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Ciencia e superstiçao
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Cincia e Superstio Ateus.net Artigos/ensaios Ceticismo
Autor: Patrick J. Hurley
Traduo: lvaro Nunes
Fonte: Filosofia e Educao
Original: A Concise Introduction to Logic, Wadsworth, Belmont, 2000, pp. 588-606
A idia de que a mente humana no seu esforo para compreender a realidade capaz de operar a
nveis diferentes to velha quanto a prpria filosofia. H vinte e quatro sculos Plato traou uma
distino entre aquilo a que chamou opinio e conhecimento. Ele disse que a opinio uma espcie de
conscincia incerta, confinada ao particular, inexata e sujeita mudana, ao passo que o conhecimento
certo, universal, exato e eternamente verdadeiro. Cada ser humano comea por operar na vida ao nvel
da opinio e s com grande luta e esforo pode escapar-lhe e elevar-se ao nvel do conhecimento.
Chama-se a esta luta educao e abre os olhos da mente para realidades que do ponto de vista da
opinio no podem sequer ser imaginadas.
A distino atual entre cincia e superstio a equivalente moderna da distino de Plato entre
cincia e opinio. Todos reconhecem que a cincia revelou verdades extraordinrias acerca do mundo
natural. Ps homens na Lua, erradicou doenas mortais e conduziu-nos era dos computadores. Quase
todos reconhecem tambm que a superstio pouco mais do que tolice. Leva as pessoas a recearem
passar por debaixo de escadas, partir espelhos e derramar sal. Quase toda a gente concorda que se uma
afirmao tem fundamento cientfico, provavelmente vale a pena acreditar nela, ao passo que se tem por
fundamento a superstio, provavelmente no vale a pena. Onde as pessoas no concordam, porm, no
que constitui cincia e no que constitui superstio. Aquilo a que uma pessoa chama cincia, outra chama
tolices supersticiosas.
Tanto a cincia como a superstio recorrem a hipteses, pelo que os quatro critrios apresentados
na Seco 9.5 para avaliar hipteses so relevantes para a distino entre cincia e superstio. Estes
critrios so a adequao, a coerncia interna, a consistncia externa e a fecundidade. Mas a distino
entre cincia e superstio tambm envolve elementos psicolgicos e volitivos. Envolve fatores como de
que forma os estados subjetivos do observador influenciam o modo como v o mundo e de que forma as
suas necessidades e desejos tm um papel na formao das suas crenas. Consequentemente, para
explorarmos a distino entre cincia e superstio, temos de introduzir critrios que incluam estes
elementos psicolgicos e volitivos. Os critrios que sugerimos so o apoio em provas, a objetividade e a
integridade. A descrio que iremos fazer do apoio em provas inclui a adequao e a fecundidade e a
descrio da integridade inclui a adequao, a coerncia interna e a consistncia externa.
A cincia e a superstio so, em larga medida, plos opostos. Onde a atividade cientfica reconhece
a importncia do apoio em provas, a objetividade e a integridade, a superstio ignora-as.
Conseqentemente, estes critrios podem ser usados como uma espcie de rgua para medir as diversas
crenas que as pessoas tm acerca do mundo. Quanto mais essas crenas so apoiadas em provas, so
objetivas e resultam de uma investigao que reflete integridade, mais se aproximam do ideal de cincia
e mais justificadas esto. Inversamente, quanto mais as nossas crenas no partilham estas
caractersticas, mais se aproximam do ideal de superstio e menos justificadas esto.
Chamamos, no entanto, a ateno para que dizer que uma crena est justificada no dizer que
de certeza absoluta verdadeira. Como vimos na Seco 9.5, todas as crenas que tm origem na cincia
so na melhor das hipteses tentativas. Mas essas crenas so as melhores que por agora podemos ter.
Do mesmo modo, dizer que uma crena no est justificada no dizer que absolutamente falsa.
muito possvel que uma crena que se funda hoje na superstio possa amanh fundar-se na cincia. Mas
essa crena no merece aquiescncia hoje. Pode-se encontrar uma analogia no lanamento dos dados.
Nenhuma pessoa com juzo apostaria um para um em que um par de dados sair snake eyes [1] no
prximo lanamento, mesmo que perceba que amanh se possa descobrir que os dados estavam viciados
a favor deste resultado.
Apoio em provas
Na seco anterior deste captulo vimos que as hipteses em si mesmas so meras conjecturas e
que antes que acreditemos nelas devem ter o apoio de provas. Esta regra aplica-se quer s hipteses que
sustentam a cincia quer s que sustentam a superstio. Esta regra cumprida risca na cincia, mas
freqentemente ignorada no reino da superstio. Por exemplo, no sculo XVI Coprnico formulou a
hiptese de que o Sol o centro do nosso sistema planetrio e que a terra gira em torno do Sol em
oposio hiptese ptolemaica dominante, que colocava a terra no centro. Nos anos que se seguiram, o
telescpio foi inventado e foram feitas milhares de observaes que confirmaram a hiptese copernicana e
infirmaram a hiptese de Ptolomeu. Sem estas observaes, a hiptese copernicana nunca teria sido
adotada.
Por oposio, considerem a superstio segundo a qual permitir que um gato preto cruze o caminho
de algum trar m sorte. Nunca foram coligidas quaisquer provas que apiem esta hiptese. Nunca
foram levados a cabo quaisquer testes nem realizadas quaisquer experincias. possvel que numa
ocasio ou noutra algum permita que um gato preto cruze o seu caminho e depois perca dinheiro na
bolsa ou seja ferido num acidente de carro, mas seria certamente irracional acreditar que permitir que um
gato preto cruze o caminho de algum cause a perca ou o acidente. Um tal raciocnio constitui um caso
clssico de falcia do post hoc ergo propter hoc (falsa causa). Mas apesar da falta de provas, muitas
pessoas acreditam na hiptese do gato preto.
Contudo, antes de investigarmos mais a necessidade de provas, temos de investigar primeiro o que
considerado como uma prova. Deve o testemunho de autoridades ser considerado como uma prova? E
de autoridades antigas? A resposta que as hipteses cientficas so acerca do mundo natural, pelo que
apenas as observaes do mundo natural so consideradas como provas. Cada experincia cientfica
uma questo que o experimentador pergunta sobre o mundo e o resultado dessa experincia a resposta
da natureza. O problema com o testemunho de autoridades que no temos conhecimento certo de que
a avaliao que a autoridade faz est correta. O mesmo verdade da Bblia. No temos nenhuma forma
de saber se o que a Bblia diz sobre o mundo natural verdade. Se algum respondesse que a Bblia
inspirada por Deus, a resposta bvia seria: como que sabemos? Temos alguma prova observacional a
seu favor? Os apelos a autoridades e a Bblia equivalem a fugir responsabilidade de explicar.
