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Prefácio
É na simplicidade e na modéstia que a arte se
esconde, não somente nas rodinhas de amigos, nos
intervalos de reuniões, mas também no conto “O Irmão
Gêmeo do Falecido”. Casturino mostra a forma de revelar
a nossa origem e a cultura dos rincões, de forma autentica
e simples, sem deixar escapar os fatos que fazem a
historia, a manobra política abusando da boa fé popular,
conduzindo a grande parte da população, por caminhos
traçados pela minoria que domina nosso país desde o
inicio dos tempos, até aos dias de hoje.
Casturino resgata em “O Irmão Gêmeo do Falecido”
o bom humor, a solidariedade e a união. São estas riquezas
que estamos perdendo na luta pela sobrevivência.
Onélia Passaroti
“O Irmão Gêmeo do Falecido” é um conto que retrata o
cotidiano da vida modesta do sertão, onde o que
prevaleceu são “os causos”.
“Causos” que vem sempre cheios de mistérios e fantasias
próprias da imaginação desse povo.
E dessa forma que Casturino busca contar essa estória, de
uma forma simples, mas envolvente.
Parabéns Casturino! E boa leitura a todos...
Angela Salvadori
04
Capitulo I
A sombra da velha árvore, pôr volta de meio-dia,
ovelhas começavam a se reunir para se abrigar do forte
calor que fazia. Era um grande Ipê amarelo com suas
lindas flores douradas, quanto mais alto, mais douradas.
Talvez pelo efeito solar, nos dias quentes de primavera
mais linda ela se tornava.
05
Ao lado tinha um Ipê menor talvez um pouco mais jovem.
Seus galhos eram tortuosos, parecia que o seu crescimento
fora impedido pôr causa da sombra imponente da outra
que praticamente a encobria, mesmo assim ali estava ela,
com seus galhos timidamente entrelaçados á grande árvore
linda e Maravilhosa.
Longe dali, podia se ver uma única árvore
maravilhosa-mente grande sobre uma vegetação agreste e
parcialmente seca. Somente ao chegar bem perto é que
podia se notar a presença da outra. É claro que próximo
dali havia muitas outras árvores, mas nenhuma se
comparava aquela.
Viajantes que pôr ali passavam com seus animais de
carga paravam para descansar, admiravam a grande árvore
com suas lindas flores amarelas, mas quando eles queriam
pernoitar e armar suas redes para descansar só era possível
fazer uso dos galhos da árvore menor, porque os seus
galhos estavam ao alcance, eram fortes e tortuosos
facilitando assim o armar de suas redes. Porem a árvore
grande era muito alta e seus galhos, estavam fora do
alcance das pessoas. Sendo assim podiam apenas fazer uso
de sua sombra e admirar a sua beleza.
Próximo dali, parcialmente oculta na vegetação havia
um casebre. Ali morava um homem simples e humilde.
Um velhinho que apesar de sua simplicidade era um bom
aluno da escola da vida. Seu nome era Pedro. Como tantos
outros. Pedro de Tal. „Nhô Pedro‟, como era conhecido
naquela região levava a vida conforme lhe era possível.
Sabia prever o tempo graças a uma dor nos joelhos.
06
Mas não se deixava vencer pôr pequenos infortúnios,
costumava dizer que tudo neste mundo tem seu valor,
tempo e espaço.
Nhô Pedro levantava todos os dias quando o galo
cantava, preparava sua marmita, amolava bem a enxada,
colocava o chapéu na cabeça e rumava para o trabalho
com a enxada na mão e a marmita na sacola. Chegava na
roça quando o sol acabava de nascer e para aproveitar
melhor manhã trabalhava sem parar.
Até ver o sol a pino. Só então parava para comer o
que trouxera na marmita. Após a precária refeição,
descansava um pouco á sombra da velha paineira, tomava
um pouco de água da moringa que conservava na sombra
da árvore e retornava ao trabalho. Vez pôr outra ele
retornava á moringa.
Às vezes o calor era tanto que acabava consumindo
toda a água da moringa. Só então quando o sol estava
quase no horizonte, ele retornava ao seu ranchinho. Após
tomar banho na bica, ainda sobrava um tempinho para
assistir o crepúsculo, enquanto as panelas fervilhavam
sobre o fogão feito de tijolo e argila.
Á noitinha após o jantar. Como um bom sertanejo
Nhô Pedro tocava viola e cantava ao luar e assim o tempo
passava.
Mas nos finais de semana o programa podia variar de
acordo com a necessidade e o clima. Aos sábados, quando
não ia pra roça, ele fazia todo o serviço de casa e a tarde ia
até ao vilarejo chamado “Rincão dos Feios” comprar
suprimentos, isso quando tinha dinheiro, que recebia após
terminar alguma empreitada.
07
Aos domingos gostava de passear pelos campos, pois era
um grande admirador da natureza. Ou então ia pescar no
riacho.
– Hoje vou lava a minhoca, - dizia ele, consigo
mesmo.
Às vezes planejava ir à missa, mas lembrava que não
tinha roupas adequadas, afinal o que ganhava como bóia-
fria mal dava para o seu sustento.
Nhô Pedro era bem conhecido na região, sempre
morou próximo do ao vilarejo. Costumava dizer que
nasceu junto com o vilarejo. Quase todos os moradores de
Rincão dos Feios o conheciam, mas raramente alguém lhe
visitava. Com a exceção de dois velhos amigos que
moravam no vilarejo e que habitualmente apareciam com
o pretexto de acompanhá-lo na pescaria ou simplesmente
tomar chimarrão e jogar conversa fora. Eram os irmãos
Sebastião e Aristides. Cujos apelidos eram “Tião e Tide”.
Certa vez o Nhô Tide em uma de suas visitas o encontrou
adoentado e não hesitou em lhe prestar socorro, colocou o
na carroça e o levou ao medico.
– Nunca esquecerei o bem que me fez o amigo. -
Dizia ele emocionado sempre que se lembrava do
ocorrido.
– Num carece de agradece não. Amigo é pra essas
coisas que serve mesmo uai!
Era muito solitário, apesar de ser bem conhecido
naquela região, não era muito popular, era um homem de
poucas palavras. Por esse motivo não compartilhava seus
problemas com ninguém, mesmo assim conservava
sempre um bom humor. Seus únicos parentes que ainda
eram vivos decidiram morar na capital do estado.
