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A República Saharaui, uma história de luta anticolonialista Emiliano Gómez López

CARTILHA - República Saharaui

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Cartilha sobre a República Saharaui

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  • A Repblica Saharaui, uma histria de luta anticolonialista

    Emiliano Gmez Lpez

  • Localizao e dados gerais

    A Repblica rabe Saharaui Democrtica (RASD) - antigo Sahara Espanhol - tambm conhecido como Sahara Ocidental, est localizada na costa atlntica do noroeste africano na frente das ilhas Canrias. Sua superficie de 286.000 km. O territrio da RASD limita ao norte com Marrocos. No extremo nordeste est a fronteira com Arglia. No leste e pelo sul compartilha fronteira com Mauritnia. Sua capital El Aain (hoje sob ocupao marroquina).

    O territrio saharaui est dividido em duas grandes regies: Saguia El Hamra no norte, e Rio de Oro no centro e sul. O relevo do Sahara Ocidental predominantemente plano e vai se elevando gradativamente da costa para o interior, at atingir alturas de 500 metros. No nordeste se extende a Hamada, um planalto muito rido, onde a temperatura no vero pode atingir os 60 graus centgrados.

    A populao do Sahara Ocidental de aproximadamente 500.000 habitantes de origem rabe, bereber e negro. Sua cultura rabe, e suas lnguas oficiais so o hassania (variante dialetal do rabe) e o espanhol. De fato, a Repblica Saharaui o nico pas rabe que tem o espanhol como segunda lngua oficial.

    Seu territrio possui as maiores jazidas de fosfatos do mundo. Possui petrleo, gs, ferro, urnio, etc, e ao longo dos seus 1.062 km de costas, localiza-se uma das reas de pesca mais ricas do planeta.

  • Captulo 1 - Contexto histrico da colonizaao do Sahara Espanhol at 19451.1 - Causas da ocupao e colonizao do Sahara

    O processo de colonizao espanhola no Sahara Ocidental comeou em 1882 e teve duas razes principais:

    A primeira foi a pescaria e processamento industrial de espcies semelhantes ao bacalhau, que naquele tempo era um dos principais alimentos para milhes de trabalhadores espanhois.

    A segunda tem a ver com a estrategia e a poltica espanhola para o Magreb rabe (1) e as ilhas Canrias. Em 1830, a Frana comeou a conquista da Arglia e antes do fim do sculo XIX, seu dominio tinha-se extendido prticamente por todo o Magreb: Argelia, Tunsia e uma grande parte do Marrocos e Mauritnia.Os setores colonialistas da Espanha viam com alarme como a expanso francesa pelo noroeste africano, ia se projetando ameaante sobre a faixa costeira do deserto. O impulso colonial francs punha em perigo o controle espanhol sobre essa poro do territrio sahariano e as reas de pesca do seu litoral. Era necessrio portanto impor um freio expanso francesa embora fosse para garantir a segurana das ilhas Canrias.

    O Real Decreto do 24 de dezembro de 1884 colocou sob a proteo da Espanha o tramo de costa comprendido entre os cabos Bojador ao norte e Blanco ao sul, alm do hinterland correspondente. Simultaneamente o Presidente do Conselho de Ministros enviou uma circular s potncias extrangeiras comunicando a decisso do seu governo. A dominao espanhola no Sahara ficou legalizada segundo o estabelecido pela Conferncia Internacional de Berlm 1884-1885, que consagrou o repartio colonial da frica.

  • 1.2 - O processo de ocupao e a resistncia anticolonial

    Desde pocas anteriores ao comeo da ocupao espanhola, a estrutura poltica existente no Sahara Ocidental foi bem diferente das estruturas polticas dos seus vizinhos, Marrocos e Mauritania. O territrio saharaui constituia uma entidade independente cuja populao, agrupada em tribos nmadas, jamais tinha reconhecido a autoridade do sulto marroquino nem de nenhum emir mauritano.

    As tribos saharauis estavam organizadas numa confederao regulada pelo Ait Arbain ou Conselho dos Quarenta. Esta instituio estava integrada por representantes de cada tribo designados pelos homens e mulheres maiores de dezoito anos. O Ait Arbain exercia funes legislativas e mediava nos conflitos surgidos entre as diferentes tribos. Tambm assumia o poder poltico militar quando havia perigo de agresso externa.

    Em janeiro de 1885, la Companhia Comercial Hispano-Africana iniciou a construo de um forte para proteger a planta processadora de pescado de Villa Cisneros (Ro de Oro). Dois meses depois, grupos armados do Ait Arbain atacaram as obras e saquearam a planta. Logo, no ms de agosto chegou una companhia de atiradores reforada com artilharia. A revolta foi esmagada rapidamente e continuou a construo do forte.

    Entre 1887 e 1894 se registraram incurses espordicas contra o enclave militar e comercial de Villa Cisneros. Algumas tribos no consentiram em se submeter ao domnio da Espanha e continuaram resistindo muitos anos. De qualquer modo, o processo de ocupao continuou avanando apesar das controvrsias e disputas com a Frana pela questo dos limites das respectivas zonas de influncia.

    Em 1934, o governo da Repblica Espanhola dividiu sua colnia em trs zonas administrativas: Tarfaya, Saguia El Hamra e Rio de Oro. A cidade de El Aain, fundada em 1932, passou a ser a capital do Sahara Espanhol.

    1.3 - O militarismo e a guerra do Rif

    Em 1998, Espanha perdeu as ltimas colnias do seu antigo imprio -Cuba, Porto Rico e Filipinas- aps uma guerra desastrosa contra os Estados Unidos. Os setores colonialistas espanhois procuraram compensar os efeitos negativos da derrota iniciando um processo de investimentos industriais e financeiros no Marrocos. Eles impulsionaram a ocupao pacfica do norte de Marrocos (o Rif) a partir das praas fortes de Ceuta y Melilha. Porm, no dia 9 de julho de 1909, nacionalistas da zona de Melilha atacaram e destruiram as obras ferrovirias e as instalaes mineiras de uma empresa espanhola. Assm, estourou uma guerra que esperava e necessitava o militarismo hispano. A campanha de Melilha foi muito curta mas valeu para justificar o incremento do contingente militar no Marrocos.

    Poucos anos depois, a partir das comandncias de Ceuta e Melilha se impulsionou a penetrao manu militari do interior montanhoso do Rif, que acabou provocando uma rebelio generalizada das cbilas (tribos) bereberes. Em 1921, o caudilho nacionalista Abd El Krim levantou em armas a populao, e invocando o Islam propagou a guerra contra os infiis por todo o Rif. Nesse mesmo ano, as foras de Abd El Krim destroaram o exrcito espanhol causando-lhe dez mil baixas na batalha de Annual.

  • Em janeiro de 1923 foi proclamada a Nao Republicana do Rif e em 1925, a revolta nacionalista se espalhou pela zona sob controle francs. Perante esta situao, ambas as metrpoles coordenaram esforos para lanar uma ofensiva conjunta. A Espanha preparou uma grande fora expedicionria que foi desembarcada na bahia de Alhucemas, e a Frana fez entrar em combate cem batalhes. Trs uma campanha extraordinariamente dura, se imps a superioridade tcnica das tropas europias. Em 1926, a resistncia cabilenha foi aniquilada e Abd El Krim foi capturado pelos franceses. O Rif ficou "pacificado".

    A guerra reforou o militarismo espanhol com uma nova gerao de oficiis superiores forjada nos campos de batalha. Estes oficiis, conhecidos como africanistas sentiam um profundo desprezo pelos polticos e os intelectuais, e se consideravam uma espcie de cruzados da f catlica e guardies da grandeza imperial da Espanha.

    1.4 - Queda da monarquia, proclamao da Repblica e guerra civil na Espanha

    A contenda com Marrocos teve como consequncia um enorme desprestigio para a monarquia espanhola. Os efeitos da guerra traduziram-se em recrutamento forado da juventude e dezenas de milhares de mortos e feridos. Esta situao facilitou a agitao social promovida pelo anarco-sindicalismo e o Partido Socialista Obrero Espaol (PSOE). Ano trs ano foi crescendo o sentimento antimonrquico da sociedade espanhola at que em abril de 1931, atravs de eleies municipis, a populao se manifestou massivamente a favor das candidaturas republicanas e socialistas. O rei Alfonso XIII abdicou do trono e partiu para o exlio. No dia 14 de abril foi proclamada a Segunda Repblica.

    Durante o perodo republicano se acelerou a polarizao da sociedade em dois campos com concepes poltico-ideolgicas cada vez mais radicalizadas e antagnicas.Nas eleies nacionais de abril de 1936 rivalizaram dois grandes blocos polticos, a Frente Popular e a Confederao Espanhola de Direitas Autnomas (CEDA). O bloco da esquerda ganhou a contenda eleitoral. Quase de imediato, as foras mais conservadoras, aglutinadas em torno de um iderio fascista, comearam a preparar uma sublevao militar contra o governo da esquerda.

    O Estado Maior da conspirao estava integrado pelos generis africanistas, e foi no Protetorado marroquino onde comeou o movimento sedicioso que rapidamente se propagou por todas as guarnies da Espanha. No dia 18 de julho de 1936, uma grande parte dos chefes militares complotados, se levantaram contra o governo constitucional.

    O chamado Alamento Nacional desencadeou a guerra civil e dividiu Espanha em duas zonas. A zona democrtica e republicana se enfrentou durante trs anos zona nacionalista, na qual instaurou-se uma ferrenha ditadura castrense chefiada pelo general Francisco Franco, quem tinha galgado posies na hierarquia militar combatendo contra os rebeldes do Rif como oficial da Legio Espanhola. Os generais golpistas deram para Franco o ttulo de Generalssimo e Caudilho da Espanha.

    A guerra civil acabou com a queda do governo republicano e a vitria das armas franquistas, em abril de 1939.

  • 1.5 - Projeto franquista para o Sahara

    Do mesmo modo que seus aliados e protetores, Hitler e Mussolini, o Generalssimo tambm sonhava com um imprio colonial. A ocupao da Frana pelas tropas do III Reich em 1940, fez Franco acreditar que tinha chegado a hora de construir o novo imprio espanhol. O governo capitulador francs no poderia se opor expanso colonial espanhola pelo noroeste africano. Um Sahara Espanhol ampliado graas aos territrios vizinhos, com grandes bases militares, uma boa rede rodoviria, prospeces e exploraes mineiras, etc., poderia ser o primeiro passo para a construo desse imprio.

    Acontece que para realizar tais projetos, era preciso ter recursos tcnicos, pessoal qualificado e grandes investimentos. Tudo isso estava alm das possibilidades de uma Espanha subdesenvolvida, endividada e com sua economia destruida pela guerra civil. Sobrevieram ento quinze anos durante os quais a populao saharaui permaneceu marginada de toda possibilidade de desenvolvimento. A administrao colonial fez a tentativa de estabelecer no Sahara familias canrias e peninsulares e, ao mesmo tempo, forou a sedentarizao de inmeras familias nmadas ao redor de media dzia de centros urbanos e alguns postos militares, mas a vida da colnia continuou a girar em torno dos afazeres militares e administrativos.

    (1) Ocidente (em lngua rabe). O Magreb abrange os seguintes pases: Lbia, Tunsia, Arglia, Marrocos, Sahara Ocidental e Mauritnia.

