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UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA INSTITUTO SUPERIOR DE ECONOMIA E GESTÃO CENTRO DE INVESTIGAÇÕES REGIONAIS E URBANAS E C O N O M I A R E G I O N A L E U R B A N A Coordenação: Manuel Brandão Alves 4º ANO DO CURSO DE ECONOMIA 2001/2002 1. MULTIDIMENSIONALIDADE DO ESPAÇO: DO ESPAÇO OBJECTO AO ESPAÇO SUJEITO E À ORDEM NO TERRITÓRIO Manuel Brandão Alves CIRIUS Centro de Investigações Regionais e Urbanas SÉRIE DIDÁTICA Documento de Trabalho nº 1 /2001

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UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA

INSTITUTO SUPERIOR DE ECONOMIA E GESTÃO

CENTRO DE INVESTIGAÇÕES REGIONAIS E URBANAS

E C O N O M I A

R E G I O N A L E U R B A N A

Coordenação: Manuel Brandão Alves

4º ANO DO CURSO DE ECONOMIA

2001/2002

1. MULTIDIMENSIONALIDADE DO ESPAÇO: DO ESPAÇO

OBJECTO AO ESPAÇO SUJEITO E À ORDEM NO TERRITÓRIO

Manuel Brandão Alves

CIRIUSCentro de Investigações Regionais e Urbanas

SÉRIE DIDÁTICA

Documento de Trabalho nº 1 /2001

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1. MULTIDIMENSIONALIDADE DO

ESPAÇO:

DO ESPAÇO OBJECTO AO ESPAÇO

SUJEITO E À ORDEM NO TERRITÓRIO 1

Manuel Brandão AlvesProfessor Catedrático do ISEG

Edição de Setembro de 1999

1 Este texto é da exclusiva responsabilidade do autor, com excepção do ponto

1.2.1. que foi redigido pelo Prof. Natalino Martins. Ele é, no entanto, o resultado denumerosas contribuições dos docentes que ao longo de vários anos participam, ouparticiparam na leccionação da disciplina de Economia Regional e Urbana noISEG, nomeadamente, o Prof. António Natalino Martins, a Prof.ª Luísa Vaz Pinto,o Dr. Paulo Madruga e a Dr.ª Sara Vilas. A sua vocação é de índole essencialmentepedagógica.

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ÍN DICE

1. MULTIDIMENSIONALIDADE DO ESPAÇO: DO

ESPAÇO OBJECTO AO ESPAÇO SUJEITO E À

ORDEM NO TERRITÓRIO 7

1.1. NOÇÕES DE ESPAÇO 10

1.1.1. Preliminares 11

1.1.2. Espaço natural, espaço geográfico e espaço

económico. Partições e contiguidade 15

1.1.3. A construção do espaço, o território e a

localização 27

1.2. MULTIDIMENSIONALIDADE DO ESPAÇO

TORNADO SUJEITO. CONSTRUÇÃO E

SALVAGUARDA DE UMA ORDEM NO

TERRITÓRIO 36

1.2.1. Comportamentos e factores de localização 37

1.2.2. As externalidades e as economias de aglomeração

no uso do espaço 48

1.2.3. O espaço objecto, o espaço sujeito, a dimensão

dos espaços e o estabelecimento de consensos no

seu uso 53

1.2.4. Da racionalidade do comportamento dos agentes

individuais a uma racionalidade colectiva. 58

1.2.5. O ordenamento do território: do ordenamento do

te rritório suportado ao ordenamento do território

assumido 67

1.2.6. A importância do espaço região 73

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1.3. TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO 78

1.3.1. O desenvolvimento económico, a urbanização e o

ambiente 78

1.3.2. A organização do espaço europeu 85

1.3.3. A organização do espaço português 94

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1. MULTIDIMENSIONALIDADE DO ESPAÇO: DO

ESPAÇO OBJECTO AO ESPAÇO SUJEITO E À

ORDEM NO TERRITÓRIO

O que é que justifica que as regiões e as áreas urbanas devam ser

objecto de preocupação e estudo por parte dos economistas?

Há razões relativamente simples e inquestionáveis. Como em

todos os restantes domínios da análise económica esses espaços e, de

forma mais geral, todos os espaços condicionam o comportamento dos

agentes e a configuração dos fenómenos económicos.

Esta constatação é verdadeira, quer tomemos a economia de um

qualquer espaço particular (por ex., uma região ou uma cidade), quer

consideremos as relações dessa economia com outros espaços, de

maior, menor ou igual dimensão, mais ou menos próximos, mais ou

menos longínquos.

Tomemos a economia portuguesa. O comportamento de alguns

dos seus principais agregados macro - económicos é condicionado

pelas opções de política económica que são tomadas nos seus sub-

espaços, por ex., na cidade de Lisboa ou na região do Algarve.

Inversamente, as decisões tomadas a nível nacional não se repercutem

do modo uniforme em todos os espaços, podendo revelar maior

eficiência numas regiões que noutras. Estas são algumas das razões

pelas quais o espaço deve ser considerado como uma dimensão

incontornável da política económica.

O espaço é uma dimensãoincontornável da políticaeconómica.

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É por isso que a existência de espaço e a relevância que assume

no estudo do comportamento dos fenómenos económicos obriga a

olhá-los segundo uma perspectiva que impõe a revisão de um número

significativo de esquemas e modelos teóricos, que têm sido facilmente

aceites e a que, habitualmente, se atribui capacidade para interpretar a

realidade e servir de suporte às intervenções de política.

A introdução do espaço na análise económica tem sido objecto

de tratamentos muito diversos. Consequentemente, são múltiplas as

soluções encontradas nas tentativas de compatibilizar a valorização do

espaço com os esquemas e modelos que, até então, tinham

fundamentação a - espacial.

A reflexão que faremos em torno destas questões conduzir-nos-á

a compreender que, contrariamente ao que tem acontecido na maioria

dos esforços teóricos, o espaço não pode ser introduzido na análise

económica apenas como mais uma dimensão (variável) adicional (o

espaço unidimensional). Antes, terá que ser valorizado como uma

realidade multidimensional, com implicações múltiplas sobre o modo

como surgem e se desenvolvem os fenómenos económicos.

Neste capítulo procura-se explicitar os principais problemas que

no mundo de hoje se levantam com a organização e a gestão do

espaço: a urbanização crescente das sociedades e a transformação dos

espaços rurais, a preservação dos recursos naturais e do ambiente, a

localização e construção de infra-estruturas e a atracção de iniciativas

susceptíveis de criar riqueza, a afectação de recursos no espaço e a

eficiência global do funcionamento das economias.

Ao tomaremos contacto com estas realidades e a transformação

das dinâmicas económicas e espaciais teremos ocasião de nos

A teoria económica a-espacial ajusta-se mal à

realidade.

A endogeneização do espaçonem sempre é fácil,

porque o espaço não pode serrepresentado considerando,apenas, mais uma variável.

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apercebermos das características das várias formas e abordagens da

economia no espaço.

Começaremos por introduzir, no ponto 1.1. alguns dos conceitos

e formas de representação elementares de espaço. Eles traduzem os

primeiros esforços que, com limitações, foram realizados com vista a,

usando os instrumentos tradicionais da análise económica, ter em conta

algumas das manifestações da existência de espaço.

No ponto 1.2., depois de introduzirmos a noção de distância e

alguma sensibilização para a forma como a distância condiciona o

comportamento de localização dos agentes económicos, procuraremos

compreender porque é que o uso do espaço pelos agentes económicos

gera externalidades que impõem a existência de regras de gestão

colectiva e de normativos fixados pelas administrações públicas.

Seremos, assim, pouco a pouco, conduzidos a olhar para o

espaço, para os vários espaços, não apenas como um objecto de uso

mas, também, como um sujeito de interesses a ordenar. Ficará, deste

modo, demonstrada a imprescindibilidade do ordenamento do território

como instrumento de eficiência económica. Tornar-se-á inquestionável

que o espaço é uma realidade multidimensional.

O ponto 1.3. permitir-nos-á tomar contacto com as principais

dinâmicas de organização do espaço, a nível europeu e a nível nacional,

nas suas relações com o desenvolvimento, com a urbanização e com o

ambiente.

A distância condiciona ocomportamento dos agenteseconómicos, mas o espaçonão pode ser reduzido a umanoção de distância

Começa-se por considerarconceitos elementares deespaço.

A existência deexternalidades implica avalorização do ordenamentodo território

As dinâmicas de organizaçãodo espaço não sãoindependentes das dodesenvolvimento, daurbanização e do ambiente.

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1.1. NOÇÕES DE ESPAÇO

A natureza não é homogénea; é diferenciada, na multiplicidade

das suas paisagens e na diversidade de fenómenos e características

físicas, que se desenvolvem nos seus diferentes espaços. Esta

diferenciação cria especificidades, no Homem, nas culturas e no modo

como é feita a ocupação do espaço. Tem consequências importantes

que não podem ser ignoradas pela análise.

Quando o analista procura interpretar as transformações do

espaço, a diversidade gera diferentes pontos de vista. Estes dependem,

umas vezes das origens disciplinares dos observadores; outras, para

uma mesma origem disciplinar, das diferentes perspectivas, filosóficas,

ideológicas ou políticas em que se colocam. Não surpreende, por isso,

que tenhamos visto surgir múltiplas noções de espaço.

Começa-se pela explicitação de algumas das mais correntes e

elementares noções de espaço. Analisa-se, em seguida, como é que o

espaço é ocupado e estruturado, pela acção dos agentes económicos.

Com estes dois passos ficam enunciadas algumas das principais linhas

orientadoras da organização do espaço.

A diversidade deconfigurações do espaço e a

variedade de pontos de vistagera uma multiplicidade de

noções.

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1.1.1. Preliminares

A disciplina de Economia Regional e Urbana possui hoje, na

comunidade académica e nas escolas de economia mais conceituadas,

um estatuto suficientemente estável para que aqui se refiram apenas

alguns dos elementos fundamentais que justificam o seu conteúdo

disciplinar e o seu carácter científico. Os apontamentos que se seguem

visam recordar alguns dos traços essenciais de caracterização da

disciplina.

A Economia Regional e Urbana tem, à partida, como objecto o

estudo dos problemas de organização económica dos espaços regionais

e dos espaços urbanos. Mais geralmente, e nos anos mais recentes, as

iniciativas que assumem aquela designação procuram ter em conta o

estudo dos problemas que em Economia se colocam, quando se tem

em conta a existência do espaço, qualquer que seja a sua dimensão,

regional, urbana, local, nacional ou internacional.

Neste contexto, que deveremos entender por espaço? Numa

primeira aproximação, necessariamente grosseira, considera-se que o

espaço é o suporte físico onde se desenvolve toda a actividade

económica. O espaço terá relevância económica apenas porque possui

aquela função de suporte físico?

A Economia Regional eUrbana constitui uma dasformas de compatibilizaçãodo espaço com a economia.

O espaço não pode serencarado como mero suportefísico de actividadeseconómicas,

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A complexidade dos problemas económicos conduz os analistas, com

frequência, na sua tentativa de simplificar ou clarificar os problemas, a

eliminar do seu objecto de estudo determinados vectores explicativos,

considerados menos relevantes, supondo constantes as variáveis que os

integram (clausula ceteris paribus), admitindo que são neutros os seus

efeitos. Muito embora possam existir circunstâncias em que a hipótese é

justificável, são suficientemente conhecidas e debatidas, na literatura

económica. as consequências negativas da manutenção da hipótese da

neutralidade, quando deixam de existir as circunstâncias que a justificam.

Recordem-se por ex. os debates em torno da neutralidade da moeda e

da a - temporalidade (instantaneidade) dos fenómenos económicos, etc.

O que é que pode justificar que a Economia se preocupe com os

problemas do espaço? O espaço terá relevância económica se os

fenómenos e agentes económicos tiverem comportamento diversificado

nos diferentes pontos do espaço. Assim é na maioria das

circunstâncias. Alguns exemplos simples ajudarão a compreendê-lo.

A taxa de salário não tem a mesma evolução temporal ou

espacial, num país desenvolvido e num país subdesenvolvido. Um

determinado volume de investimento público não tem efeitos similares

sobre a taxa de inflação e sobre o mercado do emprego, quando

realizado numa região com grande densidade de população e com

situação próxima do pleno emprego, ou numa região em crise

económica e populacional. São igualmente diferentes as consequências

sobre os preços do mercado fundiário exercidas pela localização de

Variáveis como a taxa desalário, a taxa de inflação, o

investimento, o consumo,etc., não têm idêntico

comportamento em todos ospontos do espaço.

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actividades económicas em zonas urbanas já saturadas, ou em zonas de

território onde a infra estruturação económica é ainda débil.

Os exemplos poderiam prosseguir, mas os que já foram referidos

são suficientes para justificar que a não consideração do espaço na

análise e política económicas conduz, necessariamente (e não apenas,

pode conduzir), à sua errada formulação.

É, por vezes, referido que a introdução do espaço na análise

económica é artificiosa. Argumenta-se que a ter alguma justificação ela

só pode ser encontrada nas imperfeições e rigidez dos mercados. Diz-

se que, nessas circunstâncias é preferível actuar para contrariar essas

imperfeições e rigidez, do que valorizar o espaço, porque essa atitude

apenas contribui para promover as imperfeições e a rigidez.

Pode, e deve, contra - argumentar-se respondendo que artificioso

é o argumento inicial, uma vez que não basta querer um mercado

perfeito e sem rugosidades para que, por golpe de mágica, ele passe a

funcionar com perfeita limpidez.

O espaço é, assim, uma dimensão intrínseca a todos os

fenómenos (variáveis) económicos. Não é, apenas, mais uma variável

económica. A Economia Regional e Urbana tem vindo, ao longo do

tempo, progressivamente e com diferentes configurações, a dar

acolhimento à perspectiva que acaba de ser enunciada.

Numa perspectiva mais estrita, esta disciplina, quer tenha

preocupações mais ou menos descritivas, ou mais ou menos analíticas,

tem procurado centrar as suas atenções, sobretudo, sobre as

interacções dos espaços regionais2 e urbanos com a formulação dos

2Estão aqui referidos, sobretudo, os espaços regionais de âmbito sub-

nacional. No contexto da Economia Internacional (que de algum modo se pode

A não consideração doespaço conduz a erros deanálise e de política.

A sua relevância económicanão é mera consequência daexistência de rigidez nomercado.

A economia ajudará a melhorequacionar os problemas dodesenvolvimento,trabalhando mais sobrerealidades existentes e menossobre realidades supostas.

O espaço não é, apenas, maisuma variável económica.

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problemas económicos. Numa perspectiva mais ampla, a Economia

Regional e Urbana engloba a análise dos problemas económicos que se

desenvolvem nos espaços, locais, urbanos, regionais, nacionais,

internacional, bem como as dependências, ou interdependências que

entre eles se estabelecem.

Neste sentido, toda a Economia é espacial3, isto é, toda ela tem

referência, explícita ou implícita, a um certo espaço. Abdicar do espaço

tem como consequência, não apenas ignorar uma importante dimensão

da análise, mas, sobretudo, partir de pressupostos errados e, como

consequência, obter resultados que também o são, tanto em termos de

teoria como de política económicas.

Apesar da importância que todos os espaços desempenham na

análise e política económicas, este texto terá como enfoque principal os

espaços, locais, urbanos e regionais. Nos pontos seguintes serão

explicitadas algumas das noções de espaço mais utilizadas pelos

analistas e as consequências que daí decorrem, para a compreensão da

evolução e transformação do espaço.

considerar como um ramo específico da Economia Espacial, cujo conceito adiantese precisará) encontra-se a designação de economias regionais para referiragrupamentos de países entre os quais se estabelecem acordos de trocas (tendentes àliberalização da circulação de mercadorias e de factores) ou de coordenação depolíticas económicas. É o caso das UE (União Europeia), ASEAN (Associação dasNações do Sudeste Asiático), da NAFTA (Associação Norte Americana deComércio Livre), etc.

3 De modo apropriado, um dos manuais mais recentemente publicados e degrande qualidade analítica, toma a designação de Economia Espacial. Ver FUJITA,KRUGMAN, P. e VENABLES, A J. (1999), The Spatial Economy. Cities,Regions and International Trade.

A Economia Espacial nãopode, ser reduzida à

Economia das Regiões oudas Cidades. A Economia

Espacial é a Economia dosEspaços Locais, dos Espaços

Regionais e dos EspaçosInternacionais.

Mas nem só a economia sepreocupa com o espaço.

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1.1.2. Espaço natural, espaço geográfico e espaço económico.

Partições e contiguidade

O espaço é um objecto de análise em múltiplas disciplinas

científicas: na zoologia, na biologia, na geografia, na antropologia, nas

ciências do ambiente, na sociologia, na economia, na engenharia, na

arquitectura, etc. De acordo com as metodologias que lhes são

específicas, cada uma das disciplinas procura a característica, ou

conjunto de características, do espaço que melhor enquadram cada

uma das correspondentes perspectivas de análise. Não surpreende, por

isso, que cada uma ensaie uma definição de espaço própria, adequada à

salvaguarda dessas preocupações. Não é aqui o lugar próprio para

passarmos em revista todas essas definições. Vamos centrar a nossa

atenção apenas sobre alguns dos conceitos que mais frequentemente se

cruzam com a análise económica do espaço: os conceitos de espaço

natural, de espaço geográfico e de espaço económico.

O espaço natural é um espaço quase mítico, o espaço tal como

nos é, ou foi, oferecido pela natureza, antes de qualquer intervenção

humana. Serve, com frequência, de referencial para uma, prefiguração

do Éden terrestre. Supõe que os desequilíbrios no espaço e no

território, bem assim como a falta de felicidade humana são, apenas, o

resultado da acção destruidora do homem sobre a natureza4.

Esta concepção de espaço tem subjacente a ideia de que existe

um equilíbrio imanente à natureza que, se não for perturbado pela

acção do Homem, conduz à maximização do bem estar. É uma

4 São numerosas as escolas filosóficas e doutrinárias que suportam uma tal

visão do mundo. Alguns movimentos ecologistas e ambientalistas recentes filiam-se, de modo directo, ou indirecto, nesta tradição.

O espaço natural é umespaço mítico, supõe umequilíbrio imanente ànatureza.

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concepção que supõe que da intervenção do Homem sobre o decurso

normal da evolução dos processos naturais nada de bom pode resultar

para a obtenção desse bem estar.

É uma visão estática do equilíbrio da natureza que não se

adequa, no entanto, ao seu real funcionamento que, mesmo

considerado apenas em termos físicos, se encontra em permanente

transformação. Admite-se que o espaço natural, embora podendo ser

objecto de dinâmicas internas (zoológicas, biológicas, telúricas,

meteorológicas ou outras), é sempre conduzido ao seu equilíbrio

inicial5. Nesta perspectiva, a intervenção humana não augura nada de

bom; apenas pode afastar o espaço do seu equilíbrio natural.

Tem subjacente a ideia de que o espaço é homogéneo, que nele os

equilíbrios se repetem de forma homotética, isto é que o equilíbrio é só

um e possui as mesmas características em todo o tempo e em todo o lugar.

