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Cerrado: contexto histórico-político e convivência sustentável com o bioma - Reforma Agrária, Agroecologia e Permacultura 1

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Cerrado: contexto histórico-político e convivência sustentável com o bioma - Reforma Agrária, Agroecologia e Permacultura2

EXPEDIENTE

CONCRABConfederação das Cooperativas

de Reforma Agrária do Brasil

Setor Comercial SulQuadra 6, Bloco A, Ed. Arnaldo Villares, Sala 213

CEP. 70.310 - 500Tel/Fax: (61) 3225-8592

Correio eletrônico: [email protected]

ISPNInstituto Sociedade, População e Natureza

SCLN 202, Bloco B, Salas 101/104CEP. 70.832 - 525

Brasília – DFTel/Fax: (61) 3327-8085

Correio eletrônico: [email protected]

PROJETO BRA/05/29“Tecendo relações entre experiências sustentáveis de preservação

e geração de renda em assentamentos rurais.”

Elaboração do conteúdo e texto:Ciro Correa, Luiz Zarref, Fábio Carvalho, Igor de Carvalho e Gustavo Assis

Arte e diagramação:Fábio Carvalho

Fotografias:Capa e páginas 1, 4 (paisagem Cerrado), 5, 6, 11 e 12: Igor de Carvalho

Página 4 (índia Timbira): Bento VianaPáginas 9, 25, 26 e 30: Arquivo Concrab

Páginas 15, 16 e 22: Equipe IPOEMA

Tiragem:2.000 exemplares

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Apresentação

Parte I - Contexto histórico-político do bioma Cerrado

1 - O Cerrado e o ser humano:da convivência ancestral à destruição moderna

1.1 - Caracterização do Cerrado1.2 - Ocupação do bioma Cerrado – a gradual migração para

o “sertão” brasileiro1.3 - O papel do Estado na dominação do Cerrado1.4 - O reconhecimento do Cerrado refletido nas políticas públicas1.5 - Lutas sociais no bioma Cerrado

2 - Reforma Agrária no Cerrado

3 – Iniciativas institucionais para uma Reforma Agráriaequilibrada com o bioma

Parte II - Convivência sustentável com o Cerrado

1 - Estratégias para conviver com o Cerrado: a Agroecologia e a Permacultura como ferramentas para o desenvolvimento rural sustentável

1.1 – A Agroecologia1.2 – A Permacultura

2 - A sociedade civil organizada no Cerrado

3 - Algumas das principais entidades que possuem fundos de promoçãoda Agroecologia para o bioma Cerrado

Referências bibliográficas

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ApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoApresentação

A Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil – CONCRAB, fundadaem 1992, busca realizar projetos sociais para, dentre outros fatores, contribuir com a organizaçãoda produção agrícola nos assentamentos de Reforma Agrária do Brasil e, conseqüentemente,criar condições para trabalhadores e trabalhadoras rurais construírem uma vida digna.

Muitos projetos já foram e/ou estão sendo desenvolvidos. Um deles é o projeto voltadopara o bioma Cerrado “Tecendo relações entre experiências sustentáveis de preservação e geração de rendaem assentamentos rurais”, firmado no ano de 2005, em parceria com o ISPN e o PPP-ECOS.

O Programa de Pequenos Projetos Ecossociais (PPP-ECOS) é um programa do Fundo parao Meio Ambiente Mundial (GEF), executado por meio do Programa das Nações Unidas para oDesenvolvimento (PNUD) e do Escritório de Serviços de Projetos das Nações Unidas (UNOPS).Ele existe em quase 100 países do mundo, sendo conhecido internacionalmente como Small GrantsProgramme (SGP). No Brasil, o PPP-ECOS direciona seus apoios para o bioma Cerrado, e écoordenado pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), com sede em Brasília.

Desde o início de sua implementação no Brasil, em 1994, o PPP-ECOS já apoiou quase 200projetos em doze Estados diferentes e no Distrito Federal. Estes projetos têm apresentadoresultados bastante positivos no desenvolvimento de alternativas de organização, produção ecomercialização que melhoram a qualidade de vida das comunidades locais e ao mesmo tempovalorizam e conservam as riquezas naturais do Cerrado, principalmente a biodiversidade.

Dessa forma, nesta parceria, buscamos entender melhor a riqueza e a diversidade da região,suas potencialidades, desafios, a cultura das populações locais, os diversos atores sociais e asforças políticas que fazem a realidade deste território.

Constatamos duas grandes questões que permeiam a região Cento Oeste e o conjunto dasorganizações políticas desse bioma: se de um lado temos uma mega biodiversidade, com riquezae abundância de frutos, alimentos, plantas medicinais, animais da fauna silvestre, riquezasociocultural de um povo e uma “caixa d’água brasileira” (devido à abundância desse recursonatural), por outro lado temos um bioma praticamente “esquecido” pelas políticas públicas, que,apesar de seu potencial e riqueza, é historicamente subjulgado a políticas paliativas e tangentesàs questões centrais da integração e desenvolvimento nacional, deixando o controle do territórioa cargo da expansão insana do agronegócio e da ocupação desordenada e insustentável.Infelizmente, nosso Cerrado está comprometido. Muitas espécies estão em extinção, solos estãodegradados, a água está sendo usada de forma irracional, grandes fazendas estão produzindomonoculturas extensivas para exportação e o comércio agrícola está sendo controlado pelasmultinacionais.

Frente a isso, acreditamos que a Reforma Agrária é um instrumento fundamental paramudar este quadro, promovendo não só a inclusão social, mas também a produção sustentávelde alimentos. Com o acesso à terra e os meios de produção garantido, aliado à garantia deinstrumentos políticos, tais como assistência técnica, apoio à comercialização, infra-estrutura socialbásica e crédito produtivo adequado, podemos fortalecer a agricultura camponesa, a produçãodiversificada de alimentos, a geração de emprego e a dinamização das economias locais.

Portanto, a elaboração e publicação deste material tem por objetivo servir de estudo eaprendizagem às pessoas envolvidas nesta luta, contribuindo com a compreensão e internalizaçãodos desafios socioambientais para promover a igualdade e a equidade social, tendo o elementoambiental no centro de nossas estratégias.

Boa leitura e boa luta!

Coletivo de Direção da CONCRAB.

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1 Bioma é o conjunto de seres vivos de uma determinada área. O Brasil possui seis diferentes biomas: Floresta Amazônica,Caatinga, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica e Pampas.

Parte I

Contexto histórico-políticodo bioma Cerrado

1 - O Cerrado e o ser humano:da convivência ancestral à destruição moderna

1.1- Caracterização do Cerrado

O Cerrado é um dos quatro gran-des biomas1 do Brasil, ao lado da Ama-zônia, Mata Atlântica e Caatinga.Ele ocupa quase 25% do territórionacional, em uma área com cercade 2 milhões de quilômetrosquadrados. Está compreendido,principalmente, nos Estados deGoiás, Tocantins, Mato Grosso,Mato Grosso do Sul, Maranhão,Piauí, Bahia, Minas Gerais e no DistritoFederal, ocorrendo também nos Estadosde São Paulo, Rondônia, Paraná e Pará,em menor proporção.

No Cerrado estão as nascentes de vários rios queformam algumas das principais bacias hidrográficasdo Brasil e da América do Sul: a do São Francisco,a do Tocantins-Araguaia e a bacia do Prata, que formao Pantanal, passa pelo sul do Brasil, pelo Paraguaie desemboca na Argentina, sendo consideradoa “caixa d’água” do Brasil.

Para manter toda essa água limpa e abundante,é preciso preservar grande parte da vegetação do Cerrado, manejando adequadamente o solo ecuidando para que o ciclo hidrológico (ciclo da chuva) não seja interrompido.

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O Cerrado é habitado por populações humanas há vários milênios.Muito antes de existir o país Brasil, diversas etnias2 indígenas já povoavameste imenso território. Estes povos tiravam seu sustento dos recursos naturais disponíveis,através da caça, da coleta de frutos e do cultivo de algumas plantas,principalmente a mandioca.

2 Etnia ou grupo étnico é, no sentido mais amplo, uma comunidade humana definida por afinidades lingüísticas e culturais esemelhanças genéticas. Estas comunidades geralmente reivindicam para si uma estrutura social, política e um território.

artesanatos etc. Assim como a flora, a fauna do Cerrado também é muito rica,com animais como lobo-guará, tamanduá, tatu, seriema, tucano, capivara e muitos outros.

Com a chegadados brancos e dosnegros, outros povosse formaram na regiãodo Cerrado. Estespovos aprenderamcom os índios, etambém por expe-riência própria,a viver com as suasriquezas, de umaforma que consegui-ram manter grandeparte deste biomaainda muito preser-vado até algumasdécadas atrás.

A vegetação do Cerradoé bastante diversa: possuiáreas de campo limpo, camposujo, cerrado sentido restrito(ou propriamente dito),cerradão, mata ciliar (ou degaleria) e veredas.

Algumas árvores típicasdo Cerrado são: pequi, sucupi-pira, faveira, cagaita, jatobá,ipê e buriti.