    Captulo 2 - Processo emancipador do Magreb2.1 - Independncia de Marrocos

    Com a terminao da 2 Guerra Mundial veio a desintegrao do sistema colonial do imperialismo. A luta anticolonialista comeou bem cedo no Magreb rabe, sobre tudo em Marrocos, cujo territrio estava dividido -desde 1912- em dois Protetorados, um francs e o outro, espanhol. J em 1944, intelectuais e setores radicalizados das classes mdias marroquinas, fundaram o Partido da Independncia Istiqlal (1). De imedito, os nacionalistas enviaram um manifesto ao sulto Mohamed V e ao governo colonial francs, exigindo o fim do Protetorado e a concesso da independncia a Marrocos.

    Em 1947, Mohamed V pronunciou um discurso em Tnger defendendo as teses nacionalistas do partido Istiqlal. O governo colonial reagiu fomentando uma rebelio dos senhores feudis contra o sulto para depois tir-lo do trono e deport-lo, junto com sua familia para Madagascar. A arbitrariedade dos franceses transformou o soberano num smbolo da resistncia anticolonialista. Em poucos meses, o Partido da Independncia radicalizou suas posies, criou o Exrcito de Libertao Nacional -ALN- (2) e no dia 1 de outubro de 1954 realizou a primeira ao armada.As aes nacionalistas no Marrocos eram s um aspecto do processo emancipador do Magreb. Durante o perodo 1952-1956, o nacionalismo magreb coordenou seus esforosnuma frente comum anticolonial. Foi assm que em 1952 o partido independentista tunsio, Neo Destur, comeou o combate. Dois anos depois, em 1954, se fundou a Frente deLibertao Nacional de Arglia (FLN) e quase de imediato encabeou a insurreio popular contra o domnio francs.

  • O rumo dos acontecimentos obrigou Frana a reformular sua estrategia de dominao. Para o governo de Pars, a frente nacionalista do Magreb constituia um srio perigo. Era necessrio neutraliz-lo introduzindo a diviso no seu sio, e para isso o governo da Frana deu a independncia para Marrocos e Tunsia.Em agosto de 1955, representantes do nacionalismo marroquino e do governo francs se reuniram en Aix-les-Bains. Pouco depois Mohamed V fue libertado e retornou a Marrocos. No dia 2 de maro de 1956, a Frana otorgou a independncia a seu Protetorado e no 7 de abril, o general Franco concedeu a independncia zona norte do Protetorado espanhol.

    A partir de ento, a Frana concentrou seus esforos em isolar a revoluo argelina para descarregar contra ela todo seu poder repressivo. Na Arglia estavam os maiores interesses econmicos da metrpole.

    2.2 - Lutas pelo poder e razes do expansionismo marroquino

    Durante os primeiros anos de vida independente, Marrocos teve um sistema de governo representativo onde coexistiam foras com ideologias e interesses econmicos diferentes, s vezes contrapostos.A tendncia mais progressista, formada por setores operrios e intelectuais, pequenos comerciantes, camponeses e classes mdias, era partidria de reformas econmicas e polticas radicais. Do outro lado estava a grande burguesia agrria e comercial que, junto com a nobreza terratenente, constituiam a fora conservadora, interessada em manter o neocolonialismo e preservar as estruturas feudais.

    Ambas as tendncias se confrontaram para impor seus interesses e seu peso nas decises da poltica do Estado, mas aos poucos foi se processando uma maior concentrao de poder nas mos da monarquia. A Coroa alau, personificada por Mohamed V, tinha se servido das foras independentistas radicais para recuperar seu poder, e logo aps ter atingido seu objetivo quebrou sua aliana com stas para se apoiar nos grupos mais conservadores e partidrios da forma autocrtica de governo.

    Entretanto, dentro do Istiqlal tambm existia uma luta entre a ala revolucionaria, dirigida pelo Mahdi Ahmed Ben Barka e a conciliadora mas ao mesmo tempo ultranacionalista, liderada por Allal El Fassi. Ambas as faces tratavam de se apoderar da direo do partido e, naturalmente, a ala conciliadora contou com o apio da Coroa, dos latifundirios e dos representantes do neocolonialismo.

    Em junho de 1957, o sulto proclamou seu filho Muley Hassan como prncipe herdeiro. O prncipe assumiu imediatamente a chefia da polcia e do exrcito. Com a proclamao do prncipe Hassan, o conservadorismo e o ultranacionalismo reforaram suas posies em prejuzo dos setores progressistas. Foi assm que a ideologia expansionista de Allal El Fassi, que sustentava o projeto do "Grande Marrocos", foi adotada pelo sulto e seu herdeiro, e se converteu em doutrina oficial da dinastia alau.

    Esse Grande Marrocos ia desde Gibraltar at o ro Senegal, abrangendo a totalidade do Sahara Espanhol e a Mauritnia, alm de grandes extenses do sul-oeste argelino e Mali. No total, a monarquia marroquina pretenda anexar sob seu dominio dois milhes de quilmetros cuadrados, muito ricos em minrios estratgicos. Os planos expansionistas fixaram como primeiros objetivos a recuperao do enclave espanhol de Ifni, a anexao de Tarfaya -regio nortenha do Sahara Espanhol- e a ocupao da Mauritnia.

  • 2.3 - Insurreio nacionalista de 1958 no Sahara Espanhol

    A partir de outubro de 1956, o ALN comeou a infiltrar grupos armados no Sahara Espanhol com a desculpa de hostilizar os postos fronteirios do exrcito francs na Mauritnia. A meados de 1957 j agiam na colnia espanhola uns dois mil e quinhentos combatentes, quase todos eles membros das tribos saharauis e mauritanas. A presena destas formaes armadas respondia, por um lado, inteno do comando marroquino de exercer presso poltica e militar sobre os espanhois para recuperar o enclave de Ifni, e sobre os franceses para expuls-los da Mauritnia, por outro lado, os combatentes saharauis e mauritanos tambm queriam libertar seus respectivos territrios do colonialismo europio.

    Para a estrategia marroquina nesse momento, o Sahara Espanhol era um objetivo secundario mas servia para ocultar o objetivo principal: os 1.700 km do enclave de Ifni. E foi precissamente contra esse enclave que o ALN lanou sua ofensiva na madrugada do 23 de novembre de 1957. Uma semana depois, quase todas as localidades do enclave estavam em poder das foras nacionalistas. S a capital, Sidi Ifni, resistia esperando a chegada de reforos para lanar a contraofensiva que na primeira semana de dezembro expulsou os atacantes de todas as posies que tinham ocupado.Ao mesmo tempo que estava desenvolvendo a ofensiva contra Ifni, o ALN iniciou as hostilidades no Sahara Espanhol atacando sua capital, El Aain, o dia 26 de novembro. At o 23 de dezembro houveram vrias tentativas de tomar por assalto esta cidade sem xito.

    Embora a ofensiva militar marroquina contra Ifni e o Sahara Espanhol foi um fracasso, os setores ultranacionalistas do reino tinham criado as condies polticas para exigir a Espanha a devoluo de Ifni e a entrega da regio de Tarfaya. Pouco tempo depois, o prncipe herdeiro, Muley Hassn, ordenou a retirada do ALN da colnia espanhola. Esta ordem no foi obedecida pelos combatentes saharauis, e no dia 11 de janeiro de 1958 recomearam as hostilidades no Sahara. Rapidamente a insurreio se generalizou e as tropas espanholas foram foradas defensiva. Aos poucos as aes blicas se alastraram at atingir Mauritnia e obrigaram o governo francs a estabelecer um acordo de cooperao militar com a ditadura franquista.

    A partir do 10 de fevereiro, ambas as metrpoles desenvolveram de forma simultnea duas ofensivas militares: a espanhola, conhecida como Operao Teide, que mobilizou dez mil soldados e cem avies, e a francesa, denominada Operao Ecouvillon, que mobilizou cinco mil homens e setenta avies. Aps duas semanas, os exrcitos europios esmagaram a insurreio, e a "paz" e a ordem coloniais foram restabelecidos na regio.

    Com a derrota do movimento nacionalista, o colonialismo espanhol evitou que a revolta se espalhara pela regio, garantindo segurana para os investimentos franceses no setor mineiro da Mauritnia. Tambm o governo francs foi beneficiado porque reforou o cerco em torno da guerrilha independentista argelina impedindo-lhe a possibilidade de contar com uma retaguarda segura no Sahara Espanhol e na Mauritnia. Finalmente at a monarquia alau atingiu um dos seus objetivos: no dia 1 de abril de 1958, a Espanha cedeu Tarfaya em troca de que Marrocos garantisse que no futuro no se iria alterar novamente a tranquilidade na regio sahariana.

    (1) Independncia (em lngua rabe)(2) ALN - Arme de Liberation Nationale.

  • Captulo 3 - Os protagonistas do conflito3.1 - Evoluio scio-econmica do Sahara Espanhol 1960-1974

    Trs a derrota da insurreio de 1958, o governo espanhol aplicou severas represlias contra a populao saharaui e forou milhares de famlias a buscar refgio nos territrios limtrofes de Marrocos, Arglia e Mauritnia.

    Os acontecimentos do ano 58 fizeram com que o governo de Madr desse mais ateno sua longiqua colnia africana. Ao longo dos anos 60 foi se dando um lento processo de mudanas econmicas e sociais no Sahara Espanhol. Em 1963 se realizaram fortes investimentos produtivos nas jazidas de fosfatos de Bu-Cra que incentivaram a atividade econmica da colnia e modificaram os costumes da populao autctona. Com a urbanizao e o abandono progressivo da vida nmada os laos e as relaes tribis comearam a desaparecer possibilitando a formao de uma conscincia nacional saharaui. A populao de El Aain passou de 5.200 pessoas em 1959, a 28.000 em 1974. Um clculo elaborado em 1959 estimava em 24.500 os habitantes da colnia e, segundo o ltimo censo oficial de 1974, o nmero de saharauis era de 73.497. A finis de 1975, a populao espanhola, entre civis e militares superava os 30.000 indivduos.

    3.2 - Importncia dos recursos naturais saharauis

    O Sahara Ocidental possui grandes riquezas minerais, principalmente fosfatos, ferro, petrleo e gas. Em 1947, um engenheiro espanhol detectou a existncia de fosfato triclcico na regio de Saguia El Hamra. Dezesseis anos depois, foi descoberta uma enorme jazida de fosfatos na comarca de Bu-Craa.Sob uma camada de aria de nove metros de espessura, estende-se a camada de apatita (minrio portador do fosfato), cuja grossura mdia de 5,6 metros. A jazida tem um rea aproximada de 250 km e suas reservas so estimadas em dois bilhes de toneladas. Em 1964, Espanha criou a empresa Fosfatos de Bu-Craa, FOSBUCRAA.

    As instalaes e o equipamiento para a explorao da jazida foram comprados a empresas francesas, norteamericanas e alems. A empresa Krupp da Alemanha construiu a fita transportadora com quase cem quilmetros de comprimento, que une a jazida com a terminal de embarque de El Aain. A mina de Bu-Craa pode fornecer at dez milhes de toneladas por ano trabalhando a plena capacidade.Se sabe que na regio centro-sul h uma grande jazida de ferro, e alm disso as prospeces realizadas no territrio saharaui confirmaram a existncia de reservas de petrleo e gas natural, tanto no interior do pas quanto na plataforma continental.