Outro gnero de prova que considerado duvidoso a prova anedtica. Supe que tens cancro e
que um amigo te diz que se comeres alho, curas-te. Decides seguir este conselho e depois de comer um
dente de alho todos os dias durante um ano, o cancro entra em remisso. O alho curou o cancro? A esta
espcie de prova chama-se anedtica e normalmente rejeitada pela cincia. O problema da prova
anedtica que demasiado isolada para estabelecer qualquer ligao causal. Deste modo, a prova do
alho ignora as milhares de pessoas com cancro que comeram alho e no se curaram; e ignora as milhares
de pessoas em que se deu a remisso espontnea do cancro e no comeram qualquer alho. Alm de que
no possvel fazer o relgio andar para trs e tentar a experincia outra vez.
Uma das caractersticas fundamentais do processo de obteno de provas cientficas que uma
experincia possa ser repetida sob condies controladas. Isto significa que a experincia tem de poder
ser repetida por cientistas diferentes em ocasies e locais diferentes. A replicabilidade ajuda a assegurar
que o resultado da experincia no resulta de algo peculiar a um determinado experimentador a operar
num nico local e numa nica ocasio. Alm de que as condies controladas so desenhadas para
eliminar a influncia de fatores estranhos. Talvez, no que se refere ao exemplo do alho, a cura fosse
efetuada no pelo alho mas por outra coisa que comeste, por algum dos outros milhares de fatores que
ocorreram durante este perodo ou por alguma combinao desses fatores.
As provas apresentadas para apoiar as hipteses supersticiosas raramente podem ser repetidas e,
quando podem, no apiam a hiptese. Por exemplo, a crena em fantasmas normalmente apoiada pelo
que um ou mais indivduos alegam ter visto numa nica ocasio. Esta ocasio no pode ser repetida. s
vezes afirma-se que a crena em fenmenos psquicos como a percepo extra-sensorial suportada por
experincias com cartas Zener: cartas impressas com cruzes, crculos, linhas onduladas, estrelas, e
quadrados, cujas imagens um observador pode transmitir a um receptor com capacidades psquicas.
Mas quando estas experincias foram repetidas sob condies cuidadosamente controladas, o resultado
foi sempre o que seria de esperar que ocorresse por mero acaso.
Outro defeito das hipteses supersticiosas serem freqentemente to vagas que praticamente
impossvel confirm-las de forma inequvoca. Por exemplo, no caso da hiptese do gato preto, o que,
realmente, se entende por m sorte? O que interpretado hoje como m sorte pode revelar-se amanh
uma sorte incrvel. Se uma pessoa perde 1 000 hoje na bolsa, isso pode lev-la a ser mais cuidadosa e
fazer com que no perca 10 000 no futuro.
Por oposio, as hipteses da cincia so freqentemente construdas em linguagem matemtica ou,
pelo menos, podem ser traduzidas para expresses matemticas. Este fato propicia confirmaes
extremamente precisas e em larga medida responsvel pelo sucesso extraordinrio de que a cincia tem
gozado nos ltimos 500 anos. Por exemplo, em 1802 o qumico francs Joseph Louis Gay-Lussac formulou
a hiptese de que se se subisse em 1 grau Celsius a temperatura de qualquer gs contido num recipiente
fechado, a presso do gs aumentaria 0.3663 por cento. A hiptese foi testada milhares de vezes por
qumicos e por estudantes em laboratrios de qumica e revelou-se sempre correta.
Relacionado de perto com o problema da vagueza est a amplitude da hiptese. Se a hiptese
concebida com uma amplitude e uma abrangncia tais que at provas contraditrias servem para
confirm-la, ento a hiptese no de fato confirmada por nada. Supe, por exemplo, que um
profissional de cuidados de sade inventava uma hiptese sobre dieta. garantido que seguir esta dieta
te vai fazer sentir bem, mas antes que isso ocorra pode fazer-te sentir muito mal ou como te costumas
sentir. Aps teres seguido a dieta durante seis meses ds a saber que te sentes como antes. O
profissional responde que a tua experincia confirma a hiptese, porque isso que a dieta supostamente
faz. Por outro lado, supe que aps seis meses te sentes-te muito bem ou talvez muito mal. Novamente o
profissional dir que a tua experincia confirma a hiptese. As hipteses deste tipo no so genuinamente
cientficas.
O filsofo Karl Popper descobriu em 1919 este mesmo problema a respeito das hipteses. Em
resposta, defendeu que qualquer hiptese genuinamente cientfica tem de ser forjada de forma
suficientemente precisa para que proba que certas coisas aconteam. Por outras palavras, a hiptese tem
de ser falsificvel. Nos anos que se seguiram ao seu anncio, muitos filsofos criticaram o critrio de
falsificabilidade de Popper porque, em rigor, as hipteses raramente podem ser refutadas. Mas, como
vimos na Seco 9.5, as hipteses podem ser refutadas (ou tornadas menos plausveis). Desse modo,
podemos reter a inspirao fundamental de Popper exigindo que qualquer hiptese genuinamente
cientfica seja refutvel. Isto significa que a hiptese deve ser forjada de forma suficientemente precisa
para que as provas possam p-la em causa. A hiptese gravitacional de Newton, por exemplo, satisfaz
este critrio porque se fossem descobertos dois corpos grandes que no se atrassem mutuamente isso
tenderia a infirmar a hiptese. Mas a hiptese diettica que acabamos de mencionar no passa o critrio
de refutabilidade, porque nenhum resultado poderia alguma vez p-la em causa.
Um problema intimamente associado com as hipteses excessivamente amplas o que surge a
propsito daquilo a que se chama modificaes ad hoc das hipteses. Por exemplo, supe que s um
socilogo e que ests a fazer uma investigao sobre o alcoolismo. Formulas a hiptese de que o
alcoolismo causado por fatores culturais que tornam atrativo o consumo de lcool. Contudo, quando
renes provas para apoiar esta hiptese descobres que so relativamente poucas as pessoas vindas
dessas culturas que so alcolicas. Assim, modificas a hiptese para dizer que o alcoolismo causado por
fatores culturais mas apenas quando existe uma predisposio gentica. Mas nessa altura descobres que
muitos alcolicos bebem para ajudar a suportar a dor da depresso e outros problemas psicolgicos.
Posto isto, modificas a hiptese mais uma vez para ter em conta este fato. Investigaes posteriores
mostram que os padres de consumo dos pais tm influncia, pelo que acrescentas outra modificao.
Chama-se a estas mudanas modificaes ad hoc (para isto) porque so introduzidas apenas para
encobrir um problema ou anomalia que no foi identificado quando a hiptese foi inicialmente concebida.