Existem ainda inúme-ras plantas menores, como acanela-de-ema, a calliandra ouflor do Cerrado e a bate-caixaou chapéu-de-couro. Muitasplantas do Cerrado são bas-tante úteis para a alimentação,para fazer remédios caseiros,

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1.2 - Ocupação do bioma Cerrado – a gradual migração para o“sertão” brasileiro

Os primeiros grandes fluxos migratórios identificados na região do Cerrado,em especial no Brasil central, se deram em meados do século XVIII. A busca por metais epedras preciosas estabeleceu diversas cidades no espaço ocupado pelo bioma, muitas delascom funções de apoio às caravanas que por ali passavam. Juntamente com os indígenas,quilombolas e algumas comunidades tradicionais, esses novos habitantes formaramo que hoje conhecemos como Populações Tradicionais do Cerrado.

Com pouco êxito, a fase da mineração rapidamente se extinguiu e manteve a ocupaçãopopulacional do Cerrado ainda em taxas baixas. Dessa forma, diversas atividades de pequenoimpacto ambiental, como roçados e extrativismo vegetal, se consolidaram enquanto culturaprodutiva da região.

Além disso, o Cerrado possuía o valor de suas terras consideravelmente baixo. Oprincipal motivo disto eram os fatores climáticos do bioma: um período de seca queinviabilizava qualquer cultura agrícola da época. A baixa fertilidade do solo (mais tarde,identificou-se a alta acidez da maioria das fisionomias do bioma como responsável por isso) ea alta drenagem eram outros fatores que dificultavam o interesse da exploração rural nas áreasde Cerrado. A única atividade que começou a ser explorada de maneira mais estruturada, apartir dos primórdios do século XX, foi a pecuária extensiva, que tirava proveito dos camposnaturais do Cerrado.

Por outro lado, a ocupação dos solos na região sul e sudeste (excluindo-se boa parte doEstado de Minas Gerais) já se encontrava em outro estágio, com o preço da terra bastantevalorizado. Aliado a isso, algumas culturas, como o café, entraram em forte crise,inviabilizando financeiramente várias famílias aristocráticas da região.

Assim, o alto valor da terra no sul e sudeste, a aristocracia em falência, a baixa ocupaçãopopulacional e o baixo valor da terra no bioma Cerrado criaram uma constante pressão sobreeste bioma. Uma área tão vasta (1/4 do território brasileiro), com uma vegetação que gozava depouca empatia junto à população e com um povoamento tão baixo, era o espaço privilegiadopara desenvolver as novas áreas produtivas do Brasil. As políticas públicas governamentaisforam decisivas para consolidar a ocupação populacional do Cerrado.

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1.3 - O papel do Estado na dominação do Cerrado

O primeiro ciclo de nacional-desenvolvimentismo da república brasileira foi o governode Getúlio Vargas. Já no “Governo Provisório”, Getúlio estabeleceu uma forte estratégia demodernização do Brasil. Nesta época, construiu-se a ferrovia que ligava São Paulo a Anápolis(GO), o que fez com que as áreas do Triângulo Mineiro e Sul de Goiás percebessem umaumento de suas populações.

Foi durante o Estado Novo (1937-1945), no entanto, que o modelo desenvolvimentista“colocou o pé” dentro do Cerrado. O governo getulista estabeleceu o “Projeto de Colonização dosCerrados”, o qual fixou colônias agrícolas em Ceres, Trombas e Formoso (GO) e Dourados (MS).

Na década de 50, outro ciclo desenvolvimentista foi deflagrado, sob o comando dopresidente Juscelino Kubitschek. Com o lema “Cinqüenta anos em cinco”, o Plano de Metasdefiniu uma série de estratégias para colocar o Brasil em um status de desenvolvido perante opanorama internacional.

Um dos pilares desta política foi a transferência da capital do Rio de Janeiro para Brasília,justamente no centro do Brasil e do próprio bioma Cerrado. Este feito é considerado pormuitos o ponto inicial da devastação sistemática e consolidada do Cerrado.

O governo JK tinha uma estreita ligação com a indústria automobilista internacional,refletindo isto em um ponto específico da criação de Brasília: a abertura de novas rodovias. Aolongo dos primeiros anos da nova capital, diversas rodovias foram construídas (sendo a maiordelas a Belém-Brasília), o que retirou grande parte das áreas do Cerrado do isolamento. Issotonificou o fluxo migratório para a região, principalmente nos prósperos pólos urbanos deBrasília e Goiânia, além do Triângulo Mineiro.

Assim, o cenário para a ocupação agrícola do Cerrado estava posto. A infra-estrutura deescoamento de produção estava sendo montada e o preço das terras era muito abaixo dasregiões sul e sudeste (em média 7 e 10 vezes mais baixo, respectivamente). No entanto, umponto crucial ainda inibia o deslocamento definitivo do “mundo rural” para os cerrados: suascaracterísticas do clima e do solo.

O primeiro esforço para ocupar o Cerrado veio por meio da silvicultura. Com aLei 5.106/66 e Decreto-lei 1.134/70, o governo militar definiu uma série de incentivos fiscais paraempreendimentos florestais. Enquanto o Cerrado estava sendo derrubado gradualmente pelaexpansão da fronteira agrícola,proprietários rurais e empresasflorestais inseriam no Cerrado(mineiro principalmente) vastasplantações de eucalipto e pinus.

No entanto, o pilar que defi-niu efetivamente o Cerrado comouma fronteira agrícola “ocupada”foi a entrada do paradigma da Re-volução Verde nas linhas de açãodo governo militar. Uma série deplanos estratégicos foram lançadoscom a finalidade de modernizar omeio rural. A Embrapa - CPAC(Empresa Brasileira de PesquisaAgropecuária - Centro de Pesqui-sas Agropecuárias do Cerrado) écriada e vários resultados científi-ficos foram obtidos, principalmen-te no que diz respeito à acidez dossolos e sua baixa fertilidade.

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Assim, pode-se dizer que a Embrapa - CPAC é criada com o objetivo de desenvolvertécnicas para manejar os “inférteis” solos do cerrado de acordo com o modelo de produçãoagrícola imposto pela Revolução Verde.

A partir desta investida institucional-operativa, o governo desencadeia uma série de políticasde incentivo ao estabelecimento da agricultura no bioma, tais como o Programa de Desenvolvimentodo Cerrado - POLOCENTRO (1975-79), o Programa de Cooperação Nipo-brasileiro para oDesenvolvimento dos Cerrados - PRODECER I e II (década de 80), o Fundo Constitucional deFinanciamento do Centro Oeste - FCO, entre outros. Assim, após a insistência do Estado em construirpolíticas públicas que beneficiassem o novo modelo de produção agrícola ligado à grandepropriedade e a produção em larga escala, o Cerrado foi tomado pela bovinocultura, num primeiromomento e, mais recentemente, pela soja, algodão, café, milho e feijão.

O “golpe de misericórdia” foi a Constituição de 1988. No quarto parágrafo do artigo n° 225,onde são definidos os biomas que são patrimônio nacional, não consta o Cerrado. Propositalmente,o Cerrado foi subordinado à condição de área de produção de grãos e criação de gado, isto é, deceleiro e, não, de bioma.

1.4 - O reconhecimento do Cerrado refletido nas políticas públicas

Nos últimos anos, o Cerrado conseguiu conquistar espaço nos meios acadêmicos e nasociedade civil, principalmente pelo aumento do conhecimento sobre sua biodiversidade. Emuma década, a biodiversidade vegetal identificada passou de 6 mil espécies vegetais para 12mil espécies. O Cerrado passou a “disputar” com a Mata Atlântica o status de segundo biomamais biodiverso do Brasil.

Justificativas:- Reaproveitamento da tecnologia desenvolvida para as duas grandes guerras mundiais(as empresas que antes produziam armas, bombas e tanques de guerra passaram a pro-duzir agrotóxicos, adubos químicos, tratores e sementes modificadas geneticamente);

- Aumentar a produção agrícola no mundo para resolver o problema da fome.

Modelo de produção:- Utilização do “pacote técnológico” (máquinas agrícolas,sementes modificadas, adubos químicos e agrotóxicos);

- Produção de monocultura em larga escala.

Implantação deste modelo em diversos países:- Acordos e programas governamentais entre países sedes das empresas

multinacionais fabricantes do “pacote tecnológico” e outros países para viabilizara exportação dessa tecnologia e a importação da produção agrícola;

- Mudança do conteúdo educacional das escolas técnicas e das universidades;- Criação de linhas especiais de crédito rural;

- Manutenção da estrutura agrária baseada noslatifúndios e na produção patronal.