    O Sahara Ocidental tambm possui o banco pesqueiro canrio-sahariano, considerado um dos mais grandes e ricos do planeta. Esta zona pesqueira situada no sul das Canrias, se estende por 150.000 km na frente do litoral saharaui. Duzentas espcies de peixes, sessenta de moluscos e vrias de crustceos, alm do plancton e as algas, fazem com que as guas saharauis sejam visitadas a cada ano por milhares de barcos pesqueiros. Os recursos naturis do subsolo e do mar territorial saharauis despertaram as apetncias de alguns pases ocidentais e de seus vizinhos, Mauritnia e Marrocos. O rei Hassan II desejava conquistar o Sahara Ocidental e se apoderar dos seus fosfatos, para que a empresa estatal marroquina Office Chrifien des Phosphates tivesse o controle da maior parte das reservas e dos mercados internacionais desse minrio.

  • 3.3 - Marrocos rumo autocracia.

    A partir do ano 59 a monarquia em aliana com os representantes do neocolonialismo, da nobreza terratenente e da ala direita do Istiqlal tomou o controle do poder. Isso fez com que os elementos radicais do Istiqlal abandonaram o partido para fundar a "Union Nationale des Forces Populaires" UNFP sob a liderana de Ahmed Ben Barka

    Em maio de 1960, o rei nomeou um governo presidido por ele mesmo e pelo prncipe herdeiro, e acabou com as ltimas aparincias de participao democrtica. Pouco depois, en fevereiro de 1961, faleceu Mohamed V e seu filho assumiu o trono com o nome de Hassan II. O novo monarca imps uma Constituio "pr-fabricada" que elevou sua vontade categoria de norma de governo e aplicou uma poltica repressiva, fazendo com que a monarquia constitucional projetada pelo seu pai em 1958, se transformasse numa autocracia ferrenha.

    Alm do anterior, a monarquia aplicou uma poltica econmica regressiva que provocou uma grave crise social e o conseqente incremento do movimento grevista, operrio e estudantil. A violncia repressiva do governo esquentou ainda mais a situao. Foi assm que no dia 23 de maro, houve uma exploso de protesto popular em Casablanca que imediatamente se estendeu a Rabat, Fez, Marrakech e outras cidades. Hassan II empregou o exrcito e sufocou a revolta com um saldo de centenas de mortos e milhares de feridos. No 29 de outubro foi sequestrado e desaparecido o "Mahdi" Ben Barka em Pars. A operao foi executada por agentes marroquinos em colaborao com a CIA e a "Sret" francesa. Com este crime, Hassan II se desfez do seu principal opositor e reforou ainda mais seu poder pessoal. O poder absoluto do rei gerou nepotismo e muita corrupo em torno dele. Isso fez com que uma parte da oficialidade, que tinha lutado pela indepndencia e por uma forma de governo mais progressista, ficasse revoltada com o contraste entre a misria da populao e a riqueza da corte. O descontentamento levou um grande grupo de oficiais a conspirar contra a monarquia, e a conspirao desembocou numa tentativa de golpe de Estado.

    No dia 10 de julho de 1971, os alunos de uma academia militar, comandados pelo seu diretor, assaltaram o palacio real de Sjirat quando o rei festejava seu aniversrio. Essa tentativa de depor o rei Hassan fracassou, e sobreveio uma sangrenta depurao dos comandos militares. Uma grande quantidade de oficiais e sub-oficiais foram executados, entre eles o general que organizou a tentativa de golpe e o coronel, diretor da academia militar. A monarqua superou a crise e fez com que o exrcito pagasse um preo muito alto, porm nao pde evitar que a corrupo continuasse a gerar descontentamento nos comandos castrenses.

    No dia 16 de agosto de 1972, quando Hassan II voltava das feiras no seu castelo perto de Pars, o avio que o levava foi interceptado sobre Tnger por avies de combate procedentes da base area de Kenitra. A escuadrilha metralhou o avio real para for-lo a aterrissar nessa base, mas mesmo assm, com a aeronave seriamente avariada, o rei conseguiu chegar a Rabat, e apenas chegou no seu Palcio, ordenou sufocar a rebelio, prender os reponsveis e fazer uma rigorosa depurao da fora area. Em outubro desse ano compareceram perante o tribunal militar duzentos e vinte oficiais, acusados de conspirao e tentativa de assasinato contra o rei.

  • Os acontecimentos de Sjirat e Kenitra criaram desconfiana e dio entre a monarquia e as foras armadas. O rei adoptou medidas para afastar o exrcito bem longe com o objetivo de evitar novas tentativas golpistas. Dentro de esse esquema Hassan II enviou tropas a Golo (Sria) durante a guerra rabe-israelense de 1973, e iniciou a invaso do Sahara Ocidental em outubro de 1975. O objetivo era manter a oficialidade submetida disciplina de guerra e sob vigilncia dos servios de inteligncia, para que no tivesse possibilidades de conspirar contra a monarqua.

    3.4 - Mauritnia, da independncia fictcia utopia expansionista

    No dia 28 de novembro de 1960 a Frana concedeu a independncia formal a Mauritnia. Assm nasceu a Repblica Islmica de Mauritnia. As primeiras eleies deram o governo ao Partido Popular Mauritano e a presidncia nacional a Mohtar Uld Daddah. Desde ento, Marrocos hostilizou essa repblica com agresses militares, campanhas publicitrias ofensivas e o desconhecimento da sua independncia. S em janeiro de 1970, o reino marroquino reconheceu diplomticamente a Mauritnia graas ao mediadora argelina e influncia francesa.

    Durante aqueles primeiros anos, a Mauritnia manteve uma quase total dependncia econmica, poltica, militar e cultural da Frana. Mas a partir da segunda metade dos anos 60 dois importantes fatores contribuiram a quebrar essa dependncia absoluta. O primeiro foi a chegada de investimentos britnicos, japoneses, espanhois, norte-americanos e alemes, e o segundo foi o aprofundamento do nacionalismo econmico orientado a reduzir a dependncia do exterior. Foi assm que o governo mauritano criou em 1966 o monoplio estatal sobre o comrcio exterior; em 1972 a Societ Nationale Industrielle et Minire para a explorao do cobre e do ferro e, em 1973, o Banco Central. Pela primeira vez Mauritnia emitiu sua prpria moeda. Mas apesar de ter diminuido sua dependncia da Frana, o pas continuou sendo subdesenvolvido com um dos nveis de vida mais baixos do mundo.

    Nesse contexto era um grande paradoxo que o governo mauritano sustentasse ambies expansionistas respeito do Sahara Espanhol. Entanto a coroa marroquina reivindicava uma boa parte do territrio mauritano e realizava aes concretas para atingir seu propsito, o governo do presidente Uld Daddah se esforava para demonstrar o direito mauritano sobre o territrio do Sahara Espanhol. Finalmente, em 1974, o regime de Uld Daddah e a monarquia marroquina decidiram agir conjuntamente para pressionar o governo espanhol com atitudes, declaraes e ameaas francamente anexionistas.

    Captulo 4 - Antecedentes histricos e fundao da Frente POLISARIO4.1 - O Movimento de Libertao do Sahara

    Durante a dcada dos anos 60, uma nova gerao de independentistas, nascida das experincias e fracassos anteriores. impulsionou um nacionalismo renovado, baseado na conscincia nacional e no no tribalismo, fundamentado com argumentos polticos e no com sentimentos religiosos. Em 1968, um intelectual, Mohamed Sidi Ibrahim Bassiri, fundou o Movimento de Libertao do Sahara -MLS- para reivindicar pacificamente a independncia. Em breve, a organizao clandestina j tinha reunido centenas de militantes entre os operrios e empregados da indstria, funcionrios da administrao colonial, estudantes, suboficiais e soldados das tropas indgenas.

  • 4.2 - Espanha perante o problema da descolonizao

    Em novembro de 1960, a Assemblia Geral da ONU, no seu XV perodo de sesses, aprovou a Resoluo 1514 referida ao processo de descolonizao dos enclaves coloniais que ainda subsistiam no mundo. O Comit Especial encarregado de aplicar dita resoluo, confeccionou uma lista de territrios a serem descolonizados, entre os quais figurava o Sahara Ocidental. Em 1966, o Comit Especial solicitou a Espanha a criao de condies para realizar um referendo no Sahara, afim de que a populao saharaui pudesse se expressar livremente sobre seu futuro poltico.

    O governo franquista aceitou formalmente a solicitao, mas o que realmente fez foi transformar o Sahara numa "provncia" da Espanha e para isso introduziu algumas reformas no regime jurdico e administrativo da colnia, entre elas a criao da Assemblia Geral do Sahara (a Yema) (1). Foi assm como o franquismo desperdiou a oportunidade de proporcionar aos saharauis uma sada decorosa para sua emancipao poltica.

    As presses internacionais sobre o governo de Madr, e mais em particular sobre a prpria colnia, fez com que o governador do Sahara, organizasse uma atividade poltica em El Aain com fins propagandsticos. Dita atividade era para mostrar ao mundo a vontade da populao saharaui de se integrar ao Estado espanhol. A administrao colonial convidou muitos jornalistas e observadores estrangeiros para que fossem testemunhas do acontecimento. Mas tambm o Movimento de Libertao convocou seus militantes e simpatizantes para uma manifestao paralela contra a manobra colonialista.

    Na manha do 17 de junho de 1970 uns poucos grupos se concentraram na frente da sede do Governo, entanto uma multido enchia uma esplanada gritando consignas independentistas. Naquela tarde, um destacamento militar atirou contra a multido causando inmeras vtimas entre mortos e feridos.Nessa noite se desatou uma caada de dirigentes e militantes do MLS; centenas foram detidos; alguns desapareceram, incluido o lder nacionalista Bassiri. Aquela ao repressiva acabou para sempre com os projetos de confraternizao entre espanhois e saharauis.

    4.3 - A reorganizao nacionalista

    Como consequncia da represso, a militncia nacionalista se dispersou e muitos dos seus integrantes se refugiaram nos pases vizinhos, onde encontraram a ajuda das comunidades saharauis al residentes. Em 1971 novamente comearam a se articular alguns grupos nacionalistas nas cidades de Zuerat, Tantn e Rabat. Foi precisamente em Rabat onde surgiu um ncleo muito ativo de estudantes universitrios, entre os quais se destacava El Uali Mustafa Sayed. Este ncleo, ao longo de 1972 promoveu encontros entre os diversos agrupamentos saharauis dispersos por Marrocos, Arglia e Mauritnia.

    A partir de janeiro de 1973 se multiplicaram as reunioes clandestinas e se fortaleceu a coordenao entre os diferentes setores da militncia. Deste modo, nos derradeiros dias de abril comeou uma conferncia cujas sesses se realizaram de forma intermitente e em distintos lugares do deserto para despistar o servio de inteligncia franquista. Esta conferncia alcanou um consenso a respeito da necessidade de criar uma organizao poltico-militar para lutar pela independncia. No dia 10 de maio de 1973, a conferncia culminou suas atividades fundando a Frente Popular de Libertao de Saguia El Hamra e Ro de Oro - Frente POLISARIO.