Ora, ao mais desprevenido observador não passa desapercebido que a

natureza é diferenciada, no espaço e no tempo. O equilíbrio, se equilíbrio

existe, numa zona de montanha ou de vales verdejantes tem

características diferenciadas das de uma zona de planície, ou de deserto,

independentemente das interdependências físicas, ou outras, que possam

existir entre esses espaços. Torna-se, por isso, evidente que para um

mesmo espaço, a natureza dos equilíbrios naturais se transforma, ao longo

do tempo.

5Veremos mais tarde que estamos longe de poder atribuir à noção de

equilíbrio carácter objectivo.

Trata-se de uma visãoestática do equilíbrio.

A natureza é diferenciada.

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Por isso, a natureza não possui um equilíbrio natural imutável.

Está permanentemente sujeita a processos de transformação

equilibrantes e desequilibrantes. A intervenção humana pode acelerar

ou retardar a superação desses desequilíbrios. O equilíbrio natural não

existe, senão como abstracção6. Todos os equilíbrios são construídos,

de forma mais ou menos satisfatória, por efeito da acção do Homem.

É, por isso, difícil aceitar a ideia de espaço natural como objectivo e

suporte de um equilíbrio natural.

É impossível olhar a natureza como um espaço homogéneo. A

natureza é diferenciada; nela se insere o Homem e da interacção de

ambos surgem especificidades, tanto nas características biológicas do

Homem e dos animais, como nas culturas e na forma como se realiza a

ocupação do território. Desta interacção do Homem com a natureza se

ocupam as noções de espaço geográfico e de espaço económico.

No espaço geográfico estão presentes, quer o espaço natural,

quer as transformações a que a acção do Homem o sujeita.

Corresponde a uma certa maneira de entender e observar o espaço

físico (geografia física) e as interacções entre esse espaço e a acção do

Homem (geografia humana). É um espaço de lugares. É o espaço que

é mais frequentemente valorizado pelos geógrafos.

6 Repare-se na analogia da taxa de crescimento natural da população, com a

taxa de crescimento natural do produto (vide modelo Harrod-Domar), etc.

já que todos os equilíbriossão construídos.

Não existe um equilíbrionatural,

O espaço geográfico é umespaço de lugares

a cuja compreensão se acedepela minúcia da descrição.

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Os geógrafos procuram aceder à compreensão do espaço através da descrição,

tão completa quanto possível, de todas as suas características e realidades

observáveis. Orlando Ribeiro na sua excelente obra Portugal, o Mediterrâneo e

o Atlântico dá-nos disso um exemplo acabado7, 8.

No capítulo sobre a Natureza refere a propósito do litoral: O

Mediterrâneo é uma fossa alongada no sentido leste-oeste entre duas

massas continentais: ao sul a África com os seus maciços montanhosos e

planaltos áridos, de contornos simples e pesados; ao norte a Europa que

projecta para o mar uma série de penínsulas e ilhas, de desenho

geralmente fino e complicado. Citações do mesmo teor poderiam

igualmente ser feitas a propósito, dos modos de vida, da população e do

povoamento.

O ponto de vista dos economistas não se confunde com o dos

geógrafos.

7 Ribeiro (1993: 11).8Orlando Ribeiro introduz-nos ao conhecimento do Mundo Mediterrâneo

com três capítulos que intitula A natureza (o litoral, o relevo, o clima, avegetação, as plantas agrárias), Os modos de vida (a agricultura, o pastoreio, avida litoral) e a População e povoamento (restrições naturais e regressõeshumanas, a tradição, a população, expansão dos povos mediterrâneos, povosinvasores, peregrinos e turistas, o povoamento, as cidades).

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Vale a pena fazer a citação de um outro autor (Kresl, 1993:18) que, a

propósito dos pontos de vista adoptados por geógrafos e economistas, não

hesita em afirmar: Geographers take a holistic view of problem solving;

they see their discipline as a great umbrella under which all other modes

of inquiry are welcome, from the quasi-natural science study of tropical

rain forests to the quasi-economic study of multinational corporations.

Por seu lado os economistas tend to be relatively abstract in their

thinking, devotees of model building, blind to implicit ideological biases

in their analysis and committed to the beliefs that all questions are

questions of efficiency and / or equity best seen as individual maximizers

f their own well-being.

Para os economistas o espaço, em lugar de um espaço de

lugares, tem sido, privilegiadamente, um espaço de localizações onde,

pela acção do Homem, se vão implantando as actividades

económicas. Esta perspectiva não conduz, necessariamente, mas corre

sérios riscos de adoptar uma perspectiva segundo a qual o espaço pode

ser usado e transformado, mais como objecto suporte de actividades,

do que como quadro de vida. O espaço seria apenas um bem

económico considerado, no quadro da economia regional e da

economia urbana, como um mero factor produtivo ou objecto de

consumo e de investimento.

Mesmo tomado apenas nesta perspectiva o espaço, do ponto de

vista da localização das actividades económicas, não é neutro. Dadas

Para os economistas, temsido, privilegiadamente, umespaço de localizações.

O espaço não é neutro doponto de vista dalocalização das actividadeseconómicas,

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as características dos diferentes espaços e das diferentes actividades

não é indiferente, a estas, localizar-se no interior ou no litoral, numa

zona rural ou numa zona urbana, junto de uma grande metrópole ou

num território de urbanização dispersa, etc.

Existem, sempre, opções de localização alternativas que podem e

devem ser consideradas. Mais uma vez, recorda-se que tal acontece

porque o espaço é diferenciado, nas suas características de paisagem,

nos factores que a natureza oferece, nas acessibilidades de que dispõe,

nas qualificações humanas que o caracterizam, na capacidade que

possui para combinar estes diferentes ingredientes e para, a partir dessa

combinação, gerar bens e serviços com utilidade económica.

Do ponto de vista da política económica o espaço, também, não

é neutro. Com efeito, na utilização de um instrumento de política

económica, uma maior ou menor intensidade na utilização de um

instrumento pode ter efeitos macroeconómicos, que são diferentes de

acordo com os espaços onde se faz sentir, ou para onde são

orientados, os seus efeitos.

Por ex., um mesmo montante de investimento em infra-

estruturas, pode ter consequências diferenciadas sobre a inflação a

nível nacional, consoante a localização dessa infra-estrutura. Basta que

se admita, como é provável, na maioria dos casos, que existe, a nível

nacional, alguma imobilidade da mão de obra que há-de participar na

construção da infra-estrutura. De facto, os efeitos sobre a taxa de

inflação da economia nacional podem ser gravosos e sensíveis se a

localização do investimento se vier a realizar num espaço onde existe

um mercado próximo de uma situação de pleno emprego. No caso de

uma localização junto de um mercado em situação de subemprego

esses efeitos podem ser desprezíveis.

nem do ponto de vista dapolítica económica.

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O espaço dos economistas9, enquanto espaço de localização de

actividades é, como o refere Lopes (1987: 25), o produto cartesiano

de dois conjuntos disjuntos - o das actividades económicas e o dos

lugares geográficos.

O espaço económico, nesta acepção restrita, possui três

componentes: o espaço das actividades, o espaço dos lugares

(geográfico) e as relações que entre eles se estabelecem. Em termos

matemáticos dir-se-á que se trata de uma aplicação do espaço de

actividades sobre o espaço de localizações (cf. Figura 1.1. - 110).

Numa acepção mais ampla, o espaço económico abrange todas

as actividades humanas e não apenas o espaço das actividades

económicas. Falar-se-á então não tanto de espaço económico mas,

antes, de espaço social (cf. Lopes, 1987:24 e 28).

O espaço de localizações é um espaço em que a distância é a

variável que tem sido considerada como mais significativa. A distância

é valorizada, na medida em que constitui um factor de atrito para a

mobilidade de bens, serviços e pessoas. No entanto, a distância tem

vindo, pouco a pouco, a perder a sua importância relativa.

9E de algum modo também o dos geógrafos.10A diversidade das formas de representação das ligações apenas pretende

chamar a atenção para a multiplicidade de relações entre as actividades e os lugaresgeográficos.

O espaço económico pode serencarado como o produtocartesiano do espaço dasactividades com o espaço doslugares

mas também como o espaçode todas as actividadeshumanas.

O espaço deixa de ser umespaço distância para passara ser um espaço de relações.

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22

Figura 1.1.-1: O Espaço Económico

Hoje, com tanta ou mais importância que a distância, valoriza-se

a capacidade para estabelecer relações entre actividades e entre agentes

(independentemente da distância). O espaço económico é cada vez

menos um espaço de lugares e cada vez mais um espaço de relações.

ESPAÇO DE ACTIVIDADES RELAÇÕES LUGARES GEOGRÁFICOS

a1) Agricultura O O l1) Viana do Castelo

a2) Indústrias Alimentares O O l2) Braga

a3) Têxteis O O l3) Porto

a4) Couros O O l4) Aveiro

a5) Madeira O O l5) Leiria

a6) Química O O l6) Santarém

a7) Minerais não Metálicos O O l7) Lisboa

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A distância constitui a principal variável integradora do espaço económico. A

contiguidade (continuidade), entre os espaços físicos, surge como factor

favorável à expansão da actividade económica.

À medida que diminui a importância relativa da distância diminui também a

importância relativa da contiguidade. O espaço económico vai-se tornando a-

espacial.

Justifica-se, no entanto, a interrogação com vista a poder obter a

resposta que possa permitir vir a saber-se se a dinâmica económica está

a destruir a espacialidade do espaço ou se, pelo contrário, não

estaremos na emergência do aparecimento de novos espaços (ou novas

espacialidades) com características ainda não perfeitamente definidas11.

É, por isso, frequente o uso de expressões como espaço

económico internacional e espaço económico nacional. É menos

frequente a atribuição do qualificativo de económico aos espaços de

dimensão inferior: regional, local, urbano. Existe alguma relutância

em reconhecer a existência de conteúdo económico nos fenómenos que

se desenvolvem em espaços com dimensão inferior à da nação. Talvez

ela se explique pelo facto de os governos nacionais, nomeadamente os

do sul da Europa, terem tradicionalmente considerado que essa

atribuição de conteúdo económico implica também o do exercício de

funções de regulação macroeconómica que consideram como uma sua

prerrogativa.

11A network analysis cujo desenvolvimento aparece hoje em plena pujança

parece poder vir a dar enquadramento ao aparecimento dos novos espaços.

Valorizam-se, não apenas osespaços regionais, mastambém, os espaços locais,nacionais e internacionais.

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E, no entanto, existem fenómenos económicos em todos os

espaços. Dizer isto não é o mesmo que dizer que os fenómenos

económicos se manifestam do mesmo modo em todos eles. Devem ser

considerados relevantes num determinado espaço as variáveis cuja área

de influência ou impactos se esgotam, predominantemente, nesse

espaço.

À medida que a área de influência das variáveis vai aumentando,

assim, se vai passando dos espaços de referência de menor dimensão

para os espaços de maior dimensão (para espaços de uma outra

escala)12.

Teremos de precaver-nos contra a tentação de considerar que a

partição dos espaços é apenas um instrumento para a análise e

preparação da implementação das decisões das Administrações

Públicas. Ela é válida para estudar a inserção no espaço de todas as

Administrações, sejam elas Públicas ou Privadas (empresas e outras

instituições).

Por ex., não se pode deixar de reconhecer que uma parte

significativa dos investimentos em termos de saneamento básico tem

efeitos que se esgotam no âmbito de um município. É, assim, lógico

que o controlo de uma tal variável se faça no âmbito das competências

de uma autarquia local.

No entanto, já não parece curial pretender realizar o controlo de

uma variável como o emprego apenas no âmbito de um município. O

seu mercado é, em relação a um número significativo de aspectos, de

âmbito, claramente, regional. É, pois, no espaço regional que, em

12 Daí não se pode deduzir que entre esses espaços esteja legitimada uma

qualquer hierarquia de poder.

Surgem, assim, espaços dedimensão (escala)

diferenciada.

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relação a esses aspectos, deverá ser realizado o controlo e regulação

do comportamento dessa variável.

O raciocínio desenvolve-se com a mesma lógica em relação aos

espaços nacional e internacional. Ninguém certamente pretenderá que

o controlo da massa monetária, da inflação, da despesa pública ou da

construção de infra-estruturas de impacto nacional, se possa fazer, de

modo eficaz, em espaços com dimensão inferior à dos espaços

nacionais. E quando nos referimos, à liberalização das trocas

internacionais e à estabilidade financeira internacional não podemos

deixar de pensar na sua regulação no âmbito de instituições

internacionais.

A dimensão relevante para o espaço é, pois, determinada pela

natureza dos fenómenos económicos e pela área necessária para

abarcar todas as suas características essenciais. Para uns será o espaço

internacional, para outros o espaço nacional, para outros o espaço

regional, etc.

Não esqueçamos que nenhuma das problemáticas enunciadas

pode ser considerada como estática. Existem fenómenos, como as

trocas comerciais, cujo controlo adequado se fez, no passado, no

âmbito regional e que, progressivamente, foram passando, primeiro

para o controlo de autoridades nacionais e depois para o de

autoridades internacionais.

Mais recentemente variáveis cujo controlo se realizava de modo

eficaz no âmbito do espaço nacional foram progressivamente perdendo

essa característica. Passou a considerar-se que o exercício do seu

controlo eficiente só se poderia realizar no âmbito internacional, como

é o caso da taxa de câmbio, do nível de despesa pública, da taxa de

inflação, etc.

A dimensão do espaço aconsiderar é condicionadapela natureza dos fenómenosa estudar.

A natureza dosfenómenos evolui no tempoe, por isso, também, a escalaespacial em que devem serreferenciados.

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Inversamente, outras variáveis parecem deslocar-se de âmbitos

mais vastos para os de menor dimensão. É, em particular, o caso dos

investimentos de natureza cultural ou social que, progressivamente,

vêm sendo transferidos do controlo de autoridades nacionais para o de

autoridades regionais ou locais.

Importa salientar, contudo, que os espaços nas suas diferentes

dimensões (escalas) não se encontram isolados, não são independentes

uns dos outros. Os fenómenos económicos nunca têm incidências

exclusivas num único espaço, ainda que os seus efeitos se manifestem

predominantemente num determinado espaço. As interdependências

estabelecem-se não apenas entre espaços da mesma dimensão mas,

também, entre espaços de diferente dimensão: entre espaços locais e

espaços locais, entre espaços locais e espaços regionais, entre espaços

regionais (entre si), entre espaços regionais e espaços nacionais, etc.

Um exemplo elucidativo destas interdependências é o controlo

da qualidade do ambiente. Existem aspectos do controlo da qualidade

do ambiente cuja gestão só pode ser eficaz a nível local, como é,

frequentemente, o caso das redes de saneamento. No entanto, essa

gestão provoca externalidades sobre outras localidades (municípios),

gerando interdependências de natureza horizontal. Simultaneamente, a

necessidade de estabelecer normas uniformes para o conjunto do

território nacional pode exigir que a sua fixação não seja apenas

objecto de consenso entre autarquias mais directamente envolvidas

mas, antes, uma consequência de decisões tomadas pelas autoridades

nacionais.

Este exemplo tem como referência espaços de intervenção das

Administrações Públicas. No entanto, poder-se-ia raciocinar, do

mesmo modo, em relação às Administrações Privadas. Existem

As diferentes escalas sãointerdependentes.

Alguns exemplos.

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empresas que, predominantemente, gerem as suas actividades no

âmbito do espaço internacional (multinacionais)13 e outras em que o

impacto da sua acção (o seu mercado) se esgota, privilegiadamente, no

espaço regional ou local. Um bom exemplo destas empresas é dado

pelas Iniciativas Locais de Emprego (ILE), cujas características

procuraremos abordar de modo mais detalhado quando abordarmos as

questões relacionadas com o desenvolvimento e a política económicas.

Os vários espaços e os agentes económicos que neles intervêm não são

nunca estanques. Existem interdependências fortes entre todos eles,

mesmo quando temos dificuldades em descobri-las.

É a consciência destas interdependências que poderá permitir um

avanço mais rápido ao encontro de formas mais eficazes de gestão do

território, suscitando potencialidades hoje adormecidas e promovendo o

desenvolvimento de novas formas de relacionamento espacial que, até há

poucos anos, as restrições impostas pela distância não permitiam.

1.1.3. A construção do espaço, o território e a localização

Como atrás se salientou, o espaço natural é continuamente

transformado pela acção do Homem. Entre um e outro criam-se umas

vezes cumplicidades, outras vezes conflitos. Através dessa dinâmica de

transformação e das tensões que durante o seu percurso se manifestam,

surge e processa-se a formação e mutação do espaço económico. Há

um movimento contínuo de estruturação e desestruturação. O espaço

económico vai-se, progressivamente, construindo. Ao espaço

13O que não invalida o facto de algumas das suas actividade poderem

(aparentemente?) esgotar-se no âmbito de espaços mais restritos, nacional, regional

O Homem constrói o espaço etransforma-o em território.

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construído, isto é, transformado pela acção do Homem, daremos a

designação de território .

O território tende a ser o domínio do compromisso e da

solidariedade entre o Homem e o espaço, entre o Homem e a natureza.

Na medida em que o Homem aí está presente e porque a própria

natureza possui leis que se não podem violar impunemente, o espaço,

ao transformar-se em território, deixa de ser um simples objecto a

modelar para passar também a ser um sujeito de interesses14.

O espaço é, por isso, como um sistema complexo. Ao procurar

interpretá-lo, o economista constrói modelos analíticos que, simplificando

alguns dos seus aspectos considerados menos relevantes, procuram fazer

sobressair os julgados mais significativos para a compreensão do

funcionamento do sistema.

Os modelos interpretativos do funcionamento do espaço têm as

mesmas virtualidades e estão sujeitos às mesmas críticas de todos os

outros modelos analíticos.

Os aspectos mais relevantes tornam-se determinantes da estrutura do

modelo. Uma estrutura é, por definição, algo que deve ser considerado

estável, pelo menos, no médio prazo. Só que a estabilidade do modelo (a

sua permanência estrutural) é, em geral, menos durável do que se

esperava. A hierarquia das variáveis relevantes altera-se. A estrutura do

modelo que era suposto suportar o funcionamento do sistema modifica-se.

ou local.

14Mais adiante voltaremos a esta questão.

O espaço não é, apenas, umobjecto a transformar; aotornar-se território surge

como sujeito de interesses.

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O analista debate-se, assim, permanentemente com a dificuldade em

não conseguir dispor de instrumentos analíticos, suficientemente

flexíveis, para poderem acompanhar o funcionamento e a evolução dos

sistemas reais. Quando procura conhecer e intervir sobre o funcionamento

do sistema social, o grande desafio para o cientista social continua a ser a

mutação do seu objecto de análise, no tempo e no espaço. Assim é,

também, com os sistemas espaciais.A sua variabilidade e diversidade constituem para o analista não só

um desafio mas, também, a sua razão de ser. Um espaço que é

homogéneo em todas as suas componentes deixa de ter significado como

objecto de estudo científico. São as suas irregularidades que o tornam

objecto de atracção para o Homem, que dele procura aproveitar riquezas,

e para o analista, que procura compreender e antecipar os seus processos

de transformação.