08
Apenas ele vivia no campo, isolado dos outros. Quando
lhe perguntavam sobre os seus parentes, ele simplesmente
respondia:
– Sumiram nesse mundo de meu Deus. Nunca mais vi
ninguém...
09
Capitulo II
Foi num final de semana, quando ele saia do
armazém regional de Rincão dos Feios, com um saco de
compras nas costas, andou alguns metros e caiu. Algumas
pessoas que passavam observaram e seguiram adiante.
Nem lhe deram atenção, pensaram que ele estava bêbado.
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Algumas crianças vieram contar para o Nhô Chico Fidelis,
dono do armazém, o que viram ali pertinho.
– Nhô Chico Fidelis, aquele homem do saco ta caído
lá no meio da rua. -Disse um menino entrando no
armazém.
– De que homem está falando, moleque? - Perguntou
Nhô Chico Fidelis, enquanto cortava uma volta de fumo
para um freguês.
– O Nhô Pedro. Deve ta bêbado. - Afirmou outro
garoto.
– Como pode estar bêbado? Ele acabou de sair daqui
com suas compras e estava sóbrio. - Disse o vendeiro com
certa preocupação.
– E, alem disso, é muito cedo para alguém estar
embriagado. - Complementou o freguês, o que, sem
querer, aumentou a preocupação do vendeiro.
Nhô Chico Fidélis era um homem bom. Conhecia
bem todos os seus fregueses. Muitas vezes era mal
entendido, pôr vezes se envolvia em questões emocionais
de seus fregueses. Era amigo de todo mundo e muito
respeitado, devido a sua posição. Na realidade ele era o
maior comerciante da redondeza. Pai de dois filhos.
Mariana e Marcos.
Os dois irmãos receberam uma boa educação.
Mariana ainda estava na faculdade e morando na capital. E
Marcos, o filho mais velho era medico. Tinha uma
pequena clinica que funcionava a uns 50 metros de seu
armazém.
Nhô Chico Fidélis gostava muito da profissão que
herdara de seu pai que foi um dos fundadores daquele
vilarejo.
11
Era um homem bom caráter e muito bem equilibrado
emocionalmente. Conservava sempre um bom humor,
porem naquela manhã estava preocupado com um de seus
fregueses.
Aquele camponês que vinha fazer compras. Quase
todo sábado à tarde, e exatamente naquele dia veio de
manhã. Bom, talvez isso não signifique nada, pensou. Mas
espera aí. Ele estava muito quieto hoje e com um aspecto
meio esquisito... Seus pensamentos foram parcialmente
interrompidos pela voz do freguês.
– Seu Fidélis, eu vou levar uma daquelas lamparinas.
O vendeiro pega a lamparina da prateleira e entrega ao
freguês.
– Mais alguma coisa senhor?
O homem observa com atenção, verifica se não
esqueceu de algum item.
– Não Senhor! Acho que comprei tudo o que estava
precisando. Pode somar, por favor.
O vendeiro faz os cálculos com bastante atenção e
apresenta ao freguês. O homem faz um rápido exame das
contas e conclui por acertadas, efetua o pagamento.
O freguês guarda o troco, organiza tudo em dois
sacos preso um ao outro coloca nos ombros e saí.
– Até a semana que vem Seu Fidélis. E tenha um bom
dia.
– Um bom dia para o senhor também. - Responde
despachando o freguês e em seguida chama a esposa.
– Maria! Atende o balcão pra mim um pouco. Eu vou
verificar o que aconteceu com o Nhô Pedro.
12
A mulher toma o seu lugar enquanto ele sai porta
afora. A alguns metros do armazém, o homem está caído
no chão.
Até então ninguém teve a curiosidade de se
aproximar do suposto bêbado. A não ser as crianças que
foram até o armazém, Chico Fidélis se aproxima e vê o
homem inerte no solo, apalpa os seus pulsos. Os garotos se
aproximam do local. Nhô Chico Fidélis diz a um garoto:
– Vai chamar o meu filho, faça o favor, e diga para
trazer uma maca.
– Uma ma, o que. Nhô Fidélis?
– Uma padiola. Sabe o que é padiola?
– Sei sim. É aquele negócio que o Dr. Mario chama
de “macaca”.
– Ora garoto, não complique as coisas! Vai de uma
vez. - Diz alterando a voz.
O garoto sai correndo em direção à clínica do Dr.
Mario Fidélis. Nhô Chico Fidélis permanece ao lado do
homem tentando reanima-lo, mas seus esforços não parece
terem resultados positivos.
Momento depois o garoto retorna acompanhado do
médico, que traz consigo uma maca.
– O que aconteceu papai? - Indaga o médico
enquanto larga a maca ao lado do homem.
– Não sei Mario. A única coisa que posso dizer é que
este homem não está embriagado.
– O senhor o conhece papai?
– Conheço sim Mario. Seu nome é Pedro, eu não sei
o sobrenome. È conhecido como “Nhô Pedro”, é um
camponês que mora a alguns quilômetros daqui, ele vem
quase toda a semana para comprar suprimentos.
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O medico verifica os sinais vitais do candidato a
paciente, e tenta prestar os primeiros socorros ali mesmo
no meio da rua.
– Acho que já o mediquei uma em minha clinica, em
uma situação de emergência. Foi trazido por um amigo em
uma carroça velha. É um pobre diabo!
– Não fala assim, meu filho! É um sujeito simples.
Mas de bom coração.
Enquanto os dois colocam o homem na maca,
começam a aparecer os curiosos. Pai e filho saem
carregando o homem na maca, enquanto os curiosos ficam
a fazer perguntas uns aos outros sobre o que teria
acontecido.
14
Capitulo III
Naquele mesmo dia o Doutor Mario Fidélis. Principal
e único sanitarista de Rincão dos Feios informou ao
inspetor de quarteirão sobre o falecimento de um
camponês. O qual morreu sem tempo de receber
assistência médica no trajeto entre o Armazém Regional e
a Clinica Medica Doutor Mario Fidélis. Causas da morte?
Parada cardíaca.
15
O inspetor de quarteirão, ao receber o chamado veio
imediatamente até a clinica.