  • 4.4 - A Frente POLISARIO, concepo poltica e linha de ao

    A Frente POLISARIO um movimento de libertao nacional com definio anticolonialista e terceiro-mundista. Esta organizao rene todos os setores e personalidades mais progressistas da sociedade saharaui onde quera que eles estejam: exlio, regies libertadas ou sob ocupao marroquina.Seus objetivos principais so a independncia total do Sahara Ocidental e a construo de um Estado moderno no contexto de uma integrao magreb. No plano internacional, a Frente POLISARIO defende a criao de um Estado palestino, a unidade do mundo rabe e a eliminao de toda forma de colonialismo ou neocolonialismo na frica. O manifesto poltico fundacional da F.POLISARIO, declarava:

    Uma vez comprovado que o colonialismo quer manter sua dominao sobre nosso povo rabe, tentando aniquil-lo pela ignorncia, a misria, assm como pela sua separao do Magreb rabe e da Nao rabe. Perante o fracasso de todos os mtodos pacficos utilizados, tanto pelos movimentos espontneos como pelas organizaes impostas ou outros crculos, a Frente Popular de Libertao de Saguia El Hamra e Ro de Oro, nasce como a expresso nica das massas, que opta pela violncia revolucionria e a luta armada como meio, para que o povo saharaui, rabe e africano possa desfrutar da sua total liberdade e se enfrentar s manobras do colonialismo espanhol.Parte integrante da revoluo rabe, apia a luta dos povos contra o colonialismo, o racismo e o imperialismo, e condena stes pela sua tendncia a exercer sua dominao sobre os povos rabes mediante o colonialismo direto ou pelo bloquio econmicoConsidera que a cooperao com a Revoluo Popular Argelina, numa etapa transitria, constitui um elemento essencial para enfrentar as manobras contra o Terceiro Mundo.Convidamos todos os povos em luta a se unirem para enfrentar o inimigo comn.Com o fusil arrebataremos a liberdade!

    4.5 - A guerra de libertao nacional

    No 20 de maio de 1973, dez dias aps a sua fundao, a Frente POLISARIO realizou sua primeira ao armada contra o exrcito colonial. O alvo do ataque foi o posto policial de El Janga, e marcou o comeo de uma guerra que aos poucos ultrapassou a capacidade de controle da administrao espanhola. Aquele ataque foi o batismo de fogo do Exrcito de Libertao Popular Saharaui, cujas aes posteriores fizeram con que o prestgio da Frente POLISARIO fosse crescendo entre a populao saharaui e os soldados nativos nas fileiras do exrcito colonial. Nos derradeiros dias de 1973, o ELPS j tinha quase cem combatentes. 1974 foi um ano chave para a consolidao do Exrcito de Libertao; por um lado multiplicou suas aes de combate e intensificou sua campanha poltica para ganhar simpatizantes entre os soldados saharauis do exrcito colonial. Por outro lado, comeou a receber armas da Lbia e da Arglia.

    O governo franquista reagiu ofensiva independentista com uma manobra poltica para ganhar tempo e criar as bases sobre as quais erigir um futuro governo saharaui independente que garantisse os interesses econmicos espanhois. No dia 20 de agosto enviou uma nota ao secretrio geral da ONU anunciando a realizao de um referendo no Sahara sob os auspcios e garantias desse organismo, durante o primeiro semestre de 1975. Ao mesmo tempo impulsionou a formao de um partido poltico fiel aos interesses espanhis, o Partido de Unio Nacional Saharaui - PUNS.

  • Durante o ano 1975, patrulhas completas de militares saharauis se uniram ao ELPS com veculos e armamento. Ao longo desse ano o Exrcito de Libertao foi tomando conta de inmeros postos abandonados pelos espanhois. Porm a guerrilha independentista nunca estabeleceu bases permanentes, ela preferia preservar sua segurana na imensido do deserto.

    4.6 - A Conveno de Ain BenTili

    Trs dois anos e meio de guerra, a Frente POLISARIO coroou seus esforos poltico-militares com a realizao, no dia 12 de outubro de 1975, da Conveno para a Unidade Nacional, na localidade mauritana de Ain Ben Tili. Nesse ento j era evidente a existncia de um acordo entre Espanha e o reino de Marrocos para a entrega do territrio saharaui a este ltimo.

    convocatria da Frente acudiram representantes de todas as foras polticas, partidrias da independncia: personalidades diversas, membros da Yema e alguns dirigentes do PUNS. Todos eles, sob a presidncia de El Uali Mustafa Sayed, proclamaram a unio do povo em torno do programa e das estruturas da Frente POLISARIO com o intuito de alcanar a independncia e defender a integridade territorial do Sahara.

    (1) Assemblia (em lingua rabe). A Yema era um rgo consultivo do Governo Geral. Foi criado por decreto e a metade dos integrantes era designada pelas autoridades coloniais.

    Captulo 5 - Perodo 1974-1975, a complexidade de uma tragedia

    5.1 - A monarquia se apronta para o assalto final

    Em 1973 Marrocos era um pas inseguro para os investidores estrangeiros. As rebelies militares de 1971 y 1972 tinham diminuido a credibilidade do regime e criado dvidas respeito da sua estabilidade. por isso que Hassan II adotou medidas para melhorar a imagem do governo e para evitar que a crise seguisse piorando at se tornar irreversvel.O rei abriu o jogo poltico procurando estabelecer alianas com setores da burguesia nacional, para conter a luta popular e isolar os grupos golpistas do exrcito. Esta abertura fez com que a burguesia apoiara a poltica do Palacio em troca de uma quota de participao no governo. Mas a aliana necessitava um aglutinante ideolgico para convocar s cpulas partidrias e s massas populares.

    Foi Hassan II quem aportou esse fator ideolgico reativando o projeto do "Grande Marrocos" e fazendo da recuperao do Sahara, uma questo vital para a unidade nacional e a integridade territorial. Nesse contexto a monarquia desencadeou uma campanha ultranacionalista e convocou os dirigentes opositores a se unirem com o rei para alcanar a unidade nacional em torno do objetivo supremo da recuperao do Sahara Espanhol. Todos os partidos responderam positivamente ao trono e contribuiram a diluir o movimento reivindicativo da populao num oceano de fraseologia patritica.

    A partir de 1974, a monarquia comeou a pressionar o regime franquista para for-lo a negociar a cesso da colnia. Nesse mesmo ano, o governo espanhol anunciou sua inteno de realizar o referendo de autodeterminao no Sahara. O anncio fez com que os governos marroquino e mauritano tomaram medidas para evitar a independncia da colnia.

  • Ambos governos apelaram Corte Internacional de Justia para solicitar um ditame sobre a existncia ou no de laos jurdicos de Marrocos e Mauritnia com o Sahara Ocidental. A Assemblia Geral da ONU aceitou a solicitao, e a consulta popular foi adiada at que o Tribunal de Hia emitisse seu ditame respeito. Segundo o rei Hassan II, caso o territrio saharaui fosse terra nullius (1) quando se iniciou a colonizao espanhola, Marrocos aceptaria a realizao do referendo. Pelo contrrio, se existissem vnculos jurdicos entre Marrocos e o Sahara, Madr teria que negociar diretamente com Rabat a transferncia da soberania sobre a colnia.

    5.2 - O ditame da Corte Internacional de Justia

    A Assemblia Geral da ONU solicitou uma opinio consultiva Corte da Hia, sobre duas questes:

    I - Era o Sahara Ocidental (Ro de Oro e Saguia El Hamra) ao tempo da colonizao espanhola um territrio sem dono (terra nullius)?

    Se a resposta primeira questo for respondida negativamente, ento:

    II - Quais eram os vnculos jurdicos entre esse territrio com o Reino de Marrocos e a entidade Mauritnia?

    O dia 16 de outubro a Corte Internacional emitiu seu ditame. Em relao com a primeira questo, entendeu que:

    A informao fornecida Corte demonstra que ao tempo da colonizao o Sahara Ocidental era habitado por populaes que, mesmo nmades, eram social e politicamente organizadas em tribos, sob o comando de chefes competentes para represent-las"

    Em relao com a segunda questo a Corte concluiu que:

    Os elementos e informaes levados ao conhecimento da Corte demonstram a existncia ao tempo da colonizao espanhola de laos e allegiances (espcie de vassalagem) entre o Sulto de Marrocos e algumas das tribos que habitavam o territrio do Sahara Ocidental. Monstram igualmente a existncia de direitos, incluindo alguns relacionados terra, que constituam vnculos jurdicos entre a entidade da Mauritnia, como entendeu a Corte, e o territrio do Sahara Ocidental. Por outro lado, a Corte concluiu que os elementos e informaes levados ao seu conhecimento no estabeleceram a existncia de nenhuma relao de soberania territorial entre o territrio do Sahara Ocidental e o Reino de Marrocos ou a entidade da Mauritnia. Deste modo, a Corte no encontrou vnculos jurdicos de natureza a modificar a aplicao da Resoluo 1514 (XV) da Assemblia Geral quanto descolonizao do Sahara Ocidental e, em particular, aplicao do princpio da autodeterminao graas expresso livre e autntica da vontade das populaes do territrio."

    5.3 - Se aperta o arrocho em torno do Sahara

    Durante o segundo trimestre de 1975 ficou evidente o declnio do regime franquista que tinha exercido um autoritarismo ferrenho durante quase quarenta anos. A oposio ditadura aumentava a cada dia, e tenso causada pelas greves e manifestaes anti-ditatoriais, se sumou a incerteza perante a morte iminente do general Franco.

  • Nessas circunstncias, a conduta poltica do governo espanhol respeito do Sahara foi muito ambivalente, quase que esquizofrnica. Entanto a delegao permanente da Espanha na ONU denunciava as ameaas de invaso feitas por Hassan II, e entanto o comando poltico-militar da colnia mantinha conversaes e negociava com a Frente POLISARIO, destacados dirigentes do regime discutiam com o rei marroquino o preo de venda do territrio saharaui.Ao mesmo tempo, os EEUU e a Frana, em nome dos seus interesses geopolticos, decidiram dar seu apio total ao expansionismo marroquino e mauritano.

    Para a concepo geopoltica norte-americana, o mar Mediterrneo um rea estratgica como via de acesso rpido e direto regio do Oriente Mdio e s jazidas de petrleo no Golfo Prsico. Por tanto vital para seus interesses assegurar o livre trnsito pelo estreito de Gibraltar e atravs do canal de Suez, assm como evitar quaisquer conflito que pudesse dificultar a navegaao no Mediterrneo. Portanto a Pennsula Ibrica e Marrocos eram objetivos prioritrios na poltica global dos EEUU, e por isso Washington fez todo o possvel para garantir a transio democrtica na Espanha assm como evitar que a questo do Sahara provocasse um confronto armado com Marrocos. Porm a carta marroquina era a mais valiosa porque significava manter um aliado para contrabalanar a influncia da Arglia e Lbia no Magreb. Isto fez com que o Departamento de Estado desse seu apio a Hassan II exercendo uma discreta presso sobre Madr para a entrega da colnia africana a Marrocos.

    Por sua vez, a Frana necessitava reafirmar sua presena em Marrocos e Mauritnia para impedir que os EEUU tirassem os dois pases da sua esfera de influncia. O expansionismo marroquino e mauritano permitiu que Pars retomasse a iniciativa no Magreb, porque a preparao para a conquista do Sahara aumentou a dependncia tecnolgica, militar e financeira destes pases. Como consequncia, a Frana fez esforos diplomticos para impulsionar o entendimento hispano-marroquino, e comeou a fornecer armamento ofensivo ao exrcito de Marrocos.

    5.4 - A Marcha Verde

    No mesmo dia em que se conheceu o ditame da Corte Internacional de Justia, o rei marroquino anunciou ao pais que o organismo internacional tinha reconhecido o direito de Marrocos de estender sua soberania sobre o Sahara Ocidental. O rei convocou populao a participar voluntariamente da Marcha Verde para tomar conta do Sahara.