O problema com as modificaes ad hoc que o seu propsito escorar uma falha nas provas que
apiam a hiptese original. medida que so acrescentadas mais modificaes, a hiptese torna-se auto-
suportada; torna-se uma mera descrio do fenmeno que supostamente explica. Por exemplo, supe
que introduzimos uma certa hiptese h para explicar a ocorrncia de um certo fenmeno x num grupo de
entidades A, B, C, D, E. medida que so acrescentadas modificaes ad hoc, descobrimos que A tem x
devido a algum atributo nico de a, B tem x devido a b, e assim por diante. No fim, a nossa hiptese
afirma que quem quer que tenha os atributos a, b, c, d, e exibe x. Mas o conjunto de atributos a, b, c, d,
e meramente uma descrio de A, B, C, D, E. Se tivssemos de perguntar por que a entidade A tem x, a
resposta seria que A tem x devido a a, onde a meramente algo nico que A tem. Aplicando esta anlise
hiptese do alcoolismo, se perguntamos por que determinada pessoa (chamemos-lhe Silva) alcolico,
a resposta que Silva alcolico devido a ter determinado atributo s que o faz ser alcolico. A explicao
vazia.
Outro problema com as modificaes ad hoc que resultam em hipteses que so to complicadas
que se torna difcil aplic-las. A cincia favoreceu sempre a simplicidade em detrimento da complexidade.
Dadas duas hipteses que explicam o mesmo fenmeno, a mais simples das duas sempre a prefervel.
Em parte esta preferncia esttica. A hiptese mais simples mais bonita do que a mais complexa.
Mas a preferncia pela simplicidade tambm resulta da aplicao daquilo a que se chamou a navalha de
Occam. Este um princpio, introduzido pelo filsofo do sculo XII Guilherme de Occam, que sustenta
que as entidades tericas no devem ser multiplicadas sem necessidade. Por que contentar-se com uma
teoria complicada quando uma mais simples faz o trabalho igualmente bem? Alm disso, a mais simples
mais simples de aplicar. Voltando questo do apoio em provas, uma das formas mais seguras de saber
que as nossas hipteses esto apoiadas em provas que levam a predies que se revelam verdadeiras.
Cada predio verdadeira representa um pilar que apia a hiptese. Mas algumas predies so melhores
do que outras, e as melhores so as que revelam formas de ver o mundo que nunca teriam sido sonhadas
sem as hipteses. Se a hiptese conduz a predies deste gnero, e se essas predies so confirmadas
pelas provas, ento a hiptese adquiriu um tipo muito especial de apoio. Uma tal hiptese revela
verdades escondidas sobre a natureza que nunca teriam sido identificadas sem ela.
Um exemplo clssico de uma predio deste gnero resultou de uma hiptese que est na base da
teoria da relatividade geral de Einstein. Uma das conseqncias preditas por esta hiptese a de que a
luz afetada pela gravidade. Em particular, a hiptese predisse que um raio de luz vindo de uma estrela e
passando pelo Sol deveria curvar-se na direo do Sol. Como conseqncia, a posio da estrela por
relao a outras estrelas pareceria ser diferente da que era normalmente observada. bvio que testar
uma tal hiptese em circunstncias normais seria impossvel, porque a luz do Sol to brilhante que
bloqueia completamente a luz das estrelas. Mas poderia ser testada durante um eclipse solar. Uma
oportunidade dessas surgiu em 29 de Maio de 1919 e os cientistas aproveitaram-na. A predio revelou-
se verdadeira e, em conseqncia disso, a teoria de Einstein foi rapidamente adotada. Em poucos anos a
teoria levou descoberta da energia atmica.
As hipteses que produzem predies arrojadas e desconhecidas so em larga medida responsveis
pelo progresso na cincia. E precisamente este gnero de predies que, defende o filsofo Imre
Lakatos, distingue a cincia da pseudocincia. bvio que nem todas as hipteses cientficas levam a
predies to impressionantes quanto as de Einstein, mas na pior das hipteses podem ser integralmente
ligadas a hipteses mais abrangentes, mais amplas, que levaram a tais predies. Por oposio, as
hipteses que esto na base da astrologia existem h vinte e sete sculos e no produziram uma nica
predio impressionante que tenha sido provada nem uma nica viso inovadora do curso dos
acontecimentos humanos. No produziram qualquer grande plano para o futuro da civilizao nem
qualquer pista sobre descobertas futuras em fsica ou em medicina. Esta falta de progresso ao longo dos
sculos uma das razes que levaram o filsofo Paul Thagard a concluir que a astrologia uma
pseudocincia.
Objetividade
As nossas crenas acerca do mundo so objetivas na medida em que no so afetadas por condies
peculiares ao sujeito. Estas condies podem ser tanto motivacionais como observacionais. Por exemplo,
uma crena que seja motivada pelas emoes do sujeito e cujo fim seja principalmente satisfazer essas
emoes tende a ter falta de objetividade. Tem igualmente falta de objetividade uma crena que se funde
em observaes peculiares ao sujeito, como as alucinaes visuais. Embora a objetividade seja um ideal
que nunca pode ser completamente atingido, quase toda a gente concordaria que as crenas merecem
mais confiana se o seu contedo no for distorcido pelo sujeito. O cientista luta constantemente para
evitar tais distores, mas a mente supersticiosa deleita-se com elas ou, em casos mais trgicos,
sucumbe-lhes.
As supersties existem pelo menos em parte para satisfazer as necessidades emocionais do sujeito.
As principais emoes que esto na origem das crenas supersticiosas so o medo e a ansiedade, e so
com freqncia reforadas por uma predisposio para a fantasia e para a preguia mental. Muito do
medo e da ansiedade so provocados pelo fato de toda a gente morrer. A morte pode ser sbita, como
num acidente numa auto-estrada, numa queda de um telhado, numa avalanche, ou pode resultar de um
cancro, de um ataque cardaco ou de uma trombose. Para alm da morte, toda a gente est sujeita a
ferimentos e aos sofrimentos que os acompanham, e a maior parte das pessoas numa altura ou noutra
sentem o sofrimento mental que acompanha a rejeio, a solido e o fracasso.
As pessoas tm um domnio limitado sobre estes fatos da vida e, para aliviar a ansiedade que eles
produzem, muitas recorrem aos encantamentos e aos amuletos, aos rosrios de contas pendurados do
espelho retrovisor ou do escapular, ou s medalhas exibidas em redor do pescoo. Se nenhuma outra
coisa nos proteger dos terrores da vida, talvez estes objetos o faam. Afinal de contas, a cincia revelou-
se incapaz de vencer a doena e a morte, e oferece ao crente apenas verdades temporrias que podem
mudar amanh. Para as pessoas que enfrentam um futuro incerto, o desnimo ou a solido, pode parecer
mais razovel ligar para a Psychic Friends Network e comprar um pouco de consolao imediata.