A distribuição mundial de recursos (matérias primas e outros

factores naturais) é muito assimétrica. Ela tem condicionado, ao longo

dos tempos, a localização de actividades económicas e o ritmo de

criação de riqueza. Não basta, no entanto, que os recursos existam

para que, necessariamente, se produza riqueza.

A valorização dos recursos não se faz do mesmo modo, em

todos os tempos e em todos os lugares. Para que a riqueza se produza

é indispensável que os recursos, além de existirem, sejam conhecidos.

Uma vez conhecidos a sua exploração, ou o ritmo a que se pode

realizar o seu aproveitamento, depende do acesso ou domínio das

tecnologias adequadas. Por isso, as bacias de riqueza não se

desenvolvem simultaneamente, nem em todos os lugares, mesmo

quando os lugares possuem recursos naturais que poderiam ser

explorados.

A dinâmica dos territóriosgera desequilíbrios,

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O território oferece, assim, pela dotação natural de factores e

pelos factores construídos que reúne, desiguais capacidades para

promover iniciativas e atrair investimentos. O processo de

desenvolvimento é, como já há algumas décadas o salientou Perroux,

territorialmente desequilibrado15. A intervenção do Homem pode

acelerar ou atenuar esses desequilíbrios.

O crescimento e o desenvolvimento não surgem

simultaneamente, nem do mesmo modo, nem com o mesmo ritmo em

todos os lugares. O desenvolvimento espacial tende a ser desigual. Mas

se há desigualdades que são inevitáveis, por limitações de natureza

física, há outras que, pela acção do Homem, são evitáveis, em todo o

tempo e em todo o lugar, embora a sua superação possa exigir que se

tenham em conta os tempos de evolução dos mecanismos económicos,

sociais e culturais que lhes estão subjacentes16.

Para superar esta tendência natural para a desigualdade só

dispomos de uma arma eficaz, e essa arma chama-se mobilidade: dos

recursos materiais, dos recursos humanos, no acesso e domínio das

tecnologias, e da informação. Não basta, no entanto, afirmá-lo para

consegui-lo. A mobilidade de factores e tecnologias é, quase sempre,

escassa, ou seja, não é perfeita. Ora, é com o grau de mobilidade

existente, e não com um qualquer outro, que pudéssemos gostar de

dispôr, mas que não existe, que teremos de pensar o desenvolvimento e

a ocupação do território.

15O que não implica que daí se deduza necessariamente que também tenha

que ser socialmente desequilibrado. Cf. Perroux (1955: 307): La croissancen’apparait partout à la fois, elle se manifeste en des points, ou pôles de croissance,avec des intensités variables et avec des effets terminaux variables pour l’ensemblede l’économie.

16Adiante voltaremos a esta questão da relatividade dos conceitos deequilíbrio e de desequilíbrio.

que não são necessariamenteinevitáveis..

A promoção da mobilidade éa principal arma na luta

contra a desigualdade

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No passado, um dos principais factores estratégicos de

desenvolvimento espacial foi a disponibilidade de fontes de energia

(água, carvão), que se encontravam associadas a matérias primas

essenciais (metais ferrosos e não ferrosos) e a vias de comunicação

naturais (rios, mares, canais, etc.). Hoje, estes factores sem terem

perdido completamente a sua importância estratégica relativa viram-na

diminuir, consideravelmente.

Com o progresso tecnológico no domínio dos transportes e das

comunicações, tão ou mais importantes que os factores naturais acima

mencionados passaram a ser os novos factores, de conhecimento, de

capacidade de comunicação e de relacionamento à distância que se

tornaram determinantes17. Através destes factores construídos criam-

se oportunidades para o desenvolvimento de espaços que até há pouco

estavam votados ao abandono18.

O desenvolvimento espacial é, assim, função tanto de factores

naturais como de factores construídos. A propriedade de dotação de

factores, entendida como dotação de factores naturais, que no passado

tanto condicionou a formulação de estratégias de desenvolvimento,

passou hoje a ser extensiva à dotação de factores construídos, ou seja,

aos que resultam da acção do Homem sobre as benesses da natureza e

do seu esforço no progresso do conhecimento.

Dá-se, assim, origem à disponibilidade e acumulação de factores

imateriais. A tecnologia e o conhecimento proporcionam

17Factores imateriais, resultantes da existência e combinação de factores

físicos com a valorização dos recursos humanos.18Não esquecemos que as vantagens entretanto já acumuladas pelos

territórios hoje desenvolvidos são enormes, nomeadamente, pelas vantagens deaglomeração que conseguem gerar. Não são, contudo, de descurar o aparecimento

O desenvolvimento espacial éfunção, não apenas defactores naturais mas, cadavez mais, de factoresconstruídos.

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oportunidades de desenvolvimento, em larga medida, independentes da

acumulação do passado. Trata-se de uma perspectiva impensável até

há relativamente pouco tempo.

A localização e desenvolvimento de actividades humanas num

determinado território pode ter como consequência tanto a construção

como a destruição de território.

Existe construção sempre que dessa intervenção resulta, a curto,

médio e longo prazos, uma melhoria das condições de vida das

populações19. Existe destruição se a melhoria das condições de vida

não existe, ou é apenas aparente e transitória, implicando a

deterioração da paisagem, da natureza e das tradições culturais que

dão consistência à existência da comunidade. Num caso e noutro, a

comparação entre qualquer pequena ou grande cidade holandesa e um

arrabalde dormitório das nossas duas áreas Metropolitanas, oferece-

nos exemplos esclarecedores.

Assim, a intervenção humana sobre o território, por acções de

localização ou outras, modifica o espaço preexistente. Em geral,

contribui para diferenciar as suas diferentes componentes, o que é

uma das características essenciais de qualquer processo de

desenvolvimento sustentável. Um território diferenciado possui

estruturas económicas e sociais, com elementos, uns de

homogeneidade e outros de heterogeneidade.

Até há relativamente poucos anos uma das classificações de

espaço mais corrente foi a que dividia os espaços em homogéneos e

de desvantagens de aglomeração e a maior capacidade para a mobilidade quepodem oferecer os novos territórios.

19 Incluindo as que se referem ao ambiente, à paisagem, etc. Aos processosde desenvolvimento com estas características tem-se vindo a designar por processosde desenvolvimento sustentáveis.

A localização de actividadespromove a construção de

território mas, também, comfrequência, a sua destruição.

Os territórios com vitalidadesão, em geral, territórios

diferenciados.

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polarizados. A coerência dos primeiros era-lhes dada pela similaridade

de indicadores sócio-económicos, reflexo da identidade das respectivas

estruturas; pelo contrário, os espaços polarizados eram caracterizados

pela tensão existente entre os seus diferentes componentes, geradora

de interdependências.

Considera-se hoje esta concepção demasiado simplista. Tanto

umas como outras são potenciadoras de alianças, de solidariedades e

de interdependências. O seu estabelecimento tanto surge entre

estruturas homogéneas (espaços homogéneos), como entre estruturas

complementares (espaços polarizados)20. Depende menos da distância

que as separa e mais da capacidade de relacionamento e descoberta de

oportunidades e vantagens comuns. É possível imaginar o

estabelecimento de relações de cooperação entre agentes muito

diversos, qualquer que seja a distância intercalar, por ex.:

- entre empresas pertencentes ao mesmo ramo produtivo, com

vista à melhor gestão de novas tecnologias ou de novas formas

de marketing;

- entre empresas pertencentes a ramos produtivos diferentes, mas

situados na mesma fileira produtiva ou cluster, com o

objectivo de aperfeiçoar formas de integração vertical;

- entre associações empresariais, procurando desenvolver

projectos de redes de informação de que possam beneficiar os

seus associados;

20É legítima a interrogação sobre se os espaços polarizados não constituem

uma certa forma de homogeneidade. Tudo depende do modo como forem definidosos critérios de homogeneidade.

Mais do que a distância,valoriza-se hoje a capacidadede relacionamento.

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- entre administrações públicas, promovendo acções que visem, a

reciclagem de determinadas categorias de pessoal, o

delineamento de programas que procuram determinar os

melhores circuitos de recolha de lixos, a promoção de

iniciativas culturais que reforcem as complementaridade entre

os diferentes territórios, etc.

Toda a actividade económica e humana se traduz no

estabelecimento de relações com o espaço e com o território. Ao

escolherem uma localização para as suas actividades, produtores e

consumidores consomem (usam, transformam) espaço, fazendo dele

um espaço objecto. No entanto, ao relacionarem-se com eles (e neles),

tanto produtores como consumidores, estabelecem relações de

cumplicidade. Os próprios agentes passam, de algum modo, a fazer

parte do território. O território deixa de poder apenas ser usado para

passar a ser, também, portador de interesses. O espaço deixa de ser

objecto para se tornar em espaço sujeito 21.

Nesta acepção (espaço sujeito), o território, constitui uma

unidade de coesão económico-social, justificando a explicitação de

alguma forma de organização política ou administrativa.

O território é, simultaneamente, sujeito e objecto de gestão. A

contiguidade física constitui, contudo, uma condição essencial à

unidade de administração. A contiguidade é o elemento diferenciador

entre espaço de administração22 e espaço económico. Enquanto que o

espaço económico se vem tornando cada vez mais um espaço

21 Este ponto será, de novo, retomado em 1.2.2.22A escala (área de intervenção) da unidade de administração depende da

escala dos fenómenos que determinam a coesão e a diferenciação de cada territórioem relação aos territórios adjacentes, como atrás já se salientou.

A transformação do espaçoobjecto em espaço sujeito

A contiguidade é condição deunidade de administração.

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relacional, onde a característica de proximidade é cada vez menos

relevante, a unidade de gestão (por ex. a região) exige, sob risco de

perda de eficácia23, que esteja presente a contiguidade entre os vários

territórios elementares que a constituem.

Conclui-se, sublinhando que as dinâmicas de localização

protagonizadas pelos agentes económicos, nas suas actividades de

localização, de consumo ou de produção, constituem elementos

determinantes do processo de organização do território, que é uma

outra forma de dizer, do processo de ordenamento do território.

23 Embora possam existir excepções. Em Portugal, por ex., existem

municípios em que não se verifica a condição de contiguidade territorial, como é ocaso dos municípios do Montijo e Vila Real de Santo António

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1.2. MULTIDIMENSIONALIDADE DO ESPAÇO TORNADO

SUJEITO. CONSTRUÇÃO E SALVAGUARDA DE UMA

ORDEM NO TERRITÓRIO

A análise do ponto anterior permite tomarmos como ponto de

partida que o espaço está intrinsecamente imbricado com o

comportamento dos fenómenos económicos e que não pode encarado

como uma realidade simplista, susceptível de ser reduzida ao

comportamento de uma única variável (a distância, por ex.).

Trata-se, antes, de uma realidade complexa, multidimensional,

que não pode ser olhada como um simples objecto de uso mas,

privilegiadamente, como um sujeito de interesses.

A gestão desses interesses protagonizados, em grande medida,

pelos vários agentes económicos, nem sempre pode ser linearmente

compatibilizada, sem tensões e conflitos. Nesta secção, teremos

oportunidade de analisar, porque surgem esses conflitos, como é que

os interesses vários podem ser compatibilizados de modo a poderem

gerar, uma ordem no território, isto é, um território ordenado, ou

ainda, ordenamento do território.

Esta secção será subdividida em quatro pontos. No primeiro

serão analisados os principais comportamentos de localização dos

agentes económicos. No segundo, estudar-se-á porque é que o uso do

espaço gera externalidades e como é que pode ser realizada a sua

administração. No terceiro ponto será fundamentada, em termos de

teoria económica, a racionalidade dessa administração. Finalmente, no

quarto ponto, será explicitado o conteúdo da expressão e das formas

O espaço é uma realidademultidimensional; é um

sujeito de interesses.

A compatibilização dosinteresses dos vários sujeitoseconómicos exige a adopção

de uma perspectiva deordenamento do território.

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mais correntes, através das quais se tem corporizado o ordenamento

do território.

1.2.1. Comportamentos e factores de localização

A localização das actividades assume uma dimensão económica,

precisamente porque o espaço é heterogéneo. A satisfação dos

objectivos de cada agente económico depende, em maior ou menor

medida, da sua localização e das actividades que desenvolve exigindo,

por isso, a adopção de uma postura de racionalidade económica.

Deste modo, torna-se economicamente pertinente falar de

funções de localização e dos factores que condicionam o seu

comportamento (os factores de localização).

Factor de localização é, assim, todo o elemento, de natureza

económica ou não, que diferencia o espaço e é susceptível de

influenciar as decisões de localização de actividades económicas;

produtivas (bens privados ou públicos) e/ou de consumo.

Função de localização é a função que relaciona as variáveis

representativas dos factores de localização - variáveis independentes -

com as variáveis representativas dos objectivos do agente - variáveis

dependentes (por exemplo: o lucro, o custo de produção, o risco, a

utilidade individual e a utilidade social).

Neste ponto, procuraremos compreender os comportamentos de

localização dos agentes, em particular as empresas, e dos principais

factores de localização que os determinam. Nos capítulos 3 e 4

trataremos das funções de localização das empresas, das famílias e das

administrações públicas.

A localização de actividadesé condicionada porraciocínios de racionalidadeeconómica.

Os factores de localizaçãocondicionam ocomportamento das funçõesde localização.

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Os factores de localização podem corresponder:

- A variáveis com expressão económica directa e, por

conseguinte, de fácil quantificação (por exemplo, o custo de

transporte, a renda fundiária e o nível de fiscalidade);

- A variáveis que, não tendo expressão económica directa e

sendo de difícil ou impossível quantificação24, têm influência

inegável nas condições económicas do exercício de uma

actividade (por exemplo, as economias de aglomeração25, a

qualidade das infra-estruturas de transporte e comunicação e a

língua dominante);

- A variáveis que reflectem factores de natureza pessoal dos

agentes que se localizam, cuja racionalidade económica pode

ser bastante mais difusa ou mesmo nula (por exemplo,

residência dos familiares do empresário, os equipamentos

culturais e as condições ambientais naturais).

A importância de cada factor de localização é muito variável, de

acordo com a natureza da actividade e com o tipo de agente. Um

determinado factor de localização (por exemplo os custos de

transporte) será ponderado de forma diferente na função de

localização, consoante estejamos perante: uma empresa de indústria

ligeira e de elevado conteúdo de valor acrescentado ou uma indústria

pesada de baixo conteúdo de valor acrescentado; uma empresa ou uma

família; uma grande empresa ou uma pequena empresa familiar; uma

família de grandes recursos financeiros ou uma família de fracos

recursos financeiros.

24 E que por isso alguns autores têm designado por variáveis latentes.

Os factores de localizaçãotêm múltipla natureza.

A ponderação dos factores delocalização depende da

natureza das actividades;

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Do mesmo modo a importância dos factores de localização é

muito variável no tempo. O progresso tecnológico tem vindo a alterar

o conteúdo das actividades e as condições de comunicação, bem como

os próprios hábitos sociais e culturais de vida. Deste modo,

poderemos, por exemplo, genericamente afirmar que a dependência das

localizações em relação aos custos de transporte tem vindo a diminuir,

enquanto a proximidade de importantes bolsas territoriais de oferta de

recursos humanos altamente qualificados tem vindo a tornar-se

decisiva para a localização de um número crescente de actividades.

É igualmente inquestionável a importância crescente que factores

de ordem ambiental (naturais, infra - estruturais, culturais e sociais)

têm vindo a exercer nos comportamentos de localização das famílias e,

em consequência, nos comportamentos de localização das próprias

actividades produtivas26.

Finalmente, interessa referir que a importância dos factores de

localização se afere também de modo diferente de acordo com a

dimensão das escalas espaciais. Isto é, há factores diferenciadores dos

espaços nacionais entre si, sendo a esse nível territorial que a sua

influência se exerce. Noutros casos a diferenciação estabelece-se ao

nível regional ou ao nível local; noutros, ainda, estabelece-se a nível

supranacional. A relevância de cada factor de localização estabelece-se

à escala em que é diferenciador do espaço.

As condições macro - económicas ou a estrutura legislativa

fundamental com incidência económica (constituição económica),

25 Economias externas resultantes da proximidade geográfica entre

actividades, que trataremos mais detalhadamente no ponto seguinte.26 Nalguns casos de actividades produtivas, inclusive industriais, as

condições ambientais naturais são determinantes da localização. Por exemplo, a

do momento do tempo emque a questão é analisada;

da importância atribuída aquestões de ordem ambiental;

da dimensão das escalasespaciais.

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40

constituem factores de enquadramento do exercício das actividades

económicas que reportam a escolha da localização para o nível do país.

Por exemplo, um agente que atribua importância prioritária a um

enquadramento legislativo pouco burocrático, começará por procurar

um país que ofereça essa condição.

O espaço da União Europeia apresenta alguns factores de

diferenciação relativamente aos espaços extra-comunitários. A

circulação de produtos e de factores entre os países da UE é livre, pelo

que as empresas que procuram privilegiar o mercado europeu como

mercado alvo tendem a procurar localização no interior do espaço da

UE para beneficiarem dessa liberdade de circulação,

independentemente de considerações relativas a custos de transporte.

A fixação do local preciso no país escolhido, será efectuada com

base noutros factores cuja importância reportamos à escala regional ou

local, por ser a esses níveis que são diferenciadores do espaço. Assim,

por exemplo, num país que disponha de um sistema de incentivos

financeiros e fiscais ao investimento diferenciado regionalmente, esse

sistema constitui um factor de localização de âmbito regional.

A renda fundiária apresenta, normalmente, forte diferenciação

entre os vários centros urbanos; por isso, é frequente encontrarmos na

imprensa económica rankings das principais cidades europeias ou

mundiais, de acordo com os custos imobiliários dos espaços para

escritórios.

A importância dos factores de localização, reportáveis às

diversas escalas do espaço, é variável com a dimensão do espaço de

referência dos agentes que procuram localizar-se. Os factores de

qualidade do ar constitui factor de localização decisivo para a fabricação de alguns

Os factores deenquadramento

Os factores diferenciadores àescala regional ou local

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41

ordem internacional só serão verdadeiramente factores de localização

para os agentes cujo problema de localização seja equacionado no

espaço internacional: normalmente as grandes empresas.

Quando as opções de localização estão à partida limitadas a um

determinado país ou região27, então o problema de localização passa a

ser um problema meramente regional ou local, sendo potencialmente

significativos apenas os factores relevantes a essas escalas.

Nos parágrafos anteriores apresentámos alguns parâmetros

definidores dos factores de localização bem como alguns exemplos

destes factores. A enumeração e classificação exaustivas dos factores

de localização não só não é tecnicamente possível como se afigura

desnecessária. Há uma multiplicidade de factores que normalmente

influem nas localizações e há muitos outros cuja influência se reporta a

actividades e agentes muito precisos. Do mesmo modo, podemos

encontrar diversas nomenclaturas de classificação dos factores de

localização. No presente texto iremos apenas salientar alguns factores

por tipo de agente.