– Bom dia doutor! Onde está o cadáver?
Perguntou o inspetor.
– Bom dia inspetor! Está no necrotério da clinica. -
Informou o médico.
– Já identificaram o cadáver?
– Meu pai o conhecia. Era um de seus fregueses.
Trata-se de um camponês provavelmente morador das
cercanias de Rincão dos Feios, conhecido apenas como
“Nhô Pedro”. Responde enquanto dirigem-se até o
necrotério do pequeno hospital.
– Eu também o conhecia. -Afirma o inspetor após
olhar o cadáver.
– Morava a uns cinco quilômetros daqui.
– Tem parentes no povoado, inspetor?
– A ultima vez que falei com ele, disse-me que não
sabia o paradeiro de seus parentes.
– Não portava nenhum documento. Terá que ser
enterrado como indigente!
O medico deixava visível a sua preocupação, afinal
não gostaria de se responsabilizar por aquele enterro, ao
qual não receberia nem seus honorários médicos.
Sua pequena clinica não era lá o melhor negocio da
região e passava por sérios problemas financeiros. Aquela
pequena população nem sempre procura os seus serviços.
De acordo com os costumes do sertanejo que tem por
habito se automedicar com ervas e simpatias.
16
Quanto ao inspetor demonstrava muita calma parecendo
ter tudo sob controle
– Mantenha-se calmo doutor! Vamos por partes,
primeiro vamos avaliar os fatos. Quanto aos documentos,
eu posso ir procurar em seu rancho, ou então no cartório
local. Pelo que o sei ele nunca saiu da região e deve ter
sido registrado aqui mesmo em Rincão dos Feios.
– Ótimo! Com a certidão de nascimento chegaremos
a uma certidão de óbito. E quanto ao enterro? O que
faremos? Precisamos localizar os seus parentes?
O inspetor transforma o questionamento do médico
em uma desilusão.
– Esqueça essa idéia doutor. Não será possível
encontrar os seus parentes!
– Então o que faremos? Esta é uma pergunta que
espera por uma resposta.
– Com um pouco de calma, toda a pergunta pode ter
uma resposta.
O inspetor complementa com um sorriso sarcástico.
– Não temos como localizar nenhum parente deste
homem? E você ainda acha motivos para rir? É um bom
começo. Estamos com um grande problema! Meu caro
xerife!
– Não meu caro doutor! Você está com grande
problema e não me chame de xerife. Sou um inspetor de
quarteirão e “Meu nome é Enéas”.
O inspetor de quarteirão é acostumado a resolver os
mais diversos problemas de sua jurisdição, mas esta a
ponto de chutar o balde.
17
Não o faz, devido ao apelo do medico e ao seu senso de
responsabilidade.
– Ora Inspetor Enéas. Não vai querer tirar o corpo
fora. Você é a lei pôr aqui.
– Tudo bem! Então vamos parar com essa discussão e
tentar resolver isso de maneira sensata.
– Ótimo! Um pouco de sensatez não fará mal algum.
Os dois homens ficam em silencio pôr alguns
momentos, o médico vai até a sala ao lado e em seguida
vem com uma garrafa de vodca e oferece ao inspetor. Os
dois bebem devagar.
– Quer mais um trago?
– Não! Muito obrigado. Se você está querendo me
ver embriagado, pode tirar seu cavalinho da chuva.
– Ê então xerif... Quero dizer Inspetor Enéas? A que
conclusão chegou?
O inspetor ignora a provocação, preferindo acreditar
que não foi intencional.
– Tive uma idéia... Vou convocar o povo de Rincão
dos Feios e propor uma vaquinha para fazer um enterro
decente pro finado Pedro.
– Muito bem, inspetor! E uma atitude muito também.
O inspetor Enéas continua a expor os seus planos.
– E com isso vou elevar a minha popularidade.
– Muito inteligente... Mais a propósito, qual é o seu
interesse em elevar a sua popularidade? O inspetor sorri e
responde sem pensar duas vezes.
– Puramente político meu caro...
18
O médico fica surpreso com a resposta do inspetor.
– Político? E eu que pensei essa palavra não tivesse
sentido algum nesse fim de mundo.
– Meu caro doutor Mario. Ainda não foi informado
que haverá um plebiscito no final do ano a fim de tornar
esse povoado uma comarca?
– Confesso que ouvi esse comentário. Mas pensei que
fosse apenas boato!
– Não meu caro! Não é um boato, é sim um fato. De
nós depende o futuro de Rincão dos Feios.
– Há então é isso? Agora estou entendendo o seu
ponto de vista. Uma boa ação em favor de um miserável
com certeza pode elevar a sua popularidade... A população
inábil saberia reconhecer um bom cidadão que se preocupa
em resolver problemas sociais e infortúnio dos mais
desvalidos.
– Que ironia é essa doutor? O que há de mal em
aproveitar as oportunidades e fazer planos para o futuro?
– Tudo bem inspetor! Posso entender a sua visão
futura... É o futuro político de nosso vilarejo... Ou será que
estamos falando do seu futuro político?
– E daí? O que há de errado nisso?
– Nada errado! Nada mais justo do que elevar sua
popularidade aproveitando a desgraça alheia em prol de
seus interesses políticos...
– A conversa se torna acalorada e transforma-se em
debate de idéias. As ironias do médico e as pretensões do
inspetor elevam o teor da conversa e se prolongam por
varias horas atrasando assim algo que poderia ser decidido
em um curto espaço de tempo.
19
Capitulo IV
Enquanto o cadáver daquele pobre homem que não tinha
recursos financeiros. Nem para o seu próprio enterro jazia
na mesa do necrotério. As autoridades de saúde e de
segurança se enfrentam em longos debates políticos, para
tirar vantagem das situações mais degradantes que
acomete o cidadão sem direito a cidadania. O inspetor
depois de muito argumentar sobre a futura comarca e os
seus motivos. Tentando se passar por bom samaritano
convenceu o medico. Ou então este se deixou convencer e
voltaram aos planos para o funeral daquele pobre homem.
– Vamos falar do nosso defunto. - Disse o medico.
