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A Conveniência de Amar
Candance Camp
BUSCA-se: Esposa de boa família, atrativa, razoável e amadurecida... para
matrimônio de conveniência. Preferivelmente conversadora agradável, mas não imprescindível.
Simón apelidado “o diabo Dure” era tão cínico no referente ao amor quanto Charrita Emerson era inocente. Ela confia em encontrar suas expectativas de mulher casada e ele era o suficientemente carinhoso para acreditar nela. Seu compromisso é tão chocante quanto conspirador. Com seus loucos projetos e seu agradável sorriso,
Charrita apaixonará ao Simón. Seu ardente coração seduzirá até apagar as travas que ele mesmo se impôs. Não existia perigo, entretanto a armadilha enganosa que lhes
apresentará porá a prova sua coragem, seu amor e até suas vidas.
Datilografado por Sinemsis2
Prólogo
Londres 1871
Charity tinha planejado todos os detalhes de sua fuga.
Era muito importante que ninguém soubesse que tinha saído de
casa; nem sequer a servidão, nem sua irmã Serena, porque podiam dizer-
lhe a seus pais. Pensariam que era por seu próprio bem, é obvio. Diriam
que uma jovem da alta sociedade não podia ser vista passeando pelas ruas
de Londres, sem acompanhante emburro, sem que sua reputação sofresse
um severo dano. Ninguém desculparia tal comportamento, nem sequer seu
amável e carinhoso pai, e ninguém compreenderia que dificilmente podia
sofrer sua reputação se ninguém da alta sociedade a via. E o pior de tudo,
era que tentariam averiguar a razão pela que aquela mesma manhã se
partiu da casa de sua tia Ermintrude sem que a acompanhasse nem sequer
uma criada.
Não estava disposta a explicar seus motivos. Se caminhar a sós
pelo tranqüilo e elegante bairro do Mayfair lhes parecia um ato
imperdoável, seu horror seria ainda major de saber o que pretendia fazer.
depois de pensá-lo muito, tinha decidido que a melhor hora para
partir seria imediatamente depois de ter tomado o café da manhã. Tanto
sua mãe como suas irmãs seguiriam dormidas; desde que chegaram a
Londres para a apresentação em sociedade de Serena e Elspeh não tinham
deixado de assistir a todo tipo de festas, adotando o horário da cidade, de
tal maneira que se deitavam a altas horas da madrugada e às vezes não
despertavam até passado o meio-dia. Com um pouco de sorte não saberiam
que se partiu, porque tinha intenção de retornar antes de que se
levantassem. Quanto a seu pai, que se levantava muito em breve, teria se
partido a dar seu habitual passeio depois de tomar o café da manhã. Os
criados nem sequer se dariam conta, imersos em suas atividades, a não ser
que a vissem sair sozinha.
Seguiu seu plano ponto por ponto. Quando terminou de tomar o
café da manhã, e depois de assegurar-se de que seu pai se partiu, baixou
com soma cautela as escadas, chapéu em mão, e saiu da casa não sem antes
olhar a seu redor para comprovar que ninguém a tinha visto. Ato seguido
ficou o chapéu, baixou os degraus da entrada e se afastou da casa. Só se
deteve uma vez mais para assegurar-se de que ninguém a seguia. Parou
uma calesa e em questão de minutos se encontrava frente à fachada de
Dure House, uma impressionante mansão de estilo rei Jorge.
Charity pagou ao condutor e subiu as escadas de edifício como se
fora algo que fizesse todos os dias. Sabia que em situações de insegurança
a melhor estratégia era atuar como se se soubesse exatamente o que se
fazia. Chamou com a aldaba, que representava um leão, e esperou.
Um criado alto e de aspecto cadavérico abriu a porta. Sua
expressão era tão altiva que imediatamente soube que devia tratar do
mordomo. Olhou-a com intensidade. Charity se encontrava sozinha, um
pouco bastante extravagante, e além disso ia vestida com roupa gasta
acontecida de moda.
-Sim? –perguntou.
Arqueou as sobrancelhas como deixando bem claro que duvidava
de seu nível social e dos motivos que a tivessem levado a mansão do conde
de Dure.
Charity elevou o rosto, orgulhosa, e devolveu seu frio olhar. Sua
família possuía um irreprochável passado aristocrático, e não ia permitir
que um simples mordomo a olhasse daquela forma.
-Sou Lady Charity Emerson –disse, imitando o petulante tom de
sua mãe-. Eu gostaria de ver o Lorde Dure, se tiver a bem me apresentar.
Charity notou que duvidava, e que lhe teria gostado de jogá-la dali
a patadas. Mas também notou sua incerteza ao reconhecer o sobrenome
Emerson; não podia arriscar-se a cometer um engano.
Ao final, apartou-se a contra gosto e deixou que entrasse.
-Se tiver a bondade de esperar aqui, verei se o senhor se encontra
em casa.
Aquela frase era um simples eufemismo. Em realidade, desejava
lhe perguntar a Lorde Dure se queria receber a uma insolente que se
apresentou na mansão sem acompanhante e sem ornamentos de nenhuma
classe. Charity era consciente disso e se distraiu contemplando o amplo e
elegante saguão, de chãos de mármore. Uma enorme escada subia ao
fundo, dividindo-se em dois pouco mais acima.
Minutos mais tarde, o mordomo descendeu a escada, fez uma
ligeira reverência ante ela e disse:
-Se tiver a amabilidade de me seguir, senhorita.
Charity sentiu que suas pernas apenas a mantinham em pé. Até
então não se deu conta de quão tensa estava. Temia que o conde se negasse
e que toda sua pequena aventura tivesse sido em vão. Respirou
profundamente e seguiu ao mordomo escada acima, até que chegaram a
um quente despacho.
-Lady Charity Emerson –anunciou o mordomo.
Imediatamente, o criado a deixou a sós com o Simon Westport,
conde de Dure.
O conde estava sentado em seu escritório. Assim que entrou se
levantou para recebê-la. E só necessitou um olhar para adivinhar que se
tratava de um homem perigoso.
Todo mundo dizia que o era; de fato, chamavam-no “o diabo de
Dure”. Agora podia compreender os rumores. Era alto, duro e frio; tudo
nele intimidava, desde seu cabelo negro, leonino, até os músculos de seus
braços, peito e pernas, passando pelo excelente gosto que demonstrava
com a roupa. Seu rosto não denotava emoção alguma; suas facções eram
regulares e duras, como se tivessem sido esculpidas em granito. Quanto a
seus olhos, eram de uma cor escura e indefinível, entre verde pântano e
cinza. Olharam-na com frieza, como se se cravassem nela, deixando-a
indefesa.
Charity sentiu que sua boca estava seca e até considerou que tinha
cometido um engano ao apresentar-se ali.
-Sim, senhorita Emerson? –perguntou o conde-. No que posso
servi-la?
Charity tentou manter a compostura. Não tinha fugido de nada em
toda sua vida, e não tinha intenção de fazê-lo agora. Além disso, seu futuro
estava em jogo.
Sem mais demora respondeu, alto e claro:
-vim para lhe pedir que se case comigo.
1
Durante uns segundos, nenhum dos dois falou. O conde a
observava com sincero assombro.
Tinha-o surpreso que seu mordomo anunciasse a presença do
Charity Emerson. Sabia que era a irmã de Serena, embora não a conhecia
pessoalmente. Todo aquilo o tinha intrigado, porque não suspeitava as
estranhas circunstâncias que podiam havê-la levado a sua porta. Durante as
duas ou três últimas semanas tinham deslocado rumores de que pensava
pedir a mão de Serena, mas não mantinha relação direta com os Emerson, e
socialmente estava muito mal visto que uma jovem visitasse a casa de um
homem com o que não estivesse aparentada.
Quando Charity entrou em seu escritório sofreu a segunda surpresa.
Esperava que a irmã menor de Serena resultasse ser apenas uma menina,
e entretanto era uma jovem bela e exuberante. Não lhe resultou estranho
que não a tivessem apresentado em sociedade em companhia de Serena e
Elspeth. Era tão atrativa, e de corpo tão esbelto, que suas irmãs logo que
teriam brilhado em sua presença. Bastou um olhar para excitá-lo.
Contudo, aquela pergunta foi a maior de suas surpresas. Deixou-o
sem fala. Só ao cabo de uns segundos foi capaz de esclarecê-la garganta e
perguntar.
-Como?
Charity se ruborizou.
-Bom, tenho entendido que está procurando um esposa, não é
certo?
O conde arqueou as sobrancelhas com suavidade. Talvez estivesse
surpreso, mas seu rosto não denotou nenhuma emoção.
-Duvido que isso seja assunto dele, senhorita Emerson, mas é certo.
Tenho intenção de me casar logo. Morto meu avô, tenho que confrontar a
responsabilidade de dar um herdeiro a minha família.
-Muito bem. Esse é o motivo de minha visita.
-Devo entender então que está procurando um marido?
Charity se ruborizou ainda mais. Não pretendia ser tão direta. Tinha
planejado atuar com frieza e de forma lógica, mas as palavras tinham
escapado de sua boca sem que se desse conto, algo que lhe acontecia com
certa freqüência.
-Eu não… Bom, sim, em certo modo. Mas não no sentido que crie.
-Já –disse, divertido-. Posso perguntar então em que sentido se
oferece como esposa?
O conde realizou a pergunta com um tom tão escuro e sutil que
Charity se estremeceu. Sabia que devia sentir-se insultada por aquelas
palavras, como se implicassem que não a considerava uma senhorita, mas
o timbre de sua voz conseguiu que se sentisse mais fraco que indignada.
Tentou recordar o motivo de sua visita e manter a compostura.
-Todo mundo diz que pensa pedir a mão de minha irmã. Meu pai
lhe disse ontem à noite a minha mãe que imaginava que viria logo a nossa
casa.
-Ah, sim? –perguntou o conde.
-Sim. Quando o ouvi, soube que devia atuar sem mais demora.
-Já vejo. E o que quer dizer com isso?
-Que quero que se case comigo em vez de com Serena –assegurou
com gravidade-. Sabe que deve casar-se com você. Serena é a classe de
mulher que sempre cumpre seus deveres familiares. Casará-se se ninguém
faz algo para evitá-lo, e levará uma existência miserável o resto de sua
vida.
O conde permaneceu em silêncio uns segundos antes de murmurar:
-Não me tinha dado conta do mau marido que poderia ser.
Charity se ruborizou. Acabava de compreender como podia ser
interpretado seu comentário.
-Sinto muito, milord. Não pretendia insinuar que como marido
possa fazer infeliz a alguém, ao menos em circunstâncias normais. Em tal
caso não lhe teria pedido que se casasse comigo, mas tenho que admitir
que não sou tão altruísta. Não duvido que Serena tinha feito o mesmo por
mim. É muito melhor pessoa que eu.
-Certamente, é uma pessoa extraordinária –admitiu, com olhar
divertido-. Precisamente por isso, tinha intenção de pedir sua mão.
-Mas não está apaixonado por ela, verdade? –perguntou com
ansiedade-. Serena não crie. E meus próprios pais comentaram que não
estava interessado em manter uma relação de amor com sua esposa. É
certo?
-Estou procurando um acordo um pouco mais razoável –confessou-
. Já provei os méis do amor, e não tenho intenção de voltar a passar por tais
sofrimentos. Contudo, temo que não compreendo os motivos…
-Bom, não é que Serena tenha medo de você. Não o tem, ou ao
menos, não muito.
-Sinto-me muito aliviado.
Charity o olhou, e ao observar seu olhar se relaxou e sorriu.
-Já vejo que não estou me explicando muito bem, verdade? O
problema estriba em que Serena está apaixonada por outro homem.
Compreenderá então que não queira casar-se com você quando seu coração
pertence a outra pessoa.
Dure franziu o cenho.
-Sua irmã não o mencionou nunca. Parecia estar de acordo com
minha proposição. Se não queria casar-se comigo, por que não o disse?
-Não está em sua natureza. É uma boa filha, e meus pais desejam
que o matrimônio se leve a cabo. Com cinco filhas, é muito difícil para
eles. Seria muito conveniente que ao menos uma de nós conseguisse umas
bodas importante. Assim que Serena se casasse com você, apresentaria em
sua casa ao resto de suas irmãs.
Simon gemeu ao pensar que sua mansão pudesse encher-se de
jovencitas, e Charity assentiu com comiseração.
-Tem razão ao demonstrar seu desagrado –continuou-.
Especialmente no relativo a Belinda, porque é uma menina mimada. Mas
Serena pensa que deve casar-se com você pelo bem da família, embora isso
lhe rompa o coração. Está apaixonada por reverendo Anthony Woodson,
do Siddley on the Marsh. É um bom homem, mas carece de fortuna.
Entretanto, a Serena não importa. Só quer casar-se com ele e ser feliz; seria
uma magnífica esposa para ele, porque é amável e carinhosa, e gosta de
ajudar às pessoas. Não lhe importa a roupa, nem os bailes, nem os
acontecimentos sociais.
-Não sabia –disse o conde-. Mas posso lhe assegurar que não me
casarei com ela se estiver apaixonada por outro homem. Não tinha
intenção alguma de obrigá-la a casar-se comigo.
-É obvio que não. Imaginava que não estaria ao tanto. Como
poderia? Serena não o haveria dito, e meus pais desconhecem que esteja
apaixonada por reverendo. Não o passariam, posto que não tem dinheiro.
-Dou-lhe minha palavra de que liberarei a sua irmã de tal destino. E
agora, senhorita Emerson, é melhor que retorne a sua casa, posto que já
terminou sua missão. Temo que sua reputação sofreria um severo reverso
se se soubesse que esteve nas habitações de um cavalheiro. Sobre tudo
tratando-se de mim –acrescentou.
-Sei. Minha tia Ermintrude sofreria um síncope se soubesse.
Quanto a minha mãe, sempre há dito que você tem uma grande reputação
de mulherengo. Ao princípio estava preocupada. Desconfiava de que suas
intenções para minha irmã fossem honoráveis, mas meu pai lhe assegurou
que você nunca roubava a virtude às jovencitas.
Simon estalou em uma gargalhada.
-Sinto-o –declarou, envergonhada-. tornei a colocar a pata. Até
Serena diz que falo muito. Espero não havê-lo ofendido.
-Absolutamente. De fato, sua presença encheu que luz e bom
humor minha manhã. Mas agora deve partir. Direi ao Chaney que lhe
consiga um carro. Temo-me que se lhe emprestasse o meu despertaria
suspeitas.
-Espere um momento! –levantou-se-. Ainda não há dito… Enfim,
não pode limitar-se a não casar-se com minha irmã. Minha mãe me mataria
se descobrir que falei com você e que graças a isso se casará com outra;
por exemplo, com essa odiosa lady Amanda.
-Asseguro-lhe que não tenho intenção alguma de pedir a mão do
Lady Amanda Tilford –declarou.
-É obvio que não. Estou segura de que não é tão estúpido. Mas
apesar de tudo… Não teria vindo de ter pensado que tampouco se casaria
comigo. Meu pai diz que seu matrimônio com Serena é vital para a família,
porque do contrário acabaremos na miséria. Suponho que não o diz a sério,
mas é certo que temos dificuldades econômicas. Tive que pedir
emprestados as luvas que levo, e o sombreio é um velho de Serena. Meu
pai disse que este ano não poderíamos comprar vestidos novos, porque o
dinheiro era necessário para a apresentação em sociedade de Serena e do
Elspeth.
Charity continuou com sua explicação.
-Por fortuna, a tia Grimmedge deixou uma pequena herança a
minha mãe. Do contrário, não sei que teria sido de nós todos estes anos.
Apesar de tudo, minha mãe é tão orgulhosa que não permitiria que nos
casássemos com alguém que não pertencesse a aristrocracia, embora
estivéssemos morrendo de fome. Entretanto sua família é impecável,
inclusive para ela, à exceção daquele escândalo acontecido em tempos do
rei Carlos ll. e o desculpa dizendo que todas as famílias têm seus
problemas.
-Estou seguro de que à condessa do Dowager gostaria de saber que
sua mãe encontra aceitável a casa de Dure.
-OH, Meu deus, ofendi-o?
-Não. Entretanto, não acredito que a proposição que oferece seja
tão singela como trocar um cavalo por outro.
-É-o –lhe assegurou-. Você quer um herdeiro, não é assim? Sou
perfeitamente capaz de lhe dar um, tanto como o seja minha irmã. Sou uma
mulher amadurecida e saudável.
Charity apartou as mãos do corpo, como convidando-o a olhar.
Os olhos do conde se iluminaram durante um instante.
-É certo. Perfeitamente saudável.
-Em efeito. E posso lhe dar saudáveis herdeiros. Quanto a meu
sangue, é tão aristocrática como a de Serena. E sou igualmente respeitável.
-Não se freqüentar com assiduidade as habitações dos cavalheiros.
-Não tenho tal costume –declarou indignada-. Vim aqui guiada pelo
desespero, como já sabe. Devia salvar a minha irmã.
-E está disposta a sacrificar-se como um cordeiro?
Charity riu ante sua comparação.
-Bom, sou a única que o teria feito. Elspth jamais teria dado um
passo parecido; tem medo de você. Além disso, não gostaria. É muito
aborrecida. Quanto a Belinda e Horaria, são muito jovens. De modo que só
ficava eu. Além disso, não acredito que seja um sacrifício. A fim de conta
você é um conde, um homem rico, e… também muito atrativo, para as
mulheres às que gostem de seu estilo.
-lhe gosta?
Seu tom baixo e sensual provocou que Charity sentisse uma
pontada no estômago.
-Não me desagrada –respondeu.
Baixou o olhar com modéstia, tal e como o teria feito uma simples
criada, mas com tal ar de malícia que Simon teve que fazer um esforço
para não rir.
-Não tem medo de mim?
-Não. De fato, não tenho medo de quase nada. Minha mãe diz com
freqüência que careço de sensibilidade.
Simon riu de boa vontade.
-Digamos que é perigosa. Qualquer homem faria bem em manter-se
afastado de você.
Charity se encolheu de ombros.
-Isso é o que diz meu pai.
Apertou os lábios de forma sensual, embora inconsciente, e Simon
se excitou.
-Tudo isto é absurdo. Nem sequer sabe o que está fazendo.
-Equivoca-se. Tenho por costume ser consciente do que faço, e
neste caso também o sou –declarou, olhando-o com cândidos olhos azuis-.
E tenho que advertir que pelo general consigo o que pretendo.
Dure se deu a volta e se afastou, movendo a cabeça, embora se
notava que estava indeciso.
-Compreendo suas dúvidas, posto que não me conhece –disse ela-.
Contudo, seria muito melhor algema para você que Serena. Passa muito
tempo em Londres, e a minha irmã desgosta a cidade. Tentaria reformá-lo
em mais de um sentido.
-Isso seria terrível –sorriu Simon, olhando pela janela.
-Pelo contrário, eu gosto da capital. eu adoro as festas, os jantares,
a ópera e todo tipo de acontecimentos sociais. Morro de inveja cada vez
que vejo o Elspeth e a Serena, sobre tudo porque nenhuma das duas lhes
agradam essas coisas.
Charity se deteve um momento e franziu o cenho.
-Também eu terei que apresentar a minhas irmãs. É minha
responsabilidade. Mas será muito mais fácil em minha casa.
Encontraremo-lhes maridos e nos liberaremos delas em pouco tempo.
Simón fez um som de desgosto.
-O que acontece? Hei dito algo que o tenha incomodado?
O conde se deu a volta.
-Não. Querida minha, tenho que admitir que sua proposição resulta
tentadora, mas me temo que não sairia bem.
Charity o olhou de tal forma que Simón pensou que ia chorar.
-OH, não. Arruinei-o tudo. Minha mãe ficará furiosa comigo por ter
interferido. Não teria vindo alguma vez de ter pensado que não se casaria
comigo –o olhou-. por que razão me rechaça como esposa, milord? Sei que
sou muito direta. Sempre me dizem que falo muito. E sei também que atuo
em ocasiões sem pensar as coisas duas vezes, mas estou segura de que esse
detalhe de meu caráter se moderará com a idade. Não crie assim? Nunca
faria nada que pudesse envergonhá-lo.
Simón sorrio.
-Eu não gostaria que fora menos direta ou espontânea. A encontro
bastante… divertida.
-OH –disse, perplexa-. Em tal caso, são minhas facções? Prefere
fisicamente a Serena? É muito menos exuberante que eu.
Charity se sentou em uma poltrona, afligida.
-Asseguro-lhe que é perfeita. Qualquer homem a encontraria
encantadora. Embora imagine que já sabe.
-Hão-me isso dito alguma vez –admitiu-. Precisamente por isso,
não esperava uma negativa por sua parte. Pensei que me encontraria ao
menos tão atrativa como a minha irmã.
-E é certo. Não se preocupe, não é culpa dela. É que é muito jovem.
O conde imaginou a aquela maravilhosa jovem em sua cama, em
lugar da estirada e fria Serena. Ao fazê-lo, sua excitação aumentou.
Charity voltou a levantar-se, mais esperançada.
-Não sou tão jovem. Tenho dezoito anos, só três menos que Serena.
Me teriam apresentado em sociedade este mesmo ano, de não ser porque
minha família não tinha dinheiro.
Simón se deu a volta de novo e a olhou. Não parecia ser consciente
de que seus pais provavelmente tinham tido em conta outro fator: era
muito mais bela que suas irmãs, e a seu lado teriam parecido
insignificantes.
-Entretanto, eu tenho doze anos mais –observou-. Sou muito major
para você.
Charity sorriu. Quando o fez, uma covinha apareceu em uma de
suas bochechas.
-Apesar de tudo não acredito que esteja decrépito. Pode que seja
jovem, mas sei o que quero. Qualquer que me conheça pode dizer-lhe não
sou indecisa, nem pusilânime. Há muitas pessoas que se casam com mais
diferença de idade.
O conde fez um esforço para não pensar em quão prazenteiro
resultaria deitar-se com ela, nem em quão divertida resultaria sua
existência.
-Pode que doze anos não sejam um problema, mas sua juventude o
é –espetou de forma brusca-. Não procuro uma jovencita romântica, a não
ser uma mulher amadurecida e sensata, que possa aceitar um matrimônio
sem amor e que não pretenda que a corteje com formosas palavras ou
presentes caros.
-Não espero tal coisa –protestou-. Sou consciente do matrimônio
que busca, e lhe asseguro que estou preparada para isso. Seria melhor que
Serena; apesar de seu aspecto, é uma mulher muito romântica. Uma mulher
de sua casa. Necessita o amor e a atenção de um marido. Sem eles
morreria. A diferença dela, eu sou perfeitamente capaz de me valer por
mim mesma. Posso viver minha própria existência; tenho muitos amigos e
não me importaria estar com eles. Poderia ir a bailes, à ópera, e assistir a
todos os maravilhosos eventos de Londres. Prometo-lhe que não lhe
rogarei que acompanhe a nenhum sítio. E não esperarei amor por sua parte.
-Não seja louca –declarou-. Apaixonará-se algum dia. E então, o
que fará? Estará apanhada em um matrimônio.
-OH, não –disse, assombrada e indignada-. Jamais trairia a meu
marido.
-Não hei dito que o fizesse. Mas será infeliz, e não desejo uma
esposa infeliz.
-Não serei infeliz, o asseguro –disse-. Sou a mulher menos
romântica do mundo. Não perderia meu coração por ninguém. Nunca
suspirei por nenhum homem, como fazem o resto das mulheres. Não
acredito que o amor esteja feito para mim.
-Com dezoito anos, logo que teve ocasião de comprová-lo.
-Equivoca-se –disse com ingenuidade-. assisti a multidão de
acontecimentos sociais, e lhe asseguro que minha carteira de baile sempre
está cheio. Admiram-me o bastante. Até recebi um par de proposições de
matrimônio. Entretanto, tenho que admitir que uma não conta, posto que
só tentava me convencer para que saísse com ele ao jardim.
-Alguém se atreveu a acossá-la? –perguntou, irritado.
-Não, é obvio que não. Não saí com ele. Já lhe hei dito que sou
perfeitamente capaz de cuidar de mim mesma. E meu coração não esteve
nunca em perigo. me crie, não tenho intenção de me apaixonar. tive
ocasião de observar o que ocorre quando um casal se casa por amor. Meus
pais o fizeram, e passados uns anos deixaram de querer-se. Sinceramente,
acredito que apenas se gosta. Minha mãe dá muita importância ao status
social, e em ocasiões se queixa de haver-se casado com o filho menor do
filho menor de um conde em lugar de ter encontrada melhor partida; meu
pai, então, desespera-se e aduz que oxalá o tivesse feito. É um espetáculo
triste, que espero não me aconteça .
Charity se encolheu de ombros e continuou.
-Decidi faz anos que não me casaria no calor do amor, e mais
recentemente tenho descoberto que em qualquer caso o amor não está feito
para mim. Não duvido que pode parecer pouco feminino, mas assim é.
Estou preparada para aceitar o matrimônio que propõe, e seria muito feliz
se aceitasse minha proposição. Eu gostaria de ter filhos, e eu gostaria de
passar tempo com eles. A fim de contas é tudo o que se espera de tal união,
não é certo? Quer ter descendência.
-Em efeito –declarou, com olhos brilhantes-. Quero ter filhos.
-Vê-o? Em realidade, queremos o mesmo.
Simón deu um passo para ela, com expressão séria.
-É você tão inocente… Não tem nem idéia do que significa
realmente o matrimônio –disse com firmeza-. Não é uma bela aquarela
com cenas de festas, roupa de moda e meninos com objetos delicados.
Agora lhe demonstrarei o que inclui o matrimônio para mim.
O conde a agarrou dos braços, atraiu-a para si e a beijou.
2
Charity ficou geada. Ao princípio só foi consciente do musculoso e
duro que resultava o corpo do conde e de quão suaves eram seus lábios, em
contraste. Sua boca se movia sobre a sua, cálida e ofegante. Quando sentiu
sua língua nos lábios, gemeu levemente; e ao senti-la em seu interior, a
surpresa foi absoluta.
Tinham-na beijado um par de vezes, mas sempre se tratou de beijos
castos e ingênuos, nada parecido a aquela estranha mescla de delicadeza e
paixão, fortaleza e suavidade. deixou-se levar, passou os braços ao redor
de seu pescoço e se apertou contra ele enquanto uma corrente de emoções
descontroladas assaltavam seu corpo. Não havia sentido nada tão
maravilhoso em toda sua vida; nada tão excitante como a sensação de seus
lábios, de sua língua na boca. Os braços do conde pareciam de ferro a seu
redor, aumentando o fogo que sentia. Sem saber como, tremia.
Simón emitiu um estranho som gutural e a soltou de repente. Ato
seguido deu um passo atrás. Charity retrocedeu um pouco e procurou
apoio na poltrona. Não estava segura de que suas pernas a sustentaram.
Olhou-o durante um instante, atônita, com grandes olhos abertos, o rosto
ruborizado e lábios brilhantes.
O desejo fervia nas veias do Simón, e seu peito subia e descia pela
entrecortada respiração. Tinha-a beijado para demonstrar a exatidão de seu
ponto de vista, para assustá-la um pouco e para lhe ensinar o pouco que
sabia sobre o matrimônio que propunha. Entretanto, no preciso instante em
que seus lábios se uniram sentiu um fogo interior. Quis continuar com
aquele beijo e chegar mais longe. Sua boca tinha resultado ser muito doce;
seus seios, suaves e excitantes contra seu peito. Inclusive então, enquanto
contemplava seus lábios brilhantes e seus olhos inocentes, desejava abraçá-
la e beijá-la de novo. Mas não devia fazê-lo. Era muito inocente e jovem
para ele. Faria exatamente o que tinha pretendido que fizesse; assustaria-se
e sairia correndo dali. Não cabia melhor solução. E apesar disso, a paixão
que ardia em seu interior o animava a impedir sua marcha.
-Assim são os beijos dos homens? –perguntou ela.
Charity se passou a língua pelos lábios.
Simón se estremeceu ao contemplar o gesto, inconscientemente
sedutor.
-Sim –respondeu.
Teve que apertar os punhos para apartar-se dela.
-E isso é o que se faz depois do matrimônio para ter filhos?
-Muito mais que isso.
Charity abriu os olhos com surpresa. O conde supôs que se teria
horrorizado e que partiria imediatamente. Mas em lugar disso disse:
-Em tal caso, acredito que eu gostarei de muito o matrimônio.
Dure teve que tirar forças de fraqueza para manter a compostura.
Caminhou para a janela, olhou por volta do exterior durante uns segundos,
e depois se deu a volta de novo, rígido. Fez uma curta reverência e disse:
-Muito bem, senhorita Emerson, convenceu-me. Porei-me em
contato com seu pai esta mesma tarde para pedir sua mão.
Charity se acomodou no assento da calesa. Tinha a impressão de
estar flutuando. O conde a tinha beijado. Nunca tinha imaginado que
alguém pudesse beijar daquele modo. Ainda podia sentir seu corpo duro e
masculino; podia notar seus braços rodeando-a. Em teoria, ser abraçada
por um homem forte e grande, desconhecido para ela, devia ter sido uma
experiência terrível; na prática, tinha sido maravilhoso.
Sorriu para seus adentros e se levou um dedo à boca. Mais que um
beijo, tinha sido uma espécie de posse. Começava a compreender que as
relações entre homens e mulheres podiam ser muito satisfatórias, até então,
e apoiando-se nos matrimônios que conhecia, pensava que estavam
dominadas pelo aborrecimento. Muito poucos maridos e mulheres
pareciam compartilhar algo excitante.
Pensou que talvez os casais casados não tinham experiente nada
semelhante. Talvez Lorde Dure fora especial, diferente. Cabia a
possibilidade de que as emoções que tinha despertado nela só pudesse as
criar ele. Recordou as coisas que tinha comentado sua mãe, a respeito de
suas más companhias. Possivelmente, sua maravilhosa maneira de beijar
era algo que tinha aprendido em ambientes estranhos.
Fora como fosse, deu obrigado por isso e se estremeceu. Sabia que
não devia pensar naqueles términos, mas a fim de contas não se comportou
nunca como devia fazê-lo. Seu espírito não tinha sido jamais de caráter
delicado, tímido ou doce, e sua mãe se desesperava freqüentemente.
Charity não compreendia a razão de sua forma de ser; não se parecia com
suas irmãs, nem a quão jovens conhecia. E não entendia por que
assustavam tanto seus comentários.
Entretanto, Lorde Dure não se assustou pelo que lhe disse. Talvez
tinha sentido surpresa, mas não horror, nem desgosto. Como muito,
divertiu-se. Charity tinha notado seus sorrisos dissimulados e a risada que
continha com muita dificuldade. Desde a primeira vez que lhe viu,
espiando às escondidas com suas irmãs, soube que era um homem distinto
a outros. Belinda tinha comentado que parecia perigoso, mas nem sequer
então esteve de acordo. Seu rosto era duro e seu aspecto algo misterioso,
mas havia algo nele que a intrigava. Parecia estar cumprindo um dever
com sua irmã Serena, e acabava de confirmar a suspeita de que só queria
casar-se com ela para ter descendência. Por outra parte, tinha descoberto
que ser sua esposa não estaria tão mal. Não a assustava em modo algum,
embora se comportava com tal seriedade que se perguntou como seria
quando sonriera. Aquele dia, enquanto o espiava, oculta, começou a
desenvolver a idéia de casar-se com ele.
E agora ia conseguir o. Tinha aceito. Não a tinha expulso com
indignação, nem a tinha tratado como a uma menina tola. Bem ao
contrário. Tinha-a beijado.
A calesa se deteve uma maçã da casa de sua tia, e Charity seguiu a
pé o resto do caminho. Entrou na mansão por uma porta lateral e subiu até
seu dormitório. Por sorte, não se encontrou com seus pais.
Serena estava na habitação que ambas compartilhavam, sentada
junto à janela lendo um livro. Quando a viu entrar, levantou o olhar com
supremo alívio.
-Já está aqui… Onde te colocaste toda a manhã? Estava assustada.
dei todo tipo de desculpas a mamãe, embora não sabia se fazia bem.
-Fez muito bem. fui dar um passeio. O que pensava?
-Um passeio tão largo? Despertou esta manhã quando saiu. por que
te partiste que um modo tão furtivo se só se tratava de um simples passeio?
E aonde foste?
-Estive no Hyde Park, embora tema que passei muito tempo ali.
Sinto falta do campo, e… -notou que sua irmã não acreditava-. OH, bom.
Já vejo que me conhece muito bem. Fui a outro sítio, mas não posso te
dizer onde. Ainda não. Em primeiro lugar, tenho que me assegurar de que
meu plano funcione. Não quero que conceba falsas esperanças.
-Esperanças? O que estiveste fazendo? Será melhor que o diga.
Colocaste-ta em outra confusão?
Serena era uma jovem bastante formosa, de expressão agradável e
sorriso doce, embora então a olhava com o cenho franzido.
-É obvio que não –respondeu, indignada-. Faz muito tempo que não
me meto em confusões.
-Então, o que estiveste fazendo?
Charity não queria contar-lhe a sua irmã. Certamente se assustaria.
A Serena nunca lhe teria passado pela cabeça a possibilidade de fazer algo
tão escandaloso como visitar um homem em sua própria casa; se soubesse
não a teria perdoado, embora se livrasse com isso do matrimônio. Por isso,
tinha decidido não contar nada antes de atuar. Teria tentado impedi-lo a
toda costa, até o ponto, talvez, de chegar a pô-lo em conhecimento de seus
pais. Mas apesar de tudo, Charity não era o tipo de pessoa que evitasse os
conflitos. Suspirou, ergueu-se levemente e disse a verdade.
-fui ver lorde Dure para lhe pedir que não se casasse contigo.
Sugeri que em lugar disso tomasse como esposa.
Serena a olhou com assombro.
-Como? OH, não, não o repita. Entendi-o. Mas não posso acreditá-
lo. foste capaz de ir a sua casa?
-Em efeito.
Serena se ruborizou e se levou uma mão à bochecha, como se
queria reduzir o calor que sentia.
-Mas o que pensará de ti, e de mim? Como pudeste fazer uma coisa
semelhante?
Charity se mordeu o lábio inferior.
-Pensei que era o melhor. Está zangada comigo?
-O que disse? O que fez? enfureceu-se?
-Não, reagiu com bastante calma. De fato, acredito que se divertiu
bastante comigo. Sorriu e riu.
-OH, não –gemeu sua irmã, com os olhos fechados-. riu de nós? vai
contar se o a todo mundo? vamos ser o bobo de todo Londres?
-Absolutamente. É que perdeste a confiança em mim? Nunca
pulverizaria tais rumores sobre sua futura algema –espetou-. Aceitou casar-
se comigo em lugar de fazê-lo contigo.
Serena a olhou com grandes olhos abertos.
-O que? mostrou-se de acordo com essa farsa?
-Não é tal coisa! –protestou-. Foi um oferecimento razoável, e
como tal tomou. Disse que não queria casar-se com alguém que não queria
comprometer-se com ele, e que só desejava uma esposa para ter
descendência, como disse.
-Isso disse?
-Bom, com outras palavras –admitiu-. Mas esteve de acordo. Disse
que ficaria em contato com papai para pedir minha mão.
-Não posso acreditá-lo.
-É que pensa que nenhum homem quereria casar-se comigo,
embora não pretenda fazê-lo por amor?
-Não, claro que não. Há muitos homens que seriam felizes casando-
se contigo –assegurou com calidez-. É a mais formosa de todas, e se por
acaso fora pouco, também doce e generosa. Mas o conde de Dure, e depois
de ter atuado de forma tão impetuosa… Não posso acreditá-lo. Está segura
de que não jogou contigo, de que não tentou te fazer pagar seu
atrevimento?
Charity sentiu medo. Cabia a possibilidade de que sua irmã tivesse
razão. Imaginou o que aconteceria de ser certo. O conde repudiaria a sua
irmã, contaria o acontecido em todos os salões de Londres, e tanto elas
como sua família seriam objeto de mofa e escárnio em toda a capital.
-Não, claro que não. Não é tão cruel, nem tão orgulhoso.
-Eu o encontro bastante orgulhoso. E acredito que poderia chegar a
ser muito cruel. É um homem duro.
As duas irmãs se olharam.
-Não, nego-me a acreditá-lo. Foi sincero. Teve suas dúvidas. Disse-
me que era muito jovem, mas ao final o convenci.
Ao pensar no beijo que se deram se ruborizou. Pela primeira vez ,
perguntou-se se teria desfrutado tanto como ela, e se em tal caso não teria
sido o beijo o que o tinha convencido para casar-se. Serena não notou suas
dúvidas. Estava muito preocupada com a notícia, e a esperança e o medo
lutavam em seu interior.
-Poderia ser certo?
-claro que sim. Acredito no que disse. Não jogaria comigo, nem me
mentiria. Não acredito que seja um homem assim –declarou com certa
ansiedade-. Mas é possível que troque de opinião quando tiver tempo para
pensá-lo. Pode que dita que minha atuação foi muito escandalosa para
alguém que pretende ser sua futura mulher.
Serena caminhou para sua irmã e tomou pelos ombros.
-É a mulher mais doce do mundo. Qualquer homem estaria
orgulhoso de te ter como esposa. Não devi dizer o que hei dito. O medo me
empurrou a duvidar. Estava preocupada com ti, e quando disse que tinha
saído a vê-lo-o que tem feito não esteve bem, e eu gostaria que a próxima
vez pensasse melhor as coisas. Mas se o conde decide que não é apropriada
para ele, então será que não te merece. E se escolhe contar-lhe a todo
mundo, não será merecedor de nenhuma de nós.
Charity sorriu e abraçou a sua irmã.
-Obrigado, Serena. Entretanto, não pensemos no pior. Com um
pouco de sorte, resultará ser tal e como acredito que é –duvidou-. Serena,
fiz mau? Não está zangada comigo, verdade? Não querias te casar com o
conde, não é certo?
Serena a olhou, muito assombrada durante uns segundos para
responder.
-Não. Como pode perguntar um pouco parecido? Sabe o que sinto
pelo reverendo Woodson. Como poderia me casar com outro homem? Não
teria dado meu consentimento a essas bodas de não ter sido meu dever
como filha.
-Sei. Posso te perguntar algo mais?
-É obvio.
-Beijou-te o reverendo alguma vez?
Serena se ruborizou e baixou o olhar.
-Sei o que fizemos mau e que nossos pais não o teriam aprovado,
mas em certa ocasião, quando passeávamos pelo Lichfield Wash…
-Foi prazenteiro?
-Charity! Que tipo de perguntas são essas? –sorriu-. Sim, foi
prazenteiro. Senti-me como se estivesse voando.
Charity se relaxou.
-E o conde? Beijou-te alguma vez?
-Lorde Dure? Não, é obvio que não. Apenas nos conhecíamos.
-Mas foste casar te com ele. Não o pensou? Não tentou nada?
-Bom, beijou minha mão várias vezes, para despedir-se.
-Não refiro a isso, e sabe.
-Sim, sei. comportou-se sempre como um cavalheiro.
Charity suspeitava que com ela não tinha atuado de forma tão
cavalheiresca, parada apesar de tudo estava encantada.
As duas irmãs estiveram conversando durante várias horas. Cada
vez que ouviam uma carruagem se sobressaltavam, mas nenhum deles
resultou ser o do conde. Ninguém bateu na porta da mansão.
Passaram o momento escovando o cabelo do Charity. Com os anos
tinham adquirido o costume de cuidar o cabelo entre elas, porque não
tinham dinheiro para contratar a uma donzela. Com as pressas matinais,
Charity logo que tinha podido recolher o cabelo. Mas agora, sua irmã
Serena estava lhe fazendo um precioso recolhido, com uns quantos mechas
soltas.
Charity ficou um vestido de cor rosa pálido, que tinha pertencido a
Serena. olhou-se no espelho, contente com seu aspecto. Parecia maior,
mais atrativa e mais refinada.
Depois, não tinha nada que fazer salvo esperar. As dúvidas de sua
irmã a assaltavam, e quando apareceram Horatia e Belinda foi brusca com
elas, levada pelo nervosismo. Belinda disse algo inapropriado, e Charity
reagiu lhe arrojando uma almofada. Em questão de segundos, começaram a
brigar como colegialas. Ao final apareceu Elspeth. Era a única que possuía
uma habitação para ela sozinha, porque padecia insônia e a presença de
outra pessoa piorava seu estado.
-Despertaste-me –protestou em um sussurro-. Acabava de me
deitar... Doeu-me a cabeça todo o dia.
-Sinto muito, Ellie –disse Charity, embora seus olhos azuis
brilhavam com malícia.
Naquele momento apareceu uma das criadas de sua tia.
-Senhorita Charity, esperam-na no salão. E seu pai há dito que quer
vê-la imediatamente.
Charity olhou a Serena, que parecia tão emocionada como ela. O
conde tinha chegado.
Correu escada abaixo, sustentando as abas de seu vestido. Não
sabia se Dure se encontrava na mansão, mas não queria pensar em outra
coisa; até cabia a possibilidade de que se queixou ante seu pai por seu
comportamento. Em qualquer caso, suas dúvidas desapareceram quando
entrou na sala e observou aos dois homens, que se deram a volta.
Seu cabelo estava algo revolto, depois da briga com suas irmãs, e
seus olhos brilhavam. Simón a olhou e sorriu. Lytton Emerson a observou
com seriedade, com o mesmo rosto pétreo que tinha mostrado desde que o
conde de Dure lhe pedisse, sorpresivamente, a mão de sua terceira filha.
-Ah, Charity, está aí –sorriu.
Lytton estava inquieto. Serena era uma boa filha, e nunca se teria
negado a casar-se com o duque. Mas não estava seguro da reação que teria
Charity. Não em vão, não sabia que se conheciam já.
-Olá, pai.
A jovem olhou ao conde com fingida surpresa, como se não o
tivesse visto em toda sua vida.
-Charity, apresento a Lorde Dure. Ele... teve a bem pedir sua mão.
-Sim? –perguntou, com olhos muito abertos, olhando ao conde-.
Mas senhor, apenas me conhece. Como quereria casar-se comigo?
Simon fez um esforço para não sorrir. Olhou-a com seus olhos
escuros, que brilhavam divertidos.
-Vimo-nos de longe, senhorita Emerson, e desde a primeira ocasião
meu afeto esteve sempre com você.
-Por isso vejo, é homem de decisões rápidas.
-Em efeito –observou, caminhando para ela-. De fato, geralmente
sei o que quero.
Deteve-se ante ela, muito perto para o que impunha o protocolo
social.
-E bem, qual é sua resposta, senhorita Emerson?
-Qual poderia ser? Aceito.
-Acaba de me fazer um homem feliz –declarou com formalidade.
Tomou sua mão e a levou aos lábios. Charity se estremeceu ao
sentir o contato. Era um gesto comum, mas a calidez de seus lábios bastou
para desatar um sem-fim de emoções.
Não entendia que Serena tivesse experiente situações similares sem
sentir um pouco parecido. Mas de repente se alegrou de que não o tivesse
feito, e sua alegria aumentou ao recordar que nunca se beijaram.
Sentiu saudades sentir algo tão parecido ao ciúmes. Charity sempre
tinha sido uma jovem muito popular em todos os acontecimentos aos que
tinha assistido, mas jamais tinha sentido ciúmes de nenhum de seus
acompanhantes quando dançavam ou paqueravam com outra. Entretanto,
agora era consciente de que não queria compartilhar a aquele homem com
ninguém mais, nem sequer com sua querida irmã. Supôs que só se devia a
que ia ser seu marido.
-Devo partir –disse Simón-. Mas nos veremos logo. Gostaria de
assistir ao baile do Lady Rotterham, amanhã de noite?
-Não sei –respondeu ela.
-É obvio que assistirá –interveio seu pai-. Estará ali.
-Muito bem. Em tal caso. Contarei os minutos até então.
Dure se despediu de pai e filha e saiu da habitação.
Quando a porta principal se fechou, Lytton se voltou para sua filha
e arqueou as sobrancelhas.
-Entende algo?
Naquele momento apareceu sua mãe. Caroline Emerson ficou
boquiaberta ao descobrir que não era Serena, a não ser Charity, a que se
encontrava com o Lytton.
-Charity! Onde está sua irmã? O que aconteceu? Pensei que o
conde estava aqui.
-Esteve aqui –disse seu marido-. Acaba de pedir a mão do Charity.
Caroline demorou um segundos em assumir o acontecido.
-O que é o que tem feito, Charity? Como pudeste fazer algo assim a
sua própria irmã?
-Do que está falando? –perguntou Lytton, confuso.
-Não tenho feito nada, exceto salvar a de um matrimônio que não
desejava –se defendeu a jovem.
Charity queria muito a sua mãe, mas Caroline era uma mulher
estrita de idéias conservadoras, e com freqüência se enfrentavam.
-Como é possível que não deseje casar-se com o conde? –
perguntou a mulher, assombrada-. Seria condessa!
-Temo que não tenha interesse em sê-lo.
-Tolices! Só tenta encontrar uma desculpa para justificar o que tem
feito.
-Não tenho feito nada mau. Serena sabe, e o passa.
-O que acontece aqui? –perguntou Lytton-. Não compreendo nada.
-OH, Lytton. É evidente –respondeu sua esposa-. De algum modo,
Charity as arrumou para lhe roubar o noivo a Serena.
-Não o roubei! Limitei-me a pedir ao conde que se casasse comigo,
porque Serena não desejava ser sua esposa.
-Mas como...? –perguntou seu pai-. Não conhecia lorde Dure.
-Lytton, te cale –espetou Caroline-. Conheciam-se, embora não sei
como. De outro modo, como teria podido organizar esta farsa? Mas o que é
isso de que Serena não queria casar-se com o conde, Charity? Não me
disse nada.
-Não podia fazê-lo. Sabia o importante que resultava este
matrimônio para vós e para toda a família. Estava disposta a cumprir com
seu débito, tal e como sempre tem feito. Mas bem a seu pesar. Ambos
sabem, se é que ouvistes como chora pelas noites.
-Mas por que razão tinha que ser infeliz? –perguntou Lytton,
preocupado-. ia ser condessa. Dure não é velho, nem feio, nem está louco.
Sua família é excelente, e possui terras e riquezas. Teria tido tudo o que
desejasse.
-Exceto ao homem que ama.
Assim que falou, seus pais começaram a assaltá-la com todo tipo de
perguntas. Caroline se deixou cair sobre a poltrona mais próxima,
abanicándose com a mão e a ponto de deprimir-se.
-O que está ocorrendo aqui? –perguntou uma voz imperiosa.
A tia Ermintrude entrou na habitação, apoiando-se em um
fortificação.
Em realidade era a tia avó do Charity, a tia de seu pai, e a idade não
a tinha tratado bem. Estava muito avejentada e se por acaso fora pouco
tinha o costume de tingir o cabelo de cor avermelhada nada natural.
Caroline comentava freqüentemente que era uma relíquia dos tempos em
que as pessoas careciam de moral; deplorava a franqueza com a que falava.
Ermintrude, por sua parte, não tinha em major estima à mãe do Charity.
Mas queria muito a suas sobrinhas, razão pela qual tinha convidado a toda
a família a passar uns meses com ela, para poder apresentar em sociedade a
Serena e ao Elspeth.
Olhou a sua redor com irritação e perguntou:
-E bem? Alguém pensa me responder?
-Lorde Dure pediu minha mão –respondeu sua sobrinha.
-Sua mão! –exclamou, rendo-. Vá, vá. roubaste o noivo de Serena,
né?
-Não roubei tal coisa –protestou-. Bom, talvez sim, mas por uma
boa causa. Ela não queria casar-se com ele.
-Diz que está apaixonada por outro! –interveio Caroline-
olhou a sua filha como se todo fora culpa dela.
-De quem? –perguntou a anciã, com grande interesse.
-Do reverendo Woodson.
Por uma vez, a mãe do Charity pareceu ficar sem palavras. Tanto
ela como seu marido a olharam, boquiabertos.
-Ora, um padre –disse a tia Ermintrude-. Não podia encontrar a
alguém interessante? Não sei, um nobre deserdado, um foragido ou algo
assim.
-Um foragido? E como ia conhecer um foragido? –perguntou
Lytton.
-Por Deus, só estava brincando –interveio sua esposa-. Não é
possível que Serena queira casar-se com esse Woodson. Não tem um
penique.
-E se por acaso fora pouco é padre –observou Lytton-. Levará uma
vida muito aborrecida.
Charity riu.
-Tem razão, pai, mas é o que Serena quer. Não aspira à riqueza,
nem a certo nível social. Pretende casar-se com o reverendo Woodson
porque lhe ama.
-Pois terá que pensar em sua família –espetou Caroline-. Não pode
ser tão egoísta para casar-se com um pobre.
-por que não? –perguntou a jovem-. consegui uma boa partida. O
conde de Dure será, de todas formas, seu genro.
-É certo. E nos ofereceu uma generosa soma –observou seu pai, que
era um homem sem muito caráter-. Disse que não queria que tivéssemos
que subsistir com o dinheiro do Charity.
-Por outra parte, poderei me fazer carrego de minhas irmãs
pequenas, tal e como Serena teria feito –continuou Charity-. Quanto ao
Elspeth, poderá passar uns meses conosco no próximo ano, se não
encontrarem logo um marido para ela.
O rosto do Lytton se iluminou. Preferia viver no campo, com suas
caçadas e seus cavalos.
-Uma idéia brilhante. Poderíamos ficar no Siddley on the Marsh e
Charity se encarregaria de tudo. Sonha perfeito, Caroline.
-Já lhe vê, mãe. Não perdemos nada, e não há razão para que
Serena não possa casar-se com o homem que queira. Ama ao reverendo, e
seu amor é recíproco.
-Não terão estado cortejando-se a nossas costas... -disse Caroline.
-Não. Conhece muito bem a Serena. Não passaram que as palavras.
Ama-o, e não acredito que queira fazê-la tão desgraçada. Não seria feliz
casando-se com outra pessoa; agora que o conde vai casar se comigo,
negará-se a comprometer-se com outros pretendentes. E se se opõe ao
matrimônio, acabará solteira e amargurada.
-Deveu contar me insistiu isso sua mãe com obstinação-. Fez mal
em me ocultar isso -Ya –intervino la tía Ermintrude-. No la habrías
escuchado. De hecho, no te diste cuenta porque apenas la prestas atención.
Estabas demasiado ocupada con tus propios deseos, con lo que ibas a sacar
de esa boda.
-Já –interveio a tia Ermintrude-. Não a teria escutado. De fato, não
te deu conta porque apenas a dispostas atenção. Estava muito ocupada com
seus próprios desejos, com o que foste tirar dessas bodas.
Caroline fez gesto de responder, mas Charity interveio.
-Serena sabe que queriam que se casasse com um homem rico, de
modo que não protestou. Mas agora já não existe nenhum impedimento.
Por favor, mãe, permite que se case com o sacerdote.
Caroline suspirou.
-Muito bem, sempre e quando se presente ante seu pai quando
retornarmos e peça sua mão como Deus manda. Embora não compreendo
os motivos que possa ter Serena para querer viver uma vida sem estímulos
e na pobreza.
-Obrigado, mãe.
Charity se inclinou para diante e a beijou na bochecha.
-Ao menos tiveste o bom sentido de aceitar a proposição de Dure –
declarou sua mãe, muito mais alegre-. Vejamos, o que devemos fazer
agora? Terá que anunciar o compromisso nos periódicos, claro está...
Sua mãe começou a fazer todo tipo de planos para as grande bodas.
E Charity se deu a volta e subiu as escadas com a intenção de lhe dar a boa
notícia a Serena.
3
Simón se recostou no assento da carruagem enquanto avançava
pelas ruas de Londres. Pensou no Charity e no aspecto que tinha aquela
tarde, quando pediu sua mão. Enquanto ia de caminho para a casa não
deixava de perguntar-se se não ia cometer um terrível engano. Pensava que
era muito jovem, que apenas a conhecia. Era uma decisão muito impulsiva,
e para complicar as coisas o desejo que sentia por aquela mulher o
incomodava.
Não tinha intenção de envolver-se sentimentalmente em outro
matrimônio. Tinha aprendido a lição a primeira vez; deixar o coração em
mãos de outra pessoa era a melhor maneira de viver um inferno. Após,
tinha evitado a companhia das damas e o amor que pudessem oferecer.
Preferia relacionar-se com mulheres livres da escravidão das inibições.
Por desgraça, havia sentido tanto prazer ao beijar ao Charity que se
assustou.
Entretanto, todas suas dúvidas desapareceram quando a viu entrar
na habitação.
Não era precisamente a mulher que teria considerado ideal para
aquele tipo de matrimônio; possuía muita vitalidade e era imprevisível.
Contudo, depois de lhe conhecê-la parecia impossível poder casar-se com
outra pessoa, incluindo a sua irmã Serena; comparada com ela, todas as
demais pareciam aborrecidas e insustanciales, e suspeitava que a vida com
o Charity não seria nenhuma das duas coisas. Seria muito mais singelo ter
um herdeiro se fazer o amor resultava um prazer em lugar de uma penosa
obrigação.
Por outra parte, não havia risco algum de que se apaixonasse por
ela. Tinha aprendido a controlar suas emoções, e sabia que desejo e amor
não era a mesma coisa. Sem amor, o desejo desaparecia com rapidez. E
quando tivesse desaparecido ao menos manteria uma relação de
camaradagem com sua esposa para poder criar a seus filhos. Sorriu para
seus adentros ao pensar em um montão de meninos sorridentes, com olhos
azuis. Pela primeira vez, começava a pensar que o matrimônio poderia
resultar uma grande aventura.
A calesa se deteve frente a uma mansão. Simón saiu do veículo.
Não tinha ido em sua própria carruagem, posto que levava o escudo da
casa de Dure nas portas; era um homem discreto. Cruzou a rua e se dirigiu
para um edifício, pequeno mas bonito. Aquele bairro não era tão seleto
como a zona de Londres onde se levantava sua mansão, na rua Arlington,
mas em qualquer caso resultava agradável. Subiu as escadas, bateu na
porta, e se preparou para a cena que certamente ia ter lugar.
Fazia tempo que sabia que devia pôr fim a aquela relação. cansou-
se da Teodora tempo atrás; o desejo tinha desaparecido e seus excessos
emocionais começavam a cansá-lo. De fato, o teria feito com antecedência
de não ter sido porque pretendia evitar o espetáculo de seus protestos;
protestos que não se deveriam a nenhum amor não correspondido, porque
Teodora não o amava. Entretanto, não lhe agradaria perder o dinheiro.
O conde de Dure não podia continuar aquela relação, estando a
ponto de casar-se. Teria sido uma afronta para sua futura algema.
O mordomo abriu a porta e sorriu. Simón era o visitante melhor
recebido naquela casa.
-Me alegro de vê-lo, milord.
-Sommers... –saudou-o o entrar-. Está a senhora Graves em casa?
-Sim, milord.
Sommers o levou a salita de espera e saiu da habitação para
anunciar sua chegada.
Minutos mais tarde ouviu passos de mulher na escada. Teodora
apareceu em seguida.
-Simón, que surpresa.
-Theodora...
Simón agarrou sua mão direita e se inclinou para beijá-la.
Teodora Graves era uma mulher muito atrativa. Desde trinta anos
de idade, tratava-se de uma dessas mulheres cuja beleza se incrementava
com a idade. Sua pele era muito clara, em contraste com seu cabelo negro
e seus grandes olhos marrons. orgulhava-se dela, e sempre levava
vestidos de decote pronunciado e manga curta. Sempre estava mais atrativa
de noite, porque a luz das velas acentuava o brilho de sua pele e ocultava
qualquer possível enruga. Tinha por costume vestir-se com cores quentes;
amarelos, verdes e vermelhos escuros; e elegia vestidos que realçassem
seus preciosos seios e sua estreita cintura, rodeada com os típicos sutiãs.
mais de um admirador tinha comentado que era tão deliciosa como o
pecado.
Teodora não era em modo algum uma prostituta. Não pertencia à
alta sociedade; era a filha de um homem de negócios, que tinha conseguido
um marido de boa família graças a sua beleza. O homem, um oficial de
cavalaria, tinha morrido em Etiópia anos atrás. Freqüentava os círculos
militares apesar dos falatórios das mulheres mais conservadoras, que a
consideravam uma perdida; em todo caso, seus amigos não deixavam de
convidá-la a todo tipo de acontecimentos sociais.
Simón a tinha conhecido um ano antes. Desde o começo,
chamaram sua atenção sua desmesurada beleza e sua atitude; nesta última,
reconhecia a uma mulher livre, que julgava com acerto que amor e
matrimônio não eram a mesma coisa, mas também a uma mulher que
desejava ser mantida em troca de seus favores. Naquela época mantinha
uma relação com um jovem cavalheiro, mas possuía a suficiente
inteligência para compreender que Simón era muito melhor partida. Em
questão de semanas se livrou do jovem, e fazia meses que vivia graças ao
dinheiro do conde.
Teodora não apartou a mão quando Simón a beijou. Bem ao
contrário, deu um passo para diante e o beijou nos lábios. O conde
permaneceu inalterável, sem responder a seu afeto. Ato seguido, olhou
para a porta e disse:
-Os criados podem nos ver.
-OH, a quem lhe importam os criados? Não sabia que se
preocupassem essas coisas, meu amor.
Simón a olhou sem entender muito bem como não se deu conta
antes de quão falsa era seu sorriso. Em troca, o sorriso do Charity era real e
formosa como o brilho do sol, e duas covinhas iluminavam suas
bochechas, sem artifício algum. A comparação, em todo caso, foi mais
longe. A beleza do Charity resultava muito mais atraente que a
exuberância desmesurada da Teodora.
Separou-se dela, e seu amante correu a fechar a porta.
-Me alegro muito de verte. passou muito tempo da última vez que
nos vimos. Suponho que um coração solitário faz que o dias passem muito
mais devagar.
Teodora deixou de falar quando se deu a volta e viu que Simon se
sentou em uma poltrona, em lugar de ir ao sofá onde sempre começavam
suas cenas de amor. Fez um esforço por sorrir e caminhou para ele. No
passado, a teria abraçado com força; mas o conde não se moveu aquela
vez. Teodora compreendeu o que acontecia e se sentou a sua vez no sofá.
-Quer tomar o chá? –perguntou.
-Não. vim a te trazer isto.
Simón tirou uma caixa de sua jaqueta. Os olhos da Therodora
contemplaram com avidez o presente, que abriu com um sorriso. No
interior da cajita havia um precioso bracelete de safiras e diamantes.
-OH, Simón! –disse, assombrada-. É maravilhoso. Obrigado,
muitíssimas obrigado.
Tirou o bracelete da caixa e estendeu um braço.
-Ponha-me isso quer?
O conde obedeceu. Teodora moveu então o braço, para admirar o
brilho das jóias.
-Enganaste-me –disse ela-. Pensei que te tinha ofendido de algum
modo.
-Não, não me ofendeste. Mas tenho algo que te dizer. Suponho que
sabe que decidi me casar.
Teodora conteve a respiração e o olhou, esperançada. Simon estava
muito concentrado no que tinha que dizer para dar-se conta de sua reação.
-Acabo de me comprometer esta tarde. E por isso, temos que pôr
fim a nossa relação.
Esta vez a olhou. E quando o fez teve ocasião de contemplasse sua
palidez; olhava-o com grandes olhos abertos, estupefatos.
-Sinto-o –se apressou a dizer-. Já vejo que te surpreendeu. Não me
tinha dado conta... Pensei que sabia. Meio Londres sabe que estive
procurando uma esposa.
-Uma esposa! É obvio que sabia –se levantou, furiosa-. Tinha
pensado que... Mas você me ama!
Simón a olhou e se levantou. A cena que tanto temia se estava
produzindo.
-Não, nunca disse nada que te fizesse acreditar tal coisa. Estou
seguro disso. Jamais expressei palavra alguma de amor, nem insinuei que
nossa relação fora mais longe do simples prazer entre um homem e uma
mulher. Sabe muito bem. Foi plenamente consciente disso.
-Não pode me fazer algo assim –protestou, a ponto de chorar-.
Amo-te. Entreguei a ti, destroçando minha reputação, e tudo pelo amor que
sinto.
Simón apertou os lábios.