    O argumento empregado pela monarquia era muito eficaz porque mexia com dois sentimentos coletivos bsicos da sociedade marroquina: o patriotismo e a f religiosa. Segundo o discurso oficial repetido at o cansao desde 1974, o povo marroquino, inspirado pelo seu mximo lder espiritual, o rei Hassan II, atravessaria o deserto para reconquistar pacificamente as terras ocupadas pelos infieis estrangeiros.

    Na realidade, a Marcha Verde era uma encenao que tinha trs objetivos: o primeiro era se constituir em justificativa da poltica entreguista do governo espanhol. Era bvio que o governo madrilenho preferisse perder o Sahara antes do que entrar numa guerra contra Marrocos.

  • O segundo objetivo era tornar inefetiva, pela via dos fatos, qualquer resoluo da ONU em pr da autodeterminao do povo saharaui. O terceiro objetivo era montar um espetculo que atrasse a ateno da opinio internacional para ocultar a verdadeira invaso militar que iria acontecer a duzentos quilmetros de distncia.

    Os detalhes organizativos de essa mar humana tem sido revelados por publicaes oficiais marroquinas. Em princpio, se determinou a participao de 350.000 pessoas, que foram transportadas a Marrakech empregando dez trens dirios durante doze das. De Marrakech at Agadir, e depois at Tarfaya, se utilizaram 7.813 caminhes.No total, a enorme coluna dispunha de 17.000 toneladas de comida, 23.000 toneladas de gua, 2.950 toneladas de combustvel, 230 ambulncias e 470 mdicos e enfermeiros.

    5.5 - Breve cronologia dos fatos nos trinta dias decisivos

    Sbado 18 outubro - O Chefe do Alto Estado Maior do exrcito espanhol comunicava que o presidente do Governo, Carlos Arias Navarro, tinha decidido iniciar a evacuao do Sahara no da 10 de novembro. Isto supunha deixar o territrio e seus povoadores merc de Marrocos.

    Tera 28 outubro - O Governo Geral da colnia decretou toque de recolher e cercou com arame farpado os bairros de El Aain habitados pela populao saharaui. Simultneamente os soldados e suboficiais nativos do exrcito colonial, foram desarmados e dispensados do servio. No decorrer da jornada se confirmou que as foras armadas espanholas tinham abandonado suas posies num extenso setor da fronteira com Marrocos. Neste dia, a populao saharaui iniciou uma fuga massiva desde os centros urbanos para os acampamentos da Frente POLISARIO, no interior do deserto.

    Quinta 30 outubro - As tropas espanholas continuaram abandonando posies. Entretanto, nove batalhes marroquinos, com tanques e artilharia, entravam pelo nordeste do Sahara Ocidental contando com o conhecimento e o consentimento do governo madrilenho.

    Domingo 2 novembro - O prncipe Juan Carlos de Borbn, - Chefe de Estado em funes - viajou a El Aain e l fez um discurso para a oficialidade reunida no casino militar:

    Tenho vindo a saudar vocs e viver umas horas com vocs; conheo vosso espritu, vossa disciplina e vossa eficcia. Sinto no poder estar mais tempo aqu, com estas magnficas unidades, mas queria vos-dar pessoalmente a segurana de que se far quanto seja necessrio para que nosso Exrcito conserve intato seu prestigio e seu honor.Espanha cumprir seus compromissos e tratar de manter a paz, dom precioso que temos que conservar (...) Desejamos proteger tambm os legtimos direitos da populao civil saharaui, j que nossa misso no mundo e nossa histria exigem isso de ns".

    Segunda 3 novembro - Na cidade de Tarfaya os voluntarios da Marcha Verde j ultrapassavam os trezentos mil. Quase todos eles eram desempregados das grandes cidades marroquinas. Neste da, autoridades espanholas e marroquinas se reuniram em Madr para acordar que a Marcha Verde entraria durante quarenta e oito horas e s at as barreiras de arame farpado e os campos minados da linha defensiva espanhola.

  • Sexta 7 novembro - O Conselho de Ministros da Espanha tomou a resoluo de negociar a entrega da colnia a Marrocos com a nica condio de que o rei Hassan II ordenasse a retirada da Marcha Verde.

    Sexta 14 novembro - Neste dia foi assinado o Acordo Tripartito de Madr, pelos representantes dos governos da Espanha, Marrocos e Mauritnia. O acordo de Madr foi a culminao das negociaes secretas entre delegaes oficiais de uns e outros governos. Seu contedo s se conheceu atravs de uma declarao feita pblica no dia 5 de dezembro, cujo texto dizia:

    Em Madr a 14 de novembro de 1975 e reunidas as delegaes que legitimamente representam os Governos da Espanha, Marrocos e Mauritnia, se manifiestam de acordo nos seguintes princpios:

    1) - Espanha ratifica sua resoluo, reiteradamente manifestada perante a ONU, de descolonizar o territrio do Sahara Ocidental pondo fim responsabilidades e poderes que tem sobre dito territrio como potncia administradora.2) - De conformidade com a anterior determinao e de acordo com as negociaes impulsionadas pelas Naes Unidas com as partes afetadas, Espanha proceder de imediato a instituir uma administrao temporal no territrio na que participaro Marrocos e Mauritnia em colaborao com a Yema (...) A terminao da presena espanhola no territrio se far definitivamente, antes do 28 de fevereiro de 1976.3) - Ser respeitada a opinio da populao saharaui expressada atravs da Yema.5) - Os trs pases declaram ter chegado anteriores concluses com o maior esprito de compreenso, fraternidade e respeito dos princpios da Carta das Naes Unidas e como a melhor contribuio manuteno da paz e da segurana internacionais.

    Esta declarao muito frgil crtica desde o ponto de vista jurdico. Em primeiro lugar porque o Direito Internacional positivo contemporneo consagra o direito dos povos a dispor de si mesmos e lhe atribui o rango de norma IUS COGENS quer dizer, norma imperativa superior. Portanto, em concordncia com o artgo 53 da Conveno de Viena sobre o Direito de Tratados, segundo o qual se invalida formalmente todo acordo concludo em violao de uma norma IUS COGENS, pode-se considerar que o Acordo de Madr no tem valor legal, e juridicamente nulo.

    Em segundo lugar e reafirmando o anterior, a Espanha transferiu as responsabilidades e poderes que tinha como potncia administradora para uma administrao temporal tripartita. Esta transferncia entrava em contradio com o artigo 73 da Carta da ONU segundo o qual, uma potncia administradora no pode dispor livremente da sua colnia nem transferir sua administrao para um outro pas. Alm disso, a Espaa no podia traspassar uma soberania que no possuia, porque dita soberania era patrimnio exclusivo do povo que habitava o territrio administrado.

    5.6 - Plano estratgico da invaso

    O governo marroquino elaborou seu plano de invaso levando em conta alguns fatores muito favorveis para o desenvolvimento das operaes militares:

    1) - O apio poltico, econmico e militar da Frana, dos EE.UU. e de vrios pases da Liga Arabe. 2) - A cumplicidade do Estado espanhol e a retirada sem combate do seu exrcito no Sahara3) - A superioridade tcnica e numrica do exrcito marroquino sobre o exrcito saharaui.

  • 4) - A participao do exrcito mauritano como uma fora a mais contra o ELPS.5) - A garantia de que Arglia nao interviria diretamente no conflito.6) - A possibilidade de obter a colaborao de alguns setores polticos saharauis.

    Mas o governo de Marrocos no soube avaliar corretamente os seguintes fatores:

    1) - A resistncia do povo e do exrcito saharaui e a capacidade de combate deste ltimo.2) - A autodissoluo da Yemaa, cuja representatividade poderia ter sido manipulada de forma poltica para fazer propaganda em favor da anexao do territrio.3) - A dureza do mdio sahariano como fator de desgaste humano e tcnico.4) - A condena da invaso pelos pases da Africa subsahariana.5) - A solidariedade internacional com a causa independentista saharaui.

    Pode se afirmar que o plano estratgico da invaso do Sahara Ocidental, fracassou, porque os exrcitos agressores nao puderam esmagar a resistncia saharaui com uma guerra relmpago. O outro fator principal do fracasso foi a autodissoluo da Yema impedindo assm que fosse usada como marco institucional para legitimar a anexao do territrio saharaui.En efeito, o 28 de novembro de 1975, se reuniram sessenta e sete membros da Yema (dos cento e dois que a compunham) e sessenta shiuj (2), para proceder auto-dissoluo da Assemblia Geral. Os participantes da reunio redigiram um documento condenando a traio do governo espanhol e proclamando sua adeso Frente POLISARIO.

    5.7 - Um povo rumo ao exlio

    Com a entrada do exrcito marroquino atravs da fronteira norte do Sahara Espanhol, comeou a fuga da populao civil para as zonas sob controle da F.POLISARIO. Na medida que a invaso avanava e se conhecia das detenes massivas, torturas e assassinatos perpetrados contra a populao indefesa, a fuga se generalizou e se transformou num autntico xodo. Em grupos ou isoladamente, os fugitivos se internaram no deserto com a esperana de encontrar a proteo dos destacamentos guerrilheiros.A travessia do deserto foi uma odissia que costou a vida de centenas de pessoas, principalmente crianas e velhos. O clima, a fome, a sede, as doenas e o esgotamento, causaram estragos na multido fugitiva.

    No final de dezembro de 1975, cerca de vinte mil pessoas estavam nos acampamentos sem ateno mdica nem medicamentos, com graves carncias de gua e alimentos, e quase sem abrigo para se protegerem do clima extremamente rigoroso. Em fevereiro e maro de 1976, os refugiados j superavam a cifra de cinquenta mil e para piorar, foram atacados pela aviao marroquina. S no acampamento de Um Draiga houve duas mil vtimas aps trs dias de bombardios com napalm e fsforo branco.

    As incurses areas continuaram at finais de maro, quando Arglia abriu sua fronteira castigada populao saharaui. Rapidamente o ELPS e a Meia Lua Vermelha argelina trasladaram essa multido dizimada e traumatizada para a regio de Tinduf, no interior do territrio argelino, onde se instalaram acampamentos para os refugiados.

    (1) Terra de ningum.(2) Shiuj, plural de Sheij - Caudilho, chefe tribal (em lngua rabe)

  • Captulo 6 - A Repblica Saharaui e sua batalha pela independncia

    6.1 - Nasce um novo Estado rabe e africano

    A Repblica rabe Saharaui Democrtica nasceu na noite do 27 de fevereiro de 1976 em Bir Lehlu, na regio de Saguia El Hamra, bem perto da fronteira com Mauritnia. Poucas horas antes, na capital, El Aain, o ltimo representante da administrao colonial tinha anunciado oficialmente o final da presena espanhola no territrio e, portanto, era necessrio evitar que o vcuo jurdico deixado pela metrpole, fosse utilizado no plano internacional pelo expansionismo marroquino e mauritano. Naquela noite, perante um grande nmero de combatentes e dezenas de jornalistas, o secretrio geral da Frente POLISARIO, El Uali Mustafa, proclamou o novo Estado com as seguintes palavras:

    Em nome e com a ajuda de Deus e materializando a vontade do nosso povo rabe saharaui, por fidelidade ao sangue dos nossos gloriosos mrtires e como coroao de imensos sacrifcios, se ia hoje a bandeira da Repblica rabe Saharaui Democrtica sobre a terra de Saguia El Hamra e Rio de Oro (ver documento 1)

    6.2 - Primeiras ofensivas militares da Frente POLISARIO

    Depois da proclamao da RASD, a jovem diplomacia saharaui se lanou batalha pelo reconhecimento do seu Estado. Antes do final de maro nove pases ja tinham estabelecido relaes diplomticas com o novo pas africano. (ver documento 2)

    De forma paralela, o Exrcito Popular Saharaui lanou a denominada Ofensiva de Vero que se prolongou at finais de agosto. Nesse tempo extendeu suas operaes at o interior dos pases agressores atacando as posies fortificadas, a logstica e as comunicaes na profundidade da retaguarda inimiga. Os bombardios contra a capital da Mauritnia, distante mais de 350 km. da fronteira com o Sahara, demonstraram a capacidade militar dos saharauis.O III Congresso da F.POLISARIO, celebrado no ms de agosto, definiu Mauritnia como o elo mais fraco da aliana expansionista e orientou concentrar as aes de combate contra as posies inimigas com maior valor estratgico tanto militar quanto econmico. A partir desse momento, tanto o trem que transporta minrio de ferro quanto o prprio complexo mineiro de Zuerat -corao da economia mauritana- se converteram em alvos permanentes dos destacamentos saharauis.