Começando pelas empresas, o quadro 1.1.-2, elaborado a partir

de um inquérito efectuado para os serviços da Comissão Europeia em

componentes electrónicos.

27 Porque o agente não dispõe de capacidade para resolver o problema numespaço mais amplo. Se o agente auto-limita o seu espaço de referência, porque estásatisfeito com a nação ou a região em que pretende operar, a questão é diferente,porque houve uma escolha, ainda que meramente implícita e não fundamentada emcálculo económico rigoroso.

Os factores de localizaçãodas empresas.

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42

1992, dá-nos uma sistematização interessante dos factores de

localização considerados relevantes por uma amostra de investidores

de âmbito internacional.

QUADRO 1.1.-2. A importância dos factores de localização, nacionais e regionais,

por tipo de actividade produtiva

Indústria

SECTORES Tradicional Altas

Tecnologias

Sedes

Multinacionais

Distribuidoras

Europeias

Serviços Inv. & Des.

N R N R N R N R N R N RFACTORES DE VENDAS:- Proximidade ao mercado nacional- Prox. ao mercado comunitário.- Presença de empresas similares- Disp. de serv. de apoio e de I&D- Disponibilidade de espaços

00++

0+

0

00++ +

++00

00000

0++

00

00++00

0+00

0+++++

+++0

ENQUADRAM. NACIONAIS ELOCAIS:- Fiscalidade empresas- Língua- Incentivos e postura governam.- Assistência financeira

000

++00

0+00

++00

00000 +

00000

00000

000

000

FACTORES LABORAIS:- Disponibilidade- Qualificações- Relações laborais

0

0

00+0

0++0

00++0

00 00+0

+0

++0

++0

++00++

FACTORES DE CUSTO:- Custos fundiários e imobiliários- Custos do trabalho

000

0000

00

00

00 00

000

0000

000

INFRA-ESTRUTURAS:- Qualidade das estradas /cam. ferro- Proximidade de porto- Proximidade de aeroporto- Qualidade das telecomunicações

00000

00000

++0++

++0++

0

++++

00

++++

++++++++

++++++++

++

++++

++

++++

+

++

+

++

QUALIDADE DE VIDA EFACTORES PESSOAIS:- Factores culturais- Escolas para estrangeiros- Equipamentos educativos- Equipam. desporto e lazer- Atractividade global da área

0 0 0+

0++++

++

0+ ++

++

++

0

+

0+++

++

+++

++Legendas: N - Factores nacionais R - Factores regionais

++ crítico, crescente+ importante, crescente

oo crítico, estávelo importante, estável

FONTE: adaptação a partir de BOECKHOUT (1992)

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43

Este quadro é interessante, não apenas pela sua actualidade mas,

também, pelo facto de ponderar os factores de acordo com as

diferentes dimensões que abordámos anteriormente, a saber: sectores,

âmbito espacial, tipo de factor e importância evolutiva do factor. De

facto, a cada um dos factores foi atribuída pelos empresários inquiridos

uma classificação que vai do importante ao crítico 28, e do estável ao

crescente.

Ao analisar-se aquele quadro terá interesse verificar-se o modo

como aquelas classificações relacionam os diferentes tipos de factores

com os tipos de actividades. Elas mostram a sofisticação crescente dos

factores de localização, à medida que passamos das actividades

industriais tradicionais para as de terciário superior.

Tem igualmente interesse verificar o modo como as

classificações relacionam os diferentes tipos de factores com as escalas

territoriais (nacional e regional), onde podemos verificar que há

factores considerados relevantes em ambas as escalas. Isto mostra-nos,

que não interessa apenas a variação territorial dos factores; interessa,

também, a apreensão que os agentes fazem dessa variação. Deixamos

ao leitor a tarefa de reflexão sobre aquele quadro.

Interessa ainda aqui referir que aquele quadro reflecte as opiniões

de empresários responsáveis por empresas de grande dimensão com

poder económico e tecnológico suficiente para poderem basear as suas

decisões de localização em estudos em que, normalmente, são

avaliadas algumas alternativas de localização. Por isso poderemos dizer

que, estamos perante casos de localização óptima. Nestes casos,

aproximamo-nos da optimização da função de localização.

28 No sentido de decisivo, indispensável.

A relação entre factores eactividades.

A relação entre factores eescalas territoriais

Da localização óptima àlocalização satisfatória e àlocalização condicionada.

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Noutros casos, por falta desses meios, ou por opção deliberada

do empresário, o estudo de localização é feito apenas sobre uma

opção, o que conduz a casos de localização satisfatória. Nestes casos,

não há garantia mínima de aproximação à situação de optimização,

porque não se estudaram outras opções de localização.

Finalmente, há os casos em que a localização da empresa não

obedece a qualquer estudo de localização. Normalmente nestes casos o

empresário é induzido na escolha por um qualquer factor de

localização específico (por exemplo, a disponibilidade de uma

instalação ou a proximidade da sua residência). Trata-se de casos de

localização condicionada. Normalmente esta é a situação que ocorre

com as pequenas e médias empresas, particularmente as de natureza

familiar.

Numa outra perspectiva, que é a da dependência das empresas

em relação aos custos de distância, tem-se feito a distinção entre

empresas de localização condicionada, quando as empresas têm as

suas possibilidades de localização limitadas por uma forte dependência

da proximidade relativa a alguns locais, e as empresas foot-loose ou

de localização livre, quando as empresas não estão restringidas por

essas necessidades de proximidade pelo que dispõem de opções de

localização em número ilimitado.

A localização das famílias é assimilada à escolha residencial. A

escolha residencial é condicionada pela oferta do mercado habitacional

e, normalmente, as famílias procuram um compromisso entre a

proximidade ao local de trabalho e a proximidade a factores de

natureza ambiental (amenidades naturais e construídas).

As empresas de localizaçãocondicionada e delocalização livre.

A localização residencialdas famílias.

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À proximidade do local de trabalho correspondem normalmente

rendas mais elevadas por se tratar de zonas com maior procura

imobiliária por parte de actividades com maior capacidade de

pagamento de renda - os business centers das cidades. O mesmo

fenómeno pode acontecer em zonas que sendo essencialmente

residenciais, devido às amenidades oferecidas são alvo de forte pressão

da procura. O afastamento em relação a umas e outras traduz-se em

rendas mais baixas mas, também, em custos de distância mais elevados

(custos e tempos de transporte).

As opções de localização são, normalmente, determinadas pela

disponibilidade orçamental das famílias para o bem habitação. As

famílias mais ricas podem mais facilmente procurar localizações mais

próximas dos referidos business centers, ou localizações mais ricas em

amenidades compensando as maiores distâncias ao local de trabalho

com o recurso a melhores e mais caros meios de transporte (o carro

próprio). As famílias mais pobres ficam normalmente mais sujeitas às

opções residenciais que lhes propiciem menores custos financeiros,

desvalorizando os custos que não têm expressão monetária (tempo de

transporte).

Na medida em que a prestação dos bens públicos não se processa

através do mercado, a sua implantação territorial por parte das

Administrações Públicas, processa-se através de critérios de

planeamento. Com estes critérios, que serão objecto de tratamento

mais circunstanciado no capítulo 4, procura-se estabelecer o

compromisso entre um princípio de equidade e um princípio de

eficiência.

Segundo o princípio de equidade, estabelece-se um esforço

máximo de acesso dos utentes ao bem. Em termos meramente

A prestação dos benspúblicos não se processaatravés do mercado

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46

espaciais, isso corresponde a estabelecer uma distância máxima (ou

custo de transporte, ou tempo de transporte, máximos) para aceder ao

bem. Este critério tende a diminuir a dimensão da região servida pelo

bem - área de influência do bem, a cujo raio máximo se dá a

designação de alcance do bem.

Segundo o princípio da eficiência, procura-se estabelecer uma

escala de produção do bem, mínima (em termos da população servida),

que justifique os recursos a utilizar. Este critério tende a aumentar a

dimensão da região servida pelo bem. Nem sempre um e outro critério

conduzem aos mesmos resultados, o que obriga a decisões de carácter

político. Trata-se, no fundo, de definir qual a margem de sacrifício, ou

violação, que há-de ser imposta a um e outro critério.

A melhoria das vias e meios de transporte pode constituir um

modo de garantia da acessibilidade ao bem, alternativo ao da

intensificação da sua implantação territorial.

A decisão de localização de qualquer tipo de agente corresponde,

normalmente, a uma decisão estrutural, na medida em que a sua

reversibilidade pode implicar custos importantes. Deste modo, o

conhecimento do espaço e a adequada escolha e ponderação dos

factores de localização constituem condições para a tomada de opções

propiciadoras da satisfação das funções objectivo dos agentes.

Particularmente, no caso das empresas, cada localização fornece

um enquadramento determinado à sua actividade. Deste

enquadramento podem resultar vantagens ou desvantagens

competitivas. Certamente que a competitividade da empresa depende

também da sua estruturação interna. Devemos, no entanto, ter presente

que um boa estruturação interna pode ser mais do que compensada por

Os princípios da equidade eda eficiência

A irreversibilidade, a curto emédio prazos, das decisões de

localização.

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47

um mau enquadramento locacional que leve a empresa a tornar-se

inviável.

O conhecimento dos factores de localização e da importância que

lhes é atribuída pelas diferentes actividades não importa apenas aos

agentes que se localizam, interessa também aos agentes que, tendo

responsabilidades nas políticas de ordenamento e desenvolvimento do

território, precisam de identificar objectivos e instrumentos para essas

políticas. Neste contexto, deveremos ter presente que a compreensão

dos padrões de ocupação do espaço em cada momento, exige o

conhecimento não apenas dos factores actuais mas, também, dos

factores passados. Isto é, torna-se necessária uma perspectiva histórica

que complemente o conhecimento da realidade actual.

Se quisermos, por exemplo, compreender a realidade actual da

mancha industrial centrada na Covilhã, temos de recorrer ao passado

para sabermos quais foram os factores que estiveram na origem, há

cerca de três séculos, do núcleo inicial da indústria de lanifícios - a

proximidade de zonas de pastorícia e a disponibilidade de água para

energia motriz e lavagem das lãs - e os factores que determinaram a

sua evolução para a situação actual, em que a indústria dos lanifícios

assume características muito diferentes e menor incidência regional.

Apesar de todas as flutuações da actividade produtiva, a região

diversificou-se já não com base naqueles factores naturais mas,

sobretudo, devido às economias de aglomeração, que se foram

produzindo, e ao desenvolvimento de uma classe empresarial local.

Neste momento os factores naturais continuam a ser importantes para

a região mas, sobretudo, do ponto de vista da atracção de outro tipo

de indústria (serviço) - o turismo.

Os factores de localização eas políticas de ordenamentodo território.

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1.2.2. As externalidades e as economias de aglomeração no

uso do espaço

Para o desenvolvimento das suas actividades e obtenção dos seus

objectivos, os agentes económicos necessitam de espaço, como com

clareza se mostrou na secção anterior. Pelo preço que têm que pagar

pela sua posse e uso este surge como um input de produção, para as

administrações privadas ou públicas29 e como um bem de consumo

final, para as famílias.

Nesta perspectiva estrita o espaço é um objecto de uso, a que

cada um, desde que se disponha a pagar o preço de mercado, tem

acesso e utiliza de acordo com uma determinada racionalidade. O

espaço não possui, contudo, a propriedade da divisibilidade perfeita. O

seu uso gera externalidades, positivas e negativas30, que se não

forem convenientemente reguladas, se traduzirão por uma diminuição

do bem-estar do conjunto dos cidadãos. Quando os utilizadores de

espaço se encontram suficientemente próximos uns dos outros, e a

dimensão das actividades o justifica, as externalidades espaciais

designam-se por economias ou deseconomias de aglomeração.

São exemplos de externalidades espaciais positivas, por ex., a

construção de uma fábrica num espaço que é posteriormente

ajardinado e que pode criar ambiente para que outras iniciativas

empresariais se sintam incentivadas a adoptar comportamentos

29 Estas também usam o espaço quer, quando a partir dele disponibilizam

bens públicos quer, quando regulam o seu uso.30 Para um desenvolvimento mais aprofundado deste conceito pode

consultar-se, com vantagem, um bom manual de micro - economia ou, por ex. TheNew Palgrave. A Dictionary of Economics.

O espaço pode ser encaradocomo um mero objecto de

uso, transacionável nomercado.

Contudo, a não verificaçãoda propriedade da

divisibilidade perfeita, fazaparecer externalidades e

economias ou deseconomiasde aglomeração.

Alguns exemplos deeconomias e deseconomias de

aglomeração.

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idênticos. Todas as situações geradoras de poluição por via do ar, ou

da água, são exemplos de externalidades negativas.

A compreensão do conteúdo das economias de aglomeração

exige que sejam explicitadas duas referências: a de externalidade e a de

aglomeração. Colocam-se, depois, as questões: externo em relação a

quê?; o que é que é aglomerado?.

A resposta a estas duas questões permitirá identificar dois tipos

de economias de aglomeração: as economias de localização, ou

justaposição, e as economias de urbanização.

As economias de aglomeração são as economias de que

beneficiam as empresas, em consequência de aumentos de

produtividade, cuja origem é externa ao seu comportamento31 e que

têm a sua origem na existência de uma aglomeração em que a empresa

se insere. Por isso, as economias de aglomeração são externas em

relação às empresas, mas são internas em relação à aglomeração.

As aglomerações não têm, no entanto, todas as mesmas

características. Podemos estar na presença de uma aglomeração de

actividades do mesmo tipo, ou entre as quais existem

interdependências tecnológicas fortes. Pelo simples facto de se

encontrarem localizadas, com relativa proximidade umas em relação às

outras, geram benefícios mútuos, em termos de custos de

disponibilidade de inputs, ou de acesso a mercados, que podem

traduzir-se por vantagens significativas em termos de produtividade.

Designam-se estas vantagens por economias de aglomeração, de

localização ou de justaposição.

31 Inversamente se raciocinaria para a análise das deseconomias de

aglomeração.

Porquê externalidade?;porquê aglomeração?

As aglomerações deactividades do mesmo tipo eas economias de localização.

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50

São exemplos destas economias as que são consequência da

disponibilidade de mão de obra qualificada, de acesso mais fácil ao

conhecimento de tecnologias e mercados, do tratamento mais

adequado de efluentes poluentes, etc. Estas áreas são, por vezes,

designadas como bacias industriais. Em Portugal encontramos

situações deste tipo nas grandes concentrações industriais do têxtil

(Vale do Ave), do calçado (S. João da Madeira e Felgueiras), dos

moldes para plásticos (Marinha Grande e Oliveira de Azeméis), etc.

Podemos ainda falar de economias deste tipo a propósito da

concentração de actividades de serviços, nos grandes centros

comerciais.

Em lugar da aglomeração de actividades do mesmo tipo, pode

estar-se na presença de uma aglomeração onde estão presentes

actividades múltiplas, em geral dando origem ao desenvolvimento de

cidades e outras concentrações urbanas. Aqui as economias também

são externas em relação às actividades e continuam a ser internas em

relação à concentração urbana.

A natureza dos benefícios que são gerados, quando se está na

presença de actividades muito diversificadas, concentradas num mesmo

espaço, é muito semelhante à das economias de localização: menores

custos de acesso a mercados de inputs e a mercados de outputs. O que

muda não é a natureza dos benefícios mas, antes, a sua tipologia. A

mão de obra qualificada a que uma empresa tem acesso não tem que

ter origem noutra empresa do mesmo ramo de actividade, mas pode ser

uma consequência da existência de centros de formação (universidades,

por ex.) existentes na mesma cidade ou região. O mesmo se pode dizer

a propósito da disponibilidade de boas acessibilidades, de centros de

As aglomerações deactividades diversificadas e

as economias deurbanização.

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saúde ou de lazer prestigiados, etc. Designam-se estas vantagens por

economias de aglomeração de urbanização.

Na potenciação de ambos os tipos de economias desempenham

um papel essencial as administrações públicas, através da produção e

distribuição de bens e serviços públicos32, de que são exemplo as infra -

estruturas de acessibilidades, de saúde, de educação, de lazer, de

regulação, do uso do solo, do tráfego, etc. Todos estes bens e serviços

são indispensáveis, ou complementam, a boa utilização dos fluxos que

as empresas, ou os agentes, geram entre si.

Até aqui privilegiamos a abordagem do ponto de vista positivo,

isto é, do ponto de vista do aparecimento e desenvolvimento de

economias. Contudo, estas economias não têm tendência para se

desenvolver indefinidamente. Também aqui, se está sujeito à lei dos

rendimentos decrescentes, reveladora, como nos outros casos, de

violações na proporção adequada do uso das diferentes componentes

que dão origem às economias de aglomeração. Isto significa que a

partir de uma determinada dimensão, da cidade por ex., em vez de

economias de aglomeração começam a surgir deseconomias ou, talvez

mais correctamente, começam a coabitar economias em determinadas

áreas, com deseconomias em outras.

O fenómeno do aparecimento das deseconomias de aglomeração

(congestionamento, no tráfego, nos serviços dos hospitais, etc.) é

frequentemente associado ao crescimento da dimensão da cidade. É

uma apreciação que deverá ser ponderada judiciosamente, porque o

que normalmente está em jogo não é a dimensão da cidade mas, antes,

a falta de qualificação das suas infra - estruturas, dos seus

As economias deaglomeração e a produção edistribuição de bens eserviços públicos.

As deseconomias deaglomeração.

A falta de qualificação dascidades.

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52

equipamentos e dos bens e serviços produzidos, para a dimensão que

possui a cidade.

Por. ex., apesar de todos os esforços desenvolvidos pelas

administrações públicas com competências na administração da cidade

de Lisboa, com vista a promover e aumentar a sua competitividade,

face a outras cidades europeias, esta é, ainda, uma cidade longe de

poder ocupar uma posição equivalente.

Uma conclusão fácil que poderá haver quem tire é a de que tal se

deve ao facto de Lisboa ter crescido demasiado. Parece mais correcto

admitir que estamos, antes, perante uma insuficiência da sua dotação

qualificada em termos de equipamentos colectivos e do seu

funcionamento. Não é a cidade, ou Área Metropolitana de Lisboa, que

são grandes. Pelo contrário, elas, apenas, são grandes para as dotações

infra - estruturais que possuem.

Os exemplos apresentados mostram, com clareza, que o uso do

espaço não pode ser deixado à simples iniciativa dos indivíduos.

Quando as externalidades são positivas o conjunto da sociedade não

beneficia delas tanto quanto daí se poderia esperar, porque há um

número restrito de consumidores que delas se apropriam para seu uso

exclusivo. Quando as externalidades são negativas é o conjunto da

sociedade que suporta as deseconomias provocadas por um, ou por um

número restrito, de consumidores, quando deveriam ser os agentes que

estão na sua origem os únicos a sofrer as suas consequências.