– Nosso defunto, uma pinóia. Não sei por que você
insiste em socializar o defunto comigo
– Seja lá como for, precisamos resolver esse
problema... Enquanto você convoca o povo e propõe a tal
vaquinha para o enterro, o que eu faço? Perguntou o
medico disposto a colaborar naquela empreitada. Não por
solidariedade, mas por que tinham que se livrar do cadáver
de uma maneira legal. E parecerem bons cidadãos aos
olhos da população.
– Você vai falar com o padre e pedir a ele permissão
para velar o defunto na Capela mortuária. - O médico ouve
com atenção.
– Ótimo inspetor. Muito bom mesmo. Gostei de
ouvir... Você é bom nisso meu caro amigo. - O Médico
tenta tornar a conversa mais agradável fazendo elogios em
tom de brincadeiras.
20
O inspetor silencia em constrangimento, acende um
cigarro, oferece outro ao médico que lhe agradece, mas
não aceita.
– Estou parando com isso! Afinal não fica bem para
um médico dar maus exemplos e fazer apologia ao câncer.
Alias vou parar de beber também. Você sabia que o Brasil
está em segundo lugar no consumo de álcool?
– A culpa é dos crentes. – Comenta o inspetor.
– Como assim, os crentes não bebem!
– Por isso mesmo, se eles bebessem pelo menos um
pouquinho nós estaríamos em primeiro.
Os dois riem muito, a piadinha parece ter agradado, o
médico fica a observar os movimentos do inspetor
enquanto este fuma andando em círculos.
– A propósito, e os detalhes da reunião? Como vai
ser? - As perguntas do médico não encontram respostas
imediatas.
– Meu caro inspetor. Eu lhe fiz uma pergunta e estou
esperando uma resposta. Mas tudo bem se ela não vier.
– Doutor... Compreendo sua curiosidade em relação a
essa reunião, alias, diz respeito ao seu defunto.
– Meu defunto? Essa não teve graça nenhuma,
inspetor! Concordo com você, a curiosidade é um defeito
meu...
– A curiosidade pode ser um defeito, mas também
pode ser uma qualidade meu caro amigo. - Fuma
pausadamente olhando para o cigarro e observando a
fumaça enquanto fala, volta-se para o médico e diz:
– Enquanto você vai à igreja eu vou ao barbeiro.
– Então vai raspar a barba e se produzir para reunião?
Meu caro Inspetor?
21
– Nada disso... Vou conversar com a filha do
barbeiro.
– A professora Marli? Sinto muito inspetor, mas
minha curiosidade exige respostas.
– Tudo bem doutor Mario. Satisfarei sua
curiosidade...
– Vou à casa do barbeiro falar com a professorinha
para pedir-lhe um empréstimo.
– Dinheiro?
– Claro que não! Eu vou lá apenas pedir a chave da
escola para a reunião.
O Dr. Marcos fica satisfeito com as respostas, mas
ainda está preocupado com a reunião.
– Não sei inspetor, mas não vai ser fácil tirar o
pessoal de casa para uma reunião sem uma programação
antecipada...
– Ora essa, doutor, não se esqueça que hoje é sábado
e esse pessoal não tem nada de interessante para fazer num
sábado à tarde.
Os dois são interrompidos pelo agente funerário que
aparece de repente.
– Onde está o corpo? Vim o mais rápido que pude
O inspetor se surpreende com a chegada repentina do
agente funerário e o interpela.
– Calma Sr. Zé do Caixão. O defunto não vai fugir.
– Pôr favor Senhor Inspetor, eu não gosto de ser
chamado assim.
– Mas o que há demais nisso, o seu nome é José e
você vende caixão.
– Meu nome é José e sou um Agente Funerário assim
como o seu nome é Enéas e é um Inspetor de Quarteirão.
22
Ao perceber que o recém chegado não gostou do
apelido o inspetor tenta contornar a situação encerrando a
conversa.
– É... Acho que você tem razão, eu vou tentar me
lembrar disso. Dizendo isso o inspetor volta-se para o
médico.
– Bem doutor, já sabe o que fazer. Agora só nos resta
entrar em ação.
– Então estamos entendidos meu Caro Inspetor, mãos
a obra.
O inspetor sai e o médico vira-se para o agente
funerário indicando o cadáver.
– O presunto é todo seu. Sr. Zé do Caixão. - Diz o
médico em tom debochador. O agente funerário
acostumado a engolir sapos, como o ditado popular.
Resolve não revidar encarando como ossos do oficio.
Alias em sua profissão já estava acostumado a receber
apelidos desagraveis como Papa-defuntos, Senhor Morte,
etc. Encarando assim, até que Zé do Caixão não era tão
ofensivo. Com esta análise o homem reage
silenciosamente apenas com um gesto, desaprovando o
apelido e dirige-se para o cadáver com uma fita métrica
em punho para tirar as medidas do falecido.
23
Capitulo V
Era quase uma hora da tarde quando o Inspetor Enéas
chegou à pracinha onde os garotos estavam reunidos para
uma partida de futebol. O paladino da lei se aproximou de
um garoto e falou-lhe alguma coisa. Aproximaram-se dele
mais alguns garotos.
24
O Inspetor deu a cada um algum dinheiro para comprarem
doces e ordenou-lhes a avisar a todos os moradores do
povoado sobre uma reunião muito importante que
aconteceria logo mais às três horas na escola local.
Os garotos não precisaram de outro motivo para adiar
aquele jogo. Que na realidade não passava de mais uma
rotina de quase todas as tardes
O inspetor seguiu pela rua principal caminhando a passos
largos. Cumprimentou algumas pessoas que encontrou
pela frente. Enquanto isso os garotos anunciavam a tal
reunião de casa em casa e a todos que encontravam pela
frente. Não escapou do convite nem o próprio doutor
Mario que se dirigia a igreja para falar com o padre e pedir
a ele permissão para velar o defunto na Capela mortuária.
– Tudo bem! Não gastem o seu tempo comigo e vão
em frente com seus anúncios. - Disse o medico ao garoto.
Em pouco tempo todos os habitantes daquele lugarejo
estavam sabendo da tal reunião. Não sabiam o real motivo
da reunião, mais isso pouco interessava. O mais
importante era ter um motivo para sair de suas casas. O
povo daquela região não tinha nenhum tipo lazer e
certamente não faltariam a aquela reunião.