Um segundo elemento na condio humana que origina ansiedade a liberdade e a responsabilidade
que ela implica. A idia de que tu, e apenas tu, s responsvel pelo teu destino pode ser uma idia muito
assustadora. Muita gente assusta-se com a idia e procura refgio num lder ou guru. Elas entregam todo
o seu poder de pensamento crtico a este lder e seguem cegamente as suas instrues em detalhe.
Quando o lder lhes ordena uma qualquer forma de tolice, por muita idiota que seja, obedecem-lhe.
Dizem-lhes que a crena ou prtica que o lder ordena essencial para a sua proteo. E quando o lder
lhes ordena que enviem um cheque de cinqenta dlares para auxiliar no restauro da torre da televiso
ou para completar a manso na colina, obedecem-lhe. Recusar significa que tero de enfrentar a sua
prpria liberdade. s vezes, seguir tais ordens pode conduzir tragdia, como aconteceu no massacre de
Jonestown em 1978 e nos suicdios de Heavens Gate em 1997.
Uma predisposio para formas de pensar mgicas e para a preguia mental facilita imenso o vo
para a superstio. Muitas pessoas, talvez mesmo a maior parte, ficam fascinadas com o misterioso, o
secreto e o oculto, e algumas preferem acreditar numa explicao que parece mgica do que numa
explicao cientificamente fundada. Os psiclogos Barry E. Singer e Victor A. Benassi realizaram uma
srie de experincias com os seus alunos nas quais tinham um mgico a fazer de conta que era um
mdium e realizaram demonstraes de faanhas psquicas. Antes de as demonstraes comearem,
disseram vrias vezes aos estudantes com a mais clara das linguagens que o mgico estava apenas a
fingir ser um mdium, e que o que eles iriam testemunhar era realmente uma srie de truques de
ilusionista. No entanto, apesar destas advertncias, a maior parte dos estudantes concluram, experincia
aps experincia, que o mgico era de fato um mdium. Alm disso, muitos concluram que o mgico era
um agente de Satans.
A predisposio para o mgico e o fantstico enormemente reforada pela mdia, em particular a
televiso e os filmes. As mdias so servilmente subservientes para com os desejos de entretenimento das
suas audincias, pelo que, dado o amplo fascnio com o mgico, as mdias lanam uma corrente constante
de filmes, mini-sries e notcias devotadas ao tema. Estes programas abordam tudo desde vampiros e
espritos desencarnados at conspiraes irracionais e a interveno de anjos. Esta ateno contnua para
com o fantstico aumenta a aceitao pblica de explicaes supersticiosas sempre que explicaes
realsticas no esto prontamente disponveis, ou at mesmo quando esto.
Uma predisposio para a preguia mental tambm ajuda na formao das crenas supersticiosas. ,
na verdade, extremamente difcil assegurar que as crenas de algum esto apoiadas em provas e
passam o teste da coerncia interna. A lgica desleixada to fcil que no de admirar que as pessoas
lancem mo dela. A maior parte das falcias informais tratadas no Captulo 3 pode ter origem no
pensamento desleixado. Aps a velha Sra. Chadwicke passar a mancar pela igreja, um raio atingiu o
campanrio e queimou completamente a igreja. bvio que a velha Sra. Chadwicke uma bruxa (falsa
causa). Alm disso, a velha Sra. Chadwicke veste uma capa preta e um capuz preto. No h dvida de
que todas as bruxas vestem dessa maneira (generalizao apressada). E bvio que as bruxas existem,
porque toda a gente na aldeia acredita nelas (apelo ao povo).
Outro gnero de pensamento desleixado o que envolve um apelo ao que se pode chamar falsa
coerncia. Um agricultor descobre que uma das suas vacas foi morta. Ao mesmo tempo o agricultor l
uma histria num tablide local contando que h um culto satnico na vizinhana. O culto pratica os seus
ritos no dcimo terceiro dia de cada ms. A vaca foi morta a treze. Assim, o agricultor conclui que a vaca
foi morta por adoradores de Satans. Esta forma de pensar tem muitas pontas soltas, mas isso raramente
impede as pessoas de tirar uma concluso. Tornar-se um pensador crtico e esclarecido um dos
principais objetivos da educao, mas infelizmente tornar-se educado to difcil para os estudantes de
hoje como o era para os do tempo de Plato.
At agora centramos a nossa ateno nas emoes e nas predisposies do sujeito que conduzem s
crenas supersticiosas. Voltamo-nos agora para algumas das muitas formas como a nossa observao do
mundo pode ser distorcida. Estas distores constituem avenidas pelas quais as condies peculiares ao
sujeito entram no contedo da observao. Quando estas observaes distorcidas se combinam com as
emoes e as disposies referidas anteriormente, provvel que as crenas supersticiosas surjam. As
observaes distorcidas podem ocorrer na mesma pessoa que tem as emoes e as disposies ou podem
ser transmitidas em segunda mo. Em qualquer dos casos, a combinao conduz superstio.
Um fenmeno bem documentado que influencia a nossa observao dos nossos prprios estados
corporais o do chamado efeito placebo. Um placebo qualquer gnero de medicamento ou
procedimento que no fornece nenhum benefcio medicinal ou teraputico em si mesmo, mas que pode
efetuar uma cura quando se diz ao paciente que tem esse benefcio. Por exemplo, disse-se a pacientes
com dores no joelho que uma operao os curaria e, aps uma pequena inciso que, em si mesma, no
tem qualquer efeito teraputico, a dor desapareceu. Disse-se tambm a pacientes que sofriam de tenso
nervosa ou de depresso que um pequeno comprimido colorido (que apenas acar) os curaria e, aps
terem tomado o comprimido, a tenso ou depresso desapareceu. bvio que nestes casos no apenas
o placebo que efetua a cura, mas o placebo juntamente com a sugesto implantada na mente do paciente
pelos seus mdicos.
Outro efeito bem documentado que influncia a nossa observao do mundo em nosso redor a
chamada pareidlia. Este o efeito devido ao qual podemos olhar para as nuvens, para o fumo ou para os
revestimentos texturizados das paredes e dos tetos e ver animais, faces, rvores e assim por diante.
Projetamos as imagens visuais com que estamos familiarizados em estmulos sensoriais vagos e
relativamente sem forma e vemos essas imagens como se estivessem realmente l. A pareidlia
responsvel por uma boa parte da superstio religiosa. Por exemplo, em Fevereiro de 1999, voluntrios
que trabalhavam na Igreja Episcopal do Bom Pastor em Wareham, no Massachusetts, viram a imagem de
Jesus nos ndulos de madeira de uma porta que estavam a pintar. Concluram que a imagem era uma
apario miraculosa de Jesus. Afinal de contas, observou um deles, Jesus era um carpinteiro. Centenas de
incidentes como estes foram relatados nos rgos de informao, mas nunca aconteceu que algum que
tivesse sido educado como Budista ou Hindu tivesse visto uma imagem de Jesus.