-Talvez esqueça ao William Pelling, e ao capitão de húsares com os
que esteve antes de me conhecer. Embora seja possível que a lista seja
mais larga e inclua nomes que não conheço.
-Insulta-me –espetou, com olhos furiosos.
-Só digo a verdade. Os dois recebemos o que queríamos. Nunca se
falou de amor, nem de matrimônio, e sabe. Se tiver estado te enganando a
ti mesma, sinto muito.
Teodora gritou de raiva, agarrou um vaso de cristal que se
encontrava à mão e o jogou contra a parede.
-Como te atreve! Nenhum homem se atreveu a me abandonar!
Então, começou a chorar e se deixou cair no sofá.
Apesar da irritação que produzia nele o que não era a não ser uma
simples atuação, excessivamente histriônica, cravou um joelho no chão e
tentou animá-la. A fim de contas tinham sido amantes durante muitos
meses, e ao menos ao princípio tinha existido certa tensão emocional entre
eles. Não lhe agradava lhe fazer danifico. Era consciente de que mentia ao
dizer que o amava, mas não desejava ferir seu orgulho.
-Vamos, Thea, não é tão mau como cria. Há outros muitos homens
em Londres que se alegrarão quando souberem que já não visito sua casa.
Pode escolher entre todos eles. Ninguém pensará que nossa separação se
deva a alguma tua carência. Sabem que vou casar me, e que insultaria a
minha futura algema se mantiver uma amante.
-Uma amante! –exclamou, vermelha de ira-. Teria podido ser sua
esposa! Essa bruxa me impediu isso. Quem é, se se pode saber?
Simón se levantou, molesto.
-Theodora, ninguém te tirou o posto. Não sou teu e não o fui nunca.
Não te dei motivos para pensar que nossa relação pudesse chegasse mais
longe. E em todo caso, terminou.
-Então, parte !Sal de minha casa!
Simón fez uma reverência e saiu da habitação. Theodora se
levantou, com os punhos apertados e respirando rapidamente. Agarrou uma
almofada do sofá e o arrojou, mas chocou contra a parede. Ato seguido fez
o mesmo com uma cajita de madeira, e com multidão de objetos que se
encontravam a seu alcance. Quando se tranqüilizou, deixou-se cair no
chão, tremendo.
A idéia de que pudesse abandoná-la de qualquer jeito a ultrajava.
Sobre tudo, porque sempre tinha pensado que dominava ao conde de Dure
com seus favores pessoais. Assombrava-lhe pensar que uma simples
jovencita sem sangre nas veias pudesse ocupar seu lugar, uma señoritinga
que certamente não poderia satisfazer suas necessidades sexuais.
Ao pensar no apaixonado e imaginativo que era na cama, sorriu.
Tinha conseguido satisfazê-la muito mais que o resto de seus amantes. À
margem do título e do dinheiro que possuía, suas habilidades amorosas
eram razão acrescentada para casar-se com ele. Estava segura de que
descobriria mais tarde ou mais cedo que sua esposa era uma mulher
aborrecida; e quando o fizesse, arrependeria-se de havê-la abandonado.
Satisfeita tinha tempo. Supunha que sua família e amigos o tinham
convencido para que se casasse com alguma aristocrata a que certamente
não desejava. Logo se aborreceria dela e sentiria falta da paixão que
tinham compartilhado.
Encantada com a idéia, levantou-se, secou as lágrimas de seu rosto
e se deixou levar pelos planos que ia concebendo. Aquela mesma noite,
Lady Rotterham celebrava uma de suas famosas festas. Supôs que Simón
assistiria com sua prometida. Teodora tinha sido convidada; durante os
meses passados, e obrigado a que associavam seu nome com o do conde,
recebia multidão de convites. Decidiu, portanto, que iria; desse modo
poderia conhecer sua inimizade. vestiria-se com seus melhores ornamentos
e passaria mais tempo do normal arrumando-se. Deixaria que Simón visse,
com seus próprios olhos, o que tinha perdido.
Belinda tentava fechar o espartilho do Charity.
-Expulsa todo o ar –disse com impaciência-. Ainda não é
suficiente.
Charity gemeu e elevou os olhos ao céu.
-Como que não é suficiente? Logo que posso respirar!
-Não é suficiente porque sua cintura é muito mais larga que a de
Serena. Não poderia te pôr seu vestido sem o espartilho.
Charity girou e olhou a sua irmã menor.
-Não tenho larga a cintura!
-Claro que não –interveio Serena-. Belinda te desculpe com sua
irmã. Tem uma figura maravilhosa, e sabe. É muito melhor ter curvas que
ser plaina como um tablón, como eu.
-Sinto-o –se desculpou Belinda, a contra gosto.
Serena pôs as mãos no espartilho e disse;
-Muito bem, Charity. Agora respira profundamente e exala todo o
ira.
Charity obedeceu e Serena se apressou a fechar o objeto, enquanto
Belinda atava as cuerdecillas.
-Já está! –disse Belinda, triunfante-. Já pode te pôr o vestido de
Serena.
-Sim, sempre e quando não respirasse –grunho Charity.
O muito estreito sutiã apenas lhe deixava respirar, e se por acaso
fora pouco elevava bastante seus seios, incomodando-a. Mas não podia
fazer outra coisa. Devia assistir ao baile do Lady Rotterham, e não tinha
mais remedeio que utilizar um dos vestidos de Serena.
Por desgraça, sua irmã era mais baixa e magra que ela, mas
Caroline tinha decidido que ficasse seu espartilho, e sapatos planos para
que ficasse bem o vestido. Em realidade, o resultado se assemelhava
bastante a um instrumento de tortura.
Suas irmãs recolheram o vestido branco de encaixe que tinham
deixado sobre a cama e o puseram. Serena arrumou as saias enquanto
Belinda grampeava a multidão de pequenos botões que tinha nas costas.
Horatia, a mais jovem das irmãs, descansava sobre a cama, com as pernas
cruzadas em uma atitude que sua mãe teria considerado pouco digna de
uma dama.
Quando Charity se olhou no espelho, pensou que a cor merecia a
pena.
-OH, Meu deus.
O branco cetim brilhava sob a luz, e o efeito dos encaixes
melhorava com muito sua imagem. O decote era baixo e redondo, e seus
braços apareciam nus. Seus seios, empurrados para cima pelo sutiã,
ameaçavam saindo-se ao menor movimento; sua cintura se reduziu até
parecer inexistente; e a saia caía como uma cascata.
Serena se tinha encarregado de seu cabelo. Tinha-lhe feito um
recolhido, decorado com falsas gardênias, e tinha deixado uns quantos
cachos em à parte dianteira, para que suavizassem seu rosto.
Os olhos do Charity brilharam ao contemplar seu reflexo. Parecia
major do que em realidade era, e muito mais formosa. Modesta, pensou
que o êxito se devia à habilidade de Serena e a seu vestido mais que a sua
própria beleza. O vestido resultava muito incômodo; o sutiã a espremia, a
estrutura interior da saia pesava muitíssimo, e lhe envergonhava mostrar
nus seus ombros e a parte superior de seus seios; mas apesar de todo o
levaria com grande alegria. Não em vão ia assistir a seu primeiro baile, e
seu aspecto resultava belo e refinado.
-Parece uma princesa de conto de fadas –declarou Horatia.
Charity sorriu.
Belinda franziu o cenho e se sentou junto a sua irmã.
-OH, Horatia, é tão menina...
-Não, é certo –protestou Serena, sonriendo-. Está muito bem. É
certo. Parece saída de um conto.
Elspeth comentou, em tom lúgubre:
-Com esse vestido vais agarrar te uma pneumonia, e não viverá
para ver o dia de suas bodas.
-Não diga tolices –disse Charity-. Sabe que não estive doente em
toda a vida.
-Sei.
Elspeth o disse sem prazer algum. Era da opinião de que uma saúde
excessiva era signo de baixa linhagem.
-Ninguém doente tanto como você –declarou Belinda, indiferente.
Elspeth arqueou as sobrancelhas.
-Digamos que algumas somos mais sensíveis e delicadas que
outras.
-Lhes cale já –ordenou Serena.
-Sentem inveja da beleza do Charity –explicou Horatia.
-Ja! –riu Belinda.
Elspeth se estremeceu de forma ostentosa.
-Que se case com ele se quiser. me assusta.
Charity olhou com irritação a sua irmã e disse:
-Não há nada que temer nele.
-Não? –perguntou Belinda, a que adorava as fofocas-. ouvi que é
um homem terrível.
-Tem reputação de mulherengo, é certo –admitiu Serena-. Mas
muitos homens a têm. E isso não quer dizer que não possa sentar a cabeça
e comportar-se como um marido exemplar.
-Não acredito.
-ouvi que matou a sua esposa.
-Sim, e que seu irmão também morreu de forma misteriosa, e que
obteve a herança graças a sua morte.
-OH, basta –protestou Charity-. Nosso pai me contou isso tudo. Há-
me dito que a primeira esposa do conde morreu ao dar a luz, e que seu
irmão morreu ao cair de seu cavalo. Não acredito que exista mistério
algum nisso.
-Sim, claro, mas o que fez que o cavalo o atirasse? –perguntou
Belinda, em tom sepulcral.
Os olhos do Charity brilharam com ira.
-Um buraco no chão, sem dúvida. Ou um pouco igualmente
inocente. Sinceramente, Belinda, excede-te ao emprestar ouvidos os
falatórios. Só são fofocas de pessoas que não têm nada melhor que fazer. E
que o conde não queira rebaixar-se a responder tais infâmias não quer dizer
que seja culpado.
-Seus olhos são frios –disse Elspeth-. E estou segura de que seu
coração também o é.
Charity pensou no fogo que tinha contemplado nos olhos do conde.
-Tolices! Não sabem do que estão falando. Não o conhecem
absolutamente.
-E você sim? –perguntou Belinda.
-Melhor que você. Ao menos falei com ele. Não sente saudades que
te olhe com frieza, Elspeth. Não duvido que, de te encontrar a seu lado,
comportaria-te como se fora a te matar. Isso bastaria para irritar a qualquer.
-Não sei por que o defende –espetou Elspeth com petulância-. A
fim de contas não lhes casarão por amor.
-vai ser meu marido! –exclamou, zangada-, e não penso permitir
que o julguem desse modo como não permitiria que fizessem nada
semelhante com nenhuma de vocês.
-OH, vá, parece que Charity acaba de encontrar outra boa causa
para lutar –riu Belinda.
-Ao menos é amável –disse Horaria.
Naquele momento apareceu sua mãe, que as olhou com frieza.
-Meninas, por favor! Basta de escândalo. Lhes pode ouvir de
abaixo. Por favor, tentem recordar que são senhoritas, não lavadeiras.
Voltou-se para o Charity e assentiu com aprovação.
-Está muito bem, carinho. Mas quero que recorde sua posição. Não
faça nada inapropriado esta noite.
-Sim, mãe –sorriu Charity.
Até os estritos maneiras da Carolina se suavizaram ante a calidez
daquele sorriso. Deu um passo adiante e a beijou na bochecha.
-Faz que esteja orgulhosa de ti. Imagine. Você, condessa.
Seus olhos brilharam com emoção durante um instante. Depois,
retrocedeu e disse:
-Vamos, garotas, já é hora. Seu pai nos espera abaixo.
Elspeth, Serena e Charity a seguiram, deixando atrás a Belinda e
Horaria. Charity baixou junto a Serena, fazendo o possível por manter a
compostura.
Quando Lytton Emerson as viu, declarou:
-Um grupo de verdadeiras belezas. Sere a inveja de todos os
homens esta noite, no baile.
A tia Ermintrude apareceu no alto das escadas, e se mostrou de
acordo com o comentário. Levava um vestido de cor arroxeado, com uma
fortuna em diamantes ao redor do pescoço e nas orelhas.
-Certo –disse-. Os Emerson sempre foram uma família de belezas.
Com exceção da prima Daphne, que tirou a cara de cavalo de sua mãe.
Caroline elevou os olhos ao céu, mas não disse nada. Ermintrude
baixou e inspecionou ao Charity.
-Está muito bem, querida. Tem o aspecto que deveria ter toda
futura condessa. O conde de Dure comerá de sua mão dentro de pouco.
-É necessário que utilize expressões tão vulgares todo o tempo? –
perguntou Carolina, antes de olhar de novo a sua filha-. Não estou muito
segura de que seja apropriado esse decote que leva. Não é muito atrevido
para uma jovencita?
-Tolices. É bom que mostre sua beleza –respondeu a tia
Ermintrude, assentindo com aprovação-. Além disso, comprometeu-se com
o conde e não terá que suportar moscardos.
As jovens tiveram que fazer um esforço para não rir ao escutar o
comentário de sua tia. Sua mãe as olhou.
-O vestido de Serena fica bastante pequeno –aduziu Charity,
tentando evitar uma batalha entre as duas mulheres.
Caroline se aproximou dela e atirou um pouco do vestido para que
cobrisse um pouco mais seus seios.
-Terá que te conformar com ele até que possamos te fazer mais
vestidos –suspirou-. Mas não te incline para diante, Charity.
-De acordo, mãe.
-OH, venha, não é nem a metade de atrevido que quão vestidos
levávamos quando eu era jovem –disse Ermintrude-. Lembrança certa
ocasião em que Lady Derwentwater, quer dizer, Phoebe, não essa horrível
criatura com a que se casou seu filho, ficou um vestido com decote tão
baixo que quase lhe podiam ver…
-Tia Ermintrude! Por favor. Tenha em conta que são umas meninas.
A tia Ermintrude riu.
-Como se não soubessem o que têm no peito! Como dizia, a pobre
Phoebe cometeu o engano de inclinar-se para agarrar um leque que tinha
deixado cair, e um de seus seios se saiu do vestido ali, diante de todo
mundo.
As moças a olharam com olhos muito abertos. Caroline grunhiu e
começou às empurrar para a porta dianteira.
-Acredito que já falaste muito, tia Ermintrude.
-E o que fez então? –perguntou Charity com curiosidade.
-Bom, Phoebe era fria como o gelo em qualquer circunstância.
levantou-se e resolveu o problema como se nada tivesse ocorrido. Mas
aquela anedota logo que foi um detalhe sem importância em comparação
com a noite em que se desataram os nós do sutiã do Mariana Vivier e …
Caroline a interrompeu, tirou suas filhas da casa e baixou as
escadas em direção à carruagem da tia Ermintrude, que estava esperando.
O carro estava algo antiquado, e as mulheres logo que cabiam em seu
interior com seus proeminentes vestidos.
-por que não vamos andando? –perguntou Charity com inocência-.
Só são duas maçãs.
Caroline e Ermintrude a olharam ao uníssono, escandalizadas.
-Uma dama deve chegar em carruagem! –exclamou a tia
Ermintrude.
-Simplesmente, é algo que não se faz nunca –explicou Carolina.
Charity se encolheu de ombros e permaneceu em silêncio. A
carruagem avançou pela rua e se uniu à larga linha de calesas que
esperavam no exterior da mansão do Lady Rotterham. Permaneceram
sentadas vinte minutos antes de que o veículo as deixasse ante a porta
principal, tempo que Charity ocupou em contemplar os vestidos e jóias das
mulheres que foram entrando, e que brilhavam sob a luz dos abajures.
Quando por fim desceram da carruagem e puderam entrar, tiveram
que esperar de novo no alto da enorme escalinata, enquanto os anfitriões
saudavam um a um, aos recém chegados. Por fim puderam entrar na sala
onde ia desenvolver se o baile, não sem antes deixar atrás uma sala mais
pequena onde conversavam animadamente umas quantas damas e
cavalheiros. O salão de baile, espaçoso e iluminado por três grandes
abajures de aranha, estava cheio de pessoas que dançavam no centro da
habitação ou falavam em seus extremos. Charity conteve a respiração ao
contemplar a beleza do cena. Era tal e como o tinha sonhado.
Seguiu a sua mãe e a sua tia Ermintrude para sentar-se em umas
poltronas vazias, imitando o rosto sério de sua irmã Serena. Mas seus olhos
não deixavam de contemplar aos ocupantes do salão. Não pôde ver o conde
de Dure. Talvez estivesse na salita amarela, onde se podia conversar em
um ambiente mais tranqüilo, ou tomando algum refrigério no piso inferior.
Podia estar em qualquer sítio, mas não podia deixar a sua mãe para sair
para buscá-lo.
Então, algo fez que girasse a cabeça para a porta. Talvez fora o
pequeno murmúrio que percorreu a multidão, ou a sensação de que alguém
a estava olhando. Imediatamente, ficou sem respiração e seu coração
começou a pulsar acelerado. Lorde Dure tinha entrado e se dirigia para ela.
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Simón levava camisa branca, traje negro e os obrigadas luvas
brancas de tais ocasiões. Ao Charity pareceu que estava muito atrativo.
Havia algo forte e vital nele, algo físico e profundo que o distinguia do
resto dos homens que se encontravam na mansão. Sorriu, com rosto
luminoso. Nem sequer se tinha dado conta de que todas as olhadas
convergiam sobre eles, incluindo as de muitas pessoas que estavam
dançando a valsa.
Simón a observou. Charity pôde contemplar o brilho de seus olhos
cinzas esverdeados. Em qualquer caso, falou primeiro com sua mãe,
seguindo o protocolo, e beijou sua mão. Depois, devia saudar o
Ermintrude, a Serena e ao Elspeth, antes de dirigir-se a sua prometida.
-Senhorita Emerson…
-Lorde Dure…
-Está radiante esta noite.
Os olhos do conde a observaram de cima abaixo com a intensidade
certamente imprópria, mas que ela adorou.
-Cracias, milord –sorriu-. Você também o está. Muito atrativo, sem
dúvida –duvidou-. Ou não deveria dizê-lo?
-Não se preocupe, não me ofenderei por isso –sorriu Simón.
Assim que a viu no salão, ficou assombrado. Não parecia
absolutamente a engenhosa jovem que tinha conhecido, a não ser uma
mulher refinada e formosa. E seu sorriso lhe tinha conferido, de algum
modo, uma espécie de maturidade que com antecedência não tinha notado.
Não pôde evitar contemplar seus seios e excitar-se, algo não muito
apropriado em tais circunstâncias.
Perguntou-se se sua prometida teria idéia de quão atrativa
resultava, com aquele vestido branco, virginal, com sua boca doce e seus
seios arredondados. Desejou permanecer ali, contemplando-a, e de repente
se surpreendeu pensando que talvez teria sido melhor que levasse algo
mais recatado, para defender a dos olhares dos homens.
-Quer dançar? –perguntou com formalidade.
A valsa tinha terminado e os casais se preparavam para a seguinte
peça.
-eu adoraria –respondeu com ingenuidade.
De forma instintiva olhou a sua mãe para obter permissão, e
Carolina assentiu. Charity aceitou o braço do conde e caminharam para o
centro da habitação.
A música começou. O conde fez uma ligeira reverência que Charity
devolveu. Ato seguido lhe pôs uma mão na cintura, agarrou a mão
esquerda de sua prometida, e começaram a dançar a valsa.
Charity já tinha dançado muitas vezes, em festas menos
importantes, mas aquela valsa foi algo muito especial. Simón era um
magnífico bailarino, a diferença dos homens com os que tinha dançado, e
entre seus braços se sentia como voando. A sensação resultava
maravilhosa; todo o resto tinha desaparecido de repente, como se só
existissem eles.
Charity se sobressaltou quando terminou a peça e se detiveram.
Uma vez mais, ambos fizeram uma leve reverencia.
-foi maravilhoso –observou ela.
Simón sorriu, com olhos brilhantes.
-Sério? Me alegro.
-OH, sim. Sempre sonhei com um pouco parecido.
-Cuidado. Elogia muito meu orgulho.
-Como se não soubesse o bom bailarino que é –riu.
-Confesso que me agrada ouvi-lo. Em qualquer caso, dançar com
você é muito fácil.
Desejou beijá-la, mas não eram nem o lugar nem o momento mais
apropriados.
Charity riu.
-Já vejo que também sabe dizer cumpridos –declarou, olhando a
seu redor-. Aonde vamos?
-É tradicional dar meia volta à sala, ao menos, depois de um baile.
Deixar a uma dama imediatamente seria tomado como um insulto, como se
não fora merecedora de atenção.
-OH. Acredito que terei que aprender muitas coisas. Mas me
ensinará, não é certo?
Olhou-o com incerteza. Lorde Dure não parecia um homem
paciente que pudesse tomá-la moléstia de ensinar as normas de cortesia a
ninguém.
Mas algo brilhou em seus escuros olhos.
-É obvio. eu adorarei lhe ensinar… muitas coisas.
Charity se estremeceu, embora não soube muito bem por que.
-Obrigado.
Uma vez mais ficou sem fôlego. Lhe teria gostado de poder
desfazer do espartilho.
-Ah, acabo de ver alguém que eu gostaria que conhecesse.
Veneza…
Simón se dirigiu para uma encantadora mulher, alta e atrativa, que
se encontrava com um homem ainda mais alto que ela, e igualmente loiro.
O casal se deu a volta para ouvir a vez do conde e ambos sorriram.
Veneza se aproximou de Lorde Dure e agarrou suas mãos antes de beijar
sua bochecha.
-Que tal estas, querido?
-Muito bem –respondeu-. Não preciso te perguntar o mesmo. Está
preciosa.
O homem loiro se uniu a eles e os saudou. Simón continuou
falando.
-Venetia, Ashford, eu gostaria de lhes apresentar a minha
prometida, a senhorita Charity Emerson. Charity, apresento a Veneza,
Lady Ashford, e a seu marido, Lorde Ashford.
Veneza os olhou com assombro.
-Brinca? Simón, não me havia dito que… Minha querida senhorita
Emerson, bem-vinda a nossa família. Por favor, perdoe minha surpresa.
Meu irmão levava tanto tempo só que pensei que não voltaria a casar-se.
-Encantado de conhecê-la –interveio Lorde Ashford, sonriendo-.
Bem-vinda à família.
Lorde Ashford era um homem atrativo, de aspecto tranqüilo, cujo
rosto denotava uma placidez surpreendente. voltou-se para seu cunhado e
disse:
-Felicidades, velho amigo.
Charity sorriu. Gostava do sorriso e os quentes olhos do Lady
Ashford. Temia que os familiares do conde pudessem ser tão estirados e
estritos como sua mãe, ou ainda mais, mas assim que viu a irmã do Simón
soube que era de sua aprovação.
Veneza se aproximou dela e sugeriu que se sentassem para
conversar.
-Eu gostaria de te conhecer melhor –a tuteó-. Estou segura de que
deve ser muito especial, se te escolheu meu irmão.
-Obrigado.
Caminharam para um balcão aberto onde havia duas cadeiras
vazias. Veneza era uma mulher tranqüila, inclusive algo tímida, e a
conversação demorou para surgir. Charity se encontrava algo tensa, mas
assim que se relaxou e esqueceu a necessidade inicial de causar uma boa
impressão começou a comentar todo tipo de coisas, como saía fazer. Em
pouco tempo se encontraram falando como velhas amigas. Falaram sobre
suas irmãs e inclusive ficaram de ver-se para ir às compras aquela mesma
semana. Charity confessou que se viu obrigada a ficar o vestido de sua
irmã aquela noite, e Veneza riu quando descreveu a cena do espartilho.
A irmã do conde se inclinou sobre ela e agarrou sua mão com
calidez.
-Me alegro de que vás casar te com o Simón. Merece ser feliz, e
acredito que o será contigo.
Charity supôs que Veneza acreditava que se casavam por amor.
-Farei o que possa para ser uma boa esposa.
-Sei. Simón é um bom homem, e também será um bom marido. Por
desgraça a vida foi dura com ele, e sei que às vezes parece algo distante.
Mas não deixe que isso se preocupe. Tem um bom coração.
-Sei.
-Bem –sorriu-. Esperava que soubesse.
As duas mulheres se levantaram. Não viram o Simón, de modo que
se dirigiram para o lugar onde se encontrava Carolina Emerson, que estava
conversando com outra mulher de sua idade. Enquanto se aproximavam,
Charity teve a impressão de que alguém a observava com intensidade.
Olhou a seus redor e seus olhos se detiveram em uma mulher que se
encontrava junto a um dos balcões, conversando com um homem alto, de
barba e olhos marrons. Aquela era a pessoa que a observava. E não apartou
a vista ao ser descoberta.
Charity a observou com igual curiosidade. Era uma mulher
preciosa, de impressionante figura, pele pálida e um ar misterioso. Seu
cabelo era quase negro. Levava um vestido de cetim marrom que deixava
ver uma generosa porção de seus seios, e ia coberta de magníficas jóias.
-Venetia, quem é essa mulher?
-Qual? Onde? –perguntou, seguindo seu olhar-. OH… ninguém.
Não a conheço –mentiu.
Charity olhou ao Lady Ashford com surpresa. Resultava evidente
que a tinha reconhecido. Sem compreender sua mentira, olhou de novo à
mulher antes de chegar à a altura de sua mãe.
Charity dançou com uns quantos jovens, até que apareceu Simón.
Dançaram um par de peças e ato seguido seu prometido a escoltou escada
abaixo para tomar um lanche. Mas Charity estava muito emocionada para
ter fome.
-Já vejo que você gosta do baile –disse ele, sonriendo.
-OH, sim. E a ti?
-Graças a meu título sou sempre bem-vindo. Mas eu não gosto dos
falatórios deste tipo de atos.
-OH.
-Não perguntaste sobre esses falatórios.
-Não, porque já as ouvi.
-E apesar de tudo quer te casar comigo?
-Não acredito o que dizem.
-De verdade?
Charity se encolheu de ombros.
-Meu pai me contou o que realmente tinha acontecido, e meu pai
nunca me mentiu.
-Pode que seu pai não conheça a verdade.
-Certo, mas em qualquer caso não teria acreditado o que dizem de
ti. Assim que te vi soube que não foi um assassino.
-Obrigado, querida.
-por que não diz a verdade, para acabar com as dúvidas?
O conde sorriu com sarcasmo.
-O que posso fazer? Entrar em uma festa e dizer que não sou um
assassino? Gritar que ao perder a meu irmão perdi parte de meu próprio
ser?
-Sinto-o muito –disse ela-. Falo muito, é um de meus piores
defeitos. Obviamente, não pode te defender de acusações que não são
diretas. Lutar contra um rumor resulta virtualmente impossível. Mas por
que lhe perseguem?
A expressão do Simón se endureceu.
-Tenho inimigos. Além disso, parte dos rumores são certos. joguei
e bebeu muito.
-E também se diz que é muito mulherengo.
Simon sorriu.
-Não deveria sabê-lo –brincou.
-Como poderia não sabê-lo? Ouvi-o em todas partes, desde que
começou a cortejar a Serena. É verdade que é um libertino?
Dure riu.
-Acredito que a conversação está derivando para temas algo
impróprios em uma dama.
-Não o duvido, mas é certo?
Simón a olhou e se perguntou se seria consciente do efeito que sua
beleza causava nele. Ao olhar seu corpo, desejou acariciar seus braços e
seu pescoço e introduzir as mãos pela parte superior do vestido, para poder
sentir a suavidade de sua pele.
-Digamos que sempre contei com o favor das mulheres.
-Me alegro. Não me teria gostado de me casar com um homem sem
experiência.
-tive muitas amantes, e evitei no possível a companhia das “boas”
damas.
-Porque lhe aborreciam?
-Às vezes –riu-. Mas não posso dizer o mesmo da mulher com a
que vou casar me.
Charity sorriu.
-Bem. Estarei encantada de te divertir.
Simón se surpreendia cada vez mais a si mesmo. Desejava tê-la sob
seu próprio teto. Desejava contemplar aquele brilhante sorriso ao outro
lado da mesa, quando tomassem o café da manhã; queria ouvir sua risada
nos corredores de sua casa; queria tê-la em sua cama, clara e doce sob seu
contato. perguntou-se se a faísca de paixão que tinham compartilhado se
estenderia também aos aspectos mais íntimos de sua relação, a diferença da
Sybilla, que sempre permanecia fria e tensa sob seus braços. Em seus
amantes tinha notado muitas vezes um paixão falso, e esperava que o seu
fora sincero.
Apartou o olhar, sobressaltado pelo desejo que sentia. Passar tanto
tempo com ela resultava perigoso. Quando pensou em casar-se, pensou que
seu noivado duraria ao menos um ano; não tinha pressa por ir ao altar. Mas
agora, a idéia adorava. Precisava casar-se imediatamente com ela se não
queria sofrer um verdadeiro inferno.
Charity se inclinou para diante e tocou seu braço, preocupada.
-Hei dito algo incorreto? Minha mãe diz que possuo uma
lamentável tendência a me deixar levar por frivolidades. Não devi
perguntar…
-Não –respondeu ele, com olhos brilhantes e intensos-. Não perca
nunca seu sentido da frivolidade. Não há nada mau em ti.
-Há quem estaria em desacordo –sorriu.
-Pode ser. Mas recorda que já não tem que fazer nada para agradá-
los.
-Só ante meu marido.
-Em efeito.
Charity o observou e uma estranha calidez invadiu seu corpo. ficou
sem fôlego. Desejou que a beijasse de novo, tal e como tinha feito em sua
casa. Sabia que tal pensamento talvez resultasse escandaloso em uma
dama, mas não pôde evitá-lo. Queria provar sua boca de novo, sentir seu
duro corpo. perguntou-se se o conde se surpreenderia ao sabê-lo.
Ao final, Simón apartou o olhar e disse:
-Acredito que deveria te levar com sua mãe.
Era o último lugar onde Charity queria encontrar-se. Lhe teria
gostado de sair ao jardim com seu prometido e lhe pedir que a beijasse em
algum rincão escuro da propriedade do Lady Rotterham. Entretanto, não se
atreveu.
-Muito bem.
Levantou-se e subiram as escadas de novo.
Quando se inclinou a recolher o leque que tinha deixado sobre uma
mesita, descobriu que baixo ele havia uma pequena nota. Surpreendida,
abriu o sobre, tirou o papel e o leu. Dizia assim: “Não se case com Dure,
ou se arrependerá”.
ficou geada. Durante um momento não compreendeu as palavras,
mas quando o fez uma intensa irritação a dominó. Alguém tentava
enfrentá-la a Lorde Dure, insinuando, sem dúvida, que a mataria. Primeiro
ficou pálida. E logo se ruborizou tanto pela ira que se sobressaltou.
-Charity? Ocorre algo?
-O que? OH.
Charity olhou a Dure e recordou onde se encontrava. Fechou a
palma sobre o papel e o atirou na taça que tinha utilizado. Não pensava
inquietar a seu prometido com o conteúdo daquela missiva, depois da
conversação que tinham mantido sobre os rumores que se ouviam.
-Não era nada, só um pedaço de papel.
-Mas parecia…
-Levantei-me muito depressa –mentiu-, e hei sentido um ligeiro
enjôo. Ou pode que tenha sido o ponche. Estava muito carregado para
mim.
Então, sorriu com alegria e o agarrou do braço.
Quando seu prometido a deixou em companhia de sua mãe, Charity
recife em um silêncio muito pouco comum nela. Dois jovens lhe pediram
que dançasse com eles, coisa que fez, mas sua mente se encontrava em
outra parte. Não podia deixar de pensar na nota que tinha encontrado.
Qualquer podia havê-la escrito enquanto se encontravam no piso inferior,
mas não suspeitava quem queria adverti-la sobre seu futuro marido.
Podia tratar-se de alguém que acreditasse nos rumores e que
estivesse sinceramente preocupado por seu futuro. Entretanto, não
acreditava assim. Havia algo malicioso em todo aquilo, um pouco dirigido
contra Dure. A fim de conta ela não conhecia ninguém naquele lugar, a
ninguém que pudesse lhe desejar nenhum mal; logo obviamente devia
tratar-se de um ataque contra o conde. Todo aquilo a enfurecia tanto que
lhe teria gostado que a pessoa responsável se enfrentasse a ela cara a cara.
-Charity…
Charity se sobressaltou e olhou a sua mãe.
-Meu deus, menina, no que estava pensando?
-Sinto muito, mãe. Queria algo?
-Só te apresentar ao senhor Faraday Reed –disse, fazendo um gesto
para um elegante e alto homem-. Senhor Reed, apresento a minha filha,
Charity.
-Senhorita Emerson, é um prazer conhecê-la.
Charity sorriu. Faraday Reed era um homem alto e magro, de
cabelo castanho, olhos inteligentes e barba e bigode muito cuidados. Era
atrativo, mas não podia comparar-se com o conde. Então recordou que se
tratava do homem que acompanhava à mulher que a tinha estado
observando.
Sua curiosidade cresceu. Queria conhecer o nome daquela mulher;
havia certo mistério ao redor de sua beleza, suspeitava que existia alguma
razão no interesse que demonstrava para ela. A reação de Veneza,
certamente estranha, tinha incrementado sua curiosidade.
Em qualquer caso, não podia encontrar uma forma de lhe perguntar
ao respeito enquanto se encontrassem com sua mãe.
-O senhor Reed está casado com o Lady Frances Reeed. Conheci-a
em casa dos Atherton. Suponho que recordará ao Lady Atherton, carinho.
É minha segunda prima.
-Sim, mãe –murmurou.
-Esperava que me fizesse a honra de dançar comigo, senhorita
Emerson –disse o indivíduo-. Já pedi permissão a sua mãe.
-É obvio, senhor Reed.
Charity encontrou que a ocasião era perfeita para afastar-se do
Caroline e descobrir o que pretendia, de modo que deixou que a levasse a
zona onde estavam dançando.
Faraday Reed resultou ser tão bom bailarino como Lorde Dure,
embora não sentia em modo algum as mesmas emoções em seus braços.
-Não tinha tido o prazer de vê-la com antecedência –declarou ele,
com olhos quentes-. Não posso acreditar que sua beleza me tenha passado
desapercebida.
Charity arqueou uma sobrancelha ante o completo, tentando
encontrar uma boa resposta. Ao fim e ao cabo, sua mãe havia dito que se
tratava de um homem casado. Parecia-lhe estranho que paquerasse com
ela, mas ou conhecia os costumes de Londres, e cabia a possibilidade de
que fora algo normal.
-Esta é minha primeira festa –admitiu.
-São certos os rumores que ouvi? vai casar se com Lorde Dure?
-É certo. Pediu minha mão e eu aceitei. Se isso for o que dizem os
rumores, é certo.
Reed a olhou com tristeza.
-Em tal caso, haverá muitos corações quebrados na cidade quando
se souber.
Charity sorriu.
-Mas imagino que não o seu, senhor Reed. Conforme acredito, está
casado.
-Certo, senhorita Emerson. Entretanto, uma beleza tão notável não
pode acontecer desapercebida ante nenhum homem –sorriu.
Charity riu. Estava segura de que aqueles truques resultavam muito
úteis para ganhar o afeto de outras mulheres, mas com ela não serviam;
parecia-lhe, como muito, algo cômico. Abandonou o tema de conversação
e tirou colação a pergunta que tanto a inquietava.
-Recentemente o vi com uma mulher muito formosa. Tinha o
cabelo negro, e a pele muito clara.
-Ah –disse, com um sorriso-. Suponho que devia ser a senhora
Graves.
-Tive a sensação de que me estava observando.
-Imagino que terá sentido o mesmo muitas vezes, esta noite. É
encantadora, jovem, e desconhecida. É lógico que a olhem.
Charity quis dizer algo, mas ao olhar para o fundo observou que
Lorde Dure se abria passo para eles com rosto zangado e tenso. O conde
chegou a sua altura em questão de segundos. Quando o fez, separou-a do
Reed. Charity olhou a seu prometido com assombro. Seus olhos brilhavam
com fúria.
-Que estas diabos fazendo? –perguntou ao Charity, antes de dirigir-
se ao outro homem-. Deixe em paz à senhorita Emerson.
Dure se deu a volta e se levou a sua prometida. Charity o seguiu,
muito assombrada para poder reagir; mas quando se afastaram uns passos
conseguiu fazê-lo.
-Como te atreveste a fazer algo assim? –perguntou, irritada.
Todo mundo os olhava.
-Não volte a dançar com esse homem. Nem a falar com ele. A
partir de agora, evita-o.
-Como? por que?
-Não deveria conhecê-lo –espetou-. Vamos, levarei-te com sua
mãe.
Charity levantou o queixo, orgulhosa.
-Não. me solte imediatamente. Pode que esse homem você não
goste, mas eu não sou sua criada. Não pode me dar ordens como se o fora.
Deu-se a volta e se afastou para a multidão, que observava a cena
com interesse. O conde a seguiu e a alcançou quando tinha chegado à porta
do salão. Agarrou-a do braço com força, para que não pudesse escapar, e a
separou do resto dos convidados. Charity o seguiu. Não queria fazer uma
cena em público, por indignada que estivesse.
Ao final, o conde encontrou um lugar tranqüilo na biblioteca, onde
não havia ninguém. Entraram e fechou a porta a suas costas.
Imediatamente acendeu a luz e sua prometida se separou dele. Caminhou
para o centro do estadia e o olhou.
-Como te atreve!
-Sou seu marido.
-Ainda não! E não o será se seu comportamento de esta noite é
habitual em ti. Está louco.
O conde a olhou com expressão pétrea.
-Absolutamente. Tenho boas razões para te advertir que não te
relacione com o Faraday Reed.
-E para me humilhar acima de tudo o mundo?
-Humilhaste-te você mesma ao deixar que dançasse contigo, ao rir
com ele e ao te deixar enrolar por seus truques como uma simples donzela.
-Como?
-Já me ouviste. A partir de agora, não voltará a vê-lo.
-Farei-o se assim quero.
-Não –disse com voz implacável-. Não admitirei tal desobediência
de minha futura algema.
-Em tal caso, não me surpreende que não te tenha casado em todo
este tempo.
Charity começou a caminhar de um lado a outro, com os punhos
apertados. Queria gritar, golpeá-lo, fazer algo que reduje a indignação e a
dor que sentia.
-Não sou sua pulseira, nem o serei se me caso contigo.
A possibilidade que insinuava de que não chegassem a casar
despertou nele o mesmo ciúmes que tinha sentido ao vê-la em companhia
do Reed. Naquele instante tinha desejado lhe dar um bom murro, e teve
que conter-se par limitar sua fúria e levar-se a sua prometida. Entretanto,
agora sentia algo muito diferente. A beleza do Charity o confundia.
-Comprometeste-te comigo.
-Os compromissos podem romper-se.
Charity se deu a volta e caminhou com rapidez para ele. Suas
bochechas tinham adquirido uma tonalidade avermelhada pela raiva, e seus
olhos brilhavam.
-Não penso deixar que me trate como a um cão –continuou-. Não
sou seu cão, embora comece a duvidar que pudesse tratar melhor a um
animal que a sua própria esposa.
-Asseguro-te que tratarei a minha esposa com a cortesia adequada –
disse entre dentes.
Charity se deteve. Havia uma expressão estranha em seu rosto; não
se tratava exatamente de fúria, mas sim de um pouco mais profundo. Os
músculos de sua mandíbula se suavizaram, e contemplava seus seios com
calor. De repente, sentiu um estranho enjôo.
Simón se aproximou dela e a atraiu para si, rodeando-a com seus
braços. Depois, inclinou-se e a beijou.
Foi um beijo apaixonado e exigente. Charity deixou escapar um
gemido, embora não soube muito bem se de protesto ou de prazer. Os
braços do conde se fecharam com mais força sobre seu corpo, apertando-a
contra seu dura peito, enquanto a devorava com a boca. Quase não tinha
fôlego.
Presa do pânico, quis apartar-se. Mas seus esforços não serviram de
nada contra a força de seu desejo e de seus músculos. E então, de repente,
a escuridão a rodeou.
Suspirou e se deprimiu em seus braços.
5
Durante um instante, Simón se limitou a olhá-la com assombro.
Sustentou-a como pôde, enquanto o temor o atravessava como uma faca de
gelo.
-OH, Meu deus. Charity… meu Deus, o que tenho feito?
Levou-a fazia o sofá, onde a deixou. Apoiou sua cabeça em umas
almofadas e se ajoelhou junto a ela. Depois começou a acariciar suas
bonecas com suavidade, sem deixar de contemplar seu pálido rosto.
-Charity, por favor… -beijou sua mão, sentindo-se culpado-.
Acordada. Sinto muito. Não queria te fazer danifico. me acredite, por
favor, nunca te faria mal. Estava tão preciosa, te enfrentando a mim… não
pude evitá-lo. Não o pensei.
Charity abriu os olhos e o olhou. Simón suspirou aliviado.
-Graças a Deus. Pu-me furioso quando vi que dançava com ele. É
tão jovem e inocente… Não tem idéia do que alguém assim pode te fazer.
Mas não devi te tirar dali desse modo. me perdoe. Em geral, demonstro
muito mais controle sobre minhas emoções. Prometo-te que não voltará a
acontecer.
Charity riu com debilidade.
-Não? –brincou, sonriendo.
O conde a olhou com assombro.
-Não está zangada comigo?
-claro que sim –respondeu, sem deixar de sorrir-. Comportou-te de
forma grosseira, como um tirano. Não acredito que eu goste dessa atitude
em um marido.
-Nem eu estou seguro de que eu gostasse de ser esse tipo de
marido. Atuei sem pensar.
O conde acariciou sua frente. A pele do Charity era suave como
pétalas de rosa.
-Sinto te haver feito mal. Normalmente não sou um amante tão
inepto.
Charity sorriu, e as covinhas de costume se formaram em suas
bochechas.
-Não me deprimi porque te comportasse de forma inadequada.
Bom, não exatamente.
-O que quer dizer?
-Deprimi-me porque não podia respirar. Em parte porque me
abraçava com muita força, e em parte porque estive dançando e me
encontrava sem fôlego. Depois, e se por acaso fora pouco, zanguei-me
tanto contigo que me deprimi.
-Deprimiu-te porque estava zangada?
-Não exatamente. Minha mãe me mataria se ouvisse que te digo
algo assim, mas o certo é que não podia respirar porque meu sutiã está
muito apertado.
-Como?
-O espartilho. Não tinha um vestido para assistir ao baile, de modo
que tive que me pôr um de Serena. Mas minha irmã é mais magra, e não
teria podido utilizá-lo sem apertar em excesso o espartilho.
Simón contemplou seus seios, impelidos para cima pelo sutiã.
-Já vejo.
O conde sentiu uma estranha secura em sua boca. Seu olhar se
posou em sua cintura, imensamente pequena, e passou uma mão sobre seu
estômago. Podia sentir o duro e tenso objeto.
-Eu não gosto que torture seu corpo desse modo –declarou,
observando-a com olhos acesos-. É muito formosa e não precisa conter a
respiração para reduzir o tamanho de sua cintura. Não volte a te pôr esse
espartilho.
Acariciou seu abdômen com suavidade. O cetim estava frio e suave
sob sua mão. Charity riu. Seu contato despertava nela emocione
desconhecidas até então; sabia que seu prometido não devia tocar a
daquele modo, mas a sensação era muito maravilhosa para detê-la. Logo
que notou que lhe tinha dado uma ordem.
Inquieta, acertou a dizer:
-Para ti é fácil dizê-lo, mas se não levasse espartilho o vestido
estalaria.
Simón contemplou seus seios, uma vez mais.
-Eu diria que corre perigo de fazê-lo estalar de todas formas.
A idéia não lhe desgostou. Sua voz soava cálida e sensual, e
Charity fechou os olhos para deixar-se levar pelo prazer que sentia.
-Milord –disse.
Simón a olhou. Tinha fechado os olhos e sua boca aparecia úmida e
prometedora. Reconhecia em sua expressão os signos do amor, e se
excitou. Quase de forma experimental acariciou um de seus seios, e como
recompensa recebeu um gemido de evidente satisfação.
-Acredito que já que começamos a tutearnos deveria deixar de me
chamar “milord”.
-Simón…
Ao escutar seu nome sentiu certa tensão entre suas pernas. Não
pôde evitar inclinar-se sobre ela e beijá-la. Charity não resistiu; de fato,
passou os braços ao redor de seu pescoço e devolveu o beijo. Simón
gemeu, apaixonado. Sua língua se introduziu na boca de sua prometida,
faminta. Era doce como o mel, e o desejo o dominou por completo. Quase
esperou que Charity se apartasse, talvez indignada, mas não só não o fez,
mas também a língua da jovem também começou a brincar com a sua. O
conde acariciou então seus seios.
A resposta de sua prometida deu asas ao desejo do Simón. Beijou-a
uma e outra vez, apartando-se só para poder beijá-la de novo. Charity se
apertou contra ele, emitindo leves gemidos cada vez que suas mãos
despertavam nela outra quebra de onda de prazer. Não tinha imaginado que
o amor pudesse ser algo tão maravilhoso. Apertou as pernas com força,
consciente da estranha sensação que a dominava, e começou a mover os
quadris de forma inconsciente. Queria que a tocasse ali, entre suas coxas, e
a idéia lhe pareceu tão licenciosa que se assustou. perguntou-se o que teria
pensado Simón de conhecer seus pensamentos. Mas para então o conde
tinha começado a beijar seu pescoço, descendo para seus seios, e retornou
à realidade.
-Simón…
Charity brincou com seu cabelo. Sua respiração era acelerada, e
não deixava de mover as pernas, sem descanso. A paixão governava todos
os atos da jovem, mas era algo tão novo para ela que logo que podia
identificar o que sentia.
Simón, muito mais perito, desatou seu jovem desejo. Desejava-a
tanto que tremia sob a força de tanto desejo. Murmurou seu nome,
enquanto beijava seus seios. Aquela suavidade deliciosa era quase
excessiva para ele, e colocou a cara entre eles para capturar seu aroma.
-Charity, OH, Charity…
Separou-se dela como empurrado por uma mola, e Charity tentou
impedir-lhe La joven abrió los ojos y lo miró.
-Não, espera, Simón…
A jovem abriu os olhos e o olhou.
Simón gemeu e se passou as mãos pelo cabelo, tentando
tranqüilizar-se. Sabia que estava a ponto de deslizar-se por um pendente
sem retorno.
-OH, Meu deus, o que estou fazendo? –perguntou-se.
O conde se levantou e começou a caminhar de um lado a outro,
contendo-se com muita dificuldade. Charity se incorporou no sofá e se
sentou. Seu coração pulsava a toda velocidade, presa de emoções que não
compreendia. disse-se que tinha atuado mal ao deixar-se levar daquele
modo, mas não se arrependia. Todo seu corpo desejava ao Simon.
Entretanto, o conde se apartou dela. Presa de sua inocência, chegou
a pensar que tal veja se excedeu, comportando-se como uma mulher fácil.
Sua mãe sempre dizia que um homem desejava ter a uma dama como
esposa. Acreditou então que tinha atuado de forma inapropriada. arrumou-
se um pouco o vestido e observou a seu prometido, que é seguida se deu a
volta, pálido.
-Me perdoe –disse ele-. Não deveu acontecer algo assim.
Charity sentiu que o mundo lhe vinha em cima. O conde parecia
um desconhecido, que desaprovava seu comportamento.
-Sinto-o –disse ela, apartando o olhar-. Incomodei-te? Sei que…
-Não –disse ele.
Sentou-se a seu lado, no sofá, e agarrou uma de suas mãos. Charity
pôde sentir seu intenso calor. Olhou-o de novo e viu que seus olhos
brilhavam com tanta intensidade como antes. Imediatamente,
experimentou um grande alívio; não o tinha aborrecido. Sorriu e
contemplou seus lábios.
-Não tem feito nada mau. Asseguro-te que nada do que pudesse
fazer me incomodaria. fui eu o que cometeu um engano. atuei como um
canalha, me aproveitando de sua inocência. Não devi te trazer para esta
habitação, nem tentar…
Seu olhar se deteve sobre seus seios. Sentia uma atração tão
dilaceradora que teve que se levantar de novo e esclarecê-la garganta para
poder continuar.
-Não devi me deixar levar por meu desejo.
-Mas se for ser meu marido.
-Inclusive assim não tenho direito ao Charity, se tivesse seguido
uns minutos mais não teria sido capaz de me deter. devi perder o sentido
comum. A porta esta aberta. Qualquer poderia ter entrado de improviso e
teria arruinado sua reputação.
-OH. E então não teria podido te casar comigo.
O conde a olhou, surpreso.
-Por Deus, claro que sim. Como pode pensar algo assim? Me teria
casado contigo. Não sou um vilão.
-Mas se minha reputação estivesse arruinada, não poderia ser
condessa de Dure.
-Me teria casado contigo em qualquer caso –disse entre dentes-.
Mas não acredito que te tivesse agradado muito que todo mundo
murmurasse sobre ti.
-É certo. Têm razão. cometemos um engano –sorriu-. Mas não
aconteceu nada. Não entrou ninguém, e estamos a salvo. No futuro,
seremos mais cuidadosos.
-Não haverá futuro. Bom, quero dizer que isto não se repetirá. perdi
o controle, mas não voltará a acontecer.
-Claro, milord –suspirou ela, decepcionada.
-Outra vez me chama “milord”? –perguntou, sonriendo-. Tinha
avançado muito ao conseguir que me chamasse por meu nome.
-Pensei que soaria muito íntimo.
-Eu gosto de como o diz.
Caminhou para ela e a ajudou a levantar-se. Depois, agarrou sua
cara entre as mãos e a olhou com intensidade.
-Espero com ansiedade o momento em que tenhamos a intimidade
necessária, querida. Quando for minha esposa repetiremos o acontecido
esta noite, e muito mais.
Os olhos do Charity se obscureceram com sensualidade.
-Me alegro de ouvi-lo.
Simón respirou profundamente e acariciou seu pescoço.
-Certamente, resulta muito tentadora. Entretanto, prometi-me que
não voltarei a me deixar levar. Retorna ao salão. Tenho que partir.
Então, deu-se a volta e caminhou para a porta. Mas antes de sair a
olhou e disse:
-Quando chegar nossa noite de bodas, prometo-te que será uma
experiência larga e muito satisfatória.
Segundos depois de que desaparecesse, Charity se deixou cair no
sofá. De repente, suas pernas se negaram a sustentá-la.
Simón tinha intenção de manter uma breve conversação com o
Faraday Reed antes de partir do baile; estava disposto a enfrentar-se a ele.
Mas quando avançava pelo corredor viu que Reed se encontrava com a
Teodora Graves, conversando. A mulher sorria, abanicándose com
frouxidão, enquanto o homem contemplava seu profundo decote. Simón
tinha notado a presença de seu antiga amante assim que chegou à festa, e
se alarmou. Temia que tivesse ido ali para acossar a sua prometida. A
Teodora adorava as cenas teatrais, e não duvidava que a presença de
público não impediria que desse um de seus espetáculos. No referente a
ele, pouco lhe importava; fazia tempo que não lhe preocupava o que outros
pensassem. Mas quando pensava que aquela mulher podia humilhar ao
Charity o dominava uma ira profunda. Suspeitado de suas intenções,
observou-a com atenção para sair em ajuda de seu prometida chegado o
caso.
Mas não foi necessário. Simón supôs que só se apresentou com a
intenção de pô-lo ciumento, algo que em nenhum caso podia conseguir.
Com o Reed tinha encontrado a fôrma de seu sapato. Faraday certamente
se estaria perguntando pelo valor do colar de diamantes que levava a
pescoço.
Ao partir não olhou para trás, razão pela qual não pôde notar que
Reed o observava com gesto de rancor. Mas sua expressão se transformou
em seguida, adotando seu habitual encanto, ao voltar-se para a mulher que
o acompanhava. Não gostava de muito Teodora, embora imaginava que em
pouco tempo teria a oportunidade de gozar de seus favores. Em troca,
agradava-lhe deitar-se com uma das amantes do Simon. Já o tinha feito
com antecedência, e sempre sentindo uma grande satisfação. Satisfação
que se multiplicaria de poder deitando-se com sua prometida antes do
próprio conde.
Estava seguro de poder consegui-lo. Confiava ao máximo em sua
habilidade com as mulheres; e se seus estratagemas não sortiam efeito,
sempre podia forçá-la. Entretanto, aquilo deveria esperar. No momento
desejava uma vingança imediata, para livrar do mau sabor de boca que
sempre sentia quando via o Simón.
depois de pensá-lo uns segundos, teve uma idéia. Seria divertido, e
útil. desculpou-se ante a Teodora e retornou ao salão, até encontrar com o
olhar à pessoa que procurava. Esperou uns minutos até que se encontrou a
sós, e então saiu em sua busca.
-Lady Ashford! –disse com fingida surpresa.
A irmã do Simón se deteve.
-Senhor Reed…
Veneza tentou continuar seu caminho, mas Reed o impediu.
-Não tente me evitar tão depressa –disse-. Lembrança que em certa
ocasião não o fez.
-Então era uma jovem incauta. Mas já não o sou.
-Ofende-me. Recordo com grande carinho aquela experiência. Em
realidade, guardo lembranças daquela época.
Veneza o olhou, pálida.
-A que se refere?
-A uns poucos objetos sem importância. Umas cartas e um anel.
Estou seguro de que o recordará.
-Ainda as tem? –perguntou, ruborizada.
-É obvio –sorriu-. Sou um homem sensível. Sinto-me melhor as
lendo de vez em quando.
-O que pretende?
-Eu? –perguntou, com fingida inocência-. O que poderia pretender
de você? A fim de contas é uma mulher felizmente casada. Não conheço
seu marido, mas é possível que tenha o prazer no futuro. Temos muitas
coisas em comum, e estou seguro de que poderíamos falar comprido e
tendido.
-Com exceção de se de meu caminho –disse furiosa, em voz baixa-.
E não volte a cruzar-se nele.
-É obvio, milady.
Reed se apartou e fez uma exagerada reverência. Veneza seguiu
andando sem olhar atrás. Apertava os punhos com força para que não se
notasse que estava tremendo. Faraday a observou na distância, com um
sorriso nos lábios.
Faraday Reed ficou em contato com os Emerson ao dia seguinte;
tinha conseguido enganar a Carolina com seus encantos. Por desgraça já
estava casado, mas isso carecia de importância agora que ia casar a suas
filhas. Encontrava-o encantador, atrativo e muito versado em todo tipo de
assuntos sociais, de modo que em pouco tempo foi sempre bem-vindo na
casa.
Charity preferiu não contar a sua mãe a reação que tinha tido o
conde à vela em companhia daquele homem. Caroline teria impedido a
entrada do Reed imediatamente, por muito que gostasse, porque não podia
permitir o luxo de ofender ao conde de Dure. E Charity não queria obrigá-
la a isso.
Em realidade, não lhe interessava muito o senhor Reed. Era bom
conversador, divertido, e muito amável, embora em ocasiões se
ultrapassava com suas cuidados. Mas não podia comparar-se com o Simón,
muito mais atrativo e excitante, e cuja presença desatava todo tipo de
emoções em seu interior. A seu lado, Faraday Reed parecia aborrecido. Em
qualquer caso, deixava que Reed paquerasse com ela como uma maneira
de demonstrar-se a si mesmo que não obedecia as ordens de seu futuro
algemo; desculpou-se ante ela pela maneira que tinha tido de tirá-la do
salão de baile, mas não tinha retirado nenhuma de suas imposições. Charity
não via razão para obedecê-lo, porque sentaria um perigoso precedente. De
modo que não evitava ao senhor Reed em suas visitas, nem se incomodou
em comentar a sua mãe o acontecido.
Poucos dias depois da festa, o senhor Reed convidou ao Charity a
dar um passeio pelo Hyde Park. Obteve a permissão de sua mãe, que
considerou que não haveria problema algum posto que iriam em uma
carruagem aberta, e acompanhados por uma de suas irmãs. Não gostou que
Carolina atribuísse ao Elspeth para a missão, mas não protestou; sua irmã
ainda não tinha passeado pelo parque, e tinha ouvido que era algo que
estava de moda entre a aristocracia. Além disso, necessitava um pouco de
ar fresco. Acostumada ao ar livre do Siddley on the Marsh, as ruas de
Londres resultavam algo cansativos, sobre tudo porque não podia passear
sem companhia. E por outra parte, a companhia do Elspeth mitigaria o
aborrecimento do conde se chegasse a inteirar-se.
Sorriu então, apesar da presença de sua irmã, e ficou o chapéu.
Elspeth demorou um pouco mais em arrumar-se; preocupava-lhe o fria que
pudesse fazer, embora estavam em maio. Mas ao final baixaram e o senhor
Reed as acompanhou para uma carruagem aberta e baixo, perfeito para dar
uma volta em um dia ensolarado e para ver e ser vistas durante o trajeto.
Faraday Reed era um acompanhante perfeito, sempre atento e
informado de todo tipo de falatórios. Charity não tomava a sério seus
cumpridos, mas lhe divertia paquerar com ele um pouco, como o fazia com
os amigos de seu pai no campo. Não era tão velho como eles, embora sim
muito major, e estava casado, de modo que entrava na mesma categoria.
A carruagem avançava lentamente. de vez em quando, saudavam
com a mão a algum conhecido. de vez em quando, inclusive se detinham
conversar. Não tinham pressa alguma.
Ao cabo de um momento observaram que duas mulheres e um
homem cavalgavam para eles. Charity olhou com interesse ao reconhecer a
uma das mulheres como a pessoa que a tinha estado observando no baile
do Lady Rotterham. Levava vestido de amazona, muito formoso, e seu
belo cabelo aparecia meio doido com um chapéu com plumas. Era a viva
imagem do refinamento. Durante uns instantes desejou ser tão sensual
como ela.
-Faraday! –exclamou a mulher, surpreendida-. Me alegro muito de
verte.
Reed se tirou o chapéu e fez uma ligeira reverência.
-Querida Therodora…
A recém chegada sorriu e olhou às dois acompanhantes do Reed.
Charity sorriu.
-OH, me perdoem –disse Faraday-. Teodora Graves, que
imediatamente se dirigiu ao Charity-. Lembrança que nos vimos na festa
do Lady Rotterham. Precisamente perguntei ao Faraday por você, posto
que me chamou a atenção sua beleza, não é certo, Faraday? Já vejo que não
perdeste o tempo, querido.
-Temo que me conhece muito bem, Thea.
Estiveram conversando um momento sobre questões corriqueiras.
Naquele momento apareceu outra carruagem. Reed apartou o carro do
caminho e se deteve. A senhorita Graves desmontou, e Charity e Faraday
desceram da calesa. Elspeth preferiu que dar-se no interior, abanicándose.
-Não vá muito longe –disse Elspeth-. Supõe-se que deve estar
comigo.
-Sente-se doente sua irmã? –perguntou Reed-. Talvez seria melhor
que a levasse a casa.
-OH, não, Elspeth sempre é assim –respondeu Charity-. Passa todo
o tempo em casa, sentada.
-Bom, todo mundo se daria conta de que você está cheia de vida –
disse Teodora, agarrando-a do braço enquanto caminhavam-. Sabia que eu
gostaria. Mas me diga, monta a cavalo? Talvez poderíamos sair juntas uma
manhã.
-Não, temo-me que não. Nossos cavalos estão em casa.
-Como? E Dure não lhe emprestou um dos seus? –perguntou, com
grandes olhos abertos-. É bem sabido que possui uma excelente cavalariça.
-Imagino que os cavalos de Lorde Dure terão muito caráter para
mim.
Em sua ingenuidade, Charity chegou a perguntar-se se seu
prometido não estaria demonstrando falta de interesse por ela ao não lhe
haver emprestado nenhum de seus cavalos. Cabia a possibilidade de que se
tratasse de alguma norma social que desconhecia.
-Bom, Dure é muito particular no relativo a suas propriedades.
-Conhece lorde Dure?
Theodora sorriu.
-Conhecemo-nos. Mas duvido que milord recorde meu nome.
-Não posso acreditar que nenhum homem possa esquecer sua
beleza.
Teodora Graves riu surpreendida e apertou seu braço.
-É você encantadora. Algo me diz que seremos boas amigas. Pode
que goste de assistir a alguma de minhas festas. Não são grandes, claro
está, mas espero não pecar de falta de modéstia se disser que todo mundo
se diverte.
-Suas festas são maravilhosas –interveio Reed.
-Não assistem personagens importantes –continuou a mulher-. Só
jovens, já sabe. Baile, jogos e diversões. E não é necessário assistir com
aborrecidos acompanhantes.
-Sonha perfeito –disse Charity com sinceridade-. Mas duvido que
minha mãe queria assistir.
Charity encontrava muito estritas as convenções sociais, e lhe
desagradavam os olhares das velhas damas, que se comportavam como
abutres sempre julgando.