O padre se preparava para tirar o cochilo após o
almoço quando o sacristão anunciou a visita do medico.
– A benção padre! - Disse o medico
– Deus o abençoe meu filho! Veio se confessar? -
Perguntou o padre.
– Não! Senhor padre. O motivo de minha visita é
outro. Vim pedir a extrema unção a um pobre que
desencarnou.
25
E permissão para velar o mesmo em sua capela mortuária.
– De quem você esta falando? Meu filho...
O medico relatou o acontecido com detalhes. Pelo
menos a parte que conhecia da triste história daquele
infeliz que jazia no necrotério da sua clinica. O padre não
hesitou em colaborar, lembrou que conhecia o pobre
homem. Apesar de quase não freqüentar a igreja tratava-se
de uma boa alma.
Enquanto isso o Inspetor Enéas. Já com a chave da
escola em mãos, se dirigia para lá. Estrategicamente
preparado para a tal reunião. Havia pensado em todos os
detalhes. E até preparado um discurso. Como era de se
esperar.
O povo compareceu em massa atendendo ao convite
do inspetor de quarteirão. As conversas paralelas são
interrompidas quando finalmente tem inicio a tão esperada
reunião.
– Senhoras e senhores. Muito boa tarde a todos e
obrigado por terem vindo. O motivo que me fez convocar
esta reunião foi o lamentável fato que ocorreu esta manhã.
Começa um zunzum, as pessoas se perguntam o que
de tão lamentável teria ocorrido e em seguida obtêm a
resposta.
– Esta manhã faleceu um de nossos conterrâneos.
Estou falando de alguém que quase todos nós
conhecíamos.
O inspetor relata com detalhes tudo o que aconteceu
justificando assim o motivo da reunião e sem mais
delongas propõe a arrecadação para o enterro do finado
dizendo que um ato de solidariedade igual esse.
26
É motivo de todas as pessoas se orgulharem por
terem a oportunidade de colaborarem. Em fim atinge seu
objetivo e consegue arrecadar um bom dinheiro, o
suficiente para um pomposo enterro e sobrar algum
dinheiro. E para terminar a reunião faz o discurso
oportuno.
– Povo de Rincão dos Feios! Em nome do falecido eu
agradeço a todos pelas vossas generosas colaborações...
Todos aqui devem se orgulhar porque fomos capazes de
realizar este ato tão humanitário... Senhoras e senhores...
Nesta tarde, todos nos podemos voltar para nossas casas
com a plena convicção de que realmente fizemos uma boa
ação... Isso é uma prova de que podemos fazer grandes
coisas neste povoado... A união faz a força, são atitudes
como essa que nos da à plena certeza de que se quisermos
podemos transformar este vilarejo em uma grande
comarca...
O povo aplaude, parecendo empolgados com o discurso do
inspetor.
– E podemos inclusive escolher um lindo nome para a
nossa futura cidade que, sem dúvida,
Será uma grande e progressiva cidade... O povo aplaude
novamente, algumas pessoas fazem piadinhas sobre o
possível nome que darão à cidadezinha. O inspetor se
empolga em seu discurso e age como se estivesse em
plena campanha eleitoral.
O povo simples daquele vilarejo não entende o real
motivo de tanta empolgação. Mas parece gostar do
discurso e aplaude em pé gritando vivas ao inspetor. Este
ao perceber o exagero e resolve finalizar a reunião,
fazendo as considerações finais e um agradecimento geral.
27
– Muito obrigado a todos. Podem voltar as suas casas e
reflitam um pouco sobre essa nossa reunião...
O povo começa a se levantar para sair, compadres e
comadres se cumprimentam em um zunzum de conversas
paralelas.
O Inspetor Enéas continua falando.
– E não se esqueçam de logo mais à noite irem ao
velório desse nosso conterrâneo que agora partiu para o
outro mundo. Boa tarde a todos e mais uma vez obrigado.
Finalizada a reunião, o povo vai se dispersando aos
poucos. O inspetor pega o dinheiro da arrecadação e sai
com a certeza de que aquela reunião muito contribuiu para
a elevação de sua popularidade.
28
Capitulo VI
Ao final de qualquer reunião, sempre tem aqueles que
ficam conversando com os amigos. Até lhe peçam licença
para poder fechar as portas. Em Rincão dos Feios não
podia ser diferente. O povo se dispersa aos poucos. Alguns
compadres e comadres só se retiram depois que a
professora Marli anuncia varias vezes que precisa fechar a
escola. O inspetor Enéas que foi um dos primeiros a se
retirar. Com a justificativa de ganhar tempo e preparar o
velório, com toda a certeza a estas horas já estava
negociando o caixão mais barato pelo melhor preço.
Apesar de não haver concorrência naquele vilarejo, não
hesitaria em ameaçar o agente funerário local de ir até a
cidade mais próxima comprar o tal caixão por um preço
menor. Os compadres Aristides e Sebastião. Foram os
últimos a saírem do local da reunião e caminham
conversando sobre as coisas da vida simples do interior.
Fumando o cigarro de palha.
– Eita fuminho bão esse! Né compadre Tide?
– Óia compadre Tião... Pra quem tá costumado com
fumo macaio, esse daqui tá especiar de bão, né...
Caminhando lentamente naquele trecho de rua. Os
dois se dirigem a uma velha casa que fica ali bem próximo
da escolinha. A única do povoado.
– Vamos chegar compadre... Prosear mais um
bocadinho, e tomar um chimarrão?
– Um chimarrão e um dedo de prosa eu aceito sim
compadre Tide.
29
Os dois irmãos e compadres andam mais alguns
metros e adentram o portão da casa de Aristides, entram
em casa e sem demora sai o chimarrão.
– Antônce compadre! O que ocê achou da tarda
runiâo? - Questionou Aristides.
– Apois! O que sei é que hoje tem um velório pra
nóis pernoita... Ademais não entendi quase nada... Aquela
história de com marca... Marca não sei de que... Mudá o
nome do nosso vilarejo... Não entendi nada não.
– Antão vam-mudá de assunto! - Propõe o compadre,
percebendo que nenhum dos does entenderam o discurso
do inspetor. A não ser a parte da arrecadação para o
funeral do conterrâneo falecido.