Relacionado de perto com a pareidlia est o conceito de conjunto perceptivo, em que conjunto se
refere nossa tendncia para perceber acontecimentos e objetos da forma que a nossa experincia
anterior nos levou a esperar. A idia de conjunto perceptivo um produto da psicologia Gestalt, segundo
a qual observar uma forma de resoluo de problemas. Quando somos confrontados com um problema,
como encontrar a soluo para um enigma ou para um quebra-cabeas, entramos num estado de
incubao mental em que as potenciais solues so reviradas nas nossas cabeas. Este estado seguido
por um momento de inspirao (assumindo que somos capazes de resolver o quebra-cabeas) aps o
qual a soluo parece bvia. Quando examinamos o quebra-cabeas numa outra altura, a soluo pula
para a nossa mente. Essa soluo chamada uma Gestalt, que, em alemo, significa forma ou
configurao. Analogamente, qualquer ato de percepo envolve resolver o quebra-cabeas de organizar
os estmulos sensoriais em padres com significado. Cada padro uma Gestalt perceptiva, ou conjunto
e, uma vez esse conjunto formado, serve para guiar o processamento de percepes futuras. Em
conseqncia, percepcionamos o que esperamos percepcionar.
Consegues ver o tringulo branco?
O tringulo branco est de fato ali?
(Retirado de Kanizsa, 1979, 74.)
Em 1949 os psiclogos Jerome S. Bruner e Leo J. Postman realizaram uma experincia famosa na
qual eram mostradas aos sujeitos rplicas de cartas de jogar vulgares mas em que algumas das cartas
foram alteradas invertendo a cor. Por exemplo, em alguns grupos de cartas, o trs de copas era preto e o
seis de espadas era vermelho. Em vinte e oito indivduos, vinte e sete viram inicialmente as cartas
alteradas como sendo normais. Um indivduo identificou o trs preto de copas como um trs de espadas
em quarenta e quatro apresentaes sucessivas. Esta experincia mostra com clareza que
percepcionamos o que esperamos percepcionar e, na verdade, este fato -nos a todos familiar. Por
exemplo, esperamos receber um telefonema e, enquanto tomamos ducha pensamos ouvir o telefone
tocar, apenas para que algum em outra diviso nos diga que o telefone no tocou. Ou, ao conduzir,
podemos nos aproximar de um sinal octogonal vermelho no qual se l ST_P (a nossa viso do sinal
estando parcialmente bloqueada por um ramo de rvore entre o S e o P). No entanto, paramos o carro,
porque percebemos que o sinal se l STOP. Na verdade, o que o nosso sentido da viso recebeu foram
trs consoantes (S, T, P), sem sentido at terem sido processadas por meio da percepo.
Um outro fator que tambm influncia o nosso sentido da viso o efeito autocintico. De acordo
com este efeito, uma pequena luz fixa rodeada por escurido ser com freqncia vista como estando-se
a mover. Podemos provar para ns prprios a existncia deste efeito olhando para uma estrela brilhante
numa noite escura ou observando um pequeno ponto de luz fixo num quarto s escuras. O objeto
iluminado parecer com freqncia mover-se. Os psiclogos conjeturam que o efeito autocintico o
resultado de pequenos movimentos involuntrios do globo ocular do observador e mostraram que o efeito
aumentado pelos relatos de outros observadores. Se algum que esteja prximo disser que acabou de
ver o objeto mover-se, com freqncia outras pessoas confirmaro este relato. Pensa-se que o efeito
autocintico seja responsvel por muitas alegaes de avistamentos de OVNIS.
Os vrios tipos de alucinaes tambm podem distorcer o contedo da percepo. Dois gneros de
alucinaes que afetam muitas pessoas nos momentos de sonolncia entre dormir e viglia so as
alucinaes hipnaggicas e hipnopompicas (Hines, 1988, 61-62). As primeiras ocorrem imediatamente
antes de adormecermos, quando as ondas cerebrais alfa mudam para ondas teta e as ltimas ocorrem
precisamente antes de acordar. Durante estes momentos o sujeito pode ver imagens extremamente
vvidas e emocionalmente fortes, que parecem ser muito reais. Pensa-se que estas alucinaes so
responsveis pelos fantasmas e outras aparies que as pessoas s vezes vem nos quartos.
As alucinaes coletivas so outro gnero de distoro perceptiva que pode ocorrer com grandes
multides. Antes que as alucinaes possam acontecer, a multido tem de ser levada a um estado
emocional muito elevado, que pode ser causado pela expectativa de verem algo importante ou
miraculoso. Pode ter acontecido uma ocorrncia deste tipo em 13 de Outubro de 1917, quando cerca de
70.000 pessoas reunidas na aldeia de Ftima, em Portugal, esperavam ver um sinal miraculoso dos cus.
Ao meio-dia, uma das crianas que alegadamente estava em contato com a Virgem Maria gritou para as
pessoas olharem para o Sol. Elas assim fizeram e, em conseqncia disso, viram o Sol rodopiar por entre
as nuvens e precipitar-se para a Terra. Claro que se o Sol se tivesse de fato movido, teria feito disparar
os sismgrafos em todo o mundo. Alm disso, muitas pessoas presentes no viram nada de invulgar, mas
os seus relatos no foram tidos em conta. Contudo, mesmo hoje em dia muitos fiis consideram esta
observao do rodopiar do Sol como uma prova de milagre.
Finalmente, a operao da memria pode distorcer a forma como recordamos as nossas
observaes. A memria humana no como o processo pelo qual um computador l a informao do seu
disco, com exatido total. Em vez disso, um processo criativo passvel de muitas influncias. Quando as
imagens so chamadas da memria humana, so recuperadas em pedaos. O crebro preenche depois as
lacunas por um processo chamado confabulao. O crebro, de forma natural e inconsciente, tenta
produzir uma descrio coerente do que aconteceu, mas como as lacunas so exatamente preenchidas
depende dos sentimentos da pessoa na altura da recordao, das sugestes de outras pessoas acerca do
acontecimento recordado e dos nossos prprios relatos do que aconteceu. Dado que, para comear, a
recordao seletiva e que muitos detalhes so inevitavelmente deixados de fora, a imagem final
recordada pode ir desde uma representao bastante precisa at uma completa inveno.