-Não referia a sua mãe, a não ser a você.
-E como poderia ir sem ela e sem minhas irmãs?
Era nova em Londres, mas sabia que uma jovem solteira nunca
assistia sozinha a esse tipo de acontecimentos.
-Bom, agora está comprometida.
-É certo, em pouco tempo me terei casado com o conde de Dure –
sorriu-. Claro. Em tal caso estarei encantada de assistir.
Teodora sorriu ante a estupidez da jovem.
-Em qualquer caso, espero que seja antes de suas bodas. Uma
mulher comprometida, com um acompanhante adequado, pode ir aonde
queira.
-De verdade crie? –perguntou-. Bom, suponho que poderia assistir
se me acompanhasse Lorde Dure.
-Sim, embora seja possível que o conde não queria assistir a festas
tão pouco importantes. Em troca, ao Faraday não importaria.
-Seria um prazer –disse Reed.
Charity sorriu, embora sabia que o conde não gostaria
absolutamente que Faraday a acompanhasse a nenhuma parte.
-OH, temo havê-la pressionado. A fim de contas minhas festas só
são pequenos eventos, nada parecido aos acontecimentos aos que estará
acostumada. Imagino que as encontraria muito aborrecidas.
-OH, não –assegurou, posto que não queria ferir seus sentimentos-.
De fato, eu adoraria ir. Estou segura de que me divertiria.
-Parece uma jovem encantada, e eu gostaria de ser seu amiga. Mas
sinto havê-la importunado.
-Não, sério, eu gostaria de muito compartilhar sua amizade. Por
desgraça, minha mãe é muito estrita. E meu prometido não permitiria…
Charity preferiu não continuar.
-Dure? –perguntou Teodora, sonriendo-. Não me diga que é tão
puritano. Todo mundo sabe que… Não importa.
-A que se referia? –perguntou com ingenuidade.
-OH, a nada. Não me agrada que os homens possam assistir às
festas que queiram, enquanto as mulheres só podem fazê-lo quando um
homem o considera aceitável.
Charity se perguntou se estava falando sobre o conde em particular
ou sobre os homens em geral. A malícia da Theodora, muito mais
inteligente, começava a semear a dúvida na jovem. perguntou-se se o
conde assistia a festas, e em tal caso, a que tipo de festas. Mas não podia
perguntar tal coisa, nem admitir que desconhecia os passos de seu
prometido.
Theodora sorriu e disse:
-Enfim, tenho que retornar com meus amigos. Temo-me que passei
muito tempo falando. foi um prazer.
-Muito obrigado. Eu também me diverti. Espero que voltemos a
nos ver.
-É obvio. Prometeu-me que assistirá a uma de minhas festas.
-Eu gostaria de muito, se minha mãe o permitir.
-Às vezes as mães são muito estritas –disse com indulgência-.
Minha própria mãe era igual. Talvez fora melhor que não o dissesse.
-Sugere que me escape de casa? –perguntou.
Charity chegou a pensar que a senhora Graves sabia que se
escapou para falar com o conde. Mas não era possível.
-OH, vá, temo havê-la assustado –disse a mulher, tocando seu
braço-. Sinto muito. esqueci sua juventude. Não duvido que a idéia de
desobedecer a sua mãe a aterroriza.
-Não é isso, é sozinho que…
Não podia lhe explicar que estava disposta a desobedecer a sua
mãe, mas só por razões muito importantes, como tinha feito a manhã em
que foi ver o Simón. Entretanto, um pouco tão frívolo como uma festa era
assunto distinto. Não podia arriscar-se a envergonhar a sua família, ou a
seu prometido, por um pouco tão corriqueiro.
-Sinto muito. Simplesmente, não pode ser –disse ao fim.
-Compreendo-o –sorriu Theodora-. bom dia, senhorita
Emermenson. Faraday…
Theodora Graves se voltou e caminhou para suas arreios. Charity se
sentiu culpado enquanto a observava. Theodora tinha apertado os punhos,
e a jovem pensou que a mulher estava fazendo um esforço por controlar
suas emoções. Esteve a ponto de correr atrás dela para lhe dizer que iria a
sua festa de todos os modos.
-Já vejo que a ofendi –murmurou-. Sinto muito. Não era minha
intenção.
-Não se preocupe. Teodora está acostumada a levar-se reversos
sociáveis.
-Como? Acredita que me neguei a assistir por considerá-la
socialmente inferior? Não é assim absolutamente. Por desgraça minha mãe
é muito estrita, e não quero ofender a meus pais. Sei que não gostariam que
assistisse a uma festa sem acompanhante.
-Não insinuava nada parecido, senhorita Emerson. Só queria dizer
que muitas damas se negam a assistir a suas festas. Especialmente, as
damas de idade. De modo que é seguro que sua mãe não a levará. Tenha
em quanta que Teodora Graves não é uma de nós. Sua família é muito
respeitável, mas não pertence à aristocracia. Thea se casou com o Douglas
Graves, um tenente de húsares. Nunca tiveram muito dinheiro. Ele só era o
filho menor de um barão, apesar do qual os aceitavam em todas as festas
enquanto esteve vivo. Mas quando morreu, muitas pessoas deram as
costas a Teodora.
-Pela morte de seu marido?
-Aceitavam a Teodora pela posição de seu marido. Sem ele, só era
alguém sem importância.
-Mas isso é horrível –declarou, comovida.
-Sem dúvida. Entretanto, Londres é assim. Apesar de tudo, alguns
são ainda seus amigos.
-Como você.
Charity pensou que Faraday era um homem muito mais sensível e
romântico do que parecia em princípio.
-Douglas e Teodora eram meus amigos. Não podia abandonar a sua
viúva, não lhe parece?
-É obvio que não –respondeu com um sorriso-. Qualquer pessoa se
sentiria honrada do ter a você como amigo.
Charity não compreendia em modo algum a razão pela que aquele
homem desagradava tanto a seu prometido. Contente, agarrou-o do braço e
caminharam juntos para a carruagem.
6
Enquanto caminhavam para a carruagem, viram que um menino
corria para o carro. O menino falou com o Elspeth, que se apartou
imediatamente do pequeno e negou com a cabeça. O chofer se dirigiu
então ao recém-chegado e fez um gesto para o Charity e Faraday. Depois,
o menino se dirigiu para eles.
-Senhorita Emerso? –perguntou, com forte acento londrino-. A
senhorita Charity Emerson?
-Sim, sou eu.
-Tome.
Deu-lhe um sobre branco, que ela agarrou.
-Do que se trata?
Reed tirou uma moeda do bolso e a deu ao menino, que saiu
correndo em seguida. Charity olhou o sobre. Aparecia seu nome, mas não
tinha remetente.
-Que estranho –disse-. por que razão…?
Assim que tirou o papel que havia em seu interior ficou geada.
-O que ocorre? Está pálida –disse Reed.
O homem lhe tirou a nota e a leu em alto:
-“Lhe pergunte o que aconteceu sua esposa e com seu irmão”. O
que quer dizer?
Charity se levou uma mão ao estômago. sentia-se doente.
-Não sei. Teria preferido que não a lesse –espetou, recuperando-a.
-Quem a envia? referem-se a Lorde Dure?
-Sim, estou segura. OH, irrita-me tanto! É algo baixo e canallesco.
Onde está esse menino?
Olhou a seu redor, mas já tinha desaparecido.
-Devi detê-lo para lhe perguntar quem o tinha enviado –disse com
um gemido de frustração-. Mas me surpreendi tanto que não pensei. Agora
sigo sem saber quem…
-recebeu mais nota similares?
-Sim –admitiu-. Encontrei uma no baile do Lady Rotterham.
Alguém a deixou sobre minha mesa, mas não vi quem. Ao princípio não o
notei. Então, quando nos partíamos, levantei o leque e a encontrei. Dizia
que não me casasse com o conde ou me arrependeria.
-O há dito a Dure?
-Não –respondeu horrorizada-. Não posso lhe ensinar algo assim.
-Mas quereria saber que alguém está incomodando a sua
prometida.
-Não acredito que servisse de nada que soubesse que há pessoas
que o têm em tão baixa opinião para querer evitar seu matrimônio.
-Bom, o há dito então a seu pai?
-Só serviria para preocupá-lo, e não quero que tal coisa aconteça.
Além disso, poderiam sentir certas sua sobre Lorde Dure. Em qualquer
caso não se pode fazer nada, posto que não vi a pessoa que entregou a nota.
A letra foi distorcida para que não possa reconhecer-se. Se tivesse parado
ao menino…
-Não sente saudades que não o fizesse. surpreendeu-se, como eu.
-Como é possível que me tenham enviado isso aqui? Quem podia
saber que estaria no parque?
-Estranho. Suponho que se trata de alguém que esteve aqui e que a
viu. Alguém em outra carruagem, talvez. Só tinham que lhe dar a nota ao
menino e descrever meu calesa.
-Mas por que razão quereriam me assustar? –perguntou-. Tanto me
odeiam? Ou é a conde ao que odeiam?
-Ninguém a odeia a você –sorriu-. Estou seguro de que não tem
inimigos.
-Mas o conde sim.
Reed se encolheu de ombros.
-Todos os homens os têm. Acredito que deveria dizer-lhe a seu
prometido, ou a seu pai.
-Não. Tampouco poderia fazer nada, e não quero incomodá-los.
Não quero que Dure saiba o muito que o odeiam.
Reed suspirou.
-Acredito que se equivoca. Deveria pedir sua ajuda –declarou,
agarrando a das mãos-. Mas se não querer fazê-lo, então deixe que eu a
ajude. Serei seu amigo.
Charitly sorriu.
-Obrigado, senhor Reed. Ao fim e ao cabo parece que necessito um
amigo.
Reed beijou sua mão.
-Confie em mim.
Charity decidiu que as notas deviam ser uma simples brincadeira, ou
uma espécie de vingança contra Lorde Dure. Em realidade não tinham
feito mais danifico que lhe deixar mensagens aqui e lá, em reuniões
sociais. Ao parecer pretendiam que rompesse o compromisso com o conde
para envergonhá-lo em público. E não estava disposta a fazê-lo.
As notas a assustavam um pouco, mas a sensação geral era de
inquietação para a pessoa que atuava na sombra. Nunca tinha albergado
dúvidas sobre o Simón, embora não compreendia como era possível que
confiasse tanto em um homem que logo que conhecia. Simplesmente, sabia
que Lorde Dure não tinha matado nem a sua esposa nem a seu irmão.
De todos os modos, não sabia se sua família reagiria com o mesmo
aprumo, se soubesse. Apesar da fortuna do conde, sua mãe se oporia à
bodas se suspeitava algo sobre seu passado. E não queria dar a
oportunidade a sua mãe para que se arrependesse.
Tampouco mencionou as notas a suas irmãs. Serena se teria
preocupado; Elspeth teria sofrido um ataque de histeria e Belinda lhe teria
recordado que tinha ao conde por homem perigoso.
Esteve a ponto de dizer-lhe a Dure várias vezes, porque sabia que
se sentiria melhor, mas não queria lhe dar tal satisfação a seu inimigo, fora
quem fosse. Além disso, também podia criar a dúvida nele; podia começar
a pensar que dava crédito aos rumores, e não queria pôr em perigo o
matrimônio.
Por outra parte não via muito ao Simón, ao menos a sós. Passavam
dias e noites em festas e acontecimentos sociais, e logo que tinham tempo
para descansar. Sempre os rodeava tal quantidade de pessoas que logo que
podiam fazer nada que não fosse dançar ou conversar um pouco. adorava
dançar com ele, mas as conversações sociais a deixavam insatisfeita. Em
todo instante se encontrava acompanhada, por sua mãe ou por alguma de
suas irmãs, e se empenhavam em manter os temas no terreno do puramente
corriqueiro.
Desejava vê-lo a sós, como tinha tido ocasião de fazer aquela noite
em casa do Lady Rotterham. Simon parecia tão aborrecido como ela, e
embora às vezes notava um brilho em seus olhos que acelerava os
batimentos do coração de seu coração, não tinha nunca a oportunidade de
procurar um lugar mais tranqüilo. O tradicional noivado se estava fazendo
interminável.
Entretanto, tinha outras diversões. Veneza, fiel a sua palavra, tinha
saído com ela de compras. Era uma mulher tranqüila e cálida, e as duas se
divertiram muito juntas. O presuposto que Charity tinha era muito
pequeno, mas até então não tinha tido permissão de sua mãe para comprar
o que lhe viesse em vontade, e lhe pareceu uma soma incrível. Charity
rechaçou a idéia de Veneza, que lhe propôs que deixasse que seu irmão
pagasse as compras, e apenas se deu conta de que a outra mulher falava em
voz baixa com a dependienta da loja de modas. Surpreendeu-a que os
preços fossem pouco mais altos que os das boutiques do interior do país,
de modo que pôde comprar vários vestidos de noite e de dia.
Os vestidos de noite eram brancos, como se requeria em uma
jovem prometida, mas pôde persuadir a seu acompanhante e a dependienta
para comprar um rosa e outro azul, ambos muito claros. Também comprou
um novo par de luvas e várias peças de tecido e encaixe para arrumar
alguns de seus velhos vestidos. Veneza, que não tinha economizado nada
em toda sua vida, encontrou-o muito divertido. Embora o que mais gostou
de foram as histórias que Charity contou a respeito de sua família.
Enviaram as compras a casa de Veneza, em sua carruagem, e as
duas mulheres se dirigiram para a casa do Ermintrude, conversando
amigablemente. Veneza, inspirada pelo afã economizador de sua
companheira, tinha comprado várias coisas só porque eram trocas.
-deveste te economizar ao menos cinqüenta libras –brincou Charity.
-OH, sim –disse Veneza, sonriendo-. E isso tendo em conta que
gastei variada centenas.
As duas mulheres começaram a rir enquanto caminhavam rua
abaixo.
-Acredito que deveria dar uma festa em minha casa para te
apresentar à família. A nosso tio Ambrose e a seu filho, Evelyn. Até que te
case com o Simón, o tio Ambrose é seu herdeiro; é um pouco estirado, mas
Evelyn você gostará. Quase cresceu conosco. Também terei que convidar à
tia Genevieve e a minha irmã, Elizabeth. Ao menos a prima Louisa está
fora da cidade, de modo que nos liberaremos de seu bate-papo a respeito
de seus filhos.
-Eu gostaria de muito. Sei muito pouco sobre o Simón.
-Não fala muito sobre suas coisas. Queremo-nos muito, mas é seis
anos maior que eu. Elizabeth está entre os dois. Simón nunca falou muito
comigo, mas sei que não foi feliz estes anos.
-Desde que morreu sua esposa?
-Sim, e o filho que esperava. Morreram juntos, no parto. Depois,
Simon se deveu viver a Londres –continuou-. Se ouvir rumores, por favor,
não faça conta.
Charity decidiu não lhe dizer que precisamente aqueles rumores
eram motivo de preocupação constante para ela.
-Certamente freqüentou ambientes pouco saudável, levado pelo
desespero. Tenha em conta que quando Sybilla morreu meu irmão era
muito jovem; só tinha vinte e três anos. É um bom homem, que sempre foi
muito amável comigo. Os que dizem que é duro, ou cruel, não o conhecem.
-Devia querê-la muito –comentou.
Obviamente, a verdade era muito diferente do que sugeriam as
notas. Simón amava a sua esposa, até o ponto de que se entregou à bebida
e a outros vícios depois de sua morte. Ao pensar na Sybilla sentiu uma
estranha angústia. Pensou na insistência que tinha demonstrado em casar-
se sem amor, e se perguntou se não seria porque ainda estava apaixonado
por ela.
-Certamente –respondeu-. Casaram-se por amor. Meu pai se
opunha. Disse que eram muito jovens, e suponho que era certo. Simón só
tinha vinte anos, e Sybilla dezessete. Ele e meu pai mantiveram uma
terrível discussão. Meu pai não o deserdou, mas depois daquilo
mantiveram sempre as distâncias. Inclusive depois de que morrera Sybilla.
-Como era?
Charity não tinha pensado muito nela até então, mas de repente a
curiosidade a devorava por dentro.
-Sybilla? –franziu o cenho-. Não estou segura. Eu ainda estava no
colégio. Era três anos maior que eu, e não cheguei a conhecê-la muito.
depois de suas bodas não os vi muito, pela discussão que tinham mantido
Simón e meu pai. Lembrança que era muito bela. Tinha o cabelo loiro, mas
não como o teu, a não ser mais claro. Era de olhos cinzas e pele muito
pálida. Preciosa, sem dúvida.
Charity pensou em sua aparente perfeição e se estremeceu. Mas não
podia esperar que seu prometido a amasse. Ela mesma tinha deixado bem
claro que se contentava com um matrimônio sem amor, embora pensava
que uma espécie de amizade cresceria entre ambos com o tempo. Agora,
entretanto, começava a duvidá-lo. E não queria passar o resto de sua vida
com um homem que a compararia continuamente com outra mulher.
Veneza suspirou e se encolheu de ombros.
-Nunca me levei bem com a Sybilla, nem ela comigo. Eu era muito
jovem para ser seu amiga e sentia ciúmes porque me tinha roubado a meu
irmão maior –sorriu-. Sempre o quis muito, apesar de que apenas se fixava
em mim. Estava muito mais unido ao Hal, nosso irmão. Só os separava um
ano, e tinham crescido juntos como gêmeos. Já sabe, os meninos contra as
garotas.
-E Hal também morreu. Deveu ser algo trágico para o Simón.
Uma vez mais, amaldiçoou às pessoas que tinham esparso rumores
tão indignos e injustificados.
-Sim. Todos o sentimos falta de, mas Simón mais ainda. O sucesso
ocorreu um ano depois de que morreram sua esposa e o filho que
esperavam. E a gente foi tão cruel… Se começou a dizer que tanta má sorte
não era possível, e houve quem insinuou que as tinha assassinado.
-por que? E quem? –perguntou Charity.
Naquele momento, teve a idéia de que talvez podia encontrar à
pessoa que estava enviando as notas graças a Veneza. Podia ser quão
mesma tinha esparso os rumores.
-Não sei. Ninguém nos disse nada diretamente, claro está. Só eram
alusões e rumores que comentavam. Até que aparecíamos algum dos dois.
Mas apesar de tudo chegaram a nossos ouvidos. Até o Asford os ouviu –
sorriu com tristeza, ao pensar em seu marido-. Pobre George. É um homem
do mais fleumático, e esteve a ponto de brigar uma noite por isso. Sempre
foi amigo do Simón.
-Fez bem. Fora quem fosse, merecia uma lição.
-Não acredito que o dissesse com malícia. Só repetia o que tinha
ouvido em outras partes. Não se tratava de ninguém capaz de propagar
rumores.
-Mas quem foi, então?
-Não sei –respondeu, quase entre lágrimas-. Foi horrível para o
Simon. Essa é a razão pela que passa tanto tempo a sós, tão sério. Estou
segura de que deveu sentir-se muito ferido. Mas tentou fazer caso omisso e
adotou essa posição de distanciamento que já conhece. Inclusive agora, a
gente segue falando sobre aquilo.
Os olhos do Charity brilharam.
-Será melhor que não se atrevam a me comentar nada parecido, ou
lhes darei uma resposta acorde com seu atrevimento.
Venetia riu.
-Estou segura disso.
-Mas por que quereriam ferir o Simón desse modo?
Venetia sorriu com ironia.
-Ao Simón importa pouco o que pensem a gente. E temo que
ofendeu a algumas pessoas.
-Mas atuar desse modo…
-Com o tempo, os falatórios pioraram. Mas Simón é muito
orgulhoso para fazer ou dizer nada a respeito.
-É obvio –disse.
Começava a conhecê-lo-o suficiente para saber que era algo típico
nele.
Estavam a ponto de chegar à casa do Cahrity quando um homem se
aproximou delas. Levava um fortificação com punho de ouro. Ao as ver,
sorriu.
-Que maravilhosa surpresa –disse, fazendo uma reverência.
-Senhor Reed –sorriu Charity.
Venetia o saudou com um simples movimento, mas não disse
nada.
-Acabo de estar na casa de sua encantadora mãe, senhorita
Emerson, e me senti desolado ao não encontrá-la. Não podia saber que a
fortuna me sorriria ao encontrá-la, e em companhia do Lady Ashford –
sorriu a Venetia-. Não precisa nos apresentar. Conhecemo-nos há muitos
anos.
Os olhos do Reed brilharam de um modo que Charity estava longe
de compreender. deu-se a volta e as acompanhou até a casa. Charity notou
que Venetia estava muito tensa, e que se apartou para que Faraday se
encontrasse ao outro extremo. Pareceu-lhe estranho. Sabia que Simón não
se levava bem com ele, e parecia evidente que sua irmã tampouco.
perguntou-se o que teria acontecido que justificasse tal atitude.
Reed as escoltou até a porta. Ao chegar, Venetia se desculpou.
-Devo retornar a casa –disse.
Charity a olhou com curiosidade, mas se limitou a dizer:
-Obrigado por ter saído às compras comigo.
-passei um momento maravilhoso –assegurou.
Venetia se dirigiu para sua carruagem, e Reed se apressou a
acompanhá-la, agarrando-a do braço.
-Deixe que a ajude a subir, Lady Ashford.
Charity seguiu subindo as escadas.
-pensou no que lhe disse a outra noite? –perguntou ele.
-Não. E por favor, rogo-lhe que não comente nada ao George.
Reed sorriu com frieza. Abriu-lhe a porta da carruagem e fez uma
leve reverencia. Venetia sabia que para o resto do mundo podia parecer um
verdadeiro cavalheiro, quando em realidade era um canalha.
-Não se preocupe. Não o farei, sempre e quando tiver a bem me
ajudar. Acredito que cento e cinqüenta libras bastarão.
-Cento e cinqüenta libras! Não é possível.
Reed apertou uma de suas mãos com tal força que Venetia teve que
apertar os lábios com força para não gritar.
-É incrível o que um pouco de pressão pode conseguir. Dou-lhe
uma semana, milady.
-Não, por favor.
-Sim –ordenou.
Fechou a porta de repente. A carruagem ficou em marcha e Reed se
apartou. Então sorriu ao Charity, que esperava no último degrau,
observando-o. Rapidamente, dirigiu-se para ela.
-Sinto havê-la feito esperar.
-Não se preocupe. Lady Ashford parecia algo… incômoda.
Reed suspirou.
-Sim, é uma lástima. No passado fomos amigos, mas… bom, é uma
irmã leal.
-Quer isso dizer que não se leva bem com Lorde Dure? –perguntou
de forma impulsiva-. Não o compreendo. Me ja demonstrado que é você
um bom amigo. Inclusive o outro dia, ao receber a nota, não aproveitou
para criticar em modo algum ao conde. Até se ofereceu a me ajudar.
Reed se encolheu de ombros.
-Não, por favor –insistiu ela-. Me diga a verdade. Deve existir
alguma razão. Dure se nega a me explicar isso como se fora uma menina
que não merece uma explicação.
Reed a olhou durante uns segundos, como considerando sua
petição.
-Demos um curto passeio e o explicarei.
Quando se afastaram um pouco, começou com sua história.
-Nunca fomos amigos; solo simples conhecidos. Eu conhecia a
Venetia, ao Lady Ashford, muito melhor. Mas depois do problema que
tivemos, o conde se mostrou incapaz de me perdoar. Estranho, se tivermos
em conta que foi ele quem ganhou. Mas no relativo aos assuntos do
coração, não sempre é fácil ser racional.
O coração do Charity começou a pulsar apressado. Sentiu uma fúria
inexplicável, e teve que fazer um esforço para manter a compostura ao
perguntar:
-brigo com Dure por uma dama?
Reed sorriu.
-Bom, não chegamos a nos desafiar em duelo, nem nada tão
dramático. Além disso, a senhorita em questão não era precisamente uma
dama… Entretanto, competíamos por seus favores.
Charity acreditava que começava a compreender as razões que
Lorde Dure tinha tido para não explicar nada. Lhe teria gostado de poder
tornar-lhe em cara, mas se supunha que uma dama não devia tirar colação
assuntos relacionados com tais temas, sobre tudo tendo em conta que tinha
acontecido muito antes de conhecê-lo. Não era assunto dele, e não seria
justo que se zangasse por isso.
Em realidade, surpreendia-lhe ter reagido daquele modo ante a
história que estava contando Faraday. Sentia ciúmes. Não lhe incomodava
tanto que tivesse saído com mulheres como que lhe importasse tanto como
para
brigar por uma. perguntou-se se teria estado apaixonado por ela.
depois do que Venetia havia dito sobre o amor que sentia por seu difunta
algema, ainda era pior a possibilidade de que seguisse apaixonado por uma
mulher viva. Isso explicaria que queria casar-se por pura conveniência.
Talvez pretendia manter uma amante a suas costas.
A idéia fez que lhe saltassem as lágrimas.
-Obrigado por me dizer isso senhor Reed. foi muito atento ao me
tirar de minha ignorância. Mas acredito que deveria retornar a casa.
-É obvio –disse ele-. Espero não havê-la incomodado ao contar-lhe
En cualquier caso, llorar no tenía sentido. El suyo era un
matrimonio de conveniencia, y los dos se habían mostrado de acuerdo. No
amaga a Dure, y no podía esperar que la amara. Su inseguridad la
empujaba a creer en un montón de suposiciones sin fundamento, pero no
era consciente de ello. Una cosa era casarse con un hombre que no la
amaba y otra bien distinta hacerlo con un hombre que amaba a otra mujer,
o que podía encontrarse, en aquel preciso momento, pasando una feliz
velada con su amante.
Deram a volta para retornar.
-Não –disse, com um sorriso forçado.
Em qualquer caso, chorar não tinha sentido. O seu era um
matrimônio de conveniência, e os dois se mostraram de acordo. Não
insinua a Dure, e não podia esperar que a amasse. Sua insegurança a
empurrava a acreditar em um montão de hipóteses sem fundamento, mas
não era consciente disso. Uma coisa era casar-se com um homem que não
a amava e outra bem distinta fazê-lo com um homem que amava a outra
mulher, ou que podia encontrar-se, naquele preciso momento, passando
uma feliz velada com seu amante.
7
Poucos dias mais tarde, Charity despertou por culpa de uma disputa
entre a Horaria e Benlinda. Encerradas na capita, sem poder divertir-se
nem assistir a acontecimento algum, tornaram-se irritáveis e tensas. A
menor das provocações bastava para que iniciassem alguma trifulca.
Aquela tinha começado por culpa de uma escova da Belinda, que tinha
emprestado a Horaria; Horaria não o havia devolvido, e a discussão foi
subindo de tom até que acabaram atirando-se dos cabelos.
Elspeth se queixava de que o ruído lhe dava dor de cabeça,
enquanto Serena e Charity corriam a tentar as separar. Não foi fácil. Serena
teve que levantar a voz para que se atuvieran a razões.
-Basta! –exclamou-. Basta já, Belinda! E você também, Horaria! O
que lhes acontece? ides despertasse a mamãe.
As duas jovens, que temiam a reação de sua mãe, tranqüilizaram-se
imediatamente. Mas não deixaram de murmurar todo tipo de coisas.
-foi sua culpa –disse Belinda-. Não devolve nunca nada.
-Ao menos não sou uma menina egoísta como você –espetou
Horaria, beligerante.
-Garotas!
-Levam muito tempo encerradas –justificou Charity-. E eu também.
Desde que chegamos a Londres não saímos a dar um simples passeio.
-Ao menos você assiste a bailes, e à ópera –disse Belinda-. Mas eu
estou aqui com esta bruxa, dia e noite.
-Não insulte a sua irmã –disse Serena-. Charity, tem razão.
Acredito que necessitamos um pouco de ar fresco. por que não damos um
passeio pelo Hyde Park? As garotas poderiam correr, e não nos virá mal
um pouco de sol.
-Parece-me muito bem –disse Charity.
-Sonha aborrecido –interveio Elspeth.
-OH, Elspeth, sentirá-se muito melhor –sorriu Serena-. Já o verá. A
primavera se levará sua dor de cabeça.
Agarrou-a do braço e a levou para seu dormitório.
-Bom, suponho que se me puser um xale para me cuidar do fria da
manhã….
-Faz-o então.
Serena lançou um olhar de cumplicidade a sua irmã Charity, que se
burlava em silêncio das manias do Elspeth.
Charity elevou os olhos ao céu, mas não disse nada. ficou um de
seus velhos vestidos. Não estava disposta a utilizar um dos novos para dar
um simples passeio pelo parque. Em qualquer caso, a hora era tão
temprana que ninguém as veria.
Trinta minutos mais tarde, as cinco irmãs se encontravam no
parque. Serema tinha proposto que as acompanhasse alguma das criadas de
sua tia, mas Charity aduziu que sendo tantas, e tão cedo, ninguém
comentaria nada mau.
Uma vez ali, Elspeth se sentou em um banco com seu xale
enquanto Serena escrevia à reverenda Woodson. Charity esteve jogando
com a Horaria e Benlinda. Não passou muito tempo antes de que
deixassem de fazê-lo. Belinda começou a correr pela erva e Charity a
seguiu. Caiu várias vezes, e uns quantos mechas de seu cabelo escaparam
da tirania das forquilhas.
Naquele instante apareceu um cão, que as olhou com interesse.
Correu para elas e se uniu ao jogo, ladrando e saltando. Todas as irmãs
riram, encantadas.
-O que mas mais feio! –disse Elspeth-. Joguem o daqui. Está muito
sujo.
-OH, Elspeth, não seja desmancha-prazeres. É muito bonito.
-Bonito?
Charity olhou ao animal e riu. Era um cão grande, de patas largas e
cabelo crescido. Levantava uma só orelha, detalhe que lhe dava um aspecto
cômico. Sua cor era clara mas indeterminável, em algum ponto da gama
entre cinza do pó e o marrom do barro que o cobriam. Parecia sorrir com a
língua fora. De ter estado limpo poderia ter tido um aspecto mais decente,
mas estava bastante sujo e aquilo o afeaba.
Serena olhou ao animal, com certas dúvidas.
-Tomem cuidado, garotas. Pode lhes pegar alguma enfermidade.
-Só quer jogar –disse Charity.
Olhou a sua redor em busca de um pau. Lançou-o e o cão correu
para buscá-lo. Ao cabo de uns segundos retornou e o deixou cair aos pés
do Charity, olhando-a com alegria.
-É um cão muito preparado.
O cão se elevou sobre seus quartos traseiros e lhe plantou as patas
sobre o vestido. Pô-la perdida de barro. Charity voltou a recolher o pau e a
lançá-lo ao longe.
Horaria e Belinda se uniram a ela. Passados uns minutos, Charity se
tombou junto a uma árvore e deixou que suas duas irmãs pequenas
seguissem jogando por sua conta. O tempo foi passando e as jovens
tiveram fome, de modo que decidiram retornar à casa.
-Além disso, se seguirmos aqui é possível que alguém nos veja, e
isso seria desastroso –aduziu Serena, olhando a seu redor.
Charity e as duas irmãs mais jovens estavam cheias de barro.
Charity riu.
-Crie que não pareço uma futura condessa?
-Eu diria que parece uma menina guia de ruas –espetou Elspeth-. E
se por acaso fora pouco, animaste às mais pequenas. Horaria começa
aparecer-se a ti.
-Tolices –se defendeu-. Horaria é como ela mesma.
-Mas eu gostaria de ser como você –interveio a jovem, tirando a
língua ao Elspeth.
Elspeth se limitou a dá-la volta e começar a andar. O resto das
irmãs a seguiram, ao igual ao cão.
-OH, vá, está-nos seguindo –disse Serena-. O que vamos fazer?
Charity, joga o daqui.
-Eu gosto -protestou-. Podemos levá-lo a casa. Assim que o
tenhamos limpo terá melhor aspecto.
-Não podemos fazê-lo. Já sabe que à tia Ermintrude não gosta dos
cães.
-É certo. Não deixaria que entrasse na casa.
-Certamente que não. Embora estivesse limpo.
-Vá.
-Será melhor que o deixemos aqui.
Serena começou a fazer gestos ao animal para que partisse, mas o
cão permaneceu junto ao Charity.
-Charity, faz algo –disse Elspeth.
-O que quer que faça? Nego-me a lhe arrojar algo para enganá-lo.
E não tem intenção de afastar-se.
Era certo. O animal trotava a seu lado como se pertencesse a ela.
-Teremos que lhe encontrar um sítio –disse Charity-. Talvez
poderíamos dar-lhe a alguém ou deixar-lhe até que vamos de Londres.
Nosso pai deixaria que o tivéssemos no campo.
-E o que passará quando te casar? –perguntou Elspeth-. Crie de
verdade que o conde permitirá que tenha um cão com esse aspecto?
-É obvio que sim. Vamos garotas, procuremos algo para atá-lo. Não
podemos tirá-lo do parque levando-o solto. Pode que cruzamento alguma
cale sem olhar e sofra um acidente.
-Charity, o que está dizendo? –perguntou Serena, preocupada-. O
que dirá Lorde Dure?
-Nada. O levará a alguma de suas propriedades no campo, e Lucky
será mais feliz que aqui. Poderá caçar coelhos.
-Lucky?
-Sim, acredito que o chamarei assim. foi muito afortunado ao nos
encontrar.
-Mas bem desgraçado –interveio Elspeth-. Não acreditará a sério
que Lorde Dure aceitará levar-lhe a alguma de suas casas.
-Em primeiro lugar, levaremo-lo conosco e o lavaremos. A tia
Ermintrude não terá nada contra isso. Depois, levaremo-lo a casa de Dure.
-Não pode levá-lo ali! –exclamou Elspeth-. Está louca? Arruinaria
sua reputação embora vás casar te com ele.
-Tem razão, Charity –disse Serena.
-De acordo, em tal caso enviarei a algum criado e escreverei uma
nota par explicar a Lorde Dure o acontecido.
-Charity, não acredito que o conde queira a esse cão –disse Serena.
-Não seja tola. Compreenderá que não pôde deixá-lo em casa da tia
Ermintrude, e entenderá que é a melhor solução. Sei que gosta dos cães.
Serena olhou ao animal e suspirou. Seu aspecto era tão execrável
que não podia acreditar que o conde queria o ter, nem sequer em uma de
suas propriedades no campo. E sobre tudo, não podia acreditar que alguém
tivesse o atrevimento de pedir-lhe -Lárguese de aquí –dijo el hombre-.
No es asunto suyo.
Horaria encontrou uma cinta no chão, que utilizaram para levar a
cão. Saíram do Hyde Park, e por surpreendente que parecesse, o cão se
comportou perfeitamente enquanto avançavam pelas ruas. Não deixava de
olhá-lo tudo com supremo interesse.
Ao chegar a uma esquina, observaram uma cena que as horrorizou.
Um cavalo, que atirava de um carro, negava-se a mover-se. O dono do
animal não deixava de fustigá-lo uma e outra vez para que continuasse seu
caminho, mas o animal, sem dúvida doente, permanecia no sítio. Era um
espetáculo tão terrível que Charity se sentiu impelida a intervir.
-Não! Basta já!
-Largue-se daqui –disse o homem-. Não é assunto dele.
O homem se deu a volta e deu outra chicotada ao cavalo. Charity
soltou ao cão e impediu que o indivíduo seguisse torturando-o.
-Basta já! -exclamou com fúria-. Deixe em paz a esse pobre
animal. É que não vê que não se encontra bem? Certamente terá trabalhado
para você toda sua vida, e o paga desse modo.
-Charity!
Serena e Elspeth se aproximaram, preocupadas. A seu redor se
formou um pequeno grupo de pessoas que contemplavam a cena com
interesse.
-Parta daqui, senhorita –espetou o homem, irritado-. Não é assunto
dele. Parta ou terei que…
Naquele momento o cão decidiu intervir. Correu para eles e ficou a
grunhir para defender a sua nova ama. Golpeou ao indivíduo no peito, que
trastabilló e caiu ao chão. Várias pessoas começaram a rir.
O homem se levantou, furioso, e agarrou uma pedra com intenção
de golpear ao cão. Lucky se colocou entre ele e Charity, que agarrou o
látego e golpeou ao indivíduo com tal força que deixou cair sua
improvisada arma.
-Maldita bruxa! –exclamou, frustrado-. Quando a agarrar se
arrependerá de haver-se cruzado no caminho de Dão McConningle.
Ato seguido, começou a perjurar uma e mil vezes. Por fortuna, nem
Charity nem suas irmãs conheciam a maior parte das palavras que utilizou.
Entretanto, reconhecia sem problema a fúria de seu tom, e rodearam a sua
irmã com a intenção de protegê-la. Enquanto isso, os integrantes do
pequeno grupo reunido as animavam ou as insultavam.
Charity se enfrentou ao homem com o látego. Não sabia o que
podia fazer, mas não estava disposta a deixar-se intimidar.
De repente apareceu um homem com uniforme azul, e sentiu um
intenso alívio.
-O que está acontecendo aqui? –perguntou o guarda.
-Esta bruxa me roubou o látego e me golpeou –respondeu o
homem.
Charity o olhou.
-É certo, fiz-o –disse, soltando o látego-. Este homem é um bruto.
Estava golpeando a seu cavalo, quando qualquer se teria dado conta de que
não podia continuar.
-Golpeou-a? –perguntou o policial-. Bom, não acredito que uma
jovem assim possa lhe fazer muito dano.
-Não foi só ela –se ruborizou o indivíduo-. Seu cão também me
atacou. Está raivoso.
-Isso não é certo! –protestou Charity-. Nem sequer lhe mordeu. Só
quis me defender.
-Eu não a hei meio doido! Está louca. Atacou-me sem razão,
interfiriendo em meus assuntos e me dizendo o que tinha e o que não tinha
que fazer. Está louca. Certamente se terá escapado do Bedlam.
-Como? –perguntou Charity, ao reconhecer o nome do famoso
manicômio-. Como se atreve?
O policial olhou às jovens com desconfiança. Então, Charity se deu
conta de que estavam em desvantagem. Todas elas levavam roupas velhas
e estavam muito sujas pelo passeio e os jogos no parque, sem contar com a
presença do cão, que em nada ajudava a realçar a imagem.
-Não podem ir por aí interfiriendo nos assuntos de outros –disse o
policial-. Acredito que será melhor que partam a casa.
-Quer dizer que não pensa fazer nada a respeito? –perguntou
Charity.
O acusado se dirigiu à polícia. sentia-se muito mais crédulo.
-Não é para mim a quem deveriam deter, a não ser a ela. Senhor,
tem-me feito perder um tempo precioso, e me roubou o látego. Quanto a
seu cão, atacou-me. vai permitir que parta?
-Ninguém sofreu dano algum –respondeu o policial-. Não acredito
que seja necessário detê-la.
-É obvio que não! –exclamou Charity.
O indivíduo do carro não deixava de protestar, e vários homens
discutiam a respeito de quem tinha a razão. O agente da lei parecia
confuso. Se as coisas seguiam daquele modo, aquele tumulto podia derivar
em algo pior.
-Muito bem, senhorita –disse ao final-. por que não agarra a seu cão
e resolvemos este assunto em uma instância oficial?
Charity elevou o queixo com orgulho e tentou adotar a atitude mais
digna que pôde.
-Acredita que pode me pôr uma mão em cima? Pretende prender à
condessa de Dure?
O policial ficou boquiaberto e todos os pressente ficaram em
silêncio. Até que alguém estalou em uma gargalhada.
-Sim, claro –disse o homem do carro-. Qualquer cartório que é uma
condessa. Já o hei dito, senhor, seguro que se escapou do Bedlam.
-Sou uma condessa! –protesto Charity-. Ou ao menos o serei logo.
Estou comprometida com o conde de Dure.
O policial a observou de cima abaixo, contemplando sua roupa
velha e suja.
-Senhorita, não piore as coisas com mais mentiras. Será melhor que
a detenha e chame a sua família para que venha a procurá-la.
Pela primeira vez, Charity sentiu pânico. Imaginava o que
aconteceria se sua família se via obrigada a procurá-la nas dependências do
Scotland Yard. Quanto a Dure, seria o bobo de todo o mundo.
-Sugiro que vamos primeiro a casa de Lorde Dure. Duvido que ele,
ou minha tia, Lady Bankwell, alegrem-se ao saber que pretende me deter.
Se estima em algo seu posto de trabalho, será melhor que comprove minha
história antes de atuar.
O policial duvidou. Havia algo aristocrático em suas maneiras e em
sua voz, e sabia por experiência que os integrantes da classe alta podiam
ser muito extravagantes. Até cabia a possibilidade de que uma futura
condessa se desse uma volta pela cidade, vestida como uma cidadã
qualquer, pelo simples prazer de divertir-se.
Olhou a seu redor e franziu o cenho.
-Não podemos incomodar a milord com algo assim.
-Imagino que será preferível a que tenho que ir me buscar às
dependências do Scotland Yard.
Elspeth gemeu, aterrorizada. Serena se aproximou e declarou, com
tranqüilidade:
-É certo, está comprometida com o conde de Dure.
-É verdade –interveio Horaria.
-Me leve ali –disse Charity-. Sua casa não está longe. É no
Arlington Street.
-De acordo, senhorita. Mas não quero mais truques –aceitou ao fim.
O policial tentou agarrá-la do braço, mas Charity se apartou. Suas
irmãs e o homem do carro os seguiram.
Charity caminhou com o maior aprumo possível em direção à
residência do conde, mas não deixava de perguntar-se pelo que pensaria
Lorde Dure quando soubesse.
Não demoraram muito em chegar à mansão.
-Já estamos aqui.
O policial duvidou ao encontrar-se ente um edifício tão imponente.
Não estava seguro de como devia atuar. Fazer perguntas a um conde não
era algo muito habitual em seu trabalho. Mortificava-lhe pensar que o
aristocrata pudesse jogá-lo dali por incomodá-lo com tal estupidez. Olhou
ao Charity com nervosismo.
-E bem? Não pensa chamar? –perguntou Charity.
-Sim, senhorita.
O guarda o fez, e pouco tempo depois o sério mordomo abriu a
porta. Assombrado, olhou ao agente e ao pequeno grupo que o seguia.
-Sim? –perguntou com vez firme.
O policial se esclareceu garganta.
-Estou aqui por um assunto que concerne ao conde de Dure. Esta é
sua residência, verdade?
-É obvio –respondeu o mordomo, que o olhava como se não
estivesse em seus cabais.
-Pois bem, o certo é que há uma jovem aqui que…
-Chaney –interveio Charity-, poderia lhe dizer a milord que
queremos vê-lo?
Pela primeira vez, o mordomo a olhou. Observou-a durante uns
segundos como se não a reconhecesse, mas então ficou boquiaberto. Olhou
ao cão, à polícia, e novamente ao Charity.
-Senhorita Emerson!
-Sim, Chaney, sou eu. Ao parecer, o agente tem algumas duvida
sobre minha identidade. Minhas irmãs e eu necessitamos a ajuda de Lorde
Dure.
-É obvio, senhorita.
O mordomo se apartou para que pudessem entrar.
Charity e suas irmãs entraram, e o policial fez o próprio não sem
antes indica ao homem do carro que o seguisse. Chaney esteve a ponto de
lhe fechar a porta nos narizes.
O mordomo os olhou, como se estivesse pensando em que
habitação podia esperar um grupo tão extravagante. A senhorita Emerson
deveria aguardar na salita de espera, apesar de seu deplorável aspecto, mas
outros não eram merecedores de tal dignidade. Considerou a possibilidade
de separá-los, mas uma simples olhada ao sujo vestido de sua futura
senhora e ao cão imundo que ia a seu lado fizeram que trocasse de opinião.
De modo que se despediu com uma ligeira reverência e foi procurar ao
conde, decidido a deixar toda responsabilidade em suas mãos.
Charity olhou triunfante ao carreteiro e à polícia, que
contemplavam o amplo saguão e a formosa escada com tanto desconforto
como assombro.
Minutos mais tarde Simón desceu pela escalinata. Levava uma
bonita bata de seda em cima das calças e da camisa branca, e resultava
evidente que o tinham incomodado em metade do café da manhã ou
enquanto se dispunha a vestir-se. deteve-se o chegar ao pé da escada e os
observo com atenção. O policial se ruborizou e passou um dedo pelo
pescoço de sua camisa, nervoso.
Então, Lorde Dure olhou a sua prometida.
8
-Charity –disse ao final-, me alegro muito de verte. Deve perdoar
minha surpresa, mas sempre que te vejo… fico sem fôlego. Já vejo que
trouxeste para suas irmãs. Mas os quais são estes cavalheiros? Não
acredito que tenha o prazer de conhecê-los.
O conde fazia verdadeiros esforços para não rir.
-Dure! –disse Charity, aliviada-. Deve lhe dizer ao agente quem
sou. Não acreditam que sou sua prometida. O carreteiro me acusou de me
haver escapado do Bedlam, e o policial queria me prender. De modo que
tive que lhes contar que vamos casar nos.
-É obvio –disse o conde, olhando ao cão-. Quem é seu amigo?
-O Lucky. Encontramo-lo no parque, e não podíamos deixá-lo ali.
-É obvio que não –murmurou Simon, que observava ao animal com
fascinação-. Poderia haver-se sujado.
Charity riu.
-OH, basta. Isto é sério.
-Já o vejo. Tão sério para ter atraído a atenção de um agente da lei
–declarou com ironia, olhando ao guarda-. Enfim, suponho que o cão terá
algo que ver com a presença em minha casa destes cavalheiros.
O policial não sabia onde meter-se.
Charity procedeu a lhe contar o acontecido, e Dure o escutou tudo
muito divertido. Sua prometida se queixou sobre a crueldade de carreteiro
e lhe relatou a valentia que tinha demonstrado o cão ao defendê-la.
-Então –acabou, indignada-, quis pegar ao Lucky com uma pedra.
De modo que agarrei seu látego e o golpeei.
-Golpeou-o com o látego? –perguntou, rendo-. Por Deus, me teria
gostado de contemplar a cena.
O carreteiro não encontrava nada divertida a situação.
-E você –disse o conde com frieza, dirigindo-se ao indivíduo-, teve
que defender-se em um agente da ordem para defender-se de uma jovem
com um cão?
O homem do carro adquiriu uma tonalidade avermelhada,
envergonhado.
-Interferiu em meu trabalho! Colocou os narizes em um assunto
que não lhe concernia. O que se supunha que devia fazer? Deixar que
arruinasse meu negócio? É uma dama, e não podia solucionar o problema
pela força.
-Uma dama com um látego e com um cão leal –corrigiu o conde-.
Posso compreender suas dúvidas.
O carreteiro se cruzou de braços e permaneceu em silêncio. Então
interveio Serena.
-A teria pego. Estava-a ameaçando. Quando Lucky se enfrentou a
ele, insultou-a com palavra que não posso repetir.
-De verdade? –perguntou Lorde Dure, olhando ao agressor-. E
exatamente, cavalheiro, o que foi o que disse sobre minha prometida?
-Nada –respondeu, sem olhá-lo.
-Insinúa que a irmã de minha prometida é uma mentirosa?
-Não –murmurou.
Dure olhou ao guarda.
-Já vejo. E você, ao ver que este cavalheiro pretendia agredir a uma
jovem, com um cão que só tentava defendê-la, não encontrou melhor
solução que detê-la.
-Não sabia quem era.
-Já. De modo que se não tivesse sido a prometida de um conde, se
tão solo se tratou de uma cidadã sem título nem riquezas, a teria
apresentado ao Scotland Yard. E que cargos teria apresentado contra ela?
O cargo de ser valente? O cargo de sentir compaixão?
O guarda estava cada vez mais pálido.
-Bom, senhor, o cavalo era propriedade deste homem, e a jovem o
ameaçava com um látego.
Dure observou a sua prometida. Seu vestido estava cheio de barro;
seu cabelo, revolto; e seu chapéu cansado e sustenido só por uma cinta.
Um sorriso se formou em seus lábios.
-Já vejo. Entretanto, senhor, tenho que dizer que encontro bastante
irregular a atitude de um homem que prefere deter uma jovem a que ataca
um indivíduo duas vezes maior que ela; uma jovem que só pretendia
defender a um pobre animal torturado de forma desumana. Pessoalmente,
prefiro sua atitude a que teria mantido qualquer outra dama, que se teria
limitado a olhar para outro lado.
-Obrigado –disse Charity-. Sabia que solucionaria o problema.
-Sempre a sua disposição. Embora espere que no futuro, quando for
minha esposa, possa cuidar de ti com mais diligencia –disse, olhando ao
agente e ao carreteiro-. Eu não gostaria de pensar que te encontra em mãos
de indivíduos como estes.
O conde caminhou por volta dos dois homens e se deteve escassos
centímetros deles.
-Guarda, estou seguro de que seu superior quererá ser informado
sobre a forma que tem de defender aos cidadãos de Londres, mantendo-os
a salvo de terríveis criminosos como uma jovem de dezoito anos e seu cão.
-Dure, não seja muito duro com ele –interveio Charity, ao notar a
angústia do agente-. Não sabia como atuar. Quando lhe disse que era sua
prometida deveu pensar que estava louca.
-Sempre tão sensível –a olhou o conde, sonriendo-. Sugiro, agente,
que a próxima vez pense com mais parada antes de atuar.
O agente tomou suas palavras como um perdão e se apressou a
assentir, retrocedendo para a porta.
-Farei-o, milord. Pode contar com isso.
Simón se dirigiu então ao carreteiro.
-Quanto a você, não estou seguro. Acredito que mereceria sofrer
uma severo lição.
-Não tenho nada contra você –declarou o homem, digno.
-Estou seguro de que não gostaria de ter que enfrentar-se a mim.
Não é mais que um covarde que ataca a mulheres e animais.
-Não sou nenhum covarde, nem pretendia fazer mal algum a sua
prometida.
-Essa é a única razão pela que sairá daqui sem sofrer nenhum mal.
Não desejo que este pequeno episódio cause machuco à reputação da
senhorita. Em qualquer caso, estou disposto a pagar o valor de seu cavalo.
Traga-o para meus estábulos e lhe darão o dinheiro. Mas se alguma vez
alguém chega a inteirar-se do acontecido, prometo-lhe que sairei em sua
busca. E lhe asseguro que o sentirá toda a vida.
-Mas o que ocorrerá se for outra pessoa a que fala? –perguntou o
homem-. Havia mais gente ali. O agente, e os que observaram a cena.
-Em tal caso, sugiro que reze para que tal coisa não aconteça.
-Mas milord, não é justo.
Simón arqueou as sobrancelhas com desdém.
-Não sabia que lhe preocupasse tanto o conceito de justiça. Embora
imagine que as coisas se vêem de distinto modo quando se é a vítima, não
o verdugo. Saia agora mesmo daqui.
O carreteiro duvidou.
-Vá-se agora mesmo! – exclamou o conde-. antes de que troque de
idéia.
O homem se deu a volta e saiu correndo, seguindo os passados do
guarda. Simon se voltou para as irmãs Emerson, que o olhavam com
inquietação.
-E agora, senhoritas, se tiverem a bem subir servirão um refrigério.
-OH, obrigado –disse Charity-. estiveste maravilhoso. Sabia que o
arrumaria tudo.
Charity o agarrou do braço e suas irmãs os seguiram.
-Lorde Dure, sinto muito o acontecido –se desculpou Serena,
enquanto subiam as escadas-. Lamento a cena que teve que suportar em
sua própria casa.
-Não se preocupe, Serena -disse sua irmã-. Quem melhor que ele
para solucioná-lo? Assim que o guarda ficou obstinado, soube que Simón o
arrumaria.
Serena olhou com reprove a sua irmã.
-Mas foi… desastroso. Milord deveu encontrá-lo muito irritante.
-Ao contrário. Pareceu-me divertido.
-foi maravilhoso! –exclamou Horaria-. E o que mais me gostou que
tudo foi quando lhe exigiu que partisse de sua casa.
Elspeth se levou uma mão à frente, como se fora a deprimir-se, e
disse:
-Milord, temo que me sinto muito débil.
-Elspeth, contente –disse Serena-. Não queremos mais cenas
dramáticas.
-Dói-me a cabeça –gemeu-. Todos esses ruídos, e a briga, foram
muito para meus nervos.
-Sinceramente, Elspeth, você não tem feito nada. Limitou-te a
permanecer aí, te queixando e gemendo pelo humilhante do assunto –
observou Horaria.
Elspeth olhou a sua irmã pequena com desagrado. Ato seguido,
trastabilló e caiu sobre Serena, que a sustentou.
-Elspeth! –protestou Serena.
-O que faltava –disse Charity.
Dure se apressou a encarregar-se da jovem deprimida. Agarrou-a
em seus braços e a deixou sobre um sofá. Serena se apressou a colocar uma
almofada sob sua cabeça e a abaná-la. Depois, tirou um frasquito com sai
que colocou sob o nariz de sua irmã, para que aspirasse.
-Estou seguro de que uma taça de chá ajudará à senhorita Emerson
–comentou o conde com solenidade, antes de chamar o Chaney.
Dure olhou ao Lucky, que se tinha separado do Charity par
aproximar-se dele e observá-lo com atenção.
-E o que pretende fazer com este sujo animal?
-Sujo animal! –protestou Charity, indignada-. Está brincando,
verdade? Me ficaria se pudesse. É um cão maravilhoso. Salvou-me a vida
ao me proteger desse homem odioso. Não posso abandoná-lo depois do
acontecido. Além disso, quando o tivermos limpo terá melhor aspecto. Por
desgraça, a tia Ermintrude odeia aos cães. Tem dois gatos, dois enormes
gatos persas que destroçam os móveis, e não quer nenhum cão em sua
casa. De modo que não posso levá-lo ali. Deixaria-o em nossa mansão, no
Siddley on the Marsh, mas passarão anos antes de que meu pai retorne. De
modo que …
-O que? –arqueou uma sobrancelha com desconfiança-. O que tinha
em mente?
-É evidente. dar-lhe isso Tem uma enorme mansão, com muitas
habitações, e estou segura de que você gosta dos cães.
-Alguns cães –admitiu, olhando ao Lucky.
O animal estava esfregando sua imunda cabeça contra seu joelho.
-Além disso, imagino que se sentirá sozinho aqui e não te virá mal
um acompanhante.
-Alegra-me saber que se preocupa por mim –murmurou com
sarcasmo.
Charity riu.
-Não será tão mau. Lucky é um bom cão, e ao parecer gosta. Não
vê como se esfrega contra sua perna?
Dure olhou suas calças, manchados, e suspirou.
-Sim, vejo-o.
-Pode levá-lo a lacuna de suas mansões no campo. Por favor, me
diga que ficará com ele.
Charity o olhou de tal forma que o conde sorriu. perguntou-se se
sua prometida tinha idéia do poder que irradiavam aqueles olhos azuis. Por
um olhar assim, um homem faria bastante mais costure que ficar com um
cão faminto.
-Sim, ficarei com ele.
Naquele momento entrou o mordomo, com o chá e as massas.
Simon sorriu.
-Ah, Chaney, é precisamente a pessoa que queria ver.
-Desejava algo, milord? –perguntou Chaney, enquanto deixava a
bandeja sobre uma mesita.
-O herói do dia necessita que o refresquem um pouco. Leva ao
Lucky à cozinha e lhe dê de comer. Depois, acredito que não estaria de
mais que o banhasse.
-Lucky, milord?
-O cão. ficará conosco uma temporada.
Chaney não tinha mais remedeio que obedecer, embora resultava
evidente o que pensava de todo aquele assunto.
-É obvio, milord. Há dito que o banhe, milord?
-Sim. Como verá, está bastante sujo. Não pode permanecer aqui em
tais condições.
-Certamente, milord. Vêem aqui, cão. Bom mas.
depois de olhá-lo, o mordomo tirou forças de fraqueza, inclinou-se
sobre ele e fez um gesto com um dedo para que o seguisse. O animal o
olhou com curiosidade, mas não se moveu.
-Acredito que não terá mais remedeio que tocá-lo, Chaney -disse o
conde, divertido.
-Já vejo, milord.
-Não tire o sarro ao Chaney –interveio Charity-. Sabe que não quer
manchar-se suas luvas brancas. Além disso, não estou segura de que Lucky
queira segui-lo. Parece que desenvolveu um carinho especial por mim. Eu
o levarei a cozinha, Chaney. Insígnia me o caminho.
O mordomo parecia horrorizado.
-OH, não, senhorita. Eu o levarei.
Lucky se sentou sobre seus quartos traseiros. Chaney tentou atirar
da improvisada correia, mas o animal baixou e conseguiu arrastar ao cão
para a porta, escorregando sobre o chão de mármore.
Simon e Charity se sentaram com o resto das garotas a tomar o chá.
Serena demonstrava sentir-se incômoda, e Elspeth estava muito ocupada
adoecendo em sua poltrona e abanicándose para emprestar atenção à
comida; mas as demais deram boa conta das massas e os doces, com
entusiasmo juvenil, enquanto conversavam com o Simón. Horaria estava
explicando detalladamente os acontecimentos da manhã quando se
ouviram um forte ruído e um grito, procedentes de algum lugar da casa.
Simon e Charity se olharam, pensando o mesmo. Segundos mais
tarde se ouvia um chiado feminino seguido por uma voz de homem que
exclamava:
-Volta aqui, maldito vira-lata!
Puderam ouvir que o cão corria, escorregando sobre o chão de
mármore. Ato seguido, Lucky apareceu na habitação a toda velocidade e
derrubou tudo o que se encontrava em seu caminho. Depois dele chegou
um criado, com a cara avermelhada pelo esforço e a roupa cheia de barro.
Tentou agarrá-lo, mas caiu ao chão ao tentá-lo. O cão decidiu deter-se
junto ao Charity.
O criado se levantou, amaldiçoando. Chaney entrou, tentando
arrumar-se um pouco o traje para aparentar dignidade, e desculpando-se
com todo tipo de desculpas. Simón estalou em uma gargalhada.
-Lucky! Pobrecito –disse Charity.
A jovem o acariciou. O aspecto do animal era pior. Estava
empapado, mas não limpo, e a água tinha dado uma consistência ainda
mais repugnante à imundície que o cobria.
-Charity! –queixou-se Serena-. vais pôr te perdida!
-Sei, mas tem medo. Pobrecito. Está em um lugar que não conhece,
com pessoas desconhecidas que tentam banhá-lo. Não sente saudades que
tenha medo.
Acariciou a cabeça do cão, que ficou tão contente que começou a
mover a cauda e atirou um vaso. Simón não deixava de rir.
-OH, deixa já de rir –protestou.
-Não posso evitá-lo –disse o conde.
Chaney cruzou a habitação e tentou apartar ao Lucky do Charity,
que se levantou.
-Não se preocupe, Chaney, será melhor que o eu banhe mesma.
-OH, não, senhorita.
-Não deixará que o banhe nenhuma outra pessoa –observou.
Dirigiu-se para a porta e Lucky a seguiu, obedientemente.
O mordomo olhou angustiado a Dure, que se encolheu de ombros.
-Será melhor que faça o que diz, Chaney. Resulta evidente que a
senhorita Emerson mantém uma relação com o cão que o resto de nós não
compartilhamos.
Depois, levantou-se e se dirigiu a sua prometida.
-Vêem, querida, deixa que te acompanhe à cozinha.
Os dois saíram da estadia, com o cão trotando alegremente a seu
lado. Chaney os seguiu em silêncio, sem sair de seu assombro.
A cozinha apresentava um aspecto lamentável, como se se tivesse
produzido uma guerra a pequena escala. Tinha instalado uma cubeta em
metade da habitação, cheia até sua metade com água suja e sabão. O resto
da água se encontrava no chão. Um armarito estava aberto, e todo seu
conteúdo esparso. Duas cadeiras apareciam tombadas, e podiam ver-se
restos de uma jarra. Uma empapada criada tentava limpar os restos do
desastre, enquanto outra esfregava o chão e um terceiro criado se
encarregava do conteúdo do armário. O cozinheiro se encontrava de pé,
com os braços cruzados, contemplando a cena.
Quando Charity e Lorde Dure entraram, todos os serventes se
levantaram o uníssono e os olharam com assombro.
Uma mulher de certa idade, que levava a vestimenta própria das
amas de chaves, fez uma reverência e disse:
-Milord…
Todos olharam com curiosidade a seu acompanhante feminina, mas
ninguém se atreveu a abrir a boca. Exceto o cozinheiro, que deu um passo
adiante e disse algo em francês.