– Arguma novidades? Compadre Tide? - Pergunta ao
compadre tentando reiniciar a conversa.
– Vendi o “boca-negra” compadre Tião! Informou o
velho Aristides, passando a cuia de chimarrão.
– Outra vez compadre Tide
Era a vigésima vez que Aristides vendia seu fiel
mascote. Tratava-se de um cachorro muito esperto e
cobiçado que ostentava o nome de boca negra. Seu dono
tinha-o na conta de um animal de estimação, mas por não
duvidar da sua fidelidade. Sempre que aparecia uma
oportunidade vendia-o a quem lhe pagasse um bom preço.
Na certeza de que, o boca negra sempre voltava pra casa, o
mais rápido que pudesse.
– Vendi prum cabra lá das bandas de Serro Azur.
– Mais é bocado longe compadre! Ocê num tem dó
dele não?
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O coitadinho vai ter que andá muito, se quisé vortá
pra casa.
– Bâo, isso é verdade compadre! Mais ele sempre
vórta... - Os dois velhos eram irmãos gêmeos Sebastião e
Aristides ou (Tião e Tide) como eram conhecidos. Irmãos
e compadres, isso porque Aristides havia batizado Julho
da Cruz, um protegido de seu irmão. Que estava sendo
criado pôr três irmãs solteironas Que moravam ali
próximo do vilarejo.
Tudo começou numa manhã ensolarada do mês de
julho de alguns anos anteriores. Seu Sebastião passava
pela grande cruz que havia ao lado da capela daquele
arraial. Quando então deparou com uma criança recém-
nascida, era um garotinho que estava ali, abandonado ao
pé da grande cruz. Pôr uma mãe desesperada, na certeza
que o mesmo seria adotado pôr alguma alma caridosa que
ali o encontrasse.
Era um domingo, e como domingo é dia de missa.
Naquele local certamente passariam muitas pessoas.
Portanto a tal mãe não poderia ter escolhido melhor dia
para abandonar o garoto. No interior um de missa é um dia
de confraternização, os habitantes daquela região se
reuniriam ali para receber a bênção do padre e pôr a fofoca
em dia. Naquele lugarejo nada, ou quase nada acontecia e
o assunto era sempre o mesmo.
– Pra quem será que o Velho Tide vendeu seu
cachorro desta vez. Dizem até que o vigarista já comprou
uma casa na cidade com o dinheiro que conseguiu
vendendo sempre o mesmo cachorro. Esse era o assunto
de todos os domingos.
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E se repetiria naquele dia se não fosse o achado de
Sebastião. Que comoveu toda a população de Rincão dos
Feios. Principalmente o padre, que decidiu dar proteção ao
menino uma vez que o senhor Sebastião era viúvo e
morava sozinho. O padre confiou o menino a três beatas
solteironas, que não faltavam às missas. Foram varias as
sugestões de nomes para o recém-nascido. Mas a que
agradou mesmo não se sabe ao certo quem sugeriu. Até
porque depois de aceita varias pessoas se intitularam
donos da mesma. Enfim o nome escolhido teve aprovação
unânime. Deram ao menino, um nome bem alusivo.
Devido ao fato dele ter sido encontrado ao pé da cruz e no
mês de julho. Chamaram-no de Julho da Cruz.
O tempo passou e o menino cresceu. Na ocasião do
falecimento do velho Pedro devia ter aproximadamente
quatorze anos de idade. Julho da Cruz ou Julinho como
ficou conhecido. Foi um dos garotos que o inspetor Enéas
escalou como agentes divulgadores daquela reunião que
antecedeu o velório.
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Capitulo VII
Era noite e os compadres aproveitaram o velório para
se reunirem ao redor da fogueira e contar causos de
lobisomem e estórias de mulas sem cabeças e outras
lendas sertanejas.
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A conversa estava animada afinal às poucas
oportunidades que o povo tinha para se confraternizar
eram nas festas religiosas, em mutirões ou em velórios.
Um velório não é bem uma confraternização, mas
ninguém é de ferro e nada como um quentãozinho para
combater o frio da noite, outros preferiam um bom
chimarrão.
Nhô Manéco adorava contar causos e atribuir atos
heróicos aos seus antepassados e aproveitou a ocasião para
contar as façanhas de seu finado pai.
– Meu pai contava causos do “arco-da-véia”. Coisas
que aconteceram aqui nessa região, nos tempos que ele era
moço. Meu finado pai era boiadeiro, num sabe? - Afirmou
Nhô Manéco enquanto enchia a cuia de chimarrão.
– Disso eu ainda me alembro bem. - Confirmou o
velho Jonas, que estava atento à conversa.
– Pois é... O compadre Jonas é um pouco mais velho
do que eu. Então deve lembrá bem do meu finado pai, dos
tempos que ele era boiadeiro e levava boiada daqui de
Rincão dos Feios pra capitar.
– Ora se me alembro... O pai dele era o maior
mintirô... Quero dizer, o home era bão de prosa.
Nhô Jonas tenta controlar a conversa. Nhô Manéco
faz de conta que não ouviu.
Mesmo assim deixa transparecer o seu humor, quase
esbravejando.
– Não desconverse compadre Jonas! Meu pai era ou
não boiadeiro? - Nhô Jonas fica desconsertado.
– Oxente compadre Manéco. Seu pai era boiadeiro
sim... E dos bão... Levava cabrito... Quero dizer ga-a-do
daqui de Rincão dos Feios pra capitar.
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Antonio um rapaz que estava ali junto aos demais, tenta
pôr fim ao mal entendido.
– Mais daí seu Manéco? Estamos ansiosos para ouvir
as aventuras de seu pai.
– Então, como eu lhes dizia, meu pai levava cabri...
Nhô Manéco se engasga com o chimarrão, e faz um
esforço enorme para conter o nervosismo.
Antonio tenta contornar a conversa.
– A propósito o chimarrão está esfriando. - Diz
Antonio Enquanto coloca a chaleira no braseiro o velho
Jonas entra no embalo, tentando conquistar o compadre.
– Tempinho bão aquele... Parece que inté eu to vendo
o Nhô Créto lá no estradão conduzindo a boiada e tocando
o berrante... Passava a porteira e iam embora pôr esse
Rincão afora, deixando atrais só a poeira.