    6.3 - Mauritnia rumo derrota 1977-1978

    A guerra causou danos irreparveis na economia mauritana. A exportao de minrio de ferro ficou praticamente paralizada pelas aes militares saharauis. A capacidade de transportar minrio at o porto de Nuadhibu reduziu-se em 70% e provocou uma queda vertical da entrada de divisas para o Estado. Ao mesmo tempo os gastos militares cresceram at absorver o 60% do oramento nacional. Isso trouxe como consequncia o incremento da carga impositiva sobre a populao e o encarecimento dos gneros de primeira necessidade. Paralelamente com a crise econmica e militar, foi-se processando uma profunda crise de governo que o debilitou e acabou provocando a interveno das foras armadas atravs de um Comit Militar de Salvao Nacional.

  • O Comit derrubou o presidente Mohtar Uld Daddah no dia 10 de julho de 1978, e assumiu o governo da Mauritnia. Esse mesmo dia as novas autoridades manifestaram seu desejo de estabelecer a paz com a Frente POLISARIO e sair do territrio ocupado. Pouco depois comearam as primeiras conversaes entre os governos saharaui e mauritano, e trs muitas dificultades e empecilhos, o dia 5 de agosto de 1979, um representante do Comit Militar de Salvao Nacional assinou em Argel o Acordo de Paz com a Frente POLISARIO.

    6.4 - A estrategia marroquina dos muros defensivos

    Em janeiro de 1979, o Exrcito Popular desfechou a ofensiva Hauari Bumedian concentrando suas aes na regio de Saguia El Hamra e, sobre tudo, no territrio fronteirio marroquino. Dois anos depois, o ELPS controlava as trs quartas partes do Sahara Ocidental e mantinha sob ameaa todo o sistema militar do sul de Marrocos. Para evitar uma catstrofe total, o Estado Maior das FAR resolveu passar defesa esttica de suas posies mediante muros fortificados.

    A nova estrategia marroquina se baseava na criao de uma rea inexpugnvel, que pudesse ser estendida gradativamente at abranger a totalidade do territrio saharaui. Os dois objetivos imediatos dessa estrategia foram: 1 - Proteger a zona econmica mais importante do Sahara, isto , o denominado tringulo til cujos vrtices eram a capital, El Aain, a cidade sagrada de Smara e as jazidas de Bu-Craa. 2 - Proteger o sul de Marrocos mediante uma barreira infranquevel para o exrcito saharaui.

    A partir de 1980 e at 1987, foram construidos sucessivamente seis muros totalizando 2.500 km. O muro est construido de pedra e aria, e tem uma altura mdia de trs metros. Na sua frente se estendem linhas de arame farpado e faixas de terreno minado. O complexo defensivo possui uma guarnio de 150.000 soldados, protegidos por um sistema de radares que detectam o movimento de uma pessoa distante vrios quilmetros. Dez quilmetros detrs do muro tem dispositivos de artilharia pesada, unidades de tanques e veculos blindados. Todo o sistema est reforado com helicpteros artilhados e avies caa- bombardeiros.A estrategia dos muros foi possvel graas ao assessoramento tcnico e o apio econmico dos Estados Unidos. A colaborao militar entre EEUU e Marrocos se intensificou depois de que Hassan II agisse como mediador para a aproximao entre Israel e alguns pases rabes, aproximao que culminou com a assinatura dos acordos de Camp Davis em 1978.

    6.5 - Batalha poltica na OUA

    Em julho de 1980, a XVII Reunio Cimeira da Organizao da Unidade Africana, incluiu na sua agenda o anlise da situao no Sahara Ocidental e a petio de ingresso da RASD como membro de pleno direito.

    Porm, Marrocos se ops ao processo de admisso, e durante quatro anos semeou intrigas e criou confuso entre os movimentos polticos e governos africanos, e at fez chantagem ameaando com dividir a organizao continental para impedir o ingresso do Estado saharaui na OUA. Ficou muito evidente que a campanha marroquina contra a participao da Repblica Saharaui nas atividades da OUA, no ia se deter embora provocasse a quebra definitiva da organizao.

  • Finalmente, alguns chefes de Estado africanos resolveram votar pela incorporao plena da Repblica Saharaui na OUA durante a XX Cimeira realizada em Addis Abeba do 12 ao 15 de novembro de 1984. O governo marroquino, muito contrariado, se retirou da Cimeira e se auto-excluiu da mesma OUA, ficando totalmente isolado no continente africano.

    6.6 - Assalto aos muros e ofensiva Grande Magreb

    De 1982 a 1984, a Frente POLISARIO estudou a estrategia marroquina para detectar seus pontos fracos e desenhar uma ttica para furar o sistema defensivo dos muros. Pouco depois da XIX Cimeira da OUA o exrcito saharaui se lanou ao assalto dos muros e at outubro de 1984, continuou a atacar as posies do inimigo, conseguindo furar o complexo fortificado em inmeras oportunidades.

    A poltica dos muros fez com que o exrcito do rei fosse refm da sua prpria estrategia. Os marroquinos se condenaram a uma defesa esttica o que lhes impidiu desenvolver qualquer contra-ataque e transformou suas unidades em alvos fixos. Pelo contrrio, os comandos do ELPS podam escolher a hora e o lugar para executar seus ataques. A experincia de combate acumulada pelo exrcito independentista durante esse perodo, lhe possibilitou articular e lanar no dia 13 de outubro de 1984 a ofensiva "Grande Magreb". Essa ofensiva se estendeu at finis de 1989 e teve como objetivo erosionar a moral e a capacidade de combate das foras armadas monrquicas mediante uma guerra onde se combinavam as pequenas e contnuas aes guerrilheiras, com as operaes militares de grande envergadura.

    A estrategia de desgaste desenvolvida durante a ofensiva Grande Magreb conseguiu atingir seu objetivo principal ou seja, obrigar monarquia a dialogar com a Frente POLISARIO e comear um processo de negociaes de paz sob o auspcio das Naoes Unidas.

    6.7 - Marrocos 1979-1985

    A mar ultranacionalista que inundou Marrocos quando a Marcha Verde e o incio da invaso do Sahara, foi disminuindo lentamente perante os severos problemas sociais e econmicos existentes. Esses problemas foram se agravando pela guerra e descarregaram todo seu peso sobre a populao trabalhadora.

    O conflito no Sahara criou um grande desequilibrio no oramento nacional em favor dos gastos militares. O esforo blico fez com que a monarquia tivesse que aumentar os impostos. A medida desatou um movimento grevstico que rapidamente pulou das reivindicaes sindicais a outras de carter poltico. A situao ficou mais tensa a partir de 1980 quando a seca causou danos irreparveis na agricultura e comeou a escassez de alimentos. O governo teve de import-los custa de elevar a dvida externa at nveis intolerveis para o pas. Perante a gravidade da situao, o Fundo Monetrio Internacional ajudou monarquia com emprstimos de emergncia, mas, em troca, exigiu uma violenta reduo dos subsdios estatais dos alimentos, da moradia e dos combustveis. A aplicao das orientaes do FMI geraram uma grande carestia, o que provocou uma nova onda de greves e protestos sociais.

  • No ms de junho de 1981, o protesto popular se transformou numa insurreio cujo epicentro foi a cidade de Casablanca. L o exrcito tomou conta das ruas com seus blindados e metralhou as multides. Segundo o governo, o saldo de vtimas mortais foi de 60, mas segundo a oposio, os assassinados foram 637. Os feridos e presos sumaram vrios milhares. O massacre de Casablanca provocou a quebra definitiva da unanimidade nacional criada pelo Palcio para realizar a invaso do Sahara Ocidental

    O ano 1984 comeou com uma nova exploso popular. Desta vez a insurreio se estendeu a Marrakech, Agadir, Fez, Nador e Casablanca. Durante uma semana de janeiro a populao saiu s ruas para protestar contra a poltica econmica governamental e a continuidade da guerra no Sahara. Uns quinhentos manifestantes foram mortos durante a represso e outros dois mil foram presos.

    Nos finis da dcada do 80, a guerra, a opresso e a misria continuavam a ser uma dura realidade para a sociedade marroquina. Em 1988, o pas tinha uma dvida de 20 bilhoes de dlares e gastava cerca de cinco milhes dirios para manter no Sahara um contingente de 160.000 homens.

    Captulo 7 - O esforo final

    7.1 - Negociaes de paz ONU - OUA

    De acordo com as resolues AHG/104 da OUA e 41/16 da ONU , os mximos dirigentes de ambas organizaes, tinham que conseguir que as duas partes em conflito negociaram as condies de um cessar-fogo, assm como as modalidades para a realizao do referendo de autodeterminao no Sahara Ocidental.

    Em maro de 1988 o plano de paz ONU-OUA recebeu o pleno apio norte-americano quando o secretrio de Estado adjunto, Richard Murphy, declarou que os Estados Unidos no reconheciam a soberania marroquina sobre o Sahara Ocidental, e que o problema no podia ser resolvido militarmente seno mediante negociaes. Porm o caminho para a paz tinha dois obstculos: a rejeio marroquina a dialogar diretamente com a Frente POLISARIO, e a insistncia de Hassan II em realizar o referendo sem tirar do Sahara os 165.000 soldados e os 200.000 colonos marroquinos.

    Finalmente, graas s gestes da ONU e da OUA foi possvel elaborar o texto de um plano de paz para ser submetido considerao do governo marroquino e da Frente POLISARIO. No dia 30 de agosto, os representantes das duas partes comunicaram ao secretrio geral, Javier Prez de Cullar, que estavam de acordo com o plano de paz ONU-OUA. Um ms depois o Conselho de Segurana deu luz verde para esse plano e autorizou o Secretrio Geral a nomear um representante pessoal, cuja misso fosse promover iniciativas para a aplicao do plano de paz no Sahara Ocidental.

    Em outubro de 1988, Javier Prez de Cullar anunciou a designao do jurista uruguaio, Dr.Hctor Gros Espiell, como seu representante pessoal para o Sahara Ocidental.