-Sei, sei, Jean Louis –disse Simón-. Prometo-te que sua cozinha
estará em perfeito estado em poucos minutos.
Suas palavras não tranqüilizaram ao francês, que parecia muito
irritado e não deixava de exclamar todo tipo de coisas em voz alta. Charity
sorriu, pôs uma mão em seu braço e disse:
-Sinto muitíssimo o acontecido. Temo que a responsabilidade deste
desastre é integralmente minha.
O homem deixou de falar e seu aborrecimento desapareceu. Olhou-
a durante uns segundos e sorriu ao fim. Depois, começou a falar em inglês.
-Absolutamente, mademoiselle. Não deve preocupar-se. Não sabia
que o animal fora dele.
Simon arqueou uma sobrancelha, e quando o cozinheiro se retirou a
seus trabalhos, inclinou-se sobre sua prometida e sussurrou:
-De ter sabido que podia dirigir a meu cozinheiro desse modo, me
teria casado contigo faz muito tempo.
Aproveitando a ocasião, apresentou-a à servidão. Todos eles a
saudaram com uma leve reverencia ou um movimento de cabeça, sem
deixar de intercambiar olhares de curiosidade. Charity, a sua vez, sorriu.
-Estou encantada de conhecê-los –assegurou-. Agora, lavarei ao
Lucky e o tirarei daqui para que não os incomode em seus quehaceres.
-Senhorita Emerson, não pode fazer tal coisa –protestou o ama de
chaves-. Faremo-lo nós.
-Não se inquiete. Já o tenho feito com antecedência. Além disso,
milord me ajudará. Não é certo, Simón?
Os criados olharam a seu senhor. O conde se limitou a sorrir.
-É obvio, querida. Minhas calças e minha jaqueta constituem um
pequeno preço a pagar em troca da limpeza do Lucky. Sigam com seus
quehaceres. A senhorita Emerson e eu nos encarregamos do cão.
Os criados se retiraram ao extremo mais afastado da cozinha. O
conde se tirou a jaqueta, agarrou ao cão e o introduziu na água. Mais tarde,
um dos criados comentaria assombrado que não esqueceria nunca o dia em
que viu lorde Dure, cujo aspecto era sempre impecável, lavando a um cão
como se o tivesse feito durante toda a vida. O ajuda de câmara do conde,
que tinha ouvido todos os ruídos, cedeu finalmente a sua curiosidade e
entrou na cozinha. Quando viu lorde Dure banhando ao cão, sujo e sem
deixar de rir, teve que partir de novo.
Charity agarrou o sabão e se encarregou de esfregá-lo enquanto
Simon o agarrava com força para que não escapasse. Lucky não deixava de
resistir apesar de tudo, e tentava sair do cubeta uma e outra vez,
empapando ao conde e a sua prometida. Duas criadas lhes levaram uns
cubos de água, que Charity arrojou por cima da cabeça do cão. O animal se
sacudiu, pulverizando-o tudo, e conseguiu escapar. Simon viu tão molhada
a quão jovem não pôde evitar rir, mas em seguida voltou a colocar ao
Lucky em seu inferno particular. Dois cubos de água mais adiante, tinham
conseguido limpá-lo.
Simón não tinha deixado de contemplar a sua prometida durante
todo o processo. Estava empapada dos pés à cabeça, e a roupa lhe pegava à
pele, remarcando ainda mais seus seios. Sentiu uma estranha secura na
garganta, e as risadas desapareceram para dar passo a um intenso desejo.
Cada vez que se inclinava podia notar o movimento de seus peitos, e o
fogo se inflamava com mais força em seu interior.
Um dos criados levou uma toalha. Tanto Simon como Charity
quiseram secar-se, de tal maneira que suas mãos chocaram. Simon se
estremeceu ao sentir o contato. Depois, envolveram ao cão com a toalha, e
o esfregaram com força. Obviamente, o movimento incrementou o desejo
do conde, que teve que apartar a vista par não olhar seus deliciosos seios.
Soltaram ao cão. Lucky correu desesperado e começou a esfregar-
se contra tudo o que encontrasse perto, em um intento por livrar-se da
umidade. O conde e a futura condessa o observaram entre risadas, embora
Simón estava muito mais ocupado admirando sua figura. Passados uns
segundos, ofereceu-lhe o braço e saíram da cozinha. Lucky quis segui-los,
mas um dos criados conseguiu agarrá-lo e fechar a porta antes de que o
obtivesse.
Caminharam pelo corredor. E então, de repente, Simón a levou a
uma pequena habitação que se encontrava sob a escada de serviço. Charity
o olhou, surpreendida, e abriu a boca para perguntar o que estava fazendo.
Mas não pôde. O conde respondeu a todas suas perguntas com um
comprido beijo.
9
Charity não reagiu ao princípio. Mas em seguida se deixou levar.
Passou os braços ao redor de seu pescoço e ficou nas pontas dos pés para
beijá-lo melhor. Simón gemeu de forma gutural e pôs as mãos em seu
talhe. Seu vestido estava molhado, e tão pego ao corpo que parecia que não
fora vestida. Podia sentir seus seios contra o peito, e a excitação o
dominou. Acariciou o cabelo de sua prometida, tirando de passagem as
poucas forquilhas que ali ficavam, e deixou que caísse como uma cascata.
Sióon se estremeceu e empurrou ao Charity fazia a parede mais
afastada. Beijava-a apaixonadamente, explorando sua boca com a língua.
Sua fome não podia saciar-se. Queria afundar-se em seu calidez, sentir a
totalidade de seu ser. Desejava conhecê-la até os extremos mais íntimos e
abraçá-la com força.
Mas o que mais desejava era tocá-la, de modo que vacilou e
acariciou seus seios. Charity gemeu ao sentir o contato e o desejo do
Simón cresceu um pouco mais. Teve que conter-se para não lhe fazer o
amor ali mesmo, no chão.
-OH, Meu deus –murmurou ele, cobrindo de beijos seu rosto e seu
pescoço-. É tão bonita.
Charity acariciou seu cabelo, surpreendida pelas sensações que a
assaltavam. Notava uma espécie de fogo interior, e sua respiração se
acelerou. Enquanto tocava seus seios se apertou contra ele, e então sentiu a
dureza de seu sexo. Inclusive em sua inocência, soube que era sintoma
inequívoco do desejo que sentia por ela.
Simón começou a desabotoar seu vestido com uma incompetência
pouco habitual nele. Baixou-o e contemplou durante uns segundos os nus
seios de sua prometida, apenas talheres por uma camisa. O tecido molhado
parecia transparente. Entretanto, sua visão não bastava, de modo que a
retirou. Charity se apoiou na parede e fechou os olhos enquanto o conde a
excitava habilmente, tocando e acariciando seus seios. Era a viva imagem
de uma mulher enfebrecida pelo desejo.
Simón pensou na possibilidade de lhe tirar o vestido e fazê-la sua.
Apertou os dentes enquanto um fogo primário o dominava. Mas depois, e
contra sua vontade, voltou a lhe pôr a camisa e se apartou. Não podia
continuar. Do contrário lhe faria o amor e se teria comportado como um
canalha. Charity era virgem e inocente, e merecia perder sua virgindade em
uma cama cálida e em uma habitação escura que tranqüilizasse seu
possível acanhamento. ia ser sua esposa, e tomar a daquele modo teria
suposto um insulto.
Charity abriu os olhos e o olhou com assombro.
-Milord? Ocorre algo?
-Sim –espetou-. Não posso seguir. Se o fizesse não poderia me
deter, e não seria justo contigo.
Charity se ruborizou ao dar-se conta do estado de seu vestido.
Rapidamente, cobriu-se.
-OH. Sinto muito. Não me tinha dado conta… Pensei que não era
nada mau, tendo em conta que vamos casar nos.
-Não tem feito nada mau absolutamente. Mas não posso me
aproveitar de ti desse modo, tomando em uma habitação sob a escada de
serviço. Pode que não seja um modelo de virtudes, mas sou um cavalheiro.
Esperaremos até o dia das bodas.
Charity se ruborizou ainda mais ante sua franqueza, mas não pôde
evitar que sua excitação crescesse ao escutar aquelas palavras. Dure a
desejava, e tanto que logo que podia conter-se.
-Compreendo-o –disse com suavidade.
Terminou de grampear os botões. Seus olhos azuis brilhavam com
suavidade e inocência, e ao olhá-la Simón sentiu um nó na garganta.
-Não estou seguro de que o compreenda –disse ele-. Oxalá não
tivéssemos que manter um noivado tão largo.
-Imagino que teremos que esperar um ano, como é habitual.
Suponho que é o que espera minha mãe.
-Maldita sejam então todas as mãe! Não é ela a que tem que se
manter-se separada de ti.
Charity riu.
-Espero que não, Simón.
O conde sorriu com muita dificuldade e a beijou.
-É uma verdadeira tentação. Acredito que estava louco quando
aceitei me casar contigo.
-Arrepende-te? –brincou.
Entretanto, esperou com ansiedade sua resposta.
-Não –sorriu com sensualidade-. Não duvido que deveria, mas não
me arrependo absolutamente.
Charity quis abraçá-lo e apoiar a cabeça sobre seu ombro. Quis
beijá-lo de novo e sentir suas mãos nos seios. Mas sabia que era
impossível. Frustrada, apartou-se e saiu ao corredor.
-Suponho que devemos voltar com minhas irmãs.
-Sem dúvida.
Simón a seguiu e lhe ofereceu um braço que Charity aceitou. Ao
recordar o acontecido esteve a ponto de rir, mas adotou uma expressão
séria e digna.
Contudo, enquanto subiam para a salita, Charity teve a impressão
de que estava voando.
Venetia ajustou o chapéu em sua cabeça e se cobriu com o véu. Era
seu chapéu mais formoso. O tinha agradável sua tia Úrsula, e só o tinha
utilizado uma vez, em um funeral. O véu era muito mais largo do normal,
justo o que pretendia. Esperava que ninguém pudesse reconhecer a quando
saísse à rua.
Saiu às escondidas pela porta principal, não sem antes olhar atrás
para assegurar-se de que ninguém a tinha visto. Tinha dado instruções a
sua donzela pessoal para que dissesse ao resto da servidão que ia descansar
e que não desejava que a incomodassem. George se encontrava em seu
clube, e não retornaria até a noite.
Suspirou aliviada e saiu à rua, com a cabeça baixa, evitando os
olhares dos transeuntes. Temia tanto que alguém pudesse reconhecê-la
como a idéia de caminhar sozinha, sem acompanhante. Quando saía
sempre utilizava a carruagem da casa do Ashford, mas naquela ocasião não
podia fazê-lo.
Estava tão preocupada que não se deu conta de que, algo mais
abaixo, um homem desceu de uma carruagem, pagou ao chofer e começou
a segui-la. Era um homem de aspecto normal, cujo traje marrom e chapéu
denotavam sua pertença à classe média acomodada, e levava um periódico
sob o braço. A classe de indivíduo com quem uma pessoa podia cruzar-se
centenas de vezes sem reparar nele.
Harding Crescent não se encontrava muito longe, apenas a um par
de maçãs. Venetia chegou logo ao pequeno parque. Os arbustos e árvores
proporcionavam certa intimidade, e havia bancos para sentar-se. Venetia
olhou a seu redor e caminhou para um banco que se encontrava no extremo
norte do parque, médio escondido. Por fortuna não havia ninguém.
Desejou que Faraday Reed tivesse eleito outro lugar para encontrar-se com
ela. Conhecia o Milicent Cardaway, que vivia ali, e sabia que era a maior
fofoqueiro de todo Londres. Se chegava a vê-la, sobre tudo com um
homem, sua reputação se afundaria. Mas Reed tinha insistido. Imaginava
que todo aquilo devia resultar muito divertido para ele.
Sentou-se, com a cara coberta com o véu. Reed chegava tarde, e
com cada minuto transcorrido crescia sua inquietação.
Naquele momento, uma voz a sobressaltou.
-Escondendo-se, querida? Parece um pouco alterada. Suponho que
se deve a quão secretos guarda.
Faraday estava tão impecável como sempre, com um traje
imaculado e pulcro. Venetia logo que podia olhá-lo.
Tirou um sobre e o deu.
-Aqui o tem.
-Não tão depressa, querida Venetia. Deixe que conte o dinheiro.
-Dei-lhe o que pediu. Não tenho por costume mentir, nem enganar.
Faraday riu, sarcástico.
-Muito admirável por sua parte. É tão sincera que estou seguro de
que lhe terá contado tudo a seu marido.
Venetia se ruborizou e se mordeu o lábio inferior. Faraday
comprovou o conteúdo do sobre e o guardou.
-Ah, vejo que acertei. Alguns somos mais seletivos com nossas
mentiras. Encontro muito mais apropriado ser um canalha todo o tempo.
Desse modo, não há confusão possível.
-Muito ardiloso. Entretanto, faz tempo que perdi o interesse por
seus jogos de palavras. Devo partir.
Venetia se levantou com a intenção de ir-se, mas as palavras do
Reed a detiveram.
-Mas, querida minha, não chegamos a um acordo sobre o lugar e o
momento do seguinte pagamento.
-Como? –deu-se a volta, assombrada-. O que é o que há dito?
Venetia se levantou o véu para poder vê-lo melhor.
-Falava sobre seu seguinte… presente. Acredito que dentro de um
mês seria apropriado.
-Não pode falar a sério.
-É obvio que sim. Sou um homem de grandes necessidades, e me
temo que minha esposa não está sendo muito generosa ultimamente.
-Estou segura de que pagaria para que partisse do país.
-Bom, ainda não o tenho proposto. Pode que o fizesse, mas
francamente, prefiro permanecer em Londres. Tenho muitos amigos aqui,
como sabe.
-Não tem nenhum amigo!
Reed arqueou uma sobrancelha.
-Um comentário pouco amável por sua parte. E além disso nada
certo. Por exemplo, a senhorita Emerson se tem por boa meu amigo. Já
sabe, a nova estrela no firmamento de Londres.
-Deixe em paz ao Charity! Logo que é uma menina. Não permitirei
que arruíne sua vida.
-Isso é algo que não está em suas mãos. Não pode evitar que uma
jovem corra para sua destruição. Deveria sabê-lo.
-Maldito canalha.
Reed sorriu de forma maligna, agarrou-a dos braços e a atraiu para
si. Abraçou-a contra sua vontade, apesar de que resistia, e a beijou na boca
com tal força que Venetia se cortou o lábio com um dente. Ao cabo de uns
segundos a soltou, e Lady Ashford o olhou, enojada. levou-se uma mão ao
lábio e a luva branca se manchou de sangue. Uma profunda amargura a
embargava.
-Não volte a me tocar –espetou, com olhos brilhantes pela fúria-.
Matarei-o se tenta fazê-lo de novo. Não compreendo como pude me sentir
atraída por você. É um porco. Um vilão.
-Tome cuidado com o que diz –disse com tranqüilidade,
recuperando-se de sua momentânea surpresa-. Lembrança que sou eu quem
tem as cartas na mão.
-Não penso seguir pagando.
-Em tal caso, deve estar preparada porque penso contar-lhe tudo a
seu marido.
-Não! –rogou, assustada-. Não pode fazê-lo. Já paguei o que pediu.
Não pode continuar com isto.
-É que acredita que há normas na extorsão? Não sabia. E a quem
pensa protestar? A algum magistrado, talvez?
-Não posso conseguir tanto dinheiro de novo. Não o compreende.
-De verdade quer me fazer acreditar que seu querido George não
nada na abundância? Todo mundo sabe que os Ashford possuem a metade
do Sussex.
-É certo, mas a maior parte do dinheiro está investido em terras e
propriedades. Não se dedica a espremer às pessoas para ganhar mais, e não
tenho modo algum de poder satisfazer suas exigências.
-Dará-lhe uma atribuição, não é certo?
-É-o, mas acabo de lhe dar todo o dinheiro que tinha para comprar
roupa e não possuo nada mais.
-O que há do dinheiro da casa? Poderia tomá-lo emprestado.
-George se daria conta se reduzira a partida destinada à casa.
Comida-las seriam piores, teria que deixar de dar festas e renunciar a
alguns criados.
-Pois lhe diga que necessita dinheiro para pagar algo. lhe diga que
fez um mau investimento. O dará.
-Não quero mentir a meu marido!
-Já o tem feito. Imagino que não sabe nada sobre esta entrevista.
-É obvio que não.
-Então, que mal pode fazer outra mentira? Estou convencido de que
encontrará uma boa desculpa. Em todo caso, sempre pode jogar mão de
suas jóias. Dariam-lhe muito dinheiro em uma casa de empenho por quão
pendentes leva.
Venetia se levou as mãos às orelhas, como se acreditasse que Reed
ia roubar lhe as esmeraldas.
-São um presente de meu marido. Não poderia…
-Nesse caso, lhe peça dinheiro a seu prezado irmão. Estaria
encantado de ajudá-la, como já fez com antecedência.
-por que odeia tanto ao Simon? limitou-se a proteger a sua irmã.
Atua como se lhe tivesse feito algo.
-Destruiu meus planos. Tive que me casar com essa bruxa. Vi-me
abligado a simular que a amava e que a desejava, a obedecê-la, a estar a
seu lado, a rogar cada moeda que obrenía. Ela não tem fortuna. É seu pai
quem a tem. E lhe dá uma atribuição muito generosa, mas eu não posso
tocá-la diretamente. É livre de fazer o que quiser e eu vivo a sua mercê.
Embora morrera, não conseguiria nada. investiu tudo em recursos, e não
poderia ficar com isso sem autorização prévia por sua parte. Se morrera,
não obteria nada.
-Não duvido que tanto ela como seu pai já se deram conto do tipo
de homem que é. É uma solução perfeita se se está casada com um rato.
-Pense e diga o que queira. Mas quero vinte libras mais o mês que
vem.
-Não posso as conseguir!
-Será melhor que retorne a casa e que pense no modo das obter.
Esperarei meu dinheiro a princípios do mês que vem.
-Como pode ser tão rasteiro? Como é possível que em certa ocasião
me acreditasse apaixonada por você?
Venetia saiu correndo com lágrimas nos olhos. Reed a observou ao
longe. Conseguir seu dinheiro estava resultando muito agradável, mas não
tanto como tinha imaginado. Por grande que fora a vingança contra Lorde
Dure, nunca era tão satisfatória como a que tivesse em mente. Sempre
desejava chegar mais longe.
Aquele dia aconteceu o mesmo. Esperaria com ansiedade a
próxima entrega da Venetia. Seria diversito espremê-la ao máximo, e
certamente benéfico, algo que merecia a pena considerar-se. Mas logo que
servia para satisfazer seu ódio, a necessidade de humilhar a Dure tal e
como ele o tinha humilhado quando entrou naquela estalagem e o arrojou
fora depois de descobri-lo com sua irmã. A única coisa que podia saciar
sua sede de vingança era conseguir seduzir a sua prometida e ridicularizá-
lo em público.
A idéia bastou para que sonriera. Pensou em seu triunfo e saiu do
parque; não duvidava que a ingênua senhorita Emerson cairia logo entre
suas garras. Estava tão concentrado em seus pensamentos que, ao igual a
Venetia, não reparou em um homem de aspecto comum, com traje
marrom, que se encontrava escondido entre os arbustos, ao outro lado do
parque. Nem sequer se deu conta do instante em que o desconhecido saiu e
o seguiu rua abaixo.
-Milord?
O sempre correto Holloway se deteve ente Lorde Ashford, que
estava cortando o extremo de um puro com umas pequenas tesouras de
ouro.
Ashford levantou o olhar, tentando acalmar sua irritação. Holloway
nunca o interrompia no clube a não ser que se tratasse de um pouco muito
importante. Arqueou as sobrancelhas e perguntou:
-Sim? O que acontece?
-Aí há uma pessoa que deseja vê-lo, milord.
Pelo tom de voz que utilizou para dizer a palavra “pessoa”, Lorde
Ashford soube imediatamente que não se tratava do tipo de cavalheiro que
freqüenta clubes privados.
-Uma pessoa?
-Sim, milord. Um homem com traje marrom. Diz que é de soma
importância que fale com você. Deu-me este cartão.
O criado se inclinou para diante, com uma bandejita em que levava
uma nota.
Ashford a agarrou e a leu. Imediatamente, sua expressão se fez
sombria.
-Muito obrigado, Holloway. Tem razão, devo vê-lo. Mas o
receberei fora.
George Ashford se levantou e saiu da sala de fumantes. Sabia que
Holloway se haveria sentido horrorizado se lhe tivesse pedido que fizesse
passar ao desconhecido, embora sua proverbial moderação tivesse
impedido que sua expressão o traísse.
Assim que saiu do edifício pôde ver um homem que se encontrava
de costas, olhando para a rua.
-Senhor Weaver?
O homem se deu a volta e sorriu com certo nervosismo. Não fazia
negócios todos os dias com um barão e se encontrava algo incômodo,
embora Lorde Ashford parecia uma pessoa correta e acessível. Entretanto,
era consciente de que provavelmente não gostaria de ouvir o que tinha que
dizer.
-Tenho-o descoberto, milord –se esclareceu garganta.
-Sim? O que lhe parece se dermos um pequeno passeio?
Ashford pôde notar a ansiedade do homem.
Caminharam pela calçada, muito devagar. Quando alguém se
aproximava deixavam de falar, e só continuavam com sua conversação
detrás estar seguros de que ninguém os ouvia.
-Esta manhã saiu de casa antes do normal, milord, e não tomou a
carruagem. dirigiu-se ao Harding Crescent. Há um pequeno parque , a
poucas maçãs de sua casa.
-Sim, conheço-o –disse, tentando manter um tom despreocupado-.
E o que fez ali?
-Era o que você pensava, milord. encontrou-se com um homem.
Estiveram conversando uns minutos, de forma animada. Ao final ela se deu
a volta para partir, mas ele a agarrou e falaram um pouco mais. Então… se
beijaram.
-Maldita seja!
-Depois de outro cruzamento de palavras a senhora partiu do
parque. Parecia muito zangada. Não vê razão para segui-la, de modo que
preferi seguir ao cavalheiro.
-Ao cavalheiro? –protestou com ironia.
-Sim, senhor –respondeu, sem notar o tom de sarcasmo-. Vestia
como um cavalheiro, e levava um fortificação com punho de ouro. Um
homem muito elegante.
-Não me importa o que tivesse posto. Quem é?
O outro homem sorriu com certo acanhamento.
-Segui-o até sua casa, milord. Uma bela mansão, no Mayfair.
Consegui cercar conversação com um chofer que esperava a seu senhor ao
outro lado da rua. Graças a ele pude saber o nome do cavalheiro. Faraday
Reed.
Ashford apertou os dentes para ouvir o nome daquele indivíduo.
Não o teria suspeitado nem na pior de seus pesadelos. Todo mundo sabia
que não se levava bem com Dure, embora ninguém sabia por que. Parecia
bastante estranho que sua esposa se relacionasse com um homem que seu
irmão detestava. De fato, não tinha notado que Reed se aproximava de sua
esposa em nenhuma festa, exceto a noite em que Lorde Dure apresentou a
sua prometida.
Ashford o recordou. Naquele instante não lhe deu importância.
Venetia e Reed falaram brevemente e embora a notou pálida mais tarde,
supudo que se deveria a alguma rabugice do mequetrefe. Mas agora
compreendia que as implicações eram bem distintas.
Weaver o olhou.
-Quer que continue seguindo à senhora, milord?
-O que? OH, não. Já foi suficiente, senhor Weaver. Mais que
suficiente.
Ashford pagou ao homem e retornou ao clube. sentia-se
desconcertado. Em circunstâncias normais, jamais teria suspeitado que sua
esposa o fora infiel. Mas tinha começado a pensar que passava algo
estranho quando notou que seu comportamento tinha trocado. Uns dias
antes, tinha-a descoberto chorando em seu vestidor. Quando quis averiguar
o motivo de sua tristeza, ela se secou as lágrimas e disse que não ocorria
nada. Aquela falta de confiança o feriu, mas a sensação piorou ao notar
medo em seus olhos.
Então, decidiu contratar ao senhor Weaver. Winston Montague se
referiu a ele em uma ocasião: Weaver tinha recuperado certas jóias
perdidas de sua esposa, e Montague o cobria de adulações. De modo que o
tinha contratado com a esperança de que não descobrisse nada, de que seu
temor carecesse de fundamento, com a esperança de que não estivesse
vendo outro homem. Mas já não podia fugir da verdade. Venetia estava
apaixonada por outra pessoa.
O ódio para o Faraday Reed e a dor se misturaram no mais
profundo de seu ser. Tentou convencer-se de que sua esposa não o amava.
De ter estado junto a ele naquele instante, teria matado ao canalha. Isso
teria servido para tranqüilizar sua fúria, mas não para curar a profunda
ferida de seu coração. Lamentou ter contratado ao Weaver.
Com muita dificuldade, conseguiu subir as escadas e entrar no
clube. Não se incomodou em retornar à sala de fumantes. Em lugar disso
caminhou para uma habitação vazia e se sentou em um cômodo sofá de
couro. Depois apoiou a cabeça no respaldo e fechou os olhos como se
estivesse dormido, para que ninguém o incomodasse, para sofrer em
solidão.
10
Enquanto se escovava o cabelo ante o espelho, Charity conteve um
bocejo.
Serena se encontrava na cama, junto a ela, realizando idêntico
processo.
-Aborrece-te desta vida?
-Estou cansada, mas bem. O baile de ontem à noite durou muito.
-Jamais pensei que chegaria o dia em que te ouviria dizer um pouco
parecido.
-Nem eu.
De fato, Charity estava aborrecida e se sentia sozinha. Só tinha
visto o Simón em uma ocasião desde dia que encontrasse ao Lucky, uma
semana antes. Tinha sido durante um jantar, e se tinham sentado a certa
distância, de modo que não tiveram ocasião de conversar. O tempo
passava, e sua vida social apenas a entretinha sem Lorde Dure.
Preocupava-lhe a possibilidade de havê-lo ofendido com o assunto do cão.
Entretanto, não parecia haver-se incomodado, de maneira que pensou que
se preocupava em vão.
Como se tivesse lido seus pensamentos, Serena comentou:
-Imagino que se sentirá melhor esta noite, quando formos ao teatro
com o Lady Ashford.
Charity sorriu e seu rosto se iluminou. Simon estaria presente.
-Certo –disse, enquanto se olhava no espelho-. Quero estar
especialmente bonita esta noite. Crie que este estilo me faz parecer maior?
Serena riu.
-A maior parte das mulheres querem parecer mais jovens, não
maiores.
-Sei, mas não quero que Simon… Que Lorde Dure pense que sou
uma menina.
-Quê-lo muito, verdade?
-É obvio –respondeu, surpreendida-. vou casar me com ele.
Charity a olhou.
-Crie que o que sinto por ele é correspondido?
Serena riu.
-Como pode duvidá-lo, depois de ter conseguido que ficasse com
aquele cão? Deve ser um grande homem não nos jogou de sua casa nem
rompeu seu compromisso.
Charity sorriu.
-O sim, mas não o vi muito após. E quando falo com ele está muito
sério.
-Tenha em conto que a situação é muito difícil. Sempre está
presente nossa mãe, Elspeth ou eu mesma.
-Quando mamãe e Elspeth se encontram perto é horrível. Se disser
algo sem interesse, Elspeth se queixa e nossa mãe me olhe com
reprovação. É insuportável. Às vezes penso que me divertiria mais no
colégio.
-Acredito recordar que também te aborrecia ali.
-Certo. Será muito mais divertido quando nos tivermos casado,
porque então poderemos conversar sobre o que queiramos, quando
quisermos. Não te parece maravilhoso? Não deseja com ansiedade a
chegada do dia em que possa viver com seu reverendo, tomando o café da
manhã ou conversando enquanto prepara um banho?
-Charity! –ruborizou-se-. Como pode dizer essas coisas?
-Bom, é certo. A fim de contas compartilharão a mesma cama.
-Charity, deve vigiar sua língua. Não pode ir por aí dizendo coisas
como essas –disse, envergonhada.
-por que? Estou falando contigo, sós seu e eu. Não é como se me
encontrasse ante uma duquesa.
-Graças a Deus. Às vezes, querida Charity, pergunto a quem te
parecerá.
Serena se levantou e a ajudou a colocá-las forquilhas.
-Eu também. Imagino que devo descender de alguma ovelha negra
da família de nosso pai. Não imagino a nenhum Stanhope comportando-se
como eu.
-Certamente. Nem a um Emerson.
Charity retornou ao tema original.
-Mas Serena, não espera com ansiedade esse momento?
-claro que sim. Desejo me encontrar com o senhor Woodson e…
poder gozar de um pouco de intimidade.
-Gozar de um pouco de intimidade –repetiu, divertida.
Adorava a sua irmã, mas às vezes não suportava seu aspecto
eufemístico. Em troca, não lhe importava admitir que desejava estar a sós
com o Simón, compartilhar sua risada e sentir a paixão de seus olhos.
Desejava encontrar-se com ele, sem mais pessoas ao redor. Queria ser livre
para beijá-lo, para abraçá-lo.
Charity tentou pensar em outra coisa. Temia que sua natureza
impulsiva demonstrasse em seu gesto o que sentia. Serena teria sofrido um
ataque de ter conhecido seus pensamentos.
-Ao menos poderei falar com ele no teatro. Embora estejamos
rodeados de gente, sempre será mais divertido que nos sentar na salita com
mamãe.
Levantou-se e caminhou para a cômoda, sobre a que havia um vaso
com flores. Simón as tinha enviado aquela manhã, e uma criada as tinha
posto em seu recipiente. Charity se inclinou para as cheirar, e ao fazê-lo
notou que entre os caules havia uma nota em que não tinha reparado com
antecipação. Assustada, perguntou-se se teria estado ali todo o tempo.
Não a tinha visto porque estava muito escondida. Supôs que se
trataria de uma mensagem do Simón. Mas então recordou que a criada lhe
tinha dado uma nota do Simón quando entregaram o ramo. Seu coração
começou a pulsar mais depressa. Não cabia dúvida de que devia tratar-se
de outra daquelas missivas.
Olhou a Serena e se alegrou ao ver que não tinha notado sua
reação. tinha-se sentado frente ao espelho para escovar o cabelo. Charity
agarrou a nota e a abriu.
“Será a próxima vítima do monstro”, dizia.
Seus dedos tremiam pela raiva. Enrugou o papel no punho e o
atirou ao cesto de papéis. Não compreendia que alguém pudesse odiar
tanto ao Simón. Desejou pôr as mãos em cima do canalha que estivesse
detrás daquela, esbofetear ao covarde que se defendia no segredo para não
dar a cara.
Então compreendeu algo que a assustou ainda mais. Esta vez, a
nota se encontrava em seu próprio dormitório, no ramo que tinha enviado
Lorde Dure, oculta como uma serpente venenosa. Resultava evidente que
alguém da casa a tinha colocado ali. Provavelmente, tinham entrado em
sua própria habitação para consegui-lo. Tão Serena como ela mesma
tinham saído várias vezes, para tomar o café da manhã e para conversar
com suas irmãs. Se por acaso fora pouco, Serena tinha estado com sua mãe
e ela tinha passado um bom momento no dormitório do Elspeth, para
recuperar um lenço que lhe tinha emprestado. Pensar que alguém podia
entrar com tanta facilidade em seus aposentos fez que se estremecesse.
Olhou a seu redor, nervosa, como se fora a descobrir a algum
intrusa. Serena se levantou e sorriu, depois de dar os últimos toques a seu
penteado.
-Está preparada?
Charity queria contar-lhe mas não o fez. Não queria permitir que
conhecesse as acusação vertidas contra seu prometido; lhe teria parecido
uma traição ao Simón, embora fora inocente. De maneira que sorriu e
acompanhou a sua irmã ao piso inferior.
Puderam ouvir vozes de homens, que procediam da salita de
espera. Charity se deteve, como se pudesse negar-se a entrar. Não podia ser
educada com pessoas que não conhecia, ou que não eram de seu agrado,
estando tão preocupada com assuntos mais sérios.
Serena se deteve na soleira e a olhou. Arqueou as sobrancelhas.
Charity sabia que se não entrava teria que dar explicações sobre seus atos,
ao menos a sua irmã, e mais tarde a sua mãe ou à tia Ermintrude, que
quereriam averiguar o motivo de tão estranho comportamento. Não tinha
mais remedeio que dissimular.
No interior da salita estavam três homens e Ermintrude. Charity
sentiu um intenso alívio ao observar que Carolina não estava presente. Sua
tia não era tão perceptiva com ela, e não imaginaria que acontecia algo
mau. Os homens se levantaram o ver as jovens. Um deles era Faraday
Reed. Imediatamente se sentiu muito mais alegre, e assim que saudou os
pressente se sentou junto à pessoa que tinha por amigo.
-Está encantadora, senhorita Emerson –disse.
-Devo falar com você –disse ela, em voz baixa.
-Não terá recebido outra nota, verdade?
-Sim. Estava em minha habitação.
-Em seu próprio dormitório? –perguntou assombrado-. Isso é
monstruoso.
Charity asintión e contou o acontecido. sentia-se muito mais
aliviada ao compartilhar seus sentimentos. Reed não tinha falado com
ninguém sobre as notas; atitude que em sua ingenuidade interpretou como
a demonstração evidente de que era de confiança. Sem preocupar-se em
averiguar os motivos que tivesse seu prometido, chegou à conclusão de
que era injusto com o Reed. Que tivessem amado à mesma mulher não
queria dizer que Faraday fora uma má pessoa. Bem ao contrário, Reed não
havia dito nada em contra do conde. Pensou que certamente lhe teria
gostado de saber o compresivo e amável que era com ela.
-O mesmo tipo de nota. Uma advertência contra um suposto perigo
–explicou-. Dizia que Dure é um monstro, e que eu seria a próxima vítima.
Como podem propagar semelhantes calunia?
-Ninguém que conhecesse sua leal natureza seja atreveria a fazê-lo,
senhorita.
-Mas o que é o que querem? por que podem desejar que meu
compromisso se rompa?
-Talvez seja algum pretendente. Tenha em conta que você é uma
jovem muito bela, e imagino que terá quebrado mais de um coração antes
de comprometer-se com Lorde Dure.
-Não pode falar a sério. Não assisti a nenhuma festa em Londres até
então.
-Mas estou seguro de que deve haver alguém, em sua cidade natal.
Charity esteve a ponto de rir ao recordar aos meninos do campo.
Entre outros, ao Hill, que estava mais interessado em caçar com seu pai
que em um possível matrimônio com ela.
-Não, não pode ser.
Reed permaneceu em silêncio uns segundos antes de perguntar:
-pensou que talvez não se trate de alguém com intenção maliciosa?
-O que quer dizer?
-Pode que se trate de alguém sinceramente preocupado por você,
com o que não mantenha uma relação tão íntima como para que pudesse
adverti-la em pessoa. Pode que realmente criam que está em perigo.
-Como? Isso é absurdo. Como pode pensar algo assim?
-ouvi rumores sobre a morte de sua esposa…
-O rumor e a verdade são coisas distintas. Não me diga que também
pensa essas estupidezes sobre meu prometido.
-É obvio que não. Lorde Dure e eu tivemos nossas diferenças, mas
nunca acreditei em tais falatórios. Limitava-me a observar que pode tratar-
se de alguém sinceramente preocupado.
-Em qualquer caso eu gostaria que se mostrasse de forma aberta
para poder dizer o que penso dele. É uma atitude covarde. Se tivesse honra,
atuaria diretamente.
-tentei averiguar sua identidade, de forma discreta.
-OH, não, não quero que chegue ou seja se nada.
-Entretanto, não encontrei a ninguém que odeie tanto a Lorde Dure
para enviar essas notas. É certo que tem algum inimigo, e que mais de uma
pessoa opina que sua vida foi licenciosa. Suas maneiras não sempre
ganham amigos. Mas não há ninguém que o odeie. Por conseguinte, pensei
que talvez poderia tratar-se de algum pretendente.
charity sorriu.
-Adula-me, senhor Reed. Mas estou segura de que… Um momento,
é possível!
-Trata-se de um pretendente?
-Não, não, mas acabo de recordar. Talvez se trate de alguma
mulher que estivesse apaixonada por Lorde Dure. Sei que manteve
relações com muitas mulheres. E não sentiria saudades que alguma
estivesse ciumenta.
-Não acredito que…
-Sei que não deveríamos falar sobre isso, mas não há tempo para
conversações corriqueiras. Devo averiguar de onde procedem –se mordeu
o lábio, pensativa-. Estou segura de que se trata de uma mulher. O um
pouco bastante típico. Alegra-me que tenha tirado o tema, porque sem você
não me teria dado conta.
-De fato, não hei dito nada. foi você quem…
-Sei, mas me deu a idéia –sorriu-. Sinto-me muito melhor agora. Se
só se tratar de uma mulher ciumenta, acredito que posso me ocupar dela. E
investigarei por minha conta.
-Senhorita Emerson –disse alarmado-. Não deve fazê-lo. Não sabe
que perigos poderiam espreitá-la.
-Tolices. Perigos? De uma mulher ciumenta? –sorriu, benigna-.
Posso me enfrentar a isso. Será fácil. A todo mundo gosta de contar
histórias a uma futura algema.
Reed a olhou, dúbio.
-Não acredito que a Lorde Dure lhe agrade que sua prometida vá
por aí perguntando a respeito de suas relações passadas.
-Não se preocupe. Em primeiro lugar, não saberá. Suspeito que não
há muitas pessoas que possam contar-lhe Por outra parte, o conde sabe que
sou livre de fazer o que me agrade.
-Sim? –perguntou com interesse-. É uma mulher independente,
então.
-Certamente.
De repente pensou em que seu prometido não tinha reagido
precisamente de forma civilizada ao vê-la com o Reed, mas tentou não
pensar nisso.
-Posso fazer mais costure para encontrar a culpado. Amanhã falarei
com as criadas. Ao princípio, quando encontrei a nota entre as flores, supus
que teriam entrado em meu dormitório, mas não é possível. Teria
deslocado o risco de que a descobrissem. deveu servir-se de uma das
criadas de minha tia.
-Duvido que o admitam.
-Admitirão-o. É possível que não fossem conscientes da gravidade
do assunto. Talvez pensaram que se tratava de uma missiva de um
admirador –sorriu com calidez, tocando seu braço-. foi que grande ajuda
para mim. Sinto-me muito melhor. E graças a sua discrição. É você um
grande cavalheiro e um bom amigo. Eu gostaria que Simón compreendesse
quão equivocado está.
-Duvido que isso aconteça –disse com ironia-. Eu não tentaria
convencê-lo.
-Mas se equivoca –protestou-. Quando souber o que tem feito por
mim, e por ele…
-Faço-o por você, senhorita Emerson.
Reed agarrou sua mão e a olhou com intensidade.
Charity esteve a ponto de rir. Sua atitude lhe parecia muito
graciosa, mas não podia fazer tal coisa depois do favor que lhe tinha feito.
perguntou-se se não estaria tentando paquerar com ela. Parecia-lhe
estranho que um homem casado se comportasse daquele modo com uma
mulher que estava a ponto de casar-se. Entretanto, tinha tido ocasião de
comprovar em numerosos acontecimentos sociais que a paquera estava à
ordem do dia, e sua própria mãe tinha comentado que era algo aceitável.
Contudo, não compreendia por que paqueravam se não pretendiam nada.
Mas preferiu não perguntar-lhe a sua mãe. Haveria dito que era uma
pergunta frívola, ou impertinente.
Com discrição, tentou apartar a mão. Mas ele o impediu.
-Sim, sei. E o aprecio, o asseguro.
Naquele momento, Charity notou que outros tinham deixado de
falar. Elevou a cabeça com curiosidade e viu que todo mundo olhava para
a porta.
Simón estava na soleira, com os olhos cravados nela.
Sentiu uma pontada no coração. Naquele momento compreendeu
que a conversação que mantinha com o senhor Reed, em voz baixa e com
as mãos unidas, podia ser interpretada como um pouco muito distinto ao
que acreditava que era. Falar daquele modo com outro homem não era
nada apropriado em uma jovem prometida. Sua mãe se teria dado conta e
teria atuado para evitá-lo, mas Serena não possuía suas habilidades sociais
e a tia Ermintrude nem sequer o tinha notado.
Quando começou a caminhar para ela, murmurou:
-OH, Meu deus.
11
Simón saudou o Ermintrude, a Serena e aos dois homens que
conversavam com elas. Depois se voltou para sua prometida e para o Reed,
com olhar confia.
-Boa tarde, Lorde Dure –disse Charity, disposta a não deixar-se
intimidar.
Acreditava que não tinha feito nada mau.
-Já vejo que o senhor Reed estava entretendo-a.
Reed se revolveu em seu assento, incômodo. Mas Charity se
limitou a declarar:
-Em efeito.
-O senhor Reed sempre foi um homem com muito encanto –sorriu
o conde-. Pode que com mais encanto de que deveria.
Charity arqueou as sobrancelhas com frieza. Esperava que Simón
não montasse uma cena. A tia Ermintrude, e o resto dos pressente,
olhavam-nos com atenção. Tinham notado o evidente antagonismo dos
dois homens.
-Entretanto, agora que estou aqui posso aliviar o da obrigação de
entreter a minha prometida –continuou.
-foi um prazer –disse Reed-. A senhorita Emerson é uma excelente
conversadora.
-Certamente, embora imagine que terá outras obrigações.
Reed se levantou de seu assento.
-foi um prazer, senhorita Emerson –se despediu.
-Muito obrigado –disse ela.
Reed se despediu de outros e partiu. Dure o observou com atenção.
Depois, voltou-se para o Charity e disse:
-Talvez poderíamos dar um passeio pelo jardim.
Charity esteve a ponto de dizer que se encontrava muito bem ali,
mas suspeitava que se não o fazia seria capaz de repetir a cena da festa.
Preferia enfrentar-se a ele em privado.
-É obvio.
Dirigiu-se a sua tia, que pareceu decepcionada por perdê-los
foguetes. Em qualquer casa, deu-lhe permissão para sair.
Dure lhe ofereceu o braço e caminharam em silêncio. Saíram da
salita e se dirigiram ao jardim da casa. Charity olhou durante um segundo
o perfil de seu prometido, pétreo e duro. Uma vez mais, disse-se que estava
sendo muito injusto ao comportar-se com tal beligerância com um homem
contra o que não tinha nada. Reed tinha demonstrado ser seu amigo no
assunto das notas, e Charity o agradecia.
Caminharam em silencio durante um bom momento. Resultava
evidente que Lorde Dure tentava manter o controle de suas emoções.
Recordou o que tinha acontecido na festa do Lady Rotterham, quando a
beijou de forma apaixonada, e se ruborizou ao pensar o que podia
acontecer se perdia os estribos de novo.
Mas não o fez. Charity se sentou em um banco um pouco afastado
e ele permaneceu de pé, com os braços cruzados, como um professor de
colégio.
-Tenta me desafiar? –perguntou com extrema frieza-. Ou é que é
tão estúpida para desprezar minhas advertências?
Charity o olhou.
-Te desafiar? Limitei-me a fazer as coisas a meu modo, como você.
Acreditava que tinha ficado claro em nosso acordo de matrimônio.
-Ainda não estamos casados.
-Eu diria que isso piora sua atitude. Pretende dominar minha vida.
Os olhos de Dure brilharam com irritação.
-Não é certo. Não sou nenhum bruto que queira escravizar a sua
esposa.
-De verdade? Então, a que vem esta atitude, me obrigando a tomar
assento como se fora uma menina desobediente?
-Só tentava ser educado. Se quiser, pode te levantar.
Simón se inclinou para ajudá-la, e ao sentir o contato de seu corpo
deixou cair os braços e deu um passo atrás.
-Não conheci nunca a uma mulher que me faça atuar de forma tão
pouco civilizada –se queixou.
Charity riu. Não sabia se pensava beijá-la ou lhe dar uma bofetada.
-Tão molesta sou?
-Certamente. Tira-me de minhas casinhas com soma facilidade.
Quando te vi com o Reed, sonriendo e agarrando o da mão, estive a ponto
de lhe pegar um murro ali mesmo.
-Estas ciumento? –perguntou, arqueando as sobrancelhas.
Não tinha considerado que aquela pudesse ser a razão de seu
animadversión para o Reed. Pensava que lhe desgostava e que se limitava a
tentar que atuasse conforme a seus gostos. Tendo em conta que pretendia
casar-se sem amor, encontrava muito interessante a possibilidade.
-vais ser minha esposa. E não quero que associem seu nome com o
de um canalha.
-Um canalha…
Charity compreendeu que lhe preocupava o bom nome de sua
família, não o seu.
-Sim, e lhe ocorrerão coisas piores se segue vendo um porco como
Faraday Reed.
-O senhor Reed é um homem muito respeitado.
-A aristocracia aceitaria a uma serpente, se falasse o
suficientemente bem e dançasse como é devido.
-Mas você o conhece melhor, claro está –disse com ironia.
-Sim, conheço-o. Sei que é um vilão que te roubaria sua virtude se
tivesse a oportunidade.
-Crie que tenho tão pouca moral para permitir que qualquer homem
me seduza?
-Não é necessário que te seduza para que arruíne sua reputação.
Reed pode arrumar-lhe para que pareça o que não é. E chegado o caso, até
seria capaz de te violar.
Charity o olhou com profundo aborrecimento.
-Como te atreve? Equivoca-te. Nunca faria uma coisa assim. foi
muito amável comigo. Inclusive ajudou a…
Charity não terminou a frase. Simon não conhecia o assunto das
notas. Não sabia o que fazer. Se o dizia, daria-se conta de que estava sendo
injusto com o Reed. Mas queria proteger a seu prometido contra o
conteúdo daquelas nota. Não queria que recordasse a triste morte de sua
esposa e filho. Teria sido indigno tirar colação aquele assunto em metade
de uma discussão.
-A que te ajudou? –perguntou Simón, desconfiando.
-Ajudou-me a… me relacionar melhor, já sabe. Diz-me quem é
quem e que relação os unem. Esse tipo de coisas.
-Não necessita sua ajuda. Se quer saber algo pregúntaselo a sua
mãe, ou a Venetia. Mas não ao Faraday Reed. Devo insistir em que deixe
de vê-lo.
-A minha mãe gosta que venha. Como poderia evitá-lo?
-Lhe diga o que te acabo de dizer, e te asseguro que não permitirá
que volte a entrar em sua casa. Esperava que o fizesse quando lhe adverti
isso, em uma ocasião anterior. Mas já vejo que não o tem feito.
-Não foi muito razoável. E segue sem sê-lo. Acusa-o de coisas
vagas, mas não me explica o acontecido. O que tem feito para que te
desgoste tanto? por que crie que tenta arruinar minha reputação?
-Para vingar-se de mim. me acredite, odeia-me tanto como eu a ele.
Ou mais, tendo em conta que não se saiu com a sua.
Charity sentiu um profundo aborrecimento. Obviamente se estava
refiriendo à mulher por cujo afeto tinham lutado. E não parecia lhe
importar tirar o tema em sua presença.
-Com a sua? No que?
-Não lhe posso contar isso -Es cierto. Es un asunto relacionado
con una dama, y sería un mal caballero si anduviera por ahí contando lo
sucedido.
-Claro. Limita-te a dar ordens e esperar que as cumpra. E logo diz
que não tenta dominar minha existência.
-Não lhe posso contar isso porque afeta a outra pessoa –disse-.
Afeta à honra de uma dama.
Charity o olhou com grande irritação. Reed tinha comentado que se
tratava de uma mulher qualquer, não de uma dama. Em sua estupidez,
pensou que seu prometido mentia.
-Já –riu-. Isso é o que sempre dizem os homens quando acreditam
que se trata de algo que poderia ferir a sensibilidade de uma frágil mulher.
Ou isso, ou que não o entenderia.
-É certo. É um assunto relacionado com uma dama, e seria um mau
cavalheiro se andasse por aí contando o acontecido.
-Não te peço que propague a história aos quatro ventos. Só te peço
uma boa razão para não ver o Faraday Reed.
-Maldita seja, é que não basta que lhe peça isso?
-Não o pede, ordena-o. Há uma diferença. Sou sua prometida, não
sua pulseira, e não aceito ordens. Se quer ter a alguém a quem pode dirigir
a seu desejo, sugiro que te busque outra esposa.
O conde a olhou com firmeza, de tal modo que Charity temeu que
pudesse romper o compromisso. Mas em lugar disso fez um gesto com a
cabeça e disse, olhando-a aos olhos:
-De acordo. Não lhe ordeno isso. Peço-te, como minha futura
algema, que me faça esse favor. E mais ainda, eu gostaria que me
acreditasse; deve acreditar minha palavra de honra. Não posso te contar
meus motivos, mas Reed é um canalha. Estou-te pedindo que confie em
mim.
Quando começou a falar, Charity sentiu a satisfação do triunfo. O
orgulhoso Lorde Dure não falava com ela como se fora uma menina, a não
ser com respeito. Entretanto, pedia muito mais do que parecia em
princípio. Pedia algo profundo, um compromisso em corpo e alma. Ante
ela se encontrava o homem ao que tanto tinham ferido os falatórios, um
homem conhecido como “o diabo Dure”. Charity sabia que todo aquilo
resultava doloroso para ele, apesar da aparente dureza que demonstrava. E
também sabia o muito que lhe custava rogar.
Charity o agarrou da mão.
-De acordo –disse, olhando-o-. Acredito-te. Evitarei ao senhor
Reed no futuro.
Simón elevou sua mão, beijou-a e a acariciou.
-Muito obrigado –disse com voz sensual-. Não tinha intenção de te
dar ordens. Quando o vi contigo me zanguei tanto que tive medo pelo que
poderia fazer contigo. me perdoe.
-Perdôo-te.
Charity deu um passo para ele, embriagada pela emoção que
demonstrava sua voz. ficou nas pontas dos pés e o beijou na bochecha.
Simón a rodeou com seus braços, atraiu-a fazia sim e a beijou com
paixão. Charity se deixou levar, excitada por suas carícias, e o conde se
estremeceu ao sentir seus seios.
Segundos mais tarde se separo dela, respirando de forma
entrecortada. Seus olhos brilhavam, ao igual a seus lábios. Apertou os
punhos, como tentando recordar o lugar onde se encontravam.
-Não, não devemos fazer isso. Deve pensar que sou uma espécie de
selvagem, disposto a saltar sobre ti à primeira oportunidade.
-Não –disse com suavidade, sonriendo-. Eu gosto que me beije.
-Não diga isso –gemeu-. Ou destroçará minha vontade.
-Sinto-o –deu um passo atrás-. esteve mal o que hei dito? Sou
muito atrevida?
-Não, não. Eu gosto de muito que diga coisas assim. eu adoro saber
que desfruta com meus beijos. De fato, eu gosto de muito. Quero te abraçar
e começar a te beijar de novo. Mas me temo que não poderia me deter, e
não devo te desonrar.
-OH.
Charity ficou sem fôlego. sentia-se um pouco enjoada. Sorriu e os
olhos de seu prometido brilharam como resposta.
-Tenho que partir –disse ele.
-Como? Tão logo?
-Sim, ou do contrário minha razão se nublará de forma definitiva.
Vim para te dizer que manhã me parto de Londres, de modo que não
poderei ir ao teatro esta noite. Estarei no parque do Deerfield durante umas
semanas.
-por que? –perguntou, frustrada.
-Não me olhe assim. Tenho que ir. Se ficasse... Estar contigo e não
poder te tocar é uma verdadeira tortura –a agarrou pelos ombros e a olhou
com intensidade-. Resulta-me muito duro me sentar contigo, sempre
acompanhada por sua mãe e irmãs, conversando amigavelmente quando
em realidade desejaria te abraçar e te cobrir de beijos.
-OH.
Charity sentiu que suas pernas apenas a sustentavam. O fogo que
brilhava nos olhos do Simón começava a derreter seus ossos.
-E quando tenho a oportunidade de te beijar, é ainda pior. Meu
desejo se transborda e quero mais, muito mais, mas seria um canalha se me
ultrapassasse.
-Mas logo será meu marido.
-Em efeito -disse, com fera posesividad-. Serei-o, e então te levarei
a minha cama e te farei minha esposa com todo o tempo e a delicadeza que
merece. Sem pressas, sem nos esconder depois dos arbustos de um jardim.
-E se te parte umas semanas, crie que não acontecerá?
-Espero que ao passar uns dias a sós seja capaz de recuperar o
controle de minhas desbocadas paixões. falei com seus pais, e se
mostraram de acordo em reduzir o período de noivado a seis meses. Dizem
que se fosse mais curto a gente começaria a falar. Partindo, conseguirei
que a tentação seja mais curta.
-Te sentirei falta de.
-Fará-o? Todo Londres está encantado contigo. É a atração do ano.
Charity se encolheu de ombros.
-Só porque vou casar me contigo. Do contrário, não se fixariam em
mim.
-Duvido-o, querida. Não passaria desapercebida em nenhuma
situação.
Charity arqueou uma sobrancelha.
-É um completo?
-Certamente –beijou sua mão-. Agora tenho que partir, ou sua tia
Ermintrude e toda seu corte se apresentará aqui para nos buscar. Um
passeio muito comprido pelo jardim despertaria suas suspeitas.
-Sei –suspirou-. Em Londres há muitas normas sociais; algo que
não acontece no campo.
-Confio em que será capaz de evitar os problemas durante minha
ausência.
-É obvio –disse com inocência-. O que quer dizer?
-Que não te coloque com carreteiros, não com agentes.
Charity riu.
-E que não me dedique a dar conselhos a quem não os quer.
-Compreendeste-o. E nisso fica incluído não recolher a todos os
animais que te encontre.
-Devo admitir que... Você gosta de Lucky, verdade?
Simón elevou a vista ao céu enquanto avançavam pelo jardim.
-Está destroçando minha casa. Os criados odeiam tirá-lo a rua,
porque os arrasta literalmente. E as criadas se queixam de que deixa
cabelos por toda parte e de que sobe às camas.
Charity riu de novo.
-Já vejo que te parece gracioso. Duvido que lhe parecesse isso se
descobrisse seu periódico destroçado, ou toda sua roupa babada e mordida.
-De verdade?
-De verdade. Além disso, crie ter direito a dormir aos pés de minha
cama. O cozinheiro ameaçou partindo se não me desfaço dele. Por certo,
isso me recorda que esta seria uma oportunidade perfeita para tirar o de
Londres.
-OH, adorará o campo.
-E Londres será um lugar muito mais seguro sem ele.
-Vamos, não me diga que você não gosta.
-Que remédio –arqueou uma sobrancelha-. Mas é infernal.
-Bem ao contrário, tenho entendido que o quer muito.
-Quem lhe há isso dito? Seja quem é, é um mentiroso.
-Dizem que te acompanha sempre quando sai ao parque.
-Segue-me e não quer voltar para casa.
-E todo mundo diz que começaste uma nova moda em cães.
-Como? –riu Simón-. Agora toda a aristrocracia de Londres quererá
ter vira-latas guias de ruas. Confiam tanto na moda que estão dispostos a
imitar a qualquer.
O conde se deteve o chegar à porta da casa e a olhou.
-Me prometa que tomará cuidado durante minha ausência.
-Prometo-o.
-Bem. Não quero que te aconteça nada mau.
-O que poderia me acontecer? –perguntou com suavidade.
-Não sei. Nada –respondeu, enquanto beijava sua frente-. A vida
começa a carecer de sentido sem ti, minha querida Charity.
Sua prometida sorriu.
-me ocorre o mesmo.
Seus lábios se tocaram em um curto e tímido beijo.
-Eu gostaria de te abraçar e te beijar, mas me temo que se o fizesse
não me partiria.
Simón se separou de forma brusca, e Charity suspirou.
-Adeus, meu carinho.
-Adeus.
O conde abriu a porta e a acompanhou ao interior da casa.
despediu-se dos pressente e partiu. Charity pensou nas vazias semanas que
a esperavam. Não sabia como ia sobreviver sem sua companhia.
12
Quando entrou na casa de sua irmã, Simón não estava de muito
bom humor. Não lhe agradavam as emoções que sentia. Tinha decidido
casar-se são amor para evitar-se preocupações, e ou lhe agradava ter
reagido de forma tão apaixonada ao ver sua prometida com o Faraday
Reed. Sua atitude ia muito mais à frente do aborrecimento ao observar que
o tinha desobedecido, e do temor a que perdesse sua reputação. Devia
admitir que aquela sensação tinha um nome definido: ciúmes. Sentia
pânico ao pensar que Charity podia cair sob as garrar do Reed. Tinha tido
que controlar-se até um extremo incrível para não atacá-lo ali mesmo.
Em realidade, não era a primeira vez que lhe acontecia. Também
tinha estado a ponto de perder o controle dias antes, quando beijou a sua
prometida sob a escada de serviço de sua mansão. Desde não ter
recuperado seu bom julgamento teria feito o amor com ela no chão, como
um animal, a pesar do risco de que os descobrissem.
Tudo tinha trocado desde que a conhecia. Seu mundo estava de
barriga para baixo. Até então nunca tinha desfrutado das festas; mas agora
assistia a todas esperando que se encontrasse ali. Nunca tinha visitado uma
mulher todos os dias, nem se tinha visto obrigado a partir ao pouco tempo
por razões sociais. Queria estar a sós com ela de uma vez.
Muito freqüentemente, surpreendia-se sonhando acordado em seu
escritório, em lugar de trabalhar; recordava sua risada, a imagem de suas
pernas quando subia a uma carruagem, ou a alegria de seus olhos. E de
noite despertava, suarento e excitado, depois de ter imaginado que faziam
o amor.
O período de noivado era toda uma tortura. Desejava tê-la ali
mesmo, naquele mesmo instante. Precisamente por isso tinha tido a idéia
de partir ao campo; mas quanto mais pensava nas semanas de separação,
mais insuportáveis lhe pareciam. Ao deixá-la em casa de sua tia havia
sentido uma tensa dor no peito. E isso era o pior de tudo. Não queria jogar
a de menos. Em muito pouco tempo se converteu em uma pessoa vital para
ele. Não ia ser o frio e conveniente matrimônio que tinha imaginado.
portanto, enquanto se dirigia a casa de sua irmã Simón se
encontrava a desgosto consigo mesmo, com o Charity e com o mundo em
gera. Tão zangado estava que quando um dos criados abriu a porta e rogou
que esperasse, que iria ver se a senhora se encontrava em casa, Simón o
empurrou e disse:
-É obvio que está em casa. Se tivesse saído, já o haveria dito.
-Mas Lorde Dure... –duvidou.
Simón se dirigiu para a escada, cruzando o espaçoso saguão.
-Onde está? Vamos? –perguntou, fazendo caso omisso de seus
protestos.
-Não sei, milord. Deixe que envie uma criada a procurá-la.
-Não te incomode. Encontrarei-a eu mesmo.
Deixou ao criado no saguão e subiu as escadas. Quando chegou ao
piso superior se dirigiu a salita que comunicava com as habitações de sua
irmã. Estava vazia, de modo que procedeu a abrir a seguinte porta.
-Venetia? –perguntou.
As cortinas do dormitório estavam jogadas e a habitação
permanecia em penumbra, mas apesar de tudo distinguiu a silhueta de sua
irmã, sentada em uma poltrona junta ao leito.
-O que está fazendo aqui? Está doente?
-Não, claro que não –respondeu com voz débil-. A que ás vindo,
Simon? por que entra em minha habitação como se te perseguisse o diabo?
Venetia se levantou.
-Tenho a impressão de que me persegue realmente –respondeu-. Ao
menos, em forma de uma jovem dama loira.
-OH. zangou-se Charity contigo?
-Sim. Não. OH, esquece-o, Venetia. Nem sequer sei a quem culpar.
A mim. A ninguém. Não sei. por que correste as cortinas?
Simón caminhou para a janela.
-Doía-me a cabeça –mentiu-. Sente-se e me conte no que outras
confusões se ah metido Charity. Espero que não tenha encontrado a outro
cão.
Venetia caminhou para uma poltrona que se encontrava no extremo
oposto da habitação e se sentou.
-Não, graças a Deus não se colocou em nenhuma confusão. É esse
maldito Reed. Está-a perseguindo. Disse-lhe que não se relacionasse com
ele, mas é tão obstinada como...