Estes efeitos representam apenas algumas das formas como a observao e a memria humanas
podem ser influenciadas pelo estado subjetivo do observador. Para evitar estas distores a investigao
cientfica limita a observao humana a circunstncias em que menos provvel que as aberraes
conhecidas da percepo e da recordao ocorram. Nas cincias naturais, a maior parte ou mesmo todas
as observaes so feitas atravs de instrumentos, como voltmetros, contadores de Geiger e telescpios,
cujo comportamento bem conhecido e altamente previsvel. Os resultados so ento gravados em
suportes relativamente permanentes, como papel fotogrfico, fitas magnticas ou discos de computador.
Nas cincias sociais, tcnicas como a amostragem duplamente cega [2] e a anlise estatstica de dados
isolam o observador do resultado da experincia. Estes processos fornecem a garantia importante de que
os dados no so distorcidos pelo estado subjetivo do experimentador.
Integridade
Os nossos esforos para compreender o mundo no qual vivemos so ntegros na medida em que
envolvem honestidade na reunio e apresentao de provas e pensamento lgico e honesto na resposta
aos problemas tericos que surgem ao longo do caminho. A maior parte da superstio envolve elementos
de desonestidade na reunio de provas ou uma falha lgica na resposta a problemas tericos. Estas falhas
lgicas podem ser encontradas na falta de resposta da comunidade de praticantes aos problemas que
envolvem a adequao, a coerncia e a consistncia externa das hipteses relativas s suas prticas.
A falta de integridade mais grave ocorre quando as provas so forjadas. Um dos exemplos mais
impressionantes de provas forjadas o caso do entertainer israelita Uri Geller. A partir dos princpios da
dcada de 70, Geller apresentou-se em numerosos encontros em todo o mundo como um mdium que
podia realizar proezas maravilhosas, como dobrar colheres, chaves, pregos e outros objetos de metal por
intermdio do simples poder da sua mente. Estes objetos pareciam dobrar-se quando ele meramente os
acariciava com o seu dedo ou mesmo sem que sequer lhes tocasse. Os cientistas foram chamados para
testemunhar estas proezas e muitos regressaram convencidos da sua autenticidade. Mas, na realidade,
Geller era apenas um hbil charlato que enganava as suas audincias fazendo-as pensar que tinha
poderes psquicos. A fraude de Geller foi em larga medida revelada pelo mgico James Randi.
Depois de ver gravaes das atuaes de Geller, Randi descobriu como Geller fazia os seus truques e
tornou-se num instante tambm capaz de os fazer. s vezes Geller preparava uma colher ou uma chave
previamente, dobrando-a vrias vezes at estar quase a partir-se. Mais tarde, tocando-lhe apenas ao de
leve, podia faz-la dobrar-se. Noutras ocasies, Geller, ou os seus cmplices, usavam manobras de
prestidigitao para substituir os objetos direitos por objetos dobrados. Num outro truque ainda, Geller
afirmava ser capaz de desviar uma agulha de uma bssola meramente concentrando a sua ateno nela.
No momento em que ele agitava as suas mos sobre a bssola, a agulha girava e as suas mos tinham
sido exaustivamente examinadas antes em busca de ims escondidos. Mas Geller tinha escondido um
poderoso im na boca e, medida que se inclinava sobre a bssola, a agulha girava em harmonia com a
rotao da sua cabea.
Antes de escrever um artigo sobre Geller, Singleton fez o seguinte teste:
les (de um olho), envolvi-o em folha de alumnio e pu-lo em dois envelopes.
Visitei Geller na tarde seguinte.
omigo tendo sempre o envelope debaixo de olho, perceber o desenho. E falhou.
tinha sido somente um dia muito mau para ele (Citado in Randi, 1982, 29).
Donald Singleton, jornalista do New York Daily News, estava familiarizado com a alegada capacidade psquica de Uri Geller para dobrar colheres e chaves e identificar desenhos feitos mo que tinham sido fechados dentro de dois envelopes, um dentro do outro. Ele suspeitava de que este ltimo truque era realizado pondo os envelopes contra uma luz forte enquanto se distraa a ateno do indivduo.
Fui a um serralheiro e obtive uma duplicata da chave mais forte e grossa do meu porta-chaves. Tentei com toda a minha fora e no pude dobr-la, mesmo pressionando-a contra o canto de uma secretria de ao. Depois fiz um desenho simp
Durante mais de uma hora, ele tentou, c
Depois ele fez um esforo para dobrar a chave, uma vez mais comigo tendo sempre a chave debaixo de olho. Uma vez mais, nada aconteceu. Uri disse que estava muito desapontado e que aquele
Para outro exemplo de provas forjadas, olhemos para aquelas pessoas que caminham no fogo. Os
praticantes desta arte alegam que os seus seminrios de auto-ajuda podem alterar a qumica do corpo de
uma pessoa de modo a permitir-lhe andar descalo sobre uma camada de carvo incandescente sem se
queimar. Um dos principais gurus deste ramo Tony Robbins do Robbins Research Institute. Robbins usa
aquilo a que chama programao neurolingstica para curar todo o gnero de afeces fsicas e
psquicas, desde medos irracionais e impotncia at dependncia da droga e tumores. Como prova da
eficcia desta tcnica, ele convida aqueles que fizeram o seu seminrio a caminhar no fogo. S por
acreditarem, diz-lhes ele, no queimaro os ps e sobrevivero experincia ilesos.
A verdade que qualquer pessoa, quer tenha ou no freqentado o seminrio e seja o que for aquilo
em que acredite, pode, em condies controladas, caminhar pelas brasas e escapar ileso. O fsico Bernard
J. Leikind provou-o, pelo menos para sua satisfao, quando apareceu num seminrio de Robbins no
Outono de 1984 (Frazier, 1991,182-193). Embora ele no tenha freqentado as sesses e tenha
declinado pensar pensamentos frios [3] conforme as instrues dos organizadores, verificou que podia
caminhar no fogo sem sequer ficar queimado. Ele explicou o seu sucesso chamando a ateno para certas
leis bsicas da fsica. Apesar da sua alta temperatura, o carvo de madeira contm uma quantidade muito
baixa de calor e conduz muito mal o calor. Alm disso, o p est em contato com as brasas apenas por
um segundo de cada vez, permitindo assim que apenas uma pequena quantidade de energia trmica flua
para o p. Como conseqncia, o p daqueles que caminham no fogo raramente fica ferido (ou, pelo
menos, seriamente ferido).