– Faz muito tempo isso, Nhô Jonas? Perguntou
Antonio.
– Claro... Eu ainda era menino...
– E era o senhor que abria a porteira? Pro gado
passar? Perguntou novamente Antonio.
– Claro que não... Eu num era besta. Eu tinha muito
medo dos bois me pisoteá. - Os compadres riem.
– O senhor deve ter estórias pra contar também, né
compadre Jonas? Perguntou Nhô Maneco.
– Que nada, compadre Maneco... Eu não levo jeito
pressas coisa. Gosto mêmo é de escuitá.
– Pra pode dize que é mentira. - Resmunga em voz
baixa
– O que o senhor falou compadre Maneco?
– Nada não compadre Jonas.
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– Como eu dizia, os antigos é que sabiam contar
causos.
– Os antigos sabiam das coisas. - Complemento
Antonio.
– Sabe duma coisa Antanho. Eu inté vou concordá
com você! Os antigos tinham muita sabedoria.
– É uma pena que a moçada de hoje não sabe conta
causo nenhum. Comentou Antonio enchendo a cuia de
chimarrão.
– Mais a vida ensina e vão contá pros de amanhã... –
Completou o Nho Maneco.
– É pessoar, num vai longe não. A moçada de hoje
em dia num acreditam que aqui em Rincão dos feios
houve um tempo que tinha inté sucuri.
– O senhor já viu uma, compadre Jonas?
– Eu não (se benzendo), mas o teu pai contava umas
estórias de sucuri.
– É, realmente, eu me lembro de meu finado pai
contar alguma coisa sobre sucuri.
– Então conta pra nóis seu Maneco. Disse um dos
homens ali presente.
– Uma vez contava meu pai, que numa de suas
viagens, armaram acampamento ao lado de um tronco de
pinheiro...
Já tava escurecendo... Meu pai e os amigos dele
acharam que aquele era o melhor lugar pra passar a noite...
Tinha uma arvore grande na beira do rio, tudo limpinho
em baixo da árvore e aquele tronco de pinheiro na beirinha
do mato... Dizia meu pai que dava a impressão de argúem
derrubou aquele pinheiro pra fazer uma ponte sobre o rio e
depois mudô de idéia e deixou o pinheiro ali mesmo,
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na beirinha do mato. Daí meu pai tirou os arreios dos
cavalos. Coloco em cima do tronco do pinheiro enquanto
isso os outros foram preparando a fogueira e a janta.
Jantaram, tomaram chimarrão. Depois armaram suas redes
e puxaram o ronco. Dormiram a noite inteirinha. Também
não era pra menos, os coitados tavão estropiados de
canseira da viaje. Noutro dia cedo, meu pai foi encilhar o
cavalo. Os arreios tava tudo no chão. O tronco de pinheiro
tinha sumido.
– Quer dizer então que o tronco de pinheiro nada
mais era do que uma sucuri? - Perguntou Antonio.
– Oxente, e não era então, menino. - concorda Nhô
Jonas com um ar debochador.
– Por falá nisso. Põe mais uns gaio de sucuri na
fogueira.
– O que o senhor disse compadre Jonas?
– Eu quis dizê gaio de pinheiro, o fogo ta apagando. -
O velho Jonas disfarça, com um risinho sarcástico...
– É compadre o senhor quis dizer mais não disse né...
- Completa o Nhô Maneco irritado.
A conversa é interrompida pelo capelão que aparece
chamando todos para rezar em favor da alma do falecido.
Enfim o dia amanhece e começam os preparativos para o
enterro.
Aquela manhã de domingo foi bem movimentada
naquele povoado. Ê o inspetor Enéas aproveitou cada
momento para elevar sua popularidade, sem falar que o
dinheiro arrecadado para o enterro lhe sobrara mais da
metade.
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Capitulo VIII
Começa um nova semana após o velorio do nosso
personagem principal. Segunda feira para os adultos é dia
de trabalho, para as crianças e adolescentes é um dia de
aula. Mas o velório do ultimo final de semana e a reuniao
que o antecedeu ainda seria assunto pra discussao. Os
enfoques do discuso do inspetor na reuniao que antecedeu
o velorio. Nao passou despercebido para algumas mentes
mais aguçadas. Mesmo para alguns alunos que levaram o
assunto para sala de aula. As crianças faziam varias
perguntas para a professora.
– Professora. Tia maricotinha disse que vamos ter um
plebiscito em nosso vilarejo. Comentou julinho.
– O que é prebiscito? Perguntou outro aluno, o
Joãozinho, e Julinho nao hesitou em responder.
– Prebiscito é uma consulta popular. A Respota do
menino surpreedeu a professora. Mesmo levando em
consideraçâo que Julinho era um aluno muito dedicado aos
estudos.
– Muito bem Julinho. Como voce sabia? Perguntou a
professora.
– Tia maricotinha me ensinou. Julinho ou o Julho da
Cruz sempre recebeu atençao especial por parte da
professora que sabia reconhecer um talento. O garoto era o
mais aplicado da clsse e como se isso nâo bastasse. Suas
tias, as beatas souteironas lhe davam reforço escolar. Não
era atôa que ele era o melhor aluno da classe.
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A professora aproveitou o debate para transformar em
tema de aula.
– Muito bem crianças. Prestem atençao, que esse
assunto que o Julinho nos trouxe é muito importante.
Haverá um plebiscito no final do ano a fim de tornar esse
povoado uma comarca? Na verdade. o Inspetor Eneas
falou isso na reuniao que fez com seus pais no sabado aqui
na escola.
– O que é Comarca professora? Perguntou
Mariazinha.
– Calma crianças. Primeiro vamos entender melhor o
que é prebiscito. A professora amrli faz uma pequena
pausa pega o giz e começa escrever na louza.
– O plebiscito era considerado, na Roma antiga, voto
ou decreto passado em comício, originariamente
obrigatório apenas para os plebeus. Nao confundir com
referendo. Apesar de por vezes se considerar '''plebiscito'''
como sendo o mesmo que ''referendo''', a verdade é que os
dois conceitos podem significar ações muito diferentes e
que podem, por vezes, ter significados opostos.