-Como você? –sugeriu.
O senso de humor do Simón retornou a tempo, em forma de risada.
-Sim, como eu. Deus nos ampare –disse, enquanto tomava assento-.
Deixa que esse canalha a visite. Não contou a sua mãe que eu não queria
que o visse. A senhora Emerson pensa que é um cavalheiro maravilhoso,
como todas as idiotas desta cidade. Como é possível que não se dêem
conta de seu verdadeiro caráter?
-Estou segura de que algumas pessoas são conscientes disso. Pode
que também tenham sofrido alguma amarga experiência a respeito, ou que
ao igual a aconteceu a ti e a mim faz oito anos não queiram que todo
mundo se inteire de seus segredos.
-É possível. Mas me diga, o que posso fazer com o Charity?
Prometeu-me que não voltará a vê-lo. Entretanto, só o há dito por me
agradar. Nem sequer acredita que seja um canalha.
-Deveu lhe contar a verdade.
-E revelar o que te ocorreu? Sei razoável, Venetia. Não posso te
trair, nem sequer a favor de minha prometida. Oxalá pudesse limitar-se a
confiar em mim.
-Estou segura de que o fará –disse-. Lhe dê tempo. A fim de
quantas estão comprometidos há muito pouco. Ainda não te conhece.
-O noivado está resultando um verdadeiro inferno. por que temos
que esperar tanto? Nem sequer serve para nos conhecer melhor, porque
logo que estamos sozinhos uns minutos. A única maneira de chegar a
conhecer uma mulher, nestas circunstâncias, é casar-se com ela.
-É esse o problema? –sorriu-. Que não a vê tanto como quereria?
-Maldita seja, é minha prometida. Não vou arruinar sua reputação
só porque nos vejamos dez minutos a sós.
-Bom, em realidade não é algo tão estrito –brincou-. pudeste dançar
com ela mais de duas vezes sem causar nenhum escândalo; e sentaste a seu
lado e até jogaste a algum jovem com a audácia suficiente para pedir um
baile.
Simón sorriu.
-OH, sim, maravilhoso –suspirou-. Sinto muito, Venetia. Não devi
vir a te incomodar com meus problemas. Embora em realidade não estou
aqui por isso.
-Então?
Simón se levantou e caminhou para ela.
-vim porque é uma irmã maravilhosa. Vamos, te despeça de mim.
Vou ao campo a passar umas semanas.
-Ah, já vejo.
-A que te refere?
-Está tão desesperado que decidiste te retirar ao parque do
Deerfield para te tranqüilizar um pouco.
-Certo. A tardança nas bodas me está voltando louco.
-Bom, a espera terminará.
-consegui que Lytton a reduza a seis meses.
-Não se preocupe. Seis meses passam em seguida.
-Duvido-o.
-Espera e verá. Já aconteceu quase um mês, e para quando retornar
do campo ficará muito pouco. Os preparativos farão que o tempo
transcorra mais depressa.
Venetia o agarrou do braço e o acompanho à porta.
-Temo-me que eu não tenho muito que dizer no assunto dos
preparativos.
-Certo. Então, no plano para a lua de mel.
Simon sorriu e pensou na perspectiva de fazer um comprido viaje
de companhia de sua prometida. asseguraria-se de que fora adequadamente
largo, talvez a Itália. Imaginou a cena, atravessando a Europa em trem em
um compartimento, escutado o estalo continuado das rodas e descansando
juntos na mesma cama.
Quando saíram ao corredor, melhor iluminado, Simón se deteve e
olhou a sua irmã.
-estiveste chorando.
-Tanto se nota? –perguntou.
Veneetia se levou as mãos à cara.
-O suficiente. Além disso, ainda podem ver-se os restos das
lágrimas em suas bochechas. E pensar que te afligi mais com meus
problemas... O que acontece, Venny?
-Nada. chegaste em mau momento. Estou algo triste, mas sem
razão alguma.
-Sem razão? Encerra-te em seu dormitório com as cortinas jogadas
e chora em solidão. Não acredito que esteja dizendo a verdade.
Simón se deu a volta e a levou a dormitório. Ato seguido, fechou a
porta a suas costas.
-Muito bem. me diga o que acontece. Faz semanas que não é a
mesma. Inclusive eu o notei. Está pálida e distraída, e sempre insiste em
que não passa nada. Estou seguro de que George também o terá notado.
falaste com ele?
-Com o George? –perguntou, horrorizada-. Não, Por Deus, não
poderia.
-Não poderia falar com seu próprio marido? Nem com seu irmão?
-Não posso dizer-lhe a ninguém –exclamou.
Venetia começou a chorar de novo.
-Sinto muito, irmã. Não chore. Não pode ser tão mau.
Simón não sabia o que fazer. Não pretendia entristecê-la mais.
Como única resposta a suas palavras, Venetia começou a chorar
com mais desespero. O conde tirou seu lenço branco e o deu. Ela o
agarrou, soluçando, e se secou os olhos.
-Agora te tranqüilize e me diga o que acontece.
-Não... não posso.
-É obvio que pode. me pode contar isso tudo. Sou seu irmão. É que
há alguém além de Lorde Ashford?
Venetia o olhou com assombro.
-Está perguntando se tiver uma aventura? Simón! Como pode
pensar isso de mim?
-Sabe muito bem que minha opinião de ti não pode ser mais
positiva. Mas sei razoável. Está-te comportando de forma tão estranha...
-É Reed! –confessou, chorando de novo-. OH, Simón, não sei o que
posso fazer!
-Faraday Reed? –perguntou, entrecerrando os olhos-. O que te tem
feito? Esteve-te incomodando? atreveu-se a tal coisa?
-Fez algo muito pior que me incomodar. ameaçou contando o
acontecido ao George. Obriga-me a lhe pagar grandes somas de dinheiro
em troca de seu silêncio. E agora quer mais! Não sei o que fazer. Dei-lhe
tudo o que tinha. Terei que vender minhas jóias, e não posso fazê-lo. São
presentes do George e de minha mãe. Não posso as vender!
-Está te extorquindo? –perguntou, furioso-. Esse maldito canalha!
Matarei-o!
Simon se deu a volta e caminhou para a porta.
-Simon! Espera! Não, por favor, não o mate.
-Muito bem, não o farei -aceitou, impaciente-. Não merece a pena.
Mas te asseguro que resolverei este assunto.
-Como? Simón, não quero um escândalo. George não deve inteirar-
se. E não quero que saia ferido.
-Não se preocupe por mim. Esse imbecil não poderia me fazer
danifico. Não tem caráter. Ainda recorda o que aconteceu a última vez, e
não quererá repetir a experiência.
-Mas o dirá ao George!
-Não o fará. Não tiraria nada com isso. Se o fizesse, não
conseguiria seu dinheiro e George o destroçaria.
-Mas George me odiaria se chegasse a inteirar-se! Não posso correr
o risco.
-Duvido-o. George esta muito apaixonado por ti. Esteve-o sempre.
-Mas não conhece a verdade. Se a conhecesse, odiaria-me.
-Estou-te dizendo que George não saberá nada. Reed não se
arriscaria a contar-lhe Sabe que eu interviria, e é muito covarde para
enfrentar-se a mim de forma direta. Além disso, se alguém chegasse a
inteirar-se do acontecido, não só arruinaria sua reputação, mas também
também a sua. Nenhuma dama decente quereria recebê-lo em sua casa de
novo. Não, tem muito que perder. Assim que saiba que sei o que acontece,
deixará de te ameaçar. Deixa que me encarregue disso.
-OH, Simón! Tem razão. lhe devi contar isso antes. Mas não podia
pensar; tinha tanto medo...
O rosto da Venetia se iluminou. Tinha passado dias terríveis,
pensando que seu marido se inteiraria, que a odiaria e que todo mundo lhe
daria as costas. Mas Simón, uma vez mais, corria a resgatá-la. Devia
confiar nele. Já a tinha salvado do Reed em uma ocasião e podia fazê-lo de
novo.
-É obvio, mas deixa de preocupar-se. Eu me encarregarei, esta
mesma noite. Não voltará a te incomodar. E se o faz, me escreva ao
Deerfield e voltarei.
De forma impulsiva, Venetia se equilibrou sobre seu irmão e o
abraçou.
-É o melhor dos irmãos.
Simón sorriu e agarrou seu queixo com dois dedos.
-Em tal caso, poderia falar em meu favor com o Charity. Acredita
que sou uma espécie de tirano.
-Não acredito –protestou.
Simón negou com a cabeça e a beijou na frente.
-Não se preocupe –insistiu-. Ao menos, prometeu que seguirá meu
conselho, algo que não fez no passado.
Naquela promessa havia algo que fazia que se sentisse muito
melhor, embora não sabia o que. Não se tratava de que tivesse acessado a
seus desejos. Não queria que fora uma dessas mulheres que não atuavam
sem a permissão de seus maridos. Gostava de sua independência e seu
caráter, e até os encontrava excitantes. Mas tinha crédulo nele, um pouco
muito importante. Não queria deixar de ver aquele canalha e apesar de tudo
tinha crédulo nele.
Sentia uma irrefreável fúria contra Faraday Reed, mas durante o
caminho conseguiu tranqüilizar-se um pouco. Do contrário, teria atacado
sem mais, mas não queria dar um espetáculo, por muito que gostasse. Em
lugar disso avançou pelas elegantes habitações, olhando a direita e
esquerda e fazendo caso omisso dos olhares de curiosidade.
Ao final o encontrou em uma das habitações para fumantes,
conversando com outro homem. Reed pareceu notar sua presença, porque
se deu a volta. Ao vê-lo ficou em tensão, nervoso. Mas a presença de mais
pessoas o tranqüilizou o suficiente para enfrentar-se a ele. cruzou-se de
braços e sorriu.
-Lorde Dure –saudou, com uma reverência sarcástica-. Me alegro
de vê-lo de novo. Esta tarde não tivemos ocasião de falar com mais
tranqüilidade.
Simón saudou seus acompanhantes.
-Herrington... Temo-me que terá que desculpar ao senhor Reed.
Devemos tratar certos assuntos em privado.
-É obvio –disse o outro homem-. Reed...
Quando o homem partiu, Faraday olhou ao conde e arqueou uma
sobrancelha.
-Não se pode negar que tem o dom de gente. Suas maneiras são
também tão encantados com sua prometida? Não sente saudades que a
pobre prefira minha companhia.
-Meu prometida não é seu assunto –espetou.
-Qualquer dama jovem e aborrecida o é -sorriu.
Reed suspirou.
-Ninguém lhe há dito alguma vez quão aborrecido pude chegar a
ser?
Simón sorriu entre dentes.
-Serei algo pior que aborrecido se insistir em ver a senhorita
Emerson.
-Meu amigo, por nada do mundo interferiria no matrimônio de
outro homem.
-Conheço-o muito bem. Sei que aproveitaria qualquer oportunidade
para vingar-se. Mas não importa. Sou perfeitamente capaz de cuidar de
mim. Entretanto, não permitirei que faça mal a minha futura algema.
-Não tenho nenhuma intenção –sorriu com fingida inocência-.
Como poderia ferir tão delicada criatura?
-Acredito que seria perfeitamente capaz. Em qualquer caso, confio
em que seu instinto de sobrevivência evitará que se arrisque a um pouco
tão perigoso.
-Quer dizer que estaria disposto a barirse em duelo por sua
prometida? Tal escândalo não faria nenhum bem a jovem.
-Jamais me bateria com um verme. Umas chicotadas em suas costas
seriam mais apropriadas.
Reed se ruborizou e apertou os punhos ante o insulto. Simón
esperou, disposto a deter o golpe e amassá-lo. Mas Reed se relaxou em
seguida e sorriu de forma forçada.
-Não. Não penso morder seu anzol. Há outras formas das ver-se
com você, Lorde Dure.
-Sim, sei que seus instintos são mais sinuosos e pérfidos.
Precisamente estou aqui por isso. Minha irmã me contou isso tudo. E não
receberá nem um penique mais.
-De verdade? Acredita que estaria disposta a enfrentar-se ao
escárnio social?
-Não acontecerá tal coisa. Sei que não o fará. Arruinaria a
reputação de minha irmã, mas também a sua. Nenhuma só dessas damas às
que tanto gosta de voltaria a lhe dirigir a palavra. Além disso, pôde lhe
assegurar que nem Lorde Ashford nem eu permaneceríamos com os braços
cruzados. Pode que Lorde Ashford pareça um plácido, mas é muito bom
com as pistolas. E se não acabasse com você, faria-o eu. Acredito que já
teve ocasião de comprová-lo.
Reed empalideceu. A camisa não lhe chegava ao pescoço. Sabia
que as pessoas que se encontravam na habitação os estavam olhando, e não
podia permitir que ninguém notasse o pânico que sentia. Com muita
dificuldade, as arrumou para dizer:
-Nenhum dos dois estaria disposto a pagar o preço desse escândalo.
-Que escândalo? Se já tivesse arruinado a reputação da Veneria, o
que perderíamos com isso? Se revelar o que aconteceu faz oito anos, terá
que assumir as conseqüências.
-Tudo isto é absurdo. Não ameacei a sua irmã –disse em tom mais
suave-, nem tinha intenção de lhe tirar dinheiro. Simplesmente, interpretou
mal uma brincadeira.
-É obvio –sorriu com ironia-. Então, sugiro que tenha mais cuidado
com suas brincadeiras no futuro.
Simón se deu a volta, em direção à saída. Mas antes de chegar,
girou-se e acrescentou, com tom seco e frio:
-Recorde o que acabo de dizer, se apreciar em lago sua vida.
Dito aquilo, partiu.
13
Charity recordou a promessa que tinha feito a seu prometido e
evitou ao Faraday Reed ao dia seguinte. Parecia algo cruel, tendo em conta
que não tinha feito nada para merecer tal trato, e se sentia culpado por isso.
Mas devia fazê-lo.
Dois dias mais tarde Venta chegou à casa de sua tia Ermintrude, a
uma hora bastante temprana, e pediu falar com o Charity.
Charity correu escada abaixo por volta da salita que utilizavam
pelas manhãs, um lugar que freqüentavam as mulheres da casa quando não
havia visitas.
-Venetia! Quanto me alegro de verte.
Venetia sorriu de forma forçada.
-É muito amável. Sei que é muito em breve, e devo me desculpar.
Mas tinha que falar contigo antes de que recebesse a nenhum convidado.
É muito importante que fale contigo a sós.
-Ocorre algo? –perguntou, preocupada.
Venetia estava muito pálida, e havia uma estranha luz em seus
olhos, tão parecidos com os do Simón.
-Sim. Bom, não. Não sim por onde começar. Charity, posso falar
abertamente neste lugar?
Charity piscou, surpreendida. Parecia bastante sério.
-Não estou segura. Pode que apareçam minha mãe ou a tia
Ermintrude, sobre tudo se souberem que está aqui. Vamos à biblioteca.
Ninguém a usa nunca, e podemos jogar o fecho.
Venetia sorriu com mais naturalidade, embora seguia pálida
enquanto caminhavam para a biblioteca.
Em seguida compreendeu o motivo de que não utilizassem aquela
habitação. Era uma sala escura, com móveis incômodos. Mas a Venetia
não importava absolutamente seu aspecto. sentou-se no sofá de couro,
voltou a levantar-se e caminhou com nervosismo, de um lado a outro, sem
deixar de esfregar suas mãos. Charity estava assombrada com seu
comportamento.
Jogou o fecho, como tinha prometido e perguntou.
-O que acontece? Parece muito alterada.
-Isto não me resulta fácil. Não teria vindo de não ser porque... Bom,
Simón fez muitas coisas por mim, e lhe devo ao menos isto. O outro dia,
quando vimos esse indivíduo, soube que lhe devia dizer isso mas não pude.
E temo que possa me odiar por isso.
-Venetia, do que está falando? Como poderia te odiar? É uma
mulher maravilhosa, e uma boa amigo.
-Não tão boa. Ao princípio, não sabia que conhecesse o Faraday
Reed.
-O senhor Reed -disse, arqueando as sobrancelhas-. Bom, conheci-
o na festa do Lady Rotterham. Pediu-te o conde que me peça que deixe de
vê-lo?
-Não. Simon não sabe que vim a verte. Não teria querido que o
fizesse, nem que te revelasse a verdade. Como dizia, não soube que o
conhecia até o dia que fomos às compras. lhe devi dizer isso então, mas
não tive valor, e esperava que Simon conseguisse te convencer para que
deixasse de vê-lo. Então, meu irmão me disse que Reed estava interessado
em ti.
Charity riu.
-Não seja tola, Venetia. O senhor Reed é um homem casado. Não
tenta me seduzir. foi um bom amigo. Mas de todas formas, prometi ao
Smión que não voltaria a vê-lo. Não era necessário que lhe dissesse isso.
Charity se sentiu um pouco indignada ao saber que seu prometido
tinha contado a discussão que tinha mantido ao Lady Ashford, como se não
confiasse em que manteria sua promessa. Venetia soube o que estava
pensando assim que a olhou, de modo que prosseguiu com sua explicação.
-Simón não me pediu que viesse. Devo insistir nisso. Bem ao
contrário, disse que tinha prometido não voltar a vê-lo. Mas em qualquer
caso devi te dizer a verdade faz muito tempo. Esta situação criou um
problema entre vós, e merece conhecer a razão pela que Simón pretende
que deixe de te relacionar com ele –o rosto da Venetia se endureceu antes
de prosseguir-. Faraday Reed está tentando ganhar seu afeto. me acredite,
seu estado civil não significa nada para ele. Tenta vingar-se de meu irmão.
-Deve estar equivocada –duvidou, sem compreender o que tinha
Venetia que beira em todo aquilo-. Resulta evidente que Lorde Dure
detesta ao senhor Reed, mas o senhor Reed não há dito uma só palavra em
seu contrário.
-Porque não há nada sincero nele. Está jogando contigo. Não é mais
que um peão em uma turva vingança. O objeto que escolheu para ferir meu
irmão.
Venetia caminhava de um lado a outro. Um segundo mais tarde,
deu a volta, muito tensa, e seguiu falando.
-Simón não quis te contar a razão de seu ódio pró o Reed porque
teria comprometido a outra pessoa. E nunca me trairia. Não em vão, é um
homem de honra.
-Te trair!
Charity sentiu que suas pernas apenas a sustentavam. Suspeitava
que se comportou como uma perfeita estúpida todo o tempo.
-Sim, me trair. Devo admitir que em minha juventude era bastante
parva –se ruborizou-. Faraday Reed me cortejava. Ao Simón não agradava
absolutamente, e me advertiu que não confiasse nesse homem. Seu sexto
sentido lhe dizia que era um canalha. Mas eu estava muito apaixonada para
me dar conta. Reed queria casar-se comigo, com a oposição de meu avô.
Não tinha dinheiro, e tanto ele como meu irmão pensavam que só ia detrás
de nossa fortuna. Tinham razão, mas não acreditei. Estava tão furiosa e tão
confundida, que disse coisas horríveis ao Simón e a meu avô, coisas das
que sempre me arrependerei.
-Não é necessário que siga. Acredito-te. Não voltarei a falar com o
senhor Reed, e direi a minha mãe que não o receba nunca mais.
-Não –a olhou com firmeza-. Lhe devo contar isso tudo. É o único
modo de que compreenda que é um miserável, o único modo de que não
volte a acreditar em nenhuma de suas mentiras. Assim entenderá o ódio do
Simón, e o motivo pelo que Reed quer vingar-se.
Venetia respirou profundamente antes de seguir.
-Reed me convenceu para que fugíssemos juntos, com a intenção
de nos casar em segredo. Disse que meu avô não teria mais remedeio que
aceitar nossas núpcias. Só me dava conta da estupidez que tinha cometido
quando já nos encontrávamos na carruagem que tinha que nos levar longe
de ali. ia atrair a desgraça sobre minha família, e me arrependi. O que me
tinha parecido um ato romântico era, em realidade, algo sórdido. Disse ao
Reed que queria retornar, e ele tentou me convencer do contrário. Mas eu
insisti. Então, disse que nos deteríamos na seguinte estalagem para trocar
de cavalos antes de empreender o caminho de volta. Cuado o fizemos,
pediu uma habitação para que comêssemos em privado Y...
Veneti baixou a vez e apartou o olhar.
-Tentou me seduzir –continuou-. Mas ao ver que não obtinha o que
desejava, me... forçou.
-OH, Venetia... –acertou a dizer-. Sinto-o tanto... Que horror.
De forma impulsiva, aproximou-se dela e a agarrou da mão.
Venetia sorriu.
-Obrigado. É uma garota maravilhosa. Imagino que muitas pessoas
se teriam escandalizado por meu comportamento e haveriam dito que me
estava bem empregado.
-Não, é obvio que não. Como podia sabê-lo?
-Não todo mundo é de tão bom coração como você. Em qualquer
caso, então compreendi que tanto meu avô como Simón tinham razão ao
me advertir que só pretendia minha fortuna. depois de me violar tentou me
levar a uma igreja para casar-se comigo. Disse-me que não tinha mais
remedeio depois do que tinha acontecido. Não sei o que teria feito. Mas
Simon apareceu de repente. Seguiu-nos e me resgatou.
Charity a olhou com olhos brilhantes.
-Graças a Deus que te encontrou.
-Sim. Estava furioso. Começou a golpear ao Reed. Não sei o que
teria passado de não havê-los separado uns homens. Simón lhe rompeu o
nariz e o deixou ferido gravemente. Faraday demorou vários meses em dar
sinais de vida. Simón não quis jogar o de Londres, porque a gente teria
adivinhado que acontecia algo estranho. Reed não é nenhum cavalheiro.
Apesar de tudo, meu irmão deixou bem claro que se lhe ocorria contar o
acontecido se encarregaria pessoalmente de que não voltassem a recebê-lo
em nenhum sítio. Faraday Reed não teve mais remedeio que obedecer. Do
contrário, não teria conseguido casar-se com nenhuma dama.
Charity se ruborizou ao pensar no estúpida, ingênua e pacata que
tinha sido ao confiar em tamaña serpente.
-Não sente saudades que Simón se enfurecesse à lombriga com ele.
Isto é horrível. Devi acreditá-lo em um princípio. Mas fui uma estúpida.
cometi um tremendo engano. Deve estar muito zangado comigo, depois de
todas as coisas que hei dito. E pensar que o tinha por um tirano... Crie que
me perdoará alguma vez?
-É obvio –sorriu com calidez-. Perdoaria-te muitas coisas, ainda
piores. Quer-te muito.
-De verdade?
Charity recordou as frite e calculadoras razões que estavam na
base de seu futuro matrimônio. Mas também recordou seus apaixonados
beijos, beijos nos que não havia frieza alguma. Cabia a possibilidade de
que sua irmã tivesse razão. Queria algo mais que uma esposa apropriada.
-É obvio, querida. Do contrário não estaria aqui. Ninguém sabe o
que aconteceu, nem sequer meu marido, George. Não podia permitir que
Reed se interpor em sua felicidade. Pretendia ganhar sua confiança para
ferir o Simón.
-foste muito valente ao me dizer isso Sinto que tenha tido que
sofrer ao recordar feitos tão penosos.
-Bom, é água passada. Ninguém soube nunca. Quando Reed
desapareceu, tive a oportunidade de descobrir quão maravilhoso era Lorde
Ashford. Amo-o com todo meu ser.
-Não o compreendo. por que odeia Reed ao Simón? Eu diria que o
único que tem razões para vingar-se é meu prometido.
-Porque Faraday Reed é um monstro que só pensa em si mesmo –
espetou-. Eu nunca lhe importei. Só queria meu dinheiro, e o teria obtido
de chegar a desposar-se comigo. É um homem muito vaidoso, e Simón o
humilhou. Perdeu-me e demorou muito tempo em encontrar mais ingênuas
que confiassem nele. Todos esses rumores que correram sobre o Simón...
Estou segura de que os propagou ele. Não posso demonstrá-lo, mas é
assim. É um canalha.
-Como pode ser tão miserável?
-Não sei, nem me importa. Mas te prometo que não trocou
absolutamente. Sei que tentava te seduzir para humilhar ao Simón em
público e destruir sua reputação. Que esteja casado ou não, pouco importa
para ele.
-Mas como podia acreditar que ia trair a meu prometido?
Seu assombro era tão sincero e ingênuo que Venetia riu.
-Não te conhece, e não conhece o Simón. Acredita que pode deitar-
se com qualquer mulher. Mas em qualquer caso, de não consegui-lo, te
teria forçado.
Charity ficou sem fala.
-Fez-o comigo –recordou Venetia.
-Nunca imaginei que... comportou-se como um bom amigo. Jamais
disse nada contra Simón, e entretanto as arrumou para que parecesse que
meu prometido era um homem pouco razoável. Contou-me que tinha
discutido com ele a causo de uma qualquer. E entretanto, tratava-se de ti...
De repente, Charity deixou de falar. Acabava de cair na conto de
algo terrível.
-As notas!
-Que notas?
-Como é possível que não me tenha dado conta antes? As notas que
estive recebendo deveu as enviar o senhor Reed.
-Do que está falando? Que notas são essas?
Charity lhe contou todo o relativo às maliciosas missivas.
-E cada vez que recebia uma –prosseguiu-, Faraday Reed estava
perto. Primeiro foi no baile do Rotterham. Depois, através de um menino,
no parque. Não sente saudades que aquele menino pudesse me encontrar.
Não duvido que foi Reed, em pessoa, quem o disse. E a última vez
apareceu pouco depois de que encontrasse outra nota em umas flores.
Perguntei aos criados, mas todos negaram ter algo que ver. Não sente
saudades. Pensariam que era uma carta de amor do Reed, um cavalheiro, e
não quereriam ter problemas com ele.
-Onde estão essas notas? As ensinaste ao Sióon?
-É obvio que não. Não queria inquietá-lo com tal nimiedad. E
tampouco queria que soubessem meus pais, por temor de que começassem
a ter dúvidas sobre o Simón. Minhas irmãs se teriam aterrorizado. O teriam
contado a todo mundo.
Venetia sorriu.
-foste encantada ao tentar protegê-lo, mas deveu dizer-lhe Teria
acalmado suas dúvidas.
-Não duvidei nunca do Simón. Simplesmente, não queria
incomodá-lo. Além disso, o senhor Reed as arrumou para estar sempre
presente. Eu acreditava que só tentava me ajudar, me escutando. Tinha
intenção de me assustar, mas quando se deu conta de que não me assustaria
com tanta facilidade decidiu semear a dúvida em mim. Até chegou a
insinuar que talvez as enviasse um antigo admirador. Utilizou o assunto
das notas para ganhar minha confiança. Deveu rir a suas largas quando
pedi que me ajudasse a descobrir ao culpado. OH, como desejo lhe pôr as
mãos em cima e lhe dizer tudo o que penso. Deveria denunciá-lo pelo que
tem feito. O mundo inteiro deve sabe o tipo de homem que é!
-Não pode fazer tal coisa –disse alarmada-. Seria escandaloso. Não
tem nenhuma prova.
-Não, tem razão. E obviamente não posso revelar o que me
contaste. Suponho que terei que manter silêncio. Direi a minha mãe que
não volte a recebê-lo em casa. Não se preocupe, não direi nada. Bastará
com que diga que o pede Lorde Dure.
Venetia sorriu.
-Obrigado.
-Obrigado? por que? Sou eu a que devo estar agradecida. foste
capaz de me revelar algo tão pessoal só para me ajudar.
-Dou-te as obrigado por seguir sendo meu amiga apesar de minha
covardia inicial.
-Como pôde acreditar, sequer por um instante, que deixaria de sê-
lo?
-Há muitas pessoas que se negariam a me receber em sua casa se
soubessem.
-Neste assunto não há mais culpado que Faraday Reed. Ser ingênua
não é nenhum pecado. O mundo seria um lugar muito melhor se houvesse
mais pessoas como você.
Os olhos da Venetia se encheram de lágrimas.
-Obrigado. Me alegro muito de que vás casar te com meu irmão.
Sei que o fará feliz.
De forma impulsiva, abraçou-a.
-Isso espero. Quero fazê-lo feliz.
-Conseguirá-o. Sei –sorriu.
Poucos minutas mais tarde, Venetia partiu. Charity se sentou,
tentando assumir tudo o que tinha escutado. Ao pensar no que Reed fazia e
no que pretendia fazer, sentiu uma fúria intensa. Então, sorriu para seus
adentros. Faraday Reed pensava que não era mais que uma jovem de
províncias, pacata e estúpida, mas em pouco tempo descobriria que se
equivocava por completo.
Charity evitou a companhia do Reed depois daquilo. afastava-se
cada vez que ele se aproximava, e se aparecia quando estava falando com
outras pessoas, desculpava-se e partia do lugar. Assim que disse a sua mãe
que Lorde Dure não queria que o vissem, Caroline deu ordens à servidão
para que lhe impedissem a entrada.
Agora, cada vez que o via em alguma festa, notava que seu sorriso
era falso, ao igual a sua aparente cortesia. E quando comparava sua atitude
e sua presença com o carisma do Simón, encontrava ridículo que
pretendesse seduzi-la e apartar a de seu prometido.
Em realidade, passava os dias pensando no Simón. Reed só era uma
moléstia que aparecia de vez em quando, em acontecimentos sociais.
Jogava muito de menos a Lorde Dure.
Sem ele, nada tinha sentido. Festas, comidas e celebrações
resultavam atos frívolos e aborrecidos. Recebeu uma carta do conde,
bastante fria e impessoal; mas se alegrou de que o fora, porque sua mãe as
lia todas. Charity devolveu a missiva com uma nota igualmente parca em
sentimentos. Não podia lhe dizer por escrito o muito que o sentia falta de,
nem esperar que ele o fizesse. A moral vitoriana o impedia, e por outra
parte tinha medo de que a considerasse muito atrevida. quanto mais
conhecia, mais compreendia que não queria manter uma relação distante
com ele. Desejava muito mais. E apesar do dito pela Venetia, temia que
seus sentimentos não fossem recíprocos.
Duas semanas depois de que Dure partisse, Charity assistiu a uma
ópera em companhia da tia Ermintrude e um de seus anciões amigos. Tanto
sua mãe como suas irmãs se encontravam em um baile. Charity tinha
declinado as acompanhar porque só desejava dançar com seu prometido.
Em realidade encontrava muito aborrecida a ópera, mas era melhor que
sentir-se só em uma festa. O amigo de sua tia, um militar retirado de
bigodes brancos, ocupava toda a atenção do Ermintrude; graças a isso, era
livre de deixar voar seus pensamentos.
Fazia uma hora que tinha começado o espetáculo quando ouviu um
golpecito na porta do camarote. Charity olhou a sua tia e ao General
Popham, mas nenhum dos dois se deu conta. Ermintrude olhava fazia outro
camarote, utilizando seus pequenos impertinentes, enquanto sussurrava
algo a seu acompanhante; o militar encontrou perfeita a ocasião para
aproximar-se e sussurrar algo ao ouvido, e a anciã ria encantada. de vez em
quando o golpeava brandamente com seu leque, coquete. O processo se
repetiu várias vezes, e Charity suspeitava que sua tia olhava para os
camarotes só para ter a oportunidade de cochichar com o general.
Como nenhum dos dois tinha escutado a chamada, Charity se
levantou de seu assento e abriu a porta. No exterior se encontrava o conde
de Dure.
14
Charity se surpreendeu tanto que teve que levar uma mão à boca
para não gritar. Sem pensá-lo duas vezes, equilibrou-se sobre ele. Dure a
abraçou e baixou a cabeça para poder aspirar o aroma de seu cabelo, suave
e delicioso.
-Simón -sussurrou-. OH, Simón, tornaste. Me alegro tanto...
-Me sentiste falta de? –perguntou, com voz algo nervosa.
-OH, sim, sim. foram as duas piores semanas de toda minha vida.
Charity elevou o olhar, e Simón não pôde evitar beijá-la.
O contato de seus lábios foi algo maravilhoso para a jovem.
apertou-se contra ele, desejando provar seu sabor uma vez mais. Simón a
beijou então na cara e no pescoço; foram beijos curtos e rápidos, como se
queria sentir todo seu corpo.
Ao final prevaleceu o bom julgamento. Simón se deu conta de que
dariam um espetáculo se alguém aparecia no amplo corredor. Aquele
abraço, em um lugar público, resultava impróprio; e quanto a um beijo,
seria tomado como algo escandaloso. A contra gosto a soltou e deu um
passo atrás. Mas não soltou suas mãos.
Durante uns minutos se olharam, sonriendo.
-por que tornaste tão logo?
-Descobri que não me encontrava melhor ali. Não deixava de
pensar em ti. Com a diferença de que no campo não tinha a oportunidade
de verte, nem de ouvir sua voz. Decidi, portanto, que seria melhor sofrer a
tortura da espera em sua companhia. Ao menos, não me aborrecerei.
Foram as palavras que Charity esperava. Um sorriso cruzou seu
rosto. Simón beijou sua mão com suavidade, embora desejava ir muito
mais longe. As duas semanas transcorridas em solidão tinham suposto um
inferno que não podia descrever com palavras. Entretanto, tinham servido
para que fora consciente do muito que a necessitava. A lonjura,
contrariamente ao que tinha suposto, tinha incrementado também o desejo
que sentia pela jovem.
Apesar de tudo tentava convencer-se de que não estava apaixonado,
a não ser simplesmente encaprichado sexualmente por uma mulher
interessante a cujo lado passaria uma existência divertida. Sua presença
bastava para afastar as sombras de seu triste passado. Queria possui-la,
desposá-la e lhe fazer o amor. Em ocasiões, o desejo era tão grande que
logo que podia controlá-lo. A espera o desesperava, mas não vê-la tinha
sido pior.
Charity o acompanhou ao interior do camarote e se sentaram ao
fundo. Nem a tia Ermintrude nem seu acompanhante se deram conta.
Simón agarrou da mão a sua prometida e falaram em voz baixa.
-Quando retornaste? –perguntou ela, embora em realidade só lhe
preocupava o contato de seu corpo.
-Recentemente tempo. Fui a sua casa assim que cheguei, mas um
criado me disse que tinha saído à ópera.
Charity sorriu. Aquilo demonstrava o muito que desejava vê-la.
-E o que tem que o Lucky? Lhe gostou de sua nova casa?
-OH, sim. No campo pode correr a suas largas. Persegue as vacas e
às ovelhas, mete-se nos reservatórios e logo cheia de barro os chãos
encerados da senhora Channing.
Charity riu.
-Me alegro de que seja feliz ali.
Simón se revolveu em seu assento e se esclareceu garganta.
-Bom, de fato não está no Deerfield. Trouxe-o para Londres.
-Sabia que não o abandonaria! –apertou sua mão.
O olhar do Charity foi tão intensa e alegre que o pulso do conde se
acelerou.
-Nesse caso, sabia mais que eu. Tinha intenção de deixá-lo, até hoje
mesmo. Parecia saber que ia partir me e não se separou de mim. Quando
subi à carruagem nos seguiu correndo e ladrando. Apesar de meus
protestos se empenhou em nos seguir, e ao final tive que acessar –suspirou-
. Minha servidão em Londres sofreu uma terrível decepção ao ver o de
volta. Não pude encontrar mais desculpa a meu comportamento que uma
súbita perda de meu bom julgamento.
Charity riu.
-E o que tem feito você enquanto eu me via com esse vira-lata de
duvidoso nome?
-Bom, eu diria que tem um nome muito bonito. Não poderia ter
mais fortuna. De cão guia de ruas, a acompanhante de um conde.
-Talvez tenha sorte, mas não pode dizê-lo mesmo de seu dono.
Charity respondeu sua pergunta original.
-Bom, não te queixe. Eu não tenho feito nada interessante, salvo
assistir a aborrecidos ornamentos. E não tornei a ver o senhor Reed desde
que te partiu.
Simón a olhou e sorriu.
-Obrigado.
-Ao princípio, evitei-o. Logo veio Venetia e falou comigo sobre o
que ocorreu no passado.
Simon arqueou as sobrancelhas.
-Isso fez?
-Sim. Preocupava-lhe que pudesse romper a promessa que te fiz.
Não queria que tivéssemos problemas por sua culpa. E me fez
compreender muitas coisas. Eu... Não fui completamente sincera contigo
em certos assuntos.
Dure entrecerró os olhos.
-O que quer dizer?
-Por favor, não te zangue.
Charaty lhe contou o relativo às notas e à atitude do Reed,
pretendendo passar-se por seu amigo. Depois acrescentou:
-Sinto muito. Sei que me comportei com uma estupidez
imperdoável. Para ti teria sido evidente a autoria das notas.
-Esse rato... Devi fazer algo mais que ameaçá-lo o outro dia.
-Ameaçou-o?
-Sim. Tentava extorquir a minha irmã com o acontecido.
-Quer dizer que pretendia conseguir dinheiro a sua costa depois de
forçá-la? –perguntou, sem sair de seu assombro-. Que canalha!
-Eu gostaria de lhe dar uma boa lição. Talvez deveria visitá-lo de
novo. Parece acreditar que pode fazer o que quiser comigo e com meus.
-Não, por favor, não o faça. Não serviria para nada, e todo mundo
duvidaria de seus atos. Venetia está preocupada. Teme que possa perder o
controle.
-Sei. Precisamente para evitar o escândalo preferi não atuar. Os
falatórios começariam de novo. Por outra parte, é muito inteligente para
atuar de forma aberta, e resulta difícil encontrar provas para incriminá-lo.
Mas algum dia irá muito longe, e então me liberarei dele. por que não me
contou o das notas?
-Não queria te ferir.
-Pretende dizer que tentava me proteger?
-Em efeito. O que tem de estranho? Não queria que lhe ferissem.
Pensei que você não gostaria de conhecer as mentiras que propagam sobre
ti.
-Está segura de que são mentiras?
-É obvio que sim. Não mataria a ninguém, e muito menos a três
pessoas. Se fosse esse tipo de homem, já teria matado ao Reed.
-É uma grande pessoa, leal e valente –sorriu ele-. Acredito que até
agora ninguém tinha tentado me proteger. Certamente, nenhuma mulher.
Sinto-me... honrado.
-Honrado?
-Sim. Honrado de que me tenha escolhido para te casar, de que
tenha demonstrado tanta lealdade e coragem por mim. Não sei se o
mereço.
-Eu o julgarei –sorriu.
Simón desejou encontrar-se em outro lugar para poder beijar a de
forma apropriada. Entretanto, até uma acompanhante nada estrita como
Ermintrude teria considerado um atrevimento algo similar. De modo que
teve que contentar-se beijando sua mão e sentir sua pele nos lábios. Não
sabia como ia sobreviver os quatro meses que faltavam até que pudesse
deitar-se com ela.
Charity olhou ao redor da sala de baile. Dure não se encontrava em
lugar algum. Pensava ir ao baile dos Bannerfield, mas ainda não tinha
chegado. Sabia que não tinha por costume chegar logo a aqueles
acontecimentos, mas desejava tanto vê-lo que tinha a impressão de que
tinham acontecido dias desde à noite da ópera.
Os balcões do salão estavam abertos, mas apesar disso o ambiente
estava carregado e calorosa no interior. Para piorar as coisas, os novos
sapatos que se comprou lhe faziam mal nos pés. Faraday Reed estava
presente, e não tinha deixado de olhá-la desde que entraram. Tinha
conseguido evitá-lo uma e outra vez, mas lhe preocupava o que pudesse
fazer e a reação do Simón se chegavam a encontrar-se.
Suspirou e olhou para a terraço. Gostava de sair e sentir o ira
afresco da noite, afastar-se da multidão.
Olhou a sua mãe. Caroline estava enfrascado em uma conversação
com a senhora Greenbridge. Sua filha se casou dois meses atrás, e Caroline
tinha encontrado uma verdadeira mina de informação em sua mãe.
Estavam falando sobre vestidos de bodas. Charity olhou de novo a seu
redor e viu que ninguém observava. Rapidamente, caminhou para o
exterior; e depois de várias saudações se encontrou na terraço.
Ao sentir o ar fresco suspirou e se afastou um pouco dos balcões
para não ter que ouvir o ruído. Havia um casal falando junto à balaustrada.
Nem sequer repararam nela, de maneira que se afastou para o jardim.
Havia lua enche e a luz banhava os arredores. um pouco mais adiante havia
um fonte, rodeada por maciços de flores, e um banco de pedra junto ao
caminho. sentou-se, fechou os olhos e deixou que o som da água a
tranqüilizasse. Então, tentou recordar a voz, os olhos e a força dos braços
do Simón.
De repente ouviu um ruído no caminho e se sobressaltou. Um
homem se dirigia para ela. Para sua desgraça, tratava-se do Faraday Reed.
Levantou-se e olhou para a direção oposta. De havê-la tomado se
teria afastado ainda mais da casa, e não duvidava que Reed podia capturá-
la sem problemas. De modo que se voltou e caminhou para ele, com
atitude digna. Ao chegasse a sua altura passou de comprimento, mas
Faraday tinha outros planos. interpôs-se em seu caminho e a deteve.
-Charity, deve falar comigo.
-Com exceção de se de meu caminho, senhor Reed. Quero voltar
para a casa.
-Não até que tenha falado comigo. me diga o que acontece. Esteve-
me evitando durante duas semanas. Pensava que fomos amigos. Pensei que
confiava em mim.
-Por desgraça, fiz-o. Comportei-me como uma idiota. Mas agora,
por favor, me deixe passar.
-Não! –rugiu Reed, agarrando a dos braços-. Não até que me tenha
contado a razão de sua atitude. por que me nega a entrada em sua casa e
evita minha companhia? É por Dure? Há-lhe dito algo sobre mim? mentiu
de algum modo para pô-la em meu contrário?
-Não, não o tem feito. Lorde Dure não mentiria. Não é um canalha
como você. Não disse nada, salvo me advertir. Não podia trair a honra de
uma dama. Foi Venetia quem me contou a verdade. Disse-me o que tinha
feito.
-Venetia...
A plácida expressão do Reed se transformou em uma careta de
crueldade. De repente parecia maior e muito mais maligno.
-Maldita seja –disse-. Obviamente queria pô-la em meu contrário.
-Não acredito. Duvido que possa compreender o muito que lhe
custou me contar um pouco tão desagradável para ela. Ao vir para mim
demonstrou uma nobreza e uma valentia notáveis. Mas também me contou
o muito que odeia a seu irmão por ter evitado suas maquinações. Disse-me
que era o responsável pelos falatórios que correm sobre Lorde Dure. E
agora me dou conto de que provavelmente era você, senhor, a pessoa que
me enviava as notas.
Reed a olhou com surpresa, e Charity riu com ironia.
-Não foi difícil descobri-lo –continuou-. Tentava quebrar minha
confiança em Dure, e ao ver que não o conseguia decidiu ganhar minha
amizade. Esperava conseguir que confiasse em você, e utilizar essa
confiança em contra do conde. Pois bem, posso lhe assegurar que não teria
servido de nada. Não o teria traído nunca. Nem teria feito nada que
pudesse desonrá-lo.
Reed sorriu com olhos brilhantes.
-Isso crie? Estava a ponto de caramelo. Não teria passado muito
tempo antes de que caísse em meus braços.
Charity riu, sinceramente assombrada por sua estúpida petulância.
-Acredita que me teria apaixonado por você? Acredita que teria
traído ao Simón? Por Deus, pode que acreditasse meu amigo, mas isso não
significava que sentisse nada romântico. Como poderia me interessar algo
assim, quando estou comprometida com o Simón?
Sua risada e sua espontaneidade enfureceram ainda mais ao Reed.
O sangue lhe subiu à cabeça e seus olhos brilharam como dois lhas.
Agarrou-a com força e a atraiu para ele, imobilizando-a com um braço.
Depois, introduziu uma mão pelo decote de seu vestido e a deteve sobre
seus seios.
-De modo que não o desonraria –disse-. Já o veremos. Já veremos
se milord segue querendo-a como esposa quando souber que deixou que
ser virgem. Quando souber que foi minha.
Charity se surpreendeu tanto que durante uns segundos não soube o
que dizer, nem o que fazer. Reed se inclinou e a beijou, grosseiramente.
Mas a jovem estava decidida a impedir-lhe O contato de suas mãos e de
seus lábios a fazia sentir-se suja. Tentou resistir e começou a golpeá-lo no
peito com os dois punhos. Entretanto, era muito forte para ela, e não
conseguiu nada, salvo que riera. Esperava que se rendesse em seguida,
presa do pânico. A maior parte das damas o teriam feito. A fim de contas,
tinha experiência no assunto. Mas Charity não era pessoa que se deixasse
intimidar. Em sua infância tinha jogado muito freqüentemente com os
meninos, e tinha aprendido onde e como devia golpear-se a um homem.
Não gritou. Quão último desejava era que todo mundo saísse e a
encontrasse em braços do Faraday Reed. Seria escandaloso, embora
conseguisse demonstrar sua inocência, e humilharia a seu futuro algemo.
De maneira que só podia fazer uma coisa. Atacar.
Pegou-lhe um murro no estômago, com todas suas forças. Reed se
encolheu de dor e a soltou. Charity aproveito a oportunidade para golpeá-
lo com o joelho entre as pernas. Por desgraça, suas abas e anáguas
impediram que o impacto fora tão forte como previa, mas em qualquer
caso bastou para fazê-lo cambalear. Ato seguido, fechou o punho e lhe
pegou um murro no nariz, que lhe começou a sangrar. Reed retrocedeu,
como um animal ferido. Charity se deu a volta, agarro as abas do vestido e
se dirigiu de volta à casa.
Na terraço havia dois homens fumando, e a olharam com
curiosidade ao ver que se aproximava, levantando mais do normal suas
saias.
-O que foi esse ruído? –perguntou um deles.
Charity fez um gesto negativo com a cabeça e passou de
comprimento. Deixou cair as abas. Não queria que ninguém suspeitasse
nada por causa de sua atitude inapropriada. Entrou no salão e procurou
com o olhar a sua mãe ou a suas irmãs. Mas em lugar disso encontrou a um
homem que se encontrava no extremo oposto da habitação.
-Simón!
Charity sentiu um intenso alívio, e se dirigiu para ele. Os olhos de
Dure brilharam, e os duros rasgos de sua cara se suavizaram
imediatamente. Caminhou para ela e estendeu as mãos. Mas Charity não se
contentou com tão pouca coisa. Abraçou-o, sem mais.
-Charity? –perguntou ele, assombrado -. Carinho, encontra-te bem?
Ocorre algo?
Naquele momento se ouviu um murmúrio. Simón levantou a
cabeça esperando que todo mundo os estivesse olhando, mas não foi assim.
Bem ao contrário, os assistentes à festa olhavam com assombro por volta
de um dos balcões. Faraday Reed entrava naquele instante. Suas roupas
estavam manchadas, tinha o cabelo revolto, e apertava um lenço contra o
nariz, manchado de sangue.
Naquele instante, Simón compreendeu o acontecido.
-Atacou-te? –perguntou, furioso-. Atreveu-se a te pôr em cima suas
repugnantes garras?
-O que? Como sabe?
Charity deu um passo atrás, assombrada, e olhou para o lugar onde
se encontrava Faraday.
-Matarei a esse filho de cadela –grunhiu.
-Não! Simón, espera! –rogou, agarrando-o por braço-. Por favor,
não faça nada. Não aconteceu nada. Estou bem, de verdade. Por favor...
Mas Simón não emprestou atenção. livrou-se e caminhou para o
Faraday. Quando Reed abservó que se dirigia para ele, abriu os olhos de
repente, alarmado. Deu a volta para sair correndo da casa, mas o conde foi
muito rápido. Alcançou-o, agarrou-o do braço, obrigou-o a girar e lhe
pegou um forte murro na mandíbula.
15
Reed caiu ao chão. Simón se inclinou, agarrou-o pelas lapelas e o
levantou.
-Maldito seja! –exclamou, disposto a golpeá-lo de novo.
-Não! -gritou Charity-. Simón, não o faça. Estamos rodeados de
gente!
Sua prometida tentou impedir que continuasse.
-Me deixe, Charity. vou destroçar a este canalha.
-Não –rogou encarecidamente-. Não importa. Não aconteceu nada.
Consegui me liberar dele.
Entretanto, suas palavras só serviram para enfurecer mais ao conde.
Seus olhos brilharam com raiva incontrolada, apartou ao Charity de seu
lado e disse:
-Matar-te!
Foram necessários três homens par evitar que cumprisse sua
promessa. Um quarto se encarregou de levantar o Reed, que estava enjoado
pelo golpe recebido. Várias mulheres gritaram ante a visão do sangue e se
abanicaron com histerismo. Inclusive uma fingiu um desmaio aproveitando
que um cavalheiro ia sustentar a em sua queda. Mas Charity não emprestou
atenção.
-Por favor, Simón, não aconteceu nada –insistiu.
Nunca o tinha visto tão zangado. Sua fúria quase assustava.
-Se voltar a tocá-la, matarei-te -repetiu Simón, que imediatamente
se dirigiu a sua prometida-. Está bem? Tem-te feito mal?
-Não, não, estou bem, de verdade –tentou sorrir-. Por favor, Simón,
poderia me levar a casa?
Simçpn respirou profusamente.
-É obvio. Sinto muito.
Arrumou-se um pouco a jaqueta e lhe ofereceu um braço.
-Vamos? –perguntou-. Encontro bastante aborrecida esta festa.
-Tem razão -riu ela.
Charity o agarrou do braço e juntos abandonaram a habitação. A
multidão se apartava a seu passo e os olhava com curiosidade. Ambos
sabiam que ao dia seguinte se saberia o acontecido em todo Londres. Os
Bannerfield tinham conseguido mais notoriedade da esperavam.
Simón manteve seu rosto pétreo até que saíram à rua e subiram a
sua carruagem.
-Encontra-te bem? –perguntou ele, preocupado-. Asseguro-te que
me encarregarei de que esse cão não volte a te incomodar.
-Não, me prometa que não fará nada.
Charity o agarrou da mão com ansiedade. Os duelos eram ilegais
desde fazia anos, e sabia que ninguém se bateu em muito tempo. Mas
Simon estava tão alterado que era capaz de desafiar a seu inimigo.
-Como? Crie que posso permanecer com os braços cruzados?
-Não, claro que não. Mas não quero que acabe no cárcere.
-Mereceria a pena se me liberasse dele. De todas formas, não
pensava chegar tão longe. Conheço-o. A possibilidade de um duelo faria
que saísse correndo do país a toda pressa.
-OH.
-O que aconteceu esta noite? O que te tem feito?
-Seguiu-me ao jardim –explicou com um suspiro-. Sei, não o diga.
Devi atuar com mais inteligência. Mas tinha calor e estava cansado de
tentar evitá-lo. Pensei que se saía não poderia me encontrar.
-Mas te encontrou.
-Sim, e o sinto. Uma vez mais, comportei-me com notável
estupidez.
Simón se inclinou sobre ela e apartou uma mecha de cabelo de sua
cara.
-Querida minha, não culpo a ti, de modo que não são necessárias as
desculpas. Só quero saber o que fez.
-Em realidade, não muito. Queria saber por que o evitava, de modo
que lhe contei a verdade e pinjente que de todas formas nunca me teria
interessado por ele. Acreditava que poderia me seduzir! Então me agarrou
por surpresa. Não esperava um ataque parecido. Do contrário, me teria
resistido com mais afinco. Mas me aferrou e me beijou.
-Como se atreve! Devi destroçá-lo quando tive a oportunidade.
-Não passa nada. Já me encarreguei dele. A surpresa me imobilizou
durante uns segundos, mas reagi em seguida e lhe dava um murro no
estômago. Aquilo serve para desorientá-lo, de modo que aproveitei para
golpeá-lo com o joelho em...
Simón a olhou com assombro.
-Sempre lhe as acertas para me surpreender com uma habilidade
nova -sorriu-. De modo que lhe deu uma boa lição. Por Deus, me teria
gostado de vê-lo.
-Depois lhe peguei no nariz.
-Como?
-No nariz –respondeu, fazendo um gesto com a mão-. Assim.
Acredito que a tenho quebrado. Sangrava muito.
-Tem-lhe quebrado o nariz! –riu-. O céu me ajude. Me vou casar
com uma boxeadora –sem deixar de rir, abraçou-a-. Nunca deixa de me
assombrar. Tem-lhe quebrado o nariz! Se se chegar ou seja, Reed será o
bobo de Londres. Eu não o teria feito melhor. Ah, Charity, acredito que
minha vida nunca será aborrecida contigo.
Acariciou-lhe o cabelo. Charity deixou escapar um gemido
enquanto se apertava contra ele. adorava sentir o calor de seus braços e de
seu corpo.
-Alegra-me que tenha retornado –murmurou ela.
-Eu também me alegro. Oxalá pudéssemos nos casar agora mesmo.
Amanhã mesmo. Não quero esperar.
O conde acariciou seu rosto, seu pescoço e seus ombros. Depois,
desceu por seus braços e voltou a subir.
-Nem eu –confessou ela.
Estava encantada com suas carícias. Olhou-o. Seus olhos brilhavam
e respirava mais depressa do normal. Sem poder evitá-lo, acariciou sua
bochecha, quente. Simón apartou sua mão e a beijou.
-Não me tente –murmurou.
Entretanto, deixou cair uma mão até a altura de seus seios, pelo
interior do vestido.
Charity respirou profundamente ao sentir os dedos sobre sua pele
nua e fechou os olhos. Simón se inclinou e a beijou onde pôde, uma vez e
outra vez, sem deixar de acariciá-la; sua tensão foi incrementando-se, e a
jovem notou que estava chegando a um ponto no que não poderia conter-
se. Então empurrou para cima, e com suavidade, um de seus seios,
liberando-o do todo do vestido. Ato seguido voltou a inclinar-se e o
lambeu com a língua. Simón sorriu e começou a sugá-lo com suprema
delicadeza. Charity gemeu, e seu gemido excitou mais a seu
acompanhante, que lhe levantou as saias para poder tocar suas pernas.
Ao sentir sua mão se sobressaltou, mas em seguida se relaxou.
Lentamente os dedos do conde subiram por suas coxas até chegar a seus
quadris. Charity se estremeceu, excitada e insegura. Nunca se havia sentido
daquele modo, nem sequer quando se beijavam. Assaltavam-na multidão
de emoções selvagens e poderosas que desconhecia, e a acariciava de
forma tão doce e íntima que suas forças a tinham abandonado.
Os dedos do Simón não se detiveram até chegar a seu entrepierna.
Charity deixou escapar um pequeno grito, mas não impediu que a
acariciasse. Parecia impossível que estivesse tocando-a naquele lugar, e
sabia que devia sentir-se envergonhada por isso. Entretanto, não sentia
vergonha alguma, a não ser uma estranha alegria e uma irrefreável
necessidade de apertar-se contra sua mão.
-Charity –disse ele-. Desejo-te... Mas devo me deter.
-Não, por favor...
Simón riu e apartou a mão.
-Tenho que fazê-lo. Já fui muito longe para ser um cavalheiro. É
tão formosa... Sinto muito.
-Não te desculpe –sorriu-. Eu gosto de muito o que me faz.
O conde a olhou durante uns segundos e disse:
-É divina.
Charity riu ante o extravagante do completo. A carruagem se
deteve então. Simón suspirou e apartou um pouco a cortina para ver o que
acontecia.
-Maldita seja. Já chegamos a sua casa.
A jovem suspirou, arrumou-se um pouco o vestido e fez o próprio
com seu cabelo para parecer apresentável ao entrar na mansão.
-Milord, chegamos à casa do Lady Bankweell –disse o chofer.
-Obrigado, Botkins –disse o conde, com mais irritação do normal-.
Já sei.
Simón abriu a porta e ajudou ao Charity a baixar. Sua prometida o
agarrou do braço e caminharam para a entrada da casa com tanta
formalidade como se a viagem tivesse sido normal e corrente. Mas Charity
agradeceu a escuridão. Graças a ela, ninguém podia notar o rubor de seu
rosto, nem o brilho de seus olhos.
Quando o criado abriu, Simón se despediu dela com uma ligeira
inclinação de cabeça sobre sua mão, sem chegar a beijá-la.
-boa noite, querida senhorita Emerson. Espero que durma bem -
disse, adotando novamente o tratamento cortês.
-boa noite, milord. Desejo-lhe uma noite igualmente tranqüila.
-temo que não seja possível –declarou.
Charity riu. Compreendia muito bem o significado de suas
palavras.
-Sei. me acontecerá um pouco parecido. Sempre acontece depois de
tantas... emoções.
Simón se afastou para a carruagem e sua prometida o observou
antes de subir a sua habitação. O resto de sua família não chegaria até mais
tarde, e se alegrou de ter tempo para estar a sós, tombada na cama e
sonhando com o Simón.
Ao dia seguinte, Charity despertou de bom humor, feliz pelos
beijos e carícias que tinham compartilhado. O café da manhã e a manhã
transcorreram em uma ensoñación permanente; esperava vê-lo de novo
aquela noite, porque tinha prometido que as acompanharia a suas irmãs e a
ela à festa do Lady Symington.
Sua mãe insistiu em que passassem a tarde devolvendo várias
visitas, de modo que a acompanhou a uma espécie de pequena excursão
pelo bairro do Mayair.
A última hora da tarde chegaram a elegante mansão da prima do
Caroline, Lady Atherton. Era filha de um duque, e tão aristocrática que
inclusive sua mãe a encontrava aborrecida, apesar do qual a visitava de vez
em quando. O tema de conversação preferido do Lady Atherton, e a maior
de suas preocupações, era a pureza de sangue. Podia falar sobre isso
durante horas. Conhecia as genealogias de sua família direta e da
longínqua, mas também as dos nobres importantes. E “importante” queria
dizer, para ela, que tivessem um título herdado durante mais de cinco
gerações.
Caroline e Charity estiveram conversando com ela e com Enjoam
Bellancamp, cujo marido era deputado no parlamento. Também se
encontrava presente uma amigo do Lady Atherton, cuja única ocupação na
vida era mostrar-se de acordo com ela em tudo o que dissesse. Uns
minutos mais tarde apareceu Araminta Bishop, que também queria vê-la, e
que entrou bastante acalorada. Quando viu o Charity e sua mãe se
encontravam pressentem, olhou-as com assombro. Era uma reconhecida
fofoqueiro, e se alegrava de ter mais audiência da que esperava.
-Sente-se, Araminta -convidou Lady Atherton-. Que tal está?
-Muito bem. É muito amável ao preocupar-se por minha saúde.
Lady Atherton assentiu. A senhora Bishop saudou todas as
pressente e se deteve um instante, como se queria criar espera.
-Bom, Araminta, nos diga. Parece evidente que quer contar algo.
-OH, acabo de me inteirar de algo terrível. É difícil de acreditar,
mas Deidre Cardhingham acaba de me contar isso e nunca minta –se
deteve um momento antes de continuar-. Faraday Reed morreu.
Todo mundo a olhou, sem saber o que dizer. A senhora Bishop
assentiu com veemência, como se alguém a houvesse contradito.
-É certo. Seu criado o encontrou esta manhã, no chão de seu
escritório.
-Mas se o vi ontem à noite mesmo –disse a senhora Bellancamp-. E
tinha bom aspecto.
-Não foi uma morte natural. Assassinaste-o.
-Assassinado! –exclamou Caroline, atônita.
Lady Atherton e as outras mulheres se olharam entre si, incrédulas.
Charity empalideceu e sentiu um estranho vazio no estômago.
Pensou na fúria com muita dificuldade contida de seu prometido e se
perguntou se teria sido capaz de fazer uma coisa assim.
-Como? O que aconteceu? –atreveu-se a perguntar.
-Um disparo. Entre os olhos.
-Meu deus –disse Lady Atherton-. Foi um ladrão?
-Ninguém sabe, mas o senhor Reed tinha muitos inimigos –
assinalou olhando ao Charity com uma expressão muito significativa.
-Está insinuando que o matei eu? –perguntou Charity, indignada.
-OH, não, absolutamente. Eu...
Lady Atherton a interrompeu para dizer.
-É obvio que não, Charity, não seja tola. É uma Stanhope.
-Certo –disse seu acompanhante e amiga-. Os Stanhope nunca
fariam...
-ouvi que o senhor Reed e Lorde Dure brigaram ontem à noite –
disse a senhora Bishop.
Charity a olhou com irritação.