Revolução Verde

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Diante destas pressões de diferentes frentes, as políticas públicas assumiram, em algunscasos, a busca pela proteção do Cerrado e sua ocupação mais planejada e sustentável. Algumasdestas políticas são:

1. A portaria do Ministério do Meio Ambiente (MMA) de nº 361, que instituiu em 2003 oGrupo de Trabalho do bioma Cerrado (GT Cerrado), sendo o grupo constituído por representantesde instituições governamentais e da sociedade civil. O GT Cerrado tem como papel definir umaproposta estratégica de políticas públicas voltadas para o Cerrado, com o apoio e a representaçãoda sociedade e de instituições atuantes no bioma. O GT tem encaminhado o resultado de seustrabalhos, denominado Programa Cerrado Sustentável, cuja implementação refere-se à alocaçãode recursos da união e à captação de recursos de cooperação internacional para a realização dasações e atividades previstas;

2. O Programa Cerrado Sustentável visa incentivar a proteção do bioma e das populaçõeslocais que dele dependem, adequando as dinâmicas econômicas a critérios de sustentabilidadesocial e ambiental, em estratégias de curto e de longo prazo. Dentro das estratégias e AçõesProgramáticas, o uso sustentável da diversidade biológica do Cerrado é destacado comoprioridade, bem como o empoderamento e o fortalecimento das comunidades tradicionais quehabitam o bioma;

3. No MMA, a Comissão Nacional de Biodiversidade – CONABIO instituiu, em julho de2004, a Câmara Técnica Temporária do Cerrado e Pantanal – CTT, com representantes de órgãosdo governo e organizações da sociedade civil, com os objetivos de consolidar as informaçõestécnicas a respeito dos biomas Cerrado e Pantanal, identificar as demandas não atendidas e asações prioritárias à conservação da biodiversidade nos biomas, propor à CONABIO políticaspúblicas ou estratégias de atuação na área de biodiversidade do Cerrado e do Pantanal eacompanhar e, sempre que possível, colaborar nas atividades do Grupo de Trabalho-GT do biomaCerrado, instituído pela Portaria do MMA n.o 361/03 (MMA 2005);

4. Foi formado ainda, dentro da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do MMA, oNúcleo dos biomas Cerrado e Pantanal, que tem como atribuição articular e propiciar a execuçãode iniciativas voltadas para a conservação e o uso sustentável destes biomas;

5. Mais recentemente, em abril de 2006, foi formada a Comissão Nacional do ProgramaCerrado Sustentável - CONACER, como parte de uma agenda de implementação de políticaspúblicas para o bioma. Constituída por diversos ministérios e entidades da sociedade civil eacadêmica, a comissão possui 27 membros e é um ponto permanente de discussão sobre o Cerrado.Há uma expectativa de que a comissão possa auxiliar tanto na busca de estratégias para o biomaquanto na agilização da tramitação do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 155/95, quemodifica o parágrafo 4° do art. 225 da Constituição Federal, reconhecendo o Cerrado e a Caatingacomo Patrimônio Nacional. Atualmente, se enquadram neste status de reconhecimento somente oPantanal, a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica e a Serra do Mar;

6. Outra ação do Governo Federal em parceria com ONGs foi a criação do portal do Cerradona internet, o “Cerrado Brasil” (http://cerradobrasil.cpac.embrapa.br), com o objetivo de divulgara importância ambiental e social do Cerrado, estimulando a organização e a participação da sociedadeem relação ao bioma. Foi realizado ainda o Workshop “Áreas Prioritárias para a Conservação doCerrado e Pantanal”, com o objetivo de identificar estas áreas prioritárias (MMA, 1999).

7. No que diz respeito à atuação internacional em favor do uso sustentável do Cerrado,podemos mencionar a decisão V/23 da Conferência das Partes (2005), que estabelece um programade trabalho sobre a diversidade biológica em ecossistemas sub-úmidos, incluso o Cerrado. Nesteprograma, enfatiza a importância do manejo da biodiversidade nos ecossistemas, reconhecendo oconhecimento dos povos indígenas e tradicionais na gestão dos recursos naturais, e sugerindo aidentificação destas formas de manejo para replicação mais ampla. Também propõe, como atividade,o desenvolvimento de mercados, instrumentos econômicos e tecnologias adaptativas para oaproveitamento e beneficiamento da produção dos ecossistemas de áreas secas e sub-úmidas, edefine o apoio à coleta sustentável de produtos dos ecossistemas, inclusive de animais silvestres.

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1.5 - Lutas sociais no bioma Cerrado

Durante o século XVIII, diversas etnias indígenas foram massacradas no biomaCerrado. Um dos exemplos mais marcantes é o massacre ocorrido no Estado do Goiás,onde os índios Goyazes foram atacados e mortos pelos bandeirantes, liderados pelopaulista Anhaguera.

Além das etnias dizimadas ou isoladas pelos bandeirantes desde o século XVIII,o século XIX também presenciou a formação de vários quilombos na área coberta peloCerrado, justamente por serem áreas interioranas e com baixo povoamento. Porém ospovos que formaram tais quilombos não apresentaram, aparentemente, grandesmobilizações ou enfrentamentos sociais no desenrolar dos séculos.

Se a ocupação do Cerrado se deu de forma intensa no século XX, a efervescênciadas lutas sociais no bioma também ocorreu na mesma época. A primeira luta camponesaque se formou de maneira consistente na região central do bioma foi a Guerrilha deTrombas e Formoso, no Estado de Goiás. Na década de 50, com a construção de Brasíliae da rodovia BR-153, a Belém-Brasília, a região valorizou-se. Os latifundiários da regiãoprocederam a uma verdadeira “corrida” — semelhante à do ouro — aliados aadvogados e a juízes corruptos para grilar a imensa quantidade de terras devolutas daregião.

No entanto, nesta “corrida”, os latifundiários teriam um elemento a vencer: oscamponeses e camponesas que ali já viviam e produziam e, por isso, não deixariam delutar pela terra. Apoiados por estudantes, operários e militantes comunistas, camponesese camponesas enfrentaram e venceram vários combates contra jagunços e contra as forçaspoliciais, terminando por estabelecer, em muitas situações, a posse da terra e o poderpolítico na região que, nestes casos, perduraram somente até o golpe militar de 64.

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Com o Golpe militar, as lutas no meio rural ficaram centralizadas na Comissão Pastoral da Terra– CPT, que alocou sua sede no centro do Brasil. O enfrentamento nas zonas de fronteira agrícolacom os latifundiários produziu diversas chacinas e mártires e delimitou cidades muito importantescomo foco de resistência, a exemplo de Goiás Velho e São Félix do Araguaia.

A força da Pastoral da Terra na região do Cerrado era sentida em todo o meio ruralista,tanto que a União Democrática Ruralista – UDR foi criada também nesta região por um grupo depessoas que, muitas vezes, já haviam organizado massacres de camponeses.

No final da década de 80, o Movimento Sem Terra começou a organizar-se, com o auxílio daCPT, também nos Estados do bioma, principalmente em Goiás, Mato Grosso do Sul e no interiorde Minas Gerais. Em meados da década de 90, a CPT fortaleceu suas ações na região Amazônicae a luta política sobre as questões agrárias recaíram sobre o MST.

As lutas pela terra no bioma Cerrado alcançaram alguns êxitos, como, por exemplo, aimplantação de assentamentos importantes em áreas de latifúndios improdutivos. No entanto, oagronegócio, com a manipulação da opinião pública, isolou grande parte dos assentamentos.Além disso, o Estado expressivamente não cumpria (e ainda não cumpre) com seu dever no quediz respeito à infra-estrutura básica, assistência técnica qualificada para atuar na região do Cerradoe crédito suficiente que poderia (e pode) financiar alternativas produtivas sustentáveis.

Ao longo da década de 90, outros movimentos sociais foram se organizando no bioma. OMovimento de Pequenos Agricultores – MPA se organizou em áreas onde sertanejos e pequenosprodutores já estavam estabelecidos. O Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB organizou-se nas áreas de impactos dos grandes projetos hidrelétricos, como Tucuruí. O Movimento deMulheres Camponesas – MMC vem se organizando também.

Mais recentemente, é importante mencionar a Rede Cerrado de Organizações NãoGovernamentais (ONGs), que congrega diversas instituições que atuam na promoção dodesenvolvimento sustentável e na conservação do Cerrado. São mais de 300 entidadesidentificadas com a causa socioambiental no Cerrado, que representam trabalhadores etrabalhadoras rurais, extrativistas, indígenas, quilombolas, geraizeiros, quebradeiras de coco,pescadores, entre outros.

O objetivo principal da Rede Cerrado é incentivar e promover a troca de experiências einformações entre as instituições visando conciliar equidade social, conservação ambiental edesenvolvimento. A comercialização de produtos do Cerrado, a visibilidade de culturastradicionais e a valorização da sua fauna e flora são algumas estratégias de ação da Rede Cerrado.

As entidades da Rede Cerrado comprometem-se, em sua Carta de Princípios e Tratado dosCerrados, dentre outras coisas, a estimular a criação de reservas extrativistas e de manejosustentado, a incentivar ações que visem a implantação paulatina do desenvolvimento sustentável,priorizando a pequena e a média produção, e a defender e participar de mecanismos departicipação e de controle social das políticas públicas no bioma. Sua atuação influencioudiretamente as ações recentes do governo federal em benefício do bioma. Isso demonstraclaramente a intenção da sociedade civil organizada em trabalhar por políticas públicas para oextrativismo no Cerrado.