Para um terceiro exemplo de provas forjadas basta que olhemos para os milhares de cartomantes,
leitores de sinas, e mentalistas que usam a arte da leitura fria para adivinhar todo o gnero de verdades
espantosas acerca das vidas dos seus clientes. A maior parte das pessoas que contratam os servios
destes leitores fazem-no porque tm problemas de amor, de sade ou de finanas. O leitor sabe isto e
freqentemente comea a leitura com um falatrio lisonjeador que talhado para servir a praticamente a
toda a gente. Este recital tem por objetivo pr o cliente vontade e lev-lo a abrir-se com o leitor. Ao
mesmo tempo, o leitor capta todos os pormenores: idade do cliente, sexo, peso, atitude, padres de
discurso, vocabulrio, contato visual, constituio, mos, vesturio (estilo, poca, limpeza, e custo),
penteado, jias e tudo o que o cliente possa trazer ou carregar (livros, chaves do carro, etc.). Tudo isto
fornece pistas sobre a personalidade, a inteligncia, a profisso, o estatuto socioeconmico, a religio, a
educao e a filiao poltica do cliente.
O leitor usa esta informao para formular hipteses que depois apresenta ao cliente na forma de
sutis questes. Dependendo das reaes do cliente expresso facial, movimento dos olhos, dilatao da
pupila , o leitor pode com freqncia dizer se est no caminho certo. Quando o leitor encontra algo
prximo da verdade, o cliente geralmente reage com admirao e revela mais detalhes sobre si. Depois
de deixar passar um intervalo de tempo aceitvel, o leitor reformula esta informao numa seqncia
diferente e comunica-a ao cliente, para cada vez maior espanto deste. O cliente fornece ento mais
detalhes, que o leitor combina com tudo o resto que soube. O uso de uma bola de cristal, de capa de
cetim ou de cartas de tarot conjuntamente com um sentimento refinado de confiana transmite ao cliente
a idia de que o leitor pode efetivamente ler a sua mente.
a acerca de uma jovem que visitou um leitor de mentes durante os anos 30:
agora de estar em p mais tempo do que antes, implicando que ela trabalhava
O psiclogo Ray Hyman, que, enquanto adolescente, leu a sina para complementar os seus rendimentos, estudou a arte da leitura fria com alguma profundidade. Ele relata uma histri
Ela usava jias caras, uma aliana e um vestido preto de material barato. O leitor atento reparou em que ela usava sapatos que so normalmente publicitados para pessoas com problemas nos ps. Ele assumiu que esta cliente vinha v-lo, como fazia a maior parte das clientes do sexo feminino, por causa de um problema de amor ou de finanas. O vestido preto e a aliana levaram-no a pensar que o marido dela tinha morrido recentemente. As jias caras sugeriam que, durante o casamento, ela no tinha problemas financeiros, mas o vestido barato indicava que a morte do marido a tinha deixado sem dinheiro. Os sapatos ortopdicos significavam que ela tinha
para se sustentar desde a morte do marido.
A sagacidade do leitor levou-o seguinte concluso que se revelou correta: a senhora conheceu um homem que a pediu em casamento. Ela queria casar com o homem para deixar de ter dificuldades econmicas, mas sentia-se culpada por casar-se pouco tempo depois da morte do marido. O leitor disse-lhe o que ela queria ouvir que no havia qualquer problema em casar quanto antes (Frazier, 1981, 85-86).
Se as tcnicas enganadoras do mgico que finge ser mdium, do programador neurolingstico e do
leitor frio so aceitas acriticamente, parecem constituir provas que suportam realmente as hipteses na
base destas atividades. Mas, falsificar as provas no a nica forma pela qual os praticantes da
superstio carecem de integridade. A outra forma diz respeito reao da comunidade de praticantes a
problemas que surgem ligados adequao, coerncia e consistncia externa dessas hipteses.
Problemas destes surgem tambm ligados s hipteses cientficas. Quando surgem em cincia, a
comunidade de cientistas muda para o que o filsofo Thomas Kuhn chama um modo de soluo de
quebra-cabeas, e os cientistas trabalham neles com grande persistncia at que os problemas sejam
resolvidos. Esta atividade de soluo de quebra-cabeas conquista a ateno da maior parte dos cientistas
durante a maior parte das suas carreiras e constitui o que Kuhn chama cincia normal. Alm disso,
precisamente o fato de a cincia normal consistir na soluo de quebra-cabeas, defende Kuhn, que a
distingue da pseudocincia.
Por exemplo, aps a hiptese copernicana ter sido introduzida, descobriu-se um problema a respeito
de aquilo a que se chama a paralaxe estelar. Se, como sustenta a hiptese, a Terra gira em torno do Sol,
ento, no decurso da sua rbita, as estrelas longnquas deveriam parecer mudar de posio por relao s
estrelas prximas. Podes observar um fenmeno semelhante medida que mudas de posio num
quarto. A lmpada distante, que originalmente aparecia esquerda da cadeira que est em primeiro
plano, aparece agora direita. No caso das estrelas, no entanto, nenhuma paralaxe podia ser observada.
A explicao dada na altura foi que as estrelas estavam demasiado longe para que alguma paralaxe
pudesse ser detectada. Contudo, a paralaxe estelar constitua um problema de adequao, que a
comunidade de astrnomos via como um quebra-cabeas e trabalhou nele durante 300 anos. Finalmente,
foram construdos telescpios mais poderosos que detectaram efetivamente uma mudana na posio das
estrelas medida que a Terra orbitava em torno do Sol.
Por oposio, quando uma predio astrolgica no se verifica, a comunidade de astrlogos nunca se
lana ao trabalho para compreender o que falhou. Os astrlogos nunca voltam a verificar o local e a data
de nascimento do cliente ou a posio exata dos planetas na altura do seu nascimento. Lanam-se pura e
simplesmente para diante e fazem mais predies. Analogamente, quando as dobras da cabea de uma
pessoa no indicam caractersticas essenciais da personalidade da pessoa ou quando as linhas na palma
da sua mo no revelam traos da sua vida, a comunidade de frenlogos e a comunidade de leitores da
sina nunca tentam explicar os fracassos. Ignoram-nos e avanam para o grupo seguinte de clientes. Uma
tal resposta revela uma falta de integridade da parte destes praticantes para com as suas respectivas
hipteses. H algo obviamente errado com as hipteses ou com as medies, mas ningum se preocupa o
suficiente para fazer o que quer que seja em relao a isso.
Uma resposta semelhante ocorre em relao a problemas de coerncia. A maior parte das
supersties envolve incoerncias srias, muitas delas com origem na falta de ligaes causais
conhecidas. Por exemplo, se a astrologia alega que os planetas influenciam as nossas vidas, ento tem de
existir alguma conexo causal entre os planetas e os indivduos humanos. Mas o que pode ser esta
conexo? A gravidade? Se sim, ento os astrlogos tm de mostrar como flutuaes gravitacionais
muitssimo pequenas podem afetar a vida das pessoas. Por outro lado, se uma outra causa, os
astrlogos tm de especific-la. Que gnero de leis a governam? uma lei da razo inversa do quadrado
da distncia, como a lei da gravidade, ou algum outro gnero de lei? Analogamente, se as linhas da palma
da mo de uma pessoa indicam algo acerca da vida da pessoa, ento que forma de causalidade opera
aqui? As linhas influenciam a vida ou ao contrrio? E a que leis obedece esta forma de causalidade?