-Lorde Dure estava defendendo minha honra. O senhor Reed atuou
de forma imprópria em um cavalheiro.
-OH, Meu deus –disse Caroline.
Sua mãe estava cada vez mais pálida.
-Meu deus –disse Lady Atherton-. Seria um escândalo da maior
magnitude.
-Certamente –disse seu acompanhante.
-Nenhum Etanhope pode relacionar-se com um...
Charity se levantou de repente e se enfrentou à prima de sua mãe.
-Simón é inocente!
-Charity! –exclamou sua mãe-. Não é necessário que perca suas
maneiras. Discúpate ante o Lady Atherton.
-Estava insinuando que Lorde Dure matou ao senhor Reed. E não
penso permiti-lo, seja quem é.
-Sinto muito, prima Beatriz –se desculpou Caroline-. Estou segura
de que Charity não pretendia ser grosseira. A notícia a afetou.
-Todas estamos afetadas pelo acontecido –interveio Enjoam
Bellancamp, em tom conciliador.
-Lorde Dure não matou a ninguém, nem sequer ao senhor Reed,
que sem dúvida o merecia –insistiu a jovem-. Mãe, estou segura de que não
pode acreditar que o tem feito ele.
-Não, claro que não –disse Caroline, sem convicção-. E igualmente,
estou segura de que Lady Atherton não pretendia insinuar nada parecido. A
fim de contas os Westpor são uma família. Sem não me equivoco, seu
título data da Guerra das Rosas.
-Certo –disse Lady Atherton.
-Em efeito –assentiu seu acompanhante-. Uma boa família. Embora
não podem comparar-se com os Stanhope, claro está.
-OH, Evie, basta –se queixou Lady Atherton.
-OH, sinto muito. Tenho tendência A...
A senhora Bishop, alheia a qualquer sensibilidade, continuou
falando.
-Entretanto, ouvi que Lorde Dure e o senhor Reed mantiveram uma
briga muito ascensão de tom.
Charity entrecerró os olhos disposta a saltar, mas sua mãe lhe
pegou uma forte patada na perna para que não o fizesse. Caroline só
pretendia que não caísse na armadilha. Bishop era uma fofoqueiro, e
tentava que respondesse a suas acusações de algum modo para poder
fofocar ainda mais. Por outra parte, o conde de Dure não necessitava que
ninguém o defendesse.
Caroline sorriu de forma condescendente.
-Estou segura de que o acontecido nada tem que ver com a morte
do senhor Reed. Não duvido que se tratará de algum ladrão, como sugeriu
Lady Atherton. Os condes não têm por costume ir pegando tiros às
pessoas. E estou igualmente segura de que o senhor Reed tinha muitos
inimigos.
A mãe do Charity recordou a propósito o título de Lorde Dure,
sabendo de que a família Bishop carecia dele. E conseguiu seu propósito,
porque a mulher se ruborizou.
-Sim? –perguntou.
-Sim. ouvi muitas coisas sobre ele desde que cheguei a Londres. Ao
princípio o recebi em minha casa, como se não soubesse nada. Mas mais
tarde decidi que não era apropriado, tendo em conta que todas minhas
filhas são jovens e solteiras. Imagino que também terá ouvido muitas
histórias sobre o defunto senhor Reed.
A senhora Bishop não disse nada. A mulher desejava
desesperadamente saber o que Caroline tinha ouvido, mas não podia
admitir em público que até sendo uma contilla não conhecia as
escandalosas histórias que se contavam sobre o Reed.
Seu orgulho saiu vitorioso, ao fim.
-É obvio, é obvio. Entretanto, sempre era bem recebido em todas
partes.
Caroline se encolheu de ombros, como se não compreendesse às
pessoas que não viviam com um código moral tão estrito como o seu.
-Devo admitir que sou muito cuidadosa no referente à reputação de
minhas filhas –declarou.
Apesar de seu aborrecimento, Charity esteve a ponto de rir ante o
modo em que sua mãe tinha tratado à senhora Bushop.
Pouco tempo depois, partiram da casa do Lady Atherton. Não
falaram muito durante o caminho de volta. Ambas estavam muito
surpreendidas pelas notícias. Charity encontrava difícil de acreditar que
Reed tivesse morrido. Até então, não tinha tido que enfrentar-se à morte de
alguém conhecido, ou ao menos de alguém jovem, de uma pessoa com a
que tinha dançado e conversado. Parecia-lhe impossível. Logo que tinham
transcorrido umas horas, e entretanto já não existia. Por muito que o
odiasse, ou por zangada que estivesse com ele, não lhe desejava a morte a
ninguém.
Obviamente, não tomou em consideração a possibilidade de que o
causador de sua morte tivesse sido Simón. Era absurdo, ridículo. Ninguém
podia ser tão estúpido para acreditar algo assim.
As notícias inquietaram muito ao resto de sua família. Elspeth se
deprimiu e Benlinda e Horatia as acossaram com montões de perguntas, a
maior parte das quais não podiam responder. Inclusive a aprazível e
tranqüila Serena se alterou.
Quando Simón chegou para as acompanhar à festa, Charity correu
para as escadas para encontrar-se com ele e disse:
-OH, Simón, ouviste o do assassinato? Sabe algo mais?
Simón se encolheu de ombros.
-Só sei o que me há dito o agente do Scotland Yard.
-Scotland Yard!
Charity se estremeceu para ouvi-lo. Aquilo significava que a
polícia tinha falado com ele.
-Visitaram-lhe? por que? –perguntou.
-Suponho que para me fazer perguntas. Várias pessoas foram muito
amáveis ao dizer à polícia que ontem à noite mantive uma disputa com ele.
-Não suspeitarão de ti...
-Ao parecer, sim –disse com ironia.
-Não é possível! Reed tinha inimigos. Era um canalha.
-Em efeito –declarou-. Por desgraça, imagino que poucos deles
possuiriam um lenço com as iniciais da casa de Dure bordadas.
16
Charity ficou olhando a seu prometido, incapaz de falar.
-O que quer dizer? –perguntou ao fim.
-encontraram meu lenço no chão, junto a seu corpo.
-Não pode falar a sério. Seguro que é uma brincadeira.
-Isso eu gostaria.
Charity se levou uma mão à frente. O mundo dava voltas a seu
redor.
-Mas como? Como pôde chegar até ali teu lenço?
-Ah, Charity, é uma jóia. De verdade confia tanto em mim?
-Quer dizer que poderia suspeitar que você matou ao Faraday
Reed? –olhou-o com incredulidade-. Claro que não. Você não mataria a
ninguém, nem sequer a ele. De fato, se não o matou faz anos pelo que fez a
sua irmã, não sei por que poderia te dar por matá-lo agora.
-Ontem à noite o ataquei porque tentou te violar. Segundo vários
dos pressente, também o ameacei, embora estava tão furioso que suponho
que pude dizer algo.
-Não sei o que diria, mas sempre se dizem essas coisas nos
momentos de aborrecimento. desejei a Belinda as mortes mais horríveis,
mas nunca o disse a sério. Além disso, qualquer que te conheça saberá que
se matasse a um homem o faria abertamente, levado pela fúria, em vez de
lhe pegar um tiro em sua casa várias horas depois. Além disso, não teria
sido tão estúpido para te deixar um lenço.
Simón sorriu fracamente.
-Obrigado, querida. Eu gostaria que o policial do Scotland Yard
confiasse em mim tanto como você. Ele opina que estava tão nervoso que
provavelmente me detive me enxaguar o suor da frente e depois deixei cair
o lenço por acidente em vez de me colocar isso no bolso.
-Miúda estupidez. Eu gostaria de lombriga as com esse indivíduo.
Estão seguros de que o lenço é teu?
-É indubitável. Ensinaram-me isso, e não pode ser de outra pessoa.
-Então alguém o pôs aí. Alguém tenta fazer que pareça que você foi
o assassino.
-Isso me temo.
-Mas por que? Quem poderia te odiar tanto?
-A única pessoa que me ocorre é Faraday Reed –suspirou-. É
possível que o assassino não me odeie. Pode que lhe dê igual, ou que não
lhe caia muito bem. Seu principal motivo poderia ser me jogar a culpa para
que ninguém suspeitasse dele. Todo mundo sabe que minha inimizade com
o Reed era muito antiga, e depois da briga que tivemos ontem à noite...
Sem dúvida lhe pareceria a ocasião perfeita.
-Sim, mas de onde pôde tirar teu lenço?
Simón negou com a cabeça e apartou o olhar. Não podia deixar de
pensar, tal e como lhe tinha passado diante do detetive, no lenço que tinha
emprestado a Venetia um par de semanas atrás, quando ficou a chorar ao
lhe contar que Reed a chantageava. Desprezou a idéia, sentindo-se
culpado. Era impossível que Venetia pudesse matar a ninguém, nem sequer
ao Reed, e em caso de que o chegasse a fazer, jamais tentaria inculpar a
outra pessoa; muito menos a seu próprio irmão.
-Esse é o problema. Ninguém poderia o ter a não ser que o tivesse
roubado de minha cômoda.
Charity meditou durante um momento.
-Também é possível que tivesse visitado uma pessoa em sua casa
de campo, por exemplo, e que te deixasse um lenço. Também te pôde cair
do bolso em um baile, ou na ópera, ou virtualmente em qualquer sítio.
Simon franziu o cenho.
-É possível, mas não me parece muito provável. Me teria dado
conta de que tinha perdido o lenço, que tampouco é algo muito fácil. E
minha ajuda de câmara é tão suscetível que duvido que lhe tivesse
esquecido recolher algo depois de nos alojar em casa de alguém.
-Talvez não, mas é possível. Se uma pessoa estava tão se
desesperada para cometer um assassinato, o fato de meter-se em sua casa
para roubar um lenço lhe pareceria uma nimiedad. Também é possível que
subornasse a um de seus criados.
-Já os interroguei a todos, e não sabem nada.
-O que crie? O que lhe confessariam isso? Considerando o que se
feito com o lenço, duvido muito que o culpado possa estar desejoso de
confessar sua culpa.
-Nisso tem razão –suspirou-. O caso é que não sei o que fazer para
demonstrar minha inocência.
-Está convencido o detetive de que foi você?
-Não estou seguro. Tenho a impressão de que ainda não se atreve a
me acusar abertamente, porque considera que as provas não são
definitivas.
-Pois não sei como vai conseguir mais provas. Suponho que
demorará pouco em deixar sua pista. Deve haver pessoas mais suspeitas
que você.
-Espero que tenha razão. Mas me temo que o escândalo é
inevitável.
Charity se encolheu de ombros.
-Suponho que durante uma temporada. Mas não acredito que
ninguém chegue a pensar a sério que matou ao Reed. Logo lhes esquecerá,
assim que apareça o verdadeiro culpado.
Mas inclusive o otimismo do Charity se viu nublado na festa a que
assistiram aquela noite. Quando entraram agarrados do braço, seguidos por
Serena, um murmúrio percorreu a sala. Parecia que todo mundo se voltava
para olhá-los. fez-se um prolongado silêncio, e de repente todo mundo se
voltou a concentrar em seus acompanhantes e o murmúrio generalizado foi
ensurdecedor.
Charity esticou os dedos sobre o braço do Simón, mas não deixou
de sorrir enquanto avançavam. Saudou toda a gente que conhecia, e
embora ninguém se mostrou descortês com ela nem com sua irmã, os
assistentes fugiam ao Simón. Ninguém teve o valor suficiente para lhe
dizer nada à cara, mas Charity ouviu os sussurros que se estendiam a seu
redor à medida que avançavam.
Ao parecer, a gente a compadecia. Todos pareciam estar
convencidos de que Simón era o principal suspeito, e se perguntavam
como se teria atrevido a apresentar-se em público.
Charity se deu conta, com certa surpresa, de que a sociedade já
tinha julgado e condenado ao Simón pelo assassinato do Reed. sentiu-se
furiosa pelas fofocas. Não obstante, não podia fazer grande coisa por evitá-
lo, posto que ninguém o dizia diretamente. Simón se foi pondo cada vez
mais tenso à medida que avançava a velada, e quando as levou a Serena e a
ela de volta a casa, parecia francamente incômodo.
Ao longo dos dias seguintes os falatórios se foram incrementando.
Charity esperava que a gente se esquecesse do tema, que se dessem conta
de que Simón não podia ter cometido um assassinato. Mas quase todos os
visitantes e a gente que se encontravam nas reuniões pareciam dispostos a
discutir a última fofoca com o Charity e sua família. Ela defendia ao
Simón, indignada, até o ponto de que em uma ocasião, tomando o chá com
a Emma Scogill, levantou-se furiosa quando a outra mulher disse que não
passaria muito tempo antes de que Lorde Dure fora detido, acusado de
assassinato.
-Não tem nem idéia de qual é a verdade -gritou Charity, com os
olhos cintilantes-. Repete o que ouça, adornando-o com invenções de sua
própria colheita. Qualquer que a ouvisse pensaria que Faraday Reed era
um santo e o conde de Dure um monstro. Mas o monstro era Faraday
Reed, e Lorde Dure não o matou.
Dito aquilo, saiu dali e voltou para sua casa tão rápido como pôde,
deixando a sua mãe boquiaberta.
Depois, sua mãe a repreendeu por sua falta de cortesia, de modo
que Charity se obrigou a ficar sentada, sem falar, enquanto recebiam
visitas ao dia seguinte. sentiu-se aliviada quando um criado entrou para lhe
dizer que seu pai queria vê-la. Foi rapidamente ao estudo, perguntando-se
se seu pai sabia quão oportuna tinha sido sua intervenção. Bateu na porta e
entrou. Sorriu encantada ao ver que o conde de Dure estava com ele.
-Que surpresa mais agradável.
Os dois homens estavam sentados. Simón tinha a vista cravada no
chão e seu pai parecia concentrado em um quadro. Os dois ficaram em pé e
se voltaram para recebê-la. Ao ver suas expressões tensas se deu conta de
que o ambiente não era o melhor possível.
Fraquejou ao passar a vista do rosto grave de seu pai ao semblante
inexpressivo do Simón. Fechou a porta e ficou olhando-os, com as mãos
entrelaçadas.
-O que ocorre? –perguntou.
-Charity, querida, sente-se, por favor -disse Lytton, com uma voz
séria muito pouco própria dele.
Charity se aproximou da poltrona mais próxima e se sentou no
bordo, sem deixar de olhar incômoda aos dois homens. Seu pai voltou a
tomar assento atrás de seu escritório, mas Simón permaneceu de pé.
-Lorde Dure veio para ver-me por um tema bastante importante,
que é obvio tem que ver contigo, e por isso te mandou chamar. Diga-lhe
Dure.
O rosto do Simón seguia inexpressivo, embora seus olhos
brilhavam e seu corpo estava tenso. Tinha as mãos entrelaçadas nas costas.
-Hei dito a seu pai que a Libero da obrigação que contraiu comigo.
Charity ficou olhando-o, incapaz de compreender o que dizia.
-Que obrigação?
-Não lhe pedirei que cumpra sua promessa.
-a de me casar contigo? –olhou-o com os olhos muito abertos,
empalidecendo-. Quer dizer que está rompendo nosso compromisso?
-Não é isso. Dou-te a oportunidade de que você o faça. Não te
pedirei que cumpra sua promessa.
-Mas eu não quero romper o compromisso –disse perplexa-. O que
ocorre? O que significa isto?
-Lorde Dure se comporta como um cavalheiro –lhe disse seu pai
com tristeza-. Agora seu nome está unido ao escândalo, e é justo que te
permita romper o compromisso.
-Pelo do assassinato? Quer dizer que rompe nosso compromisso
porque a gente rumorea que matou ao Faraday Reed.
O pai do Charity assentiu.
-Que tolice! –levantou-se indignada-. Sei que ele não matou a
esse... a esse... porco. Estou segura de que você tampouco crie isso, papai.
-Não –respondeu Lytton rapidamente-. Mas Lorde Dure tem razão.
Agora está manchado pelos rumores. Se te casasse com ele seria presa do
escândalo. Ele não deseja que isso ocorra, e eu tampouco.
-Não quererá dizer que aceitaste sua oferta. Permitiste-lhe...?
Lytton assentiu.
-Tinha que pensar em seu bem, querida. Não seria bom para ti ser o
branco dos falatórios ao começa de seu matrimônio. Seu bom nome se
veria miserável pelo barro.
-Mas descobrirão ao culpado. Todo mundo se dará conto de que se
equivoca, de que Simón não o fez.
Simón negou com a cabeça.
-É provável que nunca cheguem a descobri-lo. Têm provas contra
mim, de modo que não acredito que sigam investigando. Já te disse que o
inspetor do Scotland Yard acredita que fui eu.
-Mas o lenço não é uma prova. Como podem demonstrar que foi
você? Não podem te deter.
-Talvez não. Mas o fato de que não me detenham não parará as
fofocas, os murmúrios. Quer te enfrentar sempre ao que ocorreu na
recepção do outro dia? Quer que todo mundo se cale e te olhe quando
entrar em uma habitação? E além disso, sempre sairá alguma alma caridosa
que lhe relatório sobre as injustiças que dizem sobre ti.
-Sei perfeitamente, mas não me importa. Ontem Emma Scogill
ficou a dizer tolices, mas a cortei. Posso fazer o mesmo com todos outros.
Simón negou com a cabeça.
-Já me inteirei. É como um terrier. Nunca avalia o tamanho de seu
oponente antes de te enfrentar a ele. Estou seguro de que me defendeu. É
muito leal. Mas não te quero pedir isso. O que ocorrerá se me levam a
julgamento? Pensa-o. O que sentiria se os vendedores de periódicos
vozeassem pela rua que seu marido é um assassino? Não posso permitir
que tenha que suportar isso.
-Você? O que é o que tem que permitir você? É que entre os dois
cancelam o matrimônio sem que eu tenha que dizer nada?
-É um assunto entre cavalheiros? -disse Dure.
-Então talvez deveria te haver comprometido a te casar com meu
pai, porque eu não sou nenhum cavalheiro –espetou Charity.
-Charity, por favor! Lorde Dure me pediu permissão para casar-se
contigo e eu o dava -disse Lytton com uma firmeza desacostumada-.
Agora lhe retiro a permissão. Esta semana enviaremos o anúncio aos
periódicos.
Charity ficou olhando a seu pai, muito aturdida para falar. Não
recordava quando tinha sido a última vez que não tinha conseguido
convencer a seu pai de algo. Mas agora que o tema era importante se
tornou intransigente. Respirou profundamente.
-O que há da desonra em que cairá seu nome quando eu rompa meu
compromisso? Não é também um escândalo? Acreditava que os Emerson
não rompiam nunca sua palavra.
-Todo mundo o entenderá. As circunstâncias são excepcionais.
-Assim está bem incumplir uma promessa quando as circunstâncias
são excepcionais? Muito bem. Alguma outra desculpa para comportar-se
de forma tão pouco honorável?
-Charity, não sabe o que diz!
-Claro que sei. Não te dá conta de que para o Simon seria pior que
eu rompesse meu compromisso com ele? Todo mundo diria que deve ser
culpado se os Emerson se negarem a associar-se com ele. Pensarão que até
sua prometida crie culpado. E não é assim. Eu acredito nele, e quero que
todo mundo saiba. Nego-me a romper meu compromisso. Quero me casar
com ele.
Olhou ao Simón, que tinha a dor refletida no rosto. aproximou-se
dele.
-É você quem não quer casar-se comigo? –perguntou em voz baixa-
. É uma forma fácil de te liberar de um matrimônio que te dá conta de que
já não deseja?
-Isto não me resulta nada fácil.
-Entoe, segue desejando te casar comigo?
-É obvio, mais que nunca.
-Então, faz-o –estendeu os braços-. Sou tua.
Fez-se um tenso silêncio, e por um momento Charity pensou que
Simón tomaria entre seus braços. Mas então se voltou rapidamente para
olhar pela janela.
Charity ficou olhando-o com os olhos cheios de lágrimas. Queria
ficar a chorar e sair correndo dali, mas não estava disposta a dar-se por
vencida. secou-se os olhos com o dorso da mão e se endireitou.
-Assim vais fugir como um covarde.
-Não é uma fuga –respondeu Dure entre dentes.
-Não, claro que não -interveio Lytton-. Não deveria dizer essas
coisas, Charity.
-Nem sequer quando são certas? O que vou dizer dele, salvo que é
um covarde? Eu estou disposta a lutar por ele, por nosso matrimônio. Mas
Simón não o está. Não quer enfrentar-se comigo às acusações. Nem sequer
me permite que o eu faça. Nunca pensei que veria o dia em que Lorde
Dure rompesse sua palavra.
-Não estou... –Simón começou a caminhar para ela, mas se
conteve-. Não estou rompendo minha palavra. Não vou fazer o. Deveria
me conhecer melhor.
-Acreditava te conhecer melhor –respondeu Charity com frieza,
olhando-o fixamente aos olhos-. Não pensei que fosse um desses homens
que se dedicam a jogar com as garotas, lhes rompendo o coração.
-Charity! –exclamou seu pai-. Sinto-o muito, Lorde Dure. Minha
filha tende a montar cenas com muita facilidade.
-Lorde Dure sabe que eu não gosto de montar cenas –disse
olhando-o desafiante-. Também sabe que não me engana com seus
subterfúgios. cansou-se de mim, e aproveita esta oportunidade para romper
seu compromisso.
-Por favor, Charity, deixa de dizer tolices. Sabe que isso não é
certo.
-Não? E como quer que saiba? Quão único sei é que quer te liberar
de mim. Que não é bastante homem para te casar comigo quando há um
escândalo. Sou mais valente que você.
O rosto de Dure estava lívido. Charity pensou que estalaria em um
ataque de cólera. Era o que esperava. Supunha que se se deixava levar
pelas emoções esqueceria seus argumentos racionais.
Mas o conde apertou a mandíbula e deu um passo atrás, apartando a
vista.
-Emerson, importaria-lhe que Charity e eu falássemos a sós?
Lytton os olhou com desconforto.
-Sim, por favor, pai –disse Charity.
-Prometo-lhe que não lhe farei mal, apesar de que eu adoraria
retorcer seu precioso pescoço.
-Não sei o que diria Caroline...
-Não se preocupe, papai. A fim de contas, Lorde Dure e eu ainda
estamos prometidos, embora só seja durante um momento. Não acredito
que mamãe tenha objeções.
Seu pai voltou a olhá-los aos dois e suspirou.
-Muito bem. Se meu precisa estarei no corredor.
ficaram olhando-o enquanto saía da habitação. Assim que fechou a
porta, Charity se voltou para o Simón, com as mãos nos quadris.
Simón ficou olhando-a durante comprido momento.
-Não ponha assim –disse ao fim-. Não há mais remédio.
-por que? Não tem por que ser assim.
-Não estou disposto a te arrastar pelo barro comigo –disse,
entrelaçando as mãos à costas para não tocar ao Charity-. Não posso
permitir que te converta na esposa de um suspeito de assassinato.
-Quem te acreditaste que é para decidir por mim? O que tem que o
que eu deseje?
-Faço-o por seu bem. Crie que isto é o que eu desejo? Se fosse
egoísta me casaria contigo sem emprestar atenção aos rumores.
-E isso é o que eu vou fazer. Não entendo onde está o problema.
-Não te dá conta do que isto significa, pelo que suporia para ti e
para nossos filhos? Não te posso pedir isso.
-Você não me pede nada. Eu o exijo.
-Não sabe de que falas. Não tem nem idéia das conseqüências.
Ainda é uma menina, e seu pai e eu devemos considerar o que é melhor
para ti.
-Faz umas semanas, no jardim, não pareceu me considerar uma
menina quando me beijou e me acariciou. De fato, parecia desejoso de
tomar como mulher.
-Meu deus –gemeu-, tem que me recordar todos os enganos que
cometi? Não devi tomar tantas liberdades contigo.
-Mas lhe tomou, não é assim? Tocou-me como um cavalheiro não
tacaría a uma dama –aproveitou rapidamente sua debilidade para
aproximar-se dele-. Beijou-me.
De forma involuntária, Simón olhou sua boca.
-Desabotoou-me o vestido e passou a mão por dentro –prosseguiu
Charity.
Os olhos do Simón baixaram a seus seios.
-Acariciou-me -insistiu Charity.
-Basta! Não devi me comportar assim. Sabe que foi por isso pelo
que fui ao campo.
-Não me pareceu inapropriado, posto que íamos casar nos -
suspirou-. Mas agora... Como poderei me casar quando já há outro homem
que conhece meu corpo?
Simón a olhou com os olhos entrecerrados.
-Deixa de atuar, Charity. Sei que só diz isso para me manipular.
Normalmente não te custa nenhum trabalho, mas esta vez não transigirei.
O assunto é muito importante. Casará-te com outro homem, embora eu te
tenha beijado e acariciado. Não tem por que inteirar-se. Sua virgindade
segue intacta.
Fez-se um comprido silencio. Ao Charity não lhe ocorriam mais
argumentos que esgrimir para fazer que Simón trocasse de idéia. De
repente se sentiu impotente, e seu coração começou a destroçar-se.
-Então está decidido a não te casar comigo.
-Não posso. Charity, por favor, não me olhe assim. Faço-o por seu
bem.
-É o que sempre diz a gente para desculpar-se por fazer mal a
alguém.
Esforçou-se por conter as lágrimas que ameaçavam saindo. Não
estava disposta a permitir que Simón a visse chorar. Elevou a cabeça e o
olhou com frieza.
-Não quero te fazer danifico –disse Simón-. Eu sou o que viverá no
inferno durante o resto de sua vida.
Voltou-se e começou a partir, mas se deteve metade de caminho.
De repente voltou junto a ela e a abraçou, beijando-a com avidez.
Charity ficou nas pontas dos pés para lhe devolver o beijo com a
mesma paixão, aferrando-se a ele como se assim pudesse retê-lo. Mas
Simón deu um passo atrás. Quando Charity tentou abraçá-lo de novo, ele a
sujeitou pelos ombros.
-Não. Adeus, Charity.
-Por favor, Simón...
-Tenho que fazê-lo. É a única solução.
Apartou-se e caminhou para a porta. Charity ficou olhando-o,
incapaz de acreditar o que acabava de ocorrer. deixou-se cair em um sofá,
se acurrucó nele e começou a chorar.
17
Lytton Emerson entrou na habitação uns minutos depois. Os
soluços do Charity tinham cessado, e olhou a seu pai com os olhos cheios
de lágrimas.
-Como pudeste permitir que faça algo assim? -perguntou-lhe com
tom acusador.
Seu pai se aproximou dela, abatido.
-Te tranqüilize, Charity, Por Deus. Não havia outro remédio. Mais
adiante te dará conta.
-Não me darei conta de nada –gritou Charity-. Estou apaixonada
por ele.
Seu pai e ela ficaram olhando-se. Ele estava quase tão surpreso
como ela. Mas assim que pronunciou aquelas palavras, Charity se deu
conta de quão certas eram. Estava apaixonada pelo Simón. Não o tinha
proposto; tinha intenção de atenerse a um matrimônio sem amor. Mas de
algum modo se converteu em um pouco muito distinto. Ao longo das
últimas semanas se apaixonou perdidamente, desesperadamente, do Simón.
E agora ele cancelava suas bodas.
ficou em pé com determinação. Amava ao Simón e não estava
disposta a permitir que a deixasse de lado. Talvez ele não a amasse a ela,
mas sabia que a desejava, que uns dias antes tinha estado tentando
convencer a sua mãe para que adiantasse a data das bodas. Estava segura
de que não tinha quebrado o compromisso porque não desejasse casar-se
com ela, mas sim o fazia guiado por seu sentido da honra, tal e como havia
dito, para lhe economizar a dor e a humilhação. Mas Charity não estava
disposta a permitir-lhe -¿Sí?
As estratégias que tinha seguido aquela tarde tinham falhado. Não
tinha conseguido nada ateniéndose a razões, apelando a sua culpa nem
questionando-se sua valentia. Simplesmente, teria que encontrar outro
método que funcionasse. Tinha esboçado um plano e o tinha seguido para
conseguir a felicidade de Serena, e não estava disposta a fazer menos por si
mesmo.
Olhou a seu pai, que seguia olhando-a, abatido. Sabia que Lytton
não lhe emprestaria nenhuma ajuda. Estava de acordo com o Simon, e
apesar de que não desejava sua infelicidade, acreditava estar fazendo o
adequado. Embora sua mãe ainda não sabia nada, Charity estava segura de
que também se mostraria de acordo com eles. Não podia recorrer a
ninguém. Serena lhe emprestaria seu apoio, mas não lhe serviria de grande
ajuda. portanto, tinha que arrumar-lhe só para trocar a situação.
-O que pensa, Charity? –perguntou seu pai, precavido.
-Nada –respondeu distraída-. Acredito que me vou retirar, se me
desculpar.
-É obvio –tentou detê-la quando passava a seu lado-. Charity...
-Sim?
Lytton deixou cair a mão e suspirou.
-Nada. Sinto muito. Só quero que recorde que pensava em ti.
-Já sei, pai. Mas eu também tenho que pensar em mim.
Correu à habitação que compartilhava com Serena e se tombou em
sua cama para pensar. Seu cérebro trabalhava incansável, tentando elaborar
um plano para fazer que Simón trocasse de idéia. Não lhe serviria de nada
a razão, posto que Simón tinha tomado uma decisão e sua obstinação lhe
impediria de trocá-la. Além disso, tinha aprendido que uma vez que uma
pessoa decidia fazer o que considerava correto para outra, não havia forma
de dissuadi-la. Brincou com uma par de planos que eram muito
complicados e fantásticos para funcionar. Não sabia que mais tentar. Só
podia usar truques ou a razão, posto que não podia obrigá-lo a fazê-lo.
De repente se endireitou, com os olhos brilhantes, quando o plano
perfeito tomou forma em sua cabeça. ficou de pé e começou a percorrer a
habitação. acendeu-se uma chama em seu interior. Poderia funcionar.
Outras pessoas diriam que era uma loucura. Seu plano era tão
desatinado que o fato de que se colocou em casa de Dure para oferecer-se
em troca de sua irmã parecia normal e decente em comparação. Toda sua
família se escandalizaria se o fazia, e estava segura de que chegariam a
inteirar-se. Com aquele plano o arriscava tudo. Se não funcionava, estaria
perdida para sempre. Mas tinha que fazê-lo. O risco merecia a pena, se
com isso podia conseguir casar-se com o Simon.
Dispôs-se a preparar-se para velada. banhou-se e inspecionou seu
guarda-roupa em busca do vestido perfeito. Ao final se decidiu por um
vestido de baile de cetim, de cor branca pérola. As mangas curtas e o
profundo decote mostravam à perfeição seus ombros e seu branco peito, e
o espartilho faria que seus seños se elevassem sobre o bordo do vestido. A
ampla saia, vincada pela parte traseira, reduziria sua cintura a um nada.
Sorriu ao pensar na cara que poria Simón quando a visse.
Lavou-se o cabelo com sabão perfumado e passou um comprido
momento escovando-lhe junto ao fogo para que se secasse e frisando-lhe
Depois, Serena a ajudou a pentear-se de modo que seu cabelo formasse
uma cascata de cachos brilhantes como o ouro sobre um ombro. Pô-lhe um
ramalhete de flor-de-laranja detrás da orelha, onde começavam os cachos,
e a ajudou a brocharse os inumeráveis botões do vestido.
Charity se beliscou as bochechas e apertou os lábios para devolver
a cor a seu rosto, e por último se examinou atentamente frente ao espelho.
-Está muito bonito –lhe assegurou Serena, abraçando-a com
cuidado de não lhe danificar o penteado-. É muito valente por ir esta noite
ao baile. Acredito que eu não seria capaz de fazê-lo.
-Tenho que fazê-lo –respondeu Charity, que se sentia culpado por
enganar a sua irmã-. Mas não estou segura de ser capaz.
-Sinto-o –Serena deu um passo atrás e agarrou as mãos de sua
irmã-. Me que darei contigo todo o tempo. Nem sequer dançarei.
Charity sentiu que umas lágrimas se formavam em seus olhos,
embora mais pela culpa que sentia pela amabilidade de sua irmã em
contraste com suas mentiras que pela tristeza. Estava muito concentrada
em seu plano para preocupar-se.
-É muito boa comigo –lhe disse com sinceridade.
A cada momento que passava se sentia mais tensa, de modo que
quando baixou junto a Serena para unir-se a seus pais era certo que estava
tão alterada que não podia acompanhá-los. Seus familiares olharam seu
lívido rosto e acreditaram.
-Talvez ser melhor que fique aqui –disse Caroline com um
suspirou-. Embora esteja tão bonita que é uma pena que ninguém vá verte.
Temos que voltar a pensar em seu futuro.
-Não o dirão a ninguém esta noite, verdade?
-É obvio que não. Anunciaremo-lo publicamente dentro de uns dia,
mas não temos intenção de falar sobre o tema. Já suportei muitos perguntas
vulgares sobre sua vida ultimamente. Às vezes não entendo o que passou
com a boa educação. A gente tem a mania de perguntar a outros sobre sua
vida pessoal –suspirou-. Enfim, sobe a sua habitação e tumba lhe. Estou
segura de que se sentirá melhor dentro de um momento.
-Obrigado, mãe.
-Fico contigo –ofereceu Serena-. Gosta de ter companhia? Podemos
conversar.
Charity se sentiu alarmada.
-Não! É muito amável por sua parte, mas só quero ir à cama a
dormir, e não quero que te perca o baile. Tenho entendido que as festas da
condessa Ackland são sempre espetaculares.
-É certo. Não tem sentido que fique em casa, Serena –decretou
Caroline-. Além disso, as coisas trocaram agora que Charity não está
prometida. É possível que não possa desperdiçar sua vida te casando com
um homem que está na ruína.
Serena empalideceu para ouvir as palavras de sua mãe, mas não
disse nada. Olhou angustiada ao Charity e seguiu a seus pais à porta.
Charity se voltou e subiu a sua habitação, onde escreveu uma nota a toda
pressa. Dobrou-a, escreveu nela o nome de sua irmã e a deixou sobre sua
cama. Depois voltou a baixar sem fazer ruído.
Não havia ninguém à vista. Sem dúvida, os criados se retiraram a
seus aposentos ou à cozinha, já que acreditavam que toda a família tinha
saído.
ficou uma capa e se tampou o rosto com o capuz. A seguir saiu em
silencio pela porta. Caminhou uns metros e parou um carro. O chofer a
olhou com estranheza, mas Charity fez caso omisso a sua expressão e
subiu ao veículo.
-À mansão de Lorde Dure, por favor.
Simón se serve uma generosa taça de conhaque. A levou aos lábios,
inalando seu aroma. Esperava que o álcool o ajudasse a encher o vazio que
sentia em seu interior. Pensou que estaria bem embebedar-se até o ponto de
não recordar nada do ocorrido durante o dia.
Bebeu um gole, deixando que o licor lhe queimasse a boca e a
garganta. Era um desperdício, posto que qualquer bebida alcoólica lhe
teria servido. sentou-se atrás de sua mesa e voltou a beber.
Abriu-se a porta de seu estudo, e Simón elevou a vista, disposto a
descarregar seu mau humor contra o pobre criado que tivesse desobedecido
suas ordens de não importuná-lo. Mas ficou gelado.
Charity estava na soleira. Levava uma capa, com o capuz ascensão.
Simón não dava crédito a seus olhos.
-Sinto muito, milord –Chaney apareceu na porta, depois dela-. Hei-
lhe dito que não queria receber visitas...
-É certo –confirmou Charity, entrando no estudo e baixando-a
capuz-. Eu assumo toda a responsabilidade.
Estava tão bonita que o coração do Simón se encolheu. Seus olhos
azuis eram enormes, e sua pele brilhava sob a luz da tarde. Seu cabelo
dourado, adornado só por ramalhetes de flores brancas, caía em uma
cascata de saca-rolhas sobre um de seus ombros.
ficou de pé.
-De acordo, Chaney. Eu me encarregarei disto.
-Muito bem, milord.
O mordomo se despediu com uma reverência e saiu, fechando a
porta.
Durante comprido momento, Charity e Simón ficaram olhando-se.
Charity, que tinha ido ali impulsionada pela cólera e a determinação, sentia
de repente que suas forças a tinham abandonado. Simón se tinha tirado a
jaqueta e a gravata, e tinha desabotoados os dois primeiros botões
superiores da camisa. Nunca o tinha visto vestido de forma tão
despreocupada. A cena resultava tão íntima que sentiu um nó na garganta.
-O que faz aqui? Não deveria ter vindo.
Charity elevou o rosto com um gesto de obstinação que Simon
conhecia muito bem.
-Deixa que eu dita o que é o que devo fazer. Meu pai e você lhes
criem com direito a dirigir minha vida, mas tenho uma surpresa para vós.
Sou capaz de tomar decisões.
Começou a tirá-los luvas.
-Te vou enviar de volta a sua casa imediatamente.
-De verdade?
Olhou-o elevando uma sobrancelha, sem deixar de tirá-los luvas.
Ele se aproximou e Charity lhe entregou as luvas como se se tratasse de
um criado. Depois se voltou e se tirou a capa com naturalidade.
-Pode te sentar, Simón. antes de partir daqui penso te dizer o que
vim a dizer.
-Não há nada mais que dizer.
Apertou fortemente as luvas. Eram de pele muito suave, e estavam
impregnados do aroma do Charity.
Ela se voltou, baixando-a capa, e revelou seu vestido de baile
branco. Estava tão bonita e tentadora que lhe provocava uma excitação
incontenible.
-Acredito que sim –respondeu, olhando-o aos olhos-. É possível
que meu pai e você tenham decidido romper o compromisso, mas eu não
estou de acordo. Sigo disposta a ser sua esposa.
Começou a caminhar para ele, rebolando de forma sedutora. Simon
não pôde evitar contemplar seu decote.
-Não diga tolices. Volta a te pôr a capa e as luvas e te levarei a
casa.
-Não. Não quero ir a casa.
-Por favor, para –disse com muita dificuldade-. Sua reputação se
estragará se alguém descobre que visitou minha casa de noite.
-Já sei –sorriu com doçura-. Por isso não quero ir.
Deteve-se uns centímetros do Simon. Pôs as mãos em seu peito e
foi subindo lentamente até lhe rodear o pescoço. Podia sentir seu calor
através da camisa.
-Sem dúvida, cometeu um engano quando acessou a te casar
comigo em vez de com Serena –disse Charity com suavidade-. Acredito
que já te disse que sempre consigo o que quero. Agora me temo que terá
que carregar comigo.
ficou nas pontas dos pés e o beijou nos lábios. Simón se apartou.
-Por favor, Charity, está jogando com fogo.
-Já sei –respondeu, enquanto lhe beijava o pescoço.
Um calafrio percorreu o corpo do Simón. Levantou com as mãos o
rosto do Charity e a olhou aos olhos. Depois se inclinou para beijá-la.
Sua boca queimava como o fogo. Beijou-a com ânsia e
necessidade, como se o tempo se deteve. disse-se que só a beijaria uma
vez, para poder recordar o momento. Mas o sabor de sua boca era muito
doce, e sua resposta era muito deliciosa. Não podia apartar-se depois de
um só beijo. Voltou a beijá-la uma e outra vez.
Ao final conseguiu separar-se dela.
-Não, por favor, Charity! Está-me matando. Seria um canalha se
tomasse agora. Não posso fazê-lo. Mas tampouco suporto esta. Tem que
partir.
Charity negou com a cabeça lentamente, com um sorriso sensual
nos lábios. Sabia o desejo que sentia Simón, e aquilo lhe dava ânimos.
Começou a tirá-las forquilhas, e seu cabelo caiu, livre. Deixou as flores a
um lado e se passou os dedos pelas mechas.
Simón olhou seu sedoso cabelo, que se deslizava entre seus dedos.
O desejo que sentia era insuportável. Queria afundar as mãos naquele
cabelo, sentir sua suavidade, afundar o rosto e aspirar seu sensual aroma.
Teve que fechar os punhos para não acariciá-la.
Charity sacudiu a cabeça, e seu cabelo caiu, livre, até a cintura.
Depois se levou os dedos ao botão superior do vestido. Tremendo
ligeiramente, tirou o botão nacarado de sua casa. Os olhos do Simón se
aumentaram. Charity passou ao seguinte botão, e ao seguinte, até que o
vestido caiu expondo seus seios, talheres só pela fina camisa.
Simón tragou saliva, incapaz de mover-se, incapaz de falar. Só
podia olhá-la aniquilado. A camisa estava rematada por um encaixe que
logo que ocultava seus seios. Pareciam convidar a tocá-los. Um
estremecimento o percorreu quando se perguntou como responderia a seu
contato, a seus lábios, a sua língua.
-Charity –sussurrou-, por favor...
Os dedos do Charity se detiveram, à altura da cintura.
-O que ocorre? –perguntou com suavidade-. Você não gosta?
-Sabe que não é isso. Está-me voltando louco.
Charity seguiu desabotoando o vestido.
-Então deve deixar que acabe, para que te possa liberar de sua
loucura.
-Não, Charity, por favor, tem que te deter. Não sei se serei capaz de
resistir, se seguir assim.
-Não quero que resista.
Deixou cair o vestido ao chão, e ficou frente a ele em roupa
interior.
18
Charity foi desabotoando, um a um, os laços do espartilho, até que
ao final ficou vestida só com os pololos e a camisa. sentia-se muito
coibida, mas não se ocultou à ávido olhar do Simón.
Ele contemplou lentamente seu torso, desceu pela cintura e chegou
a suas pernas. Era a primeira vez que lhe via as pernas, embora estivessem
cobertas com a fina capa de algodão. Sabia que estava a ponto de perder o
controle. Devia partir dali. Só assim poderia evitar fazê-la sua. Mas não era
capaz de apartar a vista de seu corpo. Não podia voltar-se.
Charity se levou a mão ao laço de sua camisa. Atirou, e o nó de
cetim azul se desfez. O objeto caiu, chegando quase até seus mamilos.
Depois foi desabotoando, um a um, os lacitos laterais. O objeto se abria
cada vez mais. Charity se dispôs a tirar-lhe e Simón conteve a respiração.
De repente Charity se deteve.
-Não, espera. Será melhor que o você faça.
Simón negou com a cabeça, mas não pôde evitar dar um passo
para ela, como se o empurrasse algo mais forte que ele. deteve-se uns
centímetros dela, e com um esforço sobre-humano, conseguiu resistir ao
desejo de lhe baixar a fina camisa. Charity agarrou suas mãos e as levou a
estômago. O contato de sua pele o estremeceu. Charity o olhou com o rosto
cheio de desejo. Tinha os lábios entreabiertos, e respirava com agitação.
Suas bochechas estavam rosadas. Aquilo incrementou sua excitação mais
ainda.
Agora Charity o tinha sujeito pelas bonecas, e guiava suas mãos
por debaixo de sua camisa. Simón começou a tremer. Quando roçou seus
seios com os dedos, todas suas inibições se desvaneceram. Com um
gemido, retirou-lhe a camisa. ficou contemplando seus seios durante um
momento. Depois levou as mãos a eles, maravilhado.
-É preciosa –murmurou.
Agarrou-a em braços e a levou a sofá. Depois se ajoelhou junto a
ela e começou a percorrer seu corpo com os lábios. Charity gemeu e subiu
os quadris de forma instintiva. Simón já não podia pensar; só podia sentir a
necessidade se desesperada que o dominava.
Charity sentiu que o interior de suas pernas se umedecia. Pensou
alarmada que Simón podia notá-lo, mas não pareceu lhe importar, posto
que a seguiu acariciando com avidez. Seu corpo se acendia ali onde a
tocava. Charity tinha ido a sua casa com intenção de conseguir que se
casasse com ela, mas o único motivo que tinha agora para seguir era o
desejo que a possuía. Necessitava-o de uma forma que não alcançava a
compreender. Seu corpo se movia sem que ela o pudesse controlar.
Quando Simón lhe tirou os pololos não se sentiu coibida; unicamente
levantou os quadris para lhe facilitar o trabalho e de passagem se tirou os
sapatos.
Os dedos do Simón se deslizaram brandamente por sua coxa,
subindo para o lugar onde se unia ao corpo. Depois ficou a acariciá-la no
centro de sua feminilidade, tocando a de uma forma que Charity nunca
tinha sonhado. Conteve a respiração surpreendida quando Simón começou
a introduzir um dedo em seu interior e a tirá-lo, ritmicamente. Gemeu e se
apertou contra ele, consumida pela necessidade.
Ao cabo de um momento de prazer interminável, Simón se
endireitou e a olhou. Contemplou sua própria mão entre suas pernas, e
escutou os gemidos do Charity, perdida em muito sensações. teve-se que
morder o lábio para evitar tomá-la naquele instante. Baixou a vista às
média, que seguiam em suas pernas, sujeitas com ligas de encaixe. A visão
era insoportablemente excitante. Baixou-lhe as meias lentamente, lhe
beijando as pernas à medida que as despia.
-Por favor, por favor –suspirou Charity, arqueando o corpo para
ele.
Não teve que voltar a pedi-lo. Simón se tirou a roupa rapidamente e
a deixou cair ao chão. Jamais tinha experiente tanta necessidade, tanta
avidez. Utilizou o resto de seu controle para tratá-la com delicadeza,
consciente de que para ela era a primeira vez.
Charity ficou geada quando Simón terminou de despir-se,
revelando sua masculinidade.
-Não te assuste –lhe disse, tombando-se junto a ela.
Mas Charity estava muito excitada para retirar-se, a pesar do medo
que tinha sentido ao dar-se conto do que se morava. Desejava-o até um
ponto inconcebível. Abriu as pernas quando Simón se colocou sobre ela, e
levantou os quadris para sentir seu membro, que pugnava por abrir-se
caminho em seu interior.
Simón se inclinou para beijá-la, enquanto a penetrava lentamente.
Foi uma sensação estranha e maravilhosa, excitante e temível. Descobriu
sentida saudades que era justo o que necessitava. esticou-se ao sentir dor,
mas Simón a tranqüilizou com beijos.
-Tranqüila, meu amor –sussurrou-. Irei devagar. Já verá como você
gosta.
Charity se relaxou, confiando no Simón, e se deixou levar pelas
estranhas sensações. Gritou quando lhe rasgou o hímen, mas logo se
esqueceu de sua dor quando Simón a encheu de uma forma que não
acreditava possível. Começou a mover-se em seu interior, e Charity se deu
conto de que o ato não acabava aí, de que o que seguia era mais
prazenteiro ainda que a mera satisfação de senti-lo dentro dela. Pouco a
pouco começou a mover-se ao mesmo ritmo, ofegando.
Simón baixou a mão e começou a acariciá-la. De repente, Charity
sentiu que seu couro estalava, levado pelo prazer que o percorria formando
ondas. Simón gritou e a penetrou com mais força, abraçando-a fortemente.
Durante comprido momento ficaram tombados, juntos, sem falar.
Ao final Simón se voltou e colocou ao Charity sobre seu corpo. Beijou-a
em um ombro, úmido pelo calor da paixão.
-selaste seu destino, querida –murmurou-. Agora é minha, e não te
deixarei ir.
Charity sorriu. Tinha-o passado muito bem, e além disso tinha
conseguido justo o que queria.
A cerimônia teve lugar duas semanas depois. depois de fazer o
amor com ela, Simón tinha levado ao Charity a sua casa e tinha esperado
junto a ela a que seus pais voltassem do baile. Lytton ficou gelado quando
Simón confessou que sua filha tinha perdido a virtude.
Caroline se limitou a olhar ao Charity e disse com secura:
-Não sei por que, duvido que você seja o único culpado, Lorde
Dure. Enfim, já não importa. Agora teremos que seguir adiante com as
bodas.
Caroline sentiu não poder celebrar uma cerimônia por todo o alto,
mas ao Charity não importou. Gostou da idéia de casar-se na pequena
igreja ao que tinha ido durante toda sua vida, e para ela foi suficiente a
companhia de sua família e a de seu marido. Nem sequer lhe importou que
o vestido de noiva não fora novo. Tinha tudo o que queria, e quando viu
que Simón a esperava no altar, acreditou que seu coração estalaria de
felicidade.
depois das bodas se foram ao parque do Deerfield, o retiro
veraniego dos condes de Dure. Quando estiveram na carruagem,
protegidos da vista de quão familiares os tinham rodeado ao longo de duas
semanas, Simón beijou ao Charity apaixonadamente.
-Graças a Deus. Começava a pensar que me ia casar com sua mãe,
e não contigo. Nem sequer tive oportunidade de te tocar em todo este
tempo.
Charity riu.
-Precisamente por isso não me deixaram sozinha nem um
momento. Minha mãe queria assegurar-se de que não repetiria minha
escandalosa conduta até depois de ao me haver convertido na respeitável
Lady Dure.
-Pensei que me ia voltar louco. Acredito que desde que veio a
minha casa foi pior. A fim de contas, antes não sabia o que era fazer o
amor contigo.
Começou a brincar com o lóbulo de sua orelha, e Charity se
estremeceu.
-Eu sentei o mesmo. OH, Simón...
Simón não lhe emprestava atenção. Estava muito concentrado
acontecendo a mão por debaixo de seu vestido para lhe tocar a perna. Mas
suas meias e seus pololos lhe impediam de chegar à pele.
Excitava-se com apenas tocá-la. Tinha passado as duas semanas
anteriores recordando o que tinha sentido a seu lado e lamentando-se por
haver-se deixado levar pelo sentimento de culpa e haver o confessado a
seus pais imediatamente.
-Te tire isso –lhe sussurrou.
-Aqui? –perguntou alarmada.
Não obstante, bastou-lhe olhando ao Simón aos olhos para que seu
interior se derretesse. apartou-se rapidamente e se tirou os pololos.
-As meias também?
-Dá-me igual. Vêem aqui.
Agarrou-a pela cintura e a colocou de novo sobre seu regaço, com
uma perna a cada lado de seu corpo.
Charity se sentou sobre ele, movendo-se um pouco para encontrar o
lugar adequado.
Suas línguas se entrelaçaram em uma larga dança de amor. Simón
passou as mãos por suas coxas, até chegar a seu centro.
Quando sentiu a umidade entre suas pernas deixou escapar o ar de
seus pulmões.
-É incrível. Já está preparada.
-Sinto-o –se desculpou Charity, ruborizando-se.
-Não o sinta. É maravilhoso. É absolutamente deliciosa.
Charity se movia contra sua mão levada pelo instinto. depois de um
momento, Simón se apartou para desabotoá-los calças e liberar sua
masculinidade. Charity se levantou um pouco e começou a acariciá-lo com
seu corpo. Simón fechou os olhos e jogou a cabeça para trás.
Quando não podia seguir suportando o jogo, guiou ao Charity
tomando a dos quadris e a sentou sobre seu regaço. Contemplou sua
expressão de surpresa, satisfação e avidez, e pensou que ia morrer de
felicidade. Mas não se precipitou; queria saborear o momento.
Desabotoou-lhe o vestido, deixando a camisa ao ar. Passou as mãos
por debaixo, até apropriar-se de seus seios, e afundou o rosto entre eles.
Depois subiu o objeto e começou a beijar seu peito, percorrendo-o com a
língua.
Com cada nova sensação, Charity se movia de forma inconsciente,
excitando-o e excitando-se cada vez mais. Afundou os dedos no cabelo do
Simón e moveu os quadris em círculo. Ele se esforçou pró recuperar o
controle para saborear cada momento. Levou-lhe as mãos aos quadris para
ajudá-la a mover-se, aumentando a pressão. Ao final, Charity afogou um
grito e se aferrou a ele, temperando. Simón deixou de conter-se. Afundou o
rosto em seu peito e se desfez nela.
Depois ficaram imóveis durante comprido momento. Charity
apoiava a cabeça no ombro do Simón, radiante de felicidade. Ele a rodeava
com os braços, e apoiava a cabeça em seu cabelo. Seus corpos seguiam
fundidos.
-Está cômoda? –perguntou Simón-. Quer te apartar?
-Não, a não ser que você esteja incômodo.
Simón riu e a abraçou.
-Não. Eu poderia estar assim para sempre.
-Eu também. eu adoro te sentir dentro de mim.
Simón gemeu.
-Sinto-o –disse Charity-. Hei dito algo inadequado?
-Claro que não –murmurou Simón, lhe levando um dedo aos lábios-
. eu adoro te ouvir dizer essas coisas.
Charity sorriu e lhe mordeu o dedo. O fogo que iluminou os olhos
de seu marido lhe disse que seu instinto não se equivocou.
-Se seguir assim me entrarão vontades outra vez.
-De verdade?
Endireitou-se, surpreendida, embora sabia que devia ser certo.
Podia sentir sua dureza em seu interior.
-De verdade –confirmou ele, olhando seu peito.
Charity segui com o vestido aberto e a camisa levantada. Simón
olhou seus seios como um artista que examinasse um quadro. Percorreu-os
lentamente com os dedos, pensando que nunca tinha visto nada mais belo
nem excitante que o corpo semidesnudo do Charity. Parecia de uma vez
inocente e dissoluta.
-Gostou-te, verdade? –perguntou brandamente.
-Certamente. A ti não?
Simón riu ante a pergunta.
-Certamente, poderia-se dizer que me gostou. Soube do momento
em que te vi. Mas não estava tão seguro de que você sentisse o mesmo.
Tampouco te importa que te olhe assim, verdade?
Charity se ruborizou.
-Vedem-na é que às vezes me sinto um pouco incômoda, mas me
excita a forma em que te troca a cara quando me olha.
-OH, Charity –disse abraçando-a fortemente-. É única.
-Quer dizer que às outras mulheres não gosta? Não sou normal?
-Não sei, mas por favor, não troque nunca.
-Não trocarei –lhe assegurou-. Não acredito que pudesse. A
verdade é que eu adoro... o que acabamos de fazer.
Simón riu.
-A mim também. Eu diria que nos levamos muito bem.
Apoiou a cabeça no assento e piscou para afugentar as lágrimas.
sentia-se mais livre e feliz que em muitos anos. Em comparação com
aquilo, o fato de estar acusado de assassinato lhe parecia um desconforto
insignificante.
-A Sybilla não gostava de nada.
Surpreendeu-se de haver dito aquilo. Jamais tinha falado com
ninguém daquilo.
-Refere a sua primeira mulher? –perguntou Charity assombrada.
-Sim. Fugia meu contato.
-Me tirares o sarro, verdade?
Simón negou com a cabeça.
-Eu gostaria que fora assim. A Sybilla não gostava de fazer o amor,
ao menos comigo. Às vezes me perguntava se outro homem poderia havê-
la feito feliz. Amava-a, e ela me amava. Mas quando nos casamos tudo
trocou entre nós. Evitava-me. Na cama ficava imóvel. Me fazia sentir
como se a estivesse violando. Talvez em certo modo era assim. Suponho
que só se deixava levar pelas convenções, os votos matrimoniais e a
convicção de que era um sacrifício necessário. Suportava-me, mais que
entregar-se a mim. Ao princípio pensava sempre que ia ser distinto, mas
depois me sentia culpado, assim ao cabo de certo tempo desisti. Não o
suportava. Morreu ao dar a luz.
-E se sentiu como se a tivesse matado.
-Como sabe?
-Vi-o em sua cara. Nunca tentou sossegar os rumores de que a tinha
assassinado porque isso era o que sentia em seu interior.
Simón assentiu.
-Foi por causa de minha paixão, em certo modo. Se a tivesse
deixado em paz, como ela queria...
-Mas você não a matou. É muito freqüente que as mulheres morram
ao dar a luz. Não havia nada mau no fato de que desejasse a sua esposa,
não?
-Não.
-Estou segura de que muitos homens se deitaram com mulheres às
que gostavam tão pouco fazer o amor como a Sybilla, mas elas não
morreram ao dar a luz por isso. E provavelmente muitas mulheres às que
gostavam de fazer o amor morreram no parto. Foi o destino, meu amor,
não sua paixão.
Simón se levou sua mão aos lábios e a beijou na palma.
-É uma jóia, Charity. Não entendo o que tenho feito para lhe
merecer –a olhou com intensidade-. Até o dia em que fiz o amor contigo
não sabia se o caso da Sybilla era excepcional ou se era que a nenhuma
mulher gosta de fazer o amor. Até tinha chegado a pensar que era um
animal porque eu gostava de coisas que outras pessoas considerariam
desagradáveis.
-Não! Não é nenhum animal. Trata-me com muita delicadeza. Não
cria nunca outra coisa. O que faz é algo menos desagradável. De fato, eu
gosto de muito.
-De vedem? –sorriu, enquanto seus olhos se obscureciam pelo
desejo-. Então, talvez goste de repetir.
-Tão logo?
-Importa-te?
Charity riu.
-Não. Não me importa absolutamente.
-Muito bem.
Selou seus lábios com um beijo.
19
O tempo que passaram no parque do Deerfield foi o mais feliz que
recordavam tanto Simón como Charity. Os domingos faziam a devida
visita à pequena igreja coberta de hera, e celebraram uma festa para
apresentar à nova Lady Dure na sociedade local. Mas à margem daquilo
passaram os dias tal e como gostava: passeando durante comprido
momento pelo bosque, montando a cavalo junto ao rio e visitando a
próxima localidade do Deerfield. Charity, livre de ataduras de seus pais,
dedicou-se a fazer o que mais gostava de em cada momento, e se sentia
enormemente ditosa por poder fazê-lo junto ao homem ao que amava.
Quanto ao Simón, desfrutou como um menino dedicando-se às atividades
que tinha tido abandonadas durante anos.
Pelas noites faziam muito o amor, e freqüentemente também o
faziam de dia. Simón sempre estava ideando novos lugares e posições, para
deleite do Charity. familiarizaram-se com seus respectivos corpos, com
seus respectivos desejos e necessidades, com os lugares mais sensíveis do
corpo de seu casal. Passavam largas tardes na cama, conversando e
explorando-se, experimentando. Charity se perguntava como teria vivida
tanto tempo sem experimentar semelhante prazer. Simón se perguntava
como era possível que em alguma ocasião lhe tivesse ocorrido a idéia de
embarcar-se em um matrimônio de conveniência.
Sabia que com seu grande coração e sua mania de levar seres
desencaminhados a casa, com seu travesso senso de humor e seu espírito
aventureiro, o matrimônio com o Charity não seria nunca muito
conveniente. Mas também sabia que jamais se poderia aborrecer junto a
ela. Era tudo o que queria, embora não soubesse antes de encontrá-la.
Tinha jurado que nunca voltaria a apaixonar-se, que não se voltaria a expor
à dor que causava um coração quebrado. Mas dissesse o que dissesse era
consciente de que corria de cabeça para o precipício, e o que era pior, não
tinha o menor desejo de deter-se. Recordou que Charity tinha mimado em
casar-se sem amor, que havia dito que não se considerava capaz de
apaixonar-se, e se perguntou se haveria dito a verdade. Cada vez desejava
com mais força que não fora assim.
Tinham intenção de voltar para Londres em três semanas, mas
começaram a atrasar a viagem, primeiro uma semana e logo outra, de
modo que quando voltaram tinham transcorrido quase seis semanas desde
dia das bodas. Durante aquele tempo tinham vivido em um mundo à parte.
No parque do Deerfield não havia fofocas, não havia assassinatos, não
havia ninguém que observasse seus movimentos e falasse sobre eles. Logo
descobriram quão irreal tinha sido aquele tempo.
O primeiro dia que passaram em Londres, Herbert Gorham foi
visitar os. Encontrou ao Charity em casa, a sós, e quando Chaney lhe
anunciou que o inspetor estava ali, ela se mostrou disposta a recebê-lo
imediatamente. Queria comprovar por si mesmo que tipo de homem era.
Não demorou muito em averiguá-lo. Era baixo, de rosto bicudo.
Compensava sua escassez de cabelo com um enorme bigode, que lhe dava
uma aparência estúpida, como a de um menino que tentasse parecer maior.
Não obstante, seus olhos desmentiam qualquer espionagem de estupidez
nele. Eram de uma cor verde clara e muito penetrantes, como se observasse
tudo o que ocorria a seu redor.
Ao entrar na habitação, Charity o saudou com um gesto, tentando
marcar sua superioridade desde o começo.
-Senhor Gorham.
-Lady Dure –se tirou o chapéu e fez uma reverência-, foi muito
amável ao me conceder um pouco de seu tempo.