Uma das principais ações da Rede Cerrado é o Encontro dos Povos do Cerrado. Este encontroé um espaço de debate político, troca de experiências e articulação de agendas de lutas entre osdiferentes grupos sociais que vivem no Cerrado (quilombolas, geraizeiros, indígenas, sertanejos,sem-terra). O encontro já está na sua V edição e vem conseguindo ser propositivo na formulaçãode políticas públicas que visem a sustentabilidade do bioma.

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2- Reforma Agrária no Cerrado

Falar de Reforma Agrária é falar da mudança das relações de poder. É falar do acesso à terrae da garantia de todos os serviços públicos de qualidade: crédito rural, moradia, estradas,transporte, escola, postos de saúde, assistência técnica comprometida com a sustentabilidade,comercialização e preço justo dos produtos agrícolas.

Falar de Cerrado é falar, principalmente, do Centro Oeste brasileiro. É falar dos seus habitantes,da sua biodiversidade e da relação estabelecida entre estes dois componentes. É falar como estáorganizada a vida social, política, econômica e cultural na região.

O Centro Oeste possui uma área de aproximadamente 1,6 milhões de Km² (160 milhões deha), ocupada por mais de 11,5 milhões de habitantes. Só o eixo Goiânia-Brasília soma mais oumenos 3,5 milhões de pessoas.

Como se sabe, o bioma Cerrado é predominante na região, onde a fauna e a flora impressionampela riqueza. Um dos motivos é o fato do Cerrado estar no centro do País, fazendo fronteira comoutros quatro biomas: a Amazônia, a Caatinga, a Mata Atlântica e o Pantanal.

No entanto, como conseqüência do Agronegócio, o Centro Oeste está inserido na área deexpansão da fronteira agrícola, com grande destaque para a produção de soja e para a criação degado. Esta área abrange em escalas consideráveis todos os Estados da região. Por isso, estima-seque 57% da vegetação nativa do Cerrado já foi destruída. Segundo os estudos realizados pelospesquisadores do Programa Cerrado Conservação Internacional – Brasil (CI-Brasil), praticamentetoda vegetação do bioma Cerrado corre o risco de desaparecer em 2030, caso continue esta políticade produção agropecuária em larga escala.

Outro tópico que diz respeito à organização da vida social, política, econômica e culturalestabelecida no bioma Cerrado é a propriedade de terra. No Centro Oeste, segundo o Incra (AtlasFundiário Brasileiro – 1996), a quantidade de minifúndios (de 0,1 a 1 módulo fiscal) e pequenaspropriedades (de 1 a 4 módulos fiscais) somam 68% do total de imóveis e ocupa 9% da área total.Já a quantidade de grandes imóveis (acima de 15 módulos fiscais) soma 12,3% e ocupa 73% dototal da área. Assim, com alta concentração fundiária, o Centro Oeste registra o menor percentualde agricultores familiares entre todas as regiões brasileiras.

Além disso, ainda segundo o Incra (Estatísticas Cadastrais – 1998), no Centro Oeste, 37%do total de imóveis rurais são improdutivos. Dessa forma , se considerarmos que os minifúndiose as pequenas propriedades não representam juntos quantidades expressivas de terra, chegaremos

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As pessoas assentadas no Cerradoprecisam estabelecer uma relação com o meioambiente da região de maneira tal que suaprodução seja fruto desta relação. É impossívelproduzir sustentavelmente com o pacotetecnológico hegemônico no meio agrícola.

Isso porque a idéia central destepacote que compõe o agronegócio é a“artificialização do ambiente”. Ou seja, vocêcria um ambiente artificial, que nãodepende da realidade ambiental da região.Independente do solo, o produtor utilizaadubos químicos para padronizá-lo. Se falta

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à conclusão que grande parte da área destes 37% de imóveis rurais improdutivos pertence aosgrandes estabelecimentos e, portanto, deveriam ser desapropriados para a Reforma Agrária, deacordo com a lei.

Porém, assim como em todo o Brasil, na região Centro Oeste o impacto das políticaspúblicas voltadas para a Reforma Agrária é mínimo. Mesmo o País tendo como lei a desapropriaçãode latifúndios improdutivos3 e/ou de propriedades que não cumprem a sua função social4, deacordo com os artigos 184, 185 e 186 da Constituição Federal.

E justamente pelo fato de ser mínimo o impacto das políticas públicas voltadas para aReforma Agrária é que não há como tratar desta questão sem falar da luta dos Movimentos Sociaisdo Campo, principalmente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. O MST vem,desde a sua fundação em 1984, contribuindo com a organização de camponeses e camponesas,no intuito de ocupar os latifúndios improdutivos e pressionar os governos para que estes cumprama lei. Pode-se dizer que boa parte dos assentamentos criados da década de 80 para cá é conseqüênciaora das ocupações realizadas pelo MST, ora da pressão política sobre os governos.

No entanto, assentar somente não altera a estrutura vigente da propriedade de terra, nemda produção agrícola capitalista. Por isso, mais do que ocupar latifúndios improdutivos epressionar os governos, o MST, juntamente com outras forças políticas, vem trabalhando paraque ocorra não só uma democratização da propriedade de terra no País, mas, também, umademocratização de todos os recursos naturais, como das sementes e da água, por exemplo. Paraque ocorra uma autonomia na forma de produzir, na escolha do quê e para quem produzir.Enfim, para que os trabalhadores e trabalhadoras rurais decidam sobre a organização social,política, econômica e cultural das comunidades do campo.

3Latifúndio improdutivo é a propriedade rural que possui mais de 15 módulos fiscais e não utiliza 80% ou mais de sua áreaaproveitável para a produção agropecuária ou agroextrativista (o tamanho de 01 módulo fiscal varia de acordo com o Estado ecom o município).4O não cumprimento da função social significa que, mesmo se a propriedade for produtiva, ela poderá ser desapropriada parafins de Reforma Agrária se estiver degradando o meio ambiente e/ou ferindo as leis trabalhistas (trabalho escravo, sem carteiraassinada, exploração de menores etc).

3 – Iniciativas institucionais para uma Reforma Agrária equilibrada com o bioma

água, utiliza irrigação, com projetos que muitas vezes desperdiçam uma enorme quantidadedeste elemento natura, utiliza-se sempre as mesmas espécies vegetais, em formas demonocultivos. Assim, a artificialização faz com que ocorra a homogeneização da produção –monocultura – e com isso o desequilíbrio com o ecossistema local (insetos, plantas e animais).

Para uma vida com dignidade e uma produção sustentada, os assentados e assentadasdevem estimular o seu potencial de observação do ambiente. O Cerrado é um bioma quenaturalmente concentra chuvas em uma determinada época do ano. Seus solos são profundos e

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drenam bem a água, além de serem bem ácidos. Esse é o ambiente real.

É sobre esse ambiente real que a agricultura deve realizar suas intervenções. É buscandocompreender o funcionamento dos ecossistemas do bioma, as relações naturais entre os elementos,os vegetais e os animais que a agricultora e o agricultor devem forjar sua produção.

Compreendendo isto, a CONCRAB vem desenvolvendo uma série de programas, projetos,articulações e ações que buscam proporcionar o desenvolvimento desta agricultura nosassentamentos rurais. Pode-se citar, por exemplo:

Centros Irradiadores do Manejo da Agrobiodiversidade – CIMAs

O projeto dos Centros Integrados de Manejo da Agrobiodiversidade tem por objetivoconstruir espaços privilegiados de experiências agroecológicas, guardando principalmente anecessidade do potencial de replicabilidade das alternativas, de maneira que possam sersocializadas e desenvolvidas nas comunidades adjacentes. Em todo o Brasil tem-se 09 CIMAs,espalhados pelos diversos biomas, que produzem alternativas de manejo da agrobiodiversidade,recomposição florestal, manejo de solo e hidrográfico ecológicos, construção de baixo impactoambiental entre outras. No Cerrado temos o CIMAs no Assentamento Canudos, em Palmeira dasMissões (GO) e em Ribeirão Preto (SP).

Capacitação em Agroecologia

A capacitação de lideranças, técnicos, jovens, homens e mulheres vêm sendo feita em parceriacom escolas agrícolas, universidades e com assessores/as ligados/as à CONCRAB ou entidadesparceiras, buscando a maior capilaridade possível.

Especificamente, a capacitação em agroecologia vem se demonstrando uma ferramenta dedesconstrução e reconstrução, principalmente para os/as técnicos/as, quebrando “tabus” comrelação ao modelo tradicional e ao paradigma agroecológico. Também se apresenta como fontede resgate dos conceitos mais arraigados e de práticas seculares, que foram soterradas pelodiscurso intensivo das empresas que servem à “revolução verde”.

No Cerrado, a principal iniciativa de capacitação nos moldes “formais” é o curso deAgronomia, em parceria com a Universidade Estadual do Mato Grosso. O curso tem um fortecaráter agroecológico e um estreita ligação com o bioma Cerrado.

Programa Florestal para as áreas de Reforma Agrária

Este programa em construção da CONCRAB é estratégico para identificar a realidade daquestão florestal nos assentamentos de Reforma Agrária e construir a inserção ou resgate gradualdesta temática no imaginário cultural e produtivo dos assentados. As florestas devem ter papelde preservação ambiental, mas também de geração de renda.