Qualquer ausncia de conexo causal um defeito de coerncia, porque indica a falta de uma
conexo entre as idias que constituem uma hiptese. Contudo, uma tal falta de coerncia no tem de ser
fatal para a hiptese. Desde o tempo de Hipcrates que os mdicos sabiam que as folhas de salgueiro,
que contm o ingrediente essencial da aspirina, tinha o poder de aliviar a dor, mas at recentemente no
conseguiram compreender a conexo causal. Mas o que distingue a comunidade biomdica da
comunidade de astrlogos so as reaes de uma e de outra a problemas desse tipo. Os membros da
comunidade biomdica reconheceram o problema da aspirina como um quebra-cabeas e trabalharam
nele at que encontraram a soluo, mas os membros da comunidade astrolgica no esto interessados
em identificar o mecanismo causal pelo qual os planetas influenciam as vidas humanas. De modo idntico,
os membros da comunidade de leitores da sina e os membros da comunidade de frenolgos no se
preocupam com identificar as conexes causais essenciais decorrentes das suas respectivas hipteses.
As hipteses inconsistentes com as teorias ou as leis estabelecidas constituem um problema ainda
mais srio. As alegaes dos promotores do movimento de Meditao Transcendental so um bom
exemplo. A prtica da MT foi popularizada nos anos 60 pelo Maharishi Mahesh Yogi e, desde ento, atraiu
milhares de aderentes. Consiste na repetio silenciosa de um mantra, que induz um estado mental
semelhante auto-hipnose. Para muitos dos que a experimentaram, os benefcios so o relaxamento
mental e fsico que leva a um sentimento de rejuvenescimento. Mas com instruo suplementar em MT (a
um elevado custo para o estudante), podem ser induzidos transes maiores e mais profundos que, o
Maharishi alega, permitem ao meditador levitar pairar no ar sem qualquer suporte fsico. Ele alega que
milhares de discpulos aprenderam a faz-lo e divulgou fotografias que pretendem confirmar esta
afirmao. Mas, claro, se a levitao ocorre efetivamente, constitui uma violao ou uma suspenso da lei
da gravidade.
A inconsistncia da hiptese de Maharishi com uma teoria to bem confirmada quanto a lei da
gravitao constitui provavelmente razo suficiente para coloc-la na categoria de superstio. Mas a
reao da comunidade de praticantes a esta inconsistncia deixa pouca margem para dvidas. Em 1971 o
Maharishi comprou os terrenos e os edifcios do que era anteriormente o Colgio Parsons em Fairfield, no
Iowa, e converteu o local na Maharishi International University. A Universidade tornou-se ento a sede do
International Center for Scientific Research, que, poderamos pensar, seria o frum perfeito para
investigar a levitao. Dada a disponibilidade de grandes quantidades de alegados levitadores, os
cientistas da casa poderiam conduzir estudos detalhados sobre este fenmeno. As suas descobertas
poderiam fornecer a base para viagens espaciais interplanetrias, j para no falar do que poderiam fazer
por avies seguros. Contudo, desde o princpio, o International Center no conduziu a menor investigao
em levitao. No se realizaram quaisquer experincias e no foram escritos quaisquer ensaios
acadmicos. Esta resposta inconcebvel para qualquer bona fide centro de pesquisa cientfica.
Sumrio
Distinguir cincia da superstio no preocupao ftil de filsofos de poltrona, como alguns
sugeriram, mas uma questo vital para o futuro da civilizao. Na Rssia Estalinista os cientistas
responsveis eram enviados para os gulag devido a recusarem submeter-se s idias do Estado acerca do
que era cientfico. E na Amrica, travaram-se batalhas judiciais sobre o que considerado cincia para a
reforma curricular das escolas pblicas. Alm disso, a tentativa de distinguir cincia de superstio tem
razes antigas na histria da filosofia. Pode ser vista como o equivalente moderno da mesma questo
colocada por Plato h muito tempo; desde ento muitos filsofos abordaram a questo da sua prpria
perspectiva.
Nas pginas anteriores delineamos alguns traos que so caractersticos da investigao cientfica e
alguns traos opostos que so caractersticos da superstio. O propsito desta exposio no foi fornecer
as condies necessrias e suficientes para traar uma linha de demarcao absoluta entre cincia e
superstio. Em vez disso, o propsito, mais modesto, foi o de apresentar um grupo de semelhanas
familiares que um investigador honesto pode usar para emitir o juzo de que mais provvel que um
conjunto de crenas seja cientfico ou mais provvel que seja supersticioso.
Termos-chave introduzidos nesta seo
Modificaes ad hoc Navalha de Occam
Provas anedticas Pareidlia
Efeito autocintico Conjunto perceptivo
Alucinao coletiva Efeito placebo
Confabulao Replicabilidade
Disconfirmability Progresso cientfico
Alucinao hipnaggica Predies impressionantes
Alucinao hipnopompica Hipteses vagas
Na medida em que um conjunto de crenas se apia em hipteses que so coerentes, precisas,
estritamente definidas, suportadas por evidncias genunas e produzem novas idias, pode ser
considerado cientificamente fundado. Este juzo reforado pela resposta conscienciosa da comunidade
cientfica aos problemas que surgem a respeito da adequao, coerncia e consistncia externa dessas
hipteses. Mas, na medida em que um conjunto de crenas se apia em hipteses que so incoerentes,
inconsistentes com teorias bem estabelecidas, vagas, excessivamente amplas, motivadas por
necessidades emocionais, suportadas por provas que no so de confiana e que no levam a novas
idias, ento essas crenas tendem a ser supersticiosas. Tal juzo reforado por uma reao de
indiferena inconsciente por parte da comunidade dos praticantes a problemas que surgem em relao
adequao, coerncia e consistncia externa dessas hipteses.
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Notas
[1] Sai o um em cada um dos dados do par. (N. do T.)
[2] Trata-se de uma tcnica de teste de um produto em que o investigador, ao analisar uma amostra de
pessoas, no sabe se essas foram as pessoas que tomaram, por exemplo, o comprimido cujos efeitos se
pretende determinar ou se elas pertencem ao chamado grupo de controle, que tomou apenas um
comprimido de farinha; e as pessoas tambm no sabem se tomaram o comprimido que est a ser
testado ou se tomaram apenas farinha. (N. do T.)
[3] Uma vez que o objetivo andar sobre as brasas, os pensamentos frios teriam o efeito de arrefecer as
pessoas permitir-lhes fazer o que pretendem. (N. do T.)
Cincia e Superstio