– É pra copiar professora? Perguntou Mariazinha
– Claro Mariazinha! Não só copiar como prestar
atenção às explicações.
A professora continua escrevendo e falando.
– Plebiscito e referendo são, contudo sempre
referentes a assuntos de política geral ou local de extrema
importância para as pessoas visadas. Assim, de um modo
amplo, podemos considerar que são sinônimos.
Assim, podemos dizer que “plebiscito” é uma
consulta ao povo antes de uma lei ser constituída, de modo
a aprovar ou rejeitar as opções que lhe são propostas;
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O “referendo” é uma consulta ao povo após a lei ser
constituída, em que o povo ratifica ou sanciona a lei já
aprovada pelo Estado ou a ''rejeita''. De fato, podemos
definir plebiscito como a manifestação direta da vontade
do povo que delibera sobre um determinado assunto,
enquanto que o referendo seria um ato mais complexo, em
que o povo delibera sobre outra deliberação “a do órgão de
Estado respectivo”. Apos a dissertação da professora os
alunos parecem satisfeitos mais ainda falta entender o que
é Comarca e Mariazinha voltou a lembrar à professora a
pergunta feita anteriormente. Na verdade as escolas do
interior a alguns atrás a muito surpreenderiam o modelo
atual de ensino.
– Comarca é um termo originalmente empregado para
definir um território Também pode receber os nomes de
distrito. Historicamente, as comarcas estavam
conformadas por freguesias também chamadas paróquias,
mas desde o século XIX integram-nas concelhos
– Professora! Vamos ter que escrever muito ainda?
Reclamou Joãzinho.
– Só mais um pouquinho! Se quizer aprender tem que
estudar. Continuando... No Brasil, é termo jurídico que
designa uma divisão territorial específica, que indica os
limites territoriais da competência de um determinado juiz
ou Juízo de primeira instância. Assim, pode haver
comarcas que coincidam com os limites de um município,
ou que os ultrapasse, englobando vários pequenos
municípios. Nesse segundo caso, teremos um deles que
será a sede da comarca, enquanto que os outros serão
distritos deste, somente para fins de organização
judiciária.
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As comarcas são classificadas, segundo sua
importância. Para a criação e a classificação das comarcas,
serão considerados os números de habitantes e de
eleitores, a receita tributária, o movimento forense e a
extensão territorial dos municípios do estado.
– Professora em nosso povoado tem habitantes
suficientes para formar uma comarca? Pergunta um aluno.
– Essa é uma boa pergunta. Mas nao posso te
responder, depende de um levantamento demografico.
– Oque é levantamento demografico? Pergunta
Mariazinha.
– È a quantidade de habitantes por território. Ou seja
sera preciso uma contagem dos moradores da regaião. Se o
numero for suficiente nosso povoado poderá ser uma
comarca, caso contrario será um distrito ou pequeno
municipio. Finalmente terminou aquela aula e as crianças
voltaram para casa levando seus conhecimentos para
socializar com seus pais.
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Capitulo IX
Passaram-se uma semana do velório daquele homem
que apesar de humilde era muito querido naquela região,
resumindo ele não tinha inimigos. O padre havia
convocado a população para rezarem uma missa de 7ª dia
em favor da alma do falecido.
No sábado a igrejinha estava lotada.
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Alguns parentes do velho Pedro que moravam na cidade
souberam do ocorrido, um pouco atrasado para o velório,
mas não para o ato religioso pela alma de seu finado
parente e decidiram vir para as homenagens póstumas.
Chegando ao vilarejo quiseram tomar conhecimento
de tudo conforme aconteceu e as providencias tomadas.
Ficaram emocionados com a solidariedade daquele povo e
demonstraram sua gratidão aos que se fizeram presentes a
referida missa. Mas não puderam agradecer pessoalmente
ao inspetor, pois este não se encontrava no povoado. Tinha
se ausentado pôr motivo de negocio.
Os familiares lamentaram não poder ficar e conhecer
o ilustre cidadão que tornou possível um enterro digno ao
seu parente. Após a missa alguns retornaram a sua cidade,
outros resolveram ir até a cabana do falecido para resgatar
alguns pertences que ao menos servisse como lembrança
do finado parente.
Os habitantes dali, ou parte destes que não tinham
pressa de voltar pra casa e fazer nada. Como era de
costume se espalharam em pequenos grupos. Diante da
escola, a sombra de alguma arvore ou próximos do
armazém. Sempre como o propósito de um simples bate
papo.
Alguns compadres e comadres resolveram
compartilhar o almoço ou simplesmente um chimarrão.
Mas a maioria se recolheu as suas casas. Preferindo o
aconchego do lar para o descanso merecido depois de uma
longa semana de trabalho. Aquela foi mais uma manha
bem movimentada naquele vilarejo, enfim o tempo passou
e a calma voltou a reinar.
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À tarde naquele sábado não se parecia nada com a
manhã agitada. Com exceção da garotada que sempre se
reuniam na pracinha para uma partida de futebol. Mas
como tudo tem um fim, o jogo também.
Os garotos se recolhem e agora o silencio era quase
absoluto. Algumas vezes o silencio era quebrado pelo
gorjeio de um pássara ou o latido de um cachorro.
Raramente alguém transitava. As horas se passaram e
finalmente a noite chegou.
Quando o inspetor voltava ao povoado depois de ter
gastado o que sobrou do dinheiro que havia arrecadado em
nome do falecido com mulheres e bebidas.
Caminhava pensativo, com certo remorso pôr ter feito
tal coisa. Ao passar pela rua principal do vilarejo. Sentiu
um frio na espinha ao deparar com um homem bem a sua
frente. Sentiu o sangue gelar ao reconhecê-lo.
Para o inspetor não havia dúvida. Era ele, o falecido.
Estava ali, bem a sua frente. O inspetor ficou perplexo de
pavor.
Ao recobrar as forças, saiu em disparada, correndo
sem parar até chegar a sua casa. Naquela noite quase não
dormiu assombrado pelo remorso, pôr ter usado algo que
não lhe pertencia. Dinheiro mal havido e gasto em coisas
ilícitas.
No dia seguinte, ficou sabendo que o fantasma que o
fez gelar de medo na noite passada. Na verdade era certo
“Paulo de tal”, irmão gêmeo do falecido.
FIM