No Cerrado o programa adquiri importante papel na matriz produtiva dos assentamentos.As formações florestais do Cerrado possibilitam um manejo diferenciado, muito voltado para oaproveitamento de frutos, sementes, troncos, galhos etc. A recomposição das áreas degradadastambém pode ser feita com sistemas agroflorestais apropriados às espécies do bioma.

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Programa Biodiversidade Brasil-Itália

Entre as diversas iniciativas que a Concrab já está realizando no Cerrado, temos o projetoBrasil-Itália que é uma parceria com diversas entidades, sendo a EMBRAPA uma das principais.Com esse projeto estamos incentivando e ampliando nosso trabalho com a agrobiodiversidade,com dezenas de variedades de milho, feijão, hortaliças, mandioca, etc, sendo que além depromovermos a reconstrução das paisagens também tem se resgatado muito conhecimento dosagricultores/as. Como experiência significativa deste projeto, podemos citar o Projeto deAssentamento Cunha.

Em 1999 foi constituído, na região do Entorno do Distrito Federal, o P.A. Cunha, que possui62 famílias em uma área de 1.031 hectares. A situação de degradação, principalmente da APP, eraexpressiva. Atualmente, o assentamento possui 150 hectares de cerrado preservado (90 para reservalegal e 60 para aumentar a área de extrativismo). As faixas de proteção aos rios (APPs), que antesnão existiam ou chegavam a no máximo 5 metros, hoje alcançam até 100 metros de largura.

Formou-se um grupo coletivo, composto por 07 famílias, em uma área de 150 hectares.Esse grupo se chama Grupo Coletivo Carajás. Em 2002 iniciou-se, em parceria com um grupo depesquisadores da EMBRAPA, um projeto de seleção de variedades crioulas de milho melhoresadaptadas às condições do Cerrado e de práticas agroecológicas. Incorporou-se, no ano seguinte,projeto de seleção de variedades de mandioca e implantação de áreas de produção de sementespara adubação verde.

Atualmente, estão sendo testadas 16 variedades de milho (5 melhoradas pela EmbrapaMilho e Sorgo, 6 Embrapa Cerrado e 5 variedades locais - Caiano de Sobrália, Caiano do EspíritoSanto, Palha Roxa de Santa Catarina, Palha Roxa do Espírito Santo e 106 do Espírito Santo). Nesteprocesso foi selecionada pela comunidade a variedade de milho Sol da Manhã, que reagiu melhoràs condições de ausência de adubação e irrigação e apresentou aspecto visual mais aprazível eimportância alimentar para a comunidade.

Também estão sendo selecionadas variedades de mandioca. Em um sistema de rotação,existem dois campos de adubação verde, com as espécies descritas acima. As sementes produzidassão repassadas para outros assentamentos e agricultores e agricultoras familiares.

O grupo coletivo Carajás possui também um pequeno horto medicinal e horta de verduras.Está em fase final a construção de uma pequena agroindústria para beneficiamento das sementesde milho e adubação verde, da mandioca e de frutos do cerrado, principalmente a Cagaita (Eugeneadisenterica).

Diagnósticos Rápido Participativo da Biodiversidade - DRPBio

A CONCRAB tem como premissa, há alguns anos, o planejamento dos assentamentos deacordo com o ecossistema e as relações socioeconômicas locais. Uma das principais ferramentaspara este planejamento é o DRPBio, que faz a leitura da paisagem e análise dos sistemas produtivose relações socioeconômicas do assentamento. A partir deste DRPBio, as intervenções são sugeridas,buscando retomar o equilíbrio ambiental da área, garantindo soberania alimentar e geração derenda. Recentemente, foi realizado um DRPBio em uma área estratégica do bioma Cerrado, oNoroeste Mineiro, no Pré-assentamento Sol Nascente.

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O Pré-Assentamento Sol Nascente localiza-se no município deCapitão Enéas, na Região Norte de Minas Gerais que, juntamente com

o Vale do Jequitinhonha compreende a parte mineira do semi-áridobrasileiro, tem como característica ser uma das regiões com os Índices

de Desenvolvimento Humano (IDH) mais baixos do país. A vegetaçãocaracterística é de mata seca em estado inicial de regeneração e áreas deCerrado, além de baixadas sujeitas à alagamento no verão. Um ecossistemacomplexo e comprometido pela destruição das plantações de eucaliptona região.

As 42 famílias pré-assentadas se encontram organizadas em quatronúcleos de base, os quais discutem as relações cotidianas das famílias easpectos das atividades produtivas. A produção das famílias caracteriza-sepelo cultivo de milho, feijões, favas, mandioca, abóbora, quiabo, arroz,amendoim, gergelim, melancia, entre outras, e a criação de suínos, bovinos eaves caipiras. No período da seca as atividades agrícolas ficam reduzidas aocultivo de hortas domésticas. Praticamente toda a produção é utilizada para oauto-consumo, sendo comercializado algum excedente apenasesporadicamente, já que as áreas de cultivo são bastante reduzidas e aprodução é em pequena quantidade.

O Núcleo Sebastião Pereira, por exemplo, é formado por doze famíliasque cultivam uma área de 15 ha, sendo que 5 ha são manejados coletivamentepelo Núcleo, trabalhando em forma de mutirões, desenvolvendo diversosplantios consorciados. Os consórcios são estabelecidos a partir dasexperiências acumuladas das famílias assentadas, respeitando asexigências das espécies plantadas de forma a se obter melhorprodução e utilizando combinações de variedadesjá experimentadas e aprovadas pela suaviabilidade, fazendo uso sempre quepossível de sementes adaptadasà região e ao sistema decultivo empregado.

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Tanto o estudo e aprática da Agroecologia,quanto da Permacultura,propõem, além de técnicas decultivo alternativas ao modeloconvencional, transformaçõesnas formas de organização dasdiversas sociedades domundo. Cada proposta comsuas leituras e contribuições,que ora se cruzam, ora sec o m p l e m e n t a m .Diferentemente do estudo e daprática da AgriculturaOrgânica, por exemplo, quepropõe, basicamente, técnicaspara produção de alimentossem usar produtos químicossintéticos.

Dessa maneira, o que sepretende aqui é apresentar, de forma resumida, o conceito, o histórico e algumas das principaistécnicas que a Agroecologia e a Permacultura nos apresentam. O importante é somar esforçosdos difusores(as) destes dois campos do conhecimento para contrapor as propostas do sistemacapitalista de produção que, no meio rural, nos aparece representado pelo Agronegócio.

1.1 – A Agroecologia

A Agroecologia pode ser definida como um conhecimento que integra produção agrícolae fatores ecológicos, sociais, políticos, econômicos e culturais, dentro de uma perspectivaecologicamente sustentável, socialmente justa, politicamente igualitária, economicamente viávele culturalmente sensata.

Parte II

Convivência sustentávelcom o Cerrado

1 - Estratégias para conviver com o Cerrado:Agroecologia e Permacultura como ferramentaspara o desenvolvimento rural sustentável

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Os fatores ecológicos dizem respeito aos processos naturais que ocorrem em umagroecossistema, isto é, à relação estabelecida entre as plantas nativas, as cultivadas, os animaisselvagens, os domésticos e o meio ambiente em questão. Sempre buscando o equilíbrio ambientale a conservação dos recursos naturais.

Já os fatores sociais, políticos, econômicos e culturais dizem respeito à relação entre aprodução agrícola, os(as) trabalhadores(as) rurais e a sociedade em geral, ou seja, dizem respeitoàs conseqüências da produção agrícola na vida e na forma de organização dos povos do campo eda cidade. Sempre buscando a sustentabilidade, a auto-suficiência na produção, a garantia dacomercialização e do preço justo dos produtos agrícolas, a vida digna no campo, a organizaçãode trabalhadores e trabalhadoras rurais, a coletividade, a cooperação, o cooperativismo, a nãoexploração entre os seres humanos e o respeito à diversidade cultural.

Um pouco do histórico:

A Agroecologia deriva de duas ciências: a Agronomia e a Ecologia. De acordo com asreferências bibliográficas, a primeira vez que o termo Ecologia Agrícola surgiu foi em 1928. Naocasião, ecologistas que trabalhavam com plantas cultivadas se interessaram em estudar quaislocais e quais condições ecológicas as plantas se desenvolveriam melhor. Já o termo Agroecologiafoi utilizado pela primeira vez no início dos anos 30, referindo-se à ecologia aplicada à agricultura.No entanto, o interesse por este tema foi somente de poucos acadêmicos desta área, pois a Ecologiatendia a se tornar uma ciência pura, voltada para o estudo de sistemas naturais.

Da mesma forma, o termo Agroecologia também não seria muito utilizado, nem difundidopor agrônomos daquela época. Isso porque, enquanto a Ecologia tendia ao campo da ciênciapura, a Agronomia ia se tornando cada vez mais uma ciência de resultados, principalmente apósa Segunda Guerra Mundial, onde a mecanização agrícola e a utilização de adubos químicos eagrotóxicos se intensificaram.

No final da década de 50, o conceito de ecossistema começou a ser amadurecido pelosecologistas. A partir daí, gradativamente, tais ecologistas começaram a estudar os sistemasagrícolas e, da mesma forma, os agrônomos passaram a enxergar a aplicação da ecologia naagricultura. Isso resultou na aparição do termo agroecossistema, que começou a ser mais utilizadoao longo dos anos 60 e 70.

Mas foi somente no início dos anos 80, que o termo Agroecologia veio à tona novamente.E, desta vez, veio com muito mais intensidade e como um conhecimento de base e de metodologiapara o estudo de agroecossistemas. Conhecimento que aos poucos foi incorporando os fatoressociais, políticos, econômicos e culturais relacionados à produção agrícola e à sociedade emgeral.

Atualmente, a Agroecologia é uma das principais bandeiras de luta dos Movimentos Sociaisdo Campo, tanto no Brasil, quanto em outros países, principalmente países da América Latina.Dessa forma, até o momento, trabalhadores(as) rurais, militantes, acadêmicos e outros jáorganizaram diversos encontros, estaduais, nacionais e internacionais, congressos científicos,seminários, grupos de estudo e trabalho em assentamentos, universidades, e etc.

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Algumas das principais técnicas da Agroecologia:

1) Utilização do composto orgânico:

O composto orgânico é um adubo feito com base na mistura de esterco e material vegetal(folhas, palha, capim, cascas de frutas, etc). A vantagem é que com pouco esterco é possível fazermuito composto orgânico, aproveitando os restos vegetais dos arredores da casa e da roça.

Modo de fazer:

a) Fazer uma camada de material vegetal (ou capim, ou folhas) de mais ou menos 1 palmode altura (a largura e o comprimento vão depender da quantidade do material vegetaldisponível);

b) Cobrir esta camada com uma camada fina de esterco (ou composto orgânico já pronto);c) Colocar outra camada de vegetal, depois outra de esterco, outra de vegetal, esterco,

vegetal...até atingir 1 metro e meio de altura.d) O composto estará pronto depois de 90 dias.

Obs.: Molhar o composto 2 ou 3 vezes por semana, caso não chova; Revirar o composto de 15em 15 dias (no mínimo); Não utilizar o composto antes dos 90 dias.

2) Rotação de culturas:

A rotação de culturas, como o próprio nome já diz, é o cultivo alternado e regular de plantasem uma mesma área. Isso porque cultivar uma só planta no mesmo lugar esgota os nutrientes dosolo, diminui o crescimento das plantas e aumenta as possibilidades de praga.

Assim, rotacionar culturas ajuda a manter o solo coberto e, conseqüentemente, manter aumidade e a matéria orgânica do solo. Ajuda também a diversificar a produção, possibilitando,além de tudo, um aumento da renda do agricultor.

3) Consorciamento de plantas

O consorciamento de plantas é o cultivo simultâneo de culturas companheiras, ou seja, culturasque plantadas juntas se ajudam ao invés de competirem por água e nutrientes no solo, raios desol, espaço para as raízes etc.

O consórcio pode ser feito em uma horta, em uma “lavoura” ou até mesmo em um jardim,misturando espécies ornamentais, com diversas plantas comestíveis, plantas para tempero emedicinais.

A agrofloresta também é um tipo de consórcio que, de uma forma geral, costuma ser feitomisturando-se espécies agrícolas, frutíferas e florestais.

Assim como a rotação de culturas, o consorciamento de plantas também diversifica a produçãopossibilitando um aumento da renda do agricultor.

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4) Adubação verde

A adubação verde é uma técnica de manejo sustentável de agroecossistemas, que consisteem cultivar e incorporar ao solo plantas leguminosas. Além de melhorar a terra pela abundânciade raízes, as plantas leguminosas fixam o nitrogênio do ar, elevando assim a quantidade destemacro-elemento no solo, fornecendo-o para a cultura seguinte.

As leguminosas mais utilizadas são o feijão de porco (Canavalia ensiformis), a crotalária(Crotalus sp.), a mucuna preta (Mucuna aterrina), o milheto (Pennisetum glaucum) e o guandu (Cajanuscajan), sendo estas três últimas de fácil adaptação ao bioma Cerrado.

5) Cobertura do solo

A cobertura do solo pode ser viva ou morta. A cobertura “viva” pode ser feita plantando-se espécies rasteiras ou de pequeno porte. Já a cobertura “morta” é feita cobrindo o solo com

folhas, palhas, galhos e etc.Cobrir o solo evita o seu ressecamento, evita a perda de matéria orgânica de suas camadas

superficiais e uma conseqüente erosão.

6) Manejo ecológico de parasitas e doenças

A idéia do manejo ecológico de parasitas e doenças está relacionada ao controle e àprevenção. Os métodos de prevenção são aqueles voltados para equilibrar e diversificar a vidado solo e aumentar a resistência vegetal por uma nutrição melhor. Isso significa, que na práticaagroecológica, ao invés de matar a praga, deve-se procurar não criá-la. Assim, a adubação verde,a adubação com esterco ou com composto orgânico, realizada adequadamente, somada aoconsorciamento de espécies e a manutenção de faixas de vegetação nativa, dão garantia dediversificação da vida do solo e, conseqüentemente, a nutrição necessária para as plantas criaremresistência aos parasitas e às doenças. Além disso, dão garantia, também, da existência dosinimigos naturais dos parasitas que podem prejudicar o plantio.

7) Criação agroecológica de bovinos e frango caipira

Tanto a criação agroecológica de bovinos, quanto à de frango caipira podem ser mais umafonte de alimento e renda para as famílias do campo. Além, é claro, de fornecer ‘gratuitamente’ oesterco necessário para a adubação e preparação do composto orgânico.

Com relação ao gado, existem técnicas de pastoreio, como o Pastoreio Racional Voisin,que permitem ao trabalhador rural aproveitar melhor o pasto, dividindo-o em parcelas eorganizando um sistema rotativo de pastagem, dando o tempo necessário para cada parcelarecuperar por inteiro a forrageira. Existem também uma série de remédios caseiros para tratardas mais variadas doenças bovinas.

Com relação às galinhas caipiras, estas podem ser criadas em regime de semi-confinamentoa pasto, com uma alimentação alternativa, valendo-se do próprio pasto, dos restos de hortaliças,milho, girassol etc. No local, podem ser plantadas árvores frutíferas, feijão guandu ou leucena.Lembrando sempre que as instalações dos galinheiros devem ser feitas aproveitando o máximodos materiais disponíveis no local.

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1.2 - A Permacultura

De uma forma geral, a Permacultura pode ser definida como umconhecimento que propõe princípios e técnicas para planejar a relaçãosustentável entre os seres humanos e os recursos naturais, com o intuito de,basicamente, viabilizar a moradia, produzir alimentos saudáveis, conviverharmoniosamente e conservar o meio ambiente.

O estudo e a prática da Permacultura têm como base conhecimentosancestrais e conhecimentos modernos relacionados às áreas de ciênciasagrárias, ecologia, arquitetura, engenharia e ciências sociais, dentre outras.Conhecimentos que valorizam, principalmente, o cuidado com o PlanetaTerra, o cuidado com as pessoas, a distribuição de excedentes,a utilização de energias naturais, como a energia solar, eólicae hídrica e a maximização sustentável da produção

Um pouco do histórico:

A palavra Permacultura foi inventada pelo australiano Bill Mollison ederiva de ‘agricultura permanente’ ou ‘permanente cultura’. Juntamente com otambém australiano David Holmgren, Bill Mollison começou a propor taisconhecimentos no início dos anos 70. Nesta época, a Austrália já se encontravaem estado avançado de degradação ambiental. Degradação causada pelas práticasagrícolas chamadas convencionais, isto é, aquelas que têm por objetivo,basicamente, a produção monocultural em larga escala, o uso de agrotóxicos, deadubos químicos, a intensa mecanização da produção e a concentração fundiária.

Dessa forma, o conhecimento permacultural começou a ser proposto,justamente, como alternativa ao modelo convencional, no intuito de elaborar eexecutar sistemas sustentáveis de moradia, convivência e produção. Os passospara tal elaboração e execução foram sistematizados e chamados de DesignPermacultural.

Atualmente, a Permacultura é estudada e praticada em mais de 100 países.No Brasil, existem institutos de Permacultura em quase todos os biomasbrasileiros. No Cerrado temos como referência o Instituto de Permacultura eEcovilas do Cerrado - IPEC, em Pirenópolis - GO (www.ecocentro.org), o Institutode Permacultura Cerrado-Pantanal - IPCP, em Campo Grande – MS (http://www.tortuga.com/permacultura/paginas_na_portugues.htm) e o Instituto dePermacultura: Organização, Ecovilas e Meio Ambiente - IPOEMA, no DistritoFederal (www.ipoema.org.br).

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Viveiro

Casa

Horta

Açude

Galinheiro

Plantasmedicinais

Pomar

Floresta

de alimentos

Pastorotativo

Plantio deárvores

madereiras

Matapreservada

01

2

3

4

5

Jardim

EXEMPLO:

Algumas das principais técnicas da Permacultura:

1) Planejamento por zonas

O planejamento por zonas visa, basicamente, definir os espaços dentro da propriedade,proporcionando praticidade e economia de trabalho. A proposta é criar um sistema permacultural,organizando a área em 6 diferentes zonas que, ao serem implementadas na propriedade, acabamsendo quase sempre seqüenciais:

Zona 0: A zona 0 representa a(s) casa(s) da propriedade. Ela deve ser vista como o centrodo sistema.

Zona 1: É a área ao redor da(s) casa(s), onde se pode ir várias vezes ao dia sem perdermuito tempo. Neste espaço pode ser feito uma horta, por exemplo.

Zona 2: Esta área é um pouco mais afastada da(s) casa(s), uma área que não demanda umtrabalho intenso. Por isso, pode ser um espaço para plantar árvores frutíferas de médio porte ouconstruir um galinheiro, por exemplo.

Zona 3: A zona 3 é ainda mais distante do centro do sistema. Nela pode ser feito umafloresta de alimentos ou um pasto rotativo para bovinos ou caprinos.

Zona 4: Esta área é pouco visitada. Nela podem ser plantadas árvores madeireiras, podeser feito um açude, podem ser cultivadas árvores nativas e/ou esta área pode ser aproveitadapara um desenvolver um trabalho de extrativismo sustentável.

Zona 5: Esta área deve permanecer intacta, sem interferência humana. Nela a vegetaçãonativa deverá ser preservada para os processos ecológicos naturais servirem de aprendizagem.Este espaço será visitado somente para observação e coleta de sementes.

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2) Captação e (re)utilização de água

Dentro de um sistema permacultural, além da captação sustentável da água de córregos,rios, lagos e poços, propõe-se também a captação e armazenamento da água da chuva.

A água da chuva pode ser captada das seguintes formas:

- Construindo canais de infiltração, que são escavações em curvas de nível que direcionama água, fazendo com que ela penetre no solo;

- Construindo valas nas estradas próximas ou no próprio local, para também direcionar a água;

- Construindo um sistema de calhas para captar a água que cai no telhado das casas.

A água da chuva pode serarmazenada em reservatórios sob ousobre o solo, fechados ou não. Para tanto,propõe-se, por exemplo, a construção detanques de ferrocimento ou açudes.

Esta água armazenada pode serutilizada para aguar os plantios e trataros animais. No caso de armazenamentoem tanques fechados, a água da chuvapode ser até utilizada para finsdomésticos, como tomar banho, cozinhar,lavar roupa e até mesmo beber, se fortratada e filtrada.

A prática da Permacultura propõeainda algumas formas de reutilização da

água que se utiliza dentro da casa. Por exemplo: a água utilizada na pia da cozinha pode ser direcionadapara o jardim ou até mesmo para a horta, caso se lave a louça com sabão natural; e a água utilizada napia do banheiro ou no chuveiro pode ser reutilizada para a descarga do vaso sanitário.

3) Bioconstruções

- A Permacultura,como já foi dito, tambémcontempla conhecimentos daárea da arquitetura e daengenharia. Por isso, propõeconstruções ecológicas adapta-das à região, isto é, que sejamsustentáveis, utilizando maté-ria-prima local e/ou plantada,reaproveitando e reciclandomateriais. Os materiais maisutilizados são o barro,o bambu e a madeira.

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4) Mulch

Os(as) permacultores(as) chamam de mulch a cobertura do solo, seja ela viva ou morta. Acobertura “morta”, neste caso, pode ser feita até com jornal e a cobertura “viva” pode ser feitacom, por exemplo, batata-doce ou labe-labe.

5) Floresta de Alimentos

A floresta de alimentos, também chamada de agrofloresta, pode ser definida como umpolicultivo sustentável de alimentos, sendo a maior parte destes alimentos provenientes de árvoresde médio e grande porte.

Assim, para ter uma floresta de alimentos é preciso plantar num mesmo local uma grandediversidade de árvores, principalmente frutíferas. É fundamental, também, o plantio de umacobertura vegetal para manter a umidade e a fertilidade do solo, além do plantio de espéciesleguminosas e nativas.

6) O sanitário compostável

O sanitário compostável, também chamado de banheiro seco, é aquele construído de formaa armazenar e compostar as fezes humanas. A intenção é não desperdiçar, nem poluir água limpae, ao mesmo tempo, aproveitar o composto orgânico gerado. O ideal é retirar o composto doreservatório de 6 meses em 6 meses. Este composto pode ser, por exemplo, utilizado no plantiode árvores ornamentais.

Para evitar o mau cheiro, constrói-se uma espécie de chaminé saindo do reservatório. Alémdisso, utiliza-se matéria orgânica seca, de preferência serragem, para cobrir os dejetos no momentoem que o banheiro for utilizado.

2,4

m

2,4 m 0,8 m

1,0

1,0

m

45°

Chapa metálica preta

Ar quente

Porta pararetirada do

adubo

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7) O círculo de bananeiras

O círculo de bananeiras é uma forma de fazer um plantio de mudas de banana aproveitandoo espaço da melhor forma possível e aproveitando os restos vegetais do local, sem precisar colocaradubo orgânico. A idéia é a seguinte:

- Cava-se um buraco de mais ou menos 1 metro de diâmetro por 1 metro de profundidade.

- Com a terra retirada faz-se uma borda em volta do buraco, onde serão plantadas 4 mudas(planta-se nas extremidades da borda - norte, sul, leste, oeste).

- Dentro do buraco, pode ser colocado tudo aquilo que for orgânico: pedaços de madeira,galhos caídos, restos de podas, restos de uma “limpeza” em volta da casa, folhas, palha, mato etc.

- Pode-se encher o buraco e ultrapassar a superfície em até 1 metro de altura;

- Estes restos vegetais irão se decompondo e alimentando os 4 pés de banana,que deverão ser aguados regularmente;

- À medida que os cachos de banana vão sendo colhidos, corta-se os troncos,colocando-os dentro do buraco, que ao decorrer do tempo vai “esvaziando”pela decomposição.

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2 - A sociedade civil organizada no Cerrado

Apesar das forças do agronegócio e do latifúndio, o Cerrado viveu, nas duas últimasdécadas, um fortalecimento de seu tecido social. Grupos sociais e culturais se uniram para protegerseus conhecimentos, sua cultura e sua própria existência.

Assim, formaram-se pequenas articulações comunitárias, principalmente ligadas a festasculturais e algumas expressões produtivas, como a extração do pequi ou do baru. Aos poucosestas formas organizativas conquistaram espaços importantes de debate público e transformaram-se em importantes atores sociais na busca de políticas publicas que visem a preservação doCerrado.

Abaixo segue um pequeno conjunto destas organizações. Não resumem, obviamente, asforças populares que atuam no Cerrado, mas servem de exemplo para demonstrar como estãoarticulados os povos do Cerrado.

Articulação Pacari

É uma rede de grupos populares e organizações não-governamentais que trabalham comsaúde comunitária e meio ambiente. A intenção é formar redes de grupos, organizações einstituições que têm experiência com plantas medicinais para trocar conhecimentos e experiênciase contribuir para recuperação de conhecimentos tradicionais. A Pacari pretende desenvolver: 1) aFarmacopéia Tradicional do Cerrado, um registro sobre o uso de plantas medicinais a partir doconhecimento tradicional dos povos do Cerrado; 2) o Procedimentos Operacionais PadronizadosPopulares, uma publicação que reúna conhecimentos sobre a preparação de remédios de plantasmedicinais; 3) o Código Ambiental de Raizeiras(os); e 4) o Direito Comunitário ao Conhecimento,que assegure o direito das comunidades tradicionais ao seu conhecimento, frente às políticas depropriedade intelectual e patentes.

Rede Cerrado

“Congrega instituições da sociedade civil que atuam na promoção do desenvolvimentosustentável e na conservação do Cerrado. São mais de 300 entidades identificadas com a causasocioambiental no Cerrado, que representam trabalhadores/as rurais, extrativistas, indígenas,quilombolas, geraizeiros, quebradeiras de coco, pescadores, ongs, entre outros. O objetivoprincipal da Rede Cerrado é de incentivar e promover a troca de experiências e informações entreas instituições visando conciliar equidade social, conservação ambiental e desenvolvimento.

A Rede Cerrado é norteada por uma Carta de Princípios e defende o cumprimento doTratado dos Cerrados, documento assinado por várias instituições civis durante o Fórum Global,evento paralelo à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,realizada no Rio de Janeiro, em 1992. Este tratado basicamente lançou a idéia de criação da RedeCerrado, e, já naquela época, alertou para os prejuízos ambientais e sociais trazidos pelo rápidoprocesso de ocupação agropecuária da região.

(...) Desde 1996, a Rede vem realizando encontros temáticos e/ou regionais, como formade mobilizar a sociedade local para questões ligadas a conservação e uso sustentável do Cerrado.”(texto extraído do site www.redecerrado.org.br)

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Centro de Tecnologia Agroecológica de PequenosAgricultores (AGROTEC)

A AGROTEC tem como objetivo o desenvolvimento de sistemas deprodução integrada e sustentável para o bioma Cerrado, de forma que possaresgatar e aprimorar o acervo de tecnologias tradicionais agroextrativistas ea biodiversidade, gerando novas opções de renda, emprego e produtos parao mercado. Dentre seus projetos, destacam-se: a criação e o manejo de animaissilvestres no sistema semi-extensivo em áreas naturais do cerrado - capivara,cateto, queixada, tartaruga: criação, processamento e comercialização;desidratação solar de frutas tropicais e nativas do cerrado - cultivo,processamento e comercialização; medicina alternativa (fitoterapia), bancode sementes e mudas certificadas; bancos de germoplasma de plantasmedicinais nativas do cerrado (conforme a fitosociologia básica), lavouras,produção de medicamentos fitoterápicos e comercialização.

Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas(CAA-NM)

“O CAA-NM surge na esteira dos conflitos provocados pelo processodesenvolvimentista que adentrou o sertão norte mineiro principalmente entreas décadas de 1960 e 1980, desestruturando as economias locais, ecossistemase uma diversidade de sistemas culturais de produção associados aoscerrados, caatingas, mata seca e vazantes do São Francisco. À violênciaexplicita da expulsão de milhares de camponeses de suas terras, uma outrasilenciosa, mas não menos violenta, quase invisível, ocorria quando estes,encurralados pelo latifúndio, pelas reflorestadoras, endividados, com osterrenos desgastados, ou contaminados por um sem número de agrotóxicos,deixavam o seu lugar e migravam em busca das luzes das cidades à procurade dias melhores, acesso à saúde ou aos estudos para os seus filhos.

Camponeses, organizações sociais, lideranças locais e técnicos se unemem torno desta preocupação. Laços ligam o Norte de Minas com pessoas eorganizações de outros estados da federação que também tinham esta mesmapreocupação. De um seminário realizado em Montes Claros no ano de 1985,organizado pela Casa de Pastoral Comunitária e Rede PTA/Fase, surge aprimeira proposta do que viria a ser o CAA: uma organização da sociedadecivil sem fins lucrativos que segue ao lado das organizações e comunidadesde agricultores e agricultoras familiares da região, apoiando eacompanhando-os em seus espaços de participação e ação.

O legado do CAA é colaborar, enredado nas organizações deagricultores, agricultoras e extrativistas dos sertões norte-mineiro, nodesenvolvimento de propostas para uma sociedade solidária, justa edemocrática. Com enfoque na agroecologia, métodos e práticas de umaagricultura e mundo rural sustentável, são desenvolvidos e disseminados.”(texto extraído do site www.caa.org.br)

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3 - Algumas das principais entidades que possuem fundos de promoção da Agroecologia para o bioma Cerrado

Programa de Pequenos Projetos Ecossociais (PPP-ECOS)

Contato:Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPNSCLN 202, Bloco B, Salas 101/104, CEP 70832-525, Brasília – DFFone/Fax: (61) 3327-8085E-mail: [email protected]

Visão Mundial (World Vision International)

Caracterização geral:Concede micro-crédito para projetos de desenvolvimento e assessoria técnica a pequenosprodutores rurais, pescadores, moradores da periferia urbana, crianças, adolescentes, mulheres,índios, negros e idosos.

Áreas temáticas:

a) educação; b) desenvolvimento econômico; c) formação de lideranças; d) agroecologia.

Contato:Visão MundialRua Tupis 38, 20º andar, CentroCEP 30-190-060Belo Horizonte - MGTel: 0800-312-320Fax: 3074-0102E-mail: [email protected] ou [email protected]

Recomendações:Capacitação, intercâmbios de experiências, segurança alimentar e geração de renda por meio daimplantação de módulos de SAFs e produção agroecológica.

Development and Peace 2000-2005 Program (D&P) da Canadian CatholicOrganization for Development and Peace (CCODP)

Caracterização geral:Concede financiamento a fundo perdido a entidades do Terceiro Mundo, na busca de alternativaspara as injustas estruturas sociais, econômicas e políticas existentes nesses países. Os atores sociaispriorizados pelo programa são: a) pequenos fazendeiros e sem-terras; b) população das favelas eáreas de riscos das cidades; c) mulheres; d) crianças e jovens; e) população afro-brasileira; f)indígenas.

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Áreas temáticas:a) promoção da democracia; b) apoio a organizações de base comunitária; c) envolvimento dasmulheres; d) desenvolvimento de alternativas econômicas; e) desenvolvimento sustentável dascomunidades. Prioridades para o Brasil: a) de 2001 a 2003: o estabelecimento de relações entre asociedade civil e as agências governamentais populares e democráticas; b) de 2003 a 2005: a questãofundiária em ambientes rurais e urbanos.

Observações:Valor médio de US$25,000 por projeto. Página na internet em inglês, francês e espanhol. É dadapreferência aos projetos que apresentem contrapartida de 60% a 90% do recurso total do projeto.

Contato:Development and Peace10 St. Mary Street, Suite 420M4Y 1P9Toronto, Ontario, CanadáTel.: 416- 922-1592Fax: 416- 922-0957E-mail: [email protected] ou www.devp.org/spd/pays-a/Bresil-a.pdf

Recomendações:Segurança alimentar e geração de renda por meio da implantação de módulos de SAFs e produçãoagroecológica.

Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE)

Caracterização geral:Concede financiamento a fundo perdido a movimentos populares, sociais e grupos ligados aigrejas, para a execução de projetos destinados à promoção de comunidades carentes.

Áreas temáticas:a) articulação entre campo e cidade; b) experiências estratégicas alternativas; c) formação ecapacitação; d) mobilização e organização social.

Observações:Nos meses de janeiro, julho e dezembro, a CESE suspende a análise e o acompanhamento regularde projetos.

Contato:CESERua da Graça, 164CEP 40150-055Salvador-BATel.: 71-336-5457/Fax: 71-336-0733E-mail: [email protected]

Recomendações:Banco de sementes, artesanato e questão de gênero.

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Embaixada Britânica

Caracterização geral:Concede financiamento a fundo perdido para projetos que promovam o desenvolvimento e obem estar social nas camadas mais necessitadas da população e apresentem auto-sustentabilidade,após o fim do apoio financeiro. Dirige-se a ONGs que demonstrem capacidade de administrar oprojeto de forma eficiente. Normalmente, os projetos têm um ano de duração e em casoexcepcionais o apoio poderá ser mais longo. È desejável o envolvimento máximo da comunidadelocal no projeto.

Áreas temáticas:a) direitos humanos principalmente relacionados a crianças de rua; b) saúde comunitária eplanejamento familiar; c) desenvolvimento sustentável; d) questões indígenas.

Observações:Valor médio de US$30.000 por projeto. É exigida contrapartida para projetos de valores maiores.Não financia veículos, bens de consumo (alimentos, medicamentos, combustível etc.), nementidades exclusivamente políticas.

Contato:Embaixada BritânicaSetor de Embaixadas Sul, Quadra 801, Conjunto KCEP 70408-900Brasília-DFTel.: 61-225-2710/Fax: 61-225-1777E-mail: [email protected]

Recomendações:Agroindústria e comercialização de produtos do Cerrado.

Financiamento de Projetos da Manos Unidas

Caracterização geral:Concede financiamento a fundo perdido para projetos que visem o desenvolvimento sustentávelde comunidades carentes.

Áreas temáticas:a) agricultura; b) saúde; c) educação; d) desenvolvimento social; e) relações de gênero.

Observações:Página na internet apenas em espanhol.

Contato:América Manos UnidasRambla de Cataluña, 32, 1ºBarcelona, EspanhaTel.: 93-487-7878Fax.: 93-487-4574E-mail: [email protected]

Recomendações:Implantação de módulos de SAF e processos agroecológicos.

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Scottish Catholic International Aid Fund (SCIAF)

Caracterização geral:Concede financiamento a fundo perdido para projetos que promovam o desenvolvimento,educação, articulação política, mobilização da opinião pública e soluções para situações deemergência social.

Áreas temáticas:a) desenvolvimento sustentável; b) geração de renda; c) gênero; d) democracia e participação.

Observações:Valor médio de £26,000. Não é exigida contrapartida. Página na internet apenas em inglês.

Contato:SCIAF19 Park CircusG3 6BE Glasgow, EscóciaTel.: 0141-354-5555Fax: 0141-354-5533E-mail: [email protected]

Recomendações:capacitação de agentes de reforma agrária, participação em fóruns, intercâmbios de experiências,bancos de sementes.

W. K. Kellog Foundation

Caracterização geral:Concede financiamento a fundo perdido para projetos que promovam a capacidade de indivíduos,comunidades e instituições para resolverem seus próprios problemas.

Áreas temáticas:a) saúde; b) desenvolvimento rural e de sistemas de alimentação; c) juventude e educação; d)filantropia e voluntariado.

Observações:Pesquisas, planejamentos ou estudos são muitas vezes financiados como parte de um programamaior ou projeto financiado pela fundação.

Contato:Mrs. Deborah A. ReyOne Michigan Avenue East49017-4058Battle Creek, MI, EUATel.: 269-968-1611Fax: 269-968-0413www.wkkf.org

Recomendações:Segurança alimentar, bancos de sementes e resgate do conhecimento tradicional.

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Sites consultados:

- www.redecerrado.org.br- www.conservation.org.br- www.ipoema.org.br- www.ecocentro.org- www.nead.org.br- www.caa.org.br

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