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Revista de divulgação científica do INPA Ciência para todos Maio de 2011 · nº 07, ano 2 (Distribuição Gratuita) ISSN 19847653 Junho de 2011 · nº 07, ano 3 (Distribuição Gratuita) ISSN 19847653 Conservação ALTERNATIVA Planta auxilia no tratamento de água ENTREVISTA Pesquisador fala sobre manejo florestal na Amazônia ESPECIAL Gavião-real e uma história de preservação Ministério da Ciência e Tecnologia A Amazônia e o Ano Internacional das Florestas

Ciência para todos - Nº. 07

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Conservação: a Amazônia e o Ano Internacional das Florestas

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Revista de divulgação científica do

INPACiência para todos Maio de 2011 · nº 07, ano 2 (Distribuição Gratuita) ISSN 19847653Junho de 2011 · nº 07, ano 3 (Distribuição Gratuita) ISSN 19847653

ConservaçãoAlterNAtIvAPlanta auxilia no tratamento de água

eNtrevIStAPesquisador fala sobre manejo florestal na Amazônia

eSPeCIAlGavião-real e uma história de preservação

Ministério daCiência e tecnologia

A Amazônia e o Ano Internacional das Florestas

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Adalberto luis val Diretor do Inpa

Wanderli tadeiVice Diretor do Inpa

Sérgio Fonseca GuimarãesChefe de Gabinete

estevão Monteiro de PaulaCoordenador de Ações Estratégicas - COAE

Beatriz ronchi telesCoordenadora de Capacitação - COCP

Antônio Ocimar ManziCoordenador de Pesquisas e Acompanhamento das Atividades Finalísticas- CPAF

Carlos roberto BuenoCoordenador de Extensão - COXT

tatiana limaChefe da Divisão deComunicação Social Jornalista responsável MTB (4214/MG)

editor chefeDaniel Jordano

Secretário de redaçãoEverton Martins

redaçãoAline CardosoClarissa BacellarDaniel JordanoEduardo GomesJosiane Santos

FotografiasAcervo pesquisadoresAnselmo D’affonsecaEduardo GomesFlavio Ribeiro Raphael AlvesJanssem CardosoTabajara Moreno

revisão Tharcila MartinsSRTE/AM 0000354

ColaboradoresAnnyelle BezerraJéssica Vasconselos

Séfora AntelaWallace AbreuProjeto GráficoLeila RonizeRildo Carneiro

editoração eletrônicaRildo Fernandes Carneiro

Artes e Ilustrações:Daniel Santi e Flávio Ribeiro

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Conservação: do discurso à prática

A decisão da Organização das Nações Unidas (ONU) em eleger 2011 como o Ano Interna-cional das Florestas coloca mais uma vez em

debate o real papel da sociedade e de seus orga-nismos para a conservação da biodiversidade. No caso da Amazônia a discussão é maior e mais pro-funda porque envolve uma região sensível que vem sofrendo mudanças causadas, de uma forma ou de outra, pelas atitudes e ações humanas.

Neste sentido, a ação da ciência desenvolvida na região (pesquisas feitas nas bancadas dos labora-tórios e os resultados dos estudos de campo) tem papel determinante para a manutenção da floresta em pé aliada à geração de renda das populações.

Um exemplo disso são as pesquisas feitas pelo Inpa na área de manejo florestal que permitem um aproveitamento da floresta mostrando um cami-nho rentável para uma região que precisa de ações constantes contra o desmatamento.

O desenvolvimento científico também tem a ca-pacidade de promover a melhoria da qualidade de vida das pessoas, e neste caso podemos citar os estudos que analisam a alimentação de crianças e jovens no Amazonas. Além disso, existem pes-quisas com uma planta que pode auxiliar no tra-tamento da água consumida pelos ribeirinhos e os resultados dos estudos do Camu-camu, o rei da vitamina C, que aos poucos se mostra como alter-

nativa econômica e nutricional para a Amazônia.A compreensão sobre a dinâmica da floresta, sua

relação com o ser humano e o regime de enchente e vazante dos rios também ajuda a entender como podemos aproveitar nossas várzeas (áreas extre-mamente férteis) que podem auxiliar, aliada à ca-pacitação e conscientização dos produtores rurais, na produção de alimentos.

Todo esse trabalho, aliado as ações de conser-vação de espécies como o peixe-boi, ariranha e o gavião-real, mostram que a conservação da biodi-versidade depende de ações integradas e perma-nentes.

Nos últimos anos os investimentos em Ciência e Tecnologia avançaram, mas ainda é preciso re-solver gargalos como a fixação de pesquisadores na região, inserir a Amazônia de forma definitiva na agenda nacional além de atrelar a educação de qualidade ao desenvolvimento científico.

Apesar disso, os estudos e os esforços dos pes-quisadores evidenciam que a prática da pesquisa tem crescido sempre na busca de novos conheci-mentos que possam resolver problemas da Amazô-nia através da ciência. Isso colabora para a tomada de decisões do poder público, cumprindo assim o papel de mudar a vida das pessoas para melhor.

Boa leitura!

eDItOrIAl

eXPeDIeNte

Nossa Capa:Conservação: a amazônia e o Ano

Internacional das Florestas

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“A prática”: Niro Higuchi fala sobre manejo florestal

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Sum

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O Ano das Florestas e a conservação da Amazônia

especial: Gavião-real e uma bela história de

preservação

Planta pode auxiliar tratamento de água em comunidades ribeirinhas10

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O rei da vitamina C: Camu-camu tem potencial para exportação22

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estudo analisa como estudantes do Amazonas estão se alimentando

Pesquisa ensina comunitários a utilizarem os recursos naturais

O manejo nas várzeas: desenvolvimento que beneficia as populações

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34O Ano das Florestas e a

conservação da Amazônia

466Ampa: 10 anos de preservação dos Mamíferos Aquáticos da Amazônia

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A sobrevivência das espécies e o comprometimento do

manejo florestal

A Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU) elegeu 2011 como o Ano Internacional das Florestas. O pesquisa-

dor do Instituto Nacional de Pesquisas da Ama-zônia (Inpa/MCT) e engenheiro florestal Niro

Higuchi, em entrevista a Ciência para Todos, traçou um panorama geral sobre a atual situ-ação da floresta amazônica, além de explicar a importância do manejo florestal como uma alternativa para a sobrevivência dos seres que dependem da floresta.

> Clarissa BaCellar

Graduado em Engenharia Florestal pela Uni-versidade Federal do Paraná (1975), o pesqui-sador Niro Higuchi, natural de Jacarezinho (PR) fez mestrado também em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Para-ná (1978), doutorado em Engenharia Flores-tal pela Universidade do Estado de Michigan (1987) e pós-doutorado pela Universidade de Oxford, em 1998. Hoje está à frente de várias pesquisas no Instituto Nacional de Pesqui-sas da Amazônia (Inpa/MCT), entre as quais uma é apoiada pela Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica). Desde 2004,

coordena curso de campo sobre manejo flo-restal para alunos de graduação e coordena o curso “Floresta e suas múltiplas dimensões” para professores da rede pública do Amazo-nas. Orientou e co-orientou 40 mestres e 8 doutores. Participa da Redeflor (Rede de par-celas permanentes da Amazônia) e da Rainfor (Rede de inventário florestal da Amazônia). Atua principalmente nos seguintes temas: Manejo Florestal, Conservação Florestal e Di-nâmica Florestal. Atualmente é coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Madeiras da Amazônia.

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A sobrevivência das espécies e o comprometimento do

manejo florestalCiência para todos: De onde surgiu o in-

teresse de trabalhar com a floresta amazô-nica?

Niro Higuchi: Eu sou engenheiro florestal e comecei meu curso em Curitiba, no Paraná. E como engenheiro florestal eu já me imaginava trabalhando na Amazônia, construindo minha carreira profissional. Então, isso era uma coisa que parecia óbvia por conta da quantida-de de floresta que tinha aqui na Amazônia, então vim aqui com esse espírito, com esse objetivo. Você vem para uma região para trabalhar, fazer carreira, aprender e acaba se envolvendo com a região. De repente passa na tua cabeça que você aprendeu tudo aqui e se pergunta se vai deixar isso tudo. Chega o momento que você faz essa reflexão e descobre que teoricamente se aprendeu o suficiente para voltar, mas aí você se dá conta que passou um tempo aqui e se serviu da região para construir sua carreira. Então, resolvi que era hora também de retornar um pouco. No mo-mento que eu senti que ha-via uma inversão, de que eu precisava menos da região do que a região precisava de mim, sem menosprezar isso, percebi que é a região que precisava de mim. Foi quando eu resolvi ficar. Isso aconte-ceu quando eu completei 20 anos de Inpa e reprogramei toda a minha vida pra encer-rar a carreira aqui.

Ct: Quais as dificuldades para desenvolver pesquisas referentes ao desenvolvimento do manejo florestal na re-gião?

NH: As dificuldades são as naturais. Como

costumamos dizer, você tem um problema quando você vislumbra uma solução para ele. Quando você tem a solução para um problema, isso quer dizer que ele não é um problema. E por falar nisso, eu acredito que aqui nós pas-

samos por uma dificuldade séria que é a fixação de mão de obra. Temos muita dificul-dade, formamos e recrutamos muita gente, mas esse pesso-al acaba não ficando aqui. E não é por falta de oportuni-dade ou interesse, não ficam porque não há uma estrutura que ajude a fixá-los. Isso é fácil de resolver, mas depen-

de muito de uma decisão política, de deixar o discurso um pouquinho de lado, de falar que a Amazônia é importante para o Brasil e começar a fazer realmente a Amazônia ser importante para o país. Agora, não dá pra você trabalhar em uma floresta de 1500 anos de idade com dois ou três pesquisadores trabalhando 35

anos. Precisamos de mais pes-quisadores e que eles dêem continuidade a esse trabalho. Precisamos pensar em longo prazo.

Ct: Qual seu posiciona-mento quanto aos efeitos das mudanças climáticas globais sobre a floresta?

NH: Nós temos pouca in-formação para responder essa questão específica, porque, por exemplo, monitoramos uma área há 31 anos, e nesse tempo ocorreram no mínimo seis eventos meteorológicos considerados atípicos, anor-

mais. Nós tivemos três El niños, uma La Niña e chuvas convectivas (também chamadas de chuvas de verão, provocadas pela intensa eva-potranspiração de superfícies úmidas e aque-

“Reprogramei toda a minha vida para encerrar a carreira aqui”

“Queremos con-solidar o manejo florestal como uma estratégia para ajudar a manter a floresta em pé e proteger a biodi-versidade para as futuras gerações”

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cidas, como a floresta amazônica). No mesmo ano, em 2005, nós tivemos seca e muita chuva. E no ano passado tivemos um El niño diferente, que ocorreu fora de época e causou problemas para o mundo inteiro. Quando você analisa a resposta dessas florestas que nós monitoramos, dá a impressão que a floresta nem tomou conhecimento des-se fenômeno. Ela continuou se comportando como sempre. E é uma área de três parcelas com três hectares cada uma. Sem dúvida alguma é uma das par-celas estudadas de maior prazo do mundo sendo monitoradas. Mas são apenas três hectares e estamos falando de uma flo-resta de 300 milhões de hec-tares. Então, quando eu falo em 31 anos de observações e que a floresta, aparentemente, nem tomou conhecimento des-ses fenômenos. Precisamos nos perguntar se devemos extrapo-lar isso para toda a região amazônica. Será que eu posso extrapolar isso para os próximos 100 anos? Ou, como era há a 100 anos? Apesar do volume de informações que nós temos, dian-te da imensidão da floresta amazônica, não é nada. Se eu extrapolar e disser que mudança climática não altera a floresta, baseado nesses três hectares, é pouco. A partir de 2004, com apoio da *Fapeam, CNPq,SDS, Ibama, ICMBio, INPE e JICA, o nosso grupo iniciou a implementação do sistema de inventário flores-tal contínuo do Amazonas. Até 2012 teremos mais de 1500 parcelas permanentes e temporárias instaladas, me-didas e remedidas no Ama-zonas. Então, daqui a uns 10 ou 15 anos nós vamos ter melhores condições de dizer o quanto essas alterações no tempo global afetam a flores-ta amazônica e como a ela pode contribuir para mitigar essas mudanças do tempo no mundo.

Ct: A proposta do novo código florestal de-sagradou ambientalistas e cientistas porque anistia quem desmatou áreas que deveriam ser preservadas. Como pesquisador, qual o seu posicionamento quanto ao código?

NH: O código florestal é de 1965, ou seja, tem 46 anos. Nós vemos a evolução da pesqui-

sa florestal no Brasil, nesses últimos 46 anos, mas diante da questão da idade das florestas,

principalmente da Amazônia, nós sabemos que avançamos pouco no conhecimento. Eu acredito que é temerário fa-zer qualquer mudança sem um conhecimento. A altera-ção deve ser feita com base em algum conhecimento ad-quirido por meio da pesquisa cientifica, no mínimo, ou da experiência, da prática, do exercício do código florestal. Em uma avaliação dos dados oficiais do que foi desmata-do na Amazônia e de quanto o poder publico autorizou para desmatamento que re-alizei durante 10 anos, de 1995 à 2005, conclui que menos de 20% da área des-matada na Amazônia era de fato autorizada. Por isso, nós não temos capacidade institucional para fiscali-

zar, para colocar em prática a lei. Mas como fica a fiscalização, se hoje se pode desmatar 20% da área contanto que preserve os outros 80%? Nós deveríamos estar falando de 0% de desmatamento, porque assim seria muito fácil de fiscalizar. Afinal, se algum proprietário de terra tem autorização para desmatar 10 hecta-res e desmata 12, ninguém vai perceber. Então chega de desmatar a Amazônia. Vamos conser-

var, vamos utilizar a floresta que nos temos aqui, preservar para as futuras gerações. O que nos temos já desmatado na Amazônia é suficiente para se alimentar o mundo inteiro. É reaproveitar!

Ct: A Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU) declarou 2011 como o Ano Internacional das Florestas na tentativa de sensibilizar as pessoas. O senhor acre-dita que isso pode ajudar a conscientizar as populações sobre a importância da ma-

nutenção das florestas em pé ?NH: Eu acredito que essas declarações são

importantes e que isso deve ser valorizado porque as instituições começam a abrir os olhos para isso. Se você vê que essa sensibili-zação sobre a importância das florestas todas para o planeta já trouxe como desdobramento, por exemplo, a campanha da fraternidade da igreja católica esse ano, que lida com o meio

“Então chega de desmatar a Amazô-nia. Vamos conser-var, vamos utilizar a floresta que nós temos aqui, preser-var para as futuras gerações. O que nós temos já des-matado na Ama-zônia é suficiente para alimentar o mundo inteiro”

“Trabalhamos com uma “mercadoria” que só tem valor quando a gente perde. Não sei se precisamos viver mais desastres para começarmos a mu-dar de atitude”

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ambiente. Então são passos importantes, mas nós precisamos de ações também para real-mente consolidar essa preocupação coletiva. Fica muito claro que as florestas têm muitos papéis no nosso cotidiano, mas talvez, o mais importante de todos, é a capacidade dela de proteger as outras formas de vida.

Ct: e o que significa, para a comunidade científica que trabalha com o manejo flores-tal, 2011 ser considerado o “ano internacio-nal das florestas”?

NH: Manejo é apenas um detalhe, porque na realidade nós temos consciência plena de que o manejo florestal é uma alternativa para se manter a floresta em pé. Muita coisa precisa ser feita para melhorar o conhecimento. O ob-jetivo do manejo florestal é ajudar a segurar a floresta em pé, porque a verdadeira riqueza da Amazônia é a biodiversidade. Sem a floresta não tem biodiversidade. E se hoje não tiver alternativa para o desmatamento, essa flores-ta “vai embora” mesmo. Queremos consolidar o manejo florestal como uma estratégia para ajudar a man-ter a floresta em pé e proteger a biodiversidade para as futu-ras gerações.

Ct: então, por que, mesmo com todo o conhecimento que já temos sobre as flo-restas e sobre a importância de promover o desenvolvi-mento sustentável, ainda existe desmatamento? e qual a maneira mais eficaz de controlá-lo?

NH: Você percebe que a distância entre ver e agir é muito longa. Outros passos precisam ser dados e outras ações precisam ser implemen-tadas para que encurtem essa distância, para que essa questão de você falar e executar seja uma realidade. O que nós temos é essa fase de sensibilização, mas precisamos passar para a fase de comprometimento, e isso depende de um esforço coletivo. Talvez nós necessitemos de mais algumas provas materiais para que as pessoas dêem valor. Trabalhamos com uma “mercadoria” que só tem valor quando a gente perde. Não sei se precisamos viver mais de-sastres para começarmos a mudar de atitude.É preciso investir na educação, pois tem um pa-pel fundamental. Na verdade, falta muito. Fal-ta conhecimento, educação, falta muita coisa. Então, com esse movimento de 2011 ser o Ano Internacional da Floresta, quem sabe um e ou-tro governo criem uma reserva de interesse na-cional e invistam de fato como um modelo de preservação e de uso sustentável. Nós temos que dar o primeiro passo nessa direção, sair

dessa sensibilização para uma atitude volta-da ao comprometimento, às ações necessárias para o que imaginamos aconteça.

Ct: O senhor já recebeu muitos prêmios pelo trabalho que realiza, inclusive o No-bel da Paz dividido com o norte-americano Al Gore em 2007, como membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climá-ticas (IPCC). Como se sente ao ver que todo seu esforço e dedicação vêm sendo reco-nhecidos?

NH: Eu nunca busquei isso, não corri atrás dessas coisas e sempre trabalhei muito deter-minado pelos desafios profissionais que foram colocados a minha frente. Então é gratifican-te. Não vou ser demagogo e dizer que não fico contente com esse reconhecimento. Fico muito orgulhoso por ter recebido um prêmio que repercutiu muito, como o da Fundação Bunge (categoria “Vida e Obra” na área de Ciências Florestais, indicado pela Academia Brasileira de Ciências em 2010). E isso me

dá um retorno, uma auto-avaliação que mostra que tudo o que eu tenho feito, com os meus princípios, no meu trabalho estão em uma boa direção, do contrário não teria esse reconhecimento. Isso me dá mais confiança e eu tenho mais chance de re-alizar as coisas que sempre desejei realizar nessa região e nessa minha vida funcional dentro do Inpa. Num país tão pobre como o Brasil, nós so-mos os poucos privilegiados

que conseguem uma educação de alto nível. Então temos que fazer jus a esse investimen-to, que é feito pelos contribuintes desse país. Você é uma máquina de milhões de reais, en-tão não se pode dar ao luxo de se comportar profissionalmente como uma máquina menos preparada, porque custou muito caro. Não se pode agir, atuar como se fosse uma máquina que não usou nenhuma inovação tecnológica. Você tem que ser melhor, fazer sempre o seu melhor. O país é muito pobre para se dar ao luxo de ficar investindo em quem não investe em si mesmo.

* Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais,Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Con-selho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas, Instituto Chico Mendes de Con-servação da Biodiversidade, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Agência de Cooperação Internacional do Japão.

“Nós temos que dar o primeiro passo nessa direção, de sair dessa sensibi-lização para uma atitude voltada ao comprometimento”

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uma alternativa na descoloração de águas escuras para o consumo humano

Moringa > Por Josiane santos

A região amazônica apresenta um grande número de rios com enorme extensão e volume de água. O rio Negro é um dos

maiores rios do mundo em volume de água, porém é altamente colorida em virtude das altas concentrações de substâncias húmicas (provenientes de decompo-sição da matéria orgânica) tornando-a imprópria para o consumo humano.

A presença de substâncias húmicas em mananciais de águas destinadas ao abaste-cimento tem ocasionado di-versos problemas decorrentes da formação de subprodutos orgânicos quando há utiliza-ção do cloro nas etapas de desinfecção, dando origem aos trialometanos. De acordo com a literatura, existe uma correlação positiva dos níveis de trialometanos com vários tipos de câncer, incluindo o de bexiga e o de cérebro, em ambos os sexos.

Sabe-se que a água para uso doméstico tem que ser potável, ou seja, não pode conter microorganismos patogênicos e substâncias químicas, tóxicas ou radioativas acima dos padrões recomendados na Portaria 518/2004 do Ministério da Saúde. Para que as impure-zas possam ser removidas é necessário alterar algumas propriedades da água e consequen-

temente suas impurezas, através da adição de determinadas substâncias químicas, deno-minadas coagulantes.

As leis ambientais estão cada vez mais rí-gidas e é necessário que a aplicação do pro-duto empregado como coagulante não cause problemas à saúde dos consumidores e ao

meio ambiente. Os produtos que não são biodegradáveis, como é o caso do sulfato de alumínio, que é o coagulante químico mais usado nas Esta-ções de Tratamento de Água, produz lodo e este pode dis-ponibilizar íons solúveis que comprometem o ambiente e também pode ocasionar problemas à saúde humana, inclusive o aceleramento do processo degenerativo do Mal de Alzheimer.

A alternativa A Moringa é uma planta ori-

ginária da Índia, implantada no Brasil desde 1950, porém, como era pouco divulgado seu uso como coagulante na-

tural era usada apenas como ornamental. A partir de 1996 ela passou a ser estudada no nordeste brasileiro como coagulante natural.

A propriedade mais difundida da Moringa oleífera LAM é a de purificadora de água. Se-mentes de Moringa quando amassadas e mis-turadas à água barrenta de açudes, têm a ca-pacidade de agregar as impurezas existentes,

“As sementes de moringa quando comparada com o alumínio, não dependem e nem alteram significa-tivamente o pH e a alcalinidade da água durante e após o tratamento, e principalmente não é tóxica”.

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deixando a água limpa e própria para o con-sumo humano. A partir dessas informações, as pesquisas sobre as potencialidades e apli-cabilidades da Moringa, vem sendo testadas na clarificação de água coletada no rio Ne-gro, e as análises são executadas desde 2008 no laboratório de Química Analítica Ambien-tal, localizado na Coordena-ção de Pesquisa em Produtos Naturais (CPPN) do Institu-to Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT).

O trabalho é feito pela far-macêutica e mestra em bio-tecnologia Edilene Cristina Pereira Sargentini, pesqui-sadora integrante do projeto de pesquisa financiado pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), sob orientação do pesquisador Ézio Sargentini Ju-nior, coordenador do projeto e pesquisador desta instituição.

Em sua pesquisa de campo, Edilene Sargentini relata que o maior problema detectado foi o modo de vida dos moradores ribeirinhos, os quais fa-zem o abastecimento de água sem nenhuma orientação no que diz respeito à prevenção de doenças veiculadas por água contaminada.

“Os moradores ribeirinhos da região de São Gabriel da Cachoeira, interior do Amazonas, consomem água coletada das chuvas, nascen-tes naturais, e na maioria das vezes é coleta-da diretamente do rio Negro sem passar por

nenhum tipo de tratamento para eliminação dos microorganismos o que pode ocasionar problemas de saúde como por exemplo a he-patite, o cólera, a febre tifóide, entre ou-tras”, declarou.

O uso de Moringa para clarificação de água coletada no rio Negro é um estudo pioneiro que vem apresentando bons re-sultados. A planta poderá ser usada como ferramenta oferecendo a possibilidade do próprio morador tratar a água em escala doméstica, contribuindo para a redução do número de doenças ad-quiridas pelo contato com a água contaminada (veicula-ção hídrica) e consequente-mente melhor qualidade de vida.

As águas para análises fo-ram coletadas nas cidades de Manaus e São Gabriel da Cachoeira. Os sítios de amos-

tragens foram determinados próximo às mar-gens do rio Negro, com a finalidade de apro-ximar ao máximo do cotidiano dos moradores de comunidades ribeirinhas no processo de coleta das águas para o consumo.

O desafioO desafio da equipe era encontrar um com-

posto, preferencialmente natural, que pudes-se substituir o sulfato de alumínio e se possí-vel o uso cloro, sem causar problema à saúde

Amostras das sementes de Moringa coletadas em abril de 2008

“O grande foco do projeto é contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos ribeirinhos, im-plantando sistemas alternativos que sejam simplificados para que o próprio morador possa tra-tar sua água”,

FLÁVIO RIBEIRO

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humana e ao meio ambiente, principalmente de fácil utilização por moradores de comuni-dade que não possuem tratamento de água.

A pesquisa usou como base os padrões de potabilidade estabelecidos na Portaria 518 de

25 de março de 2004 do Ministério da Saúde que estabelece os procedimentos e respon-sabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade.

O uso da Moringa na clarificação da água é um estudo pioneiro na região

Coleta do material botânicoO passo inicial do projeto se deu com coleta das

sementes de moringa feita em abril de 2008 em Manaus. As sementes passaram por uma secagem e depositadas no herbário do Inpa

A pesquisadora explica que apesar da moringa não ser uma planta comum na Amazônia, ela se adapta ao clima regional, constada por meios tes-

tes feitos, de 90 sementes plantadas, 87 germina-ram com sucesso.

“Pode ser uma alternativa viável por ser uma es-pécie que se propaga através da polinização cru-zada (alógama) por sementes ou estacas, pouco exigente quanto ao solo, adubação e tolerante as pragas e doenças”, descreve Sargentini.

FLÁVIO RIBEIRO

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Adição da solução de sementes de Moringa em água do Rio Negro

O grande problema encontrado era saber se a mo-ringa agiria como um clarificante natural de água coletada no rio Negro em função do menor tempo de decantação. Os resultados do trabalho experimental realizado indicaram que o emprego do coagulante extraído das sementes de moringa para promover a clarificação de água apresentou grande potencial para o tratamento domiciliar. A partir desses resul-tados a pesquisadora observou a necessidade de um novo estudo em relação a diferentes estações (sazo-nalidade) que ocorrem durante o ano.

Resolvido esse problema, outro era saber a quan-tidade de sementes a ser usada para a clarificação da água independente da variação da cor decor-rente da sazonalidade. A equipe se baseou em estudos feitos sobre a variação de cor que ocorre no rio Negro em diferentes períodos do ano pelas substâncias húmicas aquáticas desenvolvida pelo pesquisador Ézio Sargentini.

Para o estudo em laboratório, as amostras fo-

ram preparadas a partir dos extratos húmicos com água destilada até obter as cores deseja-das de acordo com a variação anual. Os resul-tados obtidos com este estudo foram muito sa-tisfatórios, visto que, ficou determinado o uso de 3g para cada litro de água independente da sua cor. Com duas horas de decantação a água estaria dentro dos padrões de cor estabelecidos na Portaria 518/2004.

A pesquisadora explica que para fins potáveis, deve-se acrescentar a etapa de filtração e desin-fecção da água, visto que há relatos na literatura que a moringa capta até 99% de bactérias e mi-croorganismos presentes na água.

AplicabilidadeA próxima etapa do projeto é criar um sistema

alternativo para o tratamento de água para cada morador. Hoje com o conhecimento sobre a quan-tidade, tempo necessário e a funcionalidade nas águas do Rio Negro a prática fica mais fácil.

A clarificação de água

EDILENE SARGENTINI

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“O grande foco do projeto é contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos ribeirinhos, implantando sistemas alternativos para que o próprio morador possa tratar sua água”, destaca Sargentini.

Um dos problemas para utilização da moringa como coagulante natural era a adaptação da na região Amazônica mas por meio de e estudos, a pesquisadora constatou que a moringa oleifera pode ser uma alternativa viável mesmo em solos pobres.

É uma árvore de importância econômica signifi-cante, com diversas utilidades: as sementes con-têm óleo de excelente qualidade podendo ser usa-do para cozinhar, confeccionar sabão, na indústria

de cosméticos, farmacêutica e no tratamento de água por floculação e sedimentação, visto que é capaz de eliminar a turvação, micropartículas, fungos e algumas bactérias substituindo o sulfato de alumínio. E além de todas essas vantagens as sementes, folhas e flores são consumidas como legumes nutritivos em alguns países.

A pesquisadora sugeriu que esta espécie de Mo-ringa pode ser usada como complemento alimen-tar, na recuperação de áreas degradadas e pode ser associada a prática apicultura.

O projeto final tem a previsão de término em 2011, com a elaboração de um manual de proce-dimentos para o uso da moringa. A Funasa ficará responsável em implantar os sistemas.

Equipamento Jart Test usado no processo de coagulação e desencantação

Água do Rio Negro antes (esquerda) e depois do tratamento (direita) com Moringa

EDILENE SARGENTINI

EDILENE SARGENTINI

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comer“Comer, comer... Comer, comer... É o me-

lhor para poder crescer...”

Esse é o refrão de uma canção que geralmente as avós cantavam para crianças que não gos-tavam muito de comer. Hoje a musica é tida como cafona, mas a ideia de comer para cres-cer tinha sim uma aplicação prática, que era fazer as crian-ças comerem mais.

Na época em que muitos que agora lêem essa reportagem da-vam os primeiros passos (e por que não dizer desse que a es-creve), a alimentação baseava-se no arroz, feijão, carne e até as desprezadas verduras e legu-mes. Em outras palavras, a co-mida era caseira, feita na hora e, na maioria das vezes, rica em vitaminas e proteínas.

Porém, a chamada “vida mo-derna” imposta pelo sistema capitalista mudou hábitos da população, o que afetou diretamente na alimentação. Tempo curto para o café; o almo-ço que nem sempre é feito na hora certa; e tudo isso somado aos cardápios das lanchonetes e res-taurantes recheados de alimentos ricos em fritu-ras, além das sobremesas que enchem os olhos e

deixam os nutricionistas de cabelo em pé.

Os “fast foods”, refrigerantes e outros alimen-tos industrializados, entraram de vez na lista de compras das famílias e são os preferidos entre as crianças e adolescentes. A alimentação nada saudável, aliada a uma vida cada vez mais seden-

tária, causa um problema cada vez mais comum na sociedade moderna: a obesidade.

Com a finalidade de estudar a qualidade de vida e como as pessoas se alimentam nos di-ferentes ecossistemas amazô-nicos, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa /MCT) realiza uma pesquisa que investiga a saúde, nutrição e sobrevivência de todos os seg-mentos populacionais da Ama-zônia, do recém-nascido até a terceira idade.

levantamento de dadosO objetivo inicial era trabalhar

para obter dados mais comple-tos sobre a alimentação no Amazonas. Porém, os pesquisadores notaram que era necessária uma análise por faixa etária. A partir daí foi feito um estudo que avaliou a situação da se-gurança alimentar no interior do Estado no período de 1996 a 2007, onde foram pesqui-sadas as áreas do alto rio Negro, rio Solimões

> Por daniel Jordano

Crianças e jovens estão consumindo mais alimentos gordurosos

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O objetivo da pesquisa é obter dados mais completos sobre a alimentação de crianças e jovens no Estado doAmazonas

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e rio Amazonas.Posteriormente foram feitas pesquisas com

crianças da pré- escola da capital Manaus onde foi possível, de acordo com o pesquisador do Inpa e um dos responsáveis pelo estudo, Fernan-do Alencar, comparar os dados.

“Nós demonstramos que há uma maior precarie-dade nutricional no interior em relação à capital. Porém, há um dado importante, o processo de desnutrição que afeta crianças do interior se dá em uma fase mais velha, digamos assim, e isso se explica porque há a possibilidade do período de amamentação com o leite materno ser maior no interior”, explica.

Alencar lembra ainda que a desnutrição é diag-nosticada mais cedo em crianças que vivem em Manaus. “Na região urbana a mãe sente mais precocemente a necessidade de sair de casa em busca de trabalho para ajudar na renda da fa-mília e deixa a criança aos cuidados de outra pessoa”, declarou.

A pesquisa desenvolvida pelo professor Fer-nando Hélio Alencar, intitulada “Determinan-tes e consequencias da Insegurança Alimentar no Amazonas/Brasil: a influência dos ecossis-temas” foi classificada em sexto lugar no 1º Prêmio Anual de Investigação em temas de Se-gurança Alimentar e Nutricional sobre América Latina e Caribe sem Fome, realizado pela Orga-nização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).

Outras pesquisas desenvolvidas pelo pesquisa-dor com o grupo da nutrição da Coordenação de Pesquisas em Ciência da Saúde (CPCS) investiga-ram as condições de saúde, nutrição e sobrevi-vência do ser humano no contexto amazônico. Os resultados destas pesquisas revelam uma melhor situação nutricional para a população infantil de Manaus quando confrontada com a área ru-ral, constatando-se a persistência e agravamento da desnutrição infantil, ocorrência expressiva de anemia do tipo ferropriva (causada por falta de ferro) e caracterização da hipovitaminose (falta de vitaminas) como problema de saúde pública, tendo ainda como fator agravante o padrão ali-mentar inadequado.

O ecossistema do rio Negro apresentou-se com a maior precariedade nutricional registrando-se 35,2% das crianças com inadequação no indi-cador “Estatura/Idade”, e menor precariedade para as calha do rio Solimões (24,4%) Amazonas (20,5%), Purus (20,9%) e Madeira (15,6%). Na área urbana o melhor padrão nutricional foi re-gistrado nas crianças atendidas na Creche Casa da Criança e naquelas residentes na zona Norte.

Com o levantamento de dados em relação às crianças era preciso ampliar o foco da pesquisa e com isso os pesquisadores começaram a analisar o hábito alimentar dos adolescentes de Manaus. A pesquisa foi feita entre 2007 e 2008 com 895 adolescentes de ambos os gêneros registrando a maior representatividade para os estágios de vida entre 16 e 19 anos. Ainda de acordo com os dados já obtidos foi registrado 13,4% de magreza, 7,5 de sobrepeso e 3,4% de obesidade.

De acordo com Alencar, o número de adoles-centes acima do peso é menor em relação a ou-tras cidades do país, mas ele chamou a atenção para um aspecto importante, o hábito alimentar desses adolescentes. “Os adolescentes envolvi-dos no estudo preferem guloseimas, frituras em detrimento de verduras, por exemplo. Outro fator é a vida sedentária que também foi identificada como o tempo excessivo na frente da televisão ou computador. Tudo isso colabora para ocorrência da obesidade”, disse.

O pesquisador lembra que os dados são referentes a adolescentes de escolas pública de baixa renda. Alencar faz um alerta sobre a má alimentação nes-sa fase da vida. “Todos esses fatores vão colaborar para a intensificação do quadro da obesidade. Se o adolescente adota esse padrão de vida será um obeso mórbido futuramente”, finaliza.

Os dados sobre a obesidade na adolescência es-tão em fase final, sendo que as pesquisas devem continuar com adultos e idosos.

O passo seguinte

Trabalho desenvolvido em comunidades rurais do Amazonas

ACERVO PESQUISADOR FERNANDO ALENCAR

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A boa alimentaçãoPode até parecer manjado, mas a velha frase “você

é o que consome” parece a cada dia ganhar mais força. Segundo especialistas, pessoas que baseiam a alimentação em frituras, exagerando no consumo de produtos industrializados têm mais chances de desenvolver doenças. A dica para se manter em for-ma e saudável é ter uma alimentação colorida.

A explicação é da nutricionista e pesquisadora do Inpa, Dionísia Nagahama.”É importante ter uma alimentação balanceada e bem colorida. O verde do alface, do pepino, o vermelho do toma-te, o branco do arroz, o marrom do feijão, por exemplo”, declarou.

Outra dica é comer a salada antes da refeição, pois ela dá, segundo a pesquisadora, a sensação de saciedade evitando assim os exageros na hora

de comer. “A salada no início tem essa função e assim você vai comer menos depois. Além disso, a ingestão de alimentos saudáveis como a salada traz benefícios, pois contém elementos como fibras que ajudam na digestão além de vitaminas e sais minerais”, enfatizou Nagahama.

A nutricionista afirma ainda que alimentos como salgadinhos e refrigerantes devem ser substituídos por alimentos mais saudáveis. Ao invés do refrige-rante, por exemplo, os pais podem incluir na dieta das crianças e adolescentes, sucos de frutas sendo algumas regionais como araça-boi, cupuaçu, cubiu, camu-camu, pitomba, jambo, abiu, taperebá,umari, além dos tradicionais: laranja, manga, caju e me-lancia, sendo que essa última deve-se ter um cui-dado maior durante a escolha do fruto e preparo do suco, pois estraga mais facilmente.

Os cuidados desde cedoAinda de acordo com pesquisadora do Inpa, os

cuidados com a alimentação devem ser feitos desde cedo, principalmente nos primeiros anos de vida. Nagahama afirma que as mães têm todo cuidado até os seis meses de idade. Mas é após essa fase, na hora da alimentação complementar, que as mães erram, ora por medo de dar o alimento ou por ofe-recer alimentação inadequada.

“Nessa fase a alimentação deve iniciar com pa-pinha de frutas e as mães devem tentar fazer essa introdução até dez vezes, pois as crianças não têm noção de gosto. Outra coisa, as mães não devem fa-zer sopa e sim uma comida pastosa contendo carne bem cozida com cenoura, arroz e feijão, por exem-plo, e assim fazer essa papinha amassada e nunca

liquidificar ou peneirar esses alimentos. As crianças começam sempre com duas ou três colheres e isso vai aumentando gradativamente”, finalizou.

A nutricionista revela ainda que os alimentos

devem ser preparados em panela tampada para não perder os nutrientes. Já no caso dos ado-lescentes, Nagahama alerta que as aparên-cias enganam, pois um adolescente magro pode estar com colesterol alto e anemia. Ela alerta ainda para o excessivo consumo de sal proveniente de alimentos industrializados como salgadinhos, sopas ou macarrão, além do consumo abusivo de bolachas recheadas e guloseimas como balas e bombons, tanto na infância quanto na adolescência.

Para especialistas, inserir frutas na alimentação melhora o quadro nutricional das crianças e jovens

EDUARDO GOMES

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A escola A campainha soa e em alguns segundos várias

crianças e adolescentes lotam o longo corredor e seguem para o local mais disputado da escola na hora do recreio: a cantina. Chegando lá eles se deparam com salgadinhos, sanduíches e refrige-rantes. Pois é, essa alimentação nada saudável está presente em várias escolas do país e em al-guns casos até em escolas públicas, que mesmo oferecendo a merenda, mantêm cantinas com a venda desses produtos.

De acordo com os nutricionistas, a escola tem papel fundamental para auxiliar os pais na ali-mentação das crianças e adolescentes, pois é lá que eles passam grande parte do tempo. E é geralmente na escola que os problemas de obe-sidade se manifestam com mais gravidade prin-cipalmente na adolescência.

Com base nessas informações uma pesquisa feita pela aluna de doutorado Myrian Abecassis Faber e orientada pela pesquisadora do Inpa Lucia Yuyama, analisou como os estudantes estavam se alimen-

tando e de que maneira a introdução de alimentos saudáveis aliada a atividade física pode colaborar no combate a obesidade na adolescência.

A pesquisa faz parte do curso de pós-graduação multi-institucional em Biotecnologia da Universi-dade Federal do Amazonas (Ufam) e é intitulada “Produtos Amazônicos bioativos associados às prá-ticas de atividades físicas”.

Segundo Yuyama, foi oferecido aos jovens um mix de sucos de frutas amazônicas e uma barra de cereais à base de alimentos regionais. O produto com os frutos está em processo de patente e portanto não pode ter os nomes dos frutos re-velados, porém, a pesquisadora afirma que o mix de frutas melhora a qualidade da alimen-tação . “Nós utilizamos três frutos típicos da região amazônica com alto poder nutricional. O mix contém, além dos nutrientes, mais al-guns compostos que são benéficos à saúde e tem um impacto, por exemplo, na redução de colesterol”, declarou.

Dos 45 alunos de uma Escola Pública que rece-beram e tomaram o néctar, no período de 10/04 a 18/06 de 2010 durante o experimento, 33,5 %, 15 pessoas, (Grupo 1) perderam peso e frequenta-ram a todas as sessões de Educação Física além de seguirem as orientações nutricionais; e 33,5%, 15 pessoas, (Grupo 2) receberam e tomaram o néctar, participaram das atividades físicas, não seguiram as orientações nutricionais perderam peso, porém menos que os indivíduos do Grupo 1.

Myrian Abecassis destaca a importância do pa-pel na atividade física como complemento da ali-mentação para uma vida mais saudável. “O corpo humano não foi feito para ficar parado. Se a pes-soa não se movimenta há um desequilíbrio entre o que ele come com aquilo que ele precisa e isso

forma um depósito de gordura, é por isso que é im-portante a atividade física”, afirma.

Ela afirma ainda que é necessário as escolas ofe-recem a prática de esportes. “A atividade física vem diminuindo gradativamente e hoje praticamente não existe nas escolas. Isso aliado ao videogame, as facilidades da vida moderna e a má alimentação, proporciona o aumento do sobrepeso e obesidade.”, explica Myrian Abecassis.

Para os especialistas a obesidade virou ques-tão de saúde pública e que deve ser tratado com seriedade pelos órgãos públicos e pela sociedade. A cada refeição devemos mesmo pensar bem antes de comer.

resultados

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Questão de saúde pública Uma pesquisa de Vigilância de Fatores

de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), realiza-da pelo Ministério da Saúde, em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) revelou que metade dos brasileiros está acima do peso.

No sexo masculino, a situação é mais co-

mum a partir dos 35 anos e chega a 59,6% em homens entre 55 e 64 anos. Na popula-ção feminina, o índice mais que dobra na faixa etária de 45 a 54 anos (52,9%), em relação à faixa de 18 a 24 anos (24,9%).

Os dados são referentes a um período de

2006 a 2010, sendo que os dados foram divulgados em abril de 2011.

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Quem poderia imaginar que bolinhas vermelho-escuras até negra púrpura ao amadurecer, de casca fina, lisa e brilhante, poderia apresen-

tar extraordinários benefícios para a saúde?

Fruta ácida e de sabor amargo, especialmente quando consumida com casca, e que certamente não agrada a todos os paladares. Esse é o camu-camu, que até 1980 era desconhecido no Brasil e servia somente de comida para peixes como o tambaqui, hoje ganha o mundo como o rei da vitamina C.

O camu-camu é típico em re-giões periodicamente alagadas, porém tem demonstrado adap-tação à terra firme, podendo desenvolver-se em solos pobres. Uma árvore de camu- camu pro-duz entre 9.500 e 12.600 quilos de frutos por ano, o que indica um mercado promissor nacional e internacionalmente.

Mais vitamina CA grande importância desta fruta como alimento

é devido ao seu elevado teor de vitamina C, que é superior ao encontrado na maioria das plantas cul-tivadas, com a vantagem de sua estabilidade. A la-ranja que passou bastante tempo sendo a fruta mais popular para aumentar a resistência do organismo devido a vitamina C, e também a acerola, perderam seu posto para o camu-camu que apresenta, segun-do a pesquisadora Lucia Yuyama, da Coordenação de Pesquisas de Ciências da Saúde (CPCS) do Ins-tituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT), uma variação de 600 a 6.110 miligramas de vitamina C por 100g de polpa do fruto.

Para exemplificar, a quantidade de vitamina C en-

contrada em um fruto de camu-camu, com um peso médio de 10g e uma concentração de vitamina C na ordem de 2500 mg supera a recomendação nu-tricional de 90 mg ao dia para o gênero masculino, com estágio de vida superior a 19 anos. A vitamina C atua no organismo na prevenção de diversas pa-tologias como escorbuto, catarata, doenças cardio-vasculares e infecciosas, aterosclerose, hipertensão e anemia.

Potencial econômico O alto teor de vitamina C presente no camu-camu

faz dele um potencial na forma de produto exportá-vel para o mercado de produtos naturais.

O Japão e os Estados Unidos já utilizam o camu-camu em forma de néctar, balas e doces, e são estes países os principais interessados na comercializa-ção do produto na forma de polpa congelada.

Para Yuyama, é necessária a socialização do conhecimento sobre o fruto, pois o que fal-ta para o Brasil é a comercia-lização da fruta e o que dá o

tom da produção é o mercado, logo, se não tem mercado, o camu-camu torna-se mais um fruto genuinamente amazônico com grande potencial nutricional subutilizado.

“O grande produtor de camu-camu tem sido o Peru, que alcança 800 toneladas de polpa por ano. A produção no Brasil é ainda pequena e não ultrapassa 20 toneladas de polpa congelada por ano, sendo o Amazonas o maior produtor. Porém, se considerarmos sua ocorrência natural em toda bacia Amazônica, a produção pode su-perar facilmente a do Peru. Então qual o maior problema? Empreendedorismo objetivando o for-talecimento do comércio”, disse.

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O rei davitamina C

> Por JéssiCa VasConCelos

“Estudos demons-tram que o camu-camu é o fruto que detém a maior con-centração de vita-mina C do mundo”

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ObesidadeNo Inpa, tem-se avançado nos estudos para saber

se o camu-camu pode auxiliar na redução da fração ruim do colesterol e na redução de doenças cardio-vasculares. Entretanto, um dos graves problemas que têm afetado a saúde humana e que tem gerado grandes discussões é a obesidade.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a obesidade se tornou um problema de saúde pú-blica e diversos fatores contribuem para isso: a genética, o metabolismo e até mesmo o ambiente em que se vive e a realidade econômica tem sido fatores predominantes para o crescimento des-sa epidemia que afeta, principalmente, países em desenvolvimento e industrializados. Hoje, mais de um bilhão de adultos estão com excesso de peso, e destes, 300 milhões apresentam obesidade, segun-do dados da OMS.

Em pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2005 verificou-se que 38,8% milhões de pessoas com 20 anos de idade ou mais estão acima do peso, o que repre-senta 40% da população total do Brasil, onde 10,5 milhões são obesos.

Para Yuyama esse aumento se deve em particular ao hábito alimentar dos indivíduos. Um exemplo tí-pico é a obesidade primária, cujo indivíduo exagera no consumo de alimentos ricos em energia aliado a baixa atividade física.

Ozanildo Vilaça do Nascimento, orientado pela pesquisadora Lucia Yuyama, em sua tese de douto-rado, defendeu o uso da fibra alimentar do camu-camu associada ao exercício físico para o combate da obesidade. O estudo foi realizado em ratos e constatou o efeito das fibras na redução do peso corporal dos animais. “Esse estudo servirá como base na prevenção ou tratamento da obesidade e na redução dos fatores de riscos das doenças associa-das à obesidade. Obviamente o camu-camu possui outras propriedades funcionais para o organismo, além da vitamina C, como os antioxidantes e flavo-nóides. Os estudos sobre as fibras alimentares pre-sentes no camu-camu pretendem verificar se elas reduzem a fração ruim do colesterol no organismo”, destaca Nascimento.

As pesquisas sobre o camu-camu são infinitas e inquestionavelmente seu valor nutricional e fun-cional é um fato. Outro grande problema de saúde pública na área da nutrição é a anemia, decor-rente da falta de consumo de ferro. Para Yuyama, esses índices podem ser reduzidos se a popula-ção tiver o hábito de consumir, após uma grande refeição, uma determinada quantidade de ácido ascórbico (a Vitamina C) para melhor absorção do ferro de origem vegetal presente, por exemplo, no feijão. Portanto, o ideal não é consumir o famoso cafezinho após as refeições e sim um delicioso néctar de camu-camu.

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Sistema de produçãoComo foi dito, o sistema de produção do camu-

camu no estado do Amazonas ainda é precário, pois a agricultura é pouco valorizada. Nos últimos 30 anos, quase não se evoluiu nesta área, pois o Distrito Industrial detém a maior parte do Produto Interno Bruto (PIB) do Amazonas, e por isso quase não se tem investido na agricultura.

Segundo o pesquisador Kaoru Yuyama, da Co-ordenação de Pesquisas de Ciências Agronômicas (CPCA), muitas espécies de frutas amazônicas têm saído do Amazonas para serem cultivadas em outras regiões devido à falta de incentivo para a agricultu-ra, como é o caso do cacau, do guaraná e do cupu-açu. Logo, “com o camu-camu não será diferente”, afirma o pesquisador.

No estado de São Paulo, já há cultivo de algumas variedades adaptadas de camu-camu com a possi-bilidade futura do Estado se tornar um dos maiores pólos produtores do fruto.

O camu-camu ocupa a maior parte da bacia ama-zônica com uma quantidade incalculável da fruta. Em Barcelos, interior do estado do Amazonas, por exemplo, uma cooperativa indígena coletou em 2009 em torno de 23 a 35 toneladas do fruto.

Outros municípios, como Coari e São Sebastião do Uatumã, possuem grande quantidade de camu-camu em estado natural, que com a aplicação do extrativismo correto poderia ser coletado e comer-cializado gerando renda aos produtores. Entretanto, a falta de mão de obra especializada e orientação adequada aos produtores do Estado é um obstáculo para fazer da agricultura um agronegócio.

Segundo Kaoru, os produtores não são unidos “cada um quer vender sua parte e tudo bem”. O que falta para o Brasil reconhecer o camu-camu como um produto exportável é produção em lar-ga escala organizada. Sendo assim, faz-se ne-cessário incentivo financeiro e orientação para os pequenos produtores.

As pesquisas do Inpa sobre o sistema de produção caminham no sentido de trazer para os laboratórios as variedades de camu-camu com alta concen-tração de vitamina C, arquitetura da planta para boa produção e adaptada à condição de terra firme. Além disso, estudos sobre espaçamento, adubação, práticas culturais, controle de pra-gas e doenças, e o ponto de colheita ideal para aproveitar as vitaminas e antioxidantes do fruto também vem sendo realizadas.

Formação de recursos HumanosO Inpa por meio das coordenações de Ciências

Agronômicas, Tecnologia de Alimentos e Saúde tem capacitado recursos humanos em diferentes moda-lidades que vai de Iniciação Científica/PIBIC, Ca-pacitação Institucional/PCI, e Pós graduandos em nível de mestrado e doutorado na esperança de que “esse grupo seleto” seja fixado por meio de contra-tações pelo Inpa, perpetuando assim, as linhas de pesquisas com camu-camu, afirma Lúcia Yuyama.

UtilizaçãoCom criatividade, o camu-camu pode ser uti-

lizado em deliciosas receitas, que unem saúde e sabor. Considerando seu sabor peculiar, o gran-de desafio é inserir o rei da vitamina C no hábito alimentar da população.

Ficou interessado e curioso? Experimente uma

dessas receitas da página seguinte.

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Geléia fácil de camu-camuMODO De PrePArO

1. Lave as frutinhas (camu-camu) e tire o caroço

2. Bata no liquidificador ou processador até que vire uma polpa meio aguada

3. Ao fogo leve o açúcar e os cravos junto com a polpa de camu-camu

4. Mexa até dar ponto de geléiaAcondicione em vidros previamente este-

INGreDIeNteS1 lata de leite condensado1 lata de creme de leite1 xícara de polpa de camu-camu1 pacote de gelatina sem sabor diluída em 2 co-

lheres (sopa) de água.

MODO De PrePArOBata no liquidificador a polpa de camu-camu, a

gelatina, o leite condensado e o creme de leite. Leve à geladeira até ficar consistente. Para decorar o prato, coloque um camu-camu em cima da musse antes de servir.

Musse de camu-camu

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A vitamina C e outros compostos fenólicos presentes no camu-camu, como as antocianinas,

contribuem para promover:Ações antioxidantes

Ações antimicrobianasAções antiinflamatóriasAções vasodilatadoras

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Musse de camu-camu

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e o ano da floresta Amazônia

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Amazônia

A assembleia geral da Organização das Na-ções Unidas (ONU) declarou 2011 como o Ano Internacional das Florestas com

o tema “Florestas para pessoas”. O objetivo é sensibilizar as populações e governos, além de esclarecer a importância das florestas e de seu manejo sustentável na economia mundial.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), principal autoridade global em meio ambiente, é a agência da ONU respon-sável por promover a conservação do meio am-biente e o uso eficiente de recursos florestais no contexto do desenvolvimento sustentável.

Dados do Pnuma mostram que as florestas re-presentam 31% da cobertura terrestre do plane-ta e servem de abrigo para 300 milhões de pes-soas em todo o mundo. Além disso, as florestas garantem, de forma direta, a sobrevivência de 1,6 bilhões de seres humanos. No Brasil, o bio-ma Amazônia ocupa uma área superior a 4,5 mi-lhões de quilômetros quadrados e abrange mais de 60% do território nacional.

De acordo com o Pnuma, o manejo dos ecos-sistemas florestais é capaz de movimentar cerca de U$ 327 bilhões ao ano. Todavia ainda são comuns as atividades que se baseiam na explo-ração descontrolada de árvores. A perda da bio-diversidade, o agravamento das mudanças cli-máticas, o incentivo às atividades econômicas

ilegais, a criação de assentamentos clandestinos e a ameaça à sustentabilidade da vida humana são prejuízos que o planeta continuará sofrendo caso a maneira de pensar e agir do ser humano não seja modificada.

Ao pensar na interação sociedade e natureza, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT), por meio da Coordenação de Pes-quisa em Silvicultura Tropical (CPST), desenvol-ve trabalhos de caracterização da floresta por meio de inventários florestais. O objetivo destes trabalhos é garantir o uso sustentável dos recur-sos florestais. Este trabalho é coordenado pelo Laboratório de Manejo Florestal (LMF) e conta com a cooperação do Laboratório de Psicologia e Educação Ambiental (Lapsea).

Por meio deste, os pesquisadores procuram identificar não apenas como as pessoas utilizam os recursos, mas também o que pensam sobre a floresta, seus valores, significados e crenças. Esse processo visa à elaboração de planos de manejo e a sustentabilidade socioambiental.

“A ciência florestal busca formas alternati-vas e economicamente viáveis para a utilização dos recursos florestais. Não podemos conservar as florestas sem demonstrar cientificamente seu potencial, seja ele social ou econômico. Sem a valorização ambiental, econômica e social dos recursos florestais não haverá políticas eficien-tes e aplicáveis”, comenta Daniel Marra, enge-nheiro florestal.

> Por WallaCe aBreu

LMF em inventário florestal na Comunidade Ebenézer, localizada na Floresta Estadual de Maués, interior do Amazonas

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ACERVO LMF

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Bio

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Daniel Magnabosco Marra, en-genheiro florestal, formado pela Universidade de Brasília (UnB), mestre em Ciências de Florestas tropicais pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCt) orien tado pelos Drs. Joa-quim dos Santos e Niro Higuchi. Atualmente é pesquisador cola-borador do laboratório de Manejo Florestal (lMF/CPSt) vinculado a dois grandes projetos do labora-tório: INCt Madeiras da Amazônia e CADAF. este último é desenvol-vido em cooperação com a Agência Japonesa para a Cooperação Inter-nacional (Jica) e tem como princi-pal objetivo o monitoramento da dinâmica do carbono na floresta.

De acordo com Marra, um dos papéis a ser desem-penhado por um engenheiro florestal é demonstrar à sociedade, possibilidades e alternativas para a exploração convencional, bem como o aproveita-mento dos resíduos florestais e ecologia das dife-rentes espécies arbóreas. O manejo florestal pode garantir a manutenção das florestas e deve aliar o conhecimento técnico, científico, social e econô-mico a fim de ajustar a produtividade da floresta de acordo com a demanda de seus recursos.

“Ao valorizar as florestas como um todo e não só o produto madeira, podemos perceber as diferentes influências que as árvores podem trazer pra comunidade, como a manutenção de serviços ambientais e o potencial fitoterápico das espécies”, argumenta Marra.

O laboratório de Manejo da CPST possui um projeto de monitoramento da floresta no esta-do do Amazonas. Com esse projeto, anualmente são instaladas as chamadas “parcelas perma-nentes”, que são áreas nas quais se monitora o crescimento, a mortalidade e o recrutamento de espécies arbóreas.

Desde 2004 o Laboratório de Manejo Florestal trabalha com o Laboratório de Psicologia e Educa-ção Ambiental (Lapsea), o qual é coordenado pela Dra. Maria Inês Higuchi. O principal objetivo desta cooperação é entender como se dá a relação das comunidades com a floresta.

“Os trabalhos que o Laboratório de Manejo Flo-restal realiza têm objetivos técnicos. A equipe do Lapsea adiciona o lado humano e desenvolve um inventário socioambiental das comunidades pelas quais passamos. Com o apoio do Lapsea passamos a acompanhar os anseios dessas po-pulações que vivem na mata, o tipo de relação que estes possuem com a floresta, sua qualidade de vida e, principalmente, como eles enxergam nosso trabalho e avaliam sua participação neste quadro”, comenta Marra.

“Hoje em dia quando o LMF faz um inventário flo-restal em unidades de conservação, os comunitá-rios participam das diferentes etapas dos levanta-mentos. O objetivo desta interação é fazer com que eles se sintam parte daquilo. Ao mesmo tempo, tal participação os influencia a manter a floresta e a fazer um intercâmbio de conhecimentos. Os comu-nitários possuem uma forma de pensar diferente da nossa. A ideia é interagir com trocas de informação e conhecimentos”, conclui o engenheiro florestal.

O plano de manejo florestal nada mais é que um roteiro de conservação que pode garantir aos mo-radores destas áreas a utilização consciente dos recursos da floresta e a geração de renda. Desta

forma os comunitários podem garantir melhor qualidade de vida e o atendimento de suas ne-cessidades básicas.

“Nós nos preocupamos em integrar aquelas co-munidades que estão próximas a essas áreas. En-quanto o inventário florestal é feito pelo pessoal do manejo, nós estamos nas comunidades fazendo um levantamento de toda infraestrutura, dos as-

ACERVO LMF

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pectos demográficos, dos aspectos relativos à saú-de, educação, nutrição, saneamento e a economia. Verificamos também aspectos sócio-culturais, o que as pessoas fazem com os recursos florestais, madei-reiros e não madeireiros, quais as expectativas de desenvolvimento e de uso destes recursos de forma sustentável”, explica Higuchi.

A partir da realidade social e cultural dessas uni-

dades de conservação, dessas comunidades, esse estudo apresenta dados, informações para a etapa subsequente a este trabalho, que é a elaboração de um plano de uso sustentável desses recursos. Con-siderando todos esses aspectos sócioculturais, jun-tamente com os aspectos relativos à floresta, para a construção de uma processo que permita chegar à desejada sustentabilidade socioambiental.

“Este é um trabalho desenvolvido também em parceria com o Instituto Chico Mendes e juntamen-te com os gestores de unidades de conservação (Reserva Extrativista ou Floresta Nacional). A partir dos dados levantados é possível começar a desen-volver diversas atividades dentro dos programas de educação ambiental e social, direcionados as ne-cessidades específicas destes locais”, comenta.

Na Resex de Auati Paraná – Fonte Boa (AM), por exemplo, está sendo implementado um projeto de introdução de novas estratégias de uso de produtos da madeira caída. Nesse projeto com a comunidade, os pesquisadores e técnicos do LMF e Lapsea com recursos do Prodam acompanham essas atividades para ver a influência no dia a dia dessas pessoas, da comunidade e sua relação com os recursos flores-tais. Como elas lidam com isso, quais as dificulda-des e o que podem vir a serem as consequências.

Como atividade complementar nessa preocupação de formação de vários segmentos da sociedade em relação à floresta amazônica, o LMF e Lapsea vêm desenvolvendo um programa de capacita-ção dos professores das redes de ensino Esta-dual e Municipal. “Nós fazemos o curso com os professores do estado há oito anos, treinando, capacitando, especificamente, sobre a floresta. Essa participação tem trazido uma visibilidade muito importante para as escolas. O professor é um agente de modificação. Então, dando um bom treinamento, uma boa capacitação, eles passam a fazer uso dessas informações nas es-colas”, relata Higuchi.

Muitos desses professores que passaram pela ca-pacitação estão hoje participando do projeto Ciên-cia na Escola da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado do Amazonas (Fapeam), entre outros pro-jetos que estão em fase de implantação. “Hoje já podemos perceber o inicio de uma política pública educacional de proteção da floresta”, conclui.

Reunião com famílias nas comunidades

Reunião com múltiplas equipes de pesquisa

LMF e moradores das comunidades

Pesquisadores em deslocamento fluvial até às comunidades

ACERVO LAPSEA/LMF

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Há dois conceitos que são muito confundidos e são completamente diferentes. Um conceito é a conservação e o outro é a preservação. As áreas nas quais é permitido o uso dos recursos naturais por populações tradicionais são chamadas de área de conservação.

“Conservar é usar os recursos sem alterar as ca-racterísticas estruturais e a diversidade da floresta. É tirar da floresta aquilo que ela produz, mantendo suas características originais. Já preservar é deixar intocável. Áreas de preservação são de extrema im-portância para o entendimento e manutenção dos ecossistemas. Todavia não permitem usos que não tenham objetivos científicos e de relevante inte-resse social. Logo, quando falamos em preservação excluímos a interferência humana. A conservação por sua vez, considera a relação homem e floresta”, explica Marra.

“Enquanto nos mantivermos como observadores e não nos integrarmos à floresta, não nos sentire-

mos parte dela. Desta forma, provavelmente, não teremos a oportunidade de utilizá-la da maneira inteligente a fim de manter a floresta em pé e garantir a manutenção de seus múltiplos recursos”, argumenta o engenheiro florestal.

Conservação ou preservação?

Interação entre pesquisadores e comunitários

Atividade de educação ambiental realizada pelo Lapsea com jovens escolares da comunidade

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FuturoAs perspectivas são muito boas no que diz res-

peito às melhorias na área de produção cien-tífica. O Brasil tem um papel fundamental no cenário mundial que é tentar estabelecer no-vos métodos de sustentabilidade ambiental, porém ainda depende de muitas melhorias, de mais vontade política, mais atenção e mais investimentos. “Hoje continuamos extraindo madeira da mesma forma que há 50 anos. Pre-cisamos investir em tecnologia e qualificação

de mão de obra”, comenta Marra.

“Temos que desenvolver incentivos para que os estudantes que aqui se qualificam possam continuar atuando na região. Os bons cientis-tas que atuam na região amazônica logo estarão aposentados e creio que somos nós, aspirantes a cientistas, que daremos continuidade aos impor-tantes trabalhos já realizados”, finaliza o enge-nheiro florestal.

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para que te quero...Floresta

Utilizar o conhecimento científico para ge-rar renda aos moradores de comunidades da área rural do município de Manaquiri

(distante 140 quilômetros de Manaus). Esse é o objetivo do projeto ‘Qualificação de produtores rurais para aproveitamento de espécies vegetais destinados a insumos de fitoterápicos e fitocos-méticos’, de iniciativa do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT), que desde

2000 atua na capacitação de produtores rurais para o cultivo de plantas medicinais com rico potencial econômico.

O projeto conta com parceiros como o Servi-ço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Amazonas (Sebrae-AM), Prefeitura Municipal de Manaquiri, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Centro de Educação Tecnológica do Amazonas (Cetam), Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal

Sustentável do Estado do Amazonas (Idam), e Associação de Produtores Rurais de Manaquiri. Segundo o pesquisador da Coordenação em Pes-quisas Botânica (CPBO) do Inpa e responsável pelo projeto, Juan Revilla, o trabalho surgiu da observação da necessidade de mostrar aos produtores o grande potencial econômico das plantas que eles possuíam em seus lotes.

“Eu já trabalhava no Manaquiri dando aulas na pós-graduação de botânica econômica, en-

tão com a ajuda de uma aluna de doutorado escolhemos duas comunidades e começamos a despertar neles o interesse pelo comércio de insumos, priorizando a extração sustentável”, afirmou.

Revilla explica que o projeto consistiu na in-trodução de uma nova cultura na localidade, uma vez que a subsistência dos produtores ru-rais era baseada no cultivo de mandioca, hor-taliças, milho, frutas e na pesca. “Eles tinham uma floresta com uma grande diversidade e pre-

> Por annyelle Bezerra

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para que te quero...Floresta

Utilizar o conhecimento científico para ge-rar renda aos moradores de comunidades da área rural do município de Manaquiri

(distante 140 quilômetros de Manaus). Esse é o objetivo do projeto ‘Qualificação de produtores rurais para aproveitamento de espécies vegetais destinados a insumos de fitoterápicos e fitocos-méticos’, de iniciativa do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT), que desde

2000 atua na capacitação de produtores rurais para o cultivo de plantas medicinais com rico potencial econômico.

O projeto conta com parceiros como o Servi-ço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Amazonas (Sebrae-AM), Prefeitura Municipal de Manaquiri, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Centro de Educação Tecnológica do Amazonas (Cetam), Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal

Sustentável do Estado do Amazonas (Idam), e Associação de Produtores Rurais de Manaquiri. Segundo o pesquisador da Coordenação em Pes-quisas Botânica (CPBO) do Inpa e responsável pelo projeto, Juan Revilla, o trabalho surgiu da observação da necessidade de mostrar aos produtores o grande potencial econômico das plantas que eles possuíam em seus lotes.

“Eu já trabalhava no Manaquiri dando aulas na pós-graduação de botânica econômica, en-

tão com a ajuda de uma aluna de doutorado escolhemos duas comunidades e começamos a despertar neles o interesse pelo comércio de insumos, priorizando a extração sustentável”, afirmou.

Revilla explica que o projeto consistiu na in-trodução de uma nova cultura na localidade, uma vez que a subsistência dos produtores ru-rais era baseada no cultivo de mandioca, hor-taliças, milho, frutas e na pesca. “Eles tinham uma floresta com uma grande diversidade e pre-

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cisavam conhecer para saber como aproveitá-la”, ressaltou.

A falta de conhecimento dos produtores quanto às potencialidades das espécies nativas da região ocasionava um grande desperdício de espécies, que acabavam sendo derrubadas pelos proprietários das terras. Exemplo disso, segundo o pesquisador, é a planta Marapuama, importante energético e modulador do sistema nervoso e que não era aproveitado. “Mostra-mos essa planta nos slides e eles disseram que tinham aos montes nas terras deles e que esta-vam cansados de derrubá-la”, lembrou.

treinamentoO treinamento que até o momento já atin-

giu cerca de 300 pessoas das comunidades de Cai n’ Água e Bom Intento, inicia com os comunitários aprendendo quais plantas são mais viáveis para o cultivo e geração de renda. Em segui-da, acontece o processo de obtenção da matéria-prima como coleta, tratamento, secagem, armazenamento e venda.

A capacitação total dos pro-dutores tem duração de duas semanas, mas acontece de maneira modulada. O modelo adotado, segundo Revilla, se deve a dois aspectos princi-pais, o estilo de vida leva-do pelos produtores, que em grande maioria não podem se ausentar de casa por uma semana inteira em virtude da necessidade de buscarem sustento para suas famílias diariamente; e a necessidade deles assimilarem o que aprende-ram e colocar em prática os ensinamentos no retorno para casa.

“Claro que o ideal seria fazer um treinamento de uma semana ou dez dias de uma só vez, po-rém é uma questão de adequação a vida deles e uma forma de se familiarizarem com o que aprenderam e poderem passar para outras eta-pas”, afirma o pesquisador.

No início do projeto, de acordo com Revilla, por falta de um local adequado, as aulas acon-teciam em lugares improvisados como salas de aula cedidas pela Prefeitura, sedes de clubes e até mesmo no campo de futebol. “Nas comuni-dades não tinha condições”, justificou.

Somente a partir de 2004, quando o projeto

ganhou o segundo lugar na categoria social do Prêmio Professor Samuel Benchimol e o Banco da Amazônia assumiu financiar a sua execução em 2006, o Centro de Treinamento de Produtores Rurais em Negócios Susten-táveis foi criado. Com o objetivo inicial de capacitar 300 produtores rurais em negócios não tradicionais em dez comunidades do Ma-naquiri, o Centro foi equipado com sala de aula com capacidade para 40 pessoas, recur-sos áudios-visuais, áreas de cultivo (com mais de 60 espécies vegetais), mata identificada, herbário temático, laboratório de secagem e moagem. Além do reforço de professores qua-lificados e material bibliográfico apropriado.

Cada especialidade ministrada durante o treinamento, no Centro é de responsabilidade de um pesquisador e especialista na área, como por exemplo, no manuseio de plantas, secagem,

extração e moagem ensinada por um professor de fitoquími-ca. Revilla explica que todos os professores/ pesquisadores que ministram aulas no projeto recebem uma diária paga com o próprio recurso do projeto. Além disso, hospedagem no próprio centro que conta com todo o aparato necessá-rio como cozinha, quarto, luz elétrica e internet.

PerspectivasApesar das dificuldades,

Revilla afirma que o Inpa em parceria com o Banco Na-cional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já prevê recursos visando a

melhoria da estrutura física do Centro, com a oportunidade de substituição dos equi-pamentos áudios-visuais, compra de novos aparelhos de refrigeração, de um ônibus para transportar os comunitários da beira do rio até o Centro (uma distância de oito quilôme-tros) e de um barco com motor para buscar os comunitários na comunidade e levá-los da vila para o Centro. “No início se caminhou com muita dificuldade, mas a previsão é que o projeto se estenda a todas as outras comu-nidades do município”, afirma ele.

Para este ano, a previsão é que aconteça a primeira reunião com os representantes das 62 comunidades do município de Manaquiri, para que eles passem pela capacitação e pos-sam, ao retornar as suas comunidades, expli-car sobre o que se trata o projeto dentro do Município.

“Eles tinham uma floresta com uma grande diversidade e precisavam conhecer. A previsão é que o projeto se estenda a todas as outras comunidades do município”

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Plantas que podem curarEntre as plantas economicamente viáveis e de fá-

cil cultivo no município de Manaquiri destacam-se a Artemísia, o Uxi-Amarelo, a Marapuama, o Jatobá e muitas outras.

A Artemísia, por exemplo, conhecida também como Ambrosia é uma erva muito utilizada no tra-tamento de doenças estomacais como gastrite, além de produzir óleos que podem ser utilizados na elaboração de perfumes e repelentes em forma de inseticida. A erva costuma crescer a margem do Rio Solimões nos períodos de seca e considerada pela população ribeirinha como uma praga.

O Uxi-Amarelo, planta que através de pesquisas mostrou possuir propriedades terapêuticas, pode ser usado, segundo Revilla, no tratamento de mio-

mas, cistos, de doenças como a endometriose e de nódulos no seio. “Necessitamos apenas de matéria-prima para que uma indústria possa, por exemplo, transformá-la em um comprimido, pois potencial já temos”, afirma o pesquisador.

A Marapuama ou Mirantã, conhecida popularmen-te como ‘madeira da potência’, é um energético, afrodisíaco e anti-stress bastante popular nos Es-tados Unidos e em outros países. A planta tem ca-pacidade de ser transformado em um produto muito procurado quando transformado em capsula.

Quanto ao Jatobá é um tônico, energético e que fortalece a imunidade. Também comprovado suas propriedades no tratamento de tuberculose, asma, bronquite e cansaço.

A pesquisa desenvolvida em Manaquiri capacita produtores rurais

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Aproveitar os feriados ou finais de semana para tomar um bom banho de igarapé, ou quem sabe ir até uma das belas praias dos

rios amazônicos, pode ser considerada uma ati-vidade comum em nossa região. Todo morador da Amazônia, ou pelo menos grande parte des-tes, já deve ter escutado alguma vez na vida as palavras várzea e igapó, lugares de beleza incrível e únicos no planeta, que possibilitam à população o bônus de poder nadar entre as árvores que ficam inundadas por até seis meses.

O que são esses recantos de lazer que atraem turistas de todas as partes do mundo e quais as principais características das áreas úmidas da região amazônica? De acordo com a pesquisado-ra do Instituto Nacional de Pesquisas da Ama-zônia (Inpa/MCT), Maria Teresa Piedade, elas ocorrem nas margens dos grandes rios, onde a coluna de água muda quase 11 metros entre as fases de cheia e seca; nos pequenos igarapés as mudanças de nível da água podem acontecer rapidamente, se uma chuva forte acontecer.

Em rios de grande extensão como o Amazonas e o Negro, a inundação é gradativa. Nadar e an-dar em praias são hábitos que podem ser reali-zados apenas no período de seca, ou seja, nos meses de novembro e dezembro. Já os passeios de canoa entre as árvores só se tornam possíveis no período de cheia, que geralmente acontecem em junho e julho. Somando as áreas alagáveis ao longo dos grandes rios e dos pequenos iga-rapés, quase 25% da Amazônia (1.350.000 km²) são áreas úmidas com alagamentos periódicos ou solos encharcados, destacou Piedade.

“Esses ambientes são críticos, pois retêm a água liberada gradualmente no período da seca, quando somente 20% do volume de água rema-

nescem nas calhas e nas margens dos rios. As áreas úmidas são importantes também por atua-rem como barreiras contra incêndios, estocarem carbono e limparem a água, mantendo ainda uma alta diversidade biológica, pois oferecem habitat para muitas plantas e animais”, escla-rece.

voltando no tempoA pesquisadora relata que antigamente as áre-

as úmidas não eram vistas como sistemas espe-cíficos, não dispondo de uma política de desen-volvimento próprio, o que foi particularmente negativo para as populações humanas vivendo nelas ou dependendo de seus recursos. Porém, em 1971, na cidade de Ramsar, no Irã, 18 países firmaram uma convenção com o intuito de pro-teger áreas úmidas de relevância internacional.

O Brasil aderiu à convenção de Ramsar somen-te no dia 24 de fevereiro de 1993, assumindo a partir de então a responsabilidade de fazer le-vantamentos em suas áreas úmidas, classifican-do-as e realizando estudos voltados para o seu manejo e proteção. Para efeito da convenção de Ramsar, Piedade lembra que são consideradas áreas úmidas: “áreas de pântanos, charcos, tur-fas e corpos de água, naturais ou artificiais, per-manentes ou temporários, com água estagnada ou corrente, doce, salobra ou salgada, planícies costeiras inundáveis, ilhas e áreas marinhas cos-teiras, com menos de seis metros de profundida-de na maré baixa”.

Ainda que o Brasil tenha firmado os acordos internacionais visando à proteção de seus am-bientes úmidos, e a despeito do fato de que a região amazônica contém um impressionante percentual de áreas úmidas em seu território, apenas 0,22% da Amazônia estão categorizadas como sítios Ramsar. Além disso, apenas poucas e específicas áreas úmidas possuem sua impor-

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Novas formas de manejo na várzea do

Amazonas> Por eduardo Gomes

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tância reconhecida, como é o caso das várzeas dos rios de água branca, que abrigam mais de 60% da população rural da região.

Nessas localidades, os ribeirinhos desenvol-vem diversas atividades para produção de alimen-to e renda. A pesquisadora destaca como exemplo a pesca que auxilia no abastecimento da população com proteína animal de alto valor e baixo custo, além de atividades agrícolas, pecuárias e de extra-tivismo madeireiro.

Fique sabendoUma curiosidade interessante é que o potencial

produtivo das áreas úmidas de rios de água preta é muito baixo, porém elas possuem alto valor para manutenção da biodiversidade. Segundo Piedade, outros tipos de áreas úmidas da região ainda não estão ecologicamente caracterizados, nem geogra-ficamente delimitados ou avaliados em termos de seu potencial de uso.

“As áreas úmidas em geral são muito vulneráveis às mudanças hidrológicas, provocadas pelo homem e às mudanças climáticas, daí necessitarem de uma política moderna e bem elaborada para o seu ma-nejo sustentável, baseada em levantamentos deta-lhados e uma classificação com base em parâmetros científicos. Essa política deve partir dos países e guardar compatibilidade com os sistemas de classi-ficação internacionais, sem abrir mão das peculia-ridades e interesses locais. No caso da Amazônia, a falta de informações básicas inibiu o estabeleci-

mento de uma política abrangente para as áreas úmidas”, defendeu Piedade.

O Estado do Amazonas se mostra pioneiro em mu-dar essa situação, graças a esforços conjuntos de pesquisadores ligados ao Projeto Inpa/Max-Planck e ao Projeto Núcleo de Excelência – (PRONEX) “Ti-pologias Alagáveis”, que conta com apoio finan-ceiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq).

A iniciativa da Secretaria de Estado do Meio Am-biente e Desenvolvimento Sustentável (SDS-AM) possibilitou um importante passo em prol do uso sustentável dos recursos madeireiros da várzea e, consequentemente, da manutenção desse ecossis-tema.

Somando os esforços de diversos segmentos da sociedade civil, científica e política, foi elaborada a Instrução Normativa 009 (12/11/2010), ajustando os ciclos de corte das árvores desses ambientes, considerando a realidade biológica das espécies, seus ciclos de vida e tempo de crescimento.

”Essa iniciativa de modernidade em gestão públi-ca deve ser louvada. Outras medidas do tipo já dis-põem de base científica para sua concretização, po-dendo ser também implementadas em curto prazo. Apenas desta forma as próximas gerações poderão continuar nadando entre as árvