiado; as co-branças ao governo federal e o surgi-

mento tímido de um discurso de cunhoregionalista, inaudito nas plagas cario-cas, ganham densidade e passam a servoz corrente, principalmente entre “eli-tes” empresariais e políticas.

A questão regional e a “falta”de apoio federal aportamfinalmente nas “praias”fluminenses (1980-2000)

Como apontado, a troca de sinal dasquestões em tela é notável a partir daentrada dos anos 1980. Ou seja: o quefora ensaiado nos anos 1960 e 1970,mas contido pelas diversas conjunturaseconômicas (interna e externa) e cons-trangimentos políticos (ditadura), assu-me então toda a sua plenitude.

Isto posto, é preciso considerar quehá importantes distinções a serem feitasno largo período histórico iniciado apartir dos referidos anos 1980. Em certoesforço de periodização, entende-se quehá dois “momentos” a analisar, a saber:o que diz respeito aos anos 1980 e àprimeira metade do decênio passado, eo que diz respeito à segunda metadedesse mesmo decênio e ao qüinqüênioinicial deste novo século.

No que trata dos anos 1980/primeirametade dos anos 1990, cumpre sublinharque diversos fenômenos contribuírampara que tanto a questão regional quantoas reclamações das “elites” fluminenses,especialmente das cariocas, no tocanteao não-cumprimento por parte dos su-cessivos governos federais dos seus com-promissos (supostos ou verdadeiros, não

Page 53: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

56 Qustão regional, Estado e desenvolvimento no século XX

importa para este artigo) com o estadodo Rio de Janeiro ganhassem efetivadensidade.

Um dos fenômenos mais flagrantesda década de 1980 foi o relativo à criseeconômica brasileira. Como segue. De-pois de anos e mais anos de “produção”de taxas expressivas de crescimento dariqueza social nacional, apesar de umaou outra conjuntura desfavorável, o Brasilexperimentou um decênio marcado pelarecessão. Essa crise assumiu tamanha di-mensão e complexidade que chegou asuscitar, da parte de economistas, a ex-pressão “década econômica perdida”.Mas qual a importância desse fenômenopara a discussão-objeto da presente re-flexão? De maneira sintética: a crise doaparelho econômico instalado no Brasilno que concerne à geração de riquezasocial, pelo menos como ocorria antes,alcançou dramática e definitivamente oestado do Rio de Janeiro.

Uma das suas principais dimensõesfoi a atinente ao padrão de financiamen-to da economia brasileira. Explicando:no que trata dos recursos externos, atéentão abundantes, eles escasseiam, pas-sando o país a ser exportador líquido decapitais. É dizer: ao adotar uma políticaeconômica de natureza recessiva (deno-minada “de ajuste”), com centralidadediscursiva no combate à inflação, paraem verdade gerar superávits na balançacomercial (exportação menos importa-ção), o Brasil transferiu somas gigantes-

cas de recursos para o exterior (por contados saldos obtidos na balança comercial),com gravosos impactos sobre os gastospúblicos e, por via de conseqüência, sobrea própria geração de renda e empregodomésticos, notadamente ao nível de umestado tão tributário da União/governofederal. Mas os problemas não pararamaí, posto haver, ademais, a questão re-cursos internos: e esses, ao tambémserem reduzidos 16, levaram à nova com-pressão dos gastos públicos, à elevaçãoda carga tributária e ao enxugamentogeral da chamada base monetária, im-pactando negativamente sobre a capa-cidade de gastos da quase totalidade dosagentes econômicos (públicos e priva-dos) e incidindo mais uma vez de ma-neira dramaticamente onerosa sobre aeconomia fluminense em vista do fecha-mento de mais essa possibilidade de fi-nanciamento dos seus gastos correntese de capital.

O resultado geral desse processo foia “década econômica perdida”, pelomenos em termos tecnológicos, para amaioria da população brasileira 17. Ouseja: a conjuntura que até então permitiaà economia fluminense ser beneficiadapor recursos públicos, via transferênciasconstitucionais, salários do seu funcio-nalismo público e dos aposentados epensionistas (todos gravemente arro-chados), como pelos gastos públicosautônomos, alcança seu limite. Para re-sumir: uma economia (e sociedade) tãotributária da União e do governo federal,

16 Com a exceção dos recursos que foram destinados às atividades agroexportadoras, parafazer divisas internacionais e pagar a dívida externa.

17 Mas não para os interesses do agroexportador e para os credores internacionais, queexperimentaram então, com certa defasagem, o seu “milagre”.

Page 54: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

57Alberto de Oliveira e Jorge Natal

como a carioca, não poderia se mostrarsenão em situação verdadeiramente dra-mática.

Assim sendo, é trivial que (passoseguinte) as históricas fragilidades estru-turais acumuladas pela economia e so-ciedade fluminense, em especial pelacarioca, se desnudassem por completo 18.Nesse sentido, o que era crise potencialse transformou em crise real. Explican-do: a perda de posição relativa da eco-nomia fluminense para a economiapaulista, e desde os anos 1970 tambémpara a mineira 19, não apenas fez soaruma estridente sirene como evidenciouas fragilidades histórico-estruturais acu-muladas que, em vista das várias conjun-turas analisadas (e apontadas), lograramficar até então “submersas”. De outraforma: houve o definitivo reconheci-mento do Rio, capital e interior, enquantounidade federativa na qual as diferencia-ções socioespaciais próprias do desen-volvimento capitalista brasileiro tambémse faziam presentes, bem como de suaextrema dependência do Estado.

É desse modo, como mostrado emtrabalho anterior (Natal, 2005), que as

“vozes do Rio” (que operavam até entãosem produzir maiores “reverberaçõessonoras”) começam a se fazer ouvir noconjunto da sociedade fluminense. Taisvozes, principalmente aquelas ligadasaos setores naval, comercial e financeiro,todas localizadas no município-sede,buscaram nesse contexto emparedar osgovernos estaduais então eleitos legiti-mamente e, por conseguinte, tornar-sehegemônicas à luz da relativa escassez derecursos públicos; concomitantemente,esses mesmos interesses atacaram as re-presentações parlamentares locais noCongresso Nacional visando assumir opapel de “as vozes” de interlocução noExecutivo Federal. Diversas reuniõessão realizadas e entidades, criadas, demodo a articular os fluminenses no sen-tido de clamar por uma atenção parti-cular do governo federal para com osinteresses do Rio. Afinal, seguia o discur-so, havia um compromisso não honrado(pelo Estado, melhor, pelos sucessivosgovernos federais) tendo em vista atransferência da capital e da fusão!

Mas a verdade é que, além de discur-sos e interesses pretensamente represen-tativos, havia uma realidade inescapável:

18 Fragilidades estruturais essas expressas em termos econômicos (na decadência e na falta decompetitividade da sua estrutura industrial), sociais (com agravamento da questão social,como manifesto nos baixos salários, na precariedade no que trata das relações trabalhistasetc.), político-institucionais (com avanço dos conflitos de natureza federativa com a União/governo federal) etc., tudo isso, enfim, reiterando o quanto as elites (termo empregadosem qualquer pretensão de rigor conceitual) locais foram capazes de afirmar seus interessessobre o conjunto da sociedade fluminense e de impedir, assim, a elaboração de diagnósticosmais conseqüentes e transformadores – ver, a respeito, Natal (2005, capítulo 1).

19 Convém assinalar que diversos autores (Cano, Diniz, Pacheco etc.) mostram que desdemeados dos anos 1970 (e pelos menos até meados do decênio seguinte) houve impor-tante mudança na geografia econômica nacional, o que significa dizer que muitos espaçosnacionais, até mesmo alguns sem qualquer história anterior de dinamismo econômico,foram contemplados com investimentos e que a região fluminense ficou quase inteiramenteà margem desse processo.

Page 55: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

58 Qustão regional, Estado e desenvolvimento no século XX

o governo federal fizera a opção por umapolítica econômica recessiva e de apoiopraticamente exclusivo ao “agrobusi-ness”, o que, é trivial, passava à distânciado Rio de Janeiro e de todos os espaçosbrasileiros vinculados ao setor industriale ao mercado interno. Desse modo, acrise econômica crescentemente agudano estado finalmente revertia à históricanaturalização da presença do Estado naregião fluminense, com destaque maisque evidente no âmbito carioca, comoao também histórico alheamento da cha-mada questão regional nas terras flu-minenses, principalmente nas “praias”cariocas.

No que trata dos anos 1990, parecepossível demarcar dois breves subperío-dos: o primeiro, grosso modo, refere-seaos primeiros quatro a cinco anos dessadécada, e o segundo, à sua segundametade.

No que trata dos primeiros quatroanos (ou alargando um pouco mais otempo, apenas para facilitar o leitor, daprimeira metade do decênio anterior),a situação fluminense se mostra de con-tinuação, agravada, dos dez anos ante-riores, sedimentando aí extraordinário“caldo de cultura” para que as reclama-ções contra o governo federal fossemmantidas ou mesmo ampliadas. Deoutra forma: dados os cortes nos gastospúblicos, a manutenção do processoinflacionário, o avanço da crise interna-cional etc., a crise econômica internaseguia adiante levando à ampliação das

críticas das “elites” locais ao “abandonodo Rio pelo governo federal” e aos queo representavam no governo estadual eno parlamento federal.

E tudo isso em quadro de pronuncia-das mudanças no cenário econômico-espacial do país, na medida em quediversas das suas frações territoriais alcan-çavam graus importantes de dinamizaçãoeconômica, reforçando nas “elites” locaise, por derivação, em parcela expressivada sociedade, em vista das críticas queelas (elites) faziam e logravam reverbe-rar, o sentimento e/ou a apreensão deque o conjunto do estado bem como suafração carioca seriam estruturas societá-rias em situação terminal 20. Portanto, oque se apresentava, explicitamente ounão, era mais ou menos o seguinte: ou ogoverno federal intervinha e resgatavaessa supostamente nova “região-proble-ma” (como se ela houvesse sido “inven-tada ali” nos anos 1960 e 1970, quiçános próprios anos 1980!) ou a “situaçãoterminal” seria inexorável!

É bem verdade que a partir do finaldos anos 1980 ou, mais especificamen-te, de 1989 em diante, a realidade socialmundial (ou pelo menos de quase todoo mundo) se transformou de maneirarápida e profunda. Nesse contexto, noâmbito doméstico, a chegada de Collorde Mello ao poder central do país intro-duziu, com “peso”, a agenda neolibe-ral. Também nesse contexto, o estado doRio de Janeiro acabou sendo alcança-do, com novo destaque da sua fração

20 De outra maneira: sem possibilidade de suscitar qualquer devir que resgatasse pelo menosum pouco da sua anterior e destacada presença na vida política nacional, como verificadonos quase 200 anos em que fora capital imperial e da república.

Page 56: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

59Alberto de Oliveira e Jorge Natal

carioca, gerando outra “folga” nas críti-cas anteriores. Do seguinte modo: porconta de a perspectiva neoliberal ganharnaquela conjuntura muitos corações ementes, houve entre parcela importan-te das “elites” locais uma espécie de“sonho”; em linhas gerais, seria o seguin-te: o Rio de Janeiro acabaria sendo be-neficiado na medida em que, de umlado, se a presença do Estado seria en-fraquecida, de outro, principalmente asua capital, por continuar sendo “a portade entrada do país”, poderia voltar aobter alguma centralidade no cenárionacional em vista da sua história co-mercial, portuária e financeira, comotambém enquanto sede de indústriasmodernas dos setores tecnológicos deponta. Em resumo: as antigas reclama-ções acerca do abandono do Rio pelogoverno federal e o sentimento que sefoi enraizando de que o Rio era uma “re-gião-problema” experimentaram entãouma espécie de (nova) fase de (algum)recolhimento...

Já na segunda metade dos anos1990 (em diante) há pelo menos trêsmudanças importantes no estado dasartes do debate em exame, a saber:

— a sociedade brasileira volta a adquirira possibilidade, incluindo a fluminen-se, de “desenhar futuros” por contada estabilização (dos preços) logra-da pela implantação do Plano Real(1994). De outra maneira: descorti-na-se depois de anos e mais anos deexacerbação conjuntural (combate àinflação) um quadro social relativa-

mente favorável ao estabelecimentode ações estratégicas (de desenvol-vimento) e, não fora bastante, pelomenos até 1999, em um cenário decrescimento econômico;

— o centro da política nacional passaa sediar-se definitivamente em SãoPaulo (com os dois governos Fernan-do Henrique Cardoso), evidencian-do, também em definitivo, que o Riodeixara de ser referência para efeitoda política e do jogo do poder nacio-nal e, ainda não fora igualmentebastante, em contexto de importantee grave internacionalização (depen-dência) da economia e da vida na-cional; e

— o fato de o governo do estado (doRio de Janeiro) ser assumido por An-thony Garotinho, que não apenas sepõe em oposição ao presidente daRepública, Fernando Henrique Car-doso, como brande discurso con-soante com o ideário mais geral etradicional de correntes progressistasbrasileiras, em especial cariocas, quearticulam o binômio Estado-ProjetoNacional de Desenvolvimento.

Em vista das mudanças e quadrosapontados, especificamente do que tratada dimensão socioespacial, é precisoressaltar que surge em diversos lugaresdo país um leque relativamente amplode definições e de políticas orientadaspara a promoção de seus respectivos de-senvolvimentos “locais” 21. Esse tambémé o caso do estado do Rio de Janeiro.

21 Provavelmente em função da ausência de qualquer macroprojeto nacional de referência(Natal, 2006).

Page 57: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

60 Qustão regional, Estado e desenvolvimento no século XX

Nesse sentido, cumpre registrar que houve(mesmo) então um número razoável deempreendimentos considerados de “baselocal”, tais como: o Frutificar, no Norte eNoroeste; Moda Íntima, em Friburgo;Metal-Mecânico, no Médio Vale do Pa-raíba etc. (Natal, 2005, cap. 7).

Em adição, sublinhe-se que esse es-tado começa a partir de meados dosanos 1990 a apresentar determinadarecuperação da sua economia, principal-mente quando ela é comparada consigomesma no tempo (tenha-se em contaque os anteriores 15 anos foram dramá-ticos, sob qualquer perspectiva que seanalise o estado, inclusive ou mesmodestacadamente sob a da economia).

Por conseguinte, poder-se-ia derivarque o estado do Rio de Janeiro teriasido suficientemente ágil no sentido dacompreensão da necessidade da defini-ção de projetos estratégicos que, diantedos novos tempos e adversidades, o le-vasse a encontrar não só sua senda dedesenvolvimento econômico, como a“produção” de maior equilíbrio espacial(em um território tão historicamente de-

sigual). Nova adição: que o governoestadual (Garotinho) teria conseguidoestabelecer uma parceria plena de êxitocom o empresariado espraiado no e peloestado, “driblando” o cerco do governofederal “paulista”.

Possivelmente o que veio de ser(apenas) sugerido ganhe base analíticamais segura quando se considera quenesse período houve nítido reforço dodiscurso regionalista (emergente nosanos 1960). Isto é: o ERJ estaria sendosistematicamente discriminado pelossucessivos governos federais, talvez atéde forma mais aguda a partir dos gover-nos “paulistas” de Fernando HenriqueCardoso e Lula. Tais governos, “inimi-gos do Rio”, seriam, por conseguinte,óbices a um estado que, se não era maisapresentado como “região-problema”(dada a inflexão econômica positiva),continuaria, no entanto, com enormesdificuldades para alcançar estágio vigo-roso em seu processo de desenvolvi-mento econômico exatamente pela faltade apoio do ente governamental supra-mencionado (o governo federal)!

Considerações finais

Esta última seção encontra-se organiza-da em três blocos analíticos: A) o primei-ro, extremamente sucinto, resgata asprincipais “conclusões” constantes dopresente artigo; B) o segundo, um poucomais extensivo, discute a complexidadeinerente ao tema desenvolvimento eco-nômico do estado do Rio de Janeiro nos

tempos presentes, tendo em vista, porsuposto, os fios condutores deste artigo,o Estado e a questão regional; C) o ter-ceiro, brevíssimo, alinhavado em termosbastante amplos, busca situar o binômioem tela vis-à-vis à temática do desen-volvimento fluminense.

Page 58: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

61Alberto de Oliveira e Jorge Natal

A) AS PRINCIPAIS “CONCLUSÕES” DO ARTIGO

Este trabalho, que examinou o que sepoderia denominar de entendimentodominante verbalizado pelos fluminen-ses em geral e cariocas em particularacerca da trajetória da chamada questãoregional e do Estado, na sua interaçãocom os interesses “do Rio”, em linhasgerais chegou às seguintes “conclusões”:o referido binômio não faria parte daagenda de preocupações sociais (dosfluminenses em geral e dos cariocas emparticular, insista-se) desde o final doséculo passado à entrada dos anos 1960,quando passou a ser extremamente “ce-lebrado” – pelo menos até meados dosanos 1990; sendo que a partir daí umadas suas “pernas” mereceu destaque, aque concerne ao Estado (leia-se governofederal), mas não a outra, a atinente àquestão regional.

De maneira um pouco mais detida.Embora no primeiro período o binômiotenha sido negado como tema societáriorelevante, cumpre assinalar que ele maisobliterou a realidade que propriamentea desvelou, posto que o fato de a “União”estar no Rio não significava que ele fossea “União”, nem que a economia flu-minense, mesmo a carioca, não experi-mentasse gravosa e crescente perda deimportância no contexto nacional, “cami-nhando” que estava para posicionar-se,no tempo, como mais uma “região-problema” nacional (em termos da suacrescente “perda de fôlego” endógenaquanto à geração de riqueza social); poroutro lado, apesar de o referido binômioganhar centralidade ao nível da práxis nointervalo temporal subseqüente (do iní-

cio dos anos 1960 até meados dos anos1990), na sua formulação discursiva (dedeterminadas frações capitalistas embusca de afirmação hegemônica) ele fun-cionou, também cumpre assinalar, maiscomo “cortina de fumaça” à elaboraçãode diagnósticos verdadeiramente conse-qüentes acerca da economia da região edas suas relações, mais que com o Esta-do, com os sucessivos governos federais;sendo que no último recorte cronológico,compreendido entre meados dos anos1990 e o presente, há tanto um “apaga-mento” indevido do estado do Rio deJaneiro como “região-problema”, namedida em que inexiste qualquer garan-tia sobre a sustentação das suas taxas“positivas” de crescimento econômico,mesmo no futuro mais imediato, quantouma sublimação dos conflitos estabele-cidos com os sucessivos governos fede-rais que, assim sendo, ao transcenderemà questão “discriminação do Rio de Ja-neiro”, obstam o entendimento do queefetivamente consiste em discriminaçãoe do que é disputa política em vista deprojetos de poder (pouco importandoaqui se eles são pessoais ou não, legíti-mos ou não!).

B) A COMPLEXIDADE INERENTE À DISCUSSÃO DO DE-SENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO ESTADO DO RIO

DE JANEIRO, TENDO EM VISTA, POR SUPOSTO, O

ESTADO E A QUESTÃO REGIONAL NO PERÍODO QUE

SE ESTENDE DE MEADOS DOS ANOS 1990 ATÉ OS

DIAS CORRENTES

Particularmente no que diz respeito àatual dinâmica econômica da “região” flu-minense e às disputas dos governos doERJ com os governos federais no perío-

Page 59: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

62 Qustão regional, Estado e desenvolvimento no século XX

do supramencionado, faz-se necessárioconsiderar analiticamente que, além dos(últimos) reparos efetuados sobre o dis-curso que nega o ERJ como uma “re-gião-problema” e o que acusa o governofederal como “o” responsável pelos seusmales, há verbalizações recentes acercadesse debate a merecerem alguma aten-ção, posto “dificultarem” a apreensãomais acurada da realidade do estado; asaber:

B.1) A RECENTE E RELATIVA RECUPERAÇÃO DA ECO-NOMIA FLUMINENSE (PÓS-1995) SERIA RESULTADO

DE SOLUÇÕES LOCAIS E DE INICIATIVAS E DECISÕES

TOMADAS PELO GOVERNO ESTADUAL, O QUE PODE-RIA LEVAR AO SEGUINTE E EQUIVOCADO ENTEN-DIMENTO: O DESENVOLVIMENTO DO ESTADO SE

RESOLVERIA EM SEU PRÓPRIO ÂMBITO

É preciso considerar que, apesar demuitos empreendimentos levados acabo no estado terem sido assumidoscomo seus pelo governo estadual econstarem da carteira de projetos daFederação das Indústrias do Estado doRio de Janeiro (Firjan) 22, eles têm, es-pecialmente os que “pesam” para a eco-nomia do ERJ, suas decisões efetuadaspor “agentes externos ao estado”, demaneira alheia ao controle da Firjan edas “elites” políticas e econômicas flu-minenses (ou propriamente cariocas).

Dizendo de maneira diferente: osinvestimentos decisivos para o dinamis-mo econômico do estado, ou seja, aque-les intensivos em capital, com maioresefeitos econômicos para frente e para

trás (como dizem os economistas), deri-varam de decisões feitas por “agentes”como o governo federal (ver o setor pe-tróleo, com rebatimentos no âmbito detodo o estado e, em particular, na suaRegião Norte) e o grande capital estran-geiro (ver o setor metal-mecânico, noMédio Vale do Paraíba, com destaquepara Resende e Porto Real). Reiterando:os investimentos que mais contribuírampara a inflexão econômica positiva ve-rificada desde meados do decênio an-terior ocorreram por conta de processos“sitos” fora do controle da Firjan e dosgovernos estaduais, como ilustrado pelaprivatização de ativos públicos (de do-mínio da órbita federal) e pelas novaslógicas estratégicas de localização dasgrandes empresas globais (como é ocaso das relativas à dinâmica de inves-timento da indústria automotiva).

Logo, a tese que defende ser o Riouma não-“região-problema” parece serno mínimo insuficiente pelo fato de oseu desenvolvimento econômico, pelomenos o recente, guardar relação estrei-ta com “variáveis exógenas” à dinâmi-ca econômico-societária fluminense (!).

B.2) EM VISTA DE B.1, TAMBÉM SE PODERIA INTUIR,DISCURSIVA E EQUIVOCADAMENTE, QUE O DESENVOL-VIMENTO FLUMINENSE RECENTE NÃO DERIVARIA DAS

SUAS IMBRICAÇÕES COM AS ORIENTAÇÕES NEOLIBE-RAIS (MAS SE DERIVASSE?)

A realidade francamente nega a tese an-terior; a saber: o desenvolvimento eco-nômico fluminense recente não pode

22 Sem prejuízo dos esforços que esses “atores” tenham feito no passado relativamenterecente (pós-1995) e fazem no presente para a promoção do desenvolvimento econô-mico da unidade federativa em análise (o que os autores não negam).

Page 60: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

63Alberto de Oliveira e Jorge Natal

ser explicado sem a consideração dosinvestimentos efetuados pelas empresasglobais (centralmente definidos pelassuas lógicas de atuação planetária), de-vendo-se acrescentar aí os que se verifi-caram a partir do recuo do Estado dassuas tradicionais obrigações públicas eem prol do crescimento econômico, esob a sua égide. Logo, não há como fazertábula rasa das orientações neoliberaispresentes na realidade contemporâneafluminense.

De maneira sucinta: os dados esta-tísticos comprovam de maneira inequí-voca que a política econômica, deinspiração neoliberal, tão criticada, in-clusive pelos autores deste artigo23, teriaparticipado até decisivamente no/doprocesso histórico de “inflexão econô-mica positiva” do Rio, dado que se oestado em tela dependesse apenas dacapacidade de investimento público es-tadual, e dos capitais privados locais enacionais, quase certamente seria possí-

vel afirmar que essa unidade federativacontinuaria mal em termos da produçãode riqueza social, quiçá como se encon-trava nos anos 1980 e primeira metadedos anos 1990.

Insistindo. O que se está aqui (maisque) sugerindo é que as políticas de ins-piração neoliberal, no caso do estadodo Rio de Janeiro, no que tange à gera-ção de riqueza social, não teriam sidotão-somente problemas (desempregoetc.), mas também “caminho” (impor-tante) de “pavimentação” da relativa re-cuperação da economia do estado.Tanto que, com a exceção do estado deSão Paulo, poucos foram os lugares queconseguiram obter tantos investimentosligados à privatização em semelhantesmagnitudes, assim como tantos capitaisestrangeiros (aplicados em setores diver-sos da economia local).

Em que pese essa “positividade”,não se pode esquecer que, além do que

23 Nesses termos, convém registrar o seguinte: se é fato que os investimentos em tela injetaramrecursos na economia fluminense, não se pode perder de vista que essas inversões, incluindoou mesmo sublinhando as advindas do processo de privatização, não implicaram na disse-minação de ganhos de produtividade (a famosa modernização) pelo conjunto da estruturaprodutiva fluminense (senão o contrário, na medida em que elas foram majoritariamentepontuais, em termos tanto setoriais quanto espaciais). Adicione-se nessa linha que particu-larmente em relação à indústria petrolífera, que ocupa posição de destaque no que respeitaa investimento e a arrecadação, ela define um ramo da atividade econômica com horizontetemporal relativamente preciso (pois está baseado em matéria-prima não-renovável), sendoainda altamente gerador de externalidades negativas (ambientais) cujos prejuízos, regrageral, recaem sobre o poder público (conquanto seja ainda difícil contabilizar essasexternalidades, principalmente na área da saúde). Além disso, como se trata de uma Indústria“madura”, o capital estrangeiro atraído para o Rio de Janeiro em razão da privatização nãoagregou “conhecimento novo” (tecnologia) significativo ao parque industrial (deve-se lem-brar que essa era uma das promessas das teses liberais). Enfim, se não há dúvidas de queo crescimento recente da economia fluminense é explicado principalmente pelo aporte derecursos públicos e privados derivados da política liberal (privatização), muitas são as inquie-tações sobre a capacidade de manutenção desse processo de crescimento a longo prazo,em vista pelo menos dos seus custos em termos ambientais, bem como sobre seus desdo-bramentos no conjunto da matriz produtiva estadual.

Page 61: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

64 Qustão regional, Estado e desenvolvimento no século XX

se assinalou na nota 23, se o dinamis-mo econômico do estado repousa emalguma medida em capitais e decisõesexternas ao país, sem deixar de mencio-nar suas implicações gravosas em relaçãoa emprego, a concorrência doméstica, agestão democrática etc., torna-se eviden-te que a dinâmica econômica “local” seencontra submetida a processos e deci-sões extremamente complexos, o quemais uma vez indica o quanto é prema-turo (ou indevido mesmo) afirmar queo Rio de Janeiro é desde logo uma não-“região-problema”.

B.3) O RIO DE JANEIRO, EM VISTA DO SEU PROCESSO

HISTÓRICO DE “PERDAS” E CONFLITOS COM OS SU-CESSIVOS GOVERNOS FEDERAIS, NÃO TERIA MAIS

QUALQUER PODER POLÍTICO NO ÂMBITO DA FEDE-RAÇÃO BRASILEIRA É OUTRO DISCURSO CORRENTE,MAS TAMBÉM EQUIVOCADO

Não parece impertinente afirmar que ainflexão econômica positiva tantas vezesreferida neste trabalho se explicaria pelomenos em parte pelas heranças deixadaspela passagem da capital imperial e dacapital republicana pelo território flumi-nense (portos, universidades, centros depesquisa, indústria naval, sedes de di-versas estatais etc.), posto que se assimnão fosse como explicar, ilustrando, queas grandes empresas de telefonia priva-da tenham escolhido flagrantemente oRio para implantar suas sedes 24?

Nesse sentido, posicionar-se-ia umanova démarche: apesar de a capital tersido transferida para Brasília, haveriasubsistido algum poder carioca (por in-crível que possa parecer ao estado dasartes dominante do debate contemporâ-neo), tanto que ele teria sido importan-te para o relativo renascer da economiafluminense (!). E mais: que assim sendo,além da saudação que ainda se farianecessário à passagem da capital impe-rial e da república pelo Rio de Janeiro,seria mais que nunca necessário avaliarcom o devido rigor a reiterada reclama-ção tão carioca do “Rio discriminadopelo governo federal”, tendo em vista,apesar dos pesares (leia-se, dos ventosneoliberais e da privatização dos anos1990), a presença de empresas estataisde porte em seu território como o são,por exemplo, a Petrobras, o BNDES, aFinep, a Infraero, bem como dos inves-timentos privados que vieram de ser neleefetuados em interação com a históriadesse lugar.

Nesse caso, seria imprescindível se-parar o que efetivamente é governo e oque é Estado, de modo a não obscurecerainda mais a discussão, uma vez que sea questão fosse apenas o segundo, oEstado, possivelmente não se poderiafalar, muito menos enfaticamente, emdiscriminação do Rio; e, por fim, tambémseria imprescindível não perder de vista

24 Igualmente, como explicar que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico eSocial (BNDES), a maior e única instituição com capacidade de financiamento de longoprazo, esteja situada na Avenida Chile e não na Avenida Faria Lima (berço do novo,poderoso e maior centro financeiro do país)? Logo, em sendo verdade o sugerido, poder-se-ia dizer que apenas a política (simbólica) seria capaz de explicar esse fenômeno, pon-tificando aí a apontada herança carioca de ter sido por tanto tempo capital imperial e darepública.

Page 62: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

65Alberto de Oliveira e Jorge Natal

que se a presença do governo federalcontinua importante para a unidade fe-derativa em exame, como a históriadesse lugar, o seu desenvolvimento,mesmo considerada apenas a dimensãoeconômica, igualmente continua a me-recer preocupação, na medida em quetanto o tema do Estado quanto o da his-tória encontram-se fora da agenda pú-blica.

B.4) A INFLEXÃO ECONÔMICA POSITIVA SERIA RESUL-TADO DA PREVALÊNCIA DO IDEÁRIO DAS SOLUÇÕES

LOCAIS E DE UMA POSTURA POLÍTICO-CULTURAL

ANTI-ESTADO, TESES ESSAS RADICALMENTE ANTÍPO-DAS À HISTÓRIA DA FORMAÇÃO SOCIAL CARIOCA 25,E ESSA RACIONALIDADE E PRÁTICA TERIAM EVITADO

QUE O RIO CONTINUASSE A SER UMA “REGIÃO-PRO-BLEMA”, O QUE, COMO ANTES, TAMBÉM PELA SUA

EXCESSIVA SIMPLIFICAÇÃO, MOSTRA-SE MAIS UMA

VEZ TESE/DISCURSO EQUIVOCADO

Em vista do conjunto dos aponta-mentos efetuados sobre a realidade flu-minense pós-1995, particularmentenestas considerações finais (todos proble-matizando o desenvolvimento econômi-co da “região” fluminense), a questãoque intitula este subitem também precisaser enfrentada. Avançando: em que peseser voz corrente em meios intelectuais,empresariais etc., a defesa da necessi-dade do abandono do que restou develeidade quanto a macroprojetos de re-ferência para o desenvolvimento, tantopara o estado quanto para o país, os auto-

res deste artigo têm marcadas suspeitasquanto à veracidade dessa tese-discurso.

De outra maneira: mais ainda duvi-dam de que os cariocas, em sua maio-ria, tenham experimentado um processohistórico-cultural (acelerado) de elimina-ção da idealização de grandes projetosde referência para o estabelecimento doseu desenvolvimento. Enfim: possuema firme convicção de que essa tese-dis-curso seria improcedente não apenasporque seu ponto de partida seria pro-vavelmente mistificador, o que supõeque haveria incontestável superioridadedas “soluções locais” e das parceriaspúblico-privadas sobre as formas quelhe são opostas, como também porquea história de uma formação social não“evapora” dos corações e mentes, comgrande facilidade, ao sabor de mudan-ças de natureza conjuntural.

Assim, evidencia-se o quanto é pro-blemático tributar o desenvolvimentoeconômico do estado a “soluções” comoas que vieram de ser aludidas e, passoseguinte, considerá-lo uma não-“região-problema”. Talvez pior ainda: abrindomão do seu patrimônio sociocultural, dasua histórica participação nas grandeslutas nacionais, do seu também históricoolhar holístico e escalar, para tristementerefugiar-se numa irrefletida e inconse-qüente busca pela (sua) salvação no cre-do “paroquial-hedonista” que, ao fim e

25 Quando possivelmente a parceria política do governo estadual com a Firjan, indepen-dentemente da consciência dos sujeitos envolvidos, tenha sido a expressão do reconheci-mento de que se encontrava em curso um processo que escapava do seu controle emesmo da sua efetiva capacidade de intervenção. Ou seja: essa parceria seria uma espéciede tentativa de lograr centralidade política em uma situação que lhes era relativamenteadversa.

Page 63: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

66 Qustão regional, Estado e desenvolvimento no século XX

ao cabo, apenas disfarça suas muitas fra-gilidades, em especial as estabelecidascom o governo federal.

C) A QUESTÃO REGIONAL, O ESTADO E O (FUTURO)DESENVOLVIMENTO FLUMINENSE

A análise desenvolvida neste artigo pro-curou resgatar o quanto o abandono daquestão regional, particularmente pelapopulação carioca, afirmando-a comoquestão nordestina, acabou cumprindopapel perverso para o efetivo desnuda-mento dos seus muitos problemas; que,assim sendo, é trivial, “apenas” se acu-mularam. Mais: que o processo de “na-turalização” do Estado foi decisivo namedida em que obliterou esses mesmosproblemas (ao “funcionar” como biom-bo para que certos interesses particula-res, a maioria “dependente de recursospúblicos”, se afirmassem discursivamen-te como “do estado”). Passo seguinte semostrou que o “choro lamuriento” ver-balizado por dadas frações de classe eprevalecente dos anos 1960 até meadosdos anos 1990, não obstante desvelar acrise societária profunda e complexa flu-minense, fundamentalmente indicava oquanto essas frações haviam sido aban-donadas em vista das novas configura-ções econômicas e políticas que seposicionaram na cena brasileira. Porfim, no pós-1995, procurou-se demons-

trar que é preciso não perder de vistaque a economia fluminense continua,apesar dos esforços dos governos esta-duais do período em atrair empresas enegócios para o seu território, a apresen-tar enormes debilidades endógenas noque concerne à sustentação do seu cres-cimento econômico e a confundir, pro-positadamente, conflito de naturezafederativa, que parece existir, e de for-ma mais aguda nos últimos anos (pós-FHC), com disputas pol íticas de“espaço”. Logo, salvo engano, pareceque a sociedade fluminense encontra-se vivenciando uma situação, expressana démarche em questão, que mais con-funde do que esclarece a produção dediagnósticos conseqüentes sobre o seudevir.

Não fora bastante, e possivelmentepor causa disso, há o posicionamento deuma série de discursos nitidamente equi-vocados ou insuficientes concernentes àreferida produção (de diagnósticos e deterapias), todos mais ou menos dominan-tes, alguns deles negando os outros 26, oque demonstra o quanto é preciso apro-fundar a análise de modo a evitar queeles adiem a busca por soluções efetivaspara o enfrentamento das inúmeras di-ficuldades que estão postas para a eco-nomia e a sociedade fluminense, postoserem regra geral “apenas” ideológicose/ou políticos, e nada científicos.

26 Tais como: microiniciativas de base local, definições e ações do governo estadual (quandoas decisões empresariais privadas do grande capital internacional foram determinantesda inflexão econômica positiva de meados dos anos 1990 para cá), dependência total doRio ao governo federal, negação definitiva da importância do Rio na vida nacional brasi-leira etc.

Page 64: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

67Alberto de Oliveira e Jorge Natal

Referências

ARAÚJO FILHO, V. F. Política e ideologiana vida do Estado do Rio de Janeiro.Rio de Janeiro, 1994. Dissertação (Mes-trado) – IPPUR/UFRJ, Rio de Janeiro,1994.

ARAÚJO, T. B. A experiência de planeja-mento regional no Brasil. In: Ensaiossobre o desenvolvimento brasileiro –heranças e urgências. Rio de Janeiro:Renavan, 2001. Parte I, p. 17-24.

__________. Dinâmica regional brasileirae integração competitiva. In: Anais daANPUR. Recife-PE, 1997. V. 2.

CANO, W. Raízes da concentração indus-trial em São Paulo. Rio de Janeiro; SãoPaulo: Editora Difel, 1977.

CARDOSO DE MELLO, J. M. O capitalismotardio. Campinas: Unicamp; IE, 1998.(30 anos de Economia, Unicamp, 4).

DAIN, S. Crise econômica, Rio de Todasas Crises (I). Série Estudos e Pesquisas,Rio de Janeiro: Iuperj, n. 80, dez. 1990.

DINIZ, C. C. Dinâmica regional da indús-tria no Brasil: início da desconcentração,risco da reconcentração. Belo Horizonte,1991. Tese (Concurso para ProfessorTitular) – UFMG, Belo Horizonte, 1991.

__________. Desenvolvimento poligonalno Brasil: nem desconcentração nemcontínua polarização. Nova Economia,Belo Horizonte, 3(1), 1993.

__________. Repensando a questão re-gional brasileira: tendências, desafios ecaminhos. Rio de Janeiro: BNDES, set.2000. Mimeo.

GUIMARÃES, L. A questão regional no Brasil:traços gerais da sua evolução histórica.Revista de Economia Política, n. 10, p. 167-184, jul./dez. 1986.

HILFERDING, R. O Capital Financeiro. SãoPaulo: Nova Cultural, 1985.

IANNI, O. Estado e Planejamento Econô-mico no Brasil (1930-70). Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1977.

LAFER, B. M. O planejamento no Brasil.São Paulo: Perspectiva, s./d.

LESSA, C. Quinze anos de política econô-mica no Brasil. São Paulo: Brasiliense;Campinas: Unicamp, 1975.

__________. Estratégia de Desenvolvi-mento – sonho e fracasso. Rio de Janeiro,1978. Tese (Concurso para ProfessorTitular) – UFRJ, Rio de Janeiro, 1978.

MARX, K. O Capital, Livro I, Capítulo VI(Inédito). São Paulo: Livraria EditoraCiências Humanas Limitada, 1978.

MOTTA SOBRINHO, A. A civilização do café.São Paulo: Brasiliense, 1978.

NATAL, J. O Estado do Rio de Janeiro Pós-1995: rede urbana, dinâmica econômica

Page 65: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

68 Qustão regional, Estado e desenvolvimento no século XX

e questão social. Rio de Janeiro: Pubbli-cati; Faperj, 2005.

__________. Do desenvolvimentismo aoneoliberalismo – a saga da construçãobrasileira no Século XX. Rio de Janeiro:Pubblicati, 2006.

OLIVEIRA, F. A questão regional brasileira:a hegemonia inacabada. In: Instituto deAltos Estudos da USP, s./d. Mimeo.

PACHECO, C. A. Fragmentação da Nação.Campinas: Unicamp, 1998.

Resumo

O objetivo desse estudo é comparar aevolução da economia fluminense vis-à-vis aos discursos produzidos pelosagentes econômicos. A análise abrangetrês importantes momentos da históricaeconômica do Rio de Janeiro: i) do finaldo século XIX até os anos 1960, quan-do os sinais da crise não eram identifi-cados na economia; ii) as décadas de1970 e 1980, quando o discurso da criseemerge colado à demanda por recursosfederais; e iii) dos anos 1990 até a atuali-dade, quando o Rio de Janeiro retomoua trajetória ascendente de crescimentoeconômico.

Palavras-chave: Rio de Janeiro, desen-volvimento regional, economia brasileira.

Abstrac t

The objective of this work is to comparethe diagnostics and the evolution of theeconomy of Rio de Janeiro. It’s intendedto show the differences between thespeeches and the real situation of theeconomy in three important periods: theend of 19th century until 60’s, whenthere’s no crisis in Rio de Janeiro formany players; ii) the 70’s and 80’s, whenseveral agents demanded resources ofthe federal government in reason of thecrisis, and iii) the 90’s until today, whenthe economy of Rio de Janeiro returnsto economic growth.

Keywords: Rio de Janeiro, regional de-velopment, Brazilian economy.

Alberto de Oliveira é economista, Doutor em Planejamento Urbano e Regionalpelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federaldo Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ) e professor do Departamento de Economia da Uni-versidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

Jorge Natal é economista, Doutor em Ciências Econômicas pela UniversidadeEstadual de Campinas e professor-associado do Instituto de Pesquisa e PlanejamentoUrbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordena o Labora-tório Estado, Economia e Território (LESTE). É pesquisador do CNPq e da FAPERJ.

Recebido em agosto de 2006. Aprovado para publicação em maio de 2007

Page 66: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XX, No 2, 2006, p. 69-92

Inovação e desenvolvimento:uma análise comparativa de doisprogramas de novas tecnologiasem Santa Catarina *

Marcos Antônio Mattedi e Ivo Marcos Theis

A problemática da inovação tecnológica em SantaCatarina

A preocupação com a relação entre Ciên-cia, Tecnologia e Inovação (CT&I) e De-senvolvimento Regional (DR) em SantaCatarina surge no contexto da redefini-ção do padrão predominante de desen-volvimento socioeconômico do estado.Num cenário nacional marcado por um

processo de modernização homogenei-zadora baseada e, na maior parte doscasos, sustentada por uma forte presen-ça do estado, que muitas vezes se so-brepôs às especificidades culturais eambientais de cada região 1, a dinâmicade desenvolvimento de Santa Catarina

* Uma versão inicial deste artigo foi apresentada nas VI Jornadas Latino-Americanas deEstudos Sociais da Ciência e Tecnologia, que tiveram lugar entre 19 e 21 de abril de2006 em Bogotá, Colômbia. A pesquisa que lhe deu suporte foi financiada pela Fundaçãode Amparo à Pesquisa Científica e Tecnológica do Estado de Santa Catarina (Fapesc).

1 O pressuposto é de que espaços regionais são permanentemente produzidos a partir da[re]definição, também permanente, de limites e fronteiras pela dinâmica capitalista – emuma palavra: por causa da permanente [re]regionalização. A esse propósito, cabe acres-centar que “o termo refere-se, mais do que à efetiva existência de regiões, à capacidadede produzi-las, o que inclui o acionamento de ideologia, com apoio, por exemplo, emdados da paisagem, valores culturais compartilhados ou critérios político-científicos quelegitimem fronteiras e limites. O reconhecimento de regiões fundamenta-se [...] na natu-ralização de relações sociais, baseada em processos que ocultam diferenças e interesses”(Ribeiro, 2004, p. 198).

Page 67: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

70 Inovação e desenvolvimento

sempre foi apresentada como uma ex-periência diferenciada em relação aosdemais estados do país. Os principaisaspectos desse diagnóstico referem-setanto ao modelo de ocupação quanto àestrutura socioeconômica. Com relaçãoao modelo de ocupação, este foi mar-cado pela colonização estrangeira, queintroduziu uma estrutura fundiária naqual prevaleciam a pequena proprieda-de e a policultura. Quanto à estruturasocioeconômica, esta vinha sendo ca-racterizada pela capacidade de desen-volvimento sustentado da pequena emédia indústria, que direcionavam suaprodução para o mercado local. Essasprecondições históricas responderiam,assim, pela relativamente equilibradadistribuição espacial da população e dasatividades econômicas, complementadapelo desenvolvimento de uma rede depequenas e médias cidades e por umamenor concentração de renda. Essesseriam os fundamentos do que se con-vencionou caracterizar como “modelocatarinense de desenvolvimento” (Ceag,1980; Hering, 1987; Raud, 1999; Lenzi,2000).

A partir da década de 1970, contudo,observa-se uma redefinição dessa dinâmi-

ca de desenvolvimento (ver Quadro 1).Por um lado, cresce a importância dasgrandes empresas, crescimento patroci-nado, sobretudo, por políticas públicasque forneceram suporte financeiro paraa expansão do setor têxtil e do setormetal-mecânico, acompanhando a ten-dência nacional do período. Por outrolado, intensificou-se o processo de con-centração da população nas maiores ci-dades, notadamente nas cidades deJoinville e Blumenau, invertendo-se,assim, a estrutura fundiária que caracteri-zou o período anterior. Essa redefiniçãoda tendência histórica de desenvolvi-mento acabou gerando um conjunto deproblemas característicos da concentra-ção das atividades produtivas e da popu-lação. Mas, em função das característicasdo processo de ocupação do espaço edo padrão de apropriação dos recursos,essa redefinição acabou gerando tam-bém um conjunto de problemas espe-cíficos, como, por exemplo, a sobrecargada capacidade regenerativa do ambien-te natural e a sobrecarga da capacidadeassimilativa causada pela poluição cres-cente. Esse processo tornou as princi-pais cidades dessas regiões vulneráveisa impactos socioambientais (Mattedi,2000, p. 195-230).

Quadro 1 : Estilização dos modelos de desenvolvimento brasileiro e catarinense

Especificação Brasil Santa Catarina

Distribuição demográfica

População concentrada em regiões metropolitanas População dispersa em pólos regionais

Parque industrial Elevada concentração no eixo Rio-São Paulo

Distribuição equilibrada: regiões especializadas com aglomerados setoriais locais

Continua

Page 68: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

71Marcos Antônio Mattedi e Ivo Marcos Theis

Quadro 1: Continuação

Especificação Brasil Santa Catarina

Perfil da agropecuária – quanto ao módulo

predominante – quanto à produção

Propriedade de médio e grande portes Predomínio da agricultura

Pequena propriedade (agricultura familiar, temporariamente bem-sucedida) Equilíbrio entre lavouras e pecuária (aves, suínos e gado)

Origem das empresas

Empresas líderes: multinacionais e grandes grupos econômicos nacionais

Predominância de empresários locais/estaduais e papel secundário de estatais produtivas e multinacionais

Capitalização

Origem dos recursos: a) Fase pioneira:

– capitais do setor cafeeiro e do comércio exterior

b) Após 1960:

– recursos governamen-tais (estatais federais)

– recursos de multinacio-nais (repassados para filiais estabelecidas no Brasil)

Origem dos recursos: a) Fase pioneira:

– artesanato industrial e pequena empresa (recursos oriundos de atividades comerciais, de captação de poupança do setor rural e de lucros retidos)

b) Após 1960: – recursos próprios, financiamentos de

longo prazo de Bancos de Desenvolvimento e incentivos fiscais estaduais

Geração de empregos

Oferta limitada de empregos industriais Drástica redução da oferta de emprego após 1985

Significativa expansão do emprego industrial até 1980, em razão do desenvolvimento simultâneo de indústrias dinâmicas e da reconversão de subsetores tradicionais Retração, após 1985, da oferta de empregos industriais e forte redução de mão-de-obra no setor agropecuário

Potencial de exportação Desempenho fraco / médio

Acentuado dinamismo no período 1970-1995, com perfil diversificado e significativa participação de produtos industrializados

Empreendedorismo Fraco / médio Elevada capacidade e dinamismo empresariais

Associativismo / cooperativismo Fraco a médio

Aumento progressivo da solidariedade entre os atores governamentais e representantes das atividades produtivas. Ambiente institucional favorável a avanços. Bom uso dos ativos relacionais, baseados na construção da confiança e na cooperação

Turismo Desenvolvimento recente. Predomínio de resorts: grandes complexos turísticos auto-suficientes

Incorporado à economia estadual, com fortes impactos socioambientais, sobretudo na franja litorânea e lastreado em micro, pequenos e médios empreendimentos

Fonte: Vieira e Cunha (2002, p. 298).

Page 69: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

72 Inovação e desenvolvimento

Paralelamente ao declínio das ativi-dades produtivas tradicionais observadoa partir da década de 1970, verificam-setambém a emergência e o fortalecimentode pequenas e médias empresas de altatecnologia. Esse processo é o resultadode uma combinação bastante particulardas relações entre CT&I e a sociedade,mais precisamente, das relações entre auniversidade, o poder público e o setorprodutivo. Como exemplos do fortaleci-mento do setor de alta tecnologia no de-senvolvimento de algumas regiões deSanta Catarina, destacamos: a) Blume-nau Pólo de Software (Blusoft), queconstitui uma incubadora de empresascujo objetivo é a promoção de novas em-

presas de software; b) Centro de Desen-volvimento Biotecnológico (CDB), queconstituiu uma associação civil de direitoprivado e de caráter científico, criada como objetivo de promover as atividades depesquisa e desenvolvimento no campoda biotecnologia industrial. Muito embo-ra o binômio CT&I venha assumindouma importância crescente para o DR,essas relações permanecem ainda consi-deravelmente incompreendidas no esta-do de Santa Catarina. Nesse sentido, ointeresse no estudo destes dois casossurge do contraste que ambos apresen-tam quanto aos respectivos arranjos ins-titucionais, modelos de coordenação e,principalmente, resultados alcançados.

Estratégias de abordagem da ciência tecnologia &inovaçãoA preocupação com CT&I vem assumin-do importância crescente nos países in-dustrializados, revelando que a mudançatecnológica vem sendo considerada abase do desenvolvimento econômico, namedida em que a produção do conheci-mento e a inovação compreendem oprincipal fator de agregação de valor aoprocesso produtivo (Arrow, 2000; Bird,1999). No momento em que o conheci-mento se converte num fator determinan-te da dinâmica de desenvolvimento dassociedades modernas, as relações entreCT&I e o DR permanecem ainda bastantedesconhecidas no estado de Santa Cata-rina. Essa incompreensão pode se acen-tuar porque as representações doprocesso de produção do conhecimento,presentes nos meios acadêmicos e naopinião pública, ainda descrevem a rela-

ção entre contexto social e conhecimentopor meio de uma equação linear: + ciên-cia = + tecnologia = + inovação = +desenvolvimento = + bem-estar regio-nal. Entretanto, ao contrário do que seimaginava até pouco tempo, a relaçãoentre inovação tecnológica e DR não élinear, mas um processo multidimensio-nal, condicionado por fatores culturais,políticos e econômicos. As análises sobreesse processo indicam que “o forte entre-laçamento de alianças e interações entreempresas, e entre elas e as instituiçõeslocais, constitui um fator explicativo mui-to importante” (Bercovich e Schwanke,2003, p. 9). Porém, o interesse analíticoparece residir justamente na explicaçãode como se entrelaça socialmente essarede de alianças e interações.

Page 70: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

73Marcos Antônio Mattedi e Ivo Marcos Theis

Do ponto de vista metodológico,existe um conjunto verdadeiramenteamplo de concepções das relações entreconhecimento científico-tecnológico eDR. Pode-se, por exemplo, supor queessas relações sejam guiadas por umabase normativa, já que a ciência, comoqualquer outra instituição, fundamenta-se em regras, como mostrou a análiseefetuada por R. Merton sobre o cresci-mento do interesse pela tecnologia epela ciência na Inglaterra do século XVII(Merton, 1970; Bem-David, 1974).Dessa perspectiva, as ligações entre de-senvolvimento científico e tecnológicoe DR em Santa Catarina deveriam serbuscadas nas mudanças de valores.Pode-se também supor que essas rela-ções sejam de natureza mais profundae, assim, determinem o próprio conteú-do do conhecimento científico, consti-tuindo-se no resultado de um processode construção social, como sugere oPrograma Forte em Sociologia do Co-nhecimento. Trata-se, por exemplo, domodelo de análise denominado SocialConstruction of Technology, para o quala tecnologia é construída socialmente(Bijker, 2005, p. 19-53; Bijker e Pinch,2002, p. 361-369). Nesse caso, as liga-ções entre cada programa de novas tec-nologias (aqui, o CDB e o Blusoft) e oDR seriam o resultado das escolhas einterpretações que os atores envolvidosefetuaram, tanto do setor de informáticaquanto do setor de biotecnologia, e seupapel no desenvolvimento de SantaCatarina.

Mais recentemente, tem ganhadoforça uma abordagem que destaca nãosó as influências que o contexto social

exerce sobre o perfil do desenvolvimen-to científico e tecnológico, mas tambémos efeitos que esse processo exerce sobreo próprio contexto social. Assim, não setrata de supor que o êxito relativo doBlusoft para o desenvolvimento do Valedo Itajaí em comparação com o CDBpara o Vale do Cubatão se deva às dife-renças de gabarito tecnológico ou àsdiferenças de significado que cada umadas regiões atribui ao desenvolvimentotecnológico. Mais precisamente, não setrata somente de supor que as diferençasentre os dois programas se deva à maiorarticulação do setor de informática emface da crise do setor têxtil no Vale doItajaí em comparação com a falta de ar-ticulação do setor biotecnológico emface da internacionalização do setormetal-mecânico no caso do Vale do RioCubatão. Na verdade, a hipótese subja-cente sustenta que a morfologia dos pro-gramas de inovação tecnológica e suasarticulações com o DR são produtos deuma relação que atravessa as instituiçõestecendo redes complexas e inesperadasque envolvem os atores individualmen-te, as instituições e as esferas de atividade.

O ponto de partida dessa caracteri-zação constitui o reconhecimento daheterogeneidade das relações que vincu-lam os programas de inovação tecnoló-gica ao DR. Na realização das atividadestanto econômica quanto política ou cien-tífica, observa-se sempre mais e maisuma diversidade de atores que possuemfins, projetos e interesses distintos e, atémesmo, contraditórios. Assim, na im-plantação de um programa científico-tecnológico, enquanto um conjunto deatores, como os cientistas, pode visar à

Page 71: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

74 Inovação e desenvolvimento

consolidação do processo de formaçãocientífica na região, outro pode, simples-mente, visar à melhora de sua participa-ção no mercado, como os empresários,e outro, ainda, pode visar à reproduçãopolítica, como os representantes políti-cos. Isso indica um crescente processode interação entre atores e, com isso, amultiplicação de negociações e o estabe-lecimento de compromissos entre os en-volvidos. Para que essas relações sejammaterializadas, é necessário criar com-promissos por meio de “intermediários”entre os atores envolvidos, como, porexemplo, sobre informações que cir-culam sob a forma de conhecimentoscodificados (relatórios, livros, artigos,patentes etc.), ou sobre os objetos téc-nicos, ou mesmo sobre as indicações dascompetências e o saber que cada atorincorpora. Nenhum ator, isoladamente,possui os meios necessários para imple-mentar um programa de inovação tec-nológica.

Para cobrir esse tipo de interação queemerge da relação entre inovação tecno-lógica e DR, pode-se empregar a noçãode “rede técnico-econômica” (RTE), cria-da por Michel Callon, Philippe Laredo ePhilippe Mustar (1995, p. 415-462). Porum lado, a RTE permite designar os ajus-tes locais de negociação pelos agentes emcontato direto, como, por exemplo, osajustes que se estabelecem dentro de umlaboratório de pesquisa ou numa incu-badora, que, em virtude da localização,terminam tornando as ações compatí-veis. Por outro, ela permite também ca-racterizar as formas de organizaçãohíbrida ou intermediária que suplantamos tipos de coordenação proporcionada

pelo mercado ou pela hierarquia pública.Com base nesse ponto de vista, argumen-tamos que as diferenças verificadas entreo CDB e o Blusoft podem ser atribuídasaos gradientes de convergência que cadarede conseguiu firmar com o DR pormeio das alianças heterogêneas firmadasentre laboratórios, indústrias, setor públi-co e usuários. Por isso, para entender oposicionamento de uma empresa desoftware no mercado, é necessário re-compor as alianças que ela estabelececom os centros de pesquisa. Do mesmomodo, não se consegue entender o di-namismo de um laboratório sem consi-derar suas alianças com as empresas.

Analiticamente, a RTE tem comobase a actor-network theory desenvol-vida progressivamente pelo encontrodos trabalhos de Michel Callon e BrunoLatour no Centre de Sociologie de L’Inno-vation (Callon, 1986, 1989; Callon, La-redo e Mustar, 1999); Latour, 2000,2005; Law e Hassard, 1999; Mattedi,2004). A noção de ator-rede supõe, porum lado, qualquer entidade individualou coletiva que participe em negocia-ções e contribua para atingir um acordoe, por outro, um grupo de relaciona-mentos não específicos entre entidadescuja própria natureza é indeterminada.Assim, um ator-rede pode ser descritoem termos de sua própria visão do pro-cesso, e, portanto, o conceito nos habi-lita a reconstituir a dinâmica de decisõestomadas pela comunidade de atoresconfrontada com a necessidade de fazeropções tecnológicas. Isso significa queé possível descrever a trajetória de cadaum dos programas como resultado deum instrumento e de compromissos pro-

Page 72: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

75Marcos Antônio Mattedi e Ivo Marcos Theis

gressivos entre os atores. Assim, cadaator-rede atua simultaneamente comoum ator que compõe outras redes ecomo uma rede composta por outrosatores. Desse ponto de vista, o desen-volvimento tecnológico resulta de umprocesso coletivo que envolve um gran-de número de decisões feitas por atoresheterogêneos, como, por exemplo, cien-tistas e engenheiros, evidentemente, etambém usuários, empresários e entesgovernamentais.

Segundo Callon, Laredo e Mustar(1995), para analisar as inovações e osefeitos de uma RTE sobre o desenvol-vimento de uma região, é necessárioconsiderar a densidade e a dinâmica darede de sustentação. A densidade darede de sustentação pode ser determi-nada pelo grau de encadeamento, con-vergência, extensão e dominância dasassociações estabelecidas entre os atoresou pólos que compõem a rede. Umaprimeira distinção relevante diz respeitoao grau de desenvolvimento de cadaator que compõe a rede, na medida emque pode configurar relações lacunárias,quando certos atores não estão presen-tes ou são subdesenvolvidos, ou relaçõesencadeadas, quando todos os atoresestão presentes. Uma segunda distinção

diz respeito ao grau de dispersão e deconvergência da rede, que se refere aograu de integração entre os atores: é con-vergente quando as atividades de cadaator se assemelham; é dispersa quandoessas atividades são muito diferenciadas.Outra característica das RTEs refere-se àextensão da rede. Nesse caso, quando asredes apresentam pouca descontinui-dade, são classificadas de longas; quandoapresentam descontinuidades, são defi-nidas como curtas. Uma última caracte-rística que permite caracterizar as RTEsdiz respeito às modalidades de coorde-nação das interações que se estabelecementre os atores: são polarizadas, quandoprevalece o modo de coordenação pró-prio de um tipo de ator; são sem domi-nância, quando os atores são guiados porvárias modalidades de coordenação(Callon, Laredo e Mustar, 1995, p. 420-425). Portanto, pode-se argumentar quea densidade de uma rede constitui oresultado do encadeamento, da conver-gência, do comprimento e da dominân-cia, pois menores serão os esforços deadaptação, de tradução e decodificaçãodos recursos e dos interesses dos atoresmobilizados. O que significa que as dife-renças entre os dois programas devem-seà densidade e às interações estabeleci-das em cada uma das redes estudadas.

O CDB – centro de desenvolvimento biotecnológicode Joinville

A implantação do CDB constitui umaresposta aos impasses que marcaram oprocesso de desenvolvimento de SantaCatarina na segunda metade da décadade 1980. Nesse sentido, a preocupação

com a área de biotecnologia compreendea operação por meio da qual se procu-rou associar as necessidades de impor-tação de insumos e aditivos biológicosdo setor agroalimentar do estado com a

Page 73: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

76 Inovação e desenvolvimento

tentativa de traduzir regionalmente asoportunidades de constituição de gru-pos de pesquisa – postas em circulaçãopelo Subprograma de Biotecnologia(SBIO), do Programa de Apoio ao De-senvolvimento Científico e Tecnológico(PADCT), do Ministério da Ciência eTecnologia, em decorrência da necessi-dade de redefinição do padrão predo-minante de desenvolvimento de SantaCatarina. O desenvolvimento da pesqui-sa em biotecnologia converte-se, dessaforma, na possibilidade de mobilizar re-cursos científicos e financeiros para aprodução de insumos para as indústriasde alimentos, de ração e farmacêutica,tais como aminoácidos, vitaminas, en-zimas, fermentos lácteos, colorantes eoutros aditivos que no período eram, emsua maioria, importados, configurando,pois, “apropriação de novas tecnologias”.Portanto, o CDB compreendeu a tentati-va de estabelecer uma associação regio-nalmente inédita dos pólos científico,econômico e público para o desenvolvi-mento institucional e a capacitação numaárea de ponta. Ao mesmo tempo, levouà criação de novas ligações entre atoresestratégicos, principalmente as agroindús-trias de alimentos e os laboratórios depesquisa científica e tecnológica.

A implantação do CDB começou aser negociada em 1987 por iniciativa daSecretaria Estadual de Ciência e Tecno-logia, mediante a equivalência estabe-lecida entre preocupações, atividades eenunciados de atores altamente hetero-gêneos. A equivalência da dinâmica dapesquisa com a ação política acabou li-gando pólos muito pouco desenvolvi-dos e dispersos em torno da concepção

e da geração de produtos e processos,por meio da implantação de um núcleoprodutivo e da indução de usuários paraa ativação do mercado reprimido. Maisprecisamente, tratava-se da oferta deuma tecnologia totalmente nova, ligadaa um conjunto de usuários quase ine-xistentes. Para isso, a secretaria mobiliza,por um lado, o interesse do setor indus-trial de Joinville por meio do apoio daAssociação Comercial e Industrial deJoinville (Acij) e, por outro, os recursose o apoio do ministro da Ciência e Tec-nologia, Luiz Henrique da Silveira, ex-prefeito de Joinville, para desconcentraros investimentos do CNPq e da Finep,mas também para firmar os acordos in-ternacionais necessários para a consoli-dação do centro. Portanto, a constituiçãodessa RTE (ver Figura 1) se estabelecea partir da tradução efetuada pela Se-cretaria Estadual de Ciência e Tecnolo-gia de Santa Catarina dos recursos doCNPq e da Finep, da Acij e do governoalemão, mediante acordos firmados comduas instituições de pesquisa, a Gesell-schaft für Biotechnologische Forschung(GBF) e o Forschungszentrun Jülich(KFA) (Morali, 1996). Como afirmavaseu primeiro diretor administrativo, “umdos fundamentos do Centro de Biotec-nologia é o seu modelo institucionalpraticamente inédito no país, reunindotrês pilares básicos: a agilidade adminis-trativa, com base no modelo empresa-rial, através da participação de órgãoscomo a Acij e a Facisc; os recursos finan-ceiros do Estado, através das aplicaçõesdo CNPq e da Finep; e a massa críticada universidade, representada peloaporte técnico-científico dos pesquisa-dores” (Biotecnologia, 1991, p. 9).

Page 74: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

77Marcos Antônio Mattedi e Ivo Marcos Theis

Figu

ra 1

: R

TE

est

abel

ecid

a pe

lo C

DB

Font

e: e

labo

raçã

o p

rópr

ia.

Page 75: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

78 Inovação e desenvolvimento

Para unir esses interesses, foi criadauma sociedade civil de caráter científicoe direito privado, sem fins lucrativos,cujo objetivo principal era promoverpesquisa e desenvolvimento na área debiotecnologia industrial. Era gerida porum Conselho Administrativo compostopela Secretaria de Estado de Tecnologia,Energia e Meio Ambiente, as CentraisElétricas de Santa Catarina S/A, a Em-presa de Pesquisa Agropecuária e Difu-são Tecnológica de Santa Catarina S/A,a Fundação Osvaldo Cruz, a Fundação25 de Julho, a Associação dos Laborató-rios Farmacêuticos Nacionais, a Associa-ção Comercial e Industrial de Joinville,a Federação das Associações Comer-ciais e Industriais de Santa Catarina e aConfederação Nacional da Indústria.Para a constituição do CDB, foi neces-sário mobilizar e alinhar um conjunto deinteresses muito heterogêneos. Assim, aAssembléia Geral, juntamente com umConselho Administrativo e um ConselhoFiscal, eram os órgãos que estabeleciamas metas do CDB. Como órgãos deapoio e aconselhamento funcionavamtambém a Câmara Técnico-Científica eo Comitê de Pesquisa e Projetos. Inicial-mente, procurou-se reunir especialistascom competência técnica e científicanacional e internacional em áreas comofermentação, microbiologia e genéticamicrobiana, bioquímica e química dosprodutos naturais, biologia molecular,cultura de tecidos, de vegetais, econo-mia, avaliação e perspectiva tecnológi-ca. Previa-se, com isso, a integração dasatividades de pesquisa com as institui-ções locais e regionais para o estabele-cimento de atividades de cooperação,procedimento que objetivava a criação

de um núcleo de competência que pos-sibilitasse a associação com universida-des locais, nacionais e estrangeiras paraa produção do conhecimento e a for-mação de recursos humanos por meioda implantação de programas de pós-graduação. Em seguida, pretendia-secriar novos insumos biotecnológicos naárea de biorreatores (fermentadores).

Por meio da intermediação dessesinteresses, o CDB foi implantado em1991, no distrito de Pirabeiraba, no dis-trito industrial de Joinville. Os seus la-boratórios ocupavam uma área de maisde 2.600 m2. Foram construídos com oapoio da Acij, que se dispôs a ceder aárea e a promover os investimentos físi-cos necessários para a implantação docentro, estimados em US$ 700 mil. Paraa montagem dos laboratórios, foramadquiridos de instituições alemãs apare-lhos de última geração, compreendendoinvestimentos da ordem US$ 8 milhões –60% investidos pelo CNPq e pela Finepe 40% pelo governo alemão. Para a ope-racionalização do centro, foi montadauma equipe multidisciplinar formadapor um diretor científico e oito pesquisa-dores nas áreas de química e agronomia,e um quadro administrativo compostopor um diretor administrativo, um geren-te de projetos, um gerente administrati-vo, uma secretária, um contador, umtécnico de processamento de dados eum auxiliar administrativo. Além disso,o centro mantinha um programa de ca-pacitação permanente composto porquatro bolsistas de Iniciação Científica,seis bolsistas de Estágio de Aperfeiçoa-mento, três bolsistas de Mestrado, umbolsista de Doutorado no exterior e três

Page 76: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

79Marcos Antônio Mattedi e Ivo Marcos Theis

bolsistas de Estágio no exterior manti-dos pelo programa Recursos Humanosem Áreas Estratégicas (Rhae/CNPq).

As principais atividades desenvolvi-das pelo CDB compreendiam as tarefasde Pesquisa e Desenvolvimento (P&D),formação, capacitação e intercâmbiocientífico, bem como a colaboração coma iniciativa privada e a preservação am-biental. As atividades de pesquisa desen-volvidas pelo CDB concentravam-se,basicamente, na biotecnologia industrial,e os projetos, na sua grande maioria,eram enquadrados na categoria de nívelintermediário de complexidade. Para isso,foram mobilizados recursos científicos etecnológicos dispersos num conjunto

muito amplo de programas de pesquisae pós-graduação de universidades, taiscomo a Universidade Federal de SantaCatarina (UFSC), a Faculdade de Quími-ca de Lorena, a Universidade de Joinville(Univille) e a Universidade de Blumenau(Furb), bem como acordos de coopera-ção com instituições na Alemanha, emPortugal, na Argentina e no Chile. OCDB desenvolveu bens e serviços deorigem biotecnológica, por meio de estu-dos relacionados a microorganismos, fár-macos, alimentos, insumos biológicos equímicos, biorreatores, energia e gestãoambiental. Os principais projetos de pes-quisas desenvolvidos para a demanda demercado estão listados no Quadro 2.

Quadro 2: Principais projetos de pesquisa desenvolvidos pelo CDB

— Produção de concentrado nitrogenado em planta piloto a partir de soro de queijo por Lactobacillus bulgaricus;

— Produção de sorbitol e de ácido glicônico por Zymomonas mobilis; — Produção de acetaldeído por Zymomonas mobilis; — Produção de oligofrutados a partir de insulina; — Produção de enzimas de restrição; — Desenvolvimento de processo de produção industrial de Bacillus

Thuringiensis; — Produção de enzimas de interesse industrial (lactase) a partir do soro de

queijo por Kluyveromyces marxianus; — Desenvolvimento de biorreator para o laboratório.

Fonte: elaboração própria.

No que se refere às atividades de de-senvolvimento, o CDB participava, juntocom outras instituições, de dois grandesprojetos na área ambiental: o Projeto deTratamento de Dejetos da Suinocultura

e o Projeto Joinville. Já no que respeitaaos projetos realizados para o setorprivado, destacam-se: a otimização doprocesso de produção de películas decelulose para uso químico-farmacêutico

Page 77: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

80 Inovação e desenvolvimento

e a produção de um antagônico micro-biano para distúrbios gastrointestinais.Porém, esses intermediários não consegui-ram estabilizar e manter unida a rede deassociações entre os atores mobilizados.

Ao converter-se num ponto de pas-sagem obrigatório para a redefinição doprocesso de desenvolvimento de SantaCatarina, o CDB passa a articular a ten-são – permanente – que se instala entrea dinâmica da pesquisa e os interessespolíticos. Muitos atores estimaram queteria sido prematura a implantação docentro de excelência na região de Join-ville, principalmente pela carência derecursos humanos. Não havia cursossuperiores em áreas como biologia, far-mácia, ou no campo agroalimentar, naregião de Joinville, com capacidadepara absorver o conhecimento geradopelo centro. Essas objeções logo forampostas de lado pelo argumento de queo centro atuaria “como um agente des-centralizador da pesquisa”. Outros pro-blemas surgiram, como, por exemplo, acomposição do conselho de administra-ção, no qual, curiosamente, as universi-dades não possuíam assento, apesar dedesempenharem um papel decisivo nodesenvolvimento das atividades de pes-quisa e na associação dos interesses

mobilizados. O fato de seu diretor admi-nistrativo não ser da área de biotecno-logia, mas da área da administração,também aumentaria a tensão na rede.Durante muito tempo essas questõesnão foram consideradas. Contudo, namedida em que a estratégia de priorizara pesquisa aplicada industrial, a qualifi-cação de recursos humanos e a intensi-ficação dos intercâmbios institucionaisnão conseguiu manter unidos os pólosda RTE, as linhas de pesquisa, o fluxode recursos públicos, a atuação dosempresários e o papel do CDB no de-senvolvimento de Santa Catarina torna-ram-se questões muito controversas.Sem a capacidade do setor empresariallocal de traduzir a pesquisa aplicada eminovação na área de biotecnologia, oCDB não conseguiu prestar serviços;sem a prestação de serviços, não foi al-cançada a independência de financia-mento; com a falta de aplicação doconhecimento, diminuíram os recursospúblicos, paralisando as atividades depesquisa; com a paralisação das ativida-des de pesquisa, pararam de circular osintermediários necessários para mantera RTE unida. Com isso, a rede começa-ria a se decompor – e o centro seria de-sativado em 1994.

Blusoft – Blumenau pólo de software

O Blusoft abrange uma RTE que asso-cia empresas de informática do municí-pio de Blumenau. Elas podem serdivididas em dois conjuntos principais:Empresas Associadas (EA) e EmpresasIncubadas (EI). As EA mantêm um vín-

culo “externo” com o Blusoft, pois pres-tam serviço de apoio para o desenvol-vimento da indústria de software deBlumenau. Podem ser subdivididas emseis grupos principais: treinamento, in-ternet e multimeios, provedor e acesso,

Page 78: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

81Marcos Antônio Mattedi e Ivo Marcos Theis

assessoria e consultoria, venda e aluguelde equipamentos, outros. Na sua sede, oBlusoft mantém uma incubadora que abri-ga EI, que possuem um vínculo “interno”,uma vez que compartilham a infra-estru-tura em regime de condomínio: ISY, FIS,

Focus, Grupo Ebapi, Dataplan, Mastro,Automasoft, Universal, Dynamic, Times,Hardt, Simatec, Residual, Ilog. Para isso,o Blusoft conta com o suporte de quatroentidades caracterizadas como “mantene-doras” (Lauth, 2000) (ver Quadro 3).

Quadro 3 : Entidades mantenedoras do Blusoft

Segmento Representante Sigla

Fabricantes de software Associação das Empresas Brasileiras de Software e Serviços de Informática Assespro

Comunidade científica Universidade Regional de Blumenau Furb

Comércio e indústria Associação Comercial e Industrial de Blumenau Acib

Poder público Prefeitura Municipal de Blumenau PMB Fonte: elaboração própria.

Além disso, o Blusoft mobiliza recursos de mais oito entidades denominadas“apoiadoras” (Quadro 4):

Quadro 4 : Entidades apoiadoras do Blusoft

Entidade Sigla Esferas de atuação

Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos

Inovadores Anprotec Nacional

Sociedade de Usuários de Informática e Telecomunicações de Santa Catarina Sucesu-SC Estadual

Banco de Desenvolvimento de Santa Catarina Badesc Estadual

Brasil Telecom Brasil Telecom Nacional Federação das Industrias de Santa

Catarina/Instituto Evaldo Lodi Fiesc/IEL Estadual

Softex Execellence in Software Softex Nacional Serviço de Apoio a Micro e Pequena

Empresa de Santa Catarina Sebrae-SC Estadual

Brazilian Software Brazilian Software Nacional Fonte: elaboração própria.

Page 79: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

82 Inovação e desenvolvimento

As atividades do Blusoft consistemna intermediação de recursos, na nego-ciação de alíquotas locais de impostopara o setor de informática, no apoiopara a participação em eventos, no su-porte para a formulação de convêniosetc. Na intermediação desses interessese recursos, o Blusoft atua simultanea-mente como um pólo que integra outrasredes e como uma rede na qual cadaentidade integrada na RTE é traduzidasegundo um processo de simplificação.Essa forma de atuação gera aliançasheterogêneas entre as organizações edentro da própria organização.

A constituição dessa RTE compreen-de o resultado de mobilização, desloca-mento e alinhamento de interesses erecursos de um conjunto de atores muitovariados. Por um lado, o Blusoft mobili-zou a experiência regional acumulada naárea de informática pela criação do Cen-tro Eletrônico da Indústria Têxtil (Cetil),em 1969, em Blumenau, constituído por13 empresas da área têxtil – que acabouse transformando no maior bureau pri-vado de processamento de dados daAmérica Latina (Bercovich e Schwanke,2003; Theis, Bercovich e Schwanke,2003). Por outro, alinhou o conhecimen-to sistemático gerado pela criação do pri-meiro curso superior de informática eterceiro do país pela Furb, em 1973. Aabertura da entrada de produtores inde-pendentes de programas, promovidapela separação progressiva da distribui-ção do hardware da do software (Mowerye Rosenberg, 2005, p. 171), tornou pos-sível a associação entre a experiência naárea de informática adquirida pelo Cetil,

a disposição de recursos humanos qua-lificados formados pela Furb e a difusãodo microcomputador durante a décadade 1980. Dessa associação resultaram aindústria de software local e a circulaçãode um conjunto de intermediários quecomeçaram a unir interesses e recursosdispersos. Três exemplos: o processadorde texto Fácil para Windows, premiadocomo melhor software nacional do anode 1993 pelas revistas Byte e PC Maga-zine, a criação do primeiro compressorde dados nacional chamado Stress; e aprimeira planilha eletrônica de cálculoEasy Calc (Lauth, 2000; Sakurada, 1999)(ver Figura 2).

A conjunção desses três fatores, asso-ciada à crise do setor manufatureiro têx-til na região, converteram a “indústria desoftware” num ponto de passagem obri-gatório para a problematização das al-ternativas de DR, tanto pelo movimentoeconômico quanto pela qualificação dosrecursos humanos exigidos. Contudo, astransformações operadas no setor deinformática na cidade de Blumenau, ofim da política de reserva de mercado eas sucessivas mudanças impulsionadaspela difusão da microeletrônica altera-ram significativamente o perfil da indús-tria de software local. As atividades quese baseavam na prestação de serviço emmainframes, na produção de softwaresnão compatíveis com o ambiente Win-dows e a internet ou na produção desoftwares horizontais de uso massivo ede baixo preço que fundamentavam alógica de atuação da indústria local ti-veram de ser abandonadas.

Page 80: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

83Marcos Antônio Mattedi e Ivo Marcos Theis

Figu

ra 2

: R

TE

est

abel

ecid

a pe

lo B

luso

ft

Font

e: e

labo

raçã

o p

rópr

ia.

Page 81: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

84 Inovação e desenvolvimento

A operação por meio da qual o Blu-soft se tornou um ponto de passagemobrigatório para enfrentar a decadênciada indústria de software local e as alter-nativas para a crise do padrão de DRcomeça com a instituição da ComissãoMunicipal de Desenvolvimento de Soft-ware de Blumenau (Comsoft), no anode 1992. A Comsoft detecta que o forta-lecimento da indústria de software localenvolvia a articulação dos produtores eo acesso às instituições de apoio. Maisprecisamente, o fortalecimento da indús-tria de software local passava pela con-versão de Blumenau em um pólo desoftware para ter acesso ao ProgramaNacional de Software para Exportação(Softex) 2000, conduzido pelo CNPq.O Softex põe então à disposição os estí-mulos financeiros e comerciais de apoio

para a indústria local, transformandoBlumenau num núcleo de treinamento,conectando a indústria de software localcom os centros de pesquisa nacionais einternacionais e estimulando a geraçãode projetos de incubação e a troca deinformações sobre o mercado (Campos,1997; Theis, 1998). A projeção da in-dústria de software local em âmbito na-cional é impulsionada pela participaçãoem eventos. Assim é que, durante a 5ªFeira Nacional do Software (Fenasoft),a visita do então secretário da Ciência eda Tecnologia, José Goldemberg, aoestande da empresa WK Sistemas, noqual os expositores trajam roupas emestilo germânico, chama a atenção daimprensa para o software de Blumenau,que se torna manchete em diversos jor-nais de circulação nacional (Quadro 5).

Quadro 5 : Manchetes em jornais de circulação nacional

Data Jornal Manchete resultante da visita do secretário nacional de C&T

24/04/91 Gazeta Mercantil Blumenau terá Pólo de Software

24/04/91 Jornal do Brasil Presença de Blumenau: cidade quer ser produtora de software

24/04/91 O Globo Os Jetsons se mudam para Blumenau 29/04/91 O Estado de SP Blumenau mostra o software catarinense 18/05/91 Revista Manchete Silicon Valley em Santa Catarina 20/05/91 Jornal da Tarde Blumenau maior pólo de software do país

12/06/91 Revista Veja Informática migra para Santa Catarina (Reportagem de capa)

Fonte: Campos (1997, p. 29-30).

Para promover a articulação dos in-teresses mobilizados por essa projeção,criou-se o Blusoft, com o objetivo deestabelecer uma rede que possibilitassesoluções inovadoras por meio da utili-

zação de ferramentas e aplicativos emregime de condomínio para estimularnovos empreendimentos. O Blusoft aca-bou associando as entidades integrantesno desenvolvimento de software, pelo

Page 82: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

85Marcos Antônio Mattedi e Ivo Marcos Theis

entrelaçamento de consumidores, poderpúblico, órgãos representantes dos em-presários e pesquisadores.

A atuação do Blusoft como uma redevisa coordenar os papéis inter-relacio-nados atribuídos a cada um dos atoresmobilizados no desenvolvimento dopólo de software local. Para isso contacom uma área física de aproximadamen-te 1.000 m², onde se localizam a salade reuniões, a sala de direção, a sala deadministração, o auditório, a sala de trei-namento, o laboratório, a cozinha, ostoaletes e 30 salas para empresas incu-badas. O Blusoft presta serviços de tele-fonia, fotocópia, correio, assistênciamédica e assistência jurídica. Sua atua-ção como rede pode ser dividida emduas instâncias distintas: administrativae laboratorial. As tarefas administrativassão executadas por meio de uma secre-tária e um gerente executivo, este indi-cado pelo Conselho de Administração,tendo como objetivo a gestão adminis-trativa de rotina como autorizações eaquisições, mas também a elaboraçãodo plano anual de atividades e a repre-sentação do Blusoft, por exemplo, nacoordenação do núcleo local do Softex.Já as tarefas laboratoriais abarcam a as-sistência tecnológica por meio de equi-pamentos, softwares e a biblioteca paraempresas desenvolvedoras de softwareda região. Para que uma empresa possaser incubada, ela precisa possuir firmaregistrada na Jucesc e apresentar umPlano de Negócios; a permanência má-xima prevista para hospedagem no Blu-soft é de dois anos. O Blusoft possibilitatrês modalidades de incubação: a pré-incubada, que compreende a empresa

iniciante, de estudante ou de profissio-nal que já possui um projeto desenvol-vido; a incubada interna, referente àempresa iniciante cujo projeto será exe-cutado no Blusoft; e a incubada externa,referente a empresa de qualquer portecujo projeto será desenvolvido nas pró-prias instalações (Campos, 1997; Theis,1998).

Assim, no desenho delineado para aincubação de novas empresas, verificou-se uma especificação muito precisa dospapéis que cada um desses atores desem-penhou no desenvolvimento do Blusoft(Figura 3). À Assespro, por exemplo, foiatribuído o papel de mediação dos direi-tos de propriedade e acesso aos softwaresbásicos para o desenvolvimento de no-vos produtos. À Furb, foram atribuídos opapel de apoio a novos projetos e o pro-cesso de certificação da qualidade dossoftwares, juntamente com o desenvol-vimento da inteligência no setor de infor-mática. No que se refere à Acib, o Blusoftprocurou se valer de seus mecanismosde relacionamento comercial, tais comoa colocação de produtos e serviços nomercado e a definição do design de no-vos produtos; mas também na área in-dustrial, a Acib possibilitou testes deprodutos e a promoção de processos deautomação. Quanto à PMB, seu papelcompreendeu a geração de incentivospara a localização de indústrias de soft-ware no município, promovendo facilida-des por meio de investimentos públicose fornecendo apoio logístico para a ma-nutenção das atividades através de recur-sos para o custeio da incubadora (Theis,Meneghel e Bagattolli, 2004).

Page 83: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

86 Inovação e desenvolvimento

Figu

ra 3

: Ato

res

inte

gran

tes

da R

TE

est

abel

ecid

a pe

lo B

luso

ft

Font

e: e

labo

raçã

o p

rópr

ia.

Page 84: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

87Marcos Antônio Mattedi e Ivo Marcos Theis

A intermediação de interesses efe-tuada pelo Blusoft constitui, simultanea-mente, a atuação de um ator que integradiversas redes e o funcionamento deuma rede formada por diversos atores.Para as empresas de software, o Blusoftrepresenta o acesso privilegiado a recur-sos públicos – por exemplo, recursos fe-derais disponíveis em programas comoSoftex/CNPq ou da Finep, em termos definanciamento direto, mas também emforma de bolsas, novos softwares, even-tos etc. Além disso, o Blusoft tambémtem acesso a programas estaduais, comoos da Fapesc e do Badesc, ou munici-pais, como renúncia fiscal. Ao mesmotempo, o Blusoft se converte num pontode rede de cada um desses atores, justi-ficando as políticas governamentais. Emrelação à universidade, o Blusoft não sópossibilita o acesso à certificação doconhecimento gerado pela pesquisaacadêmica, como constitui a possibili-dade de atuação profissional e absorçãode recursos humanos formados na áreade informática. Para as empresas locais

de software, o Blusoft representa o con-tato com associações corporativas, como,por exemplo, a Sucesu e a Acib, e, por-tanto, a garantia da defesa dos direitosautorais e de propriedade, o acesso asoftwares básicos e a possibilidade de co-mercialização de serviços e produtos. Jápara as associações, o Blusoft sustenta eampara a produção de software e apre-senta-se como um agente regional de di-fusão da excelência do software. Assim,essa intermediação é efetuada por meiode um contínuo processo de tradução re-cíproca dos interesses mobilizados noqual a identidade de cada ator é móvel.A conversão do Pólo de Software de Blu-menau em uma RTE decorre de um pro-cesso de envolvimento dos principaisatores estratégicos, resultante da proje-ção do software local em âmbito nacio-nal. O Blusoft se tornou um ponto derede que procura mobilizar e alinhar re-cursos para a integração da indústria desoftware local ao mercado de softwarespersonalizados que se consolida durantea década de 1980 (Theis, 2006).

Considerações finais

Como sugere nossa hipótese de partida,os programas de inovação tecnológicaque marcaram o processo de desenvol-vimento do estado de Santa Catarina po-dem ser descritos por meio dos atoresenvolvidos e pelos intermediários queconseguem pôr em circulação (Figura 4).Tanto no caso do CDB quanto no doBlusoft, verifica-se que as RTE se estrutu-ram em torno de três pólos: o científico-tecnológico, o mercantil e o público. Cada

um deles se caracteriza pelos tipos de in-termediários que consegue mobilizar epôr em circulação. O pólo científico secaracteriza principalmente pela produçãode conhecimento, em que os intermediá-rios constituem os artigos certificados porrevistas científicas. O pólo público se ca-racteriza pela elaboração de dispositivosde apoio, dotados de uma coerência pró-pria, capazes de estabilizar as relaçõesentre os atores. O pólo mercantil corres-

Page 85: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

88 Inovação e desenvolvimento

ponde ao universo de usuários e utiliza-dores, ou seja, a identidade dos consu-midores, a natureza das necessidades, ahierarquia de preferências, as formas deorganização. Os casos analisados ensi-nam que são as interações criadas e de-senvolvidas entre as diferentes atividades

que permitem a aproximação entre a ino-vação tecnológica e o DR. Portanto, asdiferenças entre o CDB e o Blusoft fun-dam-se nos tipos de intermediários queeles conseguem pôr em circulação pormeio dos atores que imitam, consomeme transformam esses intermediários.

Figura 4: Intermediários postos em circulação pelas RTEs estabelecidas pelo CDB epelo Blusoft

Fonte: elaboração própria.

Do ponto de vista do desenvolvi-mento de uma região, a inovação tecno-lógica compreende o estabelecimentode uma associação entre atores que seencontravam completamente desconec-tados. Nesse sentido, observa-se umavariação considerável na definição dos

papéis e na articulação entre os atoresnos dois casos estudados. Por exemplo,enquanto no caso do Blusoft os papéisdesempenhados por cada ator forambem definidos, no caso do CDB elespermaneceram muito vagos. É emble-mática a exclusão das universidades na

Page 86: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

89Marcos Antônio Mattedi e Ivo Marcos Theis

composição do Conselho Administrativodo CDB. Nesse caso, como assinala oplano teórico empregado, o CDB cor-responde a uma “rede lacunária”, na me-dida em que o pólo do mercado semostrou ausente ou muito pouco desen-volvido. Por outro lado, a RTE que ca-racteriza o Blusoft pode ser reconhecidacomo uma “rede encaixada”, na medidaem que todos os pólos encontram-se es-truturados. Outra característica que dis-tingue as duas experiências diz respeitoàs modalidades de coordenação, que, no

caso do CDB, era altamente polarizadapela predominância da forma de coor-denação do setor público; o Blusoft já secaracteriza pela integração de diversasformas de coordenação. Dessa forma,pode-se concluir que as diferenças deêxito encontradas entre as duas RTEsresultam das operações por meio dasquais os interesses e recursos disponíveisforam sendo adaptados, traduzidos e de-vidamente decodificados pelos atores decada região.

Referências

ARROW, K. J. Knowledge as a factor of pro-duction. In: Annual World Bank Con-ference on Development Economics1999. Washington: The World Bank,2000. p. 15-20.

BEM-DAVID, Joseph. O papel do cientistana sociedade: um estudo comparativo.São Paulo: Pioneira: USP, 1974.

BERCOVICH, N.; SCHWANKE, C. Cooperaçãoe competitividade na indústria de soft-ware de Blumenau. Santiago do Chile:Cepal, 2003. (Série Desarrollo Produc-tivo, n. 138).

BIJKER, Wiebe E. Como y por qué esimportante la tecnología? Redes, BuenosAires, 11 (21), p. 19-53, 2005.

BIJKER, Wiebe E.; PINCH, Trevor J. SCOTanswers, other questions: a reply to NickClayton. Technology and Culture, 43(2), p. 361-369, 2002.

BIOTECNOLOGIA: começa o Século XXI –Centro de Desenvolvimento Biotecno-lógico. A Notícia, Joinville, 6 set. 1991.

BIRD [The International Bank for Recon-struction and Development]. Knowledgefor development. Washington: OxfordUniversity Press, 1999.

CALLON, Michel. Éléments pour une so-ciologie de la traduction: la domestica-tion des coquilles Saint-Jacques et desparins-pêcheurs dans la baie de Saint-Brieuc. Année Sociologique, Paris, n. 36,p. 169-208, 1986.

__________. L’agonie d’un laboratoire. In:CALLON, Michel. (Org.). La science et sesréseaux: genèse et circulation des faitsscientifiques. Paris: Éditions la Décou-verte, 1989. p. 173-214.

CALLON, Michel; LAREDO, Philippe; MUSTAR,Philippe. La gestion stratégique de la

Page 87: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

90 Inovação e desenvolvimento

recherche et de la technologie. Paris:Economica, 1995.

__________. Réseau et coordination. Paris:Economica, 1999.

CAMPOS, Tania Regina Schubert. Perfildas empresas produtoras de software deBlumenau e sua importância para a eco-nomia regional. Blumenau, 1997. Mo-nografia (Título de bacharel em CiênciasEconômicas) – Furb, Blumenau, 1997.

CEAG. Evolução histórico-econômica deSanta Catarina: estudo das alteraçõesestruturais [séc. XVII-1960]. Florianó-polis: Centro de Assistência Gerencial deSanta Catarina, 1980.

HERING, M. L. R. Colonização e indústriano Vale do Itajaí: o modelo catarinense dedesenvolvimento. Blumenau: Furb, 1987.

LATOUR, Bruno. Ciência em ação: comoseguir cientistas e engenheiros sociedadeafora. São Paulo: Unesp, 2000.

__________. Reassembling the social: anintroduction to Actor-Network-Theory.Oxford: Oxford University Press, 2005.

LAUTH, Aolisius Carlos. Alavancagem denegócios apoiada em estratégia tecnoló-gica nas empresas desenvolvedoras desoftware de Blumenau. Blumenau, 2000.Dissertação (Mestrado em Administra-ção) – Furb, Blumenau, 2000.

LAW, John; HASSARD, John. Actor NetworkTheory. London: Blackwell Publishers,1999.

LENZI, Cristiano L. O “modelo catari-nense” de desenvolvimento: uma idéiaem mutação? Blumenau: Furb, 2000.

MATTEDI, Marcos Antônio. A formação depolíticas públicas em Blumenau: o casodo problema das enchentes. In: THEIS, IvoMarcos; TOMIO, Fabrício Ricardo de Limas;MATTEDI, Marcos Antônio (Org.). Novosolhares sobre Blumenau: contribuiçõescríticas sobre seu desenvolvimento recen-te. Blumenau: Furb, 2000. p. 195-230.

__________. Dilemas da simetria entrecontexto social e conhecimento: a redefi-nição das modalidades de abordagemsociológica do problema do conhecimen-to. Política & Sociedade, Florianópolis,v. 1, p. 41-79, 2004.

MERTON, Robert K. Sociologia: teoria eestrutura. São Paulo: Mestre Jou, 1970.

MORALI, M. Política de ciência e tecno-logia para o desenvolvimento regionalsustentável: o caso da biotecnologia emSanta Catarina no período 1987-1994.Florianópolis, 1996. Dissertação (Mes-trado em Sociologia Política) – UFSC,Florianópolis, 1996.

MOWERY, David C.; ROSENBERG, Nathan.Trajetórias da inovação: a mudança tec-nológica nos Estados Unidos da Américano século XX. Campinas: Unicamp, 2005.

RAUD, Cécile. Indústria, território e meioambiente no Brasil: perspectivas daindustrialização descentralizada a partirda análise da experiência catarinense.Florianópolis: UFSC, 1999.

Page 88: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

91Marcos Antônio Mattedi e Ivo Marcos Theis

RIBEIRO, Ana Clara Torres. Regionalização:fato e ferramenta. In: LIMONAD, E. et al.(Org.). Brasil século XXI: por uma novaregionalização? São Paulo: Max Limo-nad, 2004. p. 194-212.

SAKURADA, Maire Wulf. Perfil do Blusoft:incubadora de empresas de base tecno-lógica de Blumenau. Blumenau, 1999.Monografia (Título de bacharel em Ciên-cias Econômicas) – Furb, Blumenau,1999.

THEIS, Ivo Marcos. Núcleos de software enovas economias regionais no Brasil:influências econômico-espaciais do Pro-grama Softex-2000. Estudos e Debates,Rio de Janeiro: Ippur/UFRJ, n. 35, 20 p.,1998.

__________. Indústria de software e de-senvolvimento local/regional: recomenda-ções de políticas para a ISB. Blumenauem Cadernos, 47 (7/8), p. 79-87, 2006.

THEIS, Ivo Marcos; BERCOVICH, Néstor A.;SCHWANKE, Charles. Inovação, desenvol-vimento regional e cooperação: o casoda indústria de software de Blumenau.In: SEMINÁRIO NACIONAL DE PARQUES

TECNOLÓGICOS E INCUBADORAS DE EMPRESAS,XIII, 2003, Brasília. Anais... Brasília:Anprotec, 2003. p. 343-357.

THEIS, Ivo Marcos; MENEGHEL, Stela Maria;BAGATTOLLI, Carolina. Transferência deconhecimento para o setor produtivoem escala regional: o caso da FURB. In:COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE GESTÃO

UNIVERSITÁRIA NA AMÉRICA DO SUL, IV, 2004,Florianópolis. Anais... Florianópolis:Inpeau/UNMdP, 2004.

VIEIRA, Paulo Henrique Freire; CUNHA,Idaulo José. Posfácio: repensando o de-senvolvimento catarinense. In: VIEIRA,Paulo Henrique Freire. (Org.). A pequenaprodução e o modelo catarinense de de-senvolvimento. Florianópolis: Aped, 2002.

Resumo

O presente artigo aborda as relaçõesentre inovação tecnológica e desenvol-vimento regional, com especial atençãopara os fatores que explicam diferentesgraus de êxito na implantação de pro-gramas de novas tecnologias no estadode Santa Catarina. As experiências quese examinam são as do Blusoft – Blume-nau Pólo de Software, no Vale do Itajaí,e do CDB – Centro de DesenvolvimentoBiotecnológico, no Vale do Cubatão. Ointeresse da pesquisa realizada residetanto nas diferenças que marcam o grau

Abstrac t

In this article we examine the links be-tween technological innovation and re-gional development. Special attention isgiven to the factors which explain differentdegrees of success in the implementationof new technologies programms in thesouthern Brazilian State of Santa Catarina.The experiences here analysed are thatof Blusoft – Blumenau Pólo de Software,localized in the Itajaí Valley, and that ofCDB – Centro de Desenvolvimento Bio-tecnológico, localized in the CubatãoValley. Two main purposes motivated the

Page 89: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

92 Inovação e desenvolvimento

de institucionalização de ambos os pro-gramas como nas modalidades de suaintegração nas respectivas comunidadesregionais. Para descrever esse processofoi empregada a noção de Rede Técni-co-Econômica (RTE): quanto mais con-vergente for a RTE, mais estabilizadasserão as relações entre inovação tecno-lógica e desenvolvimento regional.

Palavras-chave: Biotecnologia, desen-volvimento regional, informática, inova-ção tecnológica, Rede Técnico-Econômica.

investigation of these cases: first, we tryedto catch the differences which define theinstitutionalisation degree of both pro-gramms; second, we looked for the modal-ities of their integration into the respectivesregional communities. In order to describetheses processes we employed the con-ception of Techno-Economic Network(TEN): the more convergent the TENbecomes, the more the links betwen tech-nological innovation and regional devel-opment tend to stabilize.

Keywords: Biotechnology, regionaldevelopment, informatics, technologicalinnovation, Techno-Economic Network.

Marcos Antônio Mattedi é professor do Programa de Pós-Graduação em Desen-volvimento Regional da Universidade Regional de Blumenau, Doutor em CiênciasSociais pela Universidade Estadual de Campinas, Pós-Doutor pelo Centre de Socio-logie de L’innovation, CSI, França.

Ivo Marcos Theis é economista, Doutor em Geografia Humana pela Eberhard-Karls-Universität Tübingen (Alemanha), Pós-Doutor pela Universidade Estadualde Campinas, professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Desen-volvimento Regional da Universidade Regional de Blumenau.

Recebido em março de 2007. Aprovado para publicação em setembro de 2007

Page 90: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XX, No 2, 2006, p. 93-116

Economía política del desarrolloinmobiliario residencial,Colombia 1950-2005 *

Óscar A. Alfonso R.

La urbanización de la población enAmérica Latina y, en particular, la estruc-turación residencial urbana, es una delas principales fuentes de transferenciade riquezas entre los agentes que parti-cipan en ella. En Colombia tal transfe-rencia se ha desenvuelto en dos grandesmomentos: el primero, signado por lasprácticas laissezferistas urbanas, con-cluye con el perfeccionamiento de laacción colectiva urbana en las ciudadescomo resultado de la expedición de laReforma Urbana en 1997 que, a su vez,desarrolló los principios del ordena-miento urbano promulgados en 1991con la Nueva Constitución Política deColombia; y, el segundo momento, de

Introducción

tránsito hacia el planeamiento urbano, seinicia precisamente con tal perfecciona-miento que tiene lugar con la aprobaciónlocal de los Planes de OrdenamientoTerritorial que, no por casualidad, ocurreen momentos en que la construcción civilatravesó por un interludio recesivo y enel que las reformas al más importantesistema de financiación de vivienda delargo plazo originaron una inusual crisisque implicó la transferencia de las resi-dencias de 50.427 familias a los bancoshipotecarios.

En este artículo presentamos unaexplicación de estos fenómenos de pro-fundo impacto social para las ciudades

* Este trabajo hace parte de la tesis La Ciudad Segmentada: hacia una teoría económicainstitucional urbana de la estructuración residencial de las metrópolis latinoamericanasorientada por el profesor doctor Pedro Abramo y apoyada por la Universidad Externadode Colombia y el Lincoln Institute of Land Policy.

Page 91: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

9 4 Economía política del desarrollo inmobiliario residencial, Colombia 1950-2005

colombianas, desde una economía po-lítica que nos permite identificar a losagentes de la estructuración residencialurbana en su pugna por la transferenciade riquezas y, además, la manera comotal pugna se ha ido resolviendo: el insti-tucionalismo urbano (cf. Alfonso, 2007).Este último tiene que ver con el sentidode las intervenciones que otros agentescomo la autoridad monetaria y crediti-cia –la Junta Directiva del Banco de laRepública– y los estrados judiciales deúltima instancia a los que denominamoscomo el tripartito –la Sala Constitucionalde la Corte Suprema de Justicia y la

Corte Constitucional– van a adoptarpara alterar o resguardar en términosjurídicos un orden complejo al que de-nominamos como la acción colectivaurbana. En la primera parte analizamossu génesis y la acción del capital inmo-biliario para anticiparlo y, en la segun-da, proponemos una interpretación dela reacción del capital financiero en lapugna redistributiva de riquezas. Lasconsecuencias de tal pugna para un ter-cer agente –las familias– se analiza en latercera parte para, finalmente, examinarlas intervenciones del tripartito.

Urbanización de la población, iniciativasparlamentarias por una Reforma Urbana y lareacción del capital inmobiliario

El vigoroso proceso de urbanización dela población colombiana acaecido desdela segunda mitad del siglo pasado estuvoacompañado, por cerca de 35 años, deuna serie de fallidos intentos por dotar alpaís de un Reforma Urbana que intro-dujera la acción colectiva indispensablepara reducir la inequidad y la desigual-dad subyacentes a la opción laissezferistade la configuración residencial urbanaque se verifica en la distribución inequi-tativa de las cargas y de los beneficios quede tal proceso se derivan y en la notoriasegregación socioeconómica y espacialde la población urbana. El contenido detales intentos, surgidos en su totalidadde iniciativas gubernamentales o parla-mentarias, se ocupó inicialmente de lascondiciones institucionales para la pro-

ducción y acceso a la vivienda y, poste-riormente, se extendió hasta aspectos deorden ambiental y de la planeación ur-bana. En las iniciativas de Reforma Ur-bana de los años setenta se comenzó aincorporar reflexiones más desarrolladassobre las formas de operación de losagentes en el mercado del suelo urbanoy sobre la necesidad de dotar a las ciuda-des de los instrumentos de intervenciónpara hacer menos azarosa la produccióndel espacio edificable requerido paraacoger a la población urbana y a las acti-vidades económicas. Este interés se in-tentó sofocar con algunas iniciativas quese presentaron en los ochenta hasta que,finalmente, el país y las ciudades conta-ron con una primera versión de la accióncolectiva urbana, la Ley 9ª de 1989.

Page 92: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

95Óscar A. Alfonso R.

Cuando se presentó la primera ten-tativa de Reforma Urbana en 1960,Colombia estaba involucrada en un in-terludio de su proceso de urbanizaciónen el que también se redefinían los pac-tos políticos y se experimentaban trans-formaciones de fondo en la estructuraproductiva del país como resultado delavance de la industrialización, con loque la dinámica social no podía perma-necer intacta. De una parte, el nuevomodo de desarrollo volcado hacia elapalancamiento de las actividades indus-triales detonó procesos concentracionis-tas de la mejor tierra rural en diferenteslatitudes del país al igual que procesosde mecanización de la producción entierras planas y, de otra, ideologías delo urbano comenzaron a impregnar losplanes de desarrollo nacionales y, obvia-mente, los locales: si con anterioridadla vida en la ciudad se divulgaba comoalgo azaroso y hasta peligroso, una nue-va pedagogía se encargará de acentuarsus ventajas. Las migraciones del campoa la ciudad se erigieron como el princi-pal factor demográfico del crecimientode la población urbana con la particu-laridad de que, en ausencia de prácticasdirigistas, tales contingentes se difundie-ron con gran volatilidad por todo el terri-torio nacional. Entrados los años setenta,el crecimiento vegetativo de la pobla-ción urbana de las ciudades colombia-nas superó el atribuible a las migracionesy la volatilidad de la población colom-biana comenzó a ceder al punto que yaen el periodo intercensal que culmina

en 1993 se constata que el mayor pesode las migraciones recae, en lo fundamen-tal, sobre las de carácter intraregional.

A partir de la segunda mitad de ladécada del sesenta, la población colom-biana y sus territorios fueron sometidosa diversas terapias desarrollistas que re-dundaron en un interludio hiperconcen-trativo del crecimiento poblacionalurbano pues sólo diez ciudades dieroncuenta del 59,2% de tal crecimiento.Estas terapias se fraguaron en medio dela decisiva coyuntura económica y polí-tica de 1966-1967 pues con las políticasde Estado consignadas en la OperaciónColombia, elaboradas bajo la orienta-ción del influyente Lauchlin Currie 1, sesentaron las bases de una política deurbanización de la población y de in-dustrialización según la cual las activi-dades modernas urbano-industriales seencargarían de jalonar el desarrolloagrario y propiciar el incremento de laproductividad del suelo rural y del tra-bajo a partir de la mecanización queocurriría indisolublemente ligada al la-tifundio, “en lugar de una nación llenade campesinos propietarios” (sic), pro-vocación que contribuyó a deflagrar unanueva etapa del conflicto armado co-lombiano pues fue en esa coyuntura quese organizaron las FARC como ejércitoirregular engrosado por los campesinosque previamente se habían organizadocomo autodefensas y que, en adelante,promoverán por la vía armada un mo-delo de sociedad rural antagónico al

1 Economista canadiense que trabajó como asesor del gobierno norteamericano y queencabezó la primera misión del Banco Mundial a Colombia, donde posteriormente contrajonupcias y se radicó hasta su fallecimiento en 1989. Su trabajo en Colombia fue decisivoen el diseño de las políticas de crecimiento y urbanización contemporáneas.

Page 93: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

9 6 Economía política del desarrollo inmobiliario residencial, Colombia 1950-2005

propuesto por las burguesías urbano-industriales, dando inicio a una prolon-gada y nefasta terapia violenta. Al nivelurbano, el pacto bipartidista del FrenteNacional operó sigilosamente para po-ner fin a las políticas de erradicación detugurios practicadas con aguda intensi-dad hasta el gobierno del conservadorGuillermo León Valencia que finalizóprecisamente en 1966.

Los grandes terratenientes urbanosde ese entonces que, en algunos casos,actuaban simultáneamente como pro-motores inmobiliarios y mantenían es-trechos vínculos con los gobiernos deturno, arremetieron contra el proyectode Reforma Urbana que “no era tan so-cialista –y que en ciertos aspectos pare-cía incluso conservador–” (Valencia,2003:100); calificaron al Ministro de“comunista” y forzaron su posterior re-nuncia al cargo, situación que se presen-tó ante la opinión pública con el carácterde expulsión del gobierno pretendiendocon ello, como se estilaba en la época,generar un hecho simbólico lo suficien-temente notorio como para escarmentara quienes desafiaban con des-sacralizarlos ilegítimos derechos de propiedadsobre el suelo urbano que se amparabanen códigos napoleónicos. Ya a comien-zos de la década de los ochenta, el go-bierno populista de Belisario Betancur,empeñado en sacar adelante el procesode paz, realizó una serie de acuerdospolíticos que se percibieron como unintento de ampliación de la participa-ción política en Colombia. La Unión Pa-triótica, partido de izquierda emergenteen este brote de democracia cuyos cua-dros políticos y muchos de sus simpati-

zantes fueron asesinados con gran cele-ridad, presentó una propuesta en 1986que desató una inusitada efervescenciade iniciativas de Reforma Urbana: fue-ron presentadas otras cuatro propuestascon origen en los partidos tradicionales,en una disidencia liberal y en el propioejecutivo, con contenidos y propósitossustancialmente diferentes pero, enausencia de acuerdo político y progra-mático, a ninguna se le dio curso en ellegislativo. Este episodio fue precedidopor dos burdos intentos de “rescatar” laReforma Urbana ya que, tanto en 1984como en 1985, se presentó nuevamenteel conocido y fracasado “proyecto socia-lista” de 1971 con los resultados ya co-nocidos. Pero hacia finales de 1988 unainiciativa legislativa orientada a dictarnormas sobre los planes de desarrollomunicipales fue aprobada por el Con-greso y sancionada por el Presidente dela República, ley que se promulgó el 11de enero de 1989 bajo el título de Re-forma Urbana.

Además de modificar sustancialmen-te el Código de Régimen Municipal vi-gente desde 1986, la Ley 9ª de 1989incorporó un conjunto de medidas paraintervenir en el mercado del suelo ur-bano y en la producción y financiacióndel ambiente construido, en las que so-bresale un nuevo arreglo institucional:el tratamiento de la propiedad comouna función social y no como un dere-cho, lo que supone la obligación de usary explotar los suelos urbanos y demásbienes inmobiliarios de acuerdo con lasnormas de planeación del desarrollolocal o departamental. Otras medidascomo la expropiación de inmuebles ur-

Page 94: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

97Óscar A. Alfonso R.

banos y suburbanos y la participacióndel Estado en los incrementos del preciodel suelo originados en “el esfuerzo so-cial o estatal” inquietaban a los terrate-nientes y a los constructores quienes,después de analizar su contenido, enten-dieron que, en el caso de la expropiación,la Ley podría inclusive ser aprovechadaen su favor y, en el caso de las plusvalías,la detección de ciertos errores técnicos ensu redacción podrían llevarla, como enefecto ocurrió, a su inaplicabilidad.

Pero la medida más controvertidaque introdujo la Reforma Urbana fue laextinción del dominio y, por su trascen-dencia para el desenvolvimiento urbanode las ciudades, desencadenó dos efec-tos: el de más hondo calado y de carác-ter estructural, es que va a poner en elcentro de la discusión los supuestos “de-rechos de propiedad sobre el suelo ur-bano” que reclamaban los terratenientesy que, ulteriormente, serán esclarecidoscon la Constitución Política de 1991. Elde carácter coyuntural, motivado por laposibilidad de que el Estado comenzaraa emplear este instrumento e iniciar pro-cesos de extinción de dominio, causó“pánico” entre algunos terratenientes yrápidamente “contagió” a otros propie-tarios. Los terratenientes urbanos y loscapitalistas inmobiliarios se movilizaronen contra de la extinción del dominio,ya a través de las demandas jurídicasentabladas en las altas Cortes o ya in-tentando desmoralizar a la Reforma Ur-bana con la reedición de las viejasprácticas de la Guerra Fría:

En 1989, con el aporte de los dife-rentes propietarios de tierras y cons-

tructores, y en representación deFedelonjas, demandé la Ley 9ª enlo referente a la extinción del domi-nio –contratando para el efecto a dosexcelentes abogados, quienes des-pués fueron magistrados de la CorteConstitucional–, pero perdimos. LaCorte Suprema de Justicia –encar-gada de la guarda de la Constituciónen aquel momento, ya que la CorteConstitucional fue creada sólo en laConstitución de 1991– confirmó laextinción de dominio para asuntosurbanos, causando pánico entre lospropietarios, que consideraron quehabía llegado el socialismo (Borrero,2003:106).

La declaratoria de la extinción dedominio en la Reforma Urbana se vin-culó a la noción de la función social depropiedad y a una de sus representacio-nes sociales más trascendente que es laobligatoriedad de urbanizar y construirel suelo en la ciudad. La incertidumbreque generó la manera como las cortesresolverían la avalancha de demandasque buscaban la declaratoria de incons-titucionalidad y/o ilegalidad de 94 de los127 artículos de la Ley 9ª de 1989 (Pi-nilla, 2003:241) llevó a que los inmobi-liarios represaran sus decisiones deconstruir a la espera de la resolución yclarificación de los nuevos arreglos ins-titucionales urbanos. La Sala Constitu-cional de la Corte Suprema de Justiciaresolvió con notable celeridad la mayorparte de las demandas presentadas con-tra la constitucionalidad de la Ley 9ª de1989: a manera de ejemplo, la demandacontra la extinción de dominio se resolvió

Page 95: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

9 8 Economía política del desarrollo inmobiliario residencial, Colombia 1950-2005

por sentencia del 14 de septiembre y lade las “cesiones obligatorias gratuitas”el 9 de noviembre de 1989, ambas ne-gando las pretensiones de los demandan-tes y declarando ajustado su contenidoa la Constitución.

Entrado 1990 Colombia experi-mentó una gran agitación política moti-vada por la expectativa de modificaciónde la centenaria Constitución de 1886que, impulsada por los promotores dela séptima papeleta, triunfó en las urnasen el mes de mayo. Luego del cruentoasesinato de Luís Carlos Galán Sarmien-to, la victoria del candidato liberal CésarGaviria llegó junto con el mandato delpueblo de realizar las elecciones para laconformación de la Asamblea NacionalConstituyente, cuya ulterior instalaciónimplicó el cierre temporal del Congresode la República. La Asamblea NacionalConstituyente que promulgó la NuevaConstitución Política de Colombia en1991 elevó a rango constitucional losprincipios que orientan la regulación delordenamiento territorial: la función so-cial y ecológica de la propiedad, la pre-valencia del interés general sobre elparticular y la distribución equitativa delas cargas y beneficios de la urbaniza-ción, así como también la participacióndel Estado en las plusvalías que generesu acción urbanística. Por fuerza delnuevo arreglo constitucional, la extin-ción del dominio desapareció del dere-cho urbanístico colombiano pues, segúnel artículo 58 de la Constitución de1991, en adelante se garantizará tantola propiedad privada como los derechosadquiridos de los particulares, pero elinterés público primará sobre el privado

en los casos en que entraren en conflic-tos tales derechos con los de la sociedad;adicionalmente, si la propiedad es unafunción social esto hace con que la pro-piedad derive también en obligaciones.

Los constructores y terratenientes ur-banos agremiados en la Lonja de Propie-dad Raíz y en Fedelonjas, que seguíande cerca los debates al interior de laAsamblea, tuvieron la oportunidad deexpresar su opinión en contrario, siendosu argumento central la existencia de una“contradicción lógica” entre la noción dela función social de la propiedad y la delderecho de propiedad. En contraste conla escasa sofisticación argumental de esegrupo de interés, los constituyentes delPartido Conservador a los que se sumaronalgunos liberales “de derecha” recurrie-ron a las razones jusnaturalistas-indivi-dualistas que, de cualquier forma, fueronderrotadas por las tesis de las faccionesprogresistas de la Constituyente. La re-novada visión de la acción colectiva ur-bana desató una nueva etapa de lasprácticas anticipadoras del capital inmo-biliario pues, después de promulgado,sólo restaba la expedición de la Ley quelo desarrollará y que las ciudades, enejercicio de su intervención urbanísticagubernamental, definiera el contenidoeconómico de la propiedad, o sea, quelos Planes de Ordenamiento Territorialestablecieran los usos del suelo y el de-recho de construir sobre este: los estruc-turadores urbanos organizados sabíanque tal derecho de construir, desligadodel derecho de propiedad, retornaría asu legítimo poseedor –la ciudad– y sóloles quedaba por esclarecer el tiempo enque esto se concretaría.

Page 96: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

99Óscar A. Alfonso R.

De manera coetánea, el impactonegativo de las reformas neoliberalessobre el crecimiento económico se hizoevidente al generar problemas de de-manda efectiva que, sumados a la eleva-ción de la tasa de interés hipotecaria quepasó del 4,4% a comienzos de 1990 al18,6% a finales de 1995, configurabanun ambiente macroeconómico poco fa-vorable para la dinámica de la construc-ción civil en Colombia y, sin embargo,es una fase de un auge de la actividadinédita en el país. Los determinantes detal auge corresponden, según nuestrocriterio, a un capítulo más de la capaci-dad anticipadora y reactiva del capitalestructurador urbano pues, en efecto, lasreformas urbanísticas advenidas entre1989 y 1991 no son fácilmente eludi-bles pues, como se le atribuye a Maldo-nado (Borrero, 2003:109), la mismaConstitución como norma de normasno puede ser demandada por “incons-titucional”. La incertidumbre acerca dela celeridad con la que el gobierno fueraa expedir la Ley de Desarrollo Territorialy, subsecuentemente, con la que las ciu-dades colombianas adopten los planesde ordenamiento, constituyó un deto-nante sin igual de la actividad construc-tiva. Es decir, que el capital inmobiliariomovilizó su acumulación previa en pro-cura de la apropiación rápida de losderechos de construir en la transiciónentre la promulgación de la Constitu-ción, la expedición de la Ley de Desa-rrollo Territorial y la aprobación de lossubsecuentes Planes de OrdenamientoTerritorial.

Las explicaciones que ofrecen losvoceros más acreditados del capital in-

mobiliario sobre el auge de la construc-ción civil y la posterior introducción delos cambios institucionales en el orde-namiento urbano, los mismos que pordécadas comandaron la oposición a laReforma Urbana, que obraron con inu-sitada celeridad para demandar ante laSala Constitucional de la Corte Supre-ma de Justicia la Ley 9ª de 1989 y quemovilizaron sus capacidades para poneral servicio de esas causas a los más pres-tigiosos abogados, aparecen cándidas aluz de los acontecimientos pues, segúnnuestro entender, resulta contraevidenteque a nueve años de expedida la Cons-titución “hayan comprendido que elesquema había cambiado” y que el pue-blo de Colombia “les había metido ungol y no se habían dado cuenta”:

Hace tan sólo dos años, en 2000,en el Simposio Internacional deAvalúos, organizado por la Lonja dePropiedad Raíz de Bogotá, MaríaMercedes Maldonado, abogada ex-perta en desarrollo urbano, afirmóque el derecho de propiedad no in-corporaba automáticamente el dere-cho de construir y que este derechoera de la colectividad. La reacciónde sorpresa y resistencia fue inme-diata. Posteriormente, en el mismosimposio, el profesor español JavierGarcía Bellido reafirmó lo anterior;explicó que en España tenían esteesquema desde finales de la déca-da de 1950 y que, en este país, esteprincipio era indiscutible. A partir deese momento, comprendimos que elesquema había cambiado. En unprincipio se pensó demandar la Ley388 de 1997 por considerar que ese

Page 97: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

100 Economía política del desarrollo inmobiliario residencial, Colombia 1950-2005

derecho no se les podía quitar a lospropietarios de tierra. Para el efecto,consultamos a la doctora María Mer-cedes Maldonado y a otros aboga-dos en derecho urbanístico, quienesaclararon que este derecho estabaconsagrado en la Constitución y queera imposible demandar por incons-titucional a la misma Constitución.Ya no había duda, nos habían meti-do un gol en la Constitución y no noshabíamos dado cuenta. (Borrero,2003:108-109)

Lo anterior resulta aún más contrae-vidente si agregamos que, en un episo-dio más de su acción anticipadora, elgran capital inmobiliario contó duranteel proceso de elaboración de la Ley 388de 1997 con la asesoría directa del Vi-ceministro de Estado cuya cartera regulay decide sobre el ordenamiento te-rritorial –el Viceministro de Vivienda,Desarrollo Urbano y Agua Potable–,prerrogativa que ningún otro agente in-mobiliario, pequeño constructor, urba-nizador popular o semejante, tuvo a sualcance:

(…) Luego surgió la discusión de laLey 388 de 1997, con Juan MartínCaicedo como uno de los ponentes –en ese momento, años 1996 y 1997,yo estaba en la Junta Directiva deCamacol y, posteriormente, asumí elcargo de Presidente de la Cámara dela Construcción en Bogotá–. En ladiscusión del proyecto de ley, comen-zamos a revisar en detalle las figurasde la Ley 9ª y las nuevas alternativaspropuestas –incluso asesorados por

personas como Fabio Giraldo Isaza,quien había sido vicepresidente deCamacol y en ese momento era elViceministro de Vivienda, Desarro-llo Urbano y Agua Potable– y con-cluimos que Camacol no debíaoponerse porque lo que se necesi-taba era, precisamente, tierra baratapara desarrollos urbanísticos. Así fuecomo entendimos que no se afecta-rían los intereses del gremio de laconstrucción, y tanto la Junta Direc-tiva de la Cámara de la Construccióncomo los principales promotores deproyectos inmobiliarios decidimosapoyar el proyecto. (Borrero, 2003:107)

Un nuevo ciclo del urbanismo co-lombiano se inició en el 2000. Las ex-pectativas creadas entre los alcaldes delas ciudades colombianas por los “estí-mulos” anunciados en el artículo 13 dela Ley 546 de 1999, generó una ava-lancha de acuerdos locales en los quese adoptaban las normas de ordena-miento territorial ya que durante el mesde junio de 2000 se realizaron 110 enotros tantos municipios y solo en el últi-mo día del mes, fecha límite señaladapor la Ley, se aprobaron 32 acuerdosmunicipales: 24 esquemas de ordena-miento territorial, 7 planes básicos y unplan. Pasada la euforia adopcionista, yreconocida la precariedad fiscal del go-bierno nacional para asumir el compro-miso con un programa de algunatrascendencia, el perfeccionamiento dela acción colectiva urbana con la adop-ción de las normas de ordenamientocontinuó al ritmo del voluntarismo local,

Page 98: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

101Óscar A. Alfonso R.

siendo un rasgo central el tímido cuandono insustancial empleo de los instru-mentos introducidos por la ReformaUrbana para garantizar un reparto equi-tativo de las cargas y beneficios del pro-ceso de urbanización.

Por su parte, la capacidad anticipa-dora de los estructuradores urbanos,que había sido empleada para apropiar-se de manera ilegitima del derecho deconstruir de propiedad de las ciudadeshaciendo que se pagase a precios exor-bitantes el suelo edificable en su poder,fue empleada en esta nueva coyunturaen procura de nuevas áreas de suelo

urbano a precios más bajos, estrategiaempleada para enfrentar el nuevo cicloque se inicia y que va a ser facilitada porla definición de los usos del suelo y delas áreas de expansión y de renovaciónurbana en los planes de ordenamientoterritorial. Como era de esperarse, losmás inescrupulosos recurrieron a “pro-fesionales del urbanismo” que, al am-paro de la omisión estatal cuando nocontando con la connivencia de las au-toridades urbanísticas locales, evadie-ron lo dispuesto en la Ley 388 de 1997para convertir la ilegitimidad de sus“prácticas formales” en un problema delegalidad.

Contra reacción del capital financiero y colapso dela financiación de vivienda a largo plazo

Varios sistemas de financiación de la vi-vienda a largo plazo han operado enColombia durante los últimos sesentaaños. La acción del Estado en su fasecorporativa promovió sistemas como elde la Caja de la Vivienda Militar e, inclu-sive, el del Fondo Nacional del Ahorro,mientras que su cara social tomó cuerpoen el administrado por el Instituto deCrédito Territorial, entre otros. Pero eshacia mediados de 1972 cuando laconstrucción civil colombiana comienzaa gozar de un cuantioso y estable flujode capital de crédito pues, siguiendo lasorientaciones de Currie, el ministro Ra-mírez Ocampo, aquel que fuera acusadode “comunista” y posteriormente expul-sado del gobierno, se encargó de pro-mover la creación del mecanismo deapalancamiento financiero más podero-

so que haya conocido cualquier activi-dad capitalista en Colombia: el 2 demayo de 1972 fue promulgado el De-creto 677 que dio origen al sistema dela Unidad de Poder Adquisitivo Cons-tante (UPAC) con el que se institucio-nalizó la indexación y a través del quese canalizó el mayor volumen de ahorroprivado hacia la construcción residen-cial. Convertir los depósitos de ahorroa la vista en financiación de la viviendaa largo plazo se erigió, al igual que enotros países latinoamericanos, en la graninnovación financiera de entonces.

Las Corporaciones de Ahorro y Vi-vienda, entidades financieras que ope-raron el sistema UPAC, entraron a jugarun papel decisivo en el urbanismo co-lombiano, en la medida que al otorgar

Page 99: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

102 Economía política del desarrollo inmobiliario residencial, Colombia 1950-2005

un crédito hipotecario a los constructo-res y, posteriormente, subrogarlo a loscompradores, entró a validar las localiza-ciones más rentables y menos expuestasal riesgo y, con ello, orientó la valoriza-ción o desvalorización virtual de ciertosvecindarios. El sistema indexado que seconoció como la UPAC surgió en unmomento decisivo para el devenir delcapital inmobiliario colombiano asícomo para la estructuración residencialde las ciudades que estaban creciendopues la ausencia de mecanismos de cré-dito hipotecario de largo plazo en unambiente inflacionario anunciaban unperiodo de crisis para la industria de laconstrucción, amago que se disipó ve-lozmente por la entrada en operacióndel sistema UPAC y por la capacidad delos promotores inmobiliarios de aquellaépoca para conseguir la hazaña de “ha-ber logrado quebrar finalmente la resis-tencia de las capas más ricas a consumirapartamentos y casas estandarizadas”(Jaramillo, 1994:326) como ocurrió enel caso bogotano.

La mayor parte de las Corporacio-nes de Ahorro y Vivienda fueron cons-tituidas como sociedades de capital apartir del segundo semestre de 1972 altiempo que la recién creada Junta deAhorro y Vivienda daba inicio a sus acti-vidades indicando que la base de cál-culo de la UPAC sería el promedio delíndice de precios al consumidor de lostres meses anteriores a la fecha de cál-culo. El sistema indexado había entradoa operar. Las CAV abonaban a los aho-rradores la corrección monetaria calcu-lada con la inflación corriente, lo cualya era una ventaja frente al resto de de-

pósitos a la vista del sistema bancario, yuna tasa de interés pagadera por trimes-tre vencido que se liquidaba sobre elsaldo mínimo en la cuanta de ahorro deldepositante durante el período. Para losasalariados esto no representaba mayoratractivo pues difícilmente podían inmo-vilizar un saldo mínimo sustancial comopara que la remuneración fuera consi-derable, mientras que para las CAV estaforma de reconocimiento del rendimien-to financiero de los ahorros constituíala principal fuente de sus beneficios deintermediación.

Las modificaciones que la Junta deAhorro y Vivienda introdujo al cálculodel valor en pesos de la UPAC y queestuvieron vigentes hasta mayo de 1984se refirieron indefectiblemente al hori-zonte temporal del índice de precios alconsumidor. De manera complementa-ria, y después de las coyunturas inflacio-narias de los setenta y de la conmociónsocial que ello generó, su acción regu-ladora se enfocó a limitar el crecimientodel valor de la UPAC hasta el 1º de juliode 1976 cuando fue suprimida y susfunciones fueron asumidas por la JuntaMonetaria. La modificación a la meto-dología del cálculo de la UPAC que in-trodujo en 1984 hacía que cualquierdesfase positivo o negativo entre la in-flación y la tasa de interés fuera conver-tido en un plus relativamente marginala la corrección monetaria y, consecuen-temente, a la variación máxima de laUPAC, pero lo trascendente es que conesa modificación se comenzó a introdu-cir la tasa de interés como variable dereferencia para la indexación. Este inter-ludio va a ser el punto de quiebre entre

Page 100: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

103Óscar A. Alfonso R.

el modelo de acumulación de capitalinmobiliario privado soportado en elcrédito hipotecario indexado y la opciónestatal de producción del espacio edifi-cado que se definirá a favor de los in-mobiliarios.

La espiral inflacionaria por la queatravesó la economía colombiana du-rante el gobierno Barco (1986-1990) lesreportó cuantiosas ganancias financierasa los propietarios de las firmas queoperaban en mercados con estructurasmonopólicas y oligopólicas y derivó,consecuentemente, en un notable de-terioro en la distribución personal delingreso. Bajo la orientación de la orto-doxia fiscal y financiera que paulatina-mente copó los espacios de la políticaeconómica, el presidente Barco comen-zó a cambiar decididamente el arregloinstitucional que hacia de la inflación lavariable para ajustar el valor de la UPAC:la reforma a la metodología de cálculoque efectuó hacia mediados de 1988anticipó las medidas de política econó-mica que, con especial énfasis desde1991, colocaron el control de la infla-ción como el eje de la política moneta-ria y fiscal, de manera que al vincular ala tasa de interés DTF (Diferencial de losDepósitos a Término Fijo) –irremedia-blemente superior a la variación del ín-dice de precios al consumidor–, alcálculo de la UPAC, el gobierno sentólas bases para la ampliación de los már-genes de intermediación financiera delos bancos hipotecarios.

La regulación que operaba sobre lavariación máxima del valor de la UPACdesde agosto de 1974 se había violado

ya en una ocasión –abril de 1975–. Peroentre noviembre de 1990 y junio de1992 ello se convirtió en práctica con-suetudinaria, alcanzando diferenciasconsiderables que alcanzaron su máxi-mo en octubre de 1991, período duran-te el que se introdujeron las primerasmodificaciones al criterio de indexación.La permisividad y laxitud en el controlfinanciero que caracterizó este lapsoocasionó el incremento ilegal del montode las deudas hipotecarias y del margende intermediación de las CAV pero, ade-más, esta práctica se constituyó en elpreámbulo a la reforma que debilitó lacredibilidad del público en el contrato decrédito hipotecario por el sistema UPAC.

En enero de 1990 y por iniciativade la entonces Ministra de DesarrolloEconómico María Mercedes Cuéllar deMartínez, el gobierno Barco había inter-venido decididamente la actividad cre-diticia de las Corporaciones de Ahorroy Vivienda y del Banco Central Hipote-cario a favor de la vivienda de interéssocial. Posteriormente, y como parte desu reforma liberalizadora, la administra-ción Gaviria introdujo importantes mo-dificaciones a las entidades estatales queorientaron la política de vivienda de in-terés social para adecuarlas a los nuevosinstrumentos: el otorgamiento del sub-sidio directo a la demanda y la exposi-ción de los hogares de ingresos bajos alas vicisitudes del mercado del créditohipotecario que se avecinaban.

El sistema financiero fue liberado decualquier compromiso con los programasde vivienda de interés social, pues loscréditos hipotecarios quedaron sujetos a

Page 101: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

104 Economía política del desarrollo inmobiliario residencial, Colombia 1950-2005

las reglas con que operaría el opaco siste-ma indexado; posteriormente el sistemasufrirá un “ajuste” ya que la conforma-ción de la cuota inicial de las familiasdeberá ser administrada por los bancosen las “cuentas de ahorro programado”.Al finalizar los primeros cuatros años delnuevo sistema, los resultados en mate-ria de cumplimiento de metas era juz-gado como “positivo” por el gobiernoentrante: de la construcción de 500.000soluciones de vivienda prometidas a las“familias necesitadas” se habrían alcan-zado a construir el 61,6%, mientras queel 42,2% se habría beneficiado con elsubsidio directo. Dentro de las modali-dades de las viviendas de interés sociala las que se dirigieron los subsidios, lamayor proporción (44%) correspondióa los “lotes con servicios”, modalidadque exige la prolongación de la jorna-da de trabajo o la participación de másmiembros de la familia al mismo paralevantar la edificación.

En medio del auge de la construc-ción civil se expidió la Ley 31 de 1992que introdujo un conjunto de reformasen el plano monetario, cambiario y cre-diticio que redefinieron el papel delBanco de la República en la economíacolombiana, dotándolo de una mayorautonomía en su relación con el Gobier-no Central: la Junta Directiva del Bancode la República quedó investida con elcarácter de autoridad monetaria, cam-biaria y crediticia, siendo la función fun-damental del Banco la de velar por elmantenimiento de la capacidad adquisi-tiva de la moneda, o sea, por el controlde la inflación. En lo concerniente alcrédito hipotecario y, específicamente,

en lo que atañe al sistema indexado co-nocido como la UPAC, la reforma fi-nanciera estableció que:

Artículo 16. Atribuciones. Al Bancode la República le corresponde es-tudiar y adoptar las medidas mone-tarias, crediticias y cambiarias pararegular la circulación monetaria y engeneral la liquidez del mercado fi-nanciero y el normal funcionamientode los pagos internos y externos dela economía, velando por la estabi-lidad del valor de la moneda. Paratal efecto, la Junta Directiva podrá:(…)f) Fijar la metodología para la deter-minación de los valores en monedalegal de la Unidad de Poder Adquisi-tivo Constante (UPAC), procurandoque ésta también refleje los movi-mientos de la tasa de interés en laeconomía.

Transcurrieron siete años hasta queel tripartito –la Corte Constitucional–sentenció la inexequibilidad del nume-ral f) de la Ley 31 de 1992 por ser con-trario a la Constitución, lapso duranteel que se hicieron evidentes los notablesdesaciertos en materia de política de cré-dito hipotecario. En el momento en quese proclamó la Ley 31, las autoridadesmonetarias sostenían que la tasa de in-terés DTF reflejaba coyunturalmente losmovimientos de la tasa de interés de laeconomía pero, en adelante, tal tasa seelevó tan vigorosamente como las ga-nancias de intermediación de los bancosoriginadas en la ampliación del margen.En 1994, en momentos en que la ortodo-

Page 102: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

105Óscar A. Alfonso R.

xia monetaria y financiera proclamaba eléxito de las “nuevas” políticas de con-trol a la inflación, la tasa DTF se elevó atal nivel como para que las Corporacio-nes de Ahorro y Vivienda presionaranuna modificación en la metodología delcálculo del valor de la UPAC pues, si lainflación estaba descendiendo y la DTFelevando, era fácilmente discernible queel resto del sistema financiero obteníamayores ganancias de intermediaciónque las entidades financieras que opera-ban la UPAC. Los frutos de tal presiónse recogieron a partir de la entrada envigencia de la Resolución Externa #26de 1994 de la Junta Directiva del Bancode la República, expedida al amparo delnumeral f) de la Ley 31 de 1992. Mien-tras que en sus anteriores decisiones eneste frente de la política crediticia, estoes, el que concierne a la determinaciónde las metodologías para el cálculo delvalor de la UPAC, la Junta Directivahabía preservado al menos parcialmen-te a la inflación como el índice de refe-rencia para tal efecto, a partir del 1º deoctubre de 1994 dió un viraje radical alreemplazar tal índice por un “porcentajede la DTF efectiva”, inicialmente fijadocomo del 74% de su promedio móvilde las últimas doce semanas.

Esta decisión tuvo un efecto inme-diato sobre los contratos de hipotecapactados entre las CAV y los deudorespues, además de modificar unilateral-mente las condiciones pactadas en cuan-to al cambio del índice para establecerla corrección monetaria de los saldosinsolutos de las deudas, ocasionó el in-cremento en el monto de las cuotasmensuales y la elevación drástica e in-

fundada en la remuneración del créditohipotecario: la tasa DTF cerró en alza en1994 alcanzado un nivel tal –37,9%–que, al modificar la tasa de colocaciónhipotecaria, llegó inclusive a superar endiferentes momentos la tasa máxima deremuneración al crédito o, en otras pa-labras, llegó a situarse en los niveles crí-ticos de la usura (cf. Jaramillo et al.,2000). Tal elevación sería justificable enel caso de que la remuneración al aho-rro se hubiera elevado proporcional-mente, pero los depósitos a la vista delos colombianos en las cuentas de aho-rro de las CAV continuaron recibiendoun interés irrisorio.

Pero alguna sospecha asediaba a losmiembros de la Junta Directiva del Ban-co de la República quienes, en una suer-te de mea culpa, decidieron que, a partirdel 1º de agosto de 1995, el cálculo delvalor de la UPAC ya no se realizaría to-mando como referencia el promediomóvil de las últimas doce semanas sinoel de las últimas cuatro, con lo que se-guramente aspiraban a corregir el desa-cierto que significaba creer que talcálculo reflejaba “el movimiento de latasa de interés de la economía”. Pero elefecto irreparable de estas decisiones encuanto a la credibilidad de las familiassobre la estabilidad y el equilibrio delcontrato de crédito hipotecario se co-menzó a percibir en medio de la crisis,en buena medida, por lo que esto signi-fica en tanto interrupción del flujo mo-netario para el financiamiento de laproducción y circulación de los activosresidenciales. Aunque en el Banco de laRepública se conocían bien las implica-ciones negativas que sobre el crecimiento

Page 103: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

106 Economía política del desarrollo inmobiliario residencial, Colombia 1950-2005

económico y el empleo tenía la decisiónde sustraer liquidez a la economía enesta coyuntura recesiva (Urrutia, 2000:5-6) en la medida que ésta significabaacabar de estrangular la demanda agre-gada al ocasionar la contracción delconsumo y la inversión, la arroganciaimpidió recapitular y rectificar oportuna-mente el error en que había incurrido.Un remedo de tal enmienda fue tomadode manera precipitada por la Junta Di-rectiva con la expedición de la nebu-losa Resolución Externa 8 de 1999, perola intervención de la Corte Constitucio-nal ya era irreversible y a su tenor la ex-pedición de la Resolución 10 esterilizósus efectos.

En una acción desesperada por evi-tar la pérdida de gobernabilidad de lapolítica de crédito hipotecario que seavecinaba con la aparición del tripartitoy sus decisiones, la Junta Directiva delBanco de la República intentó anticiparel fallo introduciendo una medida com-plementaria a la metodología de cálculoque había aprobado dos meses atrás yque consistía en dejar variable el por-centaje de la DTF para el cálculo delvalor de la UPAC, ligando tal porcentajea una compleja ecuación que incorpo-raba tanto la tasa de inflación, como “latasa de interés nominal correspondientea la tasa de interés real de largo plazo”.Esta medida, que fue tomada por mediode la Resolución 8 del 14 de mayo de1999 y entraba a regir a partir del 1º dejunio, fue totalmente inocua pues laCorte Constitucional profirió sentenciade inexequibilidad el 27 de mayo de1999 y, con notable celeridad, la JuntaDirectiva expidió el 1º de junio la Reso-

lución 10 de 1999 que entró en vigen-cia el mismo día y en la que se restauróde manera transitoria el sistema de in-dexación que tomaba como referenciaa la inflación. El fallo de inexequibilidadfue proferido por la Corte Constitucio-nal el 27 de mayo de 1999 día en que,con la Sentencia C-383, se inauguró unagudo debate sobre el mal denominado“decisionismo judicial” (cf. Cuellar, 2005)pues el tripartito vino a rectificar todolo actuado por la Junta Directiva y lasCorporaciones de Ahorro y Viviendadesde la entrada en vigor de la Resolu-ción 6 de 1993 hasta la vigencia de laResolución 6 de 1999 en la medida quetales decisiones fueron opuestas al prin-cipio equitativo de la proporcionalidad.

Pero la actitud de la Corporacionesde Ahorro y Vivienda ante el consecuen-te deterioro de la cartera hipotecaria enpoder de los constructores, esto es, queuna porción creciente de la misma habíaentrado en mora en el pago, fue la deevitar artificiosamente que el indicadorde calidad de la cartera reflejara la mag-nitud del problema pues ello les impli-caría constituir más reservas para cubrirel riesgo de incumplimiento: las Corpo-raciones de Ahorro y Vivienda optaronentonces por “prorrogar” este tipo decréditos y reestructurarlos de manerareiterada hasta que pudieran ser subro-gados (cf. Romero, 2003), de maneraque aparecían artificialmente “al día” enlos reportes a las entidades de control.Ese artificio implicó que los interesescorrientes y de mora que no cubrían losconstructores eran incorporados al prin-cipal del crédito, artificio contable queen la práctica significaba la capitalización

Page 104: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

107Óscar A. Alfonso R.

de los intereses y que, en el plano institu-cional, puso en evidencia nuevamentela debilidad de los arreglos imperantesy la laxitud de la Superintendencia Ban-caria y del Banco de la República pues“los intermediarios del sector encontra-ron maneras de evadir los controles es-tablecidos”:

Aunque el Banco de la Repúblicareiteradamente les solicitó a los ban-cos reducir el crecimiento de la carte-ra, ellos ignoraron sistemáticamentelas advertencias. En una reunión elpresidente de uno de los principalesbancos del país le respondió al Ge-rente del Banco de la República quela función de un banco es prestar, yque no tenía sentido pedir modera-ción en el crecimiento del crédito…Ante el fracaso de las advertenciasel Banco de la República en marzode 1994, tomó la decisión de impo-ner límites al crecimiento de la cartera.Infortunadamente este instrumento esbastante burdo en un sistema finan-ciero liberalizado y los intermediariosdel sector encontraron maneras deevadir los controles establecidos. Setuvo que acudir entonces a la res-tricción de liquidez y a un aumento

gradual en las tasas de interés parareducir el crecimiento de la carteraa partir de 1994…Aunque muy cri-ticada, la política de aumentar lastasas de interés evitó mayores desca-labros. Se podría argumentar que elendurecimiento de la política mone-taria ha debido iniciarse antes (Urru-tia, 2000:21-23).

Los presidentes engavetaron las in-genuas solicitudes que les enviaba elgerente del Banco de la República y, ensu afán por incrementar su participaciónen esa creciente masa de ganancias in-mobiliarias derivadas de la apropiaciónde los derechos de edificabilidad, el sis-tema financiero se encargó de opacaraún más el mercado de crédito hipote-cario pues administraba 90 sistemas deamortización del crédito hipotecario. Laineficacia de los mecanismos de coor-dinación de mercado de los deseos delos agentes inmobiliarios, de los inter-mediarios financieros y de los trabaja-dores, y la renuencia de la autoridadmonetaria a rectificar lo actuado, llevóal colapso del sistema de crédito hipo-tecario y a una contracción abrupta dela producción residencial.

Disolución del trabajo estable en las ciudades y delpatrimonio de las familiasHacia 1962 comenzó a operar en Co-lombia un régimen laboral cuyos arre-glos institucionales consignados en elCódigo Sustantivo del Trabajo persistie-ron por casi tres décadas e incidieron demanera decisiva en la estructuración re-

sidencial urbana de las ciudades a la ca-beza de la red primada colombiana. Laestabilidad del contrato de trabajo yotras garantías laborales como la retroac-tividad de las cesantías facilitaron el acce-so a la vivienda a las familias de quienes

Page 105: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

108 Economía política del desarrollo inmobiliario residencial, Colombia 1950-2005

tenían contratos de trabajo a términoindefinido. Estas conquistas laboralesestimulaban a los urbanistas colombianosde inspiración corbuseriana a relanzarlas ideas que soslayaban las funcionesdel espacio público (Lefebvre, 1999:30)y que eventualmente tomarían cuerpoen grandes proyectos inmobiliarios de-nominados genéricamente como “lasciudades dentro de las ciudades”, estoes, que se proyectaban simultáneamen-te como el lugar de trabajo, el lugar dehabitación, el lugar de consumo, el dela educación de los hijos y, en fin, el delacceso a los “placeres programados”.Las cesantías y las primas salariales pero,especialmente, la garantía de un pagoperiódico y estable configuraban al tra-bajador como un excepcional sujeto decrédito en tanto tuviese ese tipo de con-trato, pues disminuía el riesgo financierode incumplimiento y de mora en el pagoen las operaciones hipotecarias de finan-ciación de la vivienda a largo plazo,amén que la residencia era la garantíareal exigida para amparar tal operación.

La administración de César Gaviriaheredó de su antecesor Barco una “mi-sión de empleo” cuyos estudios llevarona la modificación del arreglo laboral, enlo individual como en lo colectivo, re-forma que abriría paso a las subsiguien-tes con las que se liberalizó la economíacolombiana. La flexibilización del con-trato de trabajo y la eliminación de laretroactividad de las cesantías se aduje-ron como medidas necesarias para elevarla competitividad del aparato producti-vo colombiano, situación que evidente-mente no ha ocurrido y que, en cambio,comenzó a hacer cada vez más reiterado

entre los colombianos el paro friccional,amén del sesgo anti-salarial de la políticamonetaria constatable en el incrementode la tasa de desempleo abierto, retiródel mercado potencial de crédito hipo-tecario a los trabajadores flexibilizadosque dejaron de ser sujetos de créditopara las Corporaciones de Ahorro y Vi-vienda y a los nuevos desempleadosque engrosaron la lista de morosos yque, posteriormente, se vieron forzadosa entregar sus viviendas en dación enpago por la deuda hipotecaria con lasCAV. Justo en el momento en el que latendencia de la tasa de desempleo sufrela inflexión más fuerte de la última dé-cada, el tercer trimestre de 1994, la JuntaDirectiva decide modificar unilateral-mente las condiciones del crédito hipo-tecario y, en momentos en que se haconfirmado el aumento del desempleoy la ampliación de la informalidad –se-gundo semestre de 1995–, la Junta Di-rectiva se reafirmó en la decisión tomadacon una versión ajustada a las variacio-nes coyunturales de la tasa de interésDTF: ese ineluctable sendero a la des-trucción del empleo estable fue la con-tribución de la ortodoxia monetaria yfinanciera a la recesión.

La coyuntura que se inició en 1996y que se prolongó hasta 1999, es un finalde siglo en el que la actividad constructi-va se sumergió en un interludio recesivodel que emergieron nuevos arreglos ins-titucionales en materia de crédito para lafinanciación de la vivienda a largo plazolos que, sumados a los contenidos en laLey 388 de 1997, incidirán decisivamenteen la dinámica residencial urbana de lasciudades en crecimiento en Colombia.

Page 106: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

109Óscar A. Alfonso R.

Fue en esta coyuntura que se reveló cómola autoridad monetaria y los intermedia-rios financieros erraron flagrantemente deobjetivo pues, en su búsqueda por unamayor participación de las ganancias in-mobiliarias, terminaron exprimiendo elya deteriorado fondo salarial para el con-sumo de los hogares, tornando inapla-zable la intervención del tripartito quepondrá en el centro de la discusión elprincipio de separación de poderes –laCorte Constitucional:

La última vez que se había generadoalgún exceso de oferta de viviendasy oficinas había sido en 1974, y porlo tanto, la gente estaba acostumbra-da a que los precios de la finca raízsiempre subían… El aumento de lademanda se multiplicó por el suminis-tro creciente de crédito de vivienda.Con precios al alza, las corporacionesde ahorro y vivienda se comprome-tieron a financiar un mayor númerode proyectos, y comenzaron a otor-gar préstamos para cubrir una mayor

proporción de los mismos. Tradicio-nalmente en Colombia se financiabahasta 70% a compradores, este valores para constructores de vivienda,pero en 1995 ya había planes quefinanciaban hasta el 90% del proyec-to (Urrutia, 2000:8-18).

Según se puede inferir de las frag-mentarias estadísticas de la entidad queagremia a los bancos hipotecarios, el Ins-tituto Colombiano de Ahorro y Vivienda(ICAV), al finalizar 1999 tenían en sustock 6.624 viviendas entregadas por losusuarios del crédito en dación en pagopor la impagable deuda. En los añossubsiguientes recibieron 43.803 vivien-das por esta misma razón de maneraque, para tener una idea de la magnituddel fenómeno, las 50.427 viviendas re-cibidas hasta finalizar el 2005 equival-drían aproximadamente al stock total deviviendas de una ciudad intermedia deColombia.

La intervención del tripartito y la renovada accióncolectiva urbana

Para comprender las decisiones del tri-partito proponemos que ellas se suscitanen dos grandes momentos: el de la in-fluencia del Código Napoleónico y elde la acción colectiva urbana. Una delas decisiones más notables de ese pri-mer momento fue la declaratoria de ine-xequibilidad que la Sala Constitucionalde la Corte Suprema de Justicia profirióen 1979 contra la Ley 61 de 1978 de

Reforma Urbana. El tránsito del laissez-ferismo urbano hacia la regulación vaa ser detectable, según nuestro enten-der, a partir de las sentencias de exequi-bilidad que la Sala Constitucional de laCorte Suprema de Justicia profirió paradecidir sobre las demandas que el capi-tal inmobiliario agenció en contra de laLey 9ª de 1989. Una de las más tras-cendentes por sus implicaciones para la

Page 107: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

110 Economía política del desarrollo inmobiliario residencial, Colombia 1950-2005

distribución de las cargas y beneficiosdel proceso de urbanización, así comopor la consistencia teórica del fallo enmateria económica, fue la que se originóen la demanda al artículo 2º de la Ley 9ªde 1989 que obliga a las alcaldías a in-corporar en los planes de desarrollomunicipal las “cesiones obligatorias gra-tuitas” que son las porciones de suelourbano que los terratenientes y construc-tores inmobiliarios “tienen el deber deceder con destino a la conformación delespacio público, los equipamientos y lasvías que permiten dar efectivamentesoportes urbanos al desarrollo inmobi-liario” (Pinilla, 2003:246). La ambiva-lencia de la noción fue aprovechada porlos terratenientes y constructores orga-nizados en la Federación de Lonjas dePropiedad Raíz como argumento paraintentar desmoralizar el instrumento: lagratuidad la asimilaban a una donaciónque naturalmente debía ser voluntariay no obligatoria, de manera que cual-quier cesión obligatoria y sin aparentecontrapartida era interpretada por elloscomo una “expropiación encubierta sinindemnización”. Pero la Sala Plena dela Corte Suprema de Justicia, con inusi-tada claridad y celeridad, profirió el falloque fue contrario a las aspiraciones delos demandantes:

Es de suponer por otra parte, que elprecio de las fajas o porciones deterreno objeto de las “cesiones obli-gatorias gratuitas”, refluye a la postreen el precio del terreno restante queaumentará de valor por causa omotivo de las obras de urbanizacióna emprenderse por el particular. Porello, para el propietario no resulta

enteramente gratuito en la prácticael acto de enajenación que la normaacusada impone, exigencia ésta quese cimienta en la facultad de controlurbanístico del Estado, vasto campoal que se viene extendiendo la nociónde orden público.” (Pinilla, 2003:247)

Es decir que por causa de tales cesio-nes el suelo urbano remanente para laedificación adquiere un precio de merca-do mayor al que potencialmente tendríaaquel en donde no se realizan, por loque ese mayor valor es la compensaciónexigida como si se tratase de un acto deenajenación voluntaria. Esta forma decomprender la naturaleza del suelo urba-no como un bien complejo compuestode forma inseparable por la porciónconstruible y la porción pública es de-cisiva en la estructuración urbana de lasciudades y más aún, como lo previó laCorte al vincular su decisión con la “no-ción de orden público”, es crucial en elproceso instituyente de la ciudadanía.Es, según nuestra forma de ver, en estelapso transcurrido entre la expedición dela Ley 9ª de 1989 y la promulgación dela Constitución Política de 1991 y en elque, además, las sentencias que profi-rió la Corte Suprema de Justicia permi-tieron acumular una rica jurisprudenciaen relación con la función social de lapropiedad del suelo, que la ReformaUrbana va a presentar notables avancesllegando inclusive a afirmarse que es enese material que se encuentra el origendel derecho urbanístico colombianocon ámbito propio de actuación jurídicay con especificidades delante de su pre-cursor, el derecho administrativo.

Page 108: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

111Óscar A. Alfonso R.

La Sala Constitucional de la CorteSuprema de Justicia se diluyó para darpaso a la Corte Constitucional. Una desus actuaciones más decisivas tuvo lugaren 1999 con la sentencia de inexequi-bilidad del numeral f) de la Ley 31 de1992 por ser contrario a la Constitución.En el momento en que se proclamó laLey 31, las autoridades monetarias sos-tenían que la tasa de interés DTF refle-jaba coyunturalmente los movimientosde la tasa de interés de la economíapero, en adelante, tal tasa se elevó tanvigorosamente como las ganancias deintermediación de los bancos originadasen la ampliación del margen. En 1994,en momentos en que la ortodoxia mo-netaria y financiera proclamaba el éxitode las “nuevas” políticas de control a lainflación, la tasa DTF se elevó a tal nivelcomo para que las Corporaciones deAhorro y Vivienda presionaran una mo-dificación en la metodología del cálculodel valor de la UPAC pues, si la inflaciónestaba descendiendo y la DTF elevan-do, era fácilmente deducible que el restodel sistema financiero obtenía mayoresganancias de intermediación que lasentidades financieras que operaban laUPAC. Los frutos de tal presión se reco-gieron a partir de la entrada en vigenciade la Resolución Externa #26 de 1994de la Junta Directiva del Banco de laRepública, expedida al amparo del nu-meral f) de la Ley 31 de 1992. Mientrasque en sus anteriores decisiones en estefrente de la política crediticia, esto es, elque concierne a la determinación de lasmetodologías para el cálculo del valorde la UPAC, la Junta Directiva habíapreservado al menos parcialmente a lainflación como el índice de referencia

para tal efecto, a partir del 1º de octubrede 1994 dará un viraje radical al reem-plazar tal índice por un “porcentaje dela DTF efectiva”, inicialmente fijadocomo del 74% de su promedio móvilde las últimas doce semanas. La JuntaDirectiva del Banco de la República ylas Corporaciones de Ahorro y Viviendaintrodujeron modificaciones en la polí-tica de crédito hipotecario y en sus prác-ticas a fin de intentar subsanar los erroresen que incurrieron y que laceraron lasbases del “negocio del crédito hipote-cario”. Las acciones que preveía el go-bierno Pastrana eran bastante timoratasdelante de la magnitud del problemaque habían creado y cuyas consecuen-cias, no obstante, estaba claramente iden-tificadas:

Por su parte, los usuarios que demanera masiva se endeudaron du-rante los primeros años de la décadadel noventa se han visto perjudica-dos, no solamente por el significativoincremento de la corrección mone-taria, sino además por el descensosostenido que desde 1996 se vienepresentando en el valor de las vivien-das; lo que a su vez ha incrementadola cartera mala de las CAV, puestoque ni con la devolución del inmue-ble es posible saldar las deudas. (De-partamento Nacional de Planeación,1998:498-499)

La coyuntura del segundo semestrede 1999 fue notablemente creativa yestuvo orientada por las expectativassobre el contenido decisorio de los fallosde la Corte Constitucional que había

Page 109: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

112 Economía política del desarrollo inmobiliario residencial, Colombia 1950-2005

admitido otras dos demandas de inexe-quibilidad de normas atinentes a la fi-nanciación de la vivienda. La sentenciaC-700 restauró para el país la potestaddel Legislativo de dictar las normas ge-nerales en materia de financiación devivienda y conminó al Congreso a ejer-cer su atribución constitucional dictan-do la ley que “establezca las directricesnecesarias para la instauración del sis-tema que haya de sustituir al denomi-nado UPAC”: la muerte del sistemaUPAC que se anunció en la Resolución26 de 1994 fue finalmente decretadapor la Corte Constitucional y será eje-cutoriada por el Congreso con la expe-dición de la Ley 546 de 1999 en la quese creó el nuevo sistema, la Unidad deValor Real (UVR). De manera comple-mentaria, la sentencia C-747 de la CorteConstitucional indicó una pauta decisivapara la nueva política de financiaciónde vivienda a largo plazo al considerarcontraria a la Constitución la capitaliza-ción de intereses en este tipo de opera-ciones hipotecarias.

El Congreso de la República legislórápidamente pues, además de la juris-prudencia acumulada en los sucesivosfallos de la Corte Constitucional, teníaa su disposición los argumentos de laJunta Directiva y de los usuarios del cré-dito que se habían organizado en laAsociación Nacional de Usuarios delUPAC (ANUPAC): el 23 de diciembrede 1999 expidió la Ley 546 que, en elartículo primero, no solo creó el nuevosistema en el que se retorna a la inflacióncomo variable de indexación –la Uni-dad de Valor Real, UVR– sino que co-mienza a intervenir decididamente en

el diseño de la política de financiaciónde vivienda a largo plazo con nuevosarreglos institucionales pues estableceque, para tal efecto, no se podrán capi-talizar los intereses y que los deudoreshipotecarios podrán realizar amortiza-ciones extraordinarias al capital, deno-minadas como “prepagos”, sin que elloderive en cualquier tipo de sanción quepudieran aplicar a los deudores las enti-dades crediticias.

Mientras que, en general, los miem-bros de la Junta Directiva del Banco dela República concordaban en que loque estaba en juego en esta coyunturaera la preservación del principio de laseparación de poderes y, en este sentido,el uso de la facultad legislativa del Con-greso era insoslayable, el contenido dela Ley 546 de 1999 les significó otraderrota en la batalla librada con la CorteConstitucional, sentándose a partir deella el precedente de que las decisionesde la “banca central independiente” nopodrán estar exentas del control deconstitucionalidad. Para el usuario delcrédito hipotecario la Ley 546 significó,en principio, darle más transparencia almercado del crédito hipotecario pues,en la transición del sistema UPAC alnuevo sistema de financiación de vivien-da a largo plazo –la UVR–, la Superin-tendencia Bancaria eliminó 85 de los 90sistemas de amortización ofrecidos hastaentonces por las Corporaciones de Aho-rro y Vivienda que incluían diferenciassustanciales en cuanto a capitalizaciónde intereses y aceptación de prepagostotales o parciales de los saldos hipote-carios insolutos (cf. Romero, 2003). Peroel legislativo incidió de forma aún más

Page 110: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

113Óscar A. Alfonso R.

decisiva en la política de financiamientode la vivienda pues, en el artículo 17,trazó los criterios generales de tal políticacon cuyo contenido se intentó, infruc-tuosamente, restaurar la credibilidad delpúblico en el sistema y apalancar la reac-tivación de la construcción civil, al pasoque el numeral 2º significó el inicio deun nuevo capítulo de la disputa corpo-rativa pletórico de contradicciones pues,aún defendiendo la potestad legislativadel Congreso, los miembros de la JuntaDirectiva del Banco de la República nose ahorraron argumentos para manifes-tar su inconformismo e irritación con sucontenido pues significa una interven-ción permanente de la tasa de interéshipotecaria y, en la práctica, torna insus-tancial la intervención de la autoridadmonetaria en esta materia. Ulteriormen-te, la Corte Constitucional declaró su

exequibilidad en la Sentencia C-955que resuelve una nueva demanda deinconstitucionalidad.

Una de las principales cuestionesque se levantó en relación con los tér-minos establecidos en la Ley 546 de1999 es la proyección de la evoluciónprevisible del precio del inmueble, puesen el fondo esa indicación guarda es-trecha relación no solo con la valoraciónde la garantía real como si con la estruc-turación del espacio residencial de lasciudades, en la medida que las contra-dicciones inherentes a las formas decoordinación de las decisiones de los es-tructuradores urbanos y las de la bancahipotecaria, están concebidas para quesea el mismo sistema el que se encarguede estimular la desvalorización virtualde los stocks residenciales.

Comentarios finales

Las fabulosas e ilegitimas gananciaspercibidas por los agentes inmobiliarios“formales”, surgidas de la apropiaciónanticipada del derecho de construir enlas grandes ciudades y de las cuantiosasplusvalías por la mayor intensidad en eluso del suelo en su poder, que quedaronintactas después de la errada arremetidadel sector financiero, están a la búsquedade nuevas posibilidades de valorización.Los vientos de la contra-Reforma Urba-na azotan con más frecuencia a la em-pobrecida Colombia. En el intertanto, elnuevo discurso de la globalización ybursatilización inmobiliaria comenzó ahacer carrera y los agentes inmobiliarios,

organizados ahora en sociedades anóni-mas, a exacerbar el empleo de la red paravalorizar sus capitales, simbiosis entre laInternet y el mercado inmobiliario dedonde refluye la información que buscadesvalorizar virtualmente aquellas loca-lizaciones que ulteriormente van a alla-nar con nuevas propuestas de vecindario.En la medida que los epítetos aprendi-dos durante la Guerra Fría y empleadospara desmoralizar la Reforma Urbanaentraron temporalmente en desuso, lasnuevas fuentes de segmentación de laciudad y de disolución de la ciudadaníase hacen posibles por la presencia demedrosos alcaldes que sucumben ante

Page 111: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

114 Economía política del desarrollo inmobiliario residencial, Colombia 1950-2005

la retórica de la inseguridad, el vigilan-tismo, y casuísticamente condonan lascesiones obligatorias a la ciudad para losnuevos emprendimientos inmobiliarios.La segunda residencia localizada en losmunicipios circunvecinos a las grandesciudades continua consolidándose comoreflejo del invariable deterioro en la dis-tribución personal del ingreso urbano yde la política de extinción de la agricul-tura tradicional, irradiando la ciudad suspautas de segmentación a los espaciosmetropolizados hasta donde la ilegitimaacumulación de capitales inmobiliariosotrora no llegaba.

Como en un palimpsesto, los agen-tes que movilizan al poderoso real estateespañol comienzan a reescribir parte deesta historia y las primeras plumas queanticipan su curso y reclaman la inter-vención pronta del tripartito son las dela propia derecha:

Y a la mayoritaria España hipoteca-da, sin comerlo ni beberlo, le hansubido el Euríbor, sin consultarle, sinque el Gobierno abra la boca, sinque Solbes explique nada, sin que

ZP 2 explique nada, sin votación delas Cortes. ¡Vamos, sin tripartito! ElEuríbor está en el nivel más altodesde 2003. Ha aumentado hasta el2,684%. Ya se oye el galopar de losjinetes del Apocalipsis de la subidadel precio del dinero, de los tipos deinterés, pero el familiar Euríbor dela hipoteca, que es como de la fami-lia, que es el que nos cobija en lacasa que todavía no es nuestra, sinodel Banco o de la Caja, ése ya recitael Romance de la Pepa: sube quesube que sube, trepa que trepa quetrepa. (Burgos, 2005:7)

Pero aún hay quienes sostienen que,con la intervención de la Corte Consti-tucional, Colombia se apartó del cursode la historia y, contra toda evidencia,condenan el denuedo con el que el tri-partito comenzó a despejar el caminopara reencausar la historia del tiempopresente de nuestras ciudades hacia unfuturo más prometedor en términos deuna urbanización más igualitaria y de-mocrática: el del planeamiento urbano.

2 ZP alude al Presidente del Gobierno Español Rodríguez Zapatero. N. del autor.

Referencias

ALFONSO R., Óscar. A. El lamentableestado de la política urbana en Colom-bia. Revista de Economía Institucional,Bogotá: Universidad Externado deColombia, v. 7, n. 12, p. 291-298, 2005.

__________. Aportes para una teoría eco-

nómica institucional urbana de la estruc-turación residencial de las metrópolislatinoamericanas. Bogotá: UniversidadExternado de Colombia, 2007. Mimeo.

BORRERO, Oscar. Evolución de la posiciónde los gremios inmobiliarios y construc-

Page 112: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

115Óscar A. Alfonso R.

tores ante las leyes de reforma urbana.In: MALDONADO, M. M. (Ed.). Reforma ur-bana y desarrollo territorial: experien-cias y perspectivas de aplicación de lasleyes 9ª de 1989 y 388 de 1997. Bogo-tá: Cider, Universidad de los Andes,Colciencias, Alcaldía Mayor de Bogotá,Lincoln Institute of Land Policy y Fede-vivienda, 2003.

BURGOS, A. Euríbor sin tractoradas. DiarioABC, año CII, n. 32.867, p. 7, 4 dic. 2005.

CLAVIJO, Sergio. Fallos y fallas económi-cas de las altas cortes: el caso de Colom-bia 1991-2000. Ponencia presentada alForo Corte Constitucional y Economía,Bogotá: Universidad de los Andes, 2001.

COMMONS, John. Economía Institucional.Revista de Economía Institucional, Bo-gotá: Universidad Externado de Colom-bia, v. 5, n. 8, p. 191-201, [1931], 2003.

CUÉLLAR, María Mercedes. La prueba derazonabilidad y la estabilidad de las reglasde juego. Revista de Economía Institu-cional, Bogotá: Universidad Externadode Colombia, v. 7, n. 12, p. 13-42, 2005.

DEPARTAMENTO NACIONAL DE PLANEACIÓN.Plan Nacional de Desarrollo 1998-2002,Cambio para construir la paz. Bogotá,DNP, 1998.

JARAMILLO, Samuel. Hacia una teoría dela renta del suelo urbano. Bogotá: Edi-ciones Uniandes - Instituto GeográficoAgustín Codazzi, 1994.

JARAMILLO, Samuel; PARIAS, Adriana;ALFONSO R., Óscar A. Observatorio del

mercado del espacio construido en Bo-gotá. Bogotá: CEDE - Facultad de Eco-nomía de la Universidad de los Andes,2000. (Documento CEDE 2000-07).

KALMANOVITZ, Salomón. La Corte Consti-tucional y la capitalización de intereses.Ponencia presentada al foro Fallos de laCorte Constitucional en materia econó-mica: ¿Debe el alto tribunal tener encuenta sólo el derecho?, Bogotá: Univer-sidad de los Andes; Banco Interamerica-no de Desarrollo y Diario El Espectador,2000.

LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana.Belo Horizonte: Editora UniversidadeFederal de Minas Gerais, [1970], 1999.

PINILLA P., Juan Felipe. Evolución legaly jurisprudencial del derecho urbanís-tico colombiano. In: MALDONADO, M. M.(Ed.). Reforma urbana y desarrollo te-rritorial: experiencias y perspectivas deaplicación de las leyes 9ª de 1989 y 388de 1997. Bogotá, Cider, Universidad delos Andes, Colciencias, Alcaldía Mayorde Bogotá, Lincoln Institute of LandPolicy y Fedevivienda, 2003.

ROMERO N., Óscar. Banca hipotecaria enColombia: los aportes de la crisis reciente.Revista 80 Años de la SuperintendenciaBancaria en Colombia. Bogotá: Superin-tendencia Bancaria, 2003.

URRUTIA M., Miguel. Políticas para evitarburbujas especulativas en finca raíz. Re-vista del Banco de la República, NotasEditoriales de Enero, Bogotá: TalleresGráficos del Banco de la República,2000.

Page 113: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

116 Economía política del desarrollo inmobiliario residencial, Colombia 1950-2005

VALENCIA J., Jorge. Las reformas urbanasen Colombia. In: MALDONADO, M. M. (Ed.).Reforma urbana y desarrollo territorial:experiencias y perspectivas de aplica-ción de las leyes 9ª de 1989 y 388 de

1997. Bogotá, Cider, Universidad de losAndes, Colciencias, Alcaldía Mayor deBogotá, Lincoln Institute of Land Policyy Fedevivienda, 2003.

Resumen

El vigoroso proceso de urbanización dela población colombiana acaecido desdela segunda mitad del siglo pasado estuvoacompañado, por cerca de 35 años, deuna serie de fallidos intentos por dotar alpaís de una acción colectiva que le permi-tiera reducir la inequidad y la desigualdadurbanas emanadas de la configuraciónresidencial. La distribución inequitativade las cargas y de los beneficios que detal proceso se derivan y la notoria segre-gación socioeconómica y espacial urbanade la población son sus rasgos más cons-picuos. En este artículo se presentan lastensiones y los conflictos, amén de los im-pactos sociales, de un proceso pletóricode contradicciones en la acción de losagentes que participan de la estructura-ción residencial urbana de las ciudadescolombianas.

Palabras clave: economía urbana, desa-rrollo inmobiliario residencial, acción co-lectiva, desigualdad urbana, segregaciónespacial urbana.

Abstrac t

The strong urbanization process of theColombian population during the sec-ond half of the 20th century had, for near-ly 35 years, unsuccessful attempts toprovide a collective action to reduce theurban unfairness and inequality thatemerge from the residential configura-tion. The most evident traits of the proc-ess are the unfair distribution of costs andbenefits and the obvious socioeconomicand spatial urban segregation. This arti-cle presents the tensions and conflicts,due to social impacts, of a plethoric proc-ess of contradictions in the actions of theagents who participate in the urban res-idential organization of the Colombiancities.

Keywords: urban economics, real stateresidential development, collective action,urban inequality, spatial urban segrega-tion.

Óscar A. Alfonso R. é economista, Doutorando no Instituto de Pesquisa e Pla-nejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, professor-pesquisador da Universidad Externado de Colombia e sócio-fundador da AsociaciónColombiana de Investigadores Urbano Regionales (ACIUR).

Recebido em outubro de 2006. Aprovado para publicação em maio de 2007

Page 114: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

Rumos da Pesquisa

Page 115: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XX, No 2, 2006, p. 119-136

Evolução urbana no Rio Grandedo Sul: trajetórias intelectuais *

João Farias Rovati

Procedimento e linha de pesquisa

A noção de evolução urbana é freqüen-temente empregada no Brasil em pelomenos dois espaços discursivos. Em umdeles, é evocada como método ou pro-cedimento analítico, cujo objetivo prin-cipal é subsidiar a elaboração de planose projetos urbanísticos. Os enfoques e aabrangência dos estudos situados nesseâmbito são muito diversos. Vão da ela-boração de mapas, onde é representa-do o processo de crescimento de umsetor urbano, cidade ou região, à elabo-ração de longos relatórios. Esse é umlugar ocupado, sobretudo, embora nãoexclusivamente, por arquitetos, urbanis-tas e planejadores do urbano. No outro

espaço, integrado por professores e pes-quisadores de diferentes origens disci-plinares, a noção aparece em programasde ensino de graduação e pós-gradua-ção, em relatórios, teses e dissertações,como constatam inventários da pesquisarealizada na área de estudos urbanos(Valladares et al., 1991; Sant’Anna et al.,2001). Também aí os enfoques são muitovariados.

Tais espaços discursivos, evidente-mente, não são estanques. Um estudode evolução urbana, realizado a partirde abordagem acadêmica, pode se tor-nar referência para a elaboração de um

* Este artigo tem por base os resultados parciais de pesquisa iniciada em março de 2006,realizada com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande doSul (FAPERGS): “Os estudos de evolução urbana como abordagem da cidade”, e foi apre-sentado no XII Encontro Nacional da ANPUR (Belém, 21-25 de maio de 2007). O título foialterado por sugestão da Comissão Editorial dos Cadernos IPPUR.

Page 116: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

120 Evolução urbana no Rio Grande do Sul: trajetórias intelectuais

plano urbanístico. Um trabalho realizadopor consultores ou técnicos municipais,com perspectiva estritamente operacio-nal, pode se tornar referência para apesquisa acadêmica.

Um traço marcante e comum aos doisespaços discursivos brevemente caracte-rizados é a farta utilização de imagens,especialmente desenhos e fotografias.Em outros termos, trata-se de uma nar-rativa em que a iconografia comparececomo aspecto integrante do discurso, enão como ilustração ou complemento dapalavra. Aliás, bem ao contrário disso, emalguns desses estudos as palavras têmmenos força que as imagens.

Cito dois trabalhos que me parecemexemplificar bem a démarche que acabode situar: Evolução urbana do Rio deJaneiro, de Maurício Abreu (1987), ePorto Alegre e sua evolução urbana, deCélia Ferraz de Souza e Doris MariaMüller (1997).

Sem propor aqui qualquer compara-ção quanto a seus conteúdos, chamo aatenção para algo que esses trabalhostêm em comum: um discurso que articulatexto e imagem, pautado pela busca dasíntese, assentado na reunião de informa-ções originadas de fontes muito diversas.

Cabe assinalar, e não apenas comocuriosidade, que os trabalhos de Abreu

e de Souza e Müller foram concluídos nomesmo ano de 1978. Um levou quasedez anos para ser publicado em livro,outro, quase vinte.

O trabalho de Abreu derivou-se depesquisa de escopo mais abrangente, queo autor realizou para o Centro de Pes-quisas Urbanas do Instituto Brasileiro deAdministração Municipal (Ibam). Portan-to, originalmente, era parte de um rela-tório de pesquisa (Abreu, 1987, p. 9). Apublicação do livro que daí resultou foiapoiada pelo IplanRio, como que a tes-temunhar a importância da obra para acidade e para seu planejamento.

O livro de Souza e Müller tambémse originou de relatório de pesquisa, ela-borado para a Secretaria de Planeja-mento Municipal de Porto Alegre. Eraparte de um extenso conjunto de estudoscontratados pela prefeitura nos anos1977-1978, realizados com o declaradoobjetivo de subsidiar a elaboração donovo Plano Diretor da cidade, aprovadoem 1979 (Souza e Müller, 1997, p. 9).

Há algo que distingue, entretanto,os dois estudos. Abreu confessa que seulivro, em certa medida, foi obra do acaso:seu trabalho não tinha como objetivo,inicialmente, tratar da “evolução urba-na” do Rio de Janeiro 1. Souza e Müller,ao contrário, foram especificamente con-tratadas para abordar tal questão. O re-

1 “O objetivo inicial da pesquisa era o estudo da influência das políticas públicas sobre adistribuição espacial da população de baixa renda na Área Metropolitana do Rio de Ja-neiro. E foi nesta direção que eu e Olga Bronstein, responsáveis por sua elaboração,encaminhamos inicialmente o estudo. Na divisão de trabalho que se seguiu, a mim foiconfiada a tarefa de buscar elementos históricos que servissem de ponto de partida paraa discussão da estrutura urbana atual da metrópole carioca. A partir daí, o estudo talcomo o havíamos imaginado começou a mudar de direção” (Abreu, 1987, p. 9).

Page 117: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

121João Farias Rovati

latório que redigiram intitulou-se “PortoAlegre, análise de sua evolução” (Souzae Müller, 1978). O estudo operou um“modelo” já debatido e experimentado

no âmbito acadêmico, cujo exame, em1974, renderia à Doris Maria Müller otítulo de Livre-Docente em EvoluçãoUrbana.

2 Ver, por exemplo, Abreu (1987, p. 11): “Um trabalho que vise analisar o processo deevolução de qualquer cidade a partir de sua organização atual é, por definição, um estudodinâmico de estrutura urbana”.

3 Foge aos propósitos deste artigo fazer um balanço da literatura assentada na análise da“evolução urbana”; apenas para sublinhar a atualidade, diversidade e alcance dessa abor-dagem, cito, nas referências, trabalhos publicados nos últimos anos no Rio Grande doSul (Borges, 2001), em São Paulo (Lima, 2002) e no Paraná (Garcez, 2006), todos dealguma maneira associados ao espaço acadêmico.

A evolução urbana no Rio Grande do Sul

Professora da Faculdade de Arquiteturada Universidade Federal do Rio Grandedo Sul (UFRGS), a arquiteta Doris MariaMüller (1925-2000) ministrou aulas deevolução urbana por quase três déca-das. Na graduação, desde os anos 1970,ao lado de Célia Ferraz de Souza, foiresponsável pelos conteúdos de umadisciplina também denominada Evolu-ção Urbana. Esse era, também, o nomeda disciplina que ministrou no curso deurbanismo que existiu na mesma Facul-dade entre 1954 e 1972 – um curso depós-graduação lato sensu ou de especia-lização, como talvez fosse definido nosdias de hoje. Müller pertenceu ainda aoprimeiro corpo docente do Programa dePós-Graduação em Planejamento Ur-bano e Regional (Propur) daquela mes-ma Universidade. A partir de 1971, noPropur, igualmente ministrou aulas deevolução urbana, em disciplina denomi-nada História da Cidade e do Urbanis-mo, cujo programa era assim resumido:“Análise histórica da evolução das cida-

des nas diferentes civilizações desde aAntiguidade. A cidade e a cultura. Urba-nismo no Brasil” (Propur, 1970, p. 34).

Célia Ferraz de Souza, também ar-quiteta, tornou-se professora da UFRGSem 1972, ano em que a Evolução Ur-bana passou a fazer parte do currículodo curso de arquitetura; desde então, aliministra aulas nessa disciplina. Em 1977,obteve o título de mestre em planeja-mento urbano e regional pelo Propur.Foi aluna de Doris Maria Müller, queparticipou de sua banca de mestrado. Anoção de “estrutura urbana”, uma dasmais freqüentemente evocadas em es-tudos de evolução urbana 2, ocupa lugarcentral na dissertação de Souza (1977).Há poucos anos, ela foi autora de umdos capítulos do Atlas Ambiental dePorto Alegre, intitulado “Evolução ur-bana: dos arraiais à metrópole” (1998),o que de alguma maneira testemunha avitalidade e a atualidade dessa aborda-gem no Rio Grande do Sul 3.

Page 118: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

122 Evolução urbana no Rio Grande do Sul: trajetórias intelectuais

Do presente para o passado, e semque essa constatação implique necessa-riamente no estabelecimento de linhasde afinidade teórico-conceituais, pode-se dizer que Célia Ferraz de Souza deucontinuidade ao trabalho de Doris MariaMüller, que, por sua vez, prosseguiu otrabalho iniciado por outros importantespersonagens dos mundos acadêmico eprofissional local: Demétrio Ribeiro, LuizArthur Ubatuba de Faria e Edvaldo Pe-reira Paiva.

Doris Maria Müller diplomou-se en-genheira-arquiteta, em Porto Alegre, noano de 1952. Em 1955, na mesma ci-dade, concluiu o curso de urbanismo daFaculdade de Arquitetura. Como já men-cionado, o programa desse curso incluíauma disciplina denominada EvoluçãoUrbana, ministrada por Demétrio Ribeirodesde 1954. Müller, portanto, foi alunade Ribeiro. Em 1957, ela o substituiutemporariamente na cátedra de Evolu-ção Urbana do curso de urbanismo. Apartir de 1965, após o afastamento deRibeiro da Universidade, por ato do re-gime militar, tornou-se titular da disci-plina.

Em 1974, no trabalho que apresen-tou para a obtenção da Livre-Docênciaem Evolução Urbana, Crescimento ur-bano: um instrumento de trabalho apli-cado ao Vale do Taquari, Müller propõee testa um “modelo” para o estudo daevolução urbana. Esse modelo já foraesboçado em 1970, em pesquisa reali-zada por encomenda do governo do RioGrande do Sul visando à formulação deuma política regional de desenvolvi-mento urbano (PDU, 1970-1975).

O quadro de referências disciplina-res, teóricas e conceituais desse modelo(Müller, 1976, p. 31-43) evoca algunsnomes que merecem ser aqui pelo me-nos citados. Estudos urbanos privile-giando abordagens da geografia e daeconomia ocupam ali o lugar mais rele-vante. São mencionados, por exemplo,trabalhos de John Alexander, WilliamAlonso, Jacqueline Beaujeu-Garnier,Georges Chabot, Richard Chorley, PierreGeorge, Chauncy D. Harris, Bert Hose-litz, Walter Izard, Rui Aguiar da SilvaLeme, Pedro Paz, Marie-Andrée Prost,Octávio Rodriguez, Bernardo Secchi,Louis Trotier e Edward Ullman. Alémdesses, são citados estudos difíceis declassificar sob uma mesma rubrica, comoos de autoria de Charles West Churchman,John Friedmann e Constantinos Doxia-dis, que tratam da teoria dos sistemas, doplanejamento e da “ciência” dos estabe-lecimentos humanos. Entre os trabalhoscitados por Müller cabe destacar, ainda,Evolución urbanística, una teoría de laciudad en la historia, de Patrício H. Ran-dle (1972) – na época, titular da cátedrade mesmo nome na Universidade deBuenos Aires –, que, como revela o sub-título de seu livro, propunha então umaabrangente reflexão teórica sobre o lugarda cidade na história.

Um dos pontos centrais do modeloproposto por Müller é a “lei geral” docrescimento urbano. “O modelo”, expli-ca, “baseia-se numa lei que pode serchamada de geral, pois na amplitude desua formulação, compreende todos osaspectos do crescimento urbano, seja elepositivo, negativo ou referente aos casosextremos do início ou extinção de um

Page 119: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

123João Farias Rovati

núcleo”. Tal lei é assim definida: “Umnúcleo urbano sofre modificações quanti-tativas ou qualitativas em sua população,quando ocorrem mudanças quantitati-vas ou qualitativas em suas funções”(Müller, 1976, p. 31). Essa hipótese,sem pretensão de originalidade, apareceno trabalho de Müller como síntese desuas leituras teóricas.

Apenas para situar algumas linhasde ruptura e continuidade entre as traje-tórias abordadas, registro que a hipóteseda “lei geral” do crescimento urbanotambém está presente no relatório redi-gido por Souza e Müller em 1978.

Em sua dissertação de Livre-Docên-cia, Müller (1976, p. 19) diz que, “sob adenominação de evolução urbana”,poderiam ser considerados pelo menos“quatro grupos de contribuições”; resu-midamente: (i) o enfoque da história dascidades; (ii) o enfoque da história dourbanismo; (iii) as “análises monográfi-cas de cidades, em especial aquelas rea-lizadas por urbanistas em preparação aplanos”; (iv) “os estudos de teoria docrescimento urbano, em parte esparsose setoriais, de geógrafos, economistas esociólogos, em parte, tomando corpo

nos dois últimos decênios como inte-grantes da ekistics” – neste último caso,evocando o termo criado por Constanti-nos Doxiadis para designar a “ciência doaglomerado urbano”. A própria autoraclassifica seu trabalho como contribuiçãosituada “nas duas últimas categorias”.

O trabalho de Souza estabelece clarasrelações de continuidade com o modeloanteriormente resumido: “A evoluçãourbana da cidade ao longo da história”,escreve em 1998, “pode ser entendidaa partir da relação existente entre varia-ção de população (acréscimos e decrés-cimos) e funções urbanas”. Contudo, seuinteresse privilegia os enfoques da his-tória da cidade e do urbanismo, isto é,precisamente os “grupos de contribui-ções” que não foram priorizados no ci-tado trabalho de Müller. A abordagemda evolução urbana interessa a Souza,sobretudo para compreender como a“variação das funções” se refletiria “naconfiguração das estruturas e da morfolo-gia urbana” e “na concepção arquitetôni-ca das edificações” (Souza, 1998, p. 99).Desse ponto de vista, as preocupações deSouza, como veremos adiante, revelam-se mais próximas daquelas que orienta-ram o trabalho de Demétrio Ribeiro.

Pioneiros

Por mais de meio século, Demétrio Ri-beiro Neto (1916-2003) foi uma refe-rência profissional e intelectual em PortoAlegre, por suas realizações como arqui-teto e urbanista, por sua atuação comodocente e por sua militância política,

exercida especialmente em entidades declasse, como o Instituto dos Arquitetosdo Brasil (IAB).

Originário de uma família de estan-cieiros, Ribeiro tinha o mesmo nome do

Page 120: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

124 Evolução urbana no Rio Grande do Sul: trajetórias intelectuais

avô, professor de matemática de convic-ções positivistas, ministro da Agriculturanos primeiros anos da República. Nas-cido em Porto Alegre, Ribeiro tinha mãefrancesa. Viveu a infância e a adolescên-cia em Paris. De volta ao Brasil, em1937, quis cursar arquitetura no Rio deJaneiro, na Escola Nacional de BelasArtes, onde não foi aceito, segundo oseu próprio testemunho 4, porque os es-tudos que realizara no liceu francês nãoforam considerados compatíveis com osprogramas de ensino em vigor no País.Matriculou-se, então, no curso de arqui-tetura da Universidade da República doUruguai, onde obteve seu diploma em1943.

Em Montevidéu, Ribeiro milita naseção local da Internacional Comunistae torna-se amigo de Mauricio Cravotto,um de seus professores da Faculdade deArquitetura. Membro de uma famíliaque cultivava o pensamento de AugusteComte, Ribeiro passa a se interessar pelosescritos de Karl Marx. De Cravotto, es-pírito erudito de convicções anarquistas,Ribeiro teria recebido suas “melhoreslições de arquitetura”.

Mauricio Cravotto (1893-1962), filhode imigrantes italianos, estudou arqui-tetura em Montevidéu, onde se diplo-mou em 1918. Sua trajetória acadêmicabrilhante seria recompensada com doisprêmios: a Medalha de Ouro concedidapela Universidade da República, comomelhor estudante daquela instituição, eo Grande Prêmio, como melhor aluno

do curso de arquitetura. Graças aos re-cursos que obteve com esses prêmios,Cravotto realiza uma longa viagem deestudos. Entre 1919 e 1921, conhecemuitas cidades e visita um grande nú-mero de países – Argentina, Chile, Peru,Equador, Panamá, Estados Unidos (ondereside por oito meses, primeiro em NovaYork, depois, na Califórnia), Inglaterra,Espanha, Bélgica, Itália (reside três me-ses em Roma), França (reside um anoem Paris).

Entre 1920 e 1921, além de fre-qüentar o ateliê de Léon Jaussely, Cra-votto tem aulas de évolution des villescom Marcel Poëte. O ambiente intelec-tual parisiense e a figura de Poëte marca-riam de maneira decisiva sua trajetóriaprofissional. Lembro que o nome dePoëte está associado a episódios insti-tucionais e intelectuais importantes parao urbanismo francês: em 1916, funda oInstituto de História, Geografia e Econo-mia Urbanas da Biblioteca Histórica daCidade de Paris; em 1919, cria a revistaVie urbaine; ainda em 1919, é um dosfundadores da Escola de Altos EstudosUrbanos, instituição integrada à Sorbonneem 1924, que daria origem ao Institutode Urbanismo da Universidade de Paris(IUP), hoje pertencente à Universidadede Paris-12 (Val-de-Marne).

De retorno a Montevidéu, Cravottoinicia uma relativamente curta mas pro-lífica trajetória acadêmica e profissional.Os projetos do Montevideo Rowing Club(1923), do Palácio Municipal (1929), do

4 Entrevista concedida em agosto de 1995, como parte de pesquisa realizada para tese dedoutorado (Rovati, 2001); outras notas biográficas apresentadas neste artigo têm porbase a mesma pesquisa.

Page 121: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

125João Farias Rovati

Hotel Rambla (1931) e da Biblioteca Na-cional (1939), os planos reguladores deMontevidéu e Mendoza (1940-1941),são algumas de suas realizações. Em1922, torna-se professor da Faculdadede Arquitetura, instituição cujo progra-ma de ensino seguia a tradição beaux-arts e que, na época, era dirigida por umarquiteto formado por aquela escola, ofrancês Joseph Paul Adrien Carré.

Cravotto iniciou sua trajetória docen-te no ateliê de Grandes Composições,como assistente de Carré. Em 1923, criaa disciplina Traçado das Cidades e Ar-quitetura Paisagista. Na primeira dasquatro partes do programa desse cursoeram tratados, entre outros, os seguin-tes temas: geografia geral, geografia hu-mana, leis e fatores da vida coletiva,caráter e fisionomia das cidades, estru-turas urbanas, história urbana, históriado urbanismo, evolução dos aglomera-dos urbanos através do tempo. Tal era obloco “conceitual e cultural” do curso,que prosseguia com o “estudo analítico”da cidade e de seus componentes, da“cidade moderna” e das técnicas urba-nísticas contemporâneas. O interesse deCravotto por esses temas o levaria a fun-dar, nos anos 1930, na Faculdade deArquitetura, um Instituto de Urbanismo,em que dirige a realização de pesqui-sas, publica uma revista e organiza cur-sos. Na segunda metade dos anos 1940,suas idéias, consideradas “antigas” es-pecialmente por estudantes partidáriosdo movimento moderno, passam a serfortemente contestadas. Em 1952, quan-do ainda não completara sessenta anosde idade, aposenta-se e praticamenteencerra sua vida profissional.

As afinidades pessoais e profissio-nais de Demétrio Ribeiro com Cravottorevelam-se de maneira comedida, porémdecisiva, em alguns episódios.

Diplomado, Ribeiro instala-se emPorto Alegre em 1944. Em 1945, inte-gra o quadro docente do recém-fundadocurso de arquitetura do Instituto de BelasArtes (IBA), sendo responsável pelo ate-liê de Grandes Composições. Dirigentelocal do Partido Comunista (PCB), éobrigado a exilar-se por alguns mesesem Montevidéu, em 1947, ano em queo partido foi posto na ilegalidade. Cra-votto o acolhe em sua casa. Aproveitan-do a estadia forçada no Uruguai, Ribeiroconvida Cravotto para ministrar aulas aestudantes dos cursos de arquitetura ede urbanismo do IBA, o que se efetivaem 1948.

Ribeiro, como Cravotto, via com re-servas o ideário estético do movimentomoderno. Os projetos desses dois arqui-tetos, embora evocando expressões sim-bólicas distintas, parecem marcados porum mesmo desafio: conceber uma arqui-tetura “contemporânea” sem descon-siderar os ensinamentos da tradiçãohistoricista. Cravotto, que se definia umhumanista, perseguiria esse objetivo ba-lizado por sua sólida formação beaux-arts; Ribeiro o faria inspirado pela estéticae pela ideologia do realismo socialista.Não por acaso, nos anos 1950, Ribeirocombateria publicamente o ideário esté-tico dos “modernistas” brasileiros e en-contraria na obra do arquiteto francêsAndré Lurçat – um “moderno” crítico domovimento moderno (Cohen, 1997) –uma de suas principais referências.

Page 122: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

126 Evolução urbana no Rio Grande do Sul: trajetórias intelectuais

Cravotto e Ribeiro foram, cada uma seu modo, pioneiros do urbanismo.Entenda-se bem: viam-se como prota-gonistas de um processo que implicavana construção de uma nova disciplina,de um novo campo do conhecimento,de uma nova profissão. E situavam-se,nesse terreno, sempre e claramentecomo arquitetos. Ali, no pequeno mun-do da arquitetura, construíram seu espa-ço discursivo e, a partir dele, dialogaramcom economistas, geógrafos, sociólo-gos, planejadores, cientistas, artistas,autoridades políticas. As trajetórias deCravotto e Ribeiro, seus escritos e reali-zações, dão um bom testemunho desseposicionamento.

Ribeiro ministrou aulas de evoluçãourbana no curso de urbanismo da Fa-culdade de Arquitetura por cerca deuma década. Mas quase nada escreveu,especificamente, sobre o assunto. Suadisciplina, como resume o programadistribuído aos estudantes em 1960,envolvia aulas teóricas e práticas. As teó-ricas buscavam “ressaltar a historicidadedos fenômenos urbanos”, abordando acidade como “manifestação da culturamaterial e intelectual de uma época”. Jáas aulas práticas eram vistas como “estí-mulo à pesquisa” e ao desenvolvimentoda “capacidade de interpretação dosfatos urbanos” (URGS, 1960, p. 19-20).

Contudo, não se iniciaram com Ri-beiro o ensino e a abordagem da evo-lução urbana em Porto Alegre. Noplano estritamente factual, aliás, essepercurso ainda precisa ser melhor escla-recido. Porém, sabemos com certezaque, desde o início dos anos 1930, o

tema interessou a outros personagens,particularmente a Luiz Arthur Ubatubade Faria (1908-1954) e a Edvaldo Pe-reira Paiva (1911-1981).

Ubatuba de Faria interessou-se pelourbanismo desde jovem. Em 1926, aosdezoito anos de idade, quando era es-tudante da Escola de Engenharia dePorto Alegre (diplomou-se engenheirocivil em 1932), passou a trabalhar naSeção de Cadastro da Prefeitura. Na-quela época, a cidade conhecia umamplo programa de reformas. Ubatubade Faria o acompanhou de perto, parti-cipando dos trabalhos de levantamentocadastral e topográfico. Na repartição,interessou-se também por “mapas anti-gos”, pelo estudo das cidades, pela fo-tografia como arte e como ferramenta detrabalho. Tinha bons conhecimentos defrancês e, após diplomar-se, colaboroudiscretamente com a Igreja Positivista dePorto Alegre.

No início dos anos 1930, na Seçãode Cadastro, conheceu obras que teriamgrande importância para a definição deseu destino profissional: Estudo de umplano de avenidas para a cidade de SãoPaulo, de Francisco Prestes Maia (1930),e Cidade do Rio de Janeiro, extensão,remodelação, embelezamento, de Donat-Alfred Agache (1930).

O interesse de Ubatuba de Faria pelourbanismo ganhou novo impulso em1933, quando Edvaldo Pereira Paiva, naépoca estudante da Escola de Engenharia(onde, em 1935, obteve o diploma deengenheiro civil), foi contratado para re-forçar a equipe da Seção de Cadastro.

Page 123: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

127João Farias Rovati

Inicia-se ali uma relação de amizade ede estreita colaboração em torno de umobjetivo: propor um “plano de conjunto”para Porto Alegre. A absoluta “necessi-dade” deste plano seria publicamentereclamada por Ubatuba de Faria aindaem 1933, em conferência proferida naSociedade de Engenharia (Ubatuba deFaria, 1934). Nos anos seguintes, elesesboçam esse plano, descrito em relató-rio intitulado “Contribuição ao estudoda urbanização de Porto Alegre” (Paivae Ubatuba de Faria, 1938). Fartamenteilustrado com fotografias de ruas da ci-dade, de mapas, de projetos e maque-tes, esse documento reúne trabalhosconhecidos desde 1936, ano em queforam apresentados na “Exposição deUrbanismo” organizada pelos dois en-genheiros 5. Trata-se de um documentosingular, uma colagem de estudos, pla-nos e projetos, aparentemente escritose concebidos individualmente, porémarticulados com o mesmo “plano deconjunto”. Nele encontramos uma partededicada à “evolução da cidade de PortoAlegre” (redigida por Paiva), outra, ao“plano de avenidas” (também escritapor Paiva), um capítulo dedicado ao“novo bairro industrial” (este escrito porUbatuba de Faria) e assim por diante.Em muitos escritos, e mesmo em algunsprojetos, fica evidente a compilação detextos e o rebatimento de proposiçõesde Prestes Maia e de Agache. É o queacontece na matéria que nos interessamais de perto, dedicada à evolução ur-bana de Porto Alegre, inteiramente com-pilada da obra de Agache.

Inspirado na primeira parte do tra-balho realizado por Agache para o Riode Janeiro (1930, p. 43-113), Paivaapresenta sua análise em dois capítulos:um dedicado aos “componentes antro-pogeográficos de Porto Alegre”, outro,à “análise da situação urbana” (Paiva eUbatuba de Faria, 1938, p. 5-30). Paivasegue, quase item por item, o roteiroque orientou a exposição de Agache.Aparece ali um discurso que perseguea síntese e que, para tanto, empregapalavras, tabelas e imagens (mapas, fo-tografias). Sem dúvida, Paiva toma aobra do arquiteto francês não apenascomo um “plano”, mas como referênciateórica e metodológica para a “análiseda cidade”, e, nesse contexto, a noçãode evolução urbana merece posiçãodestacada.

No discurso de Agache, a noção deevolução urbana está associada ao mes-mo tempo a um objeto de estudo e aum procedimento que antecede a ela-boração do plano.

Na introdução de seu trabalho, Aga-che reproduz as cinco conferências queproferiu no Rio de Janeiro, em 1927. Otema da evolução urbana é ressaltado naconferência intitulada “Ensino e Propa-ganda do Urbanismo em França” (Aga-che, 1930, p. 37-42). Agache faz,inicialmente, um breve balanço da situa-ção do ensino do urbanismo em seu país.Afirma que lá, “só em 1912 teve início omovimento urbanista”; evoca as expe-riências do Museu Social e da Escola de

5 Dois desses trabalhos foram reproduzidos pelo Boletim da Sociedade de Engenharia(Ubatuba de Faria, 1936; Paiva, 1937).

Page 124: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

128 Evolução urbana no Rio Grande do Sul: trajetórias intelectuais

Altos Estudos Urbanos; refere-se à cria-ção, em 1924, do Instituto de Urbanismode Paris e descreve suas cinco “secções”de ensino: evolução da cidade (i); orga-nização social (ii), econômica (iii) e ad-ministrativa (iv) da cidade; arte e técnicana construção da cidade (v). Ao explicarcada uma dessas “secções”, a de evolu-ção urbana merece particular destaque.“Esta secção, mais histórica”, observaAgache, “estuda a origem e a transfor-mação de todas as organizações urba-nas”. A cidade é comparada a um “servivo que, por transições mais ou menosnotáveis, percorre uma série de ‘etapas’,que o urbanista deve notar”. Cada umadessas etapas deve ser abordada em suaintegralidade, relacionando a “fisiono-mia” da cidade a aspectos sociais e eco-nômicos. A seguir, Agache enumera, emlonga lista, os temas que deveriam serconsiderados nesse tipo de estudo, desdeas “primeiras aglomerações humanas daidade da pedra lascada” à cidade da “erada manufaturas” (ibid., p. 39-40).

Contudo, para Agache, o estudo daevolução tem também (especialmenteno caso do plano para o Rio de Janeiro)um valor operacional. É o ponto de parti-da, “a base” para a proposição do plano:“É absolutamente necessário conheceros fatores históricos que governam opassado de uma cidade antes de estu-dar os fatores que deverão governá-lano futuro” (ibid., p. 45).

Sempre inspirado em Agache, Paivaassim descreve o ponto de vista que, pre-liminarmente, deveria ser adotado pelourbanista na concepção de um plano deconjunto para Porto Alegre:

Em primeiro lugar, os encarregadosdesse trabalho devem ter um conhe-cimento profundo da história e dageografia da capital gaúcha. Devemser compilados todos os dados sobrea origem e o desenvolvimento dacidade. O estudo da estatística é ne-cessário porque devemos nos basearno passado para podermos prevero futuro. [E prossegue, agora tratan-do do presente] Em segundo lugar,esses encarregados devem fazer umaanálise completa das condições devida da cidade, de suas tendênciasde crescimento, de seus diferentes ele-mentos. (Paiva e Ubatuba de Faria,1938, p. 2)

Porto Alegre, enfim, é o objeto deestudo. A compilação de dados sobre oseu passado e o estudo de suas “condi-ções atuais”, nessa ordem, é o métodopara compreendê-la. Como resultado,formula-se uma hipótese sobre sua “evo-lução”. Apresentada na primeira parte dotrabalho de Paiva e Ubatuba de Faria, talhipótese – sistematicamente retomada aolongo do plano de conjunto – orienta,justifica e articula proposições.

Poucos anos depois, Ubatuba deFaria (1940, p. 344-353) publica os re-sultados de seu próprio exercício dométodo, no artigo “Evolução Urbana dePorto Alegre”. Reaparece aqui a narra-tiva que combina palavras e imagens; odiscurso que se serve da geografia e dahistória para produzir uma síntese queidentifica e qualifica tendências de cres-cimento da cidade. E sublinha-se, maisuma vez, o grande valor do estudo das

Page 125: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

129João Farias Rovati

“origens” da cidade para o urbanista: “Éesse passado, e só ele, que poderá darao urbanista a compreensão exata doscomplexos problemas do presente. E osfatos que a memória esquece, os relató-rios arquivam e, em qualquer época, nosfazem lembrá-los” (ibid., p. 353).

Ao abordar a evolução urbana dePorto Alegre, Paiva e Ubatuba de Fariaoperam, portanto, em duas direções:como “cientistas”, descortinam um pro-cesso velado pela realidade do presente;como “urbanistas”, praticam um métodoque explica e justifica suas proposições.

Esse entendimento, particularmenteno que se refere a Paiva, será reforçadonos anos 1940, época em que o per-curso dos dois engenheiros segue dire-ções diferentes.

Ao longo dos anos 1930, as quali-dades de Ubatuba de Faria como urba-nista (mais do que as de Paiva) ganhamgrande visibilidade. Ubatuba de Faria éfreqüentemente convidado pela impren-sa para opinar sobre os “problemas” dacidade e recebe novas propostas de tra-balho. Em 1937, transfere-se para o re-cém-criado Departamento de Balneários,órgão do governo estadual. No mesmoano, é contratado pelo Instituto Nacio-nal de Estatística, para participar do le-vantamento aerofotogramétrico do RioGrande do Sul. Ainda por essa época,trabalhando para o Departamento deBalneários, ou por encomenda de parti-culares, elabora uma série de planos paranúcleos urbanos litorâneos – Atlântida,Capão da Canoa, Cidreira, Imbé, Pinhal,Oásis, entre outros. Em 1942, realiza via-

gem de estudos a cidades balneárias doUruguai e da Argentina. Em Montevidéu,visita o Instituto de Urbanismo e conheceMauricio Cravotto. A partir de 1945, in-tegra o corpo docente do IBA, onde éresponsável por quatro disciplinas: Hi-giene da Habitação e Saneamento dasCidades (cursos de arquitetura e de ur-banismo), Urbanologia, Arquitetura Pai-sagística e Organização Social dasCidades (curso de urbanismo). Em 1952,quando é criada a Faculdade de Arqui-tetura (que incorporou os cursos de ar-quitetura e de urbanismo do IBA), passaa ministrar ali a disciplina Higiene daHabitação e Saneamento das Cidades.Mas sua atividade nessa Faculdade foibreve. Ubatuba de Faria falece, em 1954,aos quarenta e cinco anos de idade.

Edvaldo Pereira Paiva, desde estu-dante, mostrou interesse pela militânciapolítica. Em 1931, chegou a participarde uma rocambolesca ocupação arma-da da Escola de Engenharia, quando osalunos protestaram contra os conceitosde um professor de cálculo integral.Próximo do PCB (partido ao qual se in-tegrará no final dos anos 1930), o estu-dante Paiva publicou alguns artigosinspirados em textos de Karl Marx narevista TAS (abreviação de “tese, antí-tese, síntese”). Nesse período, participouativamente da luta por meia-entrada noscinemas e, em 1935, foi um dos fundado-res da Federação dos Estudantes Univer-sitários, o “Diretório Central” da época.

Após ter se diplomado engenheiro,Paiva dedicou-se integralmente a seutrabalho na Seção de Cadastro da Pre-feitura. Seu projeto, por esses anos, era

Page 126: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

130 Evolução urbana no Rio Grande do Sul: trajetórias intelectuais

conceber (ao lado de Ubatuba de Faria)e implementar um “plano de conjunto”para a cidade. No entanto, tal objetivosofreu um duro revés em dezembro de1938, quando o prefeito José Loureiroda Silva contratou o arquiteto ArnaldoGladosch para elaborar o “plano dire-tor” da cidade. A principal credencialapresentada pelo prefeito para justificartal contratação era o fato de Gladoschter colaborado com Agache na elabo-ração do plano do Rio de Janeiro.

Sentindo-se desvalorizado, Paivaparte, em 1941, para Montevidéu, a fimde estudar “urbanismo”, contando paratanto com o apoio financeiro da muni-cipalidade. No Uruguai, conhece Mau-ricio Cravotto e Demétrio Ribeiro. Nasaulas que freqüentou, na literatura queconsultou, no contato com militantescomunistas uruguaios, Paiva vê fortale-cida sua convicção da importância daevolução urbana para a “ciência urba-nística”. De volta a Porto Alegre, escre-verá diversos artigos tratando do temae, de maneira que se revelaria definiti-va, faz do estudo da evolução urbana apedra angular do seu urbanismo.

Entretanto, desde sua estadia emMontevidéu, Paiva passa a abordar a evo-lução urbana como capítulo do survey –ou do expediente urbano, como se tor-naria conhecido esse procedimento entreos urbanistas locais. Ainda em Montevi-déu, esboça o expediente urbano dePorto Alegre, mais tarde publicado emlivro (Paiva, 1943a). Nessa época, pu-blica diversos artigos tratando do assunto,em que o tema da evolução urbana apa-rece de forma recorrente.

Ao longo dos anos 1940, como ocor-reu com Ribeiro e Ubatuba de Faria,torna-se professor dos cursos de arquite-tura e de urbanismo do IBA e, em 1952,da Faculdade de Arquitetura. Entre1944 e 1953, vivendo um prolongadoconflito com a orientação política damunicipalidade, não ocupa postos deimportância na prefeitura. Nesse período,coordena a elaboração de cinco planos“diretores”: Uruguaiana (1944-1945),Lageado (1948-1949), Florianópolis(1951), Passo Fundo e Caxias do Sul(1952-1953). Em 1954, quando LeonelBrizola assume o comando do governomunicipal, passa a coordenar o processode elaboração do Plano Diretor de PortoAlegre, aprovado em 1959. Em 1965,após ser afastado de suas funções naUniversidade por ato do governo mili-tar, transfere-se para Montevidéu, ondetrabalha na Universidade da Repúblicaaté 1971.

No curso de urbanismo do IBA,Paiva era responsável por duas discipli-nas: Teoria e Prática dos Planos de Ci-dades e Evolução Urbana. O “Pré-Planoda Cidade de Rio Grande”, trabalhode conclusão do curso de urbanismorealizado sob a orientação de Paiva eUbatuba de Faria pelos estudantes di-plomados em 1948 (Edgar Albuquer-que Graeff, Francisco Riopardense deMacedo, Nelly Peixoto Martins e SérgioCorrêa), revela, de maneira exemplar,a importância então atribuída ao ex-pediente urbano. Das nove pranchasapresentadas, sete sintetizam esse pro-cedimento – duas delas exclusivamentededicadas ao capítulo da “evolução”.O tema ocuparia lugar semelhante ou

Page 127: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

131João Farias Rovati

ainda mais relevante em outros traba-lhos realizados por Paiva, inclusive nocontexto do projeto de uma “cidade

nova”, como foi o caso do plano de ur-banização do Delta do Jacuí (Paiva etal., 1958).

Planejar a evolução

A passagem de Paiva por Montevidéureorientaria alguns aspectos de sua abor-dagem da evolução urbana. Por umlado, ele a atualiza e sistematiza comoprocedimento; por outro, a reinterpretacom base no “materialismo dialético”.

Nos anos 1930, inspirado em Aga-che, Paiva escrevia que, para elaborarum plano de conjunto, o urbanista de-veria conhecer e analisar, primeiro, ahistória, a geografia e as estatísticas dacidade e, a seguir, suas “condições devida” no presente. No artigo “Origem eevolução de Porto Alegre” (1942), umdos primeiros que publicou depois deseu retorno do Uruguai, ele retoma essaquestão de método e apresenta suanova leitura do problema.

“Quando se tem em vista organizaro plano diretor de uma cidade”, iniciaPaiva, “é indispensável conhecer os seusantecedentes, a sua origem e evolução”.E prossegue:

Através dessa análise histórica, à basedo conhecimento que intervieramnesse sentido, poderemos encontrara lei interna de desenvolvimento ex-tensivo da aglomeração. Dessa ma-neira, poderemos pôr em evidênciao caráter e a forma que disso resultoupara a cidade. (Paiva, 1942, p. 107)

Paiva não dá maiores explicaçõessobre tal “lei interna”, neste artigo ou emqualquer outro. Sua referência “teórica”,neste caso, sem dúvida é Léon Jaussely,cuja obra lhe fora apresentada por Cra-votto. Mas Paiva pratica o método e, nofinal de seu artigo, assim descreve a leido desenvolvimento extensivo de PortoAlegre:

A partir de um núcleo primitivo, lo-calizado no extremo da península, acidade foi se estendendo fragmenta-riamente, ao longo de caminhos ra-diais de penetração, à base de umsistema de divisão de terras em “quar-teirões” herdado da época colonial.Essa forma de desenvolvimento exten-sivo deu como resultado uma exage-rada e inharmônica evolução urbana.(Ibid., p. 114)

Sublinhe-se a importância adquiridapela noção de evolução urbana nessecontexto discursivo: ao constatar uma“exagerada e inharmônica” evoluçãourbana, de fato Paiva evoca a hipótesede que deve haver outra, parcimoniosae harmônica.

O método, contudo, não se resumeao exame dos “antecedentes” da cida-de. É preciso, também, “conhecer as

Page 128: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

132 Evolução urbana no Rio Grande do Sul: trajetórias intelectuais

características, medidas e interdepen-dências dos fatos urbanos atuais” (ibid.,p. 106). De maneira menos aleatória doque nos trabalhos inspirados em Aga-che, reaparecem no expediente urbanoos traços da geografia urbana francesae da tradição monográfica iniciada porRaoul Blanchard e Antoine Vacher.

Tendo por base os estudos realiza-dos por Poëte e seus contemporâneos,e à luz das interpretações de Agache oude Cravotto, a história e a geografia ur-bana ocupariam posição determinanteno método operado por Paiva, antes edepois de sua viagem a Montevidéu.Contudo, a partir de 1941, a análise dosresultados dessa operação ganha umnovo componente.

No Uruguai, dois escritos – um deWladimiro Acosta, Vivienda y ciudad(1936), outro de Josef Stalin, “Sobre elmaterialismo dialéctico y el materialismohistórico” (1941) – parecem ter impres-sionado Paiva de maneira particular. Noprimeiro, de autoria de um arquitetonascido na Rússia (Wladimir Konstanti-novsky) e radicado na Argentina, Paivaencontraria inspiração para um “métodoideológico” de abordagem da “ciênciaurbanística” (Paiva, 1943b, p. 13). No se-gundo, que jamais citou em seus traba-lhos, encontraria base para sua visão dasciências e, particularmente, da “evolução”.

“O método dialético”, como era defi-nido por Stalin no texto publicado pelaprimeira vez em 1938, “não concebe oprocesso de desenvolvimento como ummovimento circular, simples retomada deum caminho já percorrido”. A dialética,

segundo Stalin, conceberia tal processo“como movimento progressivo, que lem-bra uma espiral ascendente, como a pas-sagem do velho estado quantitativo aonovo estado qualitativo, como evoluçãodo simples ao complexo, do inferior aosuperior” (Staline, 1941, p. 638).

Os escritos de Paiva, inclusive os pou-cos publicados antes de 1941, são mar-cados por essa compreensão progressivae finalista da marcha da natureza e dassociedades humanas. Nos anos 1930,diria que seu plano de conjunto paraPorto Alegre buscava contribuir para “acontinuidade da curva de progresso dacidade” (Paiva e Ubatuba de Faria, 1938,p. 2). Nos anos 1950, tratando do pro-cesso de urbanização no Rio Grande doSul, definiria as primeiras aglomeraçõessurgidas na região como “organismos sim-ples” que, com o passar dos anos, torna-ram-se “complexos” (Paiva, 1954, p. 92).Os “núcleos urbanos criados no Brasilnos últimos cinqüenta anos”, escreveuem outro artigo, estariam se transforman-do em “asilos de imensas populaçõesmarginalizadas, que não oferecem ne-nhuma condição decente de trabalho eabrigo” – constatação que o levaria a con-cluir que “não houve progresso; houvemudança quantitativa, mas não qualita-tiva” (Paiva, 1959, p. 79).

Inspirado no trabalho de WladimiroAcosta, Paiva construiria sua síntese“da” evolução urbana, apresentada naconferência “Urbanismo, ensaio de in-terpretação social” (Paiva, 1943b).

Apoiando-se em trabalhos de PierreLavedan e Marcel Poëte, Paiva sustenta

Page 129: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

133João Farias Rovati

que a cidade se desenvolveu de ma-neira contínua da Antiguidade à IdadeMédia, etapa da história em que teriasofrido uma “retrogradação”. A partir doRenascimento, a cidade teria retomadosua marcha progressiva em linha ascen-dente até o presente, quando “condensatoda a ciência e toda a técnica”. Porém,na hora atual, a humanidade conhece-ria uma “etapa de transição”, que a con-duziria do capitalismo ao socialismo.“Da perspectiva histórica”, escreve Paivaem outra passagem, a cidade seria o “re-flexo mais fiel, tanto por sua forma plás-tica, como por seu conteúdo social, davida coletiva de cada etapa da evoluçãohumana”. No “estádio atual”, entretanto,tal forma já não mais corresponderia aoseu conteúdo. Toda passagem de umaetapa da história a outra seria acompa-nhada, para a sociedade humana, de

uma “mutação”, caracterizada por “mu-danças qualitativas”. Tal processo, con-clui, seria vivido com inquietação pelahumanidade, mas a conduziria, final-mente, ao “progresso” – momento cul-minante da marcha da evolução (ibid.,passim).

O que poderia fazer o urbanista dian-te desse quadro? Após seu retorno deMontevidéu, todo o trabalho de Paivaseria marcado por essa pergunta. Suasrespostas, muitas vezes incoerentes, in-completas e ambíguas, de toda maneiracolocam a “evolução” no centro do de-bate. Como sugere em diversos artigose memoriais dos planos que concebeudesde então, seu desafio como urbanis-ta, mais do que elaborar planos, seriacontribuir para o “planejamento da evo-lução das cidades” (Paiva, 1945, p. 25).

De volta ao século XXI

Há setenta anos são realizados estudosde evolução em Porto Alegre, como es-pécie de preliminar para a elaboraçãode planos urbanísticos. Desde 1947, hásessenta anos, portanto, tal abordagemtem ali um estatuto de disciplina univer-sitária.

Transitando da cidade como “pro-blema” à cidade como objeto de estudo,essa abordagem parece manter algumvigor neste início de século XXI. Sua tra-jetória, marcada por certo sincretismoteórico e conceitual, revela, contudo, no-táveis linhas de continuidade.

A geografia francesa da primeirametade do século XX, seus métodoscartesianos – o estudo do sítio, da fisio-nomia e das estruturas urbanas, de suainserção regional – e suas monografiassedutoras; o tratamento da cidade como“organismo” ou “Ser coletivo”, como faziaMarcel Poëte; as improváveis articula-ções entre forma e conteúdo, quantidadee qualidade, de certa dialética: este es-paço discursivo, valorizado por cientistas(da natureza e do social) e por urbanistasfiliados a diferentes ideologias e corren-tes filosóficas, parece ter encontrado, noRio Grande do Sul, fiéis interlocutores.

Page 130: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

134 Evolução urbana no Rio Grande do Sul: trajetórias intelectuais

Os estudos de evolução urbana realiza-dos ali – e esta é uma hipótese – não can-sam de atualizá-lo. A banalidade dasconclusões de alguns desses trabalhosparece resistir, teimosamente, à prova dotempo. Isto talvez porque essa abordagemcarregue consigo, e com certo pioneiris-mo, a pretensão de considerar a cidade

como totalidade e, ao mesmo tempo,como lugar que somente revela seusprincipais traços quando é relacionadoa dinâmicas socioespaciais globais e delonga duração. Ou ainda talvez porquese teça ali um discurso que, associandopalavras e ícones, conceitos e imagens,não se destina somente a iniciados.

Referências

ABREU, Maurício de Almeida. Evoluçãourbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:Jorge Zahar; IplanRio, 1987.

ACOSTA, Wladimiro. Vivienda y ciudad.Problemas de arquitectura contemporá-nea. Buenos Aires: Ignácio Aresti, 1936.

AGACHE, Donat-Alfred. Cidade do Rio deJaneiro. Extensão, remodelação, embe-lezamento. Paris: Foyer Brésilien, 1930.

BORGES, Maria Neli Ferreira. História deVacaria: evolução urbana e formação debairros. Caxias do Sul: Editora da Uni-versidade de Caxias do Sul, 2001.

COHEN, Jean-Louis. André Lurçat (1894-1971): autocritique d’un moderne. Liège:Pierre Mardaga, 1997.

GARCEZ, Luiz Armando. Curitiba. Evoluçãourbana. Curitiba, Rio de Janeiro: s. n.,2006.

LIMA, Daniela Morelli de. Americana emum século: a evolução urbana de umacidade industrial de porte médio. SãoPaulo: Annablume; Fapesp, 2002.

MAIA, Francisco Prestes. Estudo de umplano de avenidas para a cidade de SãoPaulo. São Paulo: Companhia de Me-lhoramentos de São Paulo, 1930.

MÜLLER, Doris Maria. Crescimento urba-no: um instrumento de análise aplicadoao Vale do Taquari. Porto Alegre, 1976.Tese (Livre-Docência) – Propur/UFRGS,Porto Alegre. 1976.

PAIVA, Edvaldo Pereira. Novo bairro resi-dencial. Boletim da Sociedade de Enge-nharia do Estado do Rio Grande do Sul,Porto Alegre, 21, p. 137-153, jul. 1937.

__________. Origem e evolução de PortoAlegre. Boletim Municipal, Porto Alegre,10, p. 107-122, jan./abr. 1942.

__________. Expediente urbano de PortoAlegre. Porto Alegre: Oficinas Gráficas daImprensa Oficial, 1943a.

__________. Urbanismo, ensaio de inter-pretação social. Porto Alegre, 1943b.(Reprodução de conferência realizada naSociedade de Engenharia nos dias 26 demaio e 2 de junho de 1943). Mimeo.

Page 131: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

135João Farias Rovati

__________. A ciência urbanística e a rea-lidade brasileira (V). Horizonte (28/IV),Porto Alegre, p. 88-92, maio/ago. 1954.

__________. A urbanística e a realidadebrasileira (II). Cadernos de Estudo, PortoAlegre: Ceua, 2, p. 59-125, 1959.

PAIVA, Edvaldo Pereira et al. Delta doJacuí. Plano Piloto. Porto Alegre: Globo,1958.

PAIVA, Edvaldo Pereira; RIBEIRO, Demétrio.Plano Diretor de Uruguaiana. Revista deEngenharia do Rio Grande do Sul, PortoAlegre, 1, p. 25-42, jun. 1945.

PAIVA, Edvaldo Pereira; UBATUBA DE FARIA,Luiz Arthur. Contribuição ao estudo daurbanização de Porto Alegre. Porto Ale-gre, 1938. (Relatório, plano de conjunto,coletânea de estudos e projetos). Mimeo.

PDU - PLANO DE DESENVOLVIMENTO URBANO.Porto Alegre, UFRGS, 1970-1975. 5 v.(Relatório; acordo de cooperação Sude-sul/ Serphau/Governo do Estado do RioGrande do Sul).

PROPUR. Projeto de curso de mestradoem planejamento urbano e regional doDepartamento de Urbanismo da Facul-dade de Arquitetura da UFRGS. PortoAlegre, 1970. Doc. datil.

RANDLE, Patrício H. Evolución urbanís-tica. Una teoría de la ciudad en la his-toria. Buenos Aires: Eudeba, 1972.

ROVATI, João Farias. La modernité estailleurs: “ordre et progrès” dans l’urbanis-me d’Edvaldo Pereira Paiva (1911-1981).

Paris, 2001. Tese (Doutoramento) – Uni-versidade de Paris-8, Paris. 2001.

SANT’ANNA, Maria Josefina Gabriel; LIMA

JÚNIOR, Carlos Augusto Ferreira. (Org.).Quem faz a pesquisa urbana no Brasil?Rio de Janeiro: Urbandata-Brasil, 2001.

SOUZA, Célia Ferraz de. Análise das estru-turas urbanas no Rio Grande do Sul.Porto Alegre, 1977. Dissertação (Mestra-do) – UFRGS/Propur, Porto Alegre. 1977.

__________. Evolução urbana: dos arraiaisà metrópole. In: MENEGAT, Rualdo et al.(Org.). Atlas ambiental de Porto Alegre. PortoAlegre: Editora da Universidade/UFRGS;Prefeitura Municipal, 1998. p. 99-106.

SOUZA, Célia Ferraz de; MÜLLER, DorisMaria. Porto Alegre, análise de sua evo-lução. Porto Alegre: Prefeitura Municipalde Porto Alegre, 1978. (Relatório de pes-quisa para a reavaliação do Plano Di-retor).

__________. Porto Alegre e sua evoluçãourbana. Porto Alegre: Editora da Uni-versidade/UFRGS, 1997.

STALINE, Iossif Vissarionovitch. Sobre elmaterialismo dialéctico y el materialismohistórico. In: Cuestiones del leninismo.Moscou: Ediciones en Lenguas Extran-jeras, 1941. p. 635-666.

UBATUBA DE FARIA, Luiz Arthur. Cadastroe urbanismo. Boletim da Sociedade deEngenharia do Rio Grande do Sul, 6,p. 32-41, jan. 1934. (Transcrição parcialde palestra realizada na Sociedade deEngenharia em 31 de agosto de 1933).

Page 132: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

136 Evolução urbana no Rio Grande do Sul: trajetórias intelectuais

__________. Urbanização da Várzea doGravataí. Boletim da Sociedade deEngenharia do Rio Grande do Sul, 11,p. 51-95, jan. 1936. (Trabalho apre-sentado na Sociedade de Engenhariaem 19 de setembro de 1935).

__________. A evolução urbana de PortoAlegre. In: FRANCO, Álvaro et al. (Org.).Porto Alegre, biografia de uma cidade.Porto Alegre: Tipografia do Centro,1940. p. 344-353.

URGS – UNIVERSIDADE DO RIO GRANDE DO

SUL. Curso de urbanismo. Porto Alegre:URGS, Faculdade de Arquitetura, 1960.Folheto.

VALLADARES, Lícia do Prado; SANT’ANNA,Maria Josefina Gabriel; CAILLAUX, AnaMaria Lustosa. (Org). 1001 teses sobreo Brasil urbano. Rio de Janeiro: Iuperj;São Paulo: Anpur, 1991.

Resumo

O propósito de descrever e analisar aevolução de um bairro ou cidade temanimado a realização de um grande nú-mero de trabalhos, geralmente classifica-dos como estudos de evolução urbana.O artigo revisita os caminhos desta abor-dagem no Rio Grande do Sul, desde osanos 1930. No quadro esboçado, desta-ca-se um de seus principais traços: o en-foque da cidade como problema e, aomesmo tempo, como objeto de estudo.

Palavras-chave: evolução urbana, urba-nismo, planejamento urbano, Rio Grandedo Sul.

Abstrac t

The purpose of describing and analyz-ing the evolution of a neighborhood ora city has generated a large number ofstudies, broadly classified as studies onurban evolution. This article revisits thehow this approach was applied in thestate of Rio Grande do Sul, Brazil, sincethe 1930s. The approach of the city as aproblem and, at the same time, as a sub-ject for research is emphasized.

Keywords: urban evolution, urbanism,urban planning, Rio Grande do Sul.

João Farias Rovati é arquiteto e urbanista, Doutor em Projeto Arquitetônico eUrbanístico (Paris-VIII, França), professor da Faculdade de Arquitetura e do Programade Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional (PROPUR) da Universi-dade Federal do Rio Grande do Sul.

Recebido em maio de 2007. Aprovado para publicação em setembro de 2007

Page 133: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XX, No 2, 2006, p. 137-164

Música e ação no Rio de Janeiroa partir dos anos 1990: vozesinsurgentes na cidade

Anita Loureiro de Oliveira

Cidade, música, ação!

Aproximar a produção teórica sobre ourbano da rica experiência do sensocomum é o objetivo principal deste tra-balho, que pretende apresentar, atravésda emoção contida na recente produçãomusical carioca, a luta insurgente pelaco-presença e a disputa de projetos quedão densidade à vida urbana. Comorecurso operacional de apreensão daexperiência social, a música torna a aná-lise sensível às circunstâncias do Outro,permitindo o reconhecimento de práti-cas, identidades e territorialidades queexpressam no urbano a possibilidade dodiálogo e da legitimação das diferenças.Reconhecer o valor prático do senso co-mum, experiência pouco valorizada pelo

pensamento hegemônico, e os novosprocessos de organização que transfor-mam o sentido e a direção das lutas pelaapropriação do espaço urbano é partede um esforço coletivo de tentar conso-lidar uma nova episteme, dialógica e ne-cessária para revelar e desvendar acomplexidade do (e com o) Outro 1.

A música contribui para uma aborda-gem singular da vida na cidade, por meioda dimensão imaterial, expressa na ação.Apropriações, encontros e festas, quefazem parte da construção do humano,se revelam a partir das práticas musicaise mostram a cidade a partir dos sujeitosque a constituem. Com a música – sons,

1 Essa reflexão teórico-metodológica desenvolvida e orientada pela professora Ana ClaraTorres Ribeiro realiza-se no âmbito do Laboratório da Conjuntura Social: Tecnologia eTerritório (Lastro) – vinculado ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional /Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ).

Page 134: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

138 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

versos, narrativas e personagens –, o su-jeito reinventa o cotidiano e relata ma-neiras de viver e conviver na cidade.

Reconhecer a experiência urbanaatravés da música é uma opção para al-cançar os valores e visões de mundoque orientam a ação. A música, comoarte, é criação, representação e comuni-cação, e, por isso, pode revelar a cidadecomo lugar da simultaneidade e do en-contro (Lefebvre, 2001). Através damúsica é possível reconhecer a existênciado Outro na cidade, a partir dos novosprocessos de organização e mobilizaçãosocial compreendidos como possibilida-des de libertação do sujeito. As escolhasdo sujeito criativo permitem reconhecermaneiras de lutar, de rebelar-se, de reve-lar ou de conviver com o hegemônico –a cultura do dinheiro, calcada no indivi-dualismo, na competitividade e no con-sumismo alienante.

Trata-se de uma reflexão que temcomo base teórico-metodológica a va-lorização do cotidiano como lugar dereprodução das relações sociais, permi-tindo o reconhecimento de encontros econfrontos provocados pela vida urbana,como nas reflexões de Henri Lefebvresobre o direito à cidade; a análise daação, que pretende contribuir para oentendimento de que a sociedade seproduz em movimento e de que a trans-formação social depende do sentido edo destino da ação; o reconhecimentodo valor prático do agir espontâneo ecriativo do homem ordinário, como pro-põe Michel de Certeau; e o diálogo coma teoria crítica do espaço proposta porMilton Santos para a compreensão da

dinâmica dos lugares na era da globali-zação e para a reflexão sobre a forçasolidária e inventiva dos homens lentos.

Como recorte espaço-temporal dareflexão, temos a cidade do Rio de Ja-neiro do início da década de 1990 aosdias atuais. A escolha do Rio de Janeiropara a análise não foi casual, já que acidade apresenta elevada densidadesimbólica, amplificada pelo abrigo defunções culturais relevantes e pela difu-são de imagens-sínteses (Rio – capitalcultural, cidade aberta, cosmopolita, ci-dade-cenário) que permitiram o reco-nhecimento de sua raridade (Ribeiro,1995; 2006). A “cidade maravilhosa”preserva ainda hoje, na escala do país,um papel de difusora de costumes, com-portamentos e hábitos sociais, mesmosendo considerada um lugar social eeconomicamente desestabilizado, porcondensar contradições sociais em es-cala nacional e por ter sido tratada comouma cidade-espetáculo (Ribeiro, 1995).

De acordo com García (1997), emuma cidade-espetáculo, o fundamentalé fortalecer a imagem da cidade, proje-tando-a internacionalmente, para atrairinvestimentos, negócios e turistas. Asações que fortalecem a lógica da com-petitividade e que tendem a favorecerinteresses privados em detrimento dosinteresses coletivos enfraquecem o diá-logo entre os grupos sociais e interferemno uso da cidade e em sua apropriaçãosimbólica. Tal como afirma Ribeiro (2006,p. 45),

o discurso que difunde novos ideá-rios para a gestão urbana, realçando

Page 135: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

139Anita Loureiro de Oliveira

o mercado e a iniciativa empresarial,não deve ser compreendido, apenas,como sinal de alienação; pois, con-cretamente, este discurso defendeinteresses que conectam a vida urba-na ao metabolismo do capital.

Para Ribeiro (2006), hoje é menosequivocado considerar a cidade comouma empresa ou mercadoria do que emperíodos anteriores. Entretanto, se aidéia da cidade-espetáculo correspondeà afirmação do sujeito-espectador, cujafunção mais importante é a de consu-midor, é possível identificar na ação dohomem criativo sua afirmação como ci-dadão, protagonista das novas formas deativismo urbano. Por meio das práticasde criação musical, que revelam umapostura crítica diante do pensamentohegemônico, é possível reconhecer quea lógica espetacular, mesmo sendo he-gemônica, não é única.

A música permite um reconhecimen-to da existência de um Outro sujeito, quenão se conforma em ser apenas espec-

tador. Um Outro que rejeita o imobilis-mo, idéia que está na base da cidade-espetáculo. Este sujeito quer participar,mas a insatisfação diante de uma ordempolítica específica revela que o sentidopolítico da ação está na perspectiva crí-tica e contestadora de sua criação musi-cal. Os caminhos propositivos criados apartir das práticas musicais que desta-camos neste texto são reveladores dessaexperiência urbana reflexiva. Se a visãounidirecionada do consumo produzapatia e passividade, a recente criaçãomusical carioca é reveladora de uma açãoinsurgente, contestadora e resistente 2.

Através da música, um discurso al-ternativo ao suposto pensamento únicovai se consolidando, e, assim, certos pro-jetos e atitudes ganham maior ressonân-cia e visibilidade, pois o estado musicalda palavra é mais sutil e temas de difícilabordagem podem atingir a sensibilida-de de quem se abre para a arte 3. A maiorparte das vozes que não se calam diantedo grande espetáculo conduzido pelalógica do mercado se insurge contra eledesde a década de 1990, atribuindo à

2 É evidente que nem todas as expressões musicais podem ser entendidas como manifes-tações políticas. No entanto, aqui nos interessam as que têm a perspectiva da oposição aum projeto hegemônico de dominação ou que simplesmente revelam a possibilidade dodiálogo, do reconhecimento e da legitimação da diferença.

3 Para garantir visibilidade à ação resistente, é preciso relacionar-se com a ordemhegemônica, e isso é, no caso da ação musical contestadora, um movimento em si mesmocontraditório. O sujeito da resistência vive o conflito porque questiona a ordem na qualvive; assim, vive a contradição consigo mesmo e com seu meio, principalmente se consi-derarmos que a visibilidade é garantida no mercado fonográfico a partir de ações demarketing que são perversas do ponto de vista da democratização do acesso aos bensculturais. Nesse sentido, não cabe aqui discutir se esses indivíduos beneficiam-se ou nãoda “lógica do mercado” para garantir visibilidade à sua ação, mas sim a forma como usamessa visibilidade para a construção de um Outro projeto: a consolidação de uma Outrafala sobre a cidade. Numa perspectiva próxima, Parra (2006) faz uma análise das práticasartísticas dos jovens como expressão política na cidade de Medellín, que mantém algumassemelhanças com a reflexão aqui proposta, como veremos.

Page 136: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

140 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

música um importante canal de expres-são e manifestação social. Muitas vezeselas interferem inspiradas em movimen-tos musicais revolucionários de outrostempos, outras vezes se inspiram emexpressões musicais bastante recentes,mas pouco valorizadas por sua origempopular.

A ação de criação musical não seesgota na arte, pois manifesta diferentesmodos de vivenciar a ordem hegemô-nica e o sentido libertário da práticamusical – produtora de contra-discursose de canais alternativos para a difusãodessa Outra fala. Tal como Parra (2006)ressalta em seu artigo sobre as práticasartísticas de jovens da cidade de Me-dellín, acreditamos que a postura inter-rogante desses agentes mostra que arealidade está conformada por situações

divergentes e opostas aos discursos dosmeios de comunicação privados e ofi-ciais. Para o autor, os jovens da cidade,assim como fazem outros grupos popu-lacionais, sussurram as “verdades” queo poder armado – em um país em guer-ra e em uma cidade tristemente famosapela violência – quer calar. Essas vozessussurram, mas também gritam e can-tam, revelando a aguçada consciênciasocial da juventude que participa davida social e política através de sua prá-tica cultural.

O Rio de Janeiro é uma “cidade decidades misturadas”, como diz a compo-sitora e cantora Fernanda Abreu em suamúsica “Rio 40 graus”, que atualiza aidéia de uma cidade maravilhosa, agoratransformada em “purgatório da belezae do caos” 4.

Rio 40 grausCidade-maravilha, purgatório da beleza e do caosCapital do sangue quente do BrasilCapital do sangue quente, do melhor e do pior do BrasilCidade sangue quente, maravilha mutanteO Rio é uma cidade de cidades misturadasO Rio é uma cidade de cidades camufladasCom governos misturados, camuflados, paralelos, sorrateiros ocultandocomandos

A novidade cultural da garotada favelada, suburbana, classe média marginalÉ informática metralha sub-azul equipadinha com cartucho musical debatucada digital(...) meio batuque inovação de marcação pra pagodeira curtição de falaçãode batucada com cartucho sub-uzi de batuque digital, metralhadora musical(...)

4 Abreu (p1992b). Ver também em <http://www2.uol.com.br/fernandaabreu/entidade_fernanda2.htm>. Site Fernanda Abreu. Acesso em: 24 nov. 2006.

Page 137: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

141Anita Loureiro de Oliveira

A letra da música evidencia as dife-renças reunidas em uma grande cidadecomo o Rio de Janeiro e revela as novasexperiências musicais da “garotada fa-velada, suburbana, classe média margi-nal” equipada “com cartucho musical debatucada digital”. A etapa de criação dasmúsicas inclui as escolhas rítmicas emelódicas e, também, os encontros pos-sibilitados pela formação de parceriasmusicais, reveladoras das redes sociaise dos laços afetivos construídos pelosagentes 5.

Muitas outras composições de Fer-nanda Abreu têm a cidade como temá-tica central. O CD Entidade Urbana(2000) é inspirador para essa análise,pois, além de as letras das músicas pos-sibilitarem uma leitura singular da vidana cidade do Rio de Janeiro, seu lança-mento foi acompanhado de textos (re-leases) que ajudam a compreender areflexão feita pela compositora sobre avida urbana em seu processo de criaçãomusical. No release escrito em versospela própria cantora, a intenção de fazeruma música sobre a vida urbana é clara:“Viver nas cidades. Falar de viver nascidades (...). Viver de falar das cidades.São a fonte, a ponte, o mote, a inspira-ção”. Nos versos, as cidades estão emconstante movimento: “Nascem planeja-

das. Brotam espontâneas. Crescem de-senfreadas. desorientadas. Desobedien-tes. Crescem e crescem. Nunca param.De crescer. Cidades. Nunca morrem.São mutantes”. A cidade é vista como“um corpo urbano. Vivo. Um corpo cida-de. Dissecado. Retalhado”. Um corpocom “suas vias, seus canais, seus órgãosvitais” que reúne e movimenta a vidaneste “sistema circulatório”, com “san-gue coagulado”, de “trânsito engarrafa-do”. Uma cidade-cenário, “caótica”, “dehiperinflação humana, de acúmulo hu-mano, de excesso urbano”. Um “tecidourbano” materializado em “sua pele deconcreto armado”, que é produto daação social, um “corpo urbano, tatuado,planejado, monitorado, viciado, aerofo-togrametrado, radiografado, encurrala-do. Bio-degradável. Bio-degradante”.As músicas do CD passeiam pelos luga-res da cidade para desvendar a “naturezaurbana-humana” e, também, “a nature-za humana-urbana”. Seja “do alto deum prédio, da fila, do elevador, daquelaesquina” ou “de dentro do carro, domeio da rua”, a música pretende reco-nhecer “as tribos, as gírias” e os espaçosvividos por este “ser urbano, filho de pai,de mãe e de cidade” 6.

Para Hermano Vianna, o CD Entida-de urbana é, antes de tudo, a celebração

5 Assim como a cidade, a música é mutante, e ao samba-funk da primeira versão foramadicionados elementos da embolada, do coco e do maracatu, no arranjo musical feitopor Chico Science e Nação Zumbi para a segunda versão de “Rio 40 graus”, gravada noCD Raio X (1997) de Fernanda Abreu. Esse novo arranjo registra o encontro da garotacarioca suingue sangue-bom com os maiores representantes do movimento mangue-beatrecifense – uma importante influência para a produção musical de todo o país. Essagravação possibilitou ainda o encontro de outros nomes dessa geração da música carioca,como Pedro Luís, Pedro Sá, Kassin e Berna Ceppas, que participaram como vocais norefrão de “Rio 40 graus”.

6 Ver texto completo em <http://www2.uol.com.br/fernandaabreu/entidade.htm>.

Page 138: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

142 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

da dança que se pode dançar à beirado abismo de um desastre urbano sem-pre anunciado e, alegremente, adiado 7.Se entendermos que o desastre pode serevitado com o diálogo, com a diminui-ção dos preconceitos, das distâncias so-ciais, das formas de isolamento e doevitamento social, então a música torna-se um instrumento importante para aaproximação dos diferentes modos deviver que coexistem na cidade, comoLefebvre (2001) nos inspira.

A força do manifesto musical de Fer-nanda Abreu está nas letras, mas tam-bém na sonoridade plural, já que comseu batuque samba-funk revela o encon-tro de ritmos que, como sugere HermanoVianna, conformam um manifesto “anti-apartheid cultural”, “anti-segregaçãomusical”. Para Vianna, os estilos musi-cais mais globais parecem ser os maisabertos para dialogar com complexas evariadas realidades urbanas, gerandouma quantidade infindável de subestilosou de fusões. Sobre a relação música ecidade, Vianna afirma que:

o nascimento e o desenvolvimentodas músicas têm conexões profundas

e evidentes com a dinâmica da vidasocial e cultural de suas cidades deorigem. As letras abordam explicita-mente assuntos do cotidiano urba-no que as gerou, tornando-as parteintegrante da invenção sempre reno-vada de suas identidades culturaismutantes 8.

Essa ação “anti-segregação musical”é também libertária, pois pretende rom-per com as formas rígidas de distinçãodos estilos musicais. Quase todas asmúsicas selecionadas para esta análisesão inclassificáveis quanto ao estilo, porsua pluralidade de referências musicais.O músico (compositor, arranjador, intér-prete) não limita sua ação criativa à de-finição rígida de um gênero musical.Definir, classificar ou distinguir um estilomusical parece ser uma preocupaçãopara os que concentram esforços na eta-pa da comercialização do produto mu-sical e não para os que são responsáveispela etapa criativa do processo de pro-dução da música 9.

A mistura de sonoridades tambémpode ser significativa do ponto de vista

7 O antropólogo e amigo da cantora Hermano Vianna escreveu em um outro release do CDEntidade Urbana que “Rio 40 graus” é o hino de uma urbanidade mutante (pós-partida epós-maravilha) e que o CD é a seqüência lógica do combate “carioca”, que nos ajuda a verque a situação (partida ou maravilhosa) do Rio não é única ou absolutamente original, massim a situação-limite de uma “condição social” que se tornou planetária. Ver texto completoem <http://overmundo.com.br/banco/release-para-o-disco-entidade-urbana-de-fernanda-abreu>.

8 Vianna, ver texto completo no site citado na nota anterior.9 Segundo informações obtidas em <http://pt.wikipedia.org>, ritmo, melodia e harmonia

são entendidos aqui apenas em seu sentido de organização temporal, pois a música podeconter propositalmente harmonias ruidosas (ruídos ou sons externos ao tradicional) earritmias (ausência de ritmo formal ou desvios rítmicos) que algumas vezes podem servirpara provocar incômodo ou reflexão. Ver em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Harmonia>.Portal da enciclopédia livre wikipedia. Acesso em: 24 nov. 2006.

Page 139: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

143Anita Loureiro de Oliveira

da aproximação dos grupos sociais. Fer-nanda Abreu, que é uma moradora daabastada Zona Sul carioca, faz uma im-portante mediação entre grupos sociaisque experimentam formas de distancia-mento social. Para superar a visão limi-tada de uma “cidade partida”, FernandaAbreu costuma destacar, em suas com-posições e entrevistas, a importância dofunk, do samba e do rap para sua cria-ção musical e, principalmente, comoexpressões desta Outra fala da cidade.A compositora afirma que tais referên-cias sonoras têm muito a dizer sobre avida urbana, pois revelam a importân-cia das expressões musicais vindas dafavela, na conformação da identidademusical carioca.

O funk carioca é uma manifestaçãocultural surgida nas favelas, mas tambémouvido e consumido por indivíduos quetalvez nunca tenham estado em um bailerealizado numa favela ou por indivíduosque pertencem a outros grupos sociais,mas que o vêem como uma expressãodo modo de vida de alguns jovens deespaços populares da cidade. A rejeiçãodas camadas médias e altas da socieda-de ao funk e aos “bailes de comunida-de” tem origem, justamente, no fato deessa manifestação cultural ter como prin-cipais músicos, compositores e consu-midores, pessoas que vivem em favelas

e áreas pobres da cidade do Rio de Ja-neiro. Para Luna (2006), os bailes funksserviram como ponto de partida para acriação de uma série de outros produtos,como CDs, programas de rádio e TV,jornais, fanzines e revistas. A “indústriado funk” se estabeleceu e fez com queo jovem da favela assumisse o papel deprodutor e consumidor de uma redemais complexa de produtos. Os própriosjovens funkeiros trabalham como DJs,MCs, técnicos de som, iluminadores,dançarinos, coreógrafos, instrumentis-tas, aderecistas e outras profissões 10.

A música “Bloco Funk”, da cantoraFernanda Abreu, é uma colagem de tre-chos de funks que sintetiza parte signifi-cativa da história desta expressão musicaldas favelas cariocas: os preconceitos so-fridos pelos funkeiros e suas formas deafirmação e resistência na cidade 11. Talcomo o DJ Marlboro costuma afirmar, “ofunk é a cola da cidade partida”, porque“é som de preto, de favelado / mas quan-do toca, ninguém fica parado” 12.

Assim, entendemos que o Outro –não-desejado, não-planejado – já não éterritorialmente distante ou alheio, masparte constitutiva da cidade (Herschmann,2005a, p. 228). Concordamos com o autor,quando afirma que nem tudo é fragmen-tação na cidade. Herschmann, ao enfocar

10 Segundo Luna, em um baile, cerca de 60 pessoas trabalham recebendo de R$ 10 a R$ 200por noite. Estima-se que, a cada fim de semana, sejam gastos cerca de R$ 1,8 milhãoapenas com o pagamento de mão-de-obra nos mais de 600 bailes promovidos no GrandeRio. Apesar desse movimentado mercado, os funkeiros ainda sofrem discriminação e re-pressão policial contra os bailes e, apesar de terem transformado o funk no ritmo maispopular na cidade, agora precisam se organizar como sujeito coletivo. Outros dados sobreo movimento funk podem ser encontrados em Essinger (2005).

11 Abreu (p.2006b).12 Amilcka e Chocolate (p2006).

Page 140: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

144 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

as territorialidades dessas redes sociaisfortemente vinculadas à música, pretenderefletir as relações de coexistência entresegmentos sociais que atuam em uma di-nâmica cultural urbana que pode arre-messar esses jovens à margem ou aocentro. A territorialidade, mesmo sendoflexível, transitória ou momentânea, é aexpressão identitária da apropriação sim-bólica dos lugares da cidade.

Esses ritmos e rimas que circulampelo espaço urbano contribuem para aconformação da identidade do carioca.Na música “Tudo vale a pena”, um re-

gistro do encontro de Fernanda Abreue Pedro Luís, os compositores falamdesse “povo carregado de calor e deluta”, um “povo bamba”, que “cai nosamba, dança o funk”, que “tem suingueaté no jeito de olhar”, que “tem balançono trejeito, no andar” 13. A versão de“Tudo vale a pena” gravada por Fernan-da Abreu incluiu a citação de um tre-cho da música “Miséria no Japão” dePedro Luís, que questiona a visão he-gemônica que se tem sobre a favela, fo-cada na miséria, nas ausências e nadesconsideração das potencialidadesdesses espaços populares.

E quem te disse que miséria é só aqui?Quem foi que disse que a miséria não ri?Quem tá pensando que não se chora miséria no Japão?Quem tá falando que não existem tesouros na favela? 14

O hip-hop, assim como o funk, ins-creve-se na cidade como expressão doOutro. No entanto, o hip-hop denunciade forma mais direta um cotidiano difícile projeta a realidade da favela e do su-búrbio dos MCs por toda a cidade. MV

Bill, em “Emivi”, fala dessa atitude con-testadora do rapper e de como o hip-hop garantiu um canal de expressãopara sua indignação diante da desigual-dade e da violência da exclusão 15.

13 Abreu (p1995b).14 Pedro Luís e A Parede (p1997, Faixa 8 “Miséria no Japão”).15 MV (Mensageiro da Verdade) Bill é um rapper carioca da Cidade de Deus (Zona Oeste), funda-

dor da Central Única das Favelas (Cufa), ONG que desenvolve projetos sociais, com base nomovimento hip-hop, e promove o Prêmio Hutúz para os melhores do hip-hop nacional. Em2005, publicou o livro Cabeça de porco, escrito com seu empresário Celso Athaíde e LuísEduardo Soares, e, em 2006, lançou o projeto-documentário Falcão: meninos do tráfico.Ver em <http://www.mvhp.com.br>. Portal de letras de músicas. Acesso em: 27 nov. 2006.

(...) No meio de uma guerraFoi onde eu nasciO berço da exclusão foi onde eu cresci

Page 141: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

145Anita Loureiro de Oliveira

Não me intimideiFoi preciso resistirFaço parte do quilombo comandado por ZumbiDe lá pra cá ou daqui pra aliEnquanto você chora quem controla o poder sorriVou guerrear pra não deixar me destruirÉ por essas e por outras que eu sou EMIVI(...)Ensinamento da minha mãe assimileiSer humilde e não humilhado nunca mais esquecereiCom a proteção no caminho que vou seguirMensageiro da verdade sem deixar me sucumbirOdiado e amado pelo que eu promoviMais respeito pelo povo da favela eu exigiAs mentiras dos livros da escola eu descobriÉ por essas e por outras que eu sou EMIVI (...) 16

Os rappers são sujeitos sociais cujaimportância está na força de suas postu-ras narrativas e no fato de poderem servistos como cronistas dos subúrbios ouporta-vozes da periferia. No discurso derappers renomados – como MV Bill –, ohip-hop aparece como a porta de en-trada para o questionamento do mun-do, tanto que Bill costuma dizer em suasentrevistas que foi o hip-hop que o fezler mais e se expressar melhor. Em “Sol-dado do morro”, Bill relata a vida de umindivíduo que trabalha no tráfico de dro-gas, e a intenção não parece ter sidoexaltar essa condição, mas alertar aosjovens pobres que esse não é um desti-no determinado 17. Se o tráfico atrai essesjovens, é porque, aparentemente, ofere-ce benefícios materiais e bens simbólicose afetivos (sensação de poder, status,sentimento de pertencimento a um gru-po). No entanto, a arte, a criação estética

e cultural, parece ser a melhor forma paraenfrentar a questão da invisibilidade dosjovens pobres.

As músicas que apresentamos nesteartigo revelam um olhar crítico do su-jeito, já que muitas delas tratam de te-máticas e problemas que a maior parteda população muitas vezes prefere nãover/ouvir. Nelas, está registrada a plura-lidade sonora que compõe essa “novamúsica” – muitas vezes inclassificávelquanto ao gênero – e que utiliza propo-sitalmente harmonias ruidosas e arrit-mias para provocar o ouvinte. Esse é ocaso de “Chuva de bala” de Pedro Luís,que mistura ritmos para construir umasonoridade cuja referência é uma “trilhasonora” cada vez mais presente no dia-a-dia do carioca: as rajadas de balas quepercorrem o céu nos freqüentes tiroteiosprovocados pelas disputas territoriais do

16 MV Bill (p2002b).17 Id., p1998b.

Page 142: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

146 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

tráfico de drogas na cidade 18. Essa ins-piração melódica absolutamente atualrevela o tom da indignação do compo-

sitor, que, sem eliminar a ironia, trans-forma o horror em sublime criação mu-sical.

Amor, tá chovendo balaAbre a janela pra não quebrar (as vidraças)Recolhe as coisas da salaMaloca as crianças por trás do sofá (e passa a usar)Guarda-chuvas de açoE o peito blindado pro coração não sangrarTatuagens no braçoDe balas passando rentes qual facas no arHá nuvens tão carregadasRajadas são trilha sonora do day by dayChove, chove, chove, chove, chove, chove balaChove, chove, chove, chove sem parar! [grifos nossos] 19

Os gritos, o som caótico, assim comoos efeitos ruidosos parecem ter comoinspiração a própria poluição sonora dacidade. O uso da gíria maloca revela queo poeta está sintonizado com os usos dalíngua falada nas ruas da cidade. O somproduzido pelas “rajadas de metralha-doras” aparece em outras letras e melo-dias de Pedro Luís, evidenciando aintenção do autor de incorporar os pro-blemas cotidianos à sua produção mu-

sical. Na música “Caio no Suingue”, afesta surge como um momento de pra-zer que não elimina a reflexão, pois nelaa existência crítica do sujeito também semanifesta. O funk e a sonoridade queremete ao barulho provocado pelos ti-ros compõem a base rítmica e melódicaque acompanha a letra: “um protesto emforma de oração” que sugere que os in-divíduos, em versos, tomem atitudestransformadoras:

Eu caio no suingue pra me consolarÉ que essa vida não tá moleE eu faço assim pra me segurar

18 A Pesquisa Domiciliar de Vitimização na Cidade do Rio de Janeiro 2005-2006, apresen-tada por Alba Zaluar durante o Seminário “Zonas urbanas desfavorecidas: olhar cruzadoBrasil-França” (2006), revelou dados sobre a freqüência com que a população ouve obarulho dos tiros, evidenciando que essa forma de violência (simbólica) afeta cada vezmais a vida cotidiana do carioca e, por isso, já começa a ser mensurada pela pesquisacientífica sobre violência urbana.

19 Pedro Luís e A Parede (p1997, Faixa 10 “Chuva de bala”). Ver também em <http://www.plap.com.br>. Site oficial de Pedro Luís e A Parede. Acesso em: 27 nov. 2006.

Page 143: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

147Anita Loureiro de Oliveira

Esse funk é tiro de canhãoRajada de metralhadora que situaçãoEsse país na emboscadaE a mais injusta divisãoCom a boca escancaradaFaço esse protesto em forma de oração

Ave mãeFilhos primosEspíritos que habitam o planetaFaçam votosCriem versos, tomem atitudesPra mudar a coisa que já tá pra lá de preta

Eu tô cantando, você dirigindoO outro tá rezando, alguns se divertindoMuitos precisando, outros conseguindoSe todos realizam algo, o mundo segue o seu caminho [grifos nossos] 20

Algumas músicas nos permitemapreender as conseqüências perversasda vida urbana – a desigualdade, a es-tigmatização da população pobre e seuslugares de moradia, a violência –, a par-tir da fala do sujeito crítico e contestador.Nesse sentido, é preciso pensar o urbanoconsiderando as necessidades desteOutro não-desejado, não-planejado. Asmúsicas escolhidas para esta reflexão in-dicam a existência de sujeitos que en-xergam a possibilidade de a música seruma expressão livre e criativa do modode estar no mundo. A potencialidade damúsica está na sua capacidade de apro-ximar grupos sociais distintos e de pos-

sibilitar o diálogo e o reconhecimentodo direito à cidade por meio da criaçãomusical.

Trata-se de reconhecer o Outro apartir de sua música: reconhecer o sujeitoque não se conforma com as imposiçõesda ordem dominante e que se expressaatravés de uma ação criativa e crítica. Amúsica revela, de forma sensível, a pos-sibilidade de vivermos uma Outra cida-de, cujos planos, projetos e ações tenhamoutras finalidades e intencionalidadesque não a acumulação capitalista, a cons-trução de uma cidade-mercadoria ou deuma cidade-espetáculo.

20 Ibid., Faixa 6 “Caio no Suingue”.

Page 144: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

148 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

Lugar e resistência: “alguma coisa está fora daordem, fora da nova ordem mundial” 21

Santos (1997) afirma que se, por umlado, é evidente que a ordem globalbusca impor a todos os lugares umaúnica racionalidade, por outro, os luga-res respondem ao Mundo segundo di-versas racionalidades. Para o autor,enquanto a ordem global funda escalassuperiores ou externas à escala do coti-diano e seus parâmetros são a razãotécnica e operacional bem como os cál-culos matemáticos, a ordem local fundaa escala do cotidiano e seus parâmetrossão a co-presença, a vizinhança, a inti-midade e a socialização com base nacontigüidade. A contra-racionalidadevinda dos lugares opacos, da rua, doconvívio com a vizinhança, é feita detemporalidades diversas, experimenta

formas de solidariedade horizontal emultiplica a inventividade do homemlento (Santos, 1997).

Os efeitos dessa ordem global navida cotidiana aparecem nas músicas emque a cidade é a temática central, comono caso da música “Egocity”, da FrenteUrbana de Trabalhos Organizados,banda carioca conhecida pela sigla OF.U.R.T.O. 22. Ao tratar das distâncias so-ciais existentes entre os diferentes gru-pos sociais que coexistem na cidade, ocompositor Marcelo Yuka faz uma críticada experiência urbana marcadamenteindividualista, preconceituosa e consu-mista.

Carros à prova de bala, com vidros à prova de genteCor fumê da indiferençaE vão lambendo os cartões de créditoComprando de quase tudo; do orgulho à cocaínade dólares a meninasPassando em frente à réplica da Estátua da Liberdadeque nos prende ao consumo siliconizado e farpado urgenteque diz: Bem-vindo a Ego CityLutadores sem filosofia, crianças sem esquinas

21 Veloso (p1991, Faixa 1 “Fora da Ordem”).22 Marcelo Yuka, ex-baterista e principal compositor dos primeiros CDs da banda O Rappa,

trata de maneira crítica e contundente a experiência urbana atual. Yuka, após ter sidobaleado durante uma tentativa de assalto no Rio de Janeiro, trocou a bateria pelos efeitossonoros eletrônicos e elevou o tom da indignação contra as perversidades da desigualdadesocial, ao sair da banda O Rappa e fundar O F.U.R.T.O. Em 2007, Yuka passou a dedicar-se mais ao tratamento fisioterápico e interrompeu temporariamente a trajetória da bandaO F.U.R.T.O.

Page 145: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

149Anita Loureiro de Oliveira

Realidade da portaria, mas só se for pela porta dos fundosDe frente pro mar, de costas pro mundo (...) [grifos nossos] 23

A referência à réplica da estátua daliberdade que nos prende ao consumoquestiona a lógica consumista e alienan-te e ainda localiza a narrativa no bairroda Barra da Tijuca, cenário mais ade-quado para a verificação de como ocor-re a espetacularização seletiva de áreasurbanas e a consolidação de imagens esímbolos desta cultura global – Avenidadas Américas, repleta de condomíniosexclusivos, shoppings e outros ícones docapitalismo avançado. Conforme afirmaRibeiro (2006, p. 43), a nova posiçãoocupada pelo consumo ampliou a in-tervenção das empresas privadas naadministração da cidade e na psicosferados lugares (Santos, 1997 apud Ribeiro,2006). A narrativa de Yuka situa o ouvin-te nesse bairro onde as grandes avenidasdificultam o encontro e tornam aindamais difícil a convivência entre camadassociais distintas, muitas vezes próximasgeograficamente, mas que experimen-tam as conseqüências mais perversas dodistanciamento social. A blindagem doscarros retrata o medo da violência, assimcomo os vidros cor fumê da indiferença

garantem invisibilidade diante daquelesque muitos preferem evitar.

Já na música “O que sobrou docéu”, gravada pela banda O Rappa, aletra de Yuka expressa o desejo do per-sonagem urbano de espantar o mal pro-vocado pela vida acelerada das grandescidades. A música sugere que as coresescondidas nas nuvens da rotina e o usodas ciências de baixa tecnologia podemcurar esta azia, talvez provocada pelapaisagem urbana, que permite apenasuma visão parcial do que sobrou do céu,por entre os prédios. A música retrata ariqueza de possibilidades vivenciadasem um dia quando a falta de luz causaa quebra da rotina, possivelmente ditadapela televisão. Esse aparelho, ao ser des-ligado, torna-se um espelho capaz defazer, enfim, o homem comum se enxer-gar. Sem a televisão comandando a vidaespetacular, o vidro transparente do apa-relho reflete a vida banal do homemcomum, que se apropria da rua, da es-quina, e faz desse espaço urbano apro-priado lugar de encontros.

23 O F.U.R.T.O (p2005b).

(...) Faltou luz, mas era dia, o sol invadiu a salaFez da TV um espelho refletindo o que a gente esqueciaFaltou luz, mas era dia... diaFaltou luz, mas era dia, dia, diaO som das crianças brincando nas ruasComo se fosse um quintalA cerveja gelada na esquinaComo se espantasse o mal

Page 146: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

150 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

O chá pra curar esta aziaUm bom chá pra curar esta aziaTodas as ciências de baixa tecnologiaTodas as cores escondidas nas nuvens da rotinaPra gente ver... por entre prédios e nós...Pra gente ver... o que sobrou do céu... [grifos nossos] 24

Como num retrato da vida do ho-mem lento, vindo de baixo, habitante dasáreas opacas da cidade, que vive o es-paço do aproximativo (Santos, 1994), osversos falam da “brincadeira das crian-ças nas ruas como se fosse um quintal” edo encontro para tomar “a cerveja geladana esquina, como se espantasse o mal”,indicando a apropriação do espaço darua e sua transformação em lugar, mesmoque essa apropriação seja momentânea,num curto instante em que “faltou luz,mas era dia”. Lugar que é, espontanea-mente, a sede da resistência (Santos,1997, p. 207), que permite ao homem

lento viver o entorno resistindo às imposi-ções da ordem global, através do estabe-lecimento de uma outra ordem, fundadanuma racionalidade paralela (Santos,1997). Para Santos (2005), hoje, na gran-de cidade, a força dos “lentos” está nosespaços do aproximativo e da criativida-de. A solidariedade fundada nos temposlentos da metrópole desafia a perversi-dade difundida pelos tempos rápidos dacompetitividade (ibid.) e essa afirmaçãodo homem comum, capaz de desvendaros recursos indispensáveis à vida (Ribeiro,2005), propõe uma compreensão reno-vada da própria ação política.

24 O Rappa (p1999b).

A criação musical e o direito à cidade

A luta simbólica pelo direito à liberdadee à cidade se expressa na afirmação doindivíduo-criativo, em um momento emque a tendência global predominanteafirma o indivíduo-consumidor. Esseindivíduo criativo inventa formas sutisde confrontar o pensamento hegemô-nico, e essa inventividade do homemlento amplia suas margens de liberdadediante das imposições de uma ordemglobal. Para Santos (2005, p. 66-67),um novo mundo é possível desde queo indivíduo ultrapasse a visão limitada

e unidirecional do consumo e se entre-gue à busca da cidadania. O indivíduoque não se conforma com o unidirecio-namento do consumo, que contesta ese rebela, produzindo um discurso euma ação propositiva, afirma-se comocidadão. A criação musical que colaborapara que o indivíduo se aproprie da ci-dade, sentindo-se pertencente a ela,com a potencialidade de renová-la,transformá-la, é o que consideramoscomo expressão criativa do direito à ci-dade.

Page 147: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

151Anita Loureiro de Oliveira

Lefebvre propõe que o direito à ci-dade seja pensado como direito à vidaurbana, transformada, renovada, o quepressupõe uma teoria integral da cidadee do urbano que supere a cisão entrefilosofia da cidade e ciências da cidade.Lefebvre (2001, p. 116-117), ao refletirsobre uma ciência analítica da cidade,assinala a importância de pensarmos oobjeto virtual que é “o urbano”, utilizan-do, de forma conjunta, os recursos daciência e da arte. Para o autor, cabe àforça social capaz de realizar a sociedadeurbana tornar efetiva e eficaz a unidade(a síntese) da arte, da técnica e do conhe-cimento.

Necessária como a ciência, não su-ficiente, a arte traz para a realizaçãoda sociedade urbana sua longa me-ditação sobre a vida como drama efruição. Além do mais, e sobretudo,a arte restitui o sentido da obra; elaoferece múltiplas figuras de tempose espaços apropriados: não impos-tos, não aceitos por uma resignaçãopassiva, mas metamorfoseados emobra. (Ibid., p. 115)

Segundo Lefebvre (2001, p. 79), aomesmo tempo que lugar de encontros,convergência das comunicações e das

informações, o urbano é aquilo quesempre foi: lugar do desejo, do desequi-líbrio permanente, da sede da dissoluçãodas normalidades e coações, do mo-mento do lúdico e do imprevisível. Parao autor,

o direito à cidade se manifesta comoforma superior dos direitos: direitoà liberdade, à individualização nasocialização, ao habitat e ao habitar.O direito à obra (à atividade partici-pante) e o direito à apropriação(bem diferente do direito à proprie-dade) estão implicados no direito àcidade. (Ibid., p. 135) [grifos do autor]

Essa é uma referência importantepara encontrarmos na música um recursooperacional da apreensão das falas dosenso comum e, assim, realizarmos umaanálise teórica e poética da experiênciaurbana.

Uma bela expressão de que a vidaurbana inclui o lúdico, o imprevisível ea criação artística libertária é o grafismodo “profeta” Gentileza, transformado emmúsica por Marisa Monte em 2000,quando a arte urbana do poeta marginalfoi apagada da memória da cidade aoser coberta de tinta 25.

25 Gentileza foi um personagem andarilho, “messiânico”, que passou 35 anos nas ruas pre-gando a gentileza e suas virtudes. Como afirmou Leonardo Boff, se autodenominou“Profeta” e “até a sua morte em 1996 percorria a cidade, viajava nas barcas Rio-Niterói,entrava nos trens e ônibus para fazer a sua pregação”. A intervenção artística realizadapor Gentileza na paisagem urbana teve como suporte as pilastras do viaduto do Caju,numa extensão de aproximadamente 1,5 km, perto da Rodoviária Novo-Rio, numa áreade intensa circulação de pessoas. As 55 pilastras pintadas por Gentileza e depois apagadas,conforme lembra a letra de Marisa Monte, foram restauradas com o projeto “Rio comGentileza”, coordenado pelo Prof. Leonardo Guelman, com o apoio da UniversidadeFederal Fluminense, da Secretaria de Cultura do Rio e do Consórcio Novo Rio. Os trabalhos

Page 148: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

152 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

De acordo com Guelman (2000), “aobra de Gentileza demarca um espaço euma permanência – mesmo que ameaça-da – para sua mensagem”, pois, quandoo Profeta passa a pintar suas mensagensdiretamente sobre a superfície do concre-to, “sua grafia e seus signos se inscrevemagora na própria cidade, transformandopilastras em tábuas de seus ensinamen-tos”. Para Leonardo Boff (2004), a obrade Gentileza “nas 55 pilastras do viadutodo Caju, com inscrições em verde-amare-lo propondo sua crítica do mundo e suaalternativa ao mal-estar de nossa civiliza-ção”, evidencia a “gentileza como irradia-ção do cuidado e da ternura essencial”.

A música Gentileza é um registrodessa luta simbólica pelo direito àcidade. Uma luta que surge em 1997,quando a Companhia de Limpeza Ur-bana do Rio de Janeiro, demonstrandofalta de sensibilidade para diferenciar aarte urbana das poluições visuais quese espalham pela cidade, “limpou” osmuros da “sujeira” das escrituras feitaspelo Profeta, desencadeando um movi-mento de apoio ao artista popular já fale-cido. A letra de Marisa Monte, inspiradanas frases pintadas por Gentileza, ques-tiona a razão que despreza a sabedoriapopular e a arte do homem comum, or-dinário como diria Certeau (2003), quese expressa pintando nos muros da ci-dade suas mensagens de amor e genti-leza, como um gesto libertário.

Apagaram tudoPintaram tudo de cinzaA palavra no muroFicou coberta de tinta

Apagaram tudoPintaram tudo de cinzaSó ficou no muroTristeza e tinta fresca

Nós que passamos apressadosPelas ruas da cidadeMerecemos ler as letrasE as palavras de Gentileza

Por isso eu perguntoA você no mundoSe é mais inteligenteO livro ou a sabedoria

O mundo é uma escolaA vida é o circoAmor palavra que libertaJá dizia o Profeta 26

A possibilidade de expressar sua artee de deixar registros dessa ação libertáriana cidade conforma o gesto valorizadonessa reflexão. Isso significa que a cidadereúne formas plurais de ver o mundo e,portanto, de ver o sujeito que não se con-forma em ser apenas espectador ou con-sumidor e que luta para se afirmar comocidadão por meio de sua criação artística.Para Lefebvre (2001), o uso da cidade,

foram concluídos em 2000 e registrados nos vídeos “Universo Gentileza” (1997) e “Brasil:Tempo de Gentileza” (2000). Ver em http://www2.uerj.br/~clipping/maio04/d07/jb_profeta_gentileza.htm; <http://www2.uerj.br/~clipping/maio04/d07/jb_profeta_gentileza.htm>. Site Clipping UERJ. Acesso em: 20 nov. 2006; <http://www.gentileza.org.br>.Site ONG Gentileza. Acesso em: 20 nov. 2006; <http://www.cienciaefe.org.br/OnLine/0404/gentileza.htm>. Site Ciência e Fé. Acesso em: 20 nov. 2006.

26 Monte (p2000, Faixa 10).

Page 149: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

153Anita Loureiro de Oliveira

cada vez mais, deixa de estar vinculadoao direito à cidade e às possibilidadesplenas de apropriação do espaço, porestar associado ao valor de troca. Entre-tanto, o mesmo autor considera que “avida urbana pressupõe encontros, con-frontos das diferenças, conhecimentos ereconhecimentos recíprocos (inclusiveno confronto ideológico e político) dosmodos de viver, dos ‘padrões’ que coe-xistem na Cidade” (ibid., p. 15).

Trata-se, portanto, de uma análiseque busca identificar nas músicas os lu-

gares reais como a rua, o bairro e, neles,a ação insurgente. O plano do lugar podeser entendido como base para a repro-dução da vida e espaço da constituiçãode identidades, criadas a partir do uso eda apropriação simbólica que conferemsentido aos lugares (Carlos, 2004). Dian-te da crise e da violência, os indivíduosestigmatizados da cidade revelam suaação sensível e insurgente através da arteque é produto do sujeito e de seu lugar ereveladora de identidades, relações ememórias.

27 No livro Favela: alegria e dor, os autores Silva e Barbosa (2005) apresentam um olharpróprio da dinâmica do espaço favelado, em termos temporais e espaciais, e optam portornar mais visível o cotidiano plural desses espaços populares. A proposição principal éque só teremos uma cidade marcada pela possibilidade do encontro das diferenças quandopensarmos uma cidade e um cidadão, sem que deixemos de reconhecer a pluralidadedas identidades, práticas e territórios, o que significa dizer que é preciso ver, efetivamente,a favela como parte da cidade.

28 Muitos grupos culturais surgidos nas favelas contam com o apoio de ONGs para a consoli-dação, financiamento e articulação de projetos de natureza socioeducativa, assim como oapoio de empresas públicas, empresas privadas, organismos supranacionais (Unesco, Unicef)e fundações internacionais de financiamento, evidenciando uma vinculação da lógica globalem ações locais. Afro Reggae, o Jongo da Serrinha, o Nós do Morro, as ações culturais daCufa e outras ações consistentes no campo da cultura revelam a importância da arte nessesespaços populares. No entanto, Silva e Barbosa (2005) alertam para a necessidade deatentarmos para projetos que difundem discursos preconceituosos que pretendem “tirar osjovens do domínio do tráfico de drogas”, como se todos os jovens fossem potencialmente

Por um Outro espetáculo

A ação ativa e contrastante dos espaçospopulares é evidenciada por expressõesmusicais como o funk e o hip-hop, mo-vimentos que usam a música para rom-per com o isolamento desses territóriosda cidade e que legitimam a presençado Outro, de sua atividade criativa, e odireito de manifestar as leituras do seumundo 27. Funkeiros, rappers e outros

sujeitos criativos, cuja ação tem amplia-do o debate político sobre a cidade,mostram a favela como um lugar ondediscursos, contradiscursos e imagensemergem com força em forma de músi-ca, teatro, vídeo, fotografia, dança, entreoutras práticas, que rompem com a lógi-ca assistencialista, ao privilegiar o poten-cial ativo do sujeito 28.

Page 150: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

154 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

Esta Outra música, vinda das áreasestigmatizadas do espaço urbano, denotauma luta pela apropriação simbólica dacidade, uma luta que não disputa a pro-priedade, mas o sentido de pertencimen-to ao lugar e à cidade. As ações musicaispodem evidenciar modos de viver e for-mas variadas de apropriação simbólicados lugares. Em alguns casos, as cria-ções musicais inscrevem-se como ma-nifestações por reconhecimento social.Bourdieu (2004, p. 118) define essamanifestação de forma esclarecedora:

(...) um acto tipicamente mágico (oque não quer dizer desprovido deeficácia) pelo qual o grupo prático,virtual, ignorado, negado, se tornavisível, manifesto, para outros grupose para ele próprio, atestando assima sua existência como grupo conhe-cido e reconhecido, que aspira à ins-titucionalização. O mundo social étambém representação e vontade, eexistir socialmente é também serpercebido como distinto. [Grifos doautor]

Em seu artigo “Uma questão de atitu-de: O Rappa e as novas formas de inter-venção política nas cidades brasileiras”,Luiz Eduardo Soares (2004, p. 62) mos-tra por que considera os integrantes dessabanda verdadeiros inspiradores e etnó-

grafos de nosso cotidiano. Para Soares,no centro de suas interpelações, O Rappatraz à cena a realidade muito complexade uma nova cidade que canta, descreve,enuncia, convoca e evoca nas suas váriasseqüências. Em cada uma de suas letras,a cidade aparece em uma de suas feições:mundo dos negócios (muitas vezes ilíci-tos), descrito em “A feira”; e a cidade re-pleta de personagens cheios de ódio ealtivez, descrita em “Hey Joe” (uma ver-são de Marcelo Yuka e Ivo Meirelles paraa música de Bill Roberts que retrata a vidados garotos envolvidos com o tráfico dedrogas). Em “Tribunal de Rua”, a bandaretrata a forma como a violência policialatinge especialmente quem é estigmati-zado por ser preto-pobre-favelado, assimcomo o fizera em “Todo camburão temum pouco de navio negreiro”, música doprimeiro CD da banda.

Essas músicas testemunham a pos-tura crítica da banda O Rappa e chamama atenção para a escolha de temas liga-dos à vida na cidade, como os encon-tros, os contrastes sociais e a violênciaurbana. Para Soares (2004), através dasmúsicas, o grupo constrói-se como per-sonagem público. Trata-se de uma ati-tude evidentemente construída por suaprodução musical, mas que não se es-gota nela 29. Segundo Soares (ibid.), esseengajamento político, tão importantequanto toda e qualquer forma de consti-

violentos e criminosos. A possibilidade de construção de um novo olhar em relação à favelae seus moradores deve estar pautada no reconhecimento do valor de suas potencialidadescriativas e na reconstrução afirmativa de uma identidade plural.

29 Além de o engajamento político estar associado à poesia da banda, O Rappa tem umaparceria com a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) e, pormeio de uma série de convocações explícitas, incentiva o ouvinte a apoiar iniciativassociais.

Page 151: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

155Anita Loureiro de Oliveira

tuição poética, brota da associação entrepersonagem público à margem, essepersonagem crítico, jovem, subversivo,e seu engajamento positivo, construtivo,que aparece por meio de propostas quesão adicionadas ao objeto estético-musi-cal dos CDs.

Para Soares (ibid.), nas ruas das ci-dades brasileiras, o menino pobre e, emparticular, negro, é quase um ser socialinvisível, é um sujeito socialmente invi-sível. A experiência da invisibilidade éconstitutiva de um processo fundamen-tal – matriz da criminalidade – que per-mite compreender um pouco mais astensões que hoje marcam a forma e oconteúdo das relações sociais nas gran-des cidades: o tráfico de armas e drogas.Para o autor, é justamente porque nãosuportamos a imagem de uma criançamendigando, abandonada, vagandopelas ruas, que criamos à nossa volta umaverdadeira blindagem e que obliteramosos canais de percepção; é exatamenteporque somos sensíveis e vulneráveis ao

sofrimento alheio que nos tornamos in-sensíveis e censuramos o drama que emcada esquina é encenado para nossasconsciências. Ainda segundo Soares(ibid., p. 56-57), O Rappa tem uma sen-sibilidade musical muito aguda e, atravésdela, consegue captar o tema da invisi-bilidade, suas ambigüidades e ambiva-lências de forma eloqüente e reveladora.

“Miséria S.A.”, cujo autor é PedroLuis, mas que se tornou sucesso na gra-vação de O Rappa, é uma dessas músi-cas que falam de uma cidade que muitospreferem não ver. Descrevendo o coti-diano de pessoas que andam nos ônibus“pedindo uma ajuda por necessidade”aos passageiros, a música revela umacidade “encharcada da humildade res-sentida” (Soares, 2004). A forma de can-tar faz referência à musicalidade expressapor esses pedintes ou vendedores, quetêm um repertório comum para agrade-cer a “boa vontade e atenção dispensa-da” e, principalmente, o “trocadinhobem recebido”.

Senhoras e senhores estamos aquiPedindo uma ajuda por necessidadePois tenho irmão doente em casaQualquer trocadinho é bem recebidoVou agradecendo antes de mais nadaÀqueles que não puderem contribuirDeixamos também o nosso muito obrigadoPela boa vontade e atenção dispensadaVamos agradecendo antes de mais nadaBom dia passageirosÉ o que lhes desejaA miséria S.A.Que acabou de chegar 30

30 O Rappa (p1996b).

Page 152: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

156 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

“Ritmos, ações e manifestos” (“RAM”)são o título e o refrão de uma outramúsica de Marcelo Yuka, principal com-positor das letras dos primeiros CDs dabanda carioca O Rappa. A letra de“RAM” é relevante para a pesquisa portratar especificamente de protestos queinterrompem por curtos instantes a vida

na cidade. A pesquisa sobre a ação so-cial tem evidenciado a vitalidade dosprocessos de organização social e dereivindicação popular, que, por vezes,são lidos de forma reduzida ou equivo-cada pela grande imprensa e pelos go-vernos 31.

Nação não é bandeiraNação é uniãoFamília não é sangueFamília é sintonia

Novos satélites nos aproximamMais e maisEntão a gente se vê nos telejornaisAgora mesmo pedras estão voandoNa direção certa

Confie nisso “véio”Ritmos, ações e manifestos [refrão]

Atirados em passeatasOu em casos solitáriosComo batuques diferentesNuma mesma pulsaçãoQue não vão mudar o mundoMas fazem a diferençaFazem nossa diferençaAo fascismo que cresceCom a criseFazem nossa diferençaNa maneira de encararCidadania, ruas e microfones [grifos nossos] 32

31 Ribeiro, Ana Clara Torres. Cartografia da ação e análise de conjuntura: reivindicações eprotestos em contextos metropolitanos. Projeto de pesquisa desenvolvido com o apoiodo CNPq e da Faperj no âmbito do Laboratório da Conjuntura Social: tecnologia eterritório (Lastro), vinculado ao Ippur/UFRJ, 2003-2006.

32 O Rappa (p1994b).

Page 153: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

157Anita Loureiro de Oliveira

A “maneira de encarar” a crise, apartir de “cidadania, ruas e microfones”,revela que, embora o personagem urbanonão tenha a intenção de mudar o mundo,sabe que sua ação faz diferença diantedos problemas sociais. Essa letra confirmacomo a música é capaz de realizar o enga-jamento dos níveis mais singulares da pes-soa com os mais coletivos, como Guattari(1990) propôs ao pensar a cidade subje-tiva. Em busca da afirmação da cidada-nia, personagens se apropriam das “ruas,atirados em passeatas ou em casos soli-tários”, e reconhecem a importância deamplificar as vozes do protesto, com a re-ferência ao “microfone” – para que osprotestos alcancem os ouvidos da multi-dão. Os versos indicam a possibilidadede a ação contestadora ser reconhecidapela maior parte da população, já que,em tempos de circulação instantânea dainformação, “os novos satélites nos apro-ximam”, permitindo que o personageminsurgente possa se ver “nos telejornais”.

O Rappa é hoje uma banda que ocu-pa uma posição privilegiada no mercado

fonográfico, tem um público atento enumeroso, e o fato de ter como temáticade suas músicas a crise social é reveladorde como algumas contestações podemutilizar a força do mercado para amplifi-car as vozes do protesto. Nesse sentido,ressaltamos que as ações de costura dotecido social, possibilitadas pela difusãoda idéia da contestação, podem ocorrertambém nos canais de diversão, circula-ção e comunicação hegemônicos, pormeio da criação musical 33.

Essa música que fala das angústiasdos que vivem uma invisibilidade socialganha força quando passa a ser difun-dida pelos meios de comunicação demassa. A música provoca encontros econtatos capazes de gerar um diálogopositivo entre grupos sociais distintos, ealguns indivíduos fazem mediações im-portantes que ampliam o potencial pro-positivo e transformador da criaçãomusical. Fernanda Abreu, Pedro Luís (ea Parede), Marisa Monte, Marcelo Yuka(O Rappa; O F.U.R.T.O), MV Bill (Cufa)são alguns dos sujeitos (individuais e

33 O Rappa é uma banda carioca formada em 1993, que tem uma sonoridade plural baseadana mistura rítmica de groove, dub, reggae, rock, com alguns remetimentos ao samba eao rap. O nome do grupo é uma gíria popular usada para designar fiscais da prefeituraque apreendem as mercadorias de camelôs que vivem da economia informal nas ruas doRio de Janeiro. Em 1994, lançou o primeiro disco, O Rappa, em que a crítica social estápresente em várias músicas, como “Todo camburão tem um pouco de navio negreiro”,“Brixton, Bronx Ou Baixada” e “Catequeses do medo”. Em 1996, lançaram o CD ORappa Mundi, com “A feira”, “Miséria S.A.”, “Hey Joe” e ainda “Vapor barato” (de JardsMacalé e Wally Salomão), que fez sucesso em várias emissoras de rádio por todo o país.Mas foi o terceiro CD, Lado B lado A, lançado em 1999, que projetou a banda nacional-mente. As músicas “O Que Sobrou Do Céu”, “Tribunal De Rua” e “Minha Alma” revelavamque, mesmo com grande espaço na mídia, a banda não deixava de ter músicas contes-tadoras. Em 2001, lançaram Instinto coletivo - ao vivo. Após a saída de Marcelo Yuka,baterista e principal compositor da banda, em 2002, O Rappa lançou, pela gravadoraWarner Music, o CD/DVD O silêncio que precede o esporro (2003) e o CD/DVD ORappa Acústico MTV (2005). Ver em <http://www.geocities.com/SunsetStrip/Lounge/5843/rappa2. html>. Home page oficial da banda O Rappa. Acesso em: 21 nov. 2006.

Page 154: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

158 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

coletivos) que fazem mediações impor-tantes entre a criação musical, a ação po-lítica e o mercado. Contribuem para aconstrução de um outro olhar sobre acidade, seja através das letras das músi-cas seja através de falas cotidianas, e,assim, colaboram para a superação dainvisibilidade do Outro na cidade.

O potencial transformador da criaçãomusical encontra-se no seu sentido liber-tário e contestador. Entretanto, a ação doshomens ordinários (Certeau, 2003), oudos homens lentos, que vêm “de baixo”ou dos lugares pouco luminosos e poucovelozes da cidade (Santos, 1997), ganhaforça com a visibilidade possibilitadapela articulação e pela mediação feitaspor indivíduos que, como vimos, ocu-pam posições privilegiadas nos canaisde comunicação hegemônicos. Essescanais tornam-se especialmente relevan-tes para os grupos minoritários e margi-nalizados, que costumam ser tachadospelo discurso midiático como grandeameaça ao corpo social.

O jovem negro, pobre e favelado équem mais sofre com a violência urbana.Racismo, estigmatização e isolamento so-cial são alguns dos temas mais freqüen-temente propagados por Outros sujeitos,que têm utilizado variados canais de co-municação para amplificar seu protesto,como é o caso do Grupo Cultural AfroReggae e da Central Única das Favelas(Cufa). Estes e numerosos outros grupos

culturais provenientes das favelas e peri-ferias afirmam sua identidade por meioda arte e da luta simbólica, usando deforma positiva os canais de comunicaçãohegemônicos. A estigmatização do mo-rador da favela não permite o reconhe-cimento de suas estratégias criativas,complexas e heterogêneas acionadas noenfrentamento das dificuldades do dia-a-dia. Mas os sujeitos insurgentes têmutilizado a indústria fonográfica e os ca-nais de difusão musical de modo bastanteproveitoso.

Para Herschmann (2005b, p. 154),“o espetáculo contemporâneo pareceindicar a emergência de uma nova are-na política – midiática – e a importânciada esfera da cultura ou dos fatores cultu-rais como vetores capazes de mobilizarefetivamente os atores sociais”. Segun-do o autor, a espetacularização e a altavisibilidade, construídas no ambientemidiático, são estratégicas para que odiscurso e a ação alcancem êxito, e énesse sentido que analisamos as estra-tégias desenvolvidas por agentes docampo da produção musical.

Assim, a referência ao espetáculo nemsempre reflete aspectos negativos a seremextirpados do social, pois uma análisemais detida pode ajudar a perceber a for-ma como diferentes sujeitos e organiza-ções apropriam-se da espetacularizacãopara garantir maior visibilidade à açãoconstruída na perspectiva da resistência 34.

34 As ações promovidas pela Cufa podem evidenciar essa complexa incorporação dos sujeitosda resistência à lógica do mercado. O prêmio Hutúz transformou-se em um festival anualno qual diversas atividades artísticas – premiações, shows, batalhas de DJs, MCs, B.Boys,intervenções de grafiteiros, festivais de cinema – se articulam com palestras e debates, quetêm dado mais visibilidade e projeção a cada ano ao festival na agenda cultural e política da

Page 155: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

159Anita Loureiro de Oliveira

A articulação da ação musical contesta-dora com o mercado fonográfico não ésimples. A popularização, a conquista deespaços de visibilidade e a inserção dossujeitos da contestação no mercado e namídia trazem consigo fortes conflitos etemores. Apesar do medo da pasteuri-zação e do enfraquecimento do discursodiante da repetição massificada de músi-cas e imagens, esses sujeitos compreen-dem que, sem o uso de estratégias dedifusão utilizadas pela indústria fonográ-fica, é bem mais difícil se fazer ouvir elutar contra o que consideram injusto.Tal como Herschmann (2005b, p. 162)sugere, não só a mídia constitui uma“arena” na qual diferentes discursos con-correm engendrando diferentes sentidos,como também cada discurso, em si mes-mo, abriga perspectivas diversas e, muitasvezes, posições até contraditórias.

Os agentes da contestação eviden-ciam em seus discursos a existência deuma “cidade polifônica” (Herschmann,2005a, p. 93), isto é, uma cidade em queas vozes dissonantes e as ações insurgen-tes fortalecem e configuram a instabi-lidade social, mas por meio de músicascríticas, propositivas e criativas. Parra(2006, p. 54) acredita que algumas expres-sões artísticas configuradas como ordensalternativas têm caráter político porque

estabelecem um conflito de poder, ques-tionam a hegemonia e indicam a existên-cia da resistência. A inserção do sujeitocrítico e criativo nos novos e velhos es-paços midiáticos demonstra uma novaforma de ação política que faz emergir econsolidar o Outro, a partir da utilizaçãode linguagens, estéticas e estratégiasadequadas, empregadas em “máquinasde pensamento”, fundamentais para a(re) construção da subjetividade e a su-peração da opressão.

Tal como Herschmann ressalta, ascolagens, as apropriações, os agencia-mentos, mesmo de outros segmentossociais e do mercado, não esvaziam oconteúdo dessas manifestações musi-cais, e sim o tornam mais potente. Visi-bilidade, potência e recursos são maisque necessários para que esses sujeitospossam costurar suas ações transforma-doras. Apoiada em um instrumental téc-nico cada vez mais veloz, a sua ação deresistência torna-se mais potente e capazde alcançar um número maior de pes-soas. Se a indústria fonográfica lucraagenciando os sujeitos contestadores,aos jovens consumidores dessas músicasé facultado o acesso a produtos musicaiscapazes de contribuir para uma reflexãosobre a vida social e a experiência ur-bana. Para Santos (1997, p. 257),

cidade. A complexidade das articulações feitas para viabilizar um evento como esse revela-se na identificação das instituições financiadoras e co-patrocinadoras do evento: Unesco,Consulado Geral dos Estados Unidos da América, CCBB, Viva Rio, Cyclone; bem comodas instituições privadas e governamentais ligadas à promoção do evento: a Rede Globo,MTV, Rádio Transamérica FM, o Ministério da Cultura, as Secretarias de Cultura do estadoe do município. As ações da Cufa e de outros articuladores da produção cultural “periférica”carioca revelam sua complexidade, pois, ao mesmo tempo que promovem ações decaráter propositivo e emancipatório fortalecem os vínculos com agentes claramente confor-mados com a manutenção da ordem hegemônica.

Page 156: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

160 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

cria-se uma cultura popular de mas-sas, alimentada com a crítica espon-tânea de um cotidiano repetitivo e,também não raro, com a pregaçãode mudanças, mesmo que este dis-curso não venha com uma propostasistematizada.

A cidade cantada transforma-se emlugar, uma porção do espaço apropriá-vel para a vida, através do qual o sujeitose sente pertencente à cidade, vivendotanto a cooperação quanto o conflito.Cada lugar é, ao mesmo tempo, objetode uma razão global e objeto de umarazão local que convivem dialeticamen-te, pois o lugar é este cotidiano compar-tilhado entre as mais diversas pessoas,firmas e instituições (Santos, 1997).

Para que a cidade seja verdadeira-mente polifônica, é preciso que a lógicado espetáculo possa revelar também acriação musical insurgente, dissonante,enfim, a música do Outro. Este artigodestaca uma produção musical crítica,

criativa e propositiva quanto aos novoscaminhos para uma sociabilidade urbanapossível e reveladora deste outro ima-ginário urbano referenciado aos espa-ços populares ou múltiplos da cidade.

A idéia de buscar na música con-tribuições para a reflexão do novo pla-nejamento das espacialidades vem,justamente, desta outra música urbana.Música que retrata a existência de umOutro sujeito que não se conforma emser apenas espectador ou consumidor,que quer se expressar, cantar sua indig-nação e, assim, afirmar-se como cidadão.O direito à cidade, entendido como apossibilidade de renovar, de transformara experiência urbana, parece, portanto,ser alcançável por meio da criação mu-sical e das vozes dissonantes que com-põem a cidade polifônica. Os esquemasracionalistas impostos pelo pensamentohegemônico já estão sendo transforma-dos a partir desta experiência criativa damúsica carioca inconformada que semanifesta com poesia.

Referências

ABREU, Fernanda. SLA2 be sample. Riode Janeiro: EMI, p1992a. 1 CD.

__________. Rio 40 graus. Fernanda Abreu,Fausto Fawcett e Laufer [compositores].In: __________. SLA2 be sample. Rio deJaneiro: EMI, p1992b. 1 CD. Faixa 5.

__________. Da lata. Rio de Janeiro: EMI,p1995a. 1 CD.

__________. Tudo Vale a pena. FernandaAbreu e Pedro Luís [Compositores]. In:__________. Da Lata. Rio de Janeiro:EMI, p1995b. 1CD. Faixa 3.

Page 157: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

161Anita Loureiro de Oliveira

__________. Entidade Urbana. Rio de Ja-neiro: EMI, p2000. 1 CD.

__________. Fernanda Abreu MTV Aovivo. Rio de Janeiro: Universal Music,p2006a. 1 CD/DVD.

__________. Bloco Funk. Fernanda Abreu[Compositora]. In: __________. FernandaAbreu MTV Ao vivo. Rio de Janeiro:Universal Music, p.2006b. 1CD/DVD.Faixa 20.

AMILCKA; CHOCOLATE. Som de Preto. Amilcka,Chocolate e MC Baby [Compositores].In: DJ MARLBORO. DJ Marlboro ApresentaFunk Teen. Rio de Janeiro. Deck Disc,p2006. 1 DVD. Faixa 14.

BOFF, Leonardo. Gentileza. Jornal do Brasil,Rio de Janeiro, 7 maio 2004.

BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobrea teoria da ação. Campinas: Papirus,1996.

__________. O poder simbólico. 7. ed.Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004[1989].

CARLOS, A.F.A. O sentido da Cidade: aspossibilidades da análise geográfica. In:SPOSITO, Maria E. Beltrão. Urbanizaçãoe Cidades: perspectivas geográficas.Presidente Prudente: Unesp; Gasper,2001. p. 421-431.

__________. O espaço urbano: novos es-critos sobre a cidade. São Paulo: Contexto,2004.

CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano:

artes do fazer. 3. ed.; 9. ed. Petrópolis:Vozes, 1990; 2003.

DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetá-culo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997[1967].

DJ MARLBORO. DJ Marlboro ApresentaFunk Teen. Rio de Janeiro: Deck Disc,p2006. 1 DVD.

ESSINGER, Silvio. Batidão – Uma Históriado Funk. Rio de Janeiro: Record, 2005.

FREIRE FILHO, João. Usos (e abusos) do con-ceito de espetáculo na teoria social e nacrítica cultural. In: HERSCHMANN, Micael;FREIRE FILHO, João. (Org.). Comunicação,Cultura e Consumo: a [des]construção doespetáculo contemporâneo. Rio de Janei-ro: E-papers Serviços Editoriais, 2005.

GARCÍA, Fernanda Sanches. Cidade-espetáculo: política, planejamento e citymarketing. Curitiba: Palavra, 1997.

GUATTARI, Félix. Restauração da cidadesubjetiva. Jornal do Brasil, 29 jul. 1990.Caderno Idéias.

GUELMAN, Leonardo Caravana. Brasil:Tempo de Gentileza. Niterói: Eduff, 2000.

HERSCHMANN, Micael. O funk e o hip-hopinvadem a cena. Rio de Janeiro: UFRJ,2005a [2000].

HERSCHMANN, Micael; FREIRE FILHO, João.(Org.). Comunicação, Cultura e Consu-mo: a [des]construção do espetáculocontemporâneo. Rio de Janeiro: E-papersServiços Editoriais, 2005b.

Page 158: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

162 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

LEFEBVRE, Henri. Lógica formal lógica dia-lética. Rio de Janeiro: Civilização Brasi-leira, 1987.

__________. O direito à cidade. SãoPaulo: Centauro, 2001 [1969].

LUNA, Marlúcio. O mundo funk é maiordo que se pensa. Disponível em: <http://www.multirio.rj.gov.br/seculo21/texto>.Acesso em: 23 fev. 2006.

MONTE, Marisa. Memórias, Crônicas e De-clarações de Amor. Rio de Janeiro: EMI,2000. 1 CD.

__________. Gentileza. Marisa Monte[Compositora]. In: __________. Memórias,Crônicas e Declarações de Amor. Rio deJaneiro: EMI, p2000. 1 CD. Faixa 10.

MV BILL. Traficando Informações. Rio deJaneiro: Natasha Records/BMG, p1998a.1 CD.

__________. Soldado do Morro. MV Bill[Compositor]. In: __________. TraficandoInformações. Rio de Janeiro: NatashaRecords/BMG, p1998b. 1 CD. Faixa 8.

__________. Declaração de guerra. Riode Janeiro: Sony-BMG, p2002a. 1 CD.

__________. Emivi. MV Bill [Compositor].In: __________. Declaração de guerra.Rio de Janeiro: Sony-BMG, p2002b. 1CD. Faixa 14.

O F.U.R.T.O. Sangue Audiência. Rio deJaneiro: Sony-BMG, p2005a. 1 CD.

__________. Egocity. MarceloYuka [Com-

positor] In: __________. Sangue Audiên-cia. Rio de Janeiro: Sony-BMG. p2005b.1 CD. Faixa 2.

O RAPPA. O Rappa. Rio de Janeiro: WEA/Warner Music, p1994a. 1 CD.

__________. RAM. M. Yuka e O Rappa[Compositores] In: __________. O Rappa.Rio de Janeiro: WEA/Warner Music,p1994b. 1 CD. Faixa 6.

__________. Rappa Mundi. Rio de Janei-ro: WEA/Warner Music, p1996a. 1 CD.

__________. Miséria S/A. P. Luís, M. Yukae O Rappa [Compositores] In: __________.Rappa Mundi. Rio de Janeiro: WEA/Warner Music, p1996b. 1 CD. Faixa 2.

__________. Lado B Lado A. Rio de Janei-ro: WEA/Warner Music, p1999a. 1 CD.

__________. O que sobrou do céu. Mar-celo Yuka e O Rappa [Compositores] In:__________. Lado B Lado A. Rio de Ja-neiro: Warner, p1999b. 1 CD. Faixa 4.

PARRA, Ádrian Raúl Restrepo. Aproxima-ción teórica a las prácticas artísticas delos jóvenes como expresión política.Revista Trabajo Social, Medellín, n. 3,p. 49-73, ene./jun. 2006.

PEDRO LUÍS E A PAREDE. Astronauta Tupy.Rio de Janeiro: Warner Music, p1997.1 CD.

RIBEIRO, Ana Clara Torres. O espetáculourbano no Rio de Janeiro: comunicaçãoe promoção cultural. Cadernos Ippur, Riode Janeiro, ano IX. n. 14, jan./dez. 1995.

Page 159: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

163Anita Loureiro de Oliveira

__________. Por uma cartografia da ação:pequeno ensaio de método. CadernosIppur, Rio de Janeiro, ano XV, n. 2, ago./dez. 2001.

__________. Território usado e humanis-mo concreto: o mercado socialmentenecessário. In: SILVA, Cátia Antônia et al.Formas em crise: utopias necessárias. Riode Janeiro: Arquimedes Edições, 2005.

__________. A acumulação primitiva docapital simbólico. In: JEUDY, Henri-Pierre;JACQUES, Paola Berenstein. (Org.). Corpose Cenários urbanos: territórios urbanos epolíticas culturais. Salvador: EDUFBA;PPG-AU/FAUFBA, 2006. Parte I, cap. 3,p. 39-50.

SANTOS, M. Técnica, espaço, tempo; glo-balização e meio técnico-científico-infor-macional. São Paulo: Hucitec, 1994.

__________. A natureza do espaço: téc-

nica e tempo, razão e emoção. 2. ed. SãoPaulo: Hucitec, 1997 [1996].

__________. Por uma outra globalização:do pensamento único à consciência uni-versal. Rio de Janeiro: Record, 2005.

SILVA, Jailson de Souza; BARBOSA, Jorge.Favela: alegria e dor na cidade. Rio deJaneiro: Senac-Rio, 2005.

SOARES, Luís Eduardo. Uma questão deatitude: O Rappa e as novas formas deintervenção política nas cidades brasi-leiras. In: CAVALCANTI, Berenice; STARLING,Heloisa; EISEMBERG, José. (Org.). Decan-tando a República: inventário históricoe político da canção popular modernabrasileira. São Paulo: Fundação PerseuAbramo, 2004. V. 3 (A cidade não moramais em mim).

VELOSO, Caetano. Circuladô. Rio de Ja-neiro: Universal Music, p1991. 1 CD.

Resumo

O presente artigo pretende apreender aexperiência urbana através do sujeito ede sua ação de criação musical. A idéiaé buscar na música expressões da lutasimbólica pelo direito à cidade – reno-vada, transformada. Tal música retrata aescala do cotidiano, do lugar, e as falasinconformadas que resistem ao pensa-mento que se diz único. A criação musi-cal é uma prática que possibilita aosujeito uma apropriação da cidade, suaafirmação como cidadão e, principal-

The present article intends to apprehendthe urban experience through the citizenand of its action of musical creation. Theidea is to search in music expressions ofthe symbolic fight for “the right to thecity” – renewed, transformed. Such mu-sic portray the scale of the daily one, ofthe place and voices unresigned to themthat resist the “unique thought”. Themusical creation is one practical one thatmakes possible to the individual an ap-propriation of the city, its affirmation

Abstrac t

Page 160: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

164 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

mente, uma manifestação crítica e poé-tica da existência do Outro no espaçourbano.

Palavras-chave: cidade, música, açãoinsurgente

while citizen and, mainly, a critical andpoetical manifestation of the existenceof the Other in the urban space.

Keywords: city, music, rebellious action

Anita Loureiro de Oliveira é geógrafa, Mestre em Geografia pela UniversidadeFederal Fluminense e Doutoranda no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbanoe Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Áreas de interesse: cidade ecultura, comunicação e consumo.

Recebido em novembro de 2006. Aprovado para publicação em maio de 2007

Page 161: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro
Page 162: CADERNOS IPPUR - Federal University of Rio de Janeiro

1. As contribuições enviadas sob a forma deartigo devem ser apresentadas em no máxi-mo 25 (vinte e cinco) laudas, incluindo fi-guras, notas de rodapé, referências e anexos.As figuras deverão ser em P&B, ter exten-são JPG ou TIF e 300 dpi.

2. O texto deve ser digitado com fonte 12 eespacejamento de 1,5. As citações de maisde três linhas, notas de rodapé, paginação elegendas de ilustrações e tabelas devem serdigitadas com fonte tamanho 10 e espace-jamento simples.

3. As referências devem ser redigidas de acordocom a NBR 6023/2002 da ABNT:

a) Livro – último sobrenome em caixa-alta, se-guido de prenome e demais sobrenomesdo(s) autor(es). Título em destaque (itálico):subtítulo. Número de edição, a partir da se-gunda. Local de publicação: editora, anode publicação. Número total de páginas dolivro. Quando houver mais de um volume,citar somente o número de volumes (Cole-ção ou Série).Exemplos:MOOG, Vianna. Bandeirantes e pioneiros:paralelo entre duas culturas. 19. ed. Rio deJaneiro: Graphia, 2000. 351 p.MAMANI, Hernán Armando. Transporte in-formal e vida metropolitana: estudo do Riode Janeiro nos anos 90. Rio de Janeiro:UFRJ, 2004. 2 v.

b) Artigo – último sobrenome em caixa-alta,prenome e demais sobrenomes do(s) au-tor(es); título do artigo: subtítulo; título doperiódico em destaque (itálico), local de pu-blicação, nº do volume, nº do fascículo, dapágina inicial e final do artigo, mês e ano depublicação.Exemplo:HABERMAS, Jürgen. O falso no mais pró-ximo: sobre a correspondência Benjamin/Adorno. Novos Estudos Cebrap, São Paulo,n. 69, p.35-40, jul. 2004.

c) Capítulo de livroExemplo:OLIVEIRA, Floriano José Godinho de. Mu-danças no espaço metropolitano: novas

IPPUR/UFRJPrédio da Reitoria, Sala 543

Cidade Universitária / Ilha do FundãoRio de Janeiro (RJ) CEP 21.941-590

Tel: (21)2598-1676Fax:(21)2598-1923

Para assinatura ou número avulso, consultar: http://www.ippur.ufrj.br

centralidades e dinâmicas espaciais na me-trópole fluminense. In: SILVA, Catia Antoniada; FREIRE, Désirée Guichard; OLIVEIRA,Floriano José Godinho de (Org.). Metrópole:governo, sociedade e território. Rio de Janei-ro: DP&A Editora; FAPERJ, 2006. p. 79-97.

d) Dissertações e TesesExemplo:MARQUES, Ana Flávia. Novos parâmetrosna regionalização dos territórios: estudo dozoneamento ecológico-econômico (ZEE) naAmazônia legal e das bacias hidrográficasdo Rio Grande do Sul. 2006. 189f. Disser-tação (Mestrado em Desenvolvimento Re-gional) – Universidade de Santa Cruz doSul, Santa Cruz do Sul, 2006.

e) Artigo e/ou matéria de revista em meio ele-trônicoExemplo:WACQUANT, Loïc. Elias no gueto. Rev. deSociologia e Política, Curitiba, n. 10, jun. 1998.Disponível em: <http://www.humanas.ufpr.br/publica/revsocpol>.

4. Deve ser enviado um resumo em português(ou espanhol) e inglês, e uma relação de nomáximo 5 (cinco) palavras-chaves (em por-tuguês e inglês) para efeito de indexação.

5. O autor deve enviar informações relativas àsua trajetória profissional e vínculos institu-cionais (no máximo 5 linhas).

6. O autor de artigo publicado em CadernosIPPUR receberá três exemplares do respec-tivo fascículo da revista.

7. Os artigos devem ser enviados à ComissãoEditorial dos Cadernos IPPUR através doendereço eletrônico [email protected].

8. Em caso de aprovação, o autor deverá enviarpelo correio o formulário (disponível nahomepage) de autorização devidamentepreenchido e assinado para disponibiliza-ção em texto completo nas bases de dadosàs quais os Cadernos IPPUR estejam inde-xados, incluindo a Base Minerva da UFRJ.

9. Para as resenhas críticas de publicações, re-comenda-se o máximo de 4 páginas.

Instruções aos colaboradores dos CADERNOS IPPUR