-Estou impaciente por que descubra ao verdadeiro assassino do
senhor Reed, igual a todos nós.
-Todos com exceção do assassino, milady –respondeu com um leve
sorriso.
-Sim, isso suponho -assinalou uma poltrona-. Não obstante, temo-
me que tenho pouca informação que lhe proporcionar. Não sei muito sobre
a morte desse homem.
-Às vezes uma pessoa sabe mais do que crie. Isso pode ser muito
perigoso –a olhou com intensidade, mas lhe devolveu um olhar vazio-. A
verdade é que me surpreendi muito quando averigüei que se casou com o
Lorde.
Charity elevou as sobrancelhas com frieza.
-De verdade? Não posso imaginar o motivo.
-Refiro-me a que muito recentemente que morreu o senhor Reed.
-por que? Eu não lhe guardava luto. Apenas o conhecia.
-Em realidade ou estava pensando nele, milady –fez uma pausa
antes de continuar-. Uma pessoa que matou uma vez mata com muita mais
facilidade a segunda.
-Insinúa que é possível que o assassino tente algo contra mim? –
perguntou perplexa.
Sabia perfeitamente que o inspetor se referia ao Simón, mas não
estava disposta sequer a lhe dar a satisfação de notá-lo.
-Talvez não conhecesse muito bem ao senhor Reed, mas pode que
com o assassino seja distinto.
-Quer dizer que o assassino conhecia bem ao senhor Reed? Sim,
suponho que é possível.
-Não –franziu o cenho, e Charity comprovou que tinha conseguido
desconcertá-lo-. Quero dizer que é possível que você conheça muito bem
ao assassino.
-Eu? –olhou-o com um ligeiro e educado desprezo-. Sinto muito,
senhor Gorham, mas me temo que os Emerson não se relacionam com
assassinos.
-Há-lhe dito Lorde Dure que um de seus lenços, com o escudo dos
Dure bordado, foi encontrado junto ao cadáver?
-Sim. É surpreendente, verdade? Pergunto-me o que faria o senhor
Reed com um lenço de meu marido. você crie que o roubaria? Certamente,
não era um cavalheiro, mas tampouco imaginava capaz de cometer
latrocínio.
-A conclusão mais evidente é que lhe caiu ao assassino por
acidente.
-Assim que você acredita que o assassino roubou o lenço de Lorde
Dure. Suponho que é mais provável que um assassino seja também ladrão,
mas...
-Lady Dure –interrompeu o inspetor, falando lentamente como se
se dirigisse a uma menina-, a conclusão mais evidente é que foi Lorde
Dure quem visitou o Reed aquela noite, e que foi ele quem apertou o
gatilho.
Charity ficou olhando-o atônita durante um momento.
-Que tolice! Não sente saudades que não tenham encontrado ao
assassino, se se dedicarem a seguir pistas falsas. Francamente, esperava
que investissem melhor seu tempo.
-A noite em que o senhor Reed foi assassinado, Lorde Dure e você
assistiram a uma festa a que o senhor Reed também foi. Tenho entendido
que houve uma briga entre eles, e que o senhor Reed partiu bastante
ensangüentado.
-Em realidade, não foi Lorde Dure o responsável absoluto. Eu fui a
que fez que lhe sangrasse o nariz.
-Você, milady? –perguntou o inspetor assombrado.
-Sim. comportou-se com muita rabugice. Não lhe bastava que lhe
advertisse de sua grosseria, assim tive que ser um pouco mais dura com
ele.
O inspetor seguiu olhando-a com incredulidade.
-Suponho –prosseguiu Charity- que se o que você insinúa é que
uma briga pode ser motivo de assassinato, eu sou tão suspeita como meu
marido. Mas lhe asseguro que havia muita gente que odiava ao senhor
Reed, e por motivos mais sérios.
-Não é certo que Lorde Dure ameaçou aquela noite matando-o?
Charity inclinou a cabeça, considerando sua pergunta.
-Não sei muito bem o que diria Lorde Dure levado pela cólera, mas
todo mundo diz o que não pensa quando se zanga. É possível que deixasse
cair algo assim.
-Acredito que sabe muito bem que o disse -respondeu Gorham,
dando-se conta de que a encantada jovem que tinha frente a sim tentava
tomar o cabelo-. Está jogando com fogo, Lady Dure. Não é muito cômodo
viver na mesma casa que um assassino.
-Nesta casa não há nenhum assassino –replicou ela com gesto
pétreo.
O inspetor tentou lhe dedicar um sorriso amistoso, mas não o
conseguiu.
-Você vive com esse homem. É possível que veja ou ouça algo, e se
for assim, por seu bem lhe recomendo que venha a nos ver. Deve ter em
conta sua própria segurança. Aqui não se encontra a salvo.
-Meu marido me protege, e acredito que não necessito mais amparo
que a sua. Como lhe disse antes, não vejo por que vai tentar me atacar o
assassino do senhor Reed. Estou segura de que se tratava de alguém que
estivesse comprometido com ele em algum assunto turvo. Essa é a pista
que deveria seguir, em vez de vir a uma casa em que jamais entrou o
homem assassinado –ficou de pé-. Obrigado por sua visita, senhor
Gorham. Talvez deseje voltar quando tiver informação mais útil.
Simón jogou para trás a cabeça e riu quando Charity lhe relatou
atentamente a visita do inspetor.
-Não tem nenhuma graça, Simón. Pediu-me que te espiasse para
procurar informação e utilizá-la contra você. Esse homem acredita que
você matou ao Faraday Reed.
-Já sei. Adivinhei-o desde o começo –se encolheu de ombros-. Mas
não tem mais prova que esse estúpido lenço. Não é suficiente para me
deter.
-E o que ocorre se conseguir algo mais que pareça suspeito?
-Por exemplo?
-Não sei. Tampouco sei como chegou o lenço até ali. Mas eu não
gosto desse homem. Põe-me nervosa.
-Te negue a recebê-lo-a próxima vez. Direi ao Chaney que diga que
não está em casa.
-Com isso não resolve nada. Temos que encontrar ao verdadeiro
assassino do Reed. Só assim conseguiremos limpar seu nome por
completo.
-Ah, sim? E como pensa fazê-lo? Scotland Yard não pôde encontrar
ao assassino.
-É obvio que não, se os inspetores que atribuíram a este caso são
tão estúpidos como Gorham. Além disso, temos uma vantagem sobre eles.
-No que consiste essa vantagem?
-Sabemos que você não o fez. Gorham está perdendo o tempo ao
tentar demonstrar sua culpabilidade. Nós podemos começar a procurar por
outro lado.
-O que propõe que façamos? –perguntou Simón, sonriendo ao ver a
cara de determinação de sua mulher-. Interrogar aos criados do Reed?
-Não é uma má idéia –o rosto do Charity se iluminou-. Poderíamos
enviar ao Chaney ou a seu lacaio para que falem com eles. Estou segura de
que preferirão falar com outro criado antes que com a polícia, ou com um
de nós. Inclusive pode lhes dar um pouco de dinheiro para lhes abrir a
boca, se não quererem falar.
-Olhe que é intrigante. Como é possível que não me desse conta
antes?
-Não sei. Como já te hei dito, tenho por costume conseguir o que
quero.
-Em efeito, já me há isso dito.
-Além disso, você e eu podemos falar com gente que conhecesse o
Reed. Talvez possamos averiguar mais costure sobre ele. Era um completo
canalha, e estou segura de que havia várias pessoas às que lhes teria
encantado lhe pegar um tiro. Sua mulher me parece a primeira candidata.
Ou talvez fora alguém a quem estivesse chantageando.
Simón ficou olhando com os olhos muito abertos.
-Venetia seria incapaz de fazer algo assim.
Charity o olhou surpreendida.
-Não referia a ela. Mas suspeito que se lhe estava tirando dinheiro a
ela também o fazia com outras pessoas.
-Mas para encontrar a suas outras vítimas teríamos que averiguar
quão secretos conhecia sobre outros. A verdade é que me parece
impossível, sobre tudo tendo em conta que partimos de zero.
-A verdade é que parecer bastante difícil –reconheceu Charity-,
mas se falarmos do Reed em festas, visitas e ocasiões similares, e se
observarmos a reação de outros, podemos ver se o tema põe nervoso a
alguém. Assim poderemos sabe por onde seguir investigando.
-Imagino que muita gente ficaria nervosa se tivesse que falar do
Reed com o principal suspeito de seu assassinato -comentou Simón com
secura.
Charity elevou a vista ao céu e seguiu falando como se não tivesse
ouvido nada.
-Além disso está o assunto do lenço. Quem poderia ter teu lenço?
Temos que averiguá-lo.
Simón se voltou e deu uns passos, suspirando.
-Não sei. pensei mil vezes nisso. Não tenho por costume me deixar
os lenços por aí. Acredito que deveram roubá-lo em minha casa, mas
qualquer pessoa poderia havê-lo feito.
-me parece mais provável que seja alguém que te tenha visitado.
Não acredito que um ladrão se introduzira na casa, arriscando-se a ser
descoberto, com o único propósito de te roubar um lenço.
-Não posso imaginar quem...
-Já sei -reclinou-se no sofá e subiu as pernas de forma muito pouco
digna-. É duro pensar que um conhecido teu te tenha roubado algo, sobre
tudo se o tem feito para te fazer parecer culpado de assassinato. Mas estive
pensando nisso. Não crie que é possível que fora alguém a quem Reed não
lhe importasse absolutamente?
-O que quer dizer?
-O que ocorre se, simplesmente, Faraday lhe vinha bem? É possível
que o assassino soubesse simplesmente que te tenham brigado com ele e
que pensasse que nesse caso seria suspeito. Assim que te roubou o lenço
para deixar uma prova em seu contrário, foi a casa do Reed e lhe pegou um
tiro, só para te causar problemas.
-Uma teoria muito interessante, meu amor, mas não conheço
ninguém que me odiasse tanto, com exceção do próprio Reed. Além disso,
quem ia riscar um plano tão elaborado, e inclusive a cometer um
assassinato, se não me odiasse muito?
-Então talvez tenha sido uma mescla das duas coisas.
Provavelmente queriam livrar-se do Reed e além lhe odiavam, de modo
que essa foi a solução perfeita para resolver seus problemas –se deteve,
com o cenho franzido-. Ou talvez não é que lhe odeiem, mas sim
samambaia de que lhe considerassem culpado de assassinato lhes poderia
resultar benéfico.
-Se me declarassem culpado me pendurariam, de modo que isso
significa que alguém se beneficiaria de minha morte. te deixando a ti à
margem, querida...
-Simón! –Charity empalideceu-. Como pode insinuar isso?
-Não insinúo nada –correu junto a ela e a agarrou entre seus braços-
. Não pretendia te fazer danifico. Mas te dá conta de que é uma tolice,
verdade? As únicas pessoas que se poderiam beneficiar de minha morte
são os membros de minha família. Você herdaria meus pertences pessoais,
e meu tio, o condado com as propriedades que lhe correspondem.
-Pois te asseguro que eu não o fiz –disse Charity com sarcasmo,
apartando-se dele-. Nem sequer estava casada contigo.
-Suspeitas de meu tio? –perguntou Simón com incredulidade.
-Não sei. Apenas o conheço. Mas alguém teve que deixar o lenço aí
por alguma razão. Sua primo Evelyn também teria saído ganhando, posto
que herdaria o condado à morte de seu tio. Mas se te casasse, tal e como
planejava, e tivesse herdeiros, suas possibilidades diminuiriam
grandemente.
Simón ficou olhando-a fixamente durante comprido momento.
-Não –disse ao fim-. Não me posso acreditar isso. A verdade é que
não acredito que nenhum dos dois seja um assassino. Meu tio Ambrose é
muito estirado, e não acredito que Evelyn seja capaz de fazer um esforço
assim.
Charity suspirou.
-Suponho que tem razão. Isso significa que lhe assassino será muito
mais difícil de descobrir. Não obstante, não crie que agora que voltamos
para Londres deveríamos celebrar uma festa? Poderíamos organizar um
jantar, a primeira que daria eu como Lady Dure. Só para sua família.
-Charity! –protestou Simón, rendo-. Tem intenção de pô-los em fila
e interrogá-los?
-Espero que não se note tanto. Mas não viria mal tentar averiguar o
que fizeram aquela noite, por exemplo.
Simón ficou olhando-a, sacudindo a cabeça.
-Conseguirá que me expulsem de minha família –disse mais
divertido que zangado-. Adiante, celebra seu jantar.
Charity começou a investigar ao dia seguinte. Em primeiro lugar
manteve uma larga e séria conversação com o Chaney, que prometeu
solenemente tentar obter informação dos criados do Reed. Por sua parte,
tirava diretamente o tema do assassinato cada vez que visitava alguém,
recebia visita ou assistia a uma reunião social de qualquer tipo. Em
ocasiões a gente a olhava com estranheza ou desconforto, mas averiguou
muito pouco.
Também passou bastante tempo preparando a festa, consultando
com sua mãe e com a Venetia, assim como com a cozinheira, o ama de
chaves e Chaney. Elaborou o menu e enviou os convites. Depois pôs a todo
o serviço a limpar a casa, porque queria que estivesse impecável. Tinha
que obsequiar à família do Simón com o jantar perfeito, para impressioná-
los e de uma vez interrogá-los sobre um assassinato. Inclusive ela se sentia
incômoda ante o delicado do situação. O fato de planejar a festa com a
Venetia lhe resultou algo violento, já que não podia lhe confessar por que a
queria celebrar.
Uns dias antes do jantar, Charity decidiu tomar um descanso em
sua apertada agenda de visitas e se foi às compras. Sua primeira parada foi
uma sombrerería, onde se provou vários chapéus. O último lhe pareceu
bastante tentador. Era tão pequeno que logo que cobria nada, e caía sobre a
frente. É obvio, não o necessitava para nada, mas era precioso. perguntou-
se o que lhe pareceria com o Simón.
-Fica precioso, Lady Dure –disse uma voz a suas costas.
Charity deu um salto e se voltou, sobressaltada para ouvir seus
próprios pensamentos em voz alta. Uma mulher muito bonito de cabelo
negro estava atrás dela, sorridente. Charity a recordou imediatamente,
embora só a tinha visto uma vez, no parque.
-Espero não me haver misturado –se desculpou a mulher-.
Apresentaram-nos, mas...
-Não se preocupe –sorriu Charity, sentindo certo alívio ao recordar
o nome da mulher-. Você é a senhora Graves, verdade? Conhecemo-nos
uma vez que você estava montando a cavalo.
-Sim. Me alegro muito de que me recorde.
-Apresentou-nos o senhor Reed.
-Em efeito. Foi terrível o que lhe aconteceu, verdade? Embora o
certo é que não me surpreende.
-Também tirou o sarro a você?
A senhora Graves assentiu.
-Temo-me que tirou o sarro a muita gente. Quando se deu conto de
que eu não o podia ajudar a nível social nem financeiro, deixou de
preocupar-se comigo. Assim foi como descobria sua fraude.
-Já vejo.
Uma expressão triste cruzou o rosto da outra mulher.
-Desgraçadamente, temo-me que esta é muito freqüente entre os
homens, ou ao menos sobre os que seja autodenominan cavalheiros –
forçou um sorriso-. Mas suponho que meus problemas não lhe
interessarão. Sobre tudo agora que está radiante de alegria. Inteirei-me que
se casou com Lorde Dure. É uma homem afortunado.
-Muito obrigado. Eu sou a afortunada. Francamente, não sabia que
o matrimônio pudesse ser tão divertido.
A expressão da senhora Graves se congelou.
-Perdoe –se apressou a dizer Charity-. Temo-me que hei dito algo
inadequado.
-Não, claro que não. Todas as recém casados deveriam sentir o
mesmo.
-Mas pôs uma cara... Não sei, parecia como infeliz.
-É você muito receptiva, mas não foi culpa dela. Estava pensando...
Deixe-o, não tem importância. De fato, não acredito que seja bom para sua
reputação que a vejam falando comigo.
Olhou a sua redor com certa apreensão.
-por que não? A que se refere? -aproximou-se da outra mulher e a
agarrou do braço-. por que ia danificar minha reputação o fato de falar com
você?
-É muito amável –disse a senhora Graves, com os olhos cheios de
lágrimas-, mas não há nada que você possa fazer. Não pode... É horrível –
se tirou um lenço da bolsa e se enxugou os olhos-. Agora sou uma...
-Venha comigo –disse Charity-. Tenho o carro fora. Vamos dar
uma volta, o que lhe parece?
A senhora Graves a olhou com agradecimento.
-É você muito amável.
-Tolices.
Charity deixou a um lado o chapéu que se estava provando e saiu
dela tendo com a outra mulher. Depois deu instruções ao condutor e se
acomodou no interior do carro.
-Obrigado –disse a senhora Graves, uma vez dentro-. Sinto-me
ridícula por me haver posto a chorar em uma loja.
-Provavelmente estão acostumados. Estou segura de que todos os
dias choram várias mulheres nessa loja porque querem que sua mãe ou seu
marido lhes compre um chapéu que faça jogo com sua capa.
-É você muito amável -repetiu-, mas não deveria dizer a ninguém
que esteve falando comigo.
-por que? Isso é uma tolice.
Teodora negou com a cabeça e sorriu com tristeza.
-Não. Temo-me que não é nenhuma tolice. Minha reputação está
pelo chãos. Nenhuma mulher decente aceitaria minha companhia.
-por que não?
-Fui traída por um homem –disse levando o lenço aos olhos-. Dá
igual seu nascimento; não o posso considerar um cavalheiro.
Charity conteve a respiração, horrorizada.
-Quer dizer...?
-Sim –se levou as mãos às bochechas-. Estou muito envergonhada.
Isso não é nenhuma desculpa, mas meu querido marido tinha morrido, e
me sentia tão só e infeliz...
-É obvio.
-Parecerá-lhe uma traição à memória de meu marido o fato de que
caísse em braços de outro homem antes de que tivesse terminado o luto.
Mas isso não significava que não amasse ao Dauglas; justamente o
contrário. Jogava muito de menos, e necessitava que alguém me abraçasse
para me sentir como se ele seguisse a meu lado. Seduziu-me, e eu me
deixei seduzir. Apesar de que tinha estado casada, era muito ingênua. Sou
de uma cidade pequena, e nunca tinha estado apaixonada por um homem
que não fora Douglas. Acreditei no outro quando me disse que me amava.
Eu também o amava muito. Sabia que estava mau, mas não o pude evitar.
-Isso é normal.
-Talvez, mas às mulheres lhes exige que não arrisquem sua
reputação por muito solitárias que estejam ou por muito que amem a um
homem –disse com amargura.
-Mas isso não é justo. Nenhum homem mancha sua reputação por
ter amantes.
-O que tem que ver a justiça? A mulher é a que não pode fugir das
conseqüências.
Os olhos do Charity se aumentaram.
-OH, não! Quer dizer que...?
Theodora assentiu levemente, baixando a cabeça, como se não fora
capaz de olhar a sua interlocutora aos olhos.
-Temo-me que sim. Não estou segura, mas quase. fui ver o,
pensava que me apoiaria. Acreditava que me amava e que queria casar-se
comigo. Mas me disse... –conteve um soluço-. Disse-me que estava
comprometido com outra mulher, de melhores orígenes e com mais
dinheiro. Quando lhe disse que acreditava que tínhamos que nos casar riu
em minha cara. Disse-me que eu não era de sua classe. Meus pais eram
gente de campo, alfo enriquecida mas sem título. Suponho que resultava
adequada para o terceiro filho de um barão, como Douglas. Mas não para
ele.
-É uma monstro. Como é possível que haja homens assim?
Theodora sacudiu a cabeça.
-Nunca teria pensado algo assim dele. Clara que, evidentemente,
equivoquei-me ao julgá-lo. Deu-me um maço de bilhetes e me disse que
desaparecesse de sua vida. E eu que acreditava que me amava... Para ele
era só uma querida. Recordou-me que me tinha pago o aluguel quando
morreu Dougla, e que me tinha comprado roupa elegante. Era certo, mas
me pareceu que o fazia por simples amabilidade. Douglas também me
fazia presentes com muita freqüência. Mas o que tentava esse homem era
comprar, como se fora uma prostituta.
Estalou em soluços, afundando o rosto entre as mãos. Charity ficou
olhando-a com impotência, furiosa com o homem que lhe tinha feito algo
assim. Uns meses antes não teria considerado possível que um cavalheiro
tratasse mal a uma mulher, nem que a senhora Graves pudesse cair nas
redes de um desanprensivo. Estava convencida de que os malfeitores
tinham sua condição escrita no rosto e de que a demonstravam com seus
atos. Mas depois de averiguar o do Faraday Reed se deu conta de que tinha
sido terrivelmente ingênua. A nobreza de nascimento não fazia mais nobre
ao homem, e uma víbora se podia ocultar sob uma aparência encantadora.
Charity, que estava sentada frente à senhora Graves, colocou-se
junto a ela e rodeou seus ombros com o braço.
-Sinto-o muito. Eu gostaria de poder fazer algo por ajudá-la. É
terrivelmente injusto que a tratem como a uma mulher queda enquanto que
o outro poderá seguir apresentando-se em sociedade com a cabeça bem
alta.
-Já sei.
Theodora se tinha acalmado, mas sua tristeza era patente.
-Asseguro-lhe que eu não lhe voltarei as costas –lhe prometeu
Charity solenemente-. Não foi culpa dela. Convidarei-a ao primeiro baile.
depois do jantar familiar, claro, mas isso será dentro de dois dias.
-Não pode fazer isso. Mancharia seu nome.
-Talvez seja melhor que o conte antes a meu marido. Mas estou
segura de que não lhe importará.
-Não! –olhou-a horrorizada-. Por favor, me prometa que não o dirá
a Lorde Dure.
-Mas por que não? É um homem muito justo e inteligente. Não a
condenaria.
-Não, por favor. me prometa que não lhe contará isto nem a seu
marido nem a ninguém mais. Deve ser um segredo entre nós. É a única
pessoa a que o contei.
-Bom, de acordo -conveio Charity com certa reticência.
Estava segura de que ao Simón lhe ocorreria algo que pudesse fazer
a pobre mulher, e sabia que não tinha muitos prejuízos. Mas podia ver o
angustiada e coibida que se mostrava a senhora Graves ante a idéia de que
se inteirasse qualquer pessoa, sobre tudo um homem, e a entendia. Não
queria lhe causar mais dor contando seus problemas, nem sequer a seu
marido.
-De acordo, não o direi.
Theodora se tranqüilizou um pouco, mas insistiu.
-Promete-me isso?
-O prometo. Não o contarei nem a meu marido nem a nenhuma
outra pessoa. E seguirei sendo amiga dela. Quero que saiba que pode
confiar-se em mim.
-Obrigado. Isso significa muito para mim. Se não lhe causar
problemas, eu gostaria de voltar a falar com você.
-Claro que não me causa nenhum problema. Também eu adoraria
voltar a vê-la –apertou sua mão-. Pode contar comigo.
-Muito obrigado –Theodora baixou a vista, com um sorriso
satisfeito-. Apreciou muito sua amabilidade.
20
Faltava pouco para que começasse a festa, e Simón não sabia onde
se teria metido Charity. Olhou o relógio pela quarta vez, mas não lhe serve
de mais ajuda que as outras três vezes. O jantar ia começar em só uma
hora. Charity tinha saído quase duas horas atrás, dizendo ao lacaio que ia
comprar cintas para um vestido e que voltaria para casa em uns minutos.
Simón sentia um medo e uma inquietação que lhe resultavam
desconhecidos. Não era muito provável que ao Charity tivesse acontecido
algo. Tinha saído no carro, no que respeitava ao Charity, o sentido comum
não tomava parte em seu pensamento. Horrorizava-o até tal ponto a idéia
de perdê-la que se preocupava com qualquer nimiedad. Desde que decidiu
descobrir à assassina do Reed para limpar seu nome, não podia evitar
preocupar-se ante a idéia de que se metesse de cabeça em uma confusão.
Naquele momento ouviu que se abria a porta da rua, e correu ao
saguão. Charity entrou, tão bonita como sempre.
-Boa tarde, Patrick –disse ao lacaio-. Chego tardísimo, como de
costume. Onde está meu marido?
-Aqui –respondeu Simón, avançando para ela.
De repente ficou congelado ao ver a criatura que subiu de repente
ao ombro do Charity.
-Que demônios é isso? –perguntou.
-Um macaco. Não me diga que nunca tinha visto um.
-Claro que não é a primeira vê que vejo um macaco. Mas este é o
primeiro que entra em minha casa.
O animal começou a brincar com o pequeno chapéu vermelho, do
tamanho e a forma aproximados de um dedal grande, que adornava sua
cabeça. Com a outra mão agarrou o cabelo do Charity e começou a enredá-
lo.
-Não seja mau, Churchil –protestou ela em tom severo.
-Churchil?
-Sim, puseram-lhe o nome em honra ao duque do Marborough. É
absurdo, verdade?
-Em mais de um sentido –respondeu Simón, sem apartar a vista do
macaco.
ficaram olhando ao Churchil, que se atirou ao chão, cruzou o
vestíbulo rapidamente e se encarapitou ao perchero.
-Suponho que quererá saber como é que me apresentei em casa
com um macaco.
-Certamente.
-Não sei muito bem o que podemos fazer com ele, mas não podia
deixá-lo ali.
-O que entende por ali”?
-Com seu proprietário. Ou, ao menos, com o homem que dizia ser
seu proprietário, porque duvido muito que alguém queira ter um animal
para tratá-lo mau.
-E suponho que você não gostou de como o travava seu dono,
assim decidiu liberar o Churchil desse monstro –concluiu Simón com
resignação.
Charity sorriu e se aproximou de beijá-lo na bochecha.
-Sabia que o entenderia.
-Conheço-te, querida. De todas formas, isso não quer dizer que
esteja de acordo em que nos fiquemos –grunhiu ao ver que se lançava de
um salto à aranha de cristal-. Não pode viver aqui.
-Baixa, Churchil! –ordenou-lhe Charity com firmeza-. A verdade é
que não está muito bem educado –explicou ao comprovar que não o fazia
nenhum caso-.
Não obstante, estou segura de que isso se deve a que o organillero o
tratava com crueldade. Quando começar a confiar em nós obedecerá.
-Ou talvez o jantará Lucky –acrescentou Simón com secura.
Charity se voltou para seu marido, horrorizada.
-Crie que é possível?
-A verdade é que duvido que Lucky consiga capturá-lo, mas
certamente o tentará. Está convencido de que é um cão de caça. Patrick –
disse ao atônito lacaio-, baixe ao macaco daí e encerre-o em algum sítio,
longe do alcance do cão.
-Sim, milord.
O lacaio manteve o gesto invariável, mas seus olhos foram
suficientemente expressivos.
-Suponho que necessitará ajuda de alguém. E uma escada de mão.
-Sim, milord.
-Obrigado, Simón –disse Charity, radiante-. Estava segura de que o
aceitaria. Agora me tenho que trocar para o jantar.
Subiu as escadas a toda pressa e entrou em sua habitação. Não
podia retrair-se. Contava com aquela janta para avançar em suas
investigações sobre o assassinato do Reed. Ao longo das semanas
anteriores tinha estado conversando muito sobre o tema, mas não tinha
tirado nada em limpo. Necessitaria muita sorte para surrupiar algo útil a
seus convidados enquanto se mostrava encantada com sua família política
e de uma vez fiscalizava a marcha da festa. Não queria baixar depressa e
correndo para receber aos convidados.
Felizmente, sua donzela estava ali, e já tinha colocado uma de seus
melhores vestidos sobre a cama. Também tinha eleito uns sapatos a jogo.
O perfume, a maquiagem e as jóias estavam dispostas sobre o penteadeira.
-É uma jóia, Lily –suspirou quando a donzela se dispôs a despi-la.
Graças a ela, Charity demorou muito pouco tempo em despir-se e
lavar-se, e depois se submeteu à tortura do colocar um espartilho para que
ficasse bem o vestido de cetim azul que havia sobre a colcha. sentou-se
frente ao penteadeira e fechou os olhos enquanto Lily lhe escovava o
cabelo. Caundo se olhou no espelho com os saca-rolhas feitos e a cinta que
tinha saído a procurar, Charity se sentiu tranqüila, preparada para
interrogar sutilmente a seus convidados.
Baixou para reunir-se com o Simón no salão, e a forma em que
seus olhos se iluminaram ao lhe vê-la disse que tinha o melhor aspecto que
a natureza e a habilidade do Lily podiam lhe conferir.
-Charity –Simón se levantou e correu para ela-. Está... deliciosa –
beijou uns de seus ombros-. Acredito que deveríamos nos retirar pronto,y
que nossos convidados se entretenham sozinhos.
Seu fôlego contra a pele lhe provocou um estremecimento.
perguntou-se se alguma mulher teria amado a seu marido tanto como ela
amava ao Simón. Estava segura de que era impossível.
-Que se agüentem. Prefiro estar a solar com minha mulher a ficar
bem com eles.
Inclinou-se sobre ela. Charity entreabriu os lábios e ficou nas
pontas dos pés.
-O senhor e a senhora Westport –informou Charity da entrada.
Simón e Charity saltaram e se voltaram. O mordomo estava na
soleira, com o olhar perdido e a expressão imperturbável. detrás dele
estavam o mais jovem dos primos de simón e sua mulher, tentando
espionar o interior do salão. Charity se zangou e olhou a seu marido.
-Minha primo Nathan sempre teve o dom de ser inoportuno –susrró
Simón.
Charity conteve a risada e o agarrou do braço enquanto avançavam
para receber a seus primeiros convidados. Sabia o que ocorreria quando
terminasse o jantar e os comensais se partiram; sabia que seu marido
cumpriria a promessa que tinha no olhar. Enquanto saudava os convidados
e conversava com eles pensava em ocasiões no que ocorreria no dormitório
assim que todos se partiram. Não obstante, não podia permitir que aquilo a
distraíra de seu dever. Tinha que descobrir ao verdadeiro assassino se
Faraday Reed.
portanto, deixou a um lado seus pensamentos licenciosos e se
concentrou na difícil tarefa de interrogar a seus convidados sem despertar
suas suspeitas. Mas ao parecer ninguém queria tirar um tema que resultasse
tão incômodo a seu anfitrião como o assassinato do Reed.
À medida que conversava com a gente se sentia cada vez mais
frutada ante a falta de oportunidades de tirar o tema. Tentou de várias
formas abordar a conversação, mas os familiares do Simón a esquivavam
cuidadosamente. Suspeitava que o faziam a propósito, para não incomodar
ao Simón. Charity desejou que o grupo fora menos educado e ficasse a
fofocar sem reticências.
Ao final se aproximou de um pequeno grupo composto pelo marido
da Venetia, Lorde Ashfrod, o tio do Simón e seu filho Evelyn. Ambrose e
seu filho eram os que mais motivos tinham para implicar ao Simón na
morte do Reed, embora Charity não conseguia imaginar ao pomposo
Ambrose nem a seu cínico filho cometendo um assassinato.
-Me alegro muito de que tenha podido vir –disse ao Ambrose com
uma cálida sorriso.
-Como não ia vir, querida? A família é o mais importante para
mim.
-É obvio.
-Olá, prima -saudou Evelyn, aproximando-se dos lábios a mão do
Charity-. Está radiante, como de costume.
-Muito obrigado –respirou profundamente-. A verdade é que me
surpreende não ter pior aspecto. Estas últimas semanas não foram nada
fáceis.
-esteve doente? –perguntou Lorde Ashford preocupado-. Venetia
não me há dito nada.
Ambrose se esclareceu garganta e olhou ao outro lado homem com o
cenho franzido.
-Talvez não tenha sido algo que deveria discutir com você.
Charity se deu conta de que parecia estar insinuando que sua
enfermidade se devia a um embaraço, e se zangou.
-Não, não é nada assim. Simplesmente dizia que foi difícil, com
todos os problemas que tem Simón.
-Que problemas? –perguntou Ambrose desconcertado.
Seu filho o olhou com a exasperação que Chality sentia.
-Temo-me que se refere ao desgraçado falecimento do senhor
Reed.
-Quem? Reed? Ah, esse ser insignificante –disse Ambrose com
desprezo-. O mundo é um lugar melhor sem ele. Era um verdadeiro
canalha.
-Mas isso não era motivo para matá-lo –assinalou Evelyn.
-O que? Claro que não. Não obstante, não vejo que vem tanto
confusão.
Evelyn elevou as sobrancelhas com cepticismo.
-Bom, esse homem foi assassinado. Não se pode passar por cima o
fato só porque fora um canalha.
-Em minha opinião, a pessoa que o fizesse fez um favor ao mundo
–disse o marido da Venetia.
Charity o olhou surpreendida. Lorde Ashford lhe tinha parecido
sempre um homem muito agradável, mas a expressão que tinha agora seu
rosto era dura, e seus olhos centellaban com cólera.
Evelyn se voltou para ele, perplexo. Ashford olhou a seu redor e se
deu conta da surpresa que tinha causado sua atitude.
-Sinto muito. Não deveríamos estar falando desse tema diante do
Lady Dure.
-Tolices –interveio Evelyn, sem deixar de sorrir-. Suspeito que esse
era precisamente o tema que ela queria tirar –se voltou para o Charity-.
Fazendo averiguações, milady?
Charity elevou o olhar. Evelyn era uma jovem agradável, mas
naquele momento lhe teria gostado de lhe dar um murro. Às vezes
resultava muito agudo.
-Não diga tolices –respondeu com secura.
Ambrose olhou a seu filho com o cenho franzido.
-Tem razão. Comporta-te com muita imprudência. Lady Dure não
pode ter nenhum interesse por esse canalha, vivo ou morto. Você é quem
tirou o tema, e devo dizer que não é muito apropriado falar dessas coisas
em presença de damas.
-É obvio. Peço-lhe desculpas, prima. Não obstante, talvez gostaria
de saber onde estava aquela noite. Desgraçadamente, estava com um grupo
de amigos não muito recomendáveis em casa do Cecil Harvey. Passei por
ali toda a noite. E você, pai? Recorda onde estava a noite em que foi
assassinado Faraday Reed?
Lorde Ashford ficou olhando a Evelyn atônito.
-Não estará insinuando que Lady Dure acredita que um de nós
cometeu esse horrível crime.
-É obvio que não –disse Ambrose antes de que Evelyn pudesse
abrir a boca de novo-. Está fazendo o parvo, como de costume –sorriu ao
Charity com doçura-. Lady Dure seria capaz de pensar algo assim.
-Muito obrigado –disse Charity, sonriendo.
Não obstante, Ashford seguiu olhando-a com curiosidade, e quando
um momento depois Ambrose se desculpou e partiu, o marido da Venetia
disse:
-Suspeita de algum de nós, verdade?
-Não, claro que não. Só é que...
-Se não ter sido Simón –continuou Evelyn- é lógico pensar que
tenha sido outra pessoa.
-Certamente, é lógico –disse Ashford-. Mas por que tem que ter
sido uma deles?
-Ou você –assinalou Evelyn.
-Eu? Não pode dizê-lo a sério.
-Todos somos suspeitos –Evelyn baixou a voz-. Deu-se conta,
querido primo, de que meu pai não apresentou um álibi?
-Basta –disse Charity, rendo-. Faz-me sentir ridícula.
-Nem pensar –respondeu ele com galanteria-. Alguém matou a esse
homem. Terá que sair à luz muitos suspeitos. Estou seguro de que a
centenas de pessoas lhes teria gostado de liberar-se dele –se voltou para
Lorde Ashford-. Vamos. Provavelmente, nossa prima averiguou tudo o que
queria de nós. vamos permitir lhe que procure uma nova presa.
Despediu-se do Charity com uma ligeira reverência e partiu,
levando-se consigo a Lorde Ashford. Charity os olhou partir, com um
sorriso nos lábios. Mas não podia evitar pensar na cara que tinha posto o
marido da Venetia quando Evelyn tirou o sarro dizendo que ele também
era suspeito. Quase podia assegurar que se havia posto nervoso.
Mas Charity era incapaz de imaginá-lo matando a alguém. Era uma
pessoa muito tranqüila. Por outro lado, sabia que estava muito apaixonado
pela Venetia. perguntou-se o que teria feito se se tivesse informado de que
Reed a ameaçava. Talvez inclusive tinha descoberto que sua esposa tinha
estado apaixonada por outro homem. Não sabia se o amor e o ciúmes
podiam impulsionar o assassinato incluso de alguém como Ashford. Por
outro lado, não entendia por que ia fazer que as suspeitas recaíssem sobre o
Simón, que era seu amigo e seu parente.
Percorreu a habitação, em busca da Venetia. Como não a via no
salão, saiu ao vestíbulo, onde se tinham congregado alguns convidados.
Sorriu ao Simón, que estava conversando com o mais insuportável de suas
primos, e avançou a toda pressa pelo corredor. Em realidade o fez para
evitar que seu marido lhe pudesse ocorrer recorrer a sua ajuda para manter
uma conversação com aquele homem tão aborrecido, mas quando passou
junto à biblioteca pôde ver que havia uma pessoa na poltrona, às escuras,
de modo que se deteve para ver de quem se tratava.
Pôde ver que era uma mulher porque estava rodeada por suas saias,
mas tinha a cabeça volta, e a iluminação era insuficiente para distingui-la.
De repente ouviu um soluço.
Avançou um pouco para a entrada.
-Posso fazer algo por você?
A figura se voltou.
-OH, Charity!
-Venetia! O que te passa? O que faz aqui?
Charity caminhou até o sofá e se sentou e se sentou junto a seu
amiga, agarrando uma de suas mãos. Na outra mão, Venetia tinha um
lenço. Estava chorando.
-claro que sim. Devo ter um aspecto horrível. Menos mal que
estamos às escuras.
-Mas o que te passa? por que chora?
-Não estava chorando. Bom, talvez um pouco. Sabe que às vezes
nos incomodam as coisas mais insignificantes.
-Sim, mas você revista ser muito tranqüila, igual a Simón.
Venetia negou com a cabeça e suspirou
-Não sei o que fazer. Pensei que tudo partiria melhor depois da
morte do Reed.
Um calafrio percorreu a coluna do Charity ante as palavras de sua
cunhada.. Não podia acreditar que fora a responsável pela morte do Reed.
Além disso, estava segura de que Venetia não o tinha feito de modo que
parecesse que o culpado era Simón. Queria muito a seu irmão para isso.
Mas sabia o que Reed lhe tinha feito, e quanto o odiava por isso.
Venetia a olhou atentamente.
-por que põe essa cara? É que pensa que eu o matei?
-Claro que não .respondeu Charity automaticamente.
-Certamente, tinha motivos, mas me faltava o valor. Além disso,
Simón me disse que ele o deteria, e eu sabia que seria assim. Devo
confessar que me alegrou sua morte. Sei que é algo imperdoável, mas não
o pude evitar.
-Já. Se não fora porque todo mundo pensa que o matou Simón...
-Já sei. É uma das coisas que mais me preocuparam após. Ódio que
a gente jogue a culpa a meu irmão. Jamais teria disparado ao Reed a
traição.
Charity assentiu. Sabia que tinha razão ao não acreditar que
Venetia tivesse assassinado ao Faraday Reed. Teria crédulo em que Simón
o detivera, tal e como havia dito. E não era possível que tivesse
comprometido a seu irmão no crime deixando o lenço junto ao cadáver,
posto que o adorava.
-Sabia Ashford o das ameaças?
-Claro que não. Está louca? Nem sequer sabe que ocorreu algo
entre o Reed e eu. De fato, esse era o motivo pelo que me tirava dinheiro.
Charity não disse nada a sua cunhada, mas não estava tão segura de
que Lorde Ashford ignorasse o passado de sua mulher. A fim de contas, a
gente fofocava, e Charity não duvidava que alguém suspeitasse o que tinha
ocorrido tantos anos atrás entre a Venetia e Reed. Era possível que alguém
se inteirou de que Venetia tinha fugido e Reed tinha ido recuperar a. Todo
mundo conhecia a eternidade existente entre o Simón e Reed. As histórias,
adornadas pelo tempo e as conjeturas, poderiam ter alcançado ao marida da
Venetia. Tambièn era possível que o próprio Reed o tivesse contado a
Lorde Ashford.
Charity pensou rapidamente nas possibilidades. Talvez Simón
tivesse assustado ao Reed para conseguir que deixasse em paz a se irmã,
mas o outro homem podia ter decidido vingar-se cumprindo sua ameaça e
lhe contando o ocorrido ao Ashford. Não teria sido um ato muito razoável,
tendo em conta a cólera do Simón, mas talvez estivesse muito furioso para
pensar com claridade. Ou talvez esperasse a obter dinheiro do próprio
Ashford, posto que a nenhum cavalheiro gostaria que se falasse de em
sociedade sobre lhe passado de sua mulher. Seria uma mancha no hornor
da família, e Reed podia ter dado por sentado que Ashford pagaria por
evitá-la. Claro que também pôde pô-lo furioso até o ponto de levá-lo a
assassinato.
Era inclusive possível que Ashford se zangou tanto ao descobrir
que Venetia e Simón o tinham estado enganando durante tanto tempo que
poderia ter tentado que parecesse que seu cunhado era o assassino. Parecia-
lhe pouco provável que o levasse sempre em cima no caso de.
Também era impossível que o jovial e plácido Lorde Ashford se
visse invadido por uma febre assassina, nem sequer no caso de que
descobrisse que sua esposa não tinha chegado virgem ao matrimônio.
Charity suspirou e ficou em pé, tendendo a mão a Venetia.
-Vamos. Será melhor que voltemos asa festa.
Venetia sorriu fracamente.
-Tem razão. Não posso permitir que a anfitriã desapareça.
-Em efeito. Além disso, vão servir o jantar, e não lhe quererá perder
isso Durante el resto de la fiesta, Charity siguió haciendo averiguaciones
con toda la diplomacia posible, pero sus esfuerzos fueron vanos. Descubrió
pocas cosas que pudieran demostrar la inocencia o la culpabilidad de
nadie, y le preocupaba la posibilidad de que alguno de los parientes de
Simón se ofendiera ante sus preguntas.
-Vamos –Venetia agarrou a mão d Charity e se meteu o lenço no
bolso-. Estou apresentável? nota-se que chorei?
-Claro que não. Está muito bonito, como sempre.
-Obrigado –sorriu abraçou ao Charity-. Muito obrigado. É
encantadora. Me alegro muitíssimo de que Simón se casou contigo.
-Eu também.
Venetia riu e agarrou ao Charity da mão. Voltaram juntas ao
saguão.
21
Durante o resto da festa, Charity seguiu fazendo averiguações com
toda a diplomacia possível, mas seus esforços foram vãos. Descobriu
poucas coisas que pudessem demonstrar a inocência ou a culpabilidade de
ninguém, e lhe preocupava a possibilidade de que algum dos parentes do
Simón se ofendesse ante suas perguntas.
O jantar lhe resultou aburridísima. Estava sentada entre um vigário,
amigo dos Westport, e Hortense, a mulher do Ambrose, que se considerava
muito importante e falava com grande afetação, enquanto elevava o rosto
para olhar de acima a qualquer pessoa a que se dirigisse. Charity se deu
conta de que ia durar uma eternidade.
A metade do primeiro prato começaram a soar uns latidos frenéticos,
seguidos por um estrondo. Charity se encolheu, sabendo que Lucky tinha
conseguido voltar a meter-se em uma confusão. Olhou ao Simón, que lhe
devolveu o olhar. Depois se ouviu um chiado, seguido de uma voz de
homem que, felizmente, resultou ininteligível.
Charity olhou ao Chaney, que fiscalizava aos criados da porta. Seu
rosto, normalmente imperturbável, parecia uma nuvem tormentosa. voltou-
se disposto a desaparecer pró o corredor que utilizava o serviço para
chegar com o jantar, mas assim que abriu a porta, uma bola peluda entrou
por ela.
Charity conteve um gemido. O macaco se liberou, e a julgar pelos
latidos que se aproximavam, Lucky o perseguia.
Várias mulheres gritaram quando o macaco cruzou o chão e se
encarapitou a um móvel de mogno. Um segundo depois, Lucky irrompeu
no comilão. detrás dele ia o lacaio.
-Que demônios...? –começou a dizer Abra-se.
O lacaio olhou aos comensais, que o observavam fixamente.
-Desculpem. Não sei como conseguiu escapar.
-Dennis.
A voz do Chaney era baixa, mas tão geada que Charity sentiu
compaixão pelo pobre lacaio.
O macaco olhou com desprezo ao cão e se voltou para admirar-se
no espelho da despensa. Inclinou a cabeça e ficou a pentear-se com as
mãos. Evelyn ficou a rir.
Quando Lucky recuperou o equilibro e localizou a sua presa, subiu
à despensa as patas dianteiras e ficou ao ladrar, enquanto o lacaio o
sujeitava pelo colar. O pobre homem acabou no chão. Chaney se adiantou
para tentar agarrar ao cão, que o esquivou sem deixar de ladrar ao macaco.
O lacaio, dando-se conta de que o cão seguiria ao outro animal, decidiu
perseguir o Churchil, mas este se escabulló e chegou até a mesa.
Subiu ajudando da toalha, e Lucky o seguiu, irrompendo entre os
convidados para tentar subir à mesa.
-Chuchill! –exclamou Charity-. É que não tem maneiras? Abaixo,
Luchky!
O lacaio e o mordomo conseguiram capturar ao cão e tirá-lo do
comilão, mas tiveram menos sorte com o Churchill, que correu pela mesa
para o Charity, detendo-se pelo caminho para agarrar uma uva do fruteiro.
Charity se levou a sevilleta aos lábios para conter a risada e olhou a seu
marido, perguntando-se se estaria coibido, furioso, ou ambas as coisas.
Mas Simón obsevaba à criatura com supremo interesse, divertido.
Alguns convidados se apartaram da mesa e olhavam alarmados ao
macaco. Outros, como Evelyn, riam, e alguns se limitavam a olhá-lo
boquiabertos. Churchill parecia saber que era o centro d atenção. A fim de
contas, estava acostumado a atuar em público. tirou-se o chapéu e fez uma
reverência às pessoas de uma lado da mesa. Depois se voltou e fez o
mesmo com os que estavam sentados em frente. Todos reiron. Agradado
com a resposta, o animal ficou a agitar o chapéu diante dos comensais,
ameaçando-os a arrojar alguma moeda sobre ele. As gargalhadas se
incrementaram.
O macaco começou a correr de novo para o Charity, mas de repente
o distraiu um adorno brilhante qu levava Hortense no cabelo. Veloz como
o raio, lhe subiu ao ombro do Charity, agarrando-se a seu cabelo com uma
mão enquanto examinava seu troféu com a outra.
-Churchill! –exclamou Charity, lhe arrebatando o pente de prender
cabelo.
O animal gritou algo que parecia uma maldição e se dispôs a
lançar-se sobre a sopa do Charity.
-Nem pensar! –disse ela, apartando o prato.
Churchill a olhou atentamente e depois agarrou sua taça de vinho
para beber dela.
-Meu deus! –disse Hortense.
-Ouça! –gritou Charity, atirando o pente de prender cabelo à mesa
para lhe tirar a taça.
Churchill não estava disposto a dar-se por vencido, e manteve a
taça firmemente sujeita.
-Milady!
O mordomo, que já se encarregou de fazer que encerrassem ao
perro,corría agora para o Charity,horrorizado.
Ao ver que o perigo se aproximava, o macaco soltou a taça.
Charity, que estava atirando dela, jogou o braço para atrá,y todo o vinho
foi parar ao vestido de Hortense. Charity ficou olhando horrorizada à outra
mulher. ouviram-se várias risadas contidas. Charity começou a balbuciar
desculpas.
No outro extremo da mesa, Simón ficou em pé e capturou ao
macaco.
-Aqui tem, Chaney –disse com calma, entregando-lhe ao garçom-.
Acredito que terá que trocar a taça ao Lady Dure.
-Sí,milord.
-Certamente, milady –disse Evelyn enquanto Chaney abandonava o
comilão com passo solene-, você sim sabe amenizar um jantar.
Charity gemeu e se cobriu os olhos.
Embora todos voltaram a concentrar-se no jantar, tentando atuar
como se nada tivesse ocorrido, o resto da velada resultóalgo tenso. depois
de comer, as senhoras se retiraram ao salão, enquanto os cavalheiros foram
fumar e a tomar um conhaque à biblioteca. Pouco depois de que os homens
fossem reunir se com as mulheres, os convidados começaram a partir.
Charity suspeitava que estavam ansiosos por ir-se falar sobre o estranho
jantar do Lady Dure. sentia-se bastante descorazonada enquanto subia com
o Simón ao dormitório.
-Vamos, meu amor –disse Simón, entendendo o motivo de seu mau
humor-. Não tem motivos para estar zangada.
-Mas todos seus parentes estavam aí –gemeu Charity-. Seu tio é
muito pomposo, e se por acaso fora pouco, sua mulher foi a que recebeu
minha taça de vinho no vestido. Por não mencionar o fato de que Churchil
lhe roubou o pente de prender cabelo.
-Você a devolveu. Além disso, o vestido que levava era horrendo.
Me alegro de que tenha que atirá-lo.
-Não brinque. ofendi a sua família.
-Talvez se tenha ofendido algum deles, mas vi rir a vários. A
Evelyn encantou o espetáculo.
-Já sei. E outros?
-Dá-me igual. Nunca me preocuparam muito –abriu o dormitório e
se tornou a um lado para lhe ceder o passo-. Se por acaso não o tinha
notado antes, não me importa muito o que pensem outros, nem sequer
embora sejam meus parentes.
Seguiu-a ao interior, fechando a porta a seu passo, e agarrou ao
Charity pelos ombros.
-Além disso, não foi tua culpa –acrescentou-.Os animais deviam
estar encerrados.
-Já sei, mas se não houvesse trazido para o macaco a casa, nada
disto teria ocorrido.
-Isso é certo. Mas por outro lado não teríamos tido nenhuma
distração nesta festa tão aborrecida. E o que é mais importante, não seria
você.
-Mas não crie que seria melhor que aprendesse um pouco de
decoro?
-Começa a falar como sua mãe –Simón sacudiu a cabeça, enquanto
se desabotoava a gravata-. Mas não era com ela com quem queria me
casar, a não ser, contigo, tão bela e indecorosa como é.
Inclinou-se para beijá-la nos lábios. Charity sorriu e suavizou a
expressão.
-De verdade?
-De verdade.
Agarrou sua mão e a levou aos lábios, lhe beijando a palma e
ascendendo lentamente para sua boneca.
Charity se derreteu junto a ele, apoiando a cabeça em seu ombro.
-Hei-te dito quão bonita está com este vestido? –murmurou Simón
-Não estou segura, mas me pode repetir isso no caso de.
-Está muito bonita –a beijava a cada palavra-. Radiante.
Impressionante.
Simón se deteve na parte superior de seu decote e beijou a curva de
seus seios. Charity sorriu satisfeita.
-eu adoro te ouvir dizer isso.
A boca se Simón passou a seu outro seno,rozándolo com suavida
-Lhe preferiria demonstrar isso -Sabes que para mí es un
honor ayudarte.
Charity afundou os dedos em seu cabelo.
-Sim, acredito que estou de acordo.
Simón elevou a cabeça, com um sorriso sensual nos lábios. Tinha
os olhos carregados de desejo.
-É a mulher mais desejável do mundo
Beijaram-se. Suas línguas se entrelaçaram, explorando-se com um
calor que logo se corvirtiò em um fogo devorador.
Ao final se apartaram, e Simón começou a desabotoá-los botões d a
camisa. Charity se tirou as forquilhas, liberando seu cabelo, que o cayò
pelos ombros.
-Temo-me que necessito ajuda –disse, lhe voltando a espalada e
tornando o cabelo a um lado-. Pode-me desabotoar o vestido?
-Sabe que para mim é uma honra te ajudar.
Simón ficou a desabotoar os botões, um a um. O fazia com muita
freqüência. Tanto era assim que a donzela do Charity tinha aprendido a não
esperar a que sua senhora se retirasse, já que sua presença resultava mais
molesta que necessária. Simón se estava convertendo em um perito em
roupa de mulher.
Quando desabotoou o último botão, Charity se quitò o vestido.
Simón gimiò ao ver que levava um espartilho. Desabotoou-o rapidamente e
o jogou a um lado.
Ao outro lado da habitação estava o grande espelho do Charity, e
simón pôde ver seu reflexo nele. Charity levava a camisa e os pololos, e
ele estava atrás dela. Havia algo excitante no fato de olhar-se no espelho
junto a ela. Acariciou-lhe o peito e baixou lentamente para seu
cintura.Desabrochó a cinta de pololos e os baixou.
-É preciosa –disse, afundando o rosto em seu cabelo.
Charity se apoiou contra ele. Gostava da sensação que despertavam
nela os dedos do Simón sobre seu corpo. Simón a acariciava entre as
pernas, sem apartar a vista do espelho.
Deu um passo atrás e se tirou a camisa e o resto da roupa. Charity
fez o mesmo, de modo que quando voltaram a uni-los dois estava nus.
ficaram olhando-se durante um momento. Apesar de que se familiarizaram
com seus respectivos corpos, sua visão seguia excitando-os, posto que
todos seus rasgos lhes recordavam acontecidos prazeres, um beijo, uma
carícia ou um clímax.
Charity colocou as mãos no peito do Simón, descendo para seus
quadris, desfrutando ao lhe provocar agradar com seu contato. Passou os
dedos pela linha de suas costelas e brincou com os duros mamilos
masculinos. Depois entrelaçou os dedos no pêlo negro que cobria seu
peito. Simón conteve a respiração. Quando ao fim a mão do Charity se
posou em sua masculinidade, grunhiu e fechou os punhos, esforçando-se
por conter a paixão. Chairty o acariciou com delicadeza, explorando a
suavidade da pele tensa.
Simón respirava rapidamente, e o suor cobria seu corpo. Queria
possuir ao Charity imediatamente, mas sabia que a espera incrementaria o
prazer. Charity se adiantou e começou a lhe beijar o pescoço, até que o
corpo do Simón parecia a ponto de estalar.
Simón se inclinou e a agarrou em braços, levou-a a sua cama e a
deixou sobre ela. Charity elevou os braços, lhe dando a bem-vinda
enquanto se deslizava entre suas pernas. Simón a encheu por completo, e
ela fechou as coxas a seu redor. Começaram a mover-se juntos, ao mesmo
ritmo, até que a tensão se desatou em um estalo de amor.
A mñana seguinte Charity despertou acurrucada junto a seu marido.
Sentia o calor de seu corpo. Sorriu para si. Parecia-lhe maravilhoso
despertar assim.
ficou tombada um momento, pensando na festa da noite anterior e
no pouco que tinha averiguado. Começava a pensar que lhe resultaria
impossível averiguar a verdade. Depois ao falar com muita gente seguia
sem suspeitar quem podia ter assassinado ao Faraday Reed e pró o que.
Chaney tampouco tinha conseguido tirar informação útil aos criados do
Reed.
Disse-se que devia haver uma forma melhor de abordar lhe tema.
Talvez deveria contratar a alguém que tivesse experiência em
investigações e que pudesse descobrir quem podia ter motivos para
assassiná-lo. Mas não sabia muito bem onde encontrar a essa pessoa, nem
sequer se alguém se dedicava a um trabalho assim.
Suspirou e se levantou da cama, com cuidado de não despertar ao
Simón. ficou a bata e abriu a porta de seu vestidor. De repente ficou geada,
olhando ao chão.
Não pôde conter um grito.
Simón saiu correndo da cama para ir junto a ela.
-O que ocorre?
Olhou a seu alrededos como se esperasse encontrar-se com um
homem armado.
Charity se tampava a boca com uma mão, horrorizada. Tinha os
olhos muito abertos e cravados no chão. Ao ver que não respondi, Simón
seguiu seu olhar.
-Churchill?
O macaco jazia imóvel no chão. Simón ficou olhando-o surpreso
durante um momento.
-O que passou? –perguntou ao Charity.
-Não sei. Está morto, verdade?
-Temo-me que sim –disse examinando-o de longe.
Agachou-se para recolher ao macaco. Seu corpo estava gelado.
Levou-o asa janela e apartou a cortina para vê-lo melhor.
-Matou-o Lucky? –perguntou Charity-. Não devi trazê-lo. Disse me
dar conta de que o cão o mataria.
-Não –respondeu Simón pensativo-. Não acredito que Lucky tenha
tido nada que ver. Não tem nenhuma ferida.
-Terá-o sacudido até lhe romper o pescoço. Provavelmente só
queria jogar.
-Não acredito. Tampouco parece que tenha o pescoço quebrado.
Além disso, estava no vestidor, com a porta fechada. Como poderia havê-
lo alcançado o cão?
-Tem razão. Crie que o pode ter matado um dos criados?
-Impossível. Não o fariam deixado em seu vestidor para que o
encontrasse.
Simón bajò a cabeça e ficou a olisquear o corpo animal.
-O que faz?
-Há um ligeiro aroma... Não estou seguro.
Cruzou rapidamente a porta que conduzia a seu próprio dormitório,
deixou o cadáver sobre a poltrona e começou a vestir-se a toda pressa.
-O que faz? por que te veste?
por que não chamaste ao Thomkins?
-Não tenho tempo para o ajuda de câmara. Vou correndo a ver o
doutor Cargill.
-O doutor Cargill?
-É o médico da família.
-Por què quer vê-lo com tanta pressa? Encontra-te mau?
-Não. Quero que examine o corpo do Churchill.
-Mas é um médico de pessoas. Crie que Churchill podia ter alguma
enfermidade contagiosa?
-Não. Não sè muito bem què pensar. Mas esta morte tão repentina
me parece muito estranha. Parece-me evidente que os criados o encerraram
em seu vestidor porque aí não tinha muitas coisas que romper, já que não
podia abrir os armários. E o caso é que morreu aí sem feridas nem ossos
quebrados.
-Talvez antes comeu algo que lhe sentou mal –disse Charity.
-Isso é o que suspeito. Que comeu algo que lhe sentou muito mal.
Veneno.
-Mas por que ia alguém querer envenenar a um pobre bonito?
-Não acredito que ninguém quisesse. Mas recordará que ontem à
noite bebeu de sua taça de vinho, antes de derramá-lo sobre o vestido de
Hortense. Quero-o levar a doutor Cargill para averiguar se tiver morrido
envenenado, porque me temo que isso significaria que alguém tentou te
envenenar a ti.
22
Charity estava muito aturdida para protestar.Simón se vestiu e partiu
a toda pressa, levando o cadáver do macaco envolto em um trapo. Charity
se asseou lentamente, pensando. Não podia acreditar que alguém tivesse
tentado envenená-la. Não entendia que ninguém pudesse ter motivos para
fazê-lo. Parecia-lhe absurdo; tanto que logo decidiu que Simón se
extralimitaba em seu afã protetor. A idéia de que estivesse tão preocupado
por ela a adulava, mas estava segura de que não tinha por que preocupar-
se. Quando se dispôs a tomar o café da manhã sentiu certa apreensão, mas
deixou de lado as dúvidas e comó, embora evitou beber nada.
Simón chegou um momento depois, lívido, e o coração do Charity
deu um tombo.
-Não me equivocava –dojo deixando cair em uma poltrona-. O
animal morreu envenenado. O doutor Cargill me confirmou isso.
Charity ficou sentada, olhando-o. Estava tão convencida de que se
tratava de um falso alarme que voltou a preocupar-se para ouvir o Simón.
-Mas isso não significa que fora por beber-se meu vinho. Alguém
poderia havê-lo envenenado antes. Até é possível que um dos criados se
fartasse dele até o ponto de decidir matá-lo. comeu-se algo que lhe dessem.
Provavelmente alguém envenenou um doce Y...
-Estava no vinho –inerrumpió Simón-. O médico lhe fez a autópsia,
e não tinha nada mais no estômago. Sem dúvida, a quem queriam
envenenar era a ti.
-por que? –Charity ficou em pé, nervosa-. por que ia alguém tentar
me matar?
-Talvez porque te dedicaste a percorrer Londres haicendo pergunta
sobre o assassinato do Faraday Reed. Ao melhor em algum momento te
aproximou muito à verdade. meu deus, Charity, quase lhe matam por isso!
-Mas se o veneno esaba ontem à noite em meu vinho, isso significa
que o pôs um convidado. Um de vocês...