  • 7.2 - A Misso Gros Espiell e o encontro de Marrakech

    De forma surpresiva, dias antes do natal, Hassan II manifestou sua vontade de ter um encontro pessoal com os dirigentes da F.POLISARIO. Pouco depois, a organizao saharaui anunciou o envio de uma delegao de alto nvel para se entrevistar com o rei de Marrocos. No dia 3 de janeiro de 1989 chegou a Marrakech a delegao da Frente POLISARIO que durante os dias 3, 4 e 5 de janeiro se encontrou duas vezes com o monarca e mais duas vezes com altos funcionrios muito prximos do rei. O encontro de Marrakech concluiu com o compromisso de Hassan II de continuar o dilogo numa outra data, supostamente prxima.

    Entretanto e graas s gestes do Dr. Gros Spiell, o Reino de Marrocos e a F. POLISARIO reafirmaram seu acordo de realizar o referendo, e aceitaram acatar obrigatoriamente seus resultados. Ao mesmo tempo uma comisso de tcnicos espanhois elaborava a lista de votantes a partir do censo feito pela Espanha em 1974. Tambm o Comit Internacional da Cruz Vermelha iniciava as pesquisas para a deteo dos prisioneiros de guerra de um e outro bando, assm como dos prisioneiros civis saharauis (1) desaparecidos nos crceres da monarquia.

    No dia 28 de janeiro, a organizao independentista declarou unilateralmente uma trgua de trinta dias para facilitar o processo de negociaes e seguir avanando em questes tais como, as tropas que seriam retiradas do Sahara durante a preparao do referendo, os acantonamentos das tropas restantes, e outros aspectos de carter militar.

    Nesse contexto, no dia 9 de maio, o governo saharaui resolveu libertar duzentos prisioneiros marroquinos (2). Porm o rei Hassan se negou a receber os militares libertados apesar dos esforos da Cruz Vermelha para conseguir sua repatriao.

    7.3 - A guerra em funo da paz. Ofensiva de 1989

    No dia 28 de fevereiro acabou a tregua decretada pela Frente POLISARIO um ms antes. No obstante, a organizao saharaui ficou atenta a qualquer indcio de vontade negociadora do rei marroquino. Porm, depois de esperar nove meses aps o encontro de Marrakech, Hassan II no deu nenhum sinal de estar disposto a continuar dialogando. Pelo contrrio, se empenhou em proclamar que a marroquinidade do Sahara no era negocivel.

    Perante essas circunstncias a Frente POLISARIO ordenou recomear as operaes militares em grande escala para forar a retomada do processo de paz e obrigar o governo marroquino a seguir com as conversaes iniciadas em janeiro. A ofensiva comeou com um ataque contra o setor de Guelta Zenmur que causou 200 baixas ao exrcito marroquino. Quatro dias depois, o ELPS atacou o setor de Hausa e ocupou dezessete quilmetros do muro fortificado. Nessa ao morreram ou foram feridos 340 marroquinos, e outros 36 cairam prisioneiros. No dia 7 de novembro os ocupantes receberam mais um duro golpe perto de Amgala. Nove dias depois foi assaltado um outro setor do muro entre Amgala e Guelta. Nesses dois combates, as foras monrquicas sofreram 350 baixas.

  • 7.4 - A paz apesar de todo

    As gestes da ONU e da OUA, alm dos srios reveses militares sofridos no final de 1989, fizeram com que el governo marroquino finalmente aceitara o Plano de Paz elaborado por ambas as organizaes. Este Plano continha os pontos seguintes:

    A- Declarao do cessar-fogo no dia D com data a ser fixada.B- Estabelecimento de um perodo transitrio de 24 semanas a partir do da D at a realizao do Referendo.C- Atualizao e verificao do censo espanhol de 1974 por uma Comisso de Identificao.D- Reduo das foras marroquinas no Sahara nos trs meses seguintes ao cessar fogo, e acantonamento de todos os combatentes em lugares determinados.E- Desenvolvimento da campanha poltica pelo Referendo, garantindo a liberdade de movimento, de expresso, de reunio, de manifestao e de imprensa.F- Retorno pacfico ao territrio de todas as pessoas que quisserem faz-lo e que cumprissem com as condies para votar no referendo.G- Intercmbio de prisioneiros atravs da Cruz Vermelha. Anistia e libertao de todos os prisioneiros polticos saharauis. Derogao de leis e disposies opostas realizao do referendo onde os votantes escolhero entre independncia ou integrao a Marrocos

    O Conselho de Segurana da ONU aprovou em abril de 1991 a criao da Misso de Naes Unidas para o Referendo do Sahara Ocidental - MINURSO (3)

    Em contraposio s gestes da ONU, a monarquia marroquina desplegou atravs dos partidos polticos domesticados, uma barulhenta campanha nacionalista contra o Plano de Paz. Essa campanha alcanou seu ponto lgido no ms de agosto quando Hassan II manifestou num discurso que s aceitaria um referendo que fosse confirmativo da marroquinidade do Sahara Ocidental. Paralelamente, os partidos da oposio declaravam que a recuperao das provincias saharianas era definitiva, e que o referendo nao podia ser aceito porque atentava contra a "integridade" de Marrocos. Para completar a encenao "patritica", o 22 de agosto as foras armadas reais atacaram regies controladas pela Frente POLISARIO; seus blindados alcanaram Bir Lehlu e a aviao bombardeou Tifariti. Ambas as localidades ficaram destruidas.

    Mas, apesar dos empecilhos criados pela monarquia, o da 6 de setembro s seis horas da manh entrou em vigor o cessar-fogo em todo o territrio do Sahara Ocidental. O primeiro contingente da MINURSO tinha chegado ao aeroporto de El Aain na ltima hora da vspera num avio norte-americano. Mais tarde chegaria uma aeronave sovitica com outro contigente de capacetes azuis.

    (1) Os civs saharauis dessaparecidos so aproximadamente 600.(2) A Frente POLISARIO tinha mais de 2.500 soldados e oficiais marroquinos prisioneiros.(3) A MINURSO estaria integrada pelo Representante Especial e seu pessoal: a unidade civil, a unidade de segurana e a unidade militar. A unidade civil teria trs componentes: a Comisso de Identificao e Referendo, a Comisso de Repatriao e a Comisso Administrativa. No total, a MINURSO iria ter quase trs mil pessoas.

  • Captulo 8 - A monarquia barra o referendo no Sahara

    Apenas alguns dias depois de ter entrado em vigor o cessar-fogo, o governo de Marrocos interrompeu a instalao da MINURSO e ps como condio para continu-la, a aceitao de uma lista com 120.000 nomes de saharauis domiciliados no Marrocos que teriam o direito de votar. Ao mesmo tempo comeou a trasladar para o territrio ocupado grandes contingentes de esses potenciais votantes e os instalou em acampamentos precrios nos arredores de El Aain e outras cidades.

    O governo marroquino pretendia impor seus critrios de identificao para possibilitar a incluso no padro eleitoral desses colonos, supostamente saharauis. Com esse propsito aplicou sistematicamente uma poltica de distoro e obstruo para frustrar a aplicao do Plano de Arranjo e involucrar s Naoes Unidas na manobra fraudulenta.

    Para grande surpresa, no 19 de dezembro de 1991 trs dias antes de deixar seu cargo-, Javier Prez de Cullar informou ao Conselho de Segurana que ele aceitava a solicitao marroquina de ampliar os critrios electorais, e recomendava levar em conta a lista complementar de possiveis votantes, fornecida pelo reino de Marrocos.Pouco depois, durante a ltima sesso do Conselho de Segurana, varios pases terceiromundistas encabeados por Cuba e o Imen, alegaram que as recomendaes do Secretrio Geral eram muito vantajosas para Marrocos porque permitiam participar no referendo a dezenas de milhares de marroquinos, partidrios da anexao do Sahara Ocidental. Porm, o Conselho de Segurana votou o relatrio de Prez de Cullar e deste modo, o referendo de autodeterminao, previsto para janeiro de 1992, foi adiado e o processo de paz ficou paralisado at 1997.

    8.1- Breve cronologia de uma sabotagem consentida

    1992- Ao longo deste ano o governo marroquino continuou levando para o Sahara Ocidental mais contingentes de supostos saharauis. Entretanto, a gesto do novo Secretrio Geral da ONU, Boutros Ghali, se limitava a questes administrativas e a impulsionar, atravs do seu representante pessoal, Yahub Jan, reunies em Genebra de antigos chefes tribais saharauis para unificar critrios sobre como definir e identificar os integrantes do padro eleitoral.1993- No dia 2 de fevereiro o grupo financeiro marroquino Omnium Nord- Africain (ONA), presidido pelo genro de Hassan II, anunciou em Casablanca a nomeao de Javier Prez de Cullar como vice-presidente de uma das suas filiais. A notcia -confirmada pelas agncias de imprensa da Frana (AFP) e Marrocos (MAP)- despertou a suspeita de que essa nomeao era a recompensa por ter propiciado mudanas no Plano de Arranjo da ONU em favor do Marrocos. Durante todo o ano continuou a polmica sobre os procedimentos para identificar os votantes do referendo.

    1994- Em fevereiro a ONU informava que o trabalho para identificar os votantes j tinha comeado nos territrios sob ocupao marroquina mas no assim nos acampamentos de refugiados, porque a Frente POLISARIO rejeitava os critrios que estavam se aplicando. Por outro lado, a monarquia seguia manifestando seu acordo com a celebrao do referendo sempre que ele fosse para confirmar a "marroquinidade" do Sahara.Em novembro, o Conselho de Segurana mostrou su inquietao pela lentido dos procedimentos e Boutros Ghali teve que visitar a regio para "ativar o processo de identificao dos eleitores".

  • 1995- Em janeiro, o vice-presidente da Comisso de Identificao, o norte-americano Frank Ruddy, declarou perante o Congresso dos Estados Unidos que a MINURSO "tinha se convertido num instrumento marroquino para manipular o processo identificatrio". No final de junho, a Frente POLISARIO suspendeu sua participao no processo porque Marrocos seguia deslocando grandes quantidades de colonos para o Sahara Ocidental para forar ONU a identific-los e assim enlentecer os procedimentos.

    1996- Boutros Ghali recomendou interromper a organizao do referendo e props buscar uma nova soluo poltica para o conflito do Sahara Ocidental. Ghali deixou seu cargo no final do ano sem que o Plano de Arranjo tivesse progresado.

    8.2- A extensa e fracassada Misso Baker

    Em abril de 1997, o novo Secretrio Geral da ONU, Kofi Annan, designou como enviado pessoal para o Sahara Ocidental ao ex-Secretrio de Estado norte-americano, James Baker. Baker consiguiu levar Marrocos e a Frente POLISARIO mesa de negociaes para superar as dificuldades que tinham provocado o estancamento do Plano de Arranjo. Como resultado desses encontros ambas as partes assinaram em setembro os Acordos de Houston e se reativaram as tarefas de identificao para o referendo.

    Finalmente, em janeiro do ano 2000, a MINURSO pde publicar a lista completa de votantes (1) e deu um prazo para exercer o recurso de apelao a todos aqueles que apresentando "provas suplementrias" pudessem eventualmente ingressar no padro eleitoral. Esta circunstncia foi aproveitada pela monarquia para apresentar 130.0000 recursos no ms de fevereiro e com isso conseguiu colapsar a organizao do referendo e paralisar mais uma vez o Plano de Arranjo.

    respeito do referendo -apesar do falecimento de Hassan II em julho de 1999- a poltica marroquina nao tinha experimentado nenhuma mudana. Seu herdeiro, o rei Mohamed VI, -apoiado e assessorado pela Frana- continuava a ignorar as resolues da ONU e sabotava qualquer iniciativa para a soluo do conflito em concordncia com o Direito Internacional.Perante a situao gerada pela avalanche de recursos de apelao, Baker teve que promover uma nova ronda de negociaes para destravar o processo de paz. Foi assim que Marrocos e a Frente POLISARIO se reuniram duas vezes em Londres e depois em Berlim. Neste ltimo encontro - realizado em setembro de 2000- a delegao marroquina declarou que o Plano de Arranjo era inaplicvel e que s levariam em conta uma soluo que reconhecesse a soberania marroquina sobre o Sahara Ocidental. Em Berlim ficou evidente que tinha se produzido uma mudana na conduta da ONU, porque Baker no pressionou Marrocos para que cumprisse o acordado no Plano de Arranjo, seno que admitiu uma nova proposta da Frana e Marrocos referida a uma "terceira via".

    Essa terceira via se materializou no denominado "Projeto de Acordo Marco" segundo o qual, durante cinco anos o Sahara Ocidental permaneceria sob a soberania marroquina. No final desse perodo se decidiria o futuro poltico do Territrio mediante um referendo no que teriam direito ao voto todas as pessoas que tivessem residido no territrio durante o ano anterior ao referendo. A Frente POLISARIO rejeitou esse Projeto e o Conselho de Segurana tambm o fez reafirmando a validez do Plano de Arranjo.

  • Um ano depois, em janeiro de 2003, James Baker apresentou o "Plano de Paz para a Livre Determinao do Povo do Sahara Ocidental, ou Plano Baker II" muito parecido com o anterior Projeto de Acordo Marco. Nele se estabelecia que, transcorrido o perodo de cinco anos, a ONU realizaria o referendo no que poderiam votar os saharauis e tambm os colonos marroquinos instalados no territrio desde dezembro de 1999. Apesar de que o Plano Baker II era desvantajoso, a Frente POLISARIO comunicou sua aceitao no ms de julho, e pelo contrrio, Mohamed VI o rejeitou um ano mais tarde porque constituia uma "ameaa integridade territorial marroquina". Ficou em evidncia que a monarquia j no confiava na fidelidade dos seus prprios sbditos.

    Finalmente, depois de sete anos de esforos infrutuosos, James Baker apresentou sua renncia no ms de junho de 2004. Segundo a Frente POLISARIO, a deciso de Baker foi causada pela "posio intransigente do Marrocos" e "a falta de firmeza e a debilidade do Conselho de Segurana para impor suas resolues". Para o ministro das Relaes Exteriores de Marrocos, a renncia de Baker foi "o resultado da tenacidade da diplomacia marroquina".

    8.3 - A revolta popular entra no cenrio poltico

    A meados de maio de 2005 a populao saharaui das cidades ocupadas iniciou um movimento de protesto que rpidamente se espalhou por todo o territrio at atingir as cidades do sul do Marrocos, onde reside um grande nmero de pessoas de origem saharaui.

    A revolta, barulhenta mas pacfica, protagonizada por multides de jovens ps em evidncia que a poltica de assimilao desenvolvida pelo reino, tem sido um fracasso total. Milhares de jovens, nascidos e criados sob o domnio marroquino, educados nas escolas e institutos marroquinos, desafiam a represso policial e saem s ruas agitando bandeiras da RASD.Embora centenas deles tenham sido presos e torturados, a intensidade do protesto no diminui. Alguns tem sido assassinados na rua ou nos centros de tortura, outros passaram a engrosar la longa lista de dessaparecidos, e muitos ficaram com danos fsicos e psquicos permanentes, mas o esprito da rebelio despertou na juventude saharaui e o aparelho repressivo no capaz de sufoc-lo. A denominada "Intifada saharaui" chegou para ficar. Desde seu incio j experimentou momentos de grande mpeto mais tambm de recuo. Desde seu incio, o protesto nacionalista tem se expressado de diversas maneiras mas, acima de tudo, tem se convertido num fenmeno que nao pode ser ocultado opinio pblica intenacional, apesar da censura informativa estabelecida pela monarquia.

    Essa opinio pblica levantou sua voz contra a tentativa de submeter a tribunal militar sete ativistas saharauis de direitos humanos, presos no aeroporto de Casablanca quando retornavam de visitar os acampamentos de refugiados de Tinduf, em outubro de 2009. Essa mesma opinio pblica se solidarizou com a militante independentista Aminetu Haidar durante sua prolongada greve de fome num aeroporto de Tenerife (ilhas Canrias), para exigir a devoluo do seu passaporte e a permisso para entrar no seu pas, da onde tinha sido expulsa pela polcia marroquina.

  • Mas o episdio mais dramtico comeou nos primeiros das de outubro de 2010 quando um grupo de vizinhos de El Aain decidiu armar um pequeno acampamento num lugar no deserto distante quince quilmetros da capital, para manifestar seu protesto pela discriminao social, o desemprego e a represso contnua que sofre a populao saharaui das zonas ocupadas. Em pouco mais de uma semana o acampamento, denominado Gdeim Izik ou Acampamento da Dignidade j tinha mais de vinte mil povoadores, e dias depois superava os vinte e cinco mil. A resposta das autoridades consistiu em cercar o acampamento com batalhes militares e da gendarmeria. Na madrugada do 8 de novembro as foras repressivas iniciaram o assalto, arrasaram o acampamento e dispersaram violentamente a multido com disparos, pauladas, gas lacrimognio e jatos d'gua quente . Vrios mortos e centenas de feridos e presos foi o saldo da ao punitiva. (2)

    At hoje, setembro de 2011, continua a represso de cualquer manifestao em contra da presena marroquina. H dezenas de presos polticos distribuidos em vrias prises marroquinas, se tortura a todos aqueles que so detidos pela policia sem distino de idade nem de sexo. Quase seiscentos civis tem desaparecido desde o inicio do conflito e o governo monrquico nega qualquer informao sobre o destino deles. A novidade a crescente utilizao dos prprios colonos marroquinos como tropa de choque para espancar, arrombar moradias e cometer agresses de todo tipo contra a populao saharaui. Esta modalidade repressiva faz com que o regime de ocupao marroquina se parea cada vez mais com os regimes fascistas europios da primera metade do sculo XX.

    A violao dos direitos humanos dos saharauis nas cidades ocupadas muito grave. Porm, devido presso do governo francs, o Conselho de Segurana da ONU no pode dar ordens MINURSO para proteger a populao civil saharaui dos abusos que sofre diariamente. A Frana , por tanto, a potncia responsvel de que a MINURSO seja a nica Misso da ONU que carece de atribuies para fazer respeitar os direitos humanos.

    (1) - Das quase 200.000 solicitaes apresentadas, s 86.000 corresponderam a saharauis com direito a votar, ou seja, 13.000 a mais dos incluidos no ltimo censo espanhol de 1974.

    (2) - Vrios analistas polticos, entre eles o norte-americano Noam Chomsky, consideram que Gdeim Izik marcou o incio das revoltas populares que derrubaram os regimes de Ben Ali na Tunsia e de Hosni Mubarak no Egito.

  • Nota final

    Em abril de 2007 Marrocos apresentou na ONU um novo projeto de autonomia para o Sahara Ocidental. A proposta era outorgar populao local faculdades de autogesto mas sob a soberania marroquina. Tambm a partir de junho desse ano, Marrocos e a Frente POLISARIO tiveram alguns encontros perto de Nova Iorque, auspiciados pela ONU. Porm, ao longo das quatro rondas de negociao no se conseguiu avanar nem um pouco porque Marrocos continuou a insistir na sua proposta de autonomia excluindo absolutamente o referendo. Os saharauis seguem reclamando a celebrao do referendo que contenha como uma das alternativas, a independncia.

    O atual representante pessoal do Secretrio Geral da ONU, o diplomata norte-americano Christopher Ross, est coordenando encontros informais entre os representantes marroquinos e saharauis mas apesar dos vrios encontros j realizados, os avanos rumo soluo do conflito so insignificantes.O rei Mohamed VI com o apio total dos atuais governos da Frana e da Espanha, continua a afirmar que o Sahara marroquino e no aceita nenhuma outra alternativa.Entretanto o povo saharaui atravs do seu legtimo representante, a frente POLISARIO, prossegue sua luta nas cidades ocupadas exigindo o fim da presena marroquina, e nos acampamentos de refugiados assm como nas zonas liberadas, construindo seu Estado (ver documento 3) que mais cedo ou mais tarde poder exercer a soberania sobre a totalidade do territrio nacional.

  • Documento 1

    Carta de Proclamao da Repblica rabe Saharaui Democrtica

    O povo rabe Saharaui, lembrando os povos do mundo que tem proclamado a carta das Naes Unidas, a Declarao Universal dos Direitos Humanos e a Resoluo 1514 das Naes Unidas no seu dcimo-quinto perodo de sesses, e levando em conta o texto da mesma, na que se afirma que:

    Os povos do mundo tem proclamado na Carta das Naes Unidas que esto decididos a reafirmar a f nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das naes grandes e pequenas, e a promover o progresso social e a elevar o nvel de vida dentro de um conceito amplo de liberdade.

    Os povos do mundo conscientes dos crescentes conflitos que surgem do ato de negar a liberdade a esses povos ou de imped-la, o qual constitui uma grave ameaa paz mundialConvencidos de que todos os povos tm o direito inalienvel liberdade absoluta, ao exerccio da sua soberania e integridade do seu territrio nacionalE proclamando solenemente a necessidade de pr fim rpido e incondicional ao colonialismo em todas as suas formas e manifestaes para a consecuo do desenvolvimento econmico, social e cultural dos povos militantes.Proclama solenemente perante o mundo inteiro, em base libre vontade popular baseada nos princpios e alternativas democrticas:

    A constituio de um Estado livre, independente e soberano regido por um sistema nacional democrtico, ARABE de tendncia UNIONISTA, de confesionalidade ISLMICA progressista, que adquire como forma de regime o da Repblica rabe Saharaui Democrtica. De acordo com sua doutrina e orientao, este Estado rabe, Africano, No Alinhado, proclama:Seu respeito aos tratados e aos compromissos internacionais.Sua adeso Carta da ONU.Sua adeso Carta da Organizao da Unidade Africana, reafirmando sua adeso Declarao Universal dos Direitos Humanos.Sua adeso Carta da Liga Arabe.

    O povo rabe da Repblica rabe Saharaui Democrtica tendo decidido defender sua independncia e sua integridade territorial e exercer o controle dos seus recursos e riquezas naturais, luta ao lado de todos os povos amantes da paz para a manuteno dos valores primordiais da paz e da segurana internacionais.Afirma seu apio a todos os Movimentos de Libertao dos povos da dominao colonialista.

    Neste momento histrico em que se proclama a constituio desta nova Repblica, pede a seus irmos e a todos os pases do mundo o RECONHECIMENTO desta nova Nao, ao tempo que manifesta expressamente seu desejo de estabelecer relaes recprocas baseadas na amizade, na cooperao e a no ingerncia nos assuntos internos.A Repblica rabe Saharaui Democrtica pede comunidade internacional, cujas metas so o estabelecimento do Direito e a Justia no intuito de reforar os pilares da paz e a segurana mundiais, que colabore com a construo e o desenvolvimento deste novo pas para garantir nele a dignidade, a prosperidade e as aspiraes da pessoa humana.

    O Conselho Nacional Provisional Saharaui em representao da vontade do povo da Repblica rabe Saharaui Democrtica.

    BIR LEHLU 27 de fevereiro de 1976

  • Documento 2

    Reconhecimentos internacionais da RASD

    01. Mada