32 Para uma melhor qualificação dos bens e serviços públicos são os leitores

remetidos para um bom manual de Economia Pública.

O espaço deixa de ser ummero bem privado, para

poder, também, transformar-se num bem público.

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53

1.2.3. O espaço objecto, o espaço sujeito, a dimensão dos

espaços e o estabelecimento de consensos no seu uso

A existência de externalidades transforma, como acabámos de

ver, o espaço de bem privado em bem público, cujo consumo, como

todos os bens públicos, deverá estar sujeito a regras de gestão

colectiva, formuladas de acordo com critérios de consenso social. As

tarefas de planeamento e regulação do uso do solo, levadas a cabo

pelas Câmaras Municipais, de que os Planos Directores Municipais

constituem bons exemplos, são tentativas para disciplinar a ocupação

do espaço.

Na perspectiva de cada agente económico o espaço é, em geral,

encarado como um objecto de uso, susceptível de se modelar à

localização de novas actividades. O espaço, assim considerado, não é

mais do que um espaço objecto33. Trata-se de uma perspectiva que

esquece uma dimensão fundamental da transformação do espaço, por

via das localizações: o facto de as localizações de actividades serem

também localizações de homens, que estabelecem entre si relações,

interesses e criam instituições para os regular ou promover.

Localizar uma nova actividade nunca é, por isso, uma questão

que possa ser considerada como indiferente às localizações

preexistentes e simetricamente. O desenvolvimento de novas

actividades num determinado espaço pode articular-se coerentemente

com as actividades que aí estavam presentes anteriormente, mas pode,

também, pôr em causa alguma situação estabelecida, tornando-se

incompatível com algum espaço de interesses já estruturado. O espaço,

33 Ver o que a este propósito já se disse no ponto 1.1.3..

De objecto, o espaçotransforma-se num sujeito deinteresses.

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54

além de objecto de uso torna-se, por isso, também, sujeito de

interesses, como que animado de vida e personalidade próprias.

As relações de cada espaço com o exterior é determinada, não

apenas por via das localizações e interdependências geradas mas,

também, através de múltiplas relações de outro tipo, que são

estabelecidas com outros espaços, de igual ou diferente dimensão:

regiões com regiões (do mesmo espaço nacional ou de espaços

nacionais diferentes), regiões com municípios, regiões com o espaço

nacional, etc.

Quer sejam considerados como objecto, ou como sujeito, os

espaços são caracterizados por dimensões físicas e económicas muito

diversas (as cidades, as regiões, o espaço nacional). Designaremos

essas dimensões por escala. Do ponto de vista da economia diz-se que

uma escala tem relevância, na medida em que no interior dos seus

limites se desenvolverem e encontrarem solução fenómenos com

significado económico. Dito de outro modo, a dimensão de cada

escala é determinada pela área de influência dos fenómenos que

lhe estão subjacentes.

Na medida em que sempre que surgem fenómenos económicos

há a possibilidade do exercício de poderes de regulação, coloca-se a

questão de saber como explicitar um critério de afectação de

atribuições aos órgãos de poder territorial. Pelo menos em termos

abstractos, um tal critério pode fundamentar-se na relação existente

entre área de influência de um fenómeno e a mais pequena escala

territorial que o engloba34.

34 Uma solução com fundamentação mais descentralizadora pode ser

encontrada em Alves (1986: 90-92).

Os espaços têm umadimensão (escala) que é

função da área de influênciados fenómenos económicos

que neles se manifesta.

Não é sem dificuldades quese pode estabelecer um

critério de afectação decompetências.

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55

O critério de afectação parece simples e aparentemente isento de

ambiguidades. Contudo, as dificuldades da sua aplicação são

numerosas35. Em primeiro lugar, porque não é possível definir, em

termos totalmente objectivos, o que é a área de influência de um

fenómeno. Se é verdade que ela se pode fundamentar em alguns

elementos de natureza técnica, não é menos verdade que a sua

determinação final depende sempre de circunstâncias de natureza

política, em relação à quais os vários interessados poderão não ter

exactamente a mesma posição. O exemplo, de que alguns ainda se

recordarão, da eventual transferência da competência para autorizar a

abertura dos hipermercados ao domingo, da Administração Central

para a Administração Local, é um caso bem ilustrativo das dificuldades

que podem ser encontradas.

Em segundo lugar porque, por muito bem delimitada que tenha

sido uma área de influência de um fenómeno num determinado

momento, nada garante que, se mantenham idênticas, ao longo do

tempo, todas as suas manifestações ou que sejam valoradas do mesmo

modo, pelos vários agentes intervenientes, em momentos diferentes.

Em terceiro lugar, porque, ainda que os principais efeitos

imediatos de um fenómeno se manifestem predominantemente no

âmbito de uma determinada escala territorial, deveremos estar

preparados para ver surgir efeitos externos onde inicialmente se

adivinhavam apenas efeitos internos36. Acções que são desenvolvidas,

predominantemente, num determinado território, podem afectar,

positiva, ou negativamente, um outro território. Se o efeito é positivo,

35 O que não significa que, com facilidade, se possa encontrar outro que lhe

possa servir de alternativa.36 A Teoria Geral dos Sistemas alerta-nos suficientemente para esta questão.

Não é facilmenteobjectivável a área deinfluência de um fenómeno.

A área de influência varia aolongo do tempo.

Os efeitos indirectos podemestender a área de influênciapara além do queinicialmente se esperava.

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os sujeitos de poder do território que está na sua origem terão

dificuldade em exigir aos beneficiários comparticipação nos custos

envolvidos. Se o efeito é negativo serão os territórios prejudicados que

poderão ver arredada a possibilidade de se fazerem ressarcir pelos

prejuízos causados. Em tais circunstâncias, ou a atribuição muda para

um sujeito de poder com uma escala territorial mais elevada, ou tornar-

se-á inevitável a busca de consensos entre os sujeitos de poder

envolvidos.

Por último, as escalas territoriais não são escalas estanques mas,

antes, escalas sobrepostas. O espaço local, por ex., não é, em termos

físicos, um espaço diferente do espaço que integra o espaço regional

ou o espaço nacional. O sujeito de poder com legitimidade de

intervenção, a nível regional, tem como espaço de referência um

espaço que não é mais do que a agregação de vários espaços locais.

Identicamente se poderia raciocinar para as relações entre os espaços

regionais e o espaço nacional.

Assim sendo, nenhuma das escalas territoriais se pode considerar

como área de intervenção exclusiva de um determinado sujeito de

poder. Na escala local intervêm ou devem intervir, privilegiadamente,

as autarquias locais mas, a par destas, também as autarquias regionais37

e a autarquia central (Administração Central).

As intervenções das várias administrações, sobre um mesmo

território, não são necessariamente compatíveis. Como todas têm igual

legitimidade38 para aí intervirem, ou negoceiam e encontram um

consenso, que podendo não ser um óptimo local, corresponde, pelo

37 Se e quando e onde as houver.38 O que não é o mesmo que dizer que têm as mesmas atribuições.

As escalas territoriais nãosão escalas estanques.

Num mesmo territóriointervêm vários sujeitos de

poder, com interesses nãonecessariamente compatíveis.

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menos, a uma situação de satisfação, ou não obtêm esse consenso, e é

o poder de uma administração que se sobrepõe ao de outras o que,

sugerindo a existência de um equilíbrio, não será certamente um

equilíbrio estável.

O argumento anterior justifica que o território municipal não é

uma questão que diga respeito, apenas, às autarquias locais mas,

também, às autarquias regionais e à autarquia central. Do mesmo

modo, a administração do território regional não diz respeito apenas à

autarquia regional mas, também, às autarquias locais e à autarquia

central. O argumento continua a ser válido quando aplicado ao

território da autarquia central.

Em conclusão, o espaço, e o território que se lhe sobrepõe, são

o resultado de um conjunto complexo de inter-relações, onde escalas

territoriais e sujeitos de poder têm correspondência mútua, mas que

não pode ser entendida como exclusiva. A complexidade das

interdependências dos vários territórios é, por vezes, a origem de

conflitos entre os vários sujeitos de poder. Contudo, mais pernicioso

que os conflitos será procurar solucionar os problemas levantados

como se esses conflitos não existissem. A única solução para o conflito

é a negociação, com vista à obtenção de consensos possíveis.

A compreensão dos conceitos de espaço objecto, de espaço

sujeito e de escala de espaço, é-nos indispensável para fundamentarmos

a imprescindibilidade de uma política de ordenamento do território

Começaremos por abordar os seus principais argumentos

teóricos (teoria do bem estar) para, depois explicitarmos o conteúdo de

uma política de ordenamento do território.

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1.2.4. Da racionalidade do comportamento dos agentes

individuais a uma racionalidade colectiva.

Nesta secção procuraremos enunciar os fundamentos teóricos de

uma política de ordenamento do território. Um dos seus principais

suportes passa pela teoria do bem-estar, quando a análise dos seus

pressupostos leva a concluir, de acordo com o teorema de Arrow, pela

necessidade da explicitação de uma regra de ponderação de óptimos

individuais, com vista a que se possa escolher um, entre vários óptimos

globais possíveis.

A regra de ponderação dos óptimos é uma prerrogativa essencial

dos cidadãos que nunca poderá ser entendida como susceptível de ser

transferida para os economistas39, enquanto tais. Verificaremos que os

óptimos da concorrência perfeita, podendo ser únicos, supõem o

preenchimento dos pressupostos de funcionamento desse mercado. Se

esses pressupostos não estiverem reunidos, serão diferentes os critérios

do óptimo e maior será a justificação para a ponderação.

A ordem desejada para o território é uma consequência da regra

de ponderação escolhida. À partida são múltiplas as ordens possíveis.

Entre elas uma deverá ser objecto de opção. A política de

ordenamento do território é, precisamente, o conjunto de

instrumentos de política que hão-de permitir prosseguir os objectivos

assim enunciados.

39 Ou quaisquer outros técnicos.

A política de ordenamentodo território tem na teoria do

bem estar e no teorema deArrow um dos seus bons

suportes teóricos.

A ponderação dos óptimosindividuais só pode ser feitapelo recurso a considerações

de natureza política e não deracionalidade económica.

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Já se referiu que os agentes económicos, quando conduzidos por

critérios de simples racionalidade individual, podem optimizar os seus

objectivos, sem que isso implique, necessariamente, uma optimização

dos objectivos de todos, isto é, dos objectivos do conjunto da

sociedade. A produção de externalidades, tanto na produção, como no

consumo, são disso um exemplo esclarecedor.

Do mesmo modo, no uso do espaço, os comportamentos de

optimização individual podem não se conformar com os de uma

optimização colectiva. As racionalidades de cada um tornam-se

incompatíveis com uma racionalidade para todos. O melhor uso do

espaço, do ponto de vista individual, não se coaduna com uma ordem

no território (um ordenamento do território), colectivamente assumida.

A teoria económica mostra que, num mercado onde não

existem indivisibilidades e onde os ajustamentos se fazem de modo

instantâneo, quando os agentes económicos adoptam

comportamentos racionais, obterão uma maximização dos seus

interesses individuais. Se todos os agentes adoptarem idênticos

comportamentos, o resultado será a obtenção de um óptimo, que a

todos satisfará e, que é designado por óptimo de Pareto40.

O óptimo de Pareto é uma solução de maximização dos

objectivos de cada agente económico, caracterizada pela circunstância

de que nenhum dos agentes pode melhorar a sua situação sem que,

simultaneamente, veja deteriorada a posição de pelo menos um dos

outros agentes. Em consequência, nenhum dos agentes tem interesse,

ou poderá melhorar a sua posição sem que, imediatamente, obtenha

uma reacção dos outros.

A racionalidade individualnão é, em geral, compatívelcom a racionalidadecolectiva.

Os pressupostos e ascaracterísticas do óptimo dePareto.

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O óptimo dos consumidores é atingido se, para o conjunto dos

bens considerados, a preferência relativa for igual para todos eles.

Para os produtores, o óptimo será obtido quando a eficácia relativa

dos factores for igual em todas as empresas.

Este enunciado de critérios pressupõe duas economias

independentes que não possuem relações uma com a outra: uma

economia em que só existem consumidores e uma economia em que só

existem produtores.

Numa economia em que existem consumidores e produtores

demonstra-se que o óptimo é obtido quando:

- para todos os consumidores, é igual a preferência relativa pelos

bens;

- para todas as empresas, é igual a eficácia relativa dos factores;

- para o conjunto da economia, se verifica que a preferência

relativa pelos bens é igual à eficácia relativa dos factores.

Há um resultado muito importante, nem sempre

convenientemente sublinhado e que, na perspectiva do ordenamento do

território, importa aqui sublinhar: o óptimo de Pareto não é único.

Uma vez encontrado um óptimo, é verdade que a posição de um

agente não pode ser melhorada sem piorar, pelo menos, a de um dos

outros. Mas, basta que dois agentes troquem de posição, isto é, que

um agente veja deteriorada a sua situação e que um, ou vários outros,

a vejam melhorada, correspondentemente, para que continuemos a ter

um óptimo. Só que o óptimo agora obtido já não é o óptimo original.

40 Veremos que é possível obter óptimos de Pareto mesmo quando aquelas

condições não estão satisfeitas

Os critérios de óptimo paraos produtores e para os

consumidores.

Não existe unicidade doóptimo de Pareto.

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Par que se verifiquem transacções no mercado, de modo que

produtores e consumidores compatibilizem a satisfação dos seus

objectivos não basta, no entanto, que cada um dos conjuntos de

agentes tenha determinado uma situação de óptimo. É necessário que,

uma vez definido o óptimo, os diferentes agentes encontrem um

veículo que lhes permita entrarem em contacto uns com os outros.

Esse veículo é um sistema de preços. Quando existe um óptimo e

existe esse sistema de preços diz-se que estamos numa posição de

equilíbrio.

Assim, um equilíbrio só será obtido se, a um óptimo obtido nas

condições anteriores, for possível fazer corresponder um sistema de

preços, de tal modo que:

- para todos os bens e todos os consumidores, são iguais as suas

preferências relativas e os seus preços relativos;

- para todos os factores e todos os produtores, são iguais as suas

eficácias relativas e os seus preços relativos;

- para todos os bens, as suas preferências relativas são iguais à

sua eficácia relativa e aos seus preços relativos.

Só que um tal sistema de preços nem sempre existe, e

quando existe, nem sempre está garantido que seja único. As

únicas conclusões que é possível provar, é que, num mercado de

concorrência perfeita, se a um óptimo for possível fazer corresponder

um sistema de preços (teorema da existência), então esse sistema de

preços é único (teorema da unicidade) e um só equilíbrio existe41.

41 Para quem desejar desenvolver mais este ponto pode consultar com

proveito Binger e Hoffman (1987: 315-374) e Malinvaud (1979: 139 e segs.).

Um óptimo não énecessariamente uma posiçãode equilíbrio.

As condições de equilíbrio

O equilíbrio em concorrênciaperfeita

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Reunir as condições necessárias ao funcionamento de uma

economia de concorrência perfeita é tarefa difícil, para não dizer

impossível. São numerosas as circunstâncias que conduzem à presença

de indivisibilidades, de rendimentos crescentes na produção e de não

saciedade no consumo. A ausência de mercados de concorrência

perfeita não destrói a possibilidade da existência de óptimos, só que,

nessas circunstâncias, os seus critérios são diferentes dos da

concorrência perfeita.

Por ex., quando existem externalidades e elas justifiquem a

presença de bens públicos demonstra-se que existe um óptimo quando:

- para os bens privados, se verificam as mesmas condições

anteriores, isto é, a igualdade, para esses bens, entre a

preferência relativa dos bens, a eficácia relativa dos factores e

os seus preços relativos;

- para cada um dos consumidores, a soma das preferências

relativas de cada bem público, em relação a cada bem privado,

é igual, ao recíproco (com sinal menos) da eficácia relativa do

bem público com o bem privado e aos respectivos preços

relativos42.

Estas constatações mostram que são possíveis (e desejáveis)

óptimos diferentes dos da concorrência perfeita. Estar-se-á a adoptar

um comportamento irracional se, para se prosseguir um óptimo, numa

situação que não é de concorrência perfeita, se adoptarem critérios de

óptimo que são os da concorrência perfeita.

Definidos, com rigor, os critérios que, em cada circunstância,

permitem chegar ao óptimo, nem por isso está garantida a possibilidade

Só é possível garantir ascondições de unicidade e

existência num mercado deconcorrência perfeita, mas a

reunião das suas condiçõesde funcionamento é

praticamente, impossível.

É, no entanto, possíveldefinir critérios de óptimo

para mercados diferentes dosde concorrência perfeita.

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de obtenção de uma solução estável. Com efeito, e como já se referiu,

os critérios de óptimo não garantem a sua unicidade, colocando-se

então a questão de saber como escolher um, entre vários óptimos

possíveis.

A teoria do bem-estar procurou encontrar uma resposta para

esta questão da indeterminação do óptimo, através da explicitação de

uma função de bem-estar43. Trata-se de uma função que tem como

argumentos as funções objectivo de cada um dos agentes económicos.

A indeterminação do óptimo é levantada substituindo na função de

bem-estar, os seus argumentos, pelos valores que estes obtêm em cada

um dos óptimos. Ao realizar esta substituição obtém-se uma ordenação

dos vários óptimos sendo, a partir daí, possível escolher o que atribui

um maior valor à função de bem-estar.

A realização da substituição tem, no entanto, um pressuposto

sobre o qual não podemos deixar de reflectir. Com efeito, admite-se

que as satisfações individuais (os óptimos) têm todas o mesmo valor, o

que é o mesmo que dizer que nos atribuímos a possibilidade de realizar

comparações interpessoais de satisfação. Ora, tal não pode ser

realizado senão através da explicitação de juízos de valor44.

Não cabendo ao economista a explicitação de juízos de valor, se

não existirem contribuições do exterior, ele torna-se incapaz de

determinar qual é o óptimo dos óptimos.

42 Cf. , por ex., Malinvaud (1979: 217 e segs.).43 Com frequência designada como função de bem-estar social ou função

social de bem-estar.44 E dizer que têm todas o mesmo valor, ou que têm valor diferenciado tem,

em termos de o economista se atribuir capacidade para emitir juízos de valor, omesmo significado.

Havendo uma multiplicidadede óptimos, a teoria do bemestar procurou dar resposta àquestão de saber qual delesescolher.

O resultado é, contudo,quase decepcionante, poispressupõe que é possívelrealizar comparaçõesinterpessoais de utilidade.

Os axiomas de Arrowmostram a impossibilidadede definir um óptimo globale, simultaneamente,satisfazer as suas condições.

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Debatendo este problema, Arrow procurou enunciar um

conjunto de cinco condições (que vieram a ficar conhecidas pela

designação de axiomas de Arrow) a que deveria satisfazer qualquer

óptimo global45, demonstrando, seguidamente, que não é possível

definir um óptimo global e, simultaneamente, satisfazer as cinco

condições enunciadas 46.

Não podendo o economista, só por si, definir um óptimo global,

tal não significa que não seja possível enunciá-lo, só que tal deverá ser

feito mediante o recurso à explicitação de juízos de valor, o que é a

vocação nobre de quem toma decisões políticas, mas não a do

economista, enquanto tal.

Admitindo ultrapassada a questão de saber qual é o óptimo dos

óptimos, vale a pena interrogarmo-nos em que medida é que a

satisfação das condições necessárias para atingir um óptimo pode

constituir um critério orientador das decisões de política económica.

Determinadas as condições de funcionamento da economia (o tipo de

mercado), satisfazer as referidas condições necessárias, pode ser

sempre considerado como permitindo resultados superiores aos que

seriam possíveis se essas condições não fossem satisfeitas.

Mais interessante, no entanto, é o caso de uma economia onde,

por razões de natureza institucional (por ex. desigualdades na

repartição inicial do rendimento demasiado gravosas), não é possível

satisfazer alguma ou algumas das condições de óptimo. Será legítimo

então dizer que, não sendo possível cumprir algumas das condições,

sempre é preferível cumprir as restantes, do que não cumprir

45 Condições, da unanimidade, da transitividade, da independência, da

ausência de condicionamentos exteriores e da inexistência de atitudes ditatoriais.46 Teorema da Impossibilidade.

A determinação do óptimoglobal pressupõe a

explicitação de juízos devalor; a simples

racionalidade económica nãopermite levantar a

indeterminação.

As condições de óptimo deconcorrência perfeita devem

poder ser satisfeitassimultaneamente; se uma

delas o não for, não nosaproximaremos de umóptimo continuando a

procurar que sejamsatisfeitas as restantes.

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nenhuma?. A teoria do second best (óptimo de segunda ordem) diz-

nos que se, por qualquer razão, não for possível satisfazer alguma, ou

algumas, das condições necessárias de óptimo, então não é necessário,

nem desejável, que se prossiga na via de procurar satisfazer as

restantes condições.

Este resultado tem implicações notáveis em termos de política

económica. Se admitirmos uma economia de concorrência perfeita e

quisermos determinar o ou os óptimos possíveis, há que começar por

satisfazer as suas condições necessárias. Se um dos pressupostos do

funcionamento do mercado de concorrência perfeita47 se não verificar

(por ex. a informação perfeita, o que viola a regra da independência

dos agentes no óptimo), a teoria do second best diz que não deveremos

prosseguir na via de procurar satisfazer as outras condições. Em lugar

disso, o que deve ser feito é determinar as características do mercado

em causa e, a partir delas, determinar as condições de óptimo que lhe

correspondem (óptimo de segunda ordem).

O objectivo do óptimo de segunda ordem é ainda desejável

quando as limitações não resultam da falta de verificação das condições

necessárias, mas sim da impossibilidade de, por razões institucionais se

tornar impossível realizar, dentro das condições necessárias referidas, e

em termos socialmente aceitáveis, a compatibilização dos objectivos da

eficácia e da equidade. A compatibilização só se torna possível

mediante a introdução de juízos de oportunidade política. Nestas

circunstâncias, em lugar de se procurar atingir o óptimo (inicial)

deverá, tendo em conta os referidos juízos de oportunidade e as

restrições que se colocam à intervenção das administrações,

47 E são em maior número as razões para a não verificação, do que as razões

para a verificação.

Trata-se de um resultadocom consequênciassignificativas em termos depolítica económica.

Para além da não verificaçãode condições lógicas, razõesde natureza institucionalpodem justificar que seprocure um óptimo desegunda ordem, em lugar deum óptimo de primeiraordem.

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prosseguir-se na via da obtenção de um óptimo de segunda ordem, que

seja um óptimo aceitável.

Por ex., pode considerar-se que, com vista a superar

determinadas desigualdades sociais, é mais vantajoso considerar um

determinado bem48 como público do que como privado49. Se isso

acontecer, não é legítimo dizer-se que tal terá como consequência uma

menor eficácia económica e uma menor racionalidade na condução da

política económica. Paradoxalmente, isso só será verdade se, num

mercado com bens públicos, tentarmos caminhar para um óptimo

seguindo critérios que são os de um mercado onde só existem bens

privados.

As considerações anteriores, em torno das condições fundadoras

(necessárias) da realização de óptimos, são importantes, porque

revelam que é pernicioso, em lugar de vantajoso, incentivar o

cumprimento de regras de mercado (entenda-se de mercado de

concorrência perfeita) quando não estão reunidos todos os

pressupostos do seu funcionamento, ou quando assenta numa

repartição inicial dos recursos que socialmente é considerada

inaceitável.

48 Eventualmente, um bem de natureza social (determinados serviços de

saúde) ou cultural (a existência de uma ópera ou de um grupo de cinema deanimação).

49 Contrariamente ao que, com frequência se julga, a consideração de umbem como público ou como privado, assenta em critérios de natureza técnica (nãorivalidade e não exclusividade), mas fundamenta-se também em critérios denatureza política e, em nenhum caso se deve considerar que os primeiros se devemsobrepor aos segundos. A consequência é a de que se os critérios técnicos foremultrapassados por critérios políticos, então terá a sociedade de aceitar suportar asconsequências positivas, ou negativas, que daí resultem. Poderia ainda levantar-se aquestão de saber em que medida é que os critérios da não rivalidade e da nãoexclusividade têm natureza técnica ou (e) natureza política.

A natureza pública dos bensnão depende, apenas, de

considerações acerca da suanatureza ou das tecnologiasutilizadas na sua produção,

mas, também, de juízos denatureza institucional.

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A teoria do óptimo, contrariamente ao que normalmente se

entende, fundamenta o funcionamento do mercado, mas fundamenta,

igualmente, as intervenções de política das administrações. Ela é

compatível com a existência de medidas de orientação, ou de

intervenção, por parte das administrações públicas.

Ora, devido à existência de externalidades, as administrações

públicas não podem deixar de emitir orientações com vista à

organização do território e, em particular, ao ordenamento do

território . O ordenamento do território, uma vez coerentemente

assumido, passa a ser uma componente da função de preferência social,

devendo ser considerado parte integrante do objectivo da obtenção de

um óptimo e não um seu obstáculo.

1.2.5. O ordenamento do território: do ordenamento do

território suportado ao ordenamento do território

assumido

A expressão ordenamento do território tem subjacente o

pressuposto de que existe um território que é, ou pode, ser ordenado,

isto é, organizado. Para organizar é necessário, no entanto, intervir e

para intervir são necessários critérios de orientação dessa intervenção.

Intervir sobre o quê, intervir como?

A delimitação do o quê é susceptível de múltiplas interpretações.

Com efeito, a expressão ordenamento do território é, porventura, um

dos termos mais ambíguos que podem ser encontrados no âmbito da

economia espacial. Como agentes privilegiados do ordenamento do

território se reclamam, engenheiros, arquitectos, urbanistas, geógrafos,

sociólogos, economistas, ambientalistas, biólogos, etc. Apesar de

A teoria do óptimo, assimentendida, não exclui apossibilidade de intervençõesde política dasadministrações,nomeadamente, no domíniodo ordenamento doterritório.

Ordenar segundo quecritérios

O território é objecto dereflexão em múltiplasdisciplinas e nem todas lheatribuem o mesmosignificado.

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possuírem um ponto de referência comum, que é o território e o seu

uso, cada um lhe atribuí um significado específico.

Engenheiros, arquitectos e urbanistas, tendem a privilegiar os

aspectos físicos da organização do território50. Os especialistas mais

ligados às ciências humanas, pelo seu lado, preocupam-se, sobretudo,

com os aspectos da organização social (estruturas demográficas,

estruturas económicas). É da interacção das preocupações e

intervenções, de uns e outros, que pode resultar uma visão integrada

do ordenamento do território.

Os destinatários de uma política de ordenamento do território

hão-de ser o Homem todo e todos os homens, na capacidade que lhes é

criada de, numa perspectiva de curto, médio e longo prazos, terem

acesso aos benefícios de que a sociedade dispõe, independentemente

do lugar onde residem ou onde trabalham. O ordenamento do território

é, por isso, não uma causa de ineficácia na afectação óptima de

recursos mas, antes, uma condição necessária dessa afectação.

A política de ordenamento do território não é, assim, uma

simples consequência das políticas sectoriais, que procura corrigir as

agressões a que o espaço tiver sido sujeito mas, antes, um pressuposto

de todas essas políticas, afirmando de forma activa, equilíbrios

naturais, que importa preservar e valores que os cidadãos, ao

ponderarem óptimos individuais, pretendem salvaguardar.

O economista, em sentido estrito, deve preocupar-se, sobretudo,

com os aspectos de organização dos espaços que têm consequências,

directas ou indirectas, sobre os fenómenos económicos, ou mais

50 Preocupam-se com questões como o uso dos solos, a protecção do

ambiente e das paisagens, a salvaguarda dos recursos hídricos, a protecção dasflorestas, as acessibilidades, a organização dos espaços urbanos, etc.

Os aspectos físicos e osaspectos sociais.

A política de ordenamentodo território é um

pressuposto e não umaconsequência das políticas

sectoriais.

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genericamente, sobre a afectação de recursos escassos à satisfação de

necessidades. Inversamente, o economista não pode ignorar que as

suas decisões sobre a afectação de recursos se repercutem sobre a

organização do espaço.

A afectação óptima dos recursos pressupõe que o

desenvolvimento se oriente por critérios que tendam a ver o Homem e

todos os homens como os destinatários finais do ordenamento do

território. Apesar de já ser antiga51 a consciência desta problemática,

ela continua, hoje, a ser mais actual do que nunca. Os desequilíbrios no

ambiente, no nível de riqueza, na habitação, nas condições de trabalho,

no acesso à segurança e aos bens culturais, na fruição de condições de

mínimo de bem-estar, de acordo com o que são, hoje, as possibilidades

de uma sociedade moderna em termos de recursos, naturais,

tecnológicos e organizacionais, são suficientemente patentes para que

melhor prova se dispense.

O ordenamento do território não pode deixar de ter a ambição de

dar resposta não apenas à superação destes desequilíbrios e

insatisfações mas, também, à criação de condições para que se não

verifiquem. Ele é a projecção, sobre o território, de uma função de

bem-estar social que dirime entre os vários óptimos possíveis. É o

resultado de uma escolha de ordenação de preferências individuais, o

que não pode ser confundido com uma consequência do

funcionamento de um qualquer mecanismo de regulação automática.

Não pode, por isso, ser remetido para o papel de simples corrector dos

51 Vale a pena a este respeito transcrever a citação feita por Lajugie e al.

(1979: 86) de uma frase publicada na revista Économie et Humanisme (1953: 79):L’object de l’aménagement du térritoire est de créer, par l’organisation rationellede l’espace et par l’implantation des équipements apropriés, les conditions optima

Para o economista o espaço éimportante, na medida emque condiciona a afectaçãode recursos à satisfação denecessidades.

A política de ordenamentodo território é o resultado deuma escolha.

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desequilíbrios causados por intervenções, não suficientemente

cuidadas, em outros domínios sectoriais.

Uma vez escolhida uma função de bem-estar (estabelecendo

prioridades entre as preferências dos vários agentes individuais), o

ordenamento do território passa a ter uma função de suporte activo

de todas as outras políticas e não apenas de corrector de

insuficiências. Pressupõe o enunciado de uma estratégia, que tenha

em conta condicionamentos físicos e técnicos, mas cuja expressão mais

sólida é a de uma decisão política. A escolha política52 é, por

excelência, uma escolha entre várias alternativas, entre vários

ordenamentos possíveis.

O ordenamento do território deixa de ser apenas suportado

(suportam-se as consequências de políticas sectoriais não integradas)

para passar a ser assumido (pressupõe objectivos voluntariamente

prosseguidos). Quando apenas suportado, o ordenamento aparece sem

pressupostos políticos explícitos. É o ordenamento sem política. Uma

vez assumido pelo conjunto da comunidade, o ordenamento passa a ter

uma política, a política de ordenamento do território que, sem excluir a

possibilidade de intervenções correctoras, deve ter um papel sobretudo

orientador.

Colocado nesta perspectiva, o ordenamento do território não

pode ser encarado apenas como uma consequência ou um resultado

de outras políticas. Pelo contrário, deve ser o pressuposto de todas

elas.

de mise en valeur de la terre et des cadres les mieux adaptés au dévelopmenthumain des habitants.

52 --Isto é, pelos cidadãos e não pelos tecnocratas. A estes compete, apenas,fornecer aos primeiros a explicitação das consequências técnicas das várias opçõespossíveis.

A política de ordenamentodo território, antes de

procurar corrigirinsuficiências das políticas

sectoriais deve constituir umseu pressuposto.

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Quando, em vez de pressuposto de todas as políticas sectoriais,

se atribui à política de ordenamento do território funções

privilegiadamente correctoras das consequências menos aceitáveis

dessas políticas, é natural que elas surjam como um pequeno luxo que

se pode dispensar, quando se argumenta com objectivos da eficácia

económica ou da competitividade que se querem privilegiar, mas cujo

conteúdo é mal compreendido.

Esquecem os que se colocam numa tal postura que, precisamente

porque os recursos são escassos e porque essa escassez tem que ser

avaliada num horizonte, de curto, médio e longo prazo, é que a política

de ordenamento do território deve estar presente. Quase se poderá

dizer que ela é mais necessária nos momentos de crise (porque a

escassez dos recursos é mais sentida e não nos podemos dar a

liberdade de desperdiçar os recursos que comprometem não apenas a

eficácia de hoje mas, também, a do futuro) do que nas fases de maior

expansão.

Na perspectiva que acaba de ser enunciada, que não pode deixar

de ser considerada como a única correcta, o ordenamento do território

não pode deixar de ser considerado pelo economista como parte

integrante do processo de decisões de afectação de recursos. Só que,

ter em conta o ordenamento do território significa que essas decisões

de afectação de recursos deverão ser suportadas por critérios de curto,

médio e longo prazo, que tenham em conta a preservação, organização

e construção do território onde vivemos ou queremos todos viver.

Hoje, ter em conta critérios de ordenamento do território não é outra

coisa do que fixar objectivos de desenvolvimento sustentável.

A política de ordenamentodo território deve existir emtodas as circunstâncias, mas,privilegiadamente nas fasesde recessão económica.

O ordenamento do territóriofaz parte integrante doprocesso de afectação dosrecursos

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As políticas de ordenamento do território têm tido, talvez, maior

dificuldade em impor-se no domínio da economia que em outros

domínios científicos. No entanto, a consciência crescente de que a

forma como se organiza o uso do solo é condicionadora da

maximização da eficiência na afectação dos recursos escassos tornou,

já hoje, imprescindível a valorização do ordenamento do território

como factor condicionante e informador das opções dos agentes

económicos.

Na Europa, e em relação aos países mais reticentes, os

regulamentos e apoios comunitários têm feito o seu caminho e, de

forma mais ou menos rigorosa, o ordenamento do território vai-se

impondo.

As políticas comunitárias para, as zonas rurais, as cidades, as

zonas de montanha, no domínio do ambiente, das infra-estruturas,

muito embora tenham tido alguma dificuldade em se afirmar de forma

totalmente eficiente, sobretudo nos países da Europa do Sul, têm vindo

a mostrar a sua imprescindibilidade e, pouco a pouco, a criar condições

para que, de forma mais premente, se sinta a necessidade de uma

política integrada de ordenamento do território. A própria OCDE, que

tinha preocupações limitadas nesta matéria, passa a atribui-lhe uma

maior importância, criando grupos de trabalho mais activos e

promovendo a realização de debates e estudos, bem como o

enunciado de medidas de política, a que os países membros não têm

deixado de ser sensíveis.

Pode dizer-se que todas as intervenções de política sectorial,

públicas ou privadas têm uma ou várias componentes de ordenamento

do território. São suas partes integrantes todas as que de um modo, ou

de outro, se reflectem sobre, o uso do solo, a exploração dos recursos

A política de ordenamentodo território é, hoje, uma

necessidade reconhecida emtodos os países da Europa e

nas orientações de políticacomunitária.

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naturais, o ambiente, a localização de actividades, a habitação, as

acessibilidades, a rede urbana, os equipamentos colectivos, etc.

A melhor política de ordenamento do território não é,

necessariamente, aquela de que mais se fala, ou que como tal mais

explicitamente se pretende afirmar. Nos países da Europa do Sul as

políticas de ordenamento do território têm sido objecto de grandes

debates e interrogações, sem que isso signifique que seja aí que ela

tenha obtido os melhores resultados. Pelo contrário, nos países

germânicos e de tradição anglo-saxónica53, a política de ordenamento

do território quase não existe, enquanto tal, mas é aí que mais a

sentimos presente, em todas as decisões de política económica, quer

elas sejam tomadas por administrações centrais, regionais locais. As

consequências estão à vista de todos, em termos de nível de vida54 e de

ordenamento do espaço, e da paisagem.

Acabámos de analisar os pressupostos e fundamentos teóricos da

política de ordenamento do território. Ulteriormente, procuraremos

abordar o seu conteúdo e o modo como se tem vindo a concretizar nas

experiências mais significativas, quer no âmbito das orientações de

política da União Europeia, quer no âmbito da organização do espaço

português.

1.2.6. A importância do espaço região

Ao longo da Secção 1.1. tivemos ocasião de salientar a

importância do espaço e da análise espacial para que o processo de

53 Não podemos esquecer a admiração que sempre sentimos pela obra que,

por ex., os holandeses, têm feito na organização e na construção do seu território.54 Sem que se queira estabelecer qualquer relação unívoca entre uma e outra.

A tradição de ordenamentodo território nos países daEuropa do Sul e nos paísesda Europa do Norte.

Do espaço nacional aoespaço regional

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tomada de decisões se torne não apenas eficiente mas, também, eficaz.

Esta tomada de consciência para a importância do espaço tem tido um

percurso penoso, mas consistente. No âmbito da economia esta tomada

de consciência começou por se focalizar sobre um espaço particular, o

espaço - região. Importa ter presentes as razões desta focalização para,

assim, melhor compreender a importância que este espaço ainda

assume hoje na análise e na política económica.

Como anteriormente foi referido a análise económica adoptou

durante demasiado tempo pressupostos segundo os quais a existência

do espaço lhe era indiferente. O espaço como que não existia e, por

isso tudo se passava como se os fenómenos económicos se

desenrolassem num único ponto.

A progressiva introdução do espaço nessa análise foi feita

começando por considerar o espaço como um conjunto de pontos,

separados uns dos outros através de uma distância. Esses pontos eram

os países e como os países tinham relações entre si e era necessário

compreender e explicar a natureza e importância dessas relações, assim

nasceu a economia internacional. O espaço era diferenciado, porque o

eram os espaços de cada um dos países. No interior de cada um dos

países tudo se passava como se o espaço fosse completamente

homogéneo nas suas características e nos resultados do seu

funcionamento.

Pouco a pouco, os economistas foram, no entanto, obrigados a

dar um outro passo. Começou a ser-lhes impossível ignorar que aquela

homogeneidade era uma simples abstracção que convivia com

realidades que a desmentiam. O espaço nacional revelava-se, na

maioria dos países, como dotado de profundas heterogeneidades, que

O espaço como um conjuntode pontos

Os países como conjunto depontos

O espaço nacional é umconjunto de regiões

heterogéneas

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se manifestavam, sobretudo, através de desigualdades económicas e

sociais dos seus diferentes espaços, em particular, das suas regiões. Os

desequilíbrios regionais, graves em termos económicos, ameaçavam

tornar-se insustentáveis em termos sociais e políticos.

Havia que compreender quais os mecanismos que estavam

subjacentes à produção de resultados tão inigualitários, para que se

pudesse agir com eficácia. Gerou-se o sentimento de que os governos

nacionais não podiam ficar de braços cruzados.

Ora, em termos de intervenção dos governos, os instrumentos de

que dispunha eram, no essencial, os instrumentos tradicionais de

natureza macro - económica, em termos de actuações sobre variáveis

como o emprego, o investimento, as exportações, as importações, a

educação, a saúde, etc.

Eram variáveis cujo controle se revelava poder ser eficaz no

âmbito de espaço - região e não no âmbito de espaços a que

correspondem escalas mais reduzidas. Não se pode, por ex., pretender

incentivar a criação de emprego num município sem correr o risco de,

uma vez utilizado, o incentivo vir a ter efeitos, senão totais, pelo

menos parciais, num outro município.

Os governos encontravam-se em grande parte desarmados para,

em termos económicos, intervirem sobre escalas mais reduzidas de

território. A sua escala de referência para a intervenção

macroeconómica passou a ser, privilegiadamente, o espaço - região.

Em termos de análise a região passou a ser, também, a escala de

referência. O objectivo era o de conhecer a estrutura, o modo de

comportamento dos seus agentes, a sua dinâmica económica, com vista

As regiões como objecto deanálise e de políticaeconómica

A região economia fechada ea região economia aberta

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a poder realizar diagnósticos que fundamentassem as intervenções de

política económica.

À medida que o conhecimento das realidades regionais ia

progredindo os analistas davam-se conta de que elas não se podiam

explicar, apenas, através da compreensão dos seus mecanismos

internos. As economias regionais, muito mais que as economias

nacionais, são espaços abertos para a circulação de bens e factores55. A

dinâmica das economias regionais não se esgota no âmbito do espaço

regional, mas prolonga-se para outras regiões, do mesmo ou de outros

países. Quer isto dizer, que a dinâmica equilíbrio - desequilíbrio só

pode ser convenientemente compreendida e, eventualmente,

intervencionada numa perspectiva que terá de ser, simultaneamente,

regional e multiregional.

Esta é uma razão, embora não a única, da importância que hoje é

dada à região, tanto em termos de análise, como em termos de objecto

de política económica. No entanto, a região não surge, apenas, como

objecto de políticas correctoras de desequilíbrios. Constitui de forma

crescente o quadro de referência para políticas orientadoras e

condicionadoras das intervenções dos agentes económicos, com vista a

promover uma maior eficiência sustentável na afectação dos recursos.

A evidência empírica que é fornecida pela política regional, no

âmbito da União Europeia, não pode senão confirmá-lo. Desde há,

pelo menos, década e meia que os espíritos mais lúcidos

compreenderam que a competitividade dos países e da União Europeia,

não dependia apenas da competitividade dos países mas, também, da

55 Apesar de, tradicionalmente, se estudarem as economias regionais debaixo

do pressuposto de que existe mobilidade de circulação de factores e imobilidade decirculação de bens.

A política regional na UniãoEuropeia

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competitividade das regiões, pela simples razão de que não existem

países competitivos quando as suas regiões o não são.

Há quem pergunte e por vezes se assuste com a importância que

a dinâmica das questões regionais vem assumindo, como que dizendo,

como se pode aceitar que as regiões de um país se relacionem

directamente com as de um outro país por cima e independentemente

da soberania dos espaços nacionais? Os que assim raciocinam apenas

demonstram nada ter compreendido do entrosamento entre dinâmicas

regionais e dinâmicas nacionais. Umas e outras reforçam-se

mutuamente e se hoje há funções que passaram a ser exercidas pelas

regiões que anteriormente o eram pelas administrações centrais, isso só

demonstra que houve uma reafectação de competências conducente ao

seu exercício em termos de maior eficiência económica e política.

Deixar que o exercício das competências permanecesse debaixo

da tutela dos seus titulares originais apenas contribuiria para a

descredibilização de quem tendo a competência já não tem capacidade

para que o seu exercício seja eficiente. A transferência de competências

dos estados nacionais para as regiões e inversamente, quando tal for

justificado, apenas contribui o aumento da sustentabilidade das funções

de âmbito nacional e das funções de âmbito regional.

A interdependência dasdinâmicas regionais com asdinâmicas nacionais

A afectação de competênciasnão pode ser entendida comofeita uma vez por todas.

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1.3. TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO

Nos pontos anteriores vimos algumas das principais noções de

espaço e os princípios fundamentais da sua organização, o que nos

levou a considerá-lo como um sistema complexo de interesses cuja

gestão exige o ordenamento do território, não apenas numa

perspectiva física mas, também, numa perspectiva sócio-económica.

Nesta secção, e à luz dos instrumentos previamente introduzidos,

depois de destacarmos a interdependência que, ao longo dos séculos

sempre se estabeleceu entre desenvolvimento e urbanização,

explicitaremos algumas das características actuais da organização do

espaço, tanto em termos europeus, como em termos do espaço

português.

1.3.1. O desenvolvimento económico, a urbanização e o

ambiente

Tomemos uma noção ampla de desenvolvimento, como sendo

um processo de transformações económicas e sociais, que se desenrola

num determinado território e permite que as suas populações possam

beneficiar, de forma sustentável, de crescentes níveis de bem estar.

Entendido deste modo, o desenvolvimento, desde há pelo menos

quatro ou cinco mil anos, esteve associado a formas mais ou menos

intensas de urbanização56.

56 Entende-se por urbanização uma concentração durável de populações em

espaços relativamente restritos de território, tendo como ocupação não

A interdependência entreurbanização e

desenvolvimento

Uma noção ampla dedesenvolvimento

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Por essa ocasião, os centros urbanos, para além de constituírem

mercados onde podiam ser trocados excedentes agrícolas eram,

também, lugares onde a inovação tecnológica e organizacional se

processava a ritmos mais elevados que nas zonas rurais, favorecendo,

por isso, o progresso e o desenvolvimento, não apenas nas cidades,

mas, também, nas zonas circunvizinhas. Tanto no domínio das

transacções, como no da inovação, estamos na presença de actividades

sensíveis à variação dos custos da distância e da informação -

comunicação.

As áreas urbanas começam a caracterizar-se por aumentos

prolongados do rendimento per capita, pelo desenvolvimento de

economias de aglomeração de que aproveita o conjunto das actividades

e por elasticidades procura / rendimento de bens agrícolas inferiores à

unidade. Estas características eram uma consequência de modificações

profundas nos processos de produção. Os aumentos na produtividade

agrícola, acompanhados por menores elasticidades na procura /

rendimento dos produtos agrícolas, provocou a emigração dos

excedentes de mão de obra agrícola em busca de novas oportunidades

de emprego, que só eram possíveis em actividades para as quais o

aproveitamento de economias de aglomeração constituía um factor de

custo importante.

Estavam criadas as condições para um continuado

desenvolvimento sustentado do fenómeno urbano. Nas cidades não só

era possível auferir de taxas de salário relativamente mais elevadas

como, também, de condições de vida menos rigorosas57.

exclusivamente a agricultura, mas igualmente outras actividades ligadas à prestaçãode serviços

57 O que não foi verdade sempre, de forma continuada, em todos os tempos eem todos os lugares.

A origem dos centrosurbanos

Características dodesenvolvimento cumulativodos centros urbanos

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A associação entre desenvolvimento e urbanização que, como se

referiu, já existia à data das mais antigas civilizações, manteve uma

intensidade relativamente moderada até aos fins do séc. XIX, em que

apenas cerca de 20% do total da população se poderia considerar

como população urbana, para se acelerar significativamente de então

até hoje, em que a percentagem da população urbana nos países

industrializados ronda os 80%.

Até cerca de 1 000 anos antes de Cristo as grandes

concentrações urbanas (cidades) localizaram-se na proximidade de

vales de grandes rios. É o caso das cidades das civilizações que se

desenvolveram ao longo dos vales dos rios, Tigre e Eufrates, Nilo,

Indo e Amarelo. A esta localização não é certamente estranha a maior

fertilidade dos terrenos dos vales que, ao permitirem a obtenção de

produtividades mais elevadas, possibilitavam a produção de excedentes

que eram trocados nas cidades ou apropriados pelos senhores e

homens da guerra que aí residiam.

Aparece e desenvolve-se, então, com grande proeminência, o

Império Romano que soube promover um sistema complexo e eficaz

de gestão de cidades e redes urbanas, enquanto que a oriente

continuavam a desenvolver-se as cidades indianas (onde se verificavam

fluxos de intenso comércio) e as cidades do Império Han.

A partir do primeiro século antes de Cristo e durante mais de

dois séculos afirmam-se com cada vez maior pujança as cidades

muçulmanas, com supremacia sobre o próximo oriente e quase todo o

Mediterrâneo (Córdova, Alexandria, Cairo, Damasco e Bagdad). As

cidades chinesas continuam a aumentar a sua população e poderio

económico, surgem as primeiras grandes cidades japonesas (Quioto).

Até ao início do séc. XX ofenómeno urbano tinha uma

importância moderada

As concentrações nos valesdos grandes rios de há três e

quatro mil anosd

O Império Romano

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A partir daí a Europa entra na penumbra da Idade Média e são as

cidades asiáticas que afirmam a sua supremacia, especialmente na Índia

e na China. Esta situação permanece até à época das grandes viagens

marítimas europeias (1500).

Desde o séc. XVI até ao fim do séc. XIX, o impacto do

conhecimento e ocupação de novos mundos, em primeiro lugar, e o

desenvolvimento industrial, depois, vieram, pouco a pouco, a fazer

crescer a importância do fenómeno urbano na organização económica

e social do mundo ocidental, com extensões cada vez mais importantes

no continente americano. Pela primeira vez surgiram cidades com uma

dimensão superior aos dois milhões de habitantes, todas na Europa e

nos Estados Unidos. As grandes cidades chinesas vêem chegado o

declínio. Tóquio é a única grande cidade de população de origem não

europeia.

O séc. XX pode dizer-se que constitui o séc. da grande

urbanização a nível mundial. As cidades deixam de ser como que um

complemento das actividades económicas que lhe são, em grande

medida, exteriores, para passarem a ser elas uma espécie de motor de

todas as actividades económicas e sociais que as rodeiam.

A urbanização deixa de ser uma característica associada ao

crescimento das sociedades e economias mais desenvolvidas, para

passar a ser um fenómeno quase universal. Surge, aparentemente, a

grande oportunidade para o desenvolvimento urbano dos países do Sul.

A par das grandes cidades dos países industrializados, que

continuavam a crescer, vêem-se aparecer, ou desenvolver, a velocidade

que não poderia antes ser esperada, cidades como México, São Paulo,

Lagos, Bombaim, Calcutá. Dacar, Jacarta, Manila, etc. Algumas delas

rapidamente ultrapassam a barreira dos dez milhões de habitantes.

A supremacia asiática

O desenvolvimento urbanodo Ocidente

O desenvolvimento urbanono séc. XX

O desenvolvimento urbanonos países subdesenvolvidos

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A grande oportunidade é, no entanto, neste final de séc. XX,

uma mera ilusão. Com efeito, os factores que explicam o contínuo

desenvolvimento urbano nos países industrializados diferenciam-se,

substancialmente, dos que suportam a dinâmica de crescimento urbano

dos países do Sul.

O ritmo de crescimento urbano nos países em vias de

desenvolvimento, contrariamente ao que poderia, eventualmente

pensar-se, há algumas décadas, descolou, quando comparado com o

dos países industrializados. Hoje, o ritmo de crescimento urbano nos

países em vias de desenvolvimento, mais do que duplica todos os 12

anos.

O principal factor explicativo pode ser encontrado na melhoria

das condições sanitárias das populações, tanto em termos de aumento

das taxas de natalidade, como de diminuição das taxas de mortalidade.

Não raras vezes se lhe associam factores ligados a cataclismos naturais,

ou a sentimentos de insegurança, ligados a perseguições religiosas ou

decorrentes de guerras devastadoras.

Em contraposição, nos países industrializados, mais por razões

de natureza cultural, do que por razões de natureza sanitária, as taxas

de natalidade têm vindo a diminuir significativamente, contribuindo

para que as suas cidades se tenham continuado a manter dentro de

limites aceitáveis.

O crescimento urbano no mundo subdesenvolvido não pode, no

entanto, ser identificado com um real desenvolvimento urbano. As suas

cidades têm crescido em termos de dimensão humana, mas a ela não

tem correspondido o aumento da qualidade dos serviços básicos

prestados.

Factores explicativos

Crescimento urbano edesenvolvimento urbano

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Esta insuficiência é, também, embora de forma não exclusiva,

uma consequência de os países subdesenvolvidos se encontrarem

substancialmente dependentes do exterior para o acesso às tecnologias

materiais e organizacionais, que poderiam permitir uma gestão mais

qualificada das novas cidades, em crescimento demográfico contínuo.

O crescimento desqualificado das cidades58, tem tornado difícil

poder falar-se da dimensão óptima da cidade. É um conceito que não

pode ser desligado do da sua capacidade organizacional e de gestão

global. Esta capacidade tem de ser objecto de apreciação cautelosa, em

particular, em termos de conservação e degradação ambiental.

Não será nossa preocupação realizar agora uma exposição

exaustiva acerca das interacções do espaço com o ambiente. Faremos,

apenas, uma breve alusão à problemática ambiental em contexto

urbano.

A ninguém passa desapercebido que não há nenhuma perspectiva

em que possa ser olhado o ambiente que seja independente duma certa

escala espacial, i. e., independente do espaço. No entanto é,

certamente, ao nível da escala urbana que as interacções entre o

ambiente e o espaço se tornam mais sensíveis. É nela, e por causa dela,

que se desenvolve uma parte significativa das acções e intervenções

que visam preservar o ambiente, ou corrigir a degradação ambiental.

São as grandes concentrações urbanas que geram dentro de si os

germens da necessidade de preservação ambiental (o ar, a paisagem, a

natureza) mas, também, por incapacidade de gestão atempada,

imposições correctivas de situações degradadas (a poluição

atmosférica, o ruído, o congestionamento de tráfego).

58 Fenómeno que não é exclusivo dos países subdesenvolvidos.

A qualidade dos serviçosprestados

O crescimento urbano e oambiente

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Já vimos que os problemas que estão na origem das

externalidades, neste caso ambientais, não podem ser explicados

exclusivamente através da dimensão insuficiente, ou excessiva, das

cidades mas, antes, pela incapacidade técnica e organizacional para

realizar a sua gestão eficiente. Nestas circunstâncias, é grande a

tentação de esconder a incapacidade com medidas de carácter

administrativo tendentes, por ex., a limitar artificialmente o acesso à

cidade.

Não é certamente a boa via a percorrer. Mais ajuizado será

procurar a origem das externalidades, conhecer os encadeamentos de

causa e efeito que a partir dela se geram e, só então, intervir de modo a

obter um conjunto de medidas de política e de resultados, integrado e

coerente.

Este ponto de partida é tanto mais justificado quanto se sabe ser

difícil realizar a destrinça de externalidades ambientais positivas e

negativas. É que, em geral, não se pode identificar uma dimensão da

cidade a partir da qual surgem apenas externalidades negativas e

aquém da qual só existem externalidades positivas. Umas e outras

tendem a coexistir, sendo indispensável dispor de capacidade de

realizar a sua avaliação, de modo a poder ajuizar se o saldo é positivo,

ou negativo, para poder determinar a intensidade de instrumentos de

política a utilizar.

O ambiente e a qualidade devida nas cidades

Coexistência deexternalidades positivas e

negativas

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1.3.2. A organização do espaço europeu

Do mesmo modo que a nível nacional, também, ao nível do

espaço europeu, como um todo, se têm vindo a colocar preocupações

com a organização e a gestão do espaço. A razão de ser dessas

preocupações reside na circunstância de se verificar que:

- As dinâmicas económicas têm conduzido, quando não são

orientadas, a desequilíbrios crescentes nos níveis de bem estar

verificáveis nas regiões centrais e nas regiões periféricas;

- Existe o sentimento de que esses desequilíbrios podem ser

corrigidos;

- Importa criar condições para que, no futuro, os mecanismos

que conduziram aos desequilíbrios no passado não se venham a

reproduzir e evitar que outros possam vir a produzir efeitos

equivalentes.

Poder-se-ia argumentar dizendo que se a produção dos

desequilíbrios de bem estar são uma constante ao longo do tempo

então será preferível, em vez de usar recursos públicos para criar

condições de atractibilidade em territórios que nunca as possuirão,

criar condições de mobilidade para a população, com vista a que possa

deslocar-se para as regiões onde existem condições efectivas de

criação de riqueza.

O argumento é astucioso, mas tem fundamentos pouco sólidos.

Com efeito, por um lado, as condições de mobilidade não têm o

mesmo ritmo para todos os factores e em todos os horizontes

temporais. Por ex., a mobilidade não forçada, de populações, em

grandes massas, de umas regiões para outras é praticamente nula,

O porquê das preocupaçõescom a organização do espaçoeuropeu.

A mobilidade comoinstrumento corrector deassimetrias

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embora possa ser encarada de forma programada e assumida num

horizonte de longo prazo.

Por outro, num mundo em constante mutação, nomeadamente

tecnológica, nunca se poderá afirmar que um determinado território

jamais poderá ter viabilidade económica. Por isso, a manutenção de

população num determinado território é uma garantia de que recursos

ainda não valorizados poderão vir a sê-lo no futuro mas, também, de

que os recursos já existentes (hídricos, paisagem, florestas, etc.)

poderão ser adequadamente salvaguardados.

É, no entanto, pertinente a questão: mesmo que se considerem

estes argumentos válidos, porque é que uma gestão equilibrada do

território não pode encontrar resposta satisfatória, como até há pouco

acontecia, ao nível dos governos nacionais? Por uma razão

relativamente simples. Os progressos nos transportes, nas

comunicações e na gestão da informação, conduziram a uma

aceleração vertiginosa da interdependência dos territórios, em grande

medida, independentemente das distâncias.

Esta interdependência tem levado a que, cada vez com maior

intensidade, as forças que, num determinado território, influenciam a

localização de actividades se manifestem, ou tenham origem, em

territórios que podem ser longínquos. Por isso, a estrutura e os usos

atribuídos aos territórios nacionais são cada vez menos determinados,

por forças físicas, económicas e sociais e por orientações de política

formuladas a nível nacional. A eficácia da intervenção exige que

algumas das políticas tenham que ser formuladas a um nível supra-

nacional.

As forças de âmbito inter - nacional na organização do

espaço europeu.

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Até ao início dos anos 90 a Comunidade Europeia nunca tinha

explicitado uma visão global e integrada do estado e das dinâmicas de

transformação do território europeu. As suas preocupações com o

espaço eram, quase sempre, dirigidas para uma área particular da sua

ocupação: a insuficiência de infra-estruturas, a falta de qualificação dos

recursos humanos, os incentivos ao investimento, a mobilidade dos

factores, etc. Só no princípio da década é que a Comunidade

empreendeu um estudo de apreciação global e integrada do conjunto

dos problemas territoriais que se colocavam.

Os resultados desse estudo vieram a consubstanciar-se num

relatório intitulado Europa 2 000 + - Cooperação para o

Ordenamento do Território Europeu. Este primeiro relatório veio a

ser reformulado dando origem, em 1994, ao relatório intitulado

Europa 2 000 + 59. A sua estrutura contemplava os seguintes pontos:

- Factores de organização do território europeu: aspectos

demográficos; dinâmica de localização dos investimentos

internacionais; as redes de transportes; os recursos hídricos;

- A evolução de espaços específicos: urbanos, rurais e regiões

fronteiriças;

- Os sistemas de ordenamento do território: instrumentos e

políticas de ordenamento; impacto territorial das finanças

públicas.

A consciência pública que, através deste estudo, foi possível

obter para a gravidade dos problemas a resolver, incentivou a que fosse

promovida a continuidade da reflexão, que deu origem, três anos mais

59 CE (1994)

O aparecimento depreocupações no âmbito daComunidade Europeia.

O Relatório Europa 2 000 +

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tarde, a uma versão provisória do relatório intitulado Esquema de

Desenvolvimento do Espaço Comunitário (EDEC) 60, 61.

O Esquema encontra-se subdividido em quatro partes. Na

primeira realiza-se o enquadramento dos objectivos, dos instrumentos

e a explicitação do estatuto jurídico do texto objecto de consenso. Na

segunda, são estudadas as principais forças motrizes do espaço

comunitário, num horizonte de longo prazo. Na parte terceira, são

identificados os objectivos e medidas de política susceptíveis de dar

resposta aos problemas colocados. Por último, na parte quarta, trata-se

de tornar operacionais as medidas que hão-de dar corpo ao EDEC.

A construção do EDEC possui um grande pano de fundo,

constituído pelo reforço da integração dos vários espaços, pela

necessidade de generalizar e aprofundar a aplicação do princípio da

subsidiariedade e pela urgência de encarar uma Europa pluri - facetada

onde estejam, também, presentes os países que nela foram inseridos

como consequência da abertura a leste.

Os objectivos do Esquema cedo reuniram um consenso

alargado: reforço da coesão sócio-económica, prosseguimento de

objectivos de desenvolvimento sustentável e aumento da

competitividade.

O EDEC não tem a pretensão de definir políticas concretas para

cada um dos espaços, antes procura fornecer um enquadramento de

longo prazo (estratégico) onde aquelas políticas se hão-de inserir.

Assim, e porque se coloca numa perspectiva transnacional, que permite

valorizar as interdependências dos diferentes espaços, o EDEC tanto se

60 A versão final veio a tornar-se disponível só muito recentemente, durante

o Verão de 1999.

O Relatório EDEC.

Os objectivos do EDEC

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dirige aos territórios com debilidades sócio-económicas como aos que

revelam dinâmicas mais fortes.

O grau de satisfação dos objectivos atrás enunciados está

fortemente condicionado por questões de ordenamento territorial ao

nível, das estruturas urbanas, da função das áreas rurais, dos

transportes, comunicações e acesso às bases de conhecimento, e pelas

pressões exercidas sobre o património natural e cultural. Trata-se de

questões cuja solução está, por sua vez, dependente de características

físicas do território e da influência que sobre elas exercem tendências

de natureza demográfica, económica e ambiental.

Fisicamente, o conjunto do território europeu é muito

diversificado, com um número reduzido de grandes regiões

continentais e uma miríade de espaços insulares, com características

muito específicas, geradores de desequilíbrios territoriais fortemente

contrastados. A diversidade climática, de vegetação e de paisagem

apenas reforça a tendência anteriormente referida.

Do ponto de vista demográfico a quase totalidade do território

europeu é caracterizado por um reduzido crescimento natural, em

particular nas zonas periféricas e que, a breve prazo, poderá vir a

transformar-se em declínio demográfico. As consequências desta

tendência podem ser muito gravosas.

Sabe-se que a vitalidade de uma sociedade (inclusivamente em

termos de capacidade de inovação tecnológica) está fortemente

condicionada pelo peso que na sua estrutura etária possuem as

camadas mais jovens. O progresso, quase permanente, a que temos

61 CE (1997)

O espaço físico europeu

As tendências demográficas

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assistido na Europa desde a Revolução Industrial poderá, deste modo,

vir a ser posto em causa 62.

O envelhecimento da população tem, também, consequências

sobre as tendências de urbanização. A diminuição do peso dos jovens é

atribuída ao facto de os casamentos ou os filhos surgirem em idades

mais avançadas que no passado. Poderia daí deduzir-se que a pressão

sobre o mercado imobiliário diminuiria. Tal não é necessariamente

verdade uma vez que os jovens, mesmo não constituindo família,

continuam a procurar ganhar independência de habitação face aos

progenitores, continuando a gerar tensões sobre o mercado imobiliário

e sobre o ritmo da urbanização.

A Europa constitui uma das áreas económicas mundiais mais

ricas. No entanto, a distribuição da riqueza, apesar dos esforços já

empreendidos desde 1975, ainda continua espacialmente muito

desequilibrada. O centro da Europa constitui a zona de maior

concentração de riqueza, criando mais de 50% do PIB numa área com

menos de 20% da superfície global, e nele concentra-se 40% da

população comunitária. Os desequilíbrios têm vindo a diminuir

progressivamente, graças a um esforço persistente no âmbito da

política de coesão, mas o caminho a percorrer ainda é longo.

Uma zona de preocupação crescente que se vem manifestando,

ainda que mais recente, é a do emprego. Em 1994 a taxa de

desemprego na Europa atingiu os 11% e, apesar de todas as políticas já

adoptadas, em 1998 não tinha ainda descido abaixo da barreira dos

10%. A situação tem configurações ainda mais graves pelo facto de a

sua distribuição espacial ser muito desigual. As taxas de desemprego

62 Apesar dos fluxos migratórios vindos do exterior, onde predominam os

As assimetrias na produção edistribuição da riqueza.

As preocupações com oemprego.

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observadas podem ir dos 2% (Luxemburgo) até mais de 30% (sul de

Espanha). Existe, neste domínio, um longo caminho para percorrer.

Trata-se de um percurso que terá que ter em conta a estrutura de

organização produtiva na Europa. O peso das pequenas e médias

empresas (PME) tem na Europa um peso superior ao que possuem nos

outros parceiros comerciais, com cerca de 65%, tanto em termos de

emprego como de volume de negócios. As muito pequenas empresas

(com menos de 10 trabalhadores) representam cerca de 23% do total

na Europa e, só 12% nos EUA e 7% no Japão.

À partida poder-se-ia pensar que , dada a maior flexibilidade das

estruturas empresariais face às mutações que importa promover, a

pequena dimensão constituiria uma vantagem em temos de criação de

emprego e de riqueza. Existem, no entanto, duas dificuldades.

A primeira decorre do facto de que um número significativo das

muito pequenas empresas ser ainda caracterizado por estruturas

produtivas muito ultrapassadas que as impedem de poder vir a dar a

contribuição que delas se poderia esperar em termos de criação de

emprego.

A segunda tem sobretudo incidências espaciais, mas é também

um elemento de rigidez na adaptação a novas dinâmicas e decorre do

facto de que as pequenas empresas, uma vez localizadas, oferecem

muito maiores dificuldades à deslocalização.

Deve, também, sublinhar-se a importância crescente que têm as

trocas comerciais de cada um dos países da UE com os seus parceiros

no interior da Europa. Para o conjunto dos países elas representam já

mais de 63% do total das trocas, mas a forma como a tendência se

jovens, mas em geral técnica e profissionalmente pouco qualificados.

A estrutura da dimensão dasempresas.

A intensificação das trocasno interior da Europa.

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distribui pelos diferentes países e regiões é muito diversificada.

Existindo a tendência para as regiões onde se verifica uma maior

intensidade de trocas internas serem as mais competitivas, daí decorre

que as regiões onde tal se não verifica (as regiões periféricas) têm mais

um factor a contribuir para retardar a aceleração do seu

desenvolvimento.

A intensificação intra - União que se acabou de referir tem,

também, consequências importantes tanto em termos de transportes,

como em termos de reestruturação urbana. Em relação aos transportes,

a maior intensificação das circulações, nomeadamente rodoviárias, tem

vindo a exercer uma forte pressão sobre as infra-estruturas (exigindo a

sua reformulação) e o ambiente. Apesar de todo o trabalho que tem

vindo a ser feito no âmbito da política de coesão, a reformulação das

redes de transportes a nível europeu tem continuado a beneficiar mais,

em termos relativos, as áreas centrais em detrimento das

continuadamente deprimidas áreas periféricas.

A programação e gestão das redes de transporte continua, ainda,

a ser feita em moldes substancialmente nacionais. Daí decorrem

incoerências entre os vários sistemas nacionais, internacionalmente

conectados, de que a principal evidência é a falta de racionalidade na

utilização dos vários modos de transporte: rodoviário, ferroviário e

marítimo.

Em termos de reorganização urbana a internacionalização das

redes urbanas e a escala exigida pela produção e distribuição de um

cada vez maior número de funções, públicas e privadas, tem levado a

que a actividade económica e social se concentre cada vez mais em

zonas urbanas, relativamente às zonas rurais. Para além disso tem-se

As consequências sobre ostransportes.

As consequências sobre arede e a organização urbana.

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vindo a assistir a uma crescente concentração das funções mais

dinâmicas e mais especializadas nas cidades das zonas centrais.

Tem-se, por vezes, argumentado que as novas tecnologias de

transporte e comunicações poderão facilitar a que as áreas urbanas dos

países e zonas periféricas venham a desempenhar papeis cada vez mais

importantes na estrutura de distribuição de funções pelos vários

centros urbanos. Sendo isso verdade em termos absolutos está-se ainda

longe de poder provar 63 que também o é em termos relativos. Em

consequência, as assimetrias espaciais têm, também, em termos de

urbanização e capacidade de criar riqueza mostrado tendência para

aumentar. Impõe-se, por isso uma nova estratégia para o

desenvolvimento urbano, global, na Europa. O EDEC é um primeiro

passo nesse sentido.

A preservação e a gestão do ambiente constituem um dos

factores e preocupações maiores na organização do espaço europeu. A

qualidade do ambiente constitui, de algum modo, uma espécie de

termómetro medidor da sustentabilidade não apenas ambiental, mas

também, de toda a actividade económica e social.

Todas as decisões sobre a localização de actividades, produtivas,

sociais, residenciais, implantação de redes de transporte, etc., têm

consequências sobre o espaço ambiental, em termos, de bio -

diversidade, climatéricos, resíduos, acidificação dos terrenos,

disponibilidade de água doce, florestas, etc. Embora não possa ser

entendido que nada no ambiente pode ser alterado, não pode deixar de

ser defendido que é numa perspectiva de longo prazo e inter -

geracional, de acordo com o que, em cada momento, a ciência e a

As novas tecnologias e areorganização dos espaçosurbanos.

A preservação e a gestão doambiente.

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técnica nos permitem conhecer, que devem ser equacionadas as opções

de política económica.

1.3.3. A organização do espaço português

As questões que se colocam no virar do século à organização do

espaço português não são substancialmente diversas das que se

colocam à organização do espaço europeu, mas possuem uma dupla

agravante. Portugal faz parte dos países que no conjunto europeu

formam a sua periferia mais profunda e reproduz no seu interior a

mesma lógica geradora de assimetrias, que já encontrámos na Europa

como um todo, com a existência de uma reduzida parte do território

(centros) relativamente desenvolvida e uma sua parte significativa

caracterizada por índices de usufruto dos bens e serviços (que hoje são

considerados básicos) ainda muito baixos.

O grande problema que está colocado é o de saber como é que,

partindo do estádio actual de desenvolvimento espacial, se pode usar e

preservar o território de modo a alcançar, em prazo razoável, os ritmos

de desenvolvimento que caracterizam os espaços centrais europeus.

Comecemos por caracterizar algumas das tendências mais

significativas ou, pelo menos, mais flagrantes 64. Em termos

demográficos, com excepção das zonas de urbanismo mais dinâmico,

tem-se vindo a aprofundar a tendência para a diminuição dos saldos

naturais.

63 Apesar de algumas excepções como é o caso da algumas cidades do sul da

Europa, de que Barcelona é o caso mais significativo.64 Seguimos aqui de perto o documento GAERE (1996)

A similaridade com aproblemática europeia

As tendências demográficas.

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Os movimentos migratórios continuam intensos. As zonas do

interior verificam ainda movimentos de saída significativos, enquanto

que as principais zonas urbanas atraem imigrações de população

oriunda, sobretudo, dos anteriores países de colonização. A nível do

país os dois movimentos tendem a compensar-se, mas em termos

estruturais assiste-se a um movimento crescente de despovoamento

rural e de concentração urbana.

Este movimento demográfico traduz-se pelo reforço 65 de

ocupação da mancha litoral - atlântica, que vai de Viana do Castelo a

Setúbal e, complementarmente, pela diminuição da densidade humana,

económica e social do resto do território, com excepção dos dois eixos

transversais, com ligações internacionais, um que vai de Aveiro a Viseu

e à Guarda e o outro que parte de Lisboa, até Évora e Elvas.

Em termos de dinâmica económica internacional mesmo os

centros portugueses que podem parecer ser mais consistentes e

criadores de riqueza caracterizam-se por grandes fragilidades de que é

principal característica a sua mono - actividade 66.

Parece não restarem dúvidas sobre o caminho a seguir. Há que

revitalizar a economia dos vários espaços, melhorando a estrutura

económica das suas regiões e cidades. Face à limit ação dos recursos

há, no entanto, que estabelecer prioridades, i. e., ser capaz de explicitar

onde (actividades e espaços) é que devem ser concentrados os

esforços.

É forte a tentação de procurar seguir aquilo que é aparentemente

mais evidente, ou seja ir ao encontro do que têm sido as tendências

65 Apesar de serem múltiplas as suas fragilidades.66 Vide os casos dos têxteis, do calçado, dos moldes do turismo, etc.

As manchas dedesenvolvimento.

Prolongar a tendência?

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mais dinâmicas. Ao concentrar aí os investimentos e os incentivos

obter-se-ia, também, a sua maior rentabilidade. Só que o que é

aparentemente mais evidente não é, necessariamente, o mais racional.

Os factores que produzem os melhores resultados no curto prazo

podem não ser os mesmos que produzem resultados sustentáveis já

previsíveis.

Um bom exemplo é constituído precisamente pelos eixos

transversais acima referidos. Porque é que existe densidade humana e

económica ao longo desses eixos? Precisamente porque existem esses

eixos. Ou dito de outro modo, foi necessário contrariar a tendência,

construindo, ou melhorando, os eixos transversais para, algumas

décadas volvidas poder observar algum contrapeso à polarização do

litoral.

A densificação de infra-estruturas de transporte e comunicações,

horizontais e verticais, não apenas no litoral, mas também no interior,

constitui condição necessária para que comece a germinar actividade

humana, económica e social.

Quais deverão ser os principais objectivos a procurar alcançar na

organização do território? Eles podem enunciar-se do seguinte modo:

modernização da base infraestrutural, melhoria da competitividade da

sua base económica, reforço da organização urbana e compatibilização

do processo de urbanização com a gestão e preservação do ambiente.

Do ponto de vista infraestrutural há que ter em conta não apenas

as infra-estruturas de transporte, mas igualmente todas as que

possibilitam que um território possa dotar-se, com eficiência, de

serviços colectivos e públicos (saúde, educação, justiça, etc.) que

permitem que esse território e as suas actividades se possam afirmar

como competitivos.

Quais são as infra-estruturas?

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Do ponto de vista específico das infra-estruturas de transporte

surgem como preocupações mais prementes as que se referem:

- Nos transportes rodoviários, ao desenvolvimento da rede

complementar e secundária;

- Nos transportes ferroviários, à criação, ou desenvolvimento, de

sistemas eficientes, tanto no que diz respeito às sua ligações ao

exterior, como nas ligações internas;

- Nas áreas urbanas, à concepção, ou consolidação, de sistemas

de transporte multi-modais capazes de aproveitar

adequadamente as potencialidades de cada um dos modos de

transporte;

- Nos transportes marítimos, à dotação e desenvolvimento de

infra-estruturas capazes de suportar com eficiência a gestão de

transportes, tanto de longa distância, como de cabotagem.

Do ponto de vista do sistema urbano a rede urbana portuguesa

caracteriza-se por enormes debilidades. Estamos perante uma rede

urbana auto-centrada que só a muito custo mostra alguma apetência

para o relacionamento com o exterior. Interiormente são graves os

desequilíbrios que a caracterizam. Temos uma grande macrocefalia

alimentada pelas duas cidades de Lisboa e Porto e uma multiplicidade

de pequenos anões que raramente podem aspirar à designação de

cidades médias.

Mais grave ainda que o problema da dimensão é o da fraca

qualificação dos bens e serviços que os vários centros urbanos estão

em condições de prestar. Para além disso, é praticamente inexistente a

especialização horizontal que permitiria que cidades do mesmo nível

As redes de transportes

O sistema urbano

A fraca qualificação dosserviços prestados.

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hierárquico pudessem especializar-se em determinados serviços

estabelecendo relações de permuta entre si.

A par dos problemas específicos da rede e não independentes

deles terão que ser mencionados os problemas decorrentes da gestão

interna de cada uma das cidades (dinâmica demográfica, estrutura

produtiva, iniciativa empresarial, emprego, acessibilidades, ruído,

ambiente, etc.). Sem uma adequada e eficiente solução para cada um e

para todos estes problemas não poderemos ter um tecido económico e

social competitivo e, por isso, uma sociedade progressiva.

Ainda no âmbito da gestão territorial, ocupam lugar de primeira

preocupação os problemas relacionados com a gestão dos recursos:

paisagem, naturais, água, florestas, espaços vazios, etc. Dadas as

interdependências, imediatas ou mediatas, de cada um destes factores

com todo o resto da organização económico-social, qualquer menor

preocupação com a sua gestão poderá pôr em causa a viabilidade

sustentável do território e do progresso económico.

Em vésperas de implementação do Plano de Desenvolvimento

Regional e do III Quadro Comunitário de Apoio espera-se que as

questões enunciadas possam encontrar suporte para soluções que, mais

do que no passado, sejam de reforço da competitividade territorial e

não de mero encantamento e competitividade discursiva.

A gestão interna das cidades

A gestão dos recursos e oambiente.

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