-Deus meu –Simón ficou em pé-. Não pode ser. Claro que
tampouco é necessário que o fizesse uma dos convidados. Um criado
poderia ter posto o veneno.
-Um criado?
-Sim. Talvez alguém subornou a um criado para que o fizesse. Um
momento. Contratou Chaney a mais gente para o jantar?
-Sim –disse Charity, iluminando-se-. Esse homem tão alto é uma
deles. E acredito que havia outro.
Chamaram o Chaney, que confirmou que tinha contratado a dois
criados adicionais para a noite anterior. Os dois tinham sido enviados por
uma agência com a que tinha trabalhado em muitas ocasiões.
-Vete à agência e averigua quem eram essas esses homens. Quero
interrogá-los. Enquanto isso, Lady Dure não comerá nem beberá nada que
não tenha sido preparado e servido pró ti pessoalmente. Está claro?
-Sim, milord –respondeu Chaney, ocultando sua surpresa com
muita dificuldade.
-Alguém tentou envenenar a minha mulher.
-Milord!
-É certo. O macaco a salvou. Mas não estou seguro de que o
assassino volte a tentar envenená-la. Por isso deverá mantê-la vigiada
enquanto eu não estè aqui.
-Sim, milord. Patrick e eu montaremos guarda constante. Patrick é
o filho de minha irmã, e confio plenamente nele.
-Muito bem.
-Vou imediatamente à agência, milord.
Chaney se despediu com uma reverência e saiu da habitação.
-Não acredito que seja necessário tudo isto –começou a dizer
Charity.
Simón se voltou, olhando-a com incredulidade.
-Que não é necessário? De verdade crie que me vou ficar cruzado
de braços, sem te proteger?
-Claro que não, mas...
-Não há peros que valham. De fato, acredito que o melhor será que
volte para parque do Deerfiel.
-Não! Não quero ir sem ti. Além disso, nunca poderemos averiguar
quem o fez se nos partimos. Temos que ficar em Londres. Acredito que
deveríamos lhe contar ao Gorham o ocorrido. Talvez assim se dê conta de
que vai trasla pista equivocada.
-É mais provável que pense que queremos despistá-lo –passeava
pela habitação, com o cenho franzido-. Tenho que ir ver a Venetia –
anunciou de repente.
-Ao Sussex? –deu umas voltas mais à habitação-. Pois terei que ir.
Temo-me que não voltarei até manhã de noite. Chaney e Patrick lhe
cuidarão. Tem que me prometer que não sairá de casa por nenhum motivo.
Entendido?
-Simón!
-Digo-o a sério, Charity. Não sei o que faria se te ocorresse algo.
Charity ficou sem palavras. O que Simón acaba de dizer era quase
uma declaração de amor. Naquele momento lhe tinha prometido algo que
lhe pedisse.
-Sim, Simón, prometo-lhe isso. Não irei a nenhum sítio. Além
disso, estou segura de que com o Chaney e Patrick estarei a salvo.
-Será melhor que dê ao Lucky um bocado de cada coisa de seu
prato antes de lhe comer isso -O a George. Si Ventia tenía el pañuelo, él
pudo cogerlo. Ya te he dicho la cara que puso ayer cuando mencioné el
nombre de Reed.
Charity elevou a vista, exasperada.
-Chaney vai encarregar se pessoalmente de minhas comidas.
-Sòlo no caso de.
-por que é tão importante para ti visitar a Venetia? Não pensará que
pode ter sido ela, verdade?
-Espero que não. O caso é que lhe dava meu lenço. antes de ir ao
parque do Deerfield, duas semanas antes do assassinato do Reed, fui ver a.
Estava chorando e lhe dava meu lenço. me esqueceu devolver isso antes de
que partisse.
Charity fico olhando-o aturdida.
-OH, Simón! –correu a seu lado e o abraçou-. Por isso NM gostava
de muito encontrar ao assassino, e por isso tentou me desanimar para que
não investigasse, verdade? estiveste suspeitando isso todo este tempo?
-Em parte. Não acredito que Venetia seja capaz de matar a
ninguém, nem sequer Reed. Disse-lhe que eu me encarregaria dele, de
modo que não tinha por que seguir temendo-o. Não obstante, detestava-o e
lhe tinha medo. E eu sabia que ela tinha o maldito lenço. Não me sentia
capaz de pedir-lhe Não queria suspeitar dela, não queria que ela soubesse
que a idéia tinha cruzado minha mente. Mas enquanto existisse a
possibilidade de que tivesse sido ela, preferia que o inspetor seguisse
suspeitando de mim. Não queria que ficasse a investigá-la a ela.
-Ou ao George. Se Venta tinha o lenço, ele pôde agarrá-lo. Já te hei
dito a cara que pôs ontem quando mencionei o nome do Reed.
Simón suspirou.
-Suponho que George é mais capaz de matar a alguém que Venetia.
Embora isso também me parece pouco provável. Mas agora tenho que me
assegurar. Dá-me igual a um deles matasse ao Reed, mas se houverem
inentado fazer machuco a ti, tenho que detê-los.
Simón partiu pouco tempo depois. Passou toda a tarde de caminho,
e chegou ao Ashford Court quando Venetia e seu marido se dispunham a
comer. Entrou no comilão seguindo ao criado que o anunciou. Venetia
ficou em pé de um salto, atônita.
-Mas bom! –exclamò Ashford-. A que se deve esta visita
inesperada?
-Tenho que falar com vós. Ou, melhor dizendo, com a Venetia.
Sua irmã o olhou assombrada.
-Mas ontem à noite estivemos contigo. por que vieste tão depressa?
Nós mesmo acabamos de chegar.
-É muito importante. trata-se do Charity.
-Charity? –repetiu Venetia preocupada-. o que ocorre? Aconteceu-
lhe algo?
Simón a olhou com frieza.
-por que diz isso? Deveria lhe haver acontecido algo?
Venetia o olhou confundida.
-Diz que vieste a falar sobre o Charity, assim tenho suposto que lhe
ocorria algo. pode-se saber o que acontece?
-Sim, o que acontece? –perguntou Ashford-. Não entendo de que
falas.
-Acredito que alguém tentou envenená-la ontem à noite.
-OH, Simón! Não! –Venetia correu a seu lado-. Encontra-se bem?
-E o que faz aqui? –perguntou Ashford com brutalidade-. Não
deveria estar em casa com ela?
-Está bem –respondeu Simón a sua irmã-. Não se bebeu o veneno.
Mas matou ao macaco.
-Graças a Deus –sussurrou Venetia.
-O macaco –repetiu Ashford-. Como demônios ocorreu? Isto não
tem sentido. Sente-se e tome uma taça de chá. Venetia...
-É obvio.
Cundujo a seu irmão a uma cadeira, tomou assento frente a ele e
lhe serviu uma taça de chá.
-Não o entendo, Simón. Como sabe que o macaco se envenenou, e
que o veneno era para o Charity?
-Encontramo-lo morto na habitação. Ao princípio pensamos que
tinha sido o cão, naturalmente, mas não tinha nenhuma ferida.
-Ao melhor alguém retorceu o cangote. Não me parece tão
impossível –observou Ashford.
Simón sorriu e suspirou.
-Eu também o pensé,créeme. Mas o averigüei. Não tinha o pescoço
quebrado, e antes não tinha dado amostras de estar doente. Já viu como
ficou a correr por aí. O mais importante era que cheirava a amêndoas.
-A almedras? Alguém envenenou as amêndoas?
-Não. É um tipo de veneno que cheira a amêndoas amargas.
Reconheci-o.
-O que tem isso que ver isso com o Charity? –perguntou Venetia.
-O macaco bebeu vinho de sua taça, recordaís?
-É verdade, já me lembro –conveio Ashford-. Mas por que quereria
alguém assassinar ao Charity? É uma mulher encantadora. Está seguro de
que o macaco não agarrou a taça de sua tia Hortense? Surpreende-me que
ninguém a tenha tentado matar ainda.
-George! –exclamou Venetia.
Simón riu ante as palavras de seu cunhado.
-Meu deus, não sei o que fazer nem o que pensar.
-Mas por que vieste a nos ver? –perguntou Venetia-. É obvio,
alegra-nos que nos tenha informado, mas...
-vim porque tinha que te perguntar uma coisa –elevou a cabeça e a
olhou-. Onde está meu lenço?
-Seu lenço? –Ashford o olhou como se se tornou louco-. De repente
te ocorre pensar em um lenço? Deve ter dúzias disso.
Mas Venta entendeu a pergunta. ficou pálida e se levantou
lentamente.
-Quer dizer que... Crie que eu...
Sei que tinha meu lenço. Aquele dia, quando falamos e te pôs a
chorar, dava-lhe isso.
-A que vem essa história dos lenços? –perguntou Ashford
confundido-. Venetia, por que te comporta como se tivesse visto um
fantasma? O que passa aqui?
-Talvez seja melhor que fale a sós com minha irmã –disse Simón.
-Eu diria que não. É evidente que a está incomodando, e não estou
disposto a permiti-lo. Seja qual seja seu problema, deveria discuti-lo
comigo, de homem a homem. Venetia, por que não nos deixa sozinhos um
momento enquanto arrumamos isto?
-Não –respondeu Venetia-. Você não o pode arrumar. É meu de
quem suspeita. Não é assim, Simón?
-Não sei o que pensar. Por isso vim. Não me podia acreditar isso.
Mas estava o p´ñuelo, e não podia esquecê-lo. Isso e todas as razões que
tinha para esquecê-lo.
Ashford, que os olhava boquiaberto, voltou para a vida de repente.
-Crie que Venetia assassinou ao tal Reed? Por Deus! Está acusando
a sua própria irmã!
Os olhos do Simón lançavam fogo.
-Não a estou acusado de nada. Só lhe faço uma pergunta. Tenho
que sabê-lo. A vida do Charity está em jogo. Não posso seguir sem saber
nada.
-Pois não foi ela –repondió Ashford-. Passou comigo toda a noite.
Jurarei-o.
-Mas isso não é certo, George –disse Venetia, voltando-se hacea
ele.
Venetia sorriu com ternura a seu marido e o agarrou da mão.
-Mentiria por mim?
-Não funcionará –disse Simón-. Todo o munco viu a Venetia na
festa dos Willingham, e você não estava com ela.
-É certo, querido -o recondó sua esposa-. Você estava em seu
clube, e estou segura de que há uma dúzia de cavalheiros que podem
testemunhá-lo.
-Mas fui. Devi sair do clube por volta das três.
-Mas os dois sabemos que aquela noite não dormiu comigo,
verdade? Ouvi-te entrar em seu dormitório, mas não veio para ver-me.
Ashford apartou o olhar.
-Era tarde, e não queria te incomodar.
-Igual a durante todos estes meses? –sacudiu a cabeça ao ver que
seu marido se ruborizava-. Mas essa não é a questão. O problema agora
consiste em demonstrar que eu não matei ao Faraday Reed –olhou ao
Simón frente a frent-. Espera um momento. Agora volto.
Saiu correndo da habitação. Os dois homens se olharam,
incômodos. Depois, Simón se voltou e caminhou para a janela.
-Ela não pôde matá-lo –disse Ashford, rompendo o silêncio-. Se
alguém tinha motivos para fazê-lo era eu, e não ela.
-Você? –Simón se voltou para ele, surpreso-. De que falas?
-O marido ciumento. Sempre é quem tem mais motivos, não?
Poderia ter tirado seu lenço da cômoda da Venetia. Poderia havê-lo matado
e ter deixado junto a seu corpo a prova que te acusasse. Seria muito mais
razoável que suspeitasse de mim, antes que de sua própria irmã, não crie?
-Meu deus, George, quer dizer que você o matou?
-É o que direi se acusar a Venetia.
-George!
Os dois se voltaram para ouvir a exclamação da mulher. Seguia
muito pálida, seus olhos resplandeciam.
-Quer dizer que confessaria um crime que não cometeu para me
salvar? –perguntou a seu marido.
Ashford se esclareceu garganta, incômodo.
-Não poderia permitir que fosse ao cárcere.
-OH, George! –disse abraçando-o, embargada pela emoção-. Tanto
me ama?
-claro que sim. A fim de contas, é minha esposa. Tem que saber
que estou louco por ti desde que te conheci.
-OH, George! -abraçou-o fortemente-. Então, por que te comporta
com tanta frieza ultimamente? por que...? –deteve-se de repente, olhando-
o-. A não ser que você também pense que eu o matei.
-Não, Por Deus. por que ia pensar que você matou a esse rato?
Você o amava. Eu era o que pensava noite detrás noite em matá-lo.
Embora não lhe teria pego um tiro. Não me parecia suficientemente
satisfatório. Queria matá-lo com minhas próprias mãos. Mas não pude
fazê-lo. Isso teria causado sua infelicidade. Sabe que não suporto que seja
infeliz. Devo admitir que me alegrou a notícia de sua morte. Mas depois,
cada vez que te ouvia chorar de noite, odiava-me por me haver alegrado.
Venetia o olhou aniquilada.
-Crie que sou infeliz por causa da morte do Faraday Reed? O que
se choro pelas noites é por ele? Como pudeste albergar uma idéia tão
absurda?
Lhe devolveu o olhar com igual confusão.
-Porque o amava. É mais que evidente.
-Odiava-o! Como podia pensar que o amava depois do que me fez?
Os três guardaram silêncio durante comprido momento.
-Mas foram amantes –disse George ao final-. Weaver te seguiu.
Viu que lhes reuniam. Viu que... –sua voz tremeu, e teve que aspirar antes
de seguir-. Viu que lhes beijavam no parque. Eu sabia que tinha uma
aventura com ele.
-Não! –gritou Venetia, apartando-se dele-. OH, Meu deus, pensou
que...! Não o amava. Desprezava-o. Odiava-o. Não tínhamos nenhuma
aventura. Chantageava-me para me tirar dinheiro. Aquele dia no parque me
beijou à força, mas eu não queria. Tentei me apartar, mas era muito forte.
E o que pretendia era divertir-se a minha costa. Sabia quanto o odiava, mas
também sabia que não podia pedir socorro, porque não queria chamar a
atenció.
-Não era seu amante? –o rosto do Ashford se suavizou-. Venetia,
meu amor, equivoquei-me contigo. Poderá me perdoar? –aproximou-se
dela e a abraçou fortemente-. Mas espera um momento. Diz que te tirava
dinheiro –olhou ao Simón-. E você sabia?
Simón assentiu.
-por que? O que poder tinha sobre ti?
Venetia se separou de seu marido, suspirando.
-É evidente que não lhe posso seguir ocultando isso. Embora seja
possível que se lhe disser isso me odeie tanto como quando pensava que
tinha uma aventura com ele.
-Nem sequer te odiava por isso. Não poderia te odiar.
-Não te precipite.
Fechou os olhos um momento, fazendo provisão de forças. Depois
lhe contou toda a história sobre a forma em que Reed a tinha enganado
quando era jovem, como a tinha convencido para que se fugisse com ele e
como lhe tinha pedido dinheiro para não arruinar sua reputação quando
Simón os alcançou.
Enquanto falava, a cólera se refletia no rosto do Ashford. A vez da
Venetia começou a fraquejar. Terminou precipitadamente, ao bordo das
lágrimas.
-Maldito canalha! -rugiu quando Venetia se deteve-. Deveria
havê-lo matado –olhou ao Simón-. Deveria havê-lo matado faz tempo.
-Creéme, em ocasiões desejei havê-lo feito. Acredito que nossas
vidas teriam sido muito mais fáceis. Mas tinha que considerar a reputação
da Venetia.
-Fazer algo assim a uma pobre garota inocente e pretender que
pagasse para não dizer nada! Eu gostaria que me tivesse contado isso. Lhe
teria dado o que merecia. Não deveu lhe dar nada, amor mim. me deveu
contar isso imediatamente.
-Mas me dava muito medo o que pudesse pensar ou sentir. Dava-
me medo que me odiasse, que me repudiasse.
-Venetia! Como pôde pensar algo assim? Eu nunca te teria
repudiado. Nem sequer quando pensava que tinha uma aventura com o
Reed me passou pela cabeça fazer algo assim. Limitava-me a rezar para
que não durasse, para que voltasse para meu lado.
-Eu nunca te deixei.
-Agora sei. OH, meu amor –voltou a agarrá-la entre seus braços-.
Crie que não sabia que não fui o primeiro? Mas não me importou. O único
que me importava era que me tivesse eleito .
-OH, George... –rodeou-o seus braços-. É o melhor homem do
mundo. Não mereço um marido como você.
-Tolices. Mereceria algo melhor.
Simón, ante a cena de reconciliação, afastou-se discretamente. De
novo ficou a olhar pela janela, tentando não escutar o som dos beijos.
Sabia que tinha estado seguindo uma pista falsa. Sua preocupação pela
segurança do Charity o tinha levado a um callejó sem saída. Venetia teria
sido incapaz de cometer um assassinato. Era muito doce. O mais provável
era que tivesse feito o que tinha feito em realidade: recorrer a ele CO a
esperança de que resolvesse seu problema. Teria crédulo em que resolvesse
tudo, sempre havia sobrevalorado a seu irmão maior.
Quanto ao Charity, era uma mulher que se ocupava pernonalmente
de seus problemas, embora significasse entrar com uma pistola em casa de
alguém. Era perfeitamente capaz de utilizar uma arma para defender-se.
acostumou-se tanto à forma de ser de sua esposa que tinha chegado a
pensar que outra mulher, como sua irmã, atuaria da mesma forma.
Simón suspirou e se voltou de novo para o casal, que seguia
braçada. Venetia tinha a cabeça apoiada no ombro do George.
Simón se esclareceu garganta e se dispôs a falar.
-Sinto muito, Venetia. fui um idiota ao vir aqui. Não podia pensar
com claridade. Sabia que não foi você, não podia ser você. Mas tinha uma
dúvida da que não me podia liberar, pelo do lenço. Quando esse maldito
nomo apareceu morto e me dava conta de que Charity estava em perigo,
cheguei a certas conclusões e me apresentei aqui para ver se eram certas.
-Claro que não foi Veneti –disse George-. O problema é, quem o
fez? Isso é o que tem que averiguar.
-Perdoará-me, irmã? –perguntou Simón olhando a Venetia.
Ela sorriu, olhando-o com ternura.
-Acredito que neste momento poderia perdoar algo a qualquer –
cruzou a habitação e agarrou suas mãos-. Claro que te perdôo. Ao princípio
me senti bastante ofendida, mas entendo que era lógico que lhe
perguntasse isso, conhecendo a inimizade que havia entre o Reed e eu e
sabendo que eu tinha seu lenço. Estou segura de que está morto de medo
pelo Charity. De todas formas, será melhor que lhe devolva isso –se levou
a mão ao bolso-. Aqui tem seu lenço, limpo e engomado.
Simón agarrou seu lenço, sonriendo envergonhado, e o meteu no
bosillo.
-Obrigado. É um anjo por não me haver odiado por chegar a
suspeitar de ti.
-Entendo-o. A amas.
Simón tragou saliva e apartou a vista.
-Em efeito.
-Bom, vêem jantar conosco.
-Não –respondeu franzindo o cenho-. Tenho que voltar com o
Charity.
-Não pretenderá voltar esta noite a Londres, verdade? Leva todo o
dia de caminho. Seus cavalos não o suportariam, embora você pudesse.
Precisa comer e descansar. Já voltará amanhã. Há dito que Chaney está
cuidando dela.
-Sim, suponho que tem razão. Mas me sinto tão incômodo... Nunca
sei o que pode decidir Charity. Ao menos me prometeu que não sairia. Não
se pode meter em nenhuma confusão daqui a manhã.
23
Charity deixou cair o trabalho e suspirou. sentia-se muito intranqüila.
Simón tinha insistido tanto em que não saísse que tinha estado em casa
todo o dia e no dia anterior. Cada vez que saía de uma habitação se
encontrava com o Chaney ou Patrick na porta, olhando-a como se pudesse
desaparecer diante de seus próprios olhos.
O odioso inspetor do Scotland Yard se apresentou para fazer um
montão de perguntas. comportou-se com tanta insolência que Charity se
teve que esforçar por não esbofeteá-lo, e tinha comentado que tinha “nova
informação” olhando-a fixamente aos olhos. Charity não sabia se era certo
que sabia algo mais ou se só tentava assustá-la para que dissesse algo que
lhe desse provas contra seu marido. Relatou-lhe a morte do macaco, mas
tal e como havia predito Simón, Gorham se tomou a notícia com certo
cepticismo.
Esteve preocupada com sua visita durante o resto da tarde.
perguntava-se se seria certo que havia nova informação e se, como
insinuava Gorham, poderia-se usar contra Simón. Desejava que voltasse
quanto antes para poder falar com ele.
Não podia acreditar que Venetia tivesse assassinado ao Faraday
Reed, nem sequer que tivesse tido nada que ver em sua morte. Não
obstante, não estava tão segura da inocência de Lorde Ashford. Parecia-lhe
possível que George se houvesse posto furioso se Reed lhe tivesse contado
o que tinha feito a sua mulher. Não lhe parecia provável que fizesse recair
as culpas sobre o Simón, mas nunca podia saber a que extremos podia
chegar uma pessoa que queria evitar a justiça.
Chaney entrou na habitação, tão inexpressivo como de costume.
Levava uma bandeja de prata com um sobre.
-Milady? Acaba de chegar isto para você.
Charity agarrou a carta. O sobre não levava nenhuma marca, e por
um momento sentiu temor ao recordar as notas que tinha recebido antes de
casar-se. recordou-se que era impossível que se tratasse de outra delas,
posto que a pessoa que as enviava tinha morrido.
Seu nome estava escrito no sobre, com uma letra elegante que ou
coincidia com a das outras notas. Abriu o sobre e tirou o papel perfumado
do interior.
Estimada Lady Dure:
Espero que não lhe incomode que tenha tido o atrevimento de
escrever. Sinto importuná-la, mas não tenho ninguém mais a quem
recorrer. Eu gostaria, se for possível, que me dedicasse um momento.
comportou-se tão bem comigo que pensei que podia lhe pedir este favor.
Talvez recorde o assunto sobre o que estivemos falando a última vez que
nos vimos. Meus piores temores se confirmaram. Dá-me medo ser vista, e
sim que, em minha desgraça, ninguém deve ser visto em minha companhia.
Por isso, espero-a em um carro, frente a sua casa, com a esperança de que
saia a dar um passeio comigo. Rogo-lhe que não o diga a Lorde Dure nem
a nenhuma outra pessoa, já que lhe proibiria que pusesse em perigo sua
honra desta maneira.
Atentamente,
Theodora Graves
-Pobrecita –murmurou Charrita, esquecendo seus próprios
problemas.
Sentiu lástima pela mulher, abandonada por algum nobre arrogante,
sem dúvida um canalha comparável ao Faraday Reed, teria que ser ela
quem se enfrentasse a sós à condenação da sociedade.
Tomou uma determinação rapidamente. ficou em pé e chamou o
Chaney.
O mordomo apareceu quase imediatamente.
-Sim, milady?
-vou sair a dar uma volta com uma amiga.
-Milady! Seu marido disse que não devia sair da casa.
Charity fez uma careta.
-Isto não é um cárcere, verdade?
-Não, é obvio que não, milady. Mas Lorde Dure...
-Está preocupado por minha segurança –interrompeu Charrita com
impaciência-. Já sei, mas não há motivo para preocupar-se. Não estarei
sozinha. Uma amiga me espera no carro. Seguro que tem um chofer que
nos protegerá. Só vamos dar um passeio.
-Mas milady... –suplicou Chaney.
-Repito que não há motivos para preocupar-se. Não correrei
nenhum perigo.
-Lorde Dure nos matará se permitirmos que saia a sós –lhe
recordou o mordomo, apelando ao argumento de mais peso.
Fez-se uma larga pausa, durante a qual Charrita e Chaney se
olharam fixamente.
-De acordo -disse Charrita-. Que nos acompanhe um dos criados.
De acordo?
Chaney não pôde conter uma sorisa.
-Estupendo, milady.
Enquanto Charrita ficava o chapéu, Chaney foi em busca do
Patrick. Abriu a porta pessoalmente.
-Com quem vai sair, se me permitir a pergunta?
-Também isso impedirá que Lorde Dure lhes corte a cabeça?
-Temo-me que sim, milady.
-Com uma viúva. A senhora Graves. Theodora Graves.
Baixou os degraus e se aproximou do carro sem voltar a vista atrás,
deixando ao Chaney na porta.
O chofer, que se tinha apeado com o fim de ajudá-la, pareceu
surpreender-se ante a presença do Patrick, mas se retirou enquanto o lacaio
ajudava a Charrita a subir. Depois, os dois se sentaram no pestante.
-Me alegro muito de que tenha vindo –disse Theodora-. Temia que
se negasse.
Charity pensou que os problemas deviam ter feito trinca na senhora
Graves. Estava ruborizada, e seus olhos brilhavam muito. Estava envolta
em uma manta, embora em opinião da Charrita não fazia frio.
-Está doente? –perguntou.
Para sua surpresa, Theodora riu.
-Doente? Não, de fato me sinto melhor que em muitos meses.
A expressão de seu rosto incomodou a Charrita. Havia algo
estranho nela. Apartou a vista, perguntando-se se seus problemas não a
teriam desequilibrado. Começou a sentir ter acessado a sair. Não sabia o
que poderia fazer se Theodora ficava histérica.
-O que posso fazer por você? –perguntou-lhe.
Theodora voltou a rir.
-Nada, milady. Absolutamente nada. Já o tem feito.
Charity a olhou com estranheza, surpreendida por seu tom
sarcástico. De repente viu que a mulher levava uma pequena pistola
chapeada na mão, e a apontava diretamente.
Durante comprido momento, ficou olhando-a atônita. Theodora
voltou a rir.
-Segue sem entendê-lo, verdade? Como se pode ter casado contigo?
Uma garota de campo! Sem nenhum encanto, sempre tão sorridente, como
se o mundo fora seu parque de jogos. Estou segura de que agora se
arrepende. Não acredito que suas criancices lhe sirvam de nada na cama.
Não. Estou segura de que já se arrependeu de haver-se casado contigo.
-Simón! –disse Charrita surpreendida-. Faz isto pelo Simón?
-claro que sim, estúpida. Não te dá conta de que estava apaixonado
por mim? teria se casado comigo se você não te houvesse interposto.
Charity ficou olhando-a, tentando assimilar as palavras da outra
mulher.
-Quer dizer que Simón era o homem do que me falou?
-Sim! –respondeu com os olhos entrecerrados-. Amava-me. Estava
louco por mim. Então apareceu você e o danificou tudo.
-Não diga tolices –respondeu Charrita, cada vez mais furiosa-.
Simón não teria tratado a uma mulher como diz que lhe tratou seu amante.
Disse-me que tinha tido uma querida, e estou segura de que isso era.
Suponho que seria uma mulher muito disponível, mais que uma viúva
contrita de dor, e que se sentiu atraído por seus evidentes encantos.
Theodora pareceu sentir-se adulada ante as palavras da Charrita e
elevou o rosto, orgulhosa.
-Estava louco por mim.
Charrita riu com sarcasmo.
-A verdade é que o duvido. Conhecendo-o, estou segura de que foi
bastante generoso e justo com você. Sem dúvida lhe pagava a roupa, o
carro, os criados...
-É obvio.
-E sem dúvida o considerava um acerto de negócios, e não uma
história de amor. Pagava-lhe pelo que lhe oferecia, e isso era tudo. Não a
amava. Disse-me que não estava apaixonado por ninguém. Não se teria
casado comigo se amasse a outra mulher.
-Não sou uma prostituta! Sou uma viúva respeitável. Não me dava
dinheiro em pago por nada, e me amava. teria se casado comigo.
-Deve estar louca.
-Louca! -o rosto da Theodora ficou quase arroxeado por causa da
raiva-, Eu estou louca? Crie que uma louca poderia ter planejado isto? Crie
que poderia ter pensado em todo o resto? Estúpida. Não sabe de que falas.
-Todo o resto? –ao fim Charrita o entendeu tudo-. Refere-se ao
macaco?
-Esse maldito animal! E Hubbell não pôde voltar a fazê-lo.
-E o senhor Reed? –perguntou quase sem fôlego.
-Sim, é obvio. Esse verme tentou tornar-se atrás. Maldito covarde.
-Tornar-se atrás?
-Tínhamos chegado a um acordo. Faraday ia ajudar me a evitar o
matrimônio. Sempre tinha odiado ao Simón, e estava desejando desgraças
a sua prometida.
-Quer dizer que sempre teve intenção de me violar?
-Não. O muito inbécil pensou que cairia em seus braços em vez de
cair nos do Simón. Mas como não funcionou tentou te forçar. Dava igual
como o conseguisse, sempre que acabasse com sua reputação.
Charity sentiu um calafrio ao pensar na indiferença, que sentia
aquela mulher ante sua dor e humilhação. Não queria seguir falando com
ela, mas se dava conta de que o melhor que podia fazer era conseguir que
seguisse falando, já que do contrário poderia decidir usar a arma. Sem
dúvida não lhe importava matar, mas enquanto tivesse algo que dizer,
Charrita poderia tentar idear uma plano de escapamento.
-Era você quem me enviava as notas?
Theodora sorriu como se Charrita lhe houvesse dito um completo.
-Sim. Como não funcionaram, Faraday pensou que podia as usar
para ganhar sua amizade. Mas era muito covarde para chegar até o final.
Até me disse que você lhe dava medo.
-Assim que lhe pegou um tiro? –perguntou, tentando não adotar um
tom acusatório.
Theodora se encolheu de ombros.
-Discutimos. Não se atenía a razões, e ao final começou a me
ameaçar. A mim! Enfim, tive que matá-lo.
-E o lenço? Como o deixou junto a seu cadáver?
Theodora sorriu, agradada com sua inteligência.
-Fugi depois de que morrera. Estava terrivelmente assustada, mas
depois recordei que tinha um lenço do Simón. O tinha deixado em minha
casa em uma de suas visitas. Felizmente, ninguém tinha encontrado o
cadáver. A janela estava aberta, de modo que atirei o lenço ao interior. Não
me viu ninguém.
-Mas se queria casar-se com o Simón, por que tentou fazer que
parecesse culpado? Acreditava que o amava.
-O que o amava? Hei dito isso? Não, eu não o chamaria amor.
Queria me casar com ele, isso é tudo -voltou a encolher-se de ombros-. É
um bom amante, muito melhor que a maioria. Normalmente os homens só
querem conseguir sua satisfação quanto antes. Além disso é rico. Se me
casasse com ele poderia ter tudo o que quisesse. Respeitariam-me em
sociedade.
-Mas não é fácil casar-se com alguém que está no cárcere acusado
de assassinato, não?
-Não acredito que o lenço seja suficiente para pendurá-lo. De fato,
faz várias semanas que o encontraram e não lhe aconteceu nada. Não
queria que o detiveram. Sobre tudo, queria evitar que suspeitassem de
mim. A fim de contas, tinha sido vista freqüentemente em companhia do
Faraday. Esperava que isso implicasse ao Simón simplesmente até certo
ponto de que rompesse o compromisso -franziu o cenho-. por que não o
fez? Estou segura de que o escândalo assustou a sua família. Também
estou segura de que Simón teria o cavalheirismo de te liberar de sua
palavra. Contava com isso.
Charity se esticou. Não queria lhe dar tempo para pensar.
-Assim usou o veneno para livrar-se de mim, com o fim de que
Simón ficasse livre para casar-se com você.
-É obvio. Teria funcionado, de não ser por esse maldito macaco.
Como te ocorreu colocar um animal tão estúpido na casa?
-Não sei muito bem. Eu gostei.
Não sabia o que dizer. sentia-se como se estivesse em um mundo
distinto em que as regras normais se investiram. Não sabia o que fazer para
manter acalmada a uma mulher que tinha matado, que considerava as
vistas humanas simples obstáculos em seu caminho.
Passou-se as mãos pela saia para secar-lhe Fazia bastante calor.
Nunca se tinha enfrentado a uma pessoa armada, e se sentia mais assustada
que quando sofreu o ataque do Reed. Não podia tentar lhe tirar a arma,
porque era possível que Theodora conseguisse disparar antes de que a
alcançasse. Lhe passou pela cabeça a idéia de saltar do carro. Não lhe
importava fazer-se danifico ao cair, mas era provável que a outra mulher
lhe pegasse um tiro antes de que abrisse a porta. Mas tampouco estava
disposta a esperar a que Theodora a matasse quando gostasse.
Perguntou-se se teria visto que Patrick subia ao carro com ela. Se
não era assim, tinha uma carta na manga. O lacaio tentaria salvá-la quando
saíssem do carro. De momento, podia averiguar onde estavam.
-Importa-lhe que abra a cortina? –perguntou alargando a mão.
-Nem pensar. Toma por tola?
-Necessito um pouco de ar fresco.
-Não quero que lhe vejam em meu carro. Não quero que tenha a
oportunidade de pedir ajuda.
Charity recordou algo de repente e sorriu.
-Mas disse ao Chaney com quem ia. Disse-lhe seu nome. Darão-se
conta de que desapareci por sua culpa.
-Memore.
-Isso crie? -reclinou-se, cruzando-se de braços-. Pode arriscar-se?
Todo mundo saberá que me matou. Pendurariam-na. Estou segura de que
isso não gostaria. Tenho entendido que os enforcados ficam muito feios.
Lhes põe a cara morada, e lhes saem os olhos.
-Te cale! –gritou Theodora.
Agitou a pistola perigosamente, e Charrita decidiu lhe fazer caso.
Guardaram silêncio durante um momento. Charity se perguntou se a arma
não lhe poderia disparar por acidente se passavam por um buraco.
Estava muito nervosa. Tremiam-lhe os dedos da mão que sujeitava
a pistola. Charity pensou que qualquer sobressalto faria que apertasse o
gatilho. Esperava que o pânico não se refletisse em seu rosto. O medo
podia incitar a Theodora à violência.
-aonde vamos? -perguntou mais por pensar em outra coisa que por
dar conversação a sua seqüestradora.
-A um sítio que não conhece. Um lugar com gente normal, ao que
não iria em sua vida.
O carro avançava muito devagar, por um caminho que parecia estar
cheio de curvas. O grito de uma costureira sobressaltou a Charrita, que deu
um salto no assento.
Theodora riu ao vê-la.
-Vê? Nunca te teria manchado seus preciosos pés vindo a um bairro
como este. E tem feito bem.
-por que?
-Porque é um lugar no que se pode disparar uma pistola sem que
ninguém empreste atenção. Ninguém chamará o Scotland Yard nem
reconhecerá ter visto nada. É um sítio perfeito para livrar-se das moléstias.
A Charrita não lhe ocorria nada que responder, de modo que
guardou silêncio.
O carro se deteve. Charity ouviu que os homens desciam do boléia.
Theodora se sentou rapidamente junto à Charrita e lhe pôs a pistola na
têmpora. Um momento depois se abriu a porta do carro. Fora estava o
chofer da Theodora. junto a ele estava Patrick, confundido, olhando a sua
redor com desconfiança.
Theodora agarrou a Charrita do cotovelo para tirá-la pela porta,
pega a ela. Patrick ficou boquiaberto quando as viu. Charity se deu conta
de que Theodora sabia que seu criado os acompanhava, e por isso a tinha
pontudo antes de que se abrisse a porta.
Patrick deu um passo à frente, para a Charrita.
-Quieto! –gritou Theodora.
-Não te mova –disse o chofer, lhe dando um empurrão-. Tenta lhe
tirar a pistola e seu señoritinga estará morta antes de que tenha chegado a
tocá-la.
-Tem razão –disse Theoroda.
Charity podia ouvir a respiração entrecortada da outra mulher, e
embora não podia voltar-se para olhá-la, suspeitava que tinha o semblante
avermelhado e os olhos muito abertos.
-Quão único pode fazer para evitar que mora é vir conosco em
silêncio. Não diga nada a ninguém e não tente pedir ajuda. Entendido?
Patrick tragou saliva e assentiu.
-Vamos –disse o chofer.
Agarrou ao Patrick pelo braço e o empurrou para diante. Theodora
retirou a pistola da têmpora da Charrita e a afundou em seu flanco.
Começava a fazer-se de noite. A rua era muito estreita, e os edifícios lhes
ocultavam a luz. Um menino esquálido, médio nu, olhava-os com
curiosidade. Sua mãe o apartou rapidamente, murmurando algo.
Um moço, ao que lhe faltava um braço, aproximou-se de lhes pedir
esmola.
-Pobrecillo –murmurou Charrita.
Theordora afundou o canhão da arma em sua carne.
-Te cale. Você corre mais perigo que esse aleijado.
-Não poderia lhe dar umas moedas?
-Tornaste-te louca? –perguntou Theodora, detendo-se para olhá-la
com incredulidade.
-Por favor –rogou Charrita, levando-a mão ao bolso.
-O que tem aí?
-Asseguro-lhe que não estou acostumado a ir armada. Não me vai
permitir uma última boa ação?
Olhava fixamente à senhora Graves, com expressão quase
autoritária.
-De acordo –conveio a contra gosto-. Mas faz-o lentamente.
Pegarei-te um tiro se sacas algo que não sejam moedas.
Charity assentiu e tirou lentamente o moedeiro. O tendeu ao
menino e sorriu. Ele adiantou a mão, e Charrita lhe entregou a bolsa com
todo seu conteúdo. Depois se voltou e seguiu o caminho que tinha tomado
Patrick e o chofer.
Ouviu suas costas um som de admiração. Levava no moedeiro uma
guinea e vários xelins. Estava segura de que o pobre menino não tinha
visto tanto dinheiro em sua vida. Sem dúvida, recordaria às duas mulheres
que se cruzaram em seu caminho, em caso de que Simón pudesse lhe
seguir a pista até ali.
24
Enquanto caminhava, Charity juntou as mãos e se tirou com
dissimulação o anel com a esmeralda que lhe tinha agradável Simón
quando se prometeram. Depois o pôs com a mesma dissimulação no dedo
do meio da mão derechera, junto à pequena ametista que lhe havia sua avó.
O anel era muito pequeno para aquele dedo, mas o empurrou tanto como
pôde. Os dois anéis dois juntos fariam mais machuco em caso de que
pudesse golpear a alguém.
diante delas, Patrick e o chofer esperavam frente a uma porta.
Quando se aproximaram, Charity diminuiu o passo e decidiu ficar a atuar.
-Não! –disse em voz baixa-. Por favor, Teodora, eu nunca lhe
desejei nenhum mal. Não poderíamos arrumá-lo?
-Vá, agora começa a suplicar. Vai perdendo sua prepotência,né?
Fez um gesto ao chofer, que abriu a porta e empurrou ao Patrick ao
interior. As duas mulheres os seguiram a uma pequena habitação pouco
iluminada. O aroma era tão desagradável que Charity logo que podia
respirar.
-por que nos trouxe aqui? –perguntou Charity.
Só tentava ganhar tempo. Sabia perfeitamente quais eram suas
intenções.
-Pergunta-o a sério? Acredito que está bastante claro. Ao princípio
pensei que poderia fazer que Hubell te atirasse ao rio com os pés atados a
uma pedra, mas logo me dava conta de que se desaparecia Simón não se
sentiria livre para voltar a casar-se. Tinha que fazer que descobrissem seu
cadáver. ia pegar te um tiro e te deixar aqui, mas a presença de seu chofer
me deu uma idéia melhor –sorriu e se aproximou dela-. Farei que pareça
uma trifulca entre amantes, como se seu criado e você tivessem vindo para
estas a sós neste sórdido lugar. Mas discutiram, pegou-te um tiro e logo se
suicidó. Isso ficará muito bem. Explicarei sua morte a tudo o que pergunte,
e estou segura de que Simón não guardará luto por sua esposa. Dará-se
conta de que no fundo era uma qualquer que o traía. É obvio, levado pela
cólera, voltará junto a mim.
-Não o fará! –protestou Charity, muito furiosa para preocupar-se
com mantê-la acalmada-. Simón não iria nunca com você. Ama-me, e me
conhece muito bem. Não me acreditaria capaz de ter um amante.
As sobrancelhas da Theodora se juntaram ameaçadores.
-Não te ama. Não pode te amar.
Em realidade, Charity não estava muito segura de que Simón a
amasse. Tinha-a chamado “meu amor” em algumas ocasione, mas podia
tratar-se de um simples término carinhoso. Podia significar unicamente que
a apreciava. Mas não estava disposta a reconhecer sua insegurança frente a
outra mulher. Não obstante, tampouco podia zangar-se com ela, já que
parecia muito instável. De modo que fechou os lábios com firmeza.
Theodora sorriu triunfante, como se o silêncio do Charity indicasse
que a dava a razão. voltou-se para o Patrick.
-Te tire a roupa.
O rosto do jovem adquiriu um tom granada.
-O que?
-Já me ouviste. te tire a roupa. A não ser que quer que a mate agora
mesmo.
-Mas isto é uma indecência –disse indignado.
Em qualquer outro momento, Charity teria rido ante sua expressão.
Agora só podia pensar se seus protestos distrairiam a Theodora o
suficiente.
-Estou segura de que Lorde Dure apreciaria muito sua decência
quando sua mulher esteja morta no chão por sua culpa.
Patrick olhou ao Charity e depois voltou a olhar a Theodora. tirou-
se a jaqueta e os sapatos com muita calma. Depois lhes deu as costas e
começou a desabotoá-la camisa.
-É necessário que o humilhe? –perguntou Charity.
-É imprescindível –respondeu Theodora, divertida-. Do contrário
meu plano não funcionaria. Os amantes não ficam completamente vestidos
em seus encontros, verdade?
Charity conteve a respiração. Estava segura de que Simón não
acreditaria que lhe tinha sido infiel, mas se Patrick e ela eram encontrados
sem roupa, podia dar crédito à idéia. Talvez não só morrera. Era possível
que deixasse ao Simón amaldiçoando sua lembrança. Seu nome seria um
escândalo em boca de todo o mundo. sentiu-se mais furiosa que nunca.
Theodora riu.
-Vá, vejo que isto debilitou um pouco seu famoso valor. Faz bem
em ter medo. Não pode fazer nada por evitá-lo.
Charity se voltou, contente de que Theodora tivesse tomado sua
cólera por medo. Não devia permitir que se desse conta de que estava
furiosa. Tinha que lhe fazer acreditar que era débil e se sentia assustada, ou
do contrário não se acreditaria o ataque de histeria que estava disposta a
fingir quando chegasse o momento.
-Por favor –rogou, sem olhá-la-. Não é necessário que faça isso. Se
nos deixa ir não o contarei a ninguém, e Patrick tampouco. Nem sequer o
diremos ao Simón.
-Do que me serviria isto? Não poderia me casar com ele. depois de
tanto esforço, não vou me dar por vencida agora.
Ao final Patrcik ficou em roupa interior e se deteve, olhando a
Theodora com olhos implorantes.
-O resto também –ordenou ela com voz autoritária.
Patrick fechou os punhos e começou a caminhar para ela, mas a
mulher voltou a levar a pistola asa têmpora do Charity, lhe recordando o
que lhe ocorreria se não colaborava. O lacaio se deteve e começou a
desabotoá-la roupa interior sem deixar de olhá-la com cara de assassina.
Charity apartou a vista para que não se sentisse mais coibido.
Theodora seguiu olhando, com um sorriso.
-Um jovem muito arrumado –murmurou-. É uma pena que
tenhamos que nos liberar dele.
-Não tem vergonha? –gritou Charity, fingindo um soluço.
Levou-se as mãos ao rosto.
-OH. Sou muito soez para suas refinações gostos, milady? Vamos,
Hubbell, pode atá-lo.
Charity viu entre seus dedos que o cúmplice da Theodora tinha
pego uma corda e a atava ao redor das mãos do Patrick, atando-lhe à
costas. Depois o obrigou a tombar-se e lhe atou também dos pés.
-Vai a ...? Não pretenderá que faça o mesmo.
O tremor da voz do Charity não era completamente fingido.
Theodora sorriu com malícia.
-Sim, e algo mais. É mais das recompensas do Hubbell. Terá o
privilégio de que é evidente que estiveste com um homem.
Charity pensou durante um instante que ia se deprimir.
-Não! Não posso permitir que faça isso.
-por que não? Considera-te muito refinada para que um hobmre
sudoso obtenha prazer sem pensar em ti?
Charity fico olhando-a, incapaz de reagir.
-De acordo, Hubbell, já é tua –disse Theodora, apartando-se.
O chofer caminhou para o Charity, com um brilho nos olhos. Ela
soube que tinha chegado a oportunidade.
Estendeu os braços para a Theodora e começou a soluçar.
-Não, por favor, por favor, não faça isto. Não pode me fazer isto.
Theodora se deteve para olhá-la com um sorriso de satisfação.
Charity viu que Patrick, apesar de estar pacote, aproximava-se reptando
pouco a pouco. Não sabia muito bem no que podia ajudar, mas tinha que
ganhar tempo.
Gritou e começou a agitar-se, fingindo um perfeito ataque de
histeria. Gemeu e suplicou. Hubbel olhou a sua chefa duditativo, mas lhe
indicou com impaciência que seguisse adiante.
Agarrou ao Charity do braço, mas ela se apartou de repente.
-Não me toque!
-Por favor, Hubbell –disse Theodora-. Faz-a calar.
-Não! –gritou Charity, atirando-se ao chão e encolhendo-se como se
o medo lhe impedisse de mover-se.
-Adiante, Hubbell. Não podemos ficar todo o dia.
Charity olhou entre os dedos. Patrick não tinha alcançado ainda a
Theodora, mas ao menos ela tinha baixado a pistola para presenciar seu
ataque de histeria. Sabia que não podia esperar mais tempo. Fechou a mão
direita em um punho, com as pedras dos anéis para fora.
Quando saiu do carro frente a sua casa, simón estava de bom humor.
Já não tinha que preocupar-se com a possibilidade de que Venetia tivesse
matado a seu Faraday Reed, e o que era pior, tivesse tentado matar ao
Charity. Sua mulher seguia em perigo, mas tinha intenção de mantê-la
vigiada continuamente até averiguar quem era o culpado. Agora, ao menos,
poderia enfrentar-se ao problema abertamente, sem temer que sua amada
irmana fora o objeto de sua investigação. É obvio, resultaria-lhe difícil
evitar que Charity se metesse em confusões, mas tinha descoberto que algo
que fizesse com ela, inclusive convencer a de algo, tinha seus prazeres.
Correu para a casa, ansioso por voltar a ver o Charity. Só tinha
transcorrido algo mais de uma dia desde que a viu por última vez, mas se
sentia como se lhe faltasse uma parte. Queria ver seu sorriso, ouvir sua
risada, celebrar com ela o fato de que Venetia já não era suspeita, planejar
a forma em que descobririam ao assassino, agarrá-la entre seus braços e
beijá-la. Não tinha pensado em outra costure durante o caminho de volta
do Ashford Court.
A porta se abriu com tanta força que se chocou contra a parede, e
Chaney correu para ele com uma expressão de pânico que Simón não tinha
visto jamais.
-Milord! Milord! Graças a Deus! –voltou-se para o carro, que
avançava para os estábulos-. Espera, Botkins! Para!
-Que demônios ocorre? –perguntou Simón atemorizado-. Aconteceu-
lhe algo?
Estava seguro de que só uma coisa terei que pudesse pôr ao
mordomo em tal estado.
-Sim, milord. Quero dizer que não estou seguro. Não sei
-Fala depressa. O que lhe passou?
O mais jovem dos lacaios chegou correndo à porta. SUA pulcra
peruca empoeirada estava torcida, e levava a jaqueta tocha farrapos.
-Segui-a, milord. A menos quase todo o caminho.
-O que a seguiste? Onde demônios está? –voltou-se para o Chaney-
. Tinha que cuidar dela durante minha ausência. Só passei um dia fora.
-Sim, milord. foi minha culpa, milord. Não me perdoarei jamais se
algo lhe ocorrer. Mas ao menos está com uma mulher, e é seguro que não
foi ela a que tentou...
-Com quem se foi? –perguntou.
Conteve o impulso de agarrá-lo pelos ombros e agitá-lo.
-Com a senhora Graves.
-Theodora! –ficou olhando-o aturdido-. Lady Dure esta com a
Theodora Graves?
Chaney assentiu.
-Do que conhece Charrita a Theodora? –deteve-se e sacudiu a
cabeça-. Não, é uma tolice. Nada nela me pode surpreender.
-Lady Dure me disse que uma amiga dela, viúva, esperava-a em seu
carro. Entreguei-lhe uma nota. Lady Dure disse que tinha que falar com ela
e que seu chofer as protegeria, mas se levou também ao Patrick.
Simón se tranqüilizou ligeiramente.
-Pelo menos não saíram sozinhas.
Agora só tinha que preocupar-se com as coisas que Theodora
estivesse contando a Charrita. Gemeu para si. Era provável que sua esposa
o odiasse quando voltasse para casa. A nenhuma jovem algema lhe podia
gostar de conhecer a antiga querida de seu marido.
Chaney assentiu.
-Sim, mas quando se ia disse o nome da viúva. É obvio, reconheci-
o.
-É obvio –disse Simón com secura.
-Não sei por que se reuniu com ela, nem aonde podem ter ido, mas
supus que a você não gostaria, de modo que enviei ao Thomas a segui-la.
Y... Y... –começou a gesticular-. O que mais me preocupa, milord, é que
hão ida ao Saint Giles.
-Saint Giles! –toda sua tranqüilidade se desvaneceu quando ouviu o
nome do subúrbio mais perigoso de Londres-. Que demônios podem estar
fazendo ali? –congelou ao lacaio com o olhar-. Está seguro de que foram
ao Saint Giles?
-Sim, milord. Completamente –lhe assegurou-. Agarrei um carro e
os segui. Estou seguro de que era esse carro, com a banda dourada ao redor
das portas.
-Sim, é o carro da senhora Graves.
-Foram para o East End, milord, e depois de chegar ao Saint Giles,
o chofer se negou a me levar mais longe. Obrigou-me a me apear e não
consegui fazer que trocasse de idéia. Assim tive que segui-los a pé para
não perder os de vista. É um a sorte que fossem muito devagar.
-Onde estão? –perguntou Simón ao ver que se detinha.
Thomas apartou a vista envergonhado.
-Perdi-os, milord. Me interpôs uma mulher que levava dois
cântaros, e quando consegui rodear a e cheguei à rua pela que se colocaram
não havia nem rastro delas.
-Meu deus.
Simón recordou a cara que pôs Theodora quando lhe disse que ia
casar se com outra. Parecia capaz de matá-lo com o olhar. Gritou-lhe que
estava a ponto de casar-se com ela, e ele se perguntou de onde teria tirado
tal coisa. De repente se deu conta de que Theodora Graves odiava ao
Charity. Podia estar tão louca para ter tentado envenená-la.
Voltou-se. O mundo se desmoronava sob seus pés.
-Vêem comigo –disse ao Thomas-. Pode me dizer onde as perdeu.
Caminharam com rapidamente para o carro. Thomas se montou no
boléia para dar instruções ao chofer, e Simón entrou no veículo.
Lucky saiu da casa e atravessou o jardim. Saltou a cerca e se meteu
na carruagem. Simón não o jogou; apoiou-se e afundou o rosto em ou
pelagem.
O carro atravessava as avenidas de Londres a toda velocidade, mas
quando chegaram às ruas mais estreitas tiveram que diminuir a marcha. Os
nervos do Simón estavam ao limite. Ao final o carro se deteve, e Simón
abriu a porta. Thomas se apeou.
-Aqui é onde os perdi, milord. Não sei muito bem em que direção
seguiram.
-Então teremos que perguntar.
Interrogaram a todas as pessoas que encontraram a seu passo.
Alguns partiam apressadamente, e outros os olhavam com desconfiança,
guardando silêncio. Mas de vez em quando alguém lhes dizia por onde
tinham visto passar ao carro. Quando as ruas se fizeram muito estreitas,
Simón e Thomas se apearam e deixaram ao chofer cuidando do veículo.
Lucky, é obvio, seguia ao Simón, contente com a aventura.
Simón tinha um nó no estômago. Sabia que Theodora podia ter
levado ao Charity até ali com o único propósito de assassiná-la. Odiava-a,
e se odiava a si mesmo por ter tido algo que ver com ela. Não entendia
como não se deu conta de que estava completamente louca.
Se não chegava a tempo junto ao Charity, ele seria o causador de
sua morte. Estava seguro de que não poderia seguir vivendo se tal coisa
ocorria. Já não podia imaginar a vida sem ela. converteu-se no sol ao redor
do qual girava seu mundo. Apertou a mão sobre a pistola que levava no
bolso e seguiu andando.
Um moço se aproximou deles para lhes pedir esmola. Simón lhe
deu umas moedas e lhe disse:
-Estou procurando uma senhora. Viu a duas mulheres bem vestidas
por aqui?
-Uma loira e outra moréia?
O menino assentiu.
-A loira era muito amável. Deu-me dinheiro. Não me vai tirar isso,
verdade?
-Não. O dinheiro é teu. Se foi amável contigo, me diga para onde
foi. Está em perigo.
-Sim –confirmou o moço-. A outra a apontava com uma pistola –se
girou e assinalou em uma direção-. Também havia dois homens, e foram
por ali. meteram-se nessa casa.
-Obrigado.
Simón se meteu a mão no bolso e lhe deu umas quantas moedas.
Depois correu para a porta que o moço tinha indicado. Lucky o seguia,
ladrando.
Naquele momento soou um disparo.
A bala se incrustou na parede. Mas Hubbell, com a bochecha
ensangüentada e um olho fechado, correu para o Charity. lançou-se sobre
ela justo cuado alcançava a porta, e caíram juntos ao chão. Hubbell
aterrissou sobre ela, lhe cortando a respiração. A suas costas, Theodora
carregava a pequena pistola de uma bala. Naquele momento, Patrick rodou
para diante, golpeando a Theodora nas pernas. Caiu ao chão, perdendo a
pistola.
Gritou e tentou ficar em pé, mas Patrick, mais pesado que ela,
colocou-se sobre seu corpo. Ela se debateu, mas não conseguiu liberar-se.
Charity recuperou a respiração e começou a lutar com o Hubbell,
golpeando-o com todas suas forças. Ele posou as mãos ao redor de seu
pescoço e começou a apertar. Como tinha os braços mais compridos que
ela, os murros do Charity não o alcançavam.
Charity ouviu que fora gritavam seu nome, mas não podia articular
nenhum som. Algo golpeou a porta um par de vezes, e de repente se abriu
de par em par. Justo quando começava a perder a visão, um grande vulto se
equilibrou sobre eles.
Hubbell apartou os braços, e Cahrity conseguiu respirar. Lucky,
sem emprestar atenção ao homem ao que acabava de derrubar, ficou a lhe
lamber a cara.
Hubbell grunhiu de raiva e tentou ficar em pé, mas Simón o deteve,
agarrando-o pelo pescoço da camisa. Deu-lhe um murro na cara e outro no
estômago. Quando se encolheu de dor, Simón descarregou o punho contra
sua mandíbula. O chofer caiu como um saco de tijolos, estremecendo o
edifício até os alicerces.
Enquanto isso, Thomas tinha ido ajudar ao Patrick, que seguia
aprisionando a Theodora sob seu peso.
-Meu deus, o que faz pacote e nu?
-Simón!
Charity conseguiu ao fim pronunciar seu nome quando se separava
do Hubbell depois de comprovar que estava inconsciente.
-Charity, Meu deus, está bem? –ajoelhou-se junto a ela e a abraçou-
. Me diga que está bem, meu amor.
Charity assentiu, incapaz de falar. ficou obstinada a ele, que a
agarrou em braços e ficou em pé. voltou-se para olhar ao Thomas, que
tinha liberado ao Patrick e aproveitava a corda para atar a Theodora. O
olhar da mulher se encontrou com a do Simón. Começou a insultá-lo. Ele a
olhou com frieza.
-Levem ao Scotland Yard – disse ao Patrick e ao Thomas-. Levo-
me a minha mulher a casa.
Depois se voltou e se dirigiu para a porta, com o Charity em braços.
Epílogo
Charity estava sentada na cama, com as costas apoiada em um
travesseiro. O doutor Cargill tinha ido examinar a, e Lilly, as demais
criadas e o ama de chaves a tinham ajudado a despir-se e ficar a camisola.
Ao final, Simón tinha pedido a todo mundo que saísse para ficar a sós com
ela.
Sentou-se no bordo da cama e lhe apartou uma mecha de cabelo da
cara.
-Encontra-te melhor?
Charity assentiu.
-Sim, agora que estamos sozinhos.
Seguia tendo dificuldades para falar, mas ao menos tinha
recuperado a voz. Quando Charity a tirou do Saint Giles pensava que não
poderia voltar a articular um som.
Simón agarrou sua mão e a levou aos lábios. Depois apoiou a
bochecha em sua palma.
-Graças a Deus, segue com vida. Sinto-o muito, Charity. Não soube
te proteger. Estive a ponto de deixar que lhe matassem.
-Mas não foi assim. Encontrou-me, e estou viva. Isso é o que
importa.
Simón assentiu e voltou a beijá-la na palma da mão. Charity
acreditou sentir um rastro de umidade em seu rosto, mas não estava segura.
perguntou-se se estaria chorando, e se sentiu cheia de felicidade. Duas
horas antes estava lutando por sua vida, e agora estava a salvo, em sua
cama, junto ao homem ao que amava.
-O que passou com a Theodora?
-Patrick e Thomas a entregaram ao Scotland Yard.
-O que acontecerá ela?
-Não tenho nem idéia. Talvez a condenem pelo assassinato do
Reed, e talvez a enviam ao manicômio do Bedlam. pode-se saber o que
esperava conseguir te assassinando?
Charity explicou o plano da Theodora ao atônito Simón.
-Meu deus, como lhe pôde ocorrer...? Nunca estive apaixonado por
ela, nem ela de mim. Não sei o que te terá contado, mas nunca a amei.
Deitávamo-nos juntos porque não tínhamos nada melhor que fazer, isso era
tudo. Asseguro-lhe isso.
-Já sei.
-Odeia-me?
-O que se te odeio? -repetiu com incredulidade-. por que te ia
odiar?
-Por ter tido uma amante.
Charity lhe pôs uma mão no braço.
-Não vejo por que me vai incomodar o que fizesse antes de me
conhecer.
-É certo que não te conhecia. Quando pedi sua mão fui ver a para
lhe dizer que o nosso tinha acabado. Não pensei que fora a reagir assim.
Acreditei que as coisas estavam muito claras. Não era mais que um acordo.
-Como nosso matrimônio –murmurou Charity.
-Não! –protestou Simón.
-Ao princípio sim –lhe recordou-. Era o que você queria. Um
herdeiro de uma esposa de boa família e reputação irrepreensível, em troca
de sua fortuna.
Simón a olhou subindo uma sobrancelha.
-Quando te conheci deixou de ser um acordo -inclinou-se e a
beijou na frente-. Só era desejo... e amor.
-OH, Simón! –rodeou seu pescoço com os braços-. Dá-me igual a
tenha tido um milhão de amantes antes de te casar. O único que me
importa é o presente. Quão único quero saber é que me ama, que agora não
tem a ninguém mais que a mim.
-Sabe que é assim –voltou a beijá-la, esta vez nos lábios-. E você?
-O que quer dizer com isso?
-Ama-me? –perguntou com certa incerteza-. Ou para ti segue sendo
um acordo?
-Quando te conheci -Charity- de ser um acordo. Alegrei-me
muitíssimo de que Serena não tivesse querido casar-se contigo. Amo-te.
Amo-te a muito tempo, desde antes das bodas. Dava-me conta quando
rompeu o compromisso, e decidi que faria algo com tal de me casar
contigo.
Amo-te, amo-te, amo-te.
Começou a cobrir com beijos todo seu rosto. Simón riu e agarrou
sua cara entre as mãos, para beijá-la na boca. Muito tempo depois estava
convexo junto ao Charity, abraçado a ela.
-Não tenho intenção de te soltar jamais –lhe disse.
Charity fechou os olhos.
-Simón, o menino que me ajudou –murmurou-, o maneta...
Sentiu a risada no peito do Simón.
-Sim, meu amor. É incorrigível. Enviarei a alguém para que vá
buscá-lo imediatamente.
Charity sorriu e se acurrucó contra ele.
-Sabia que o faria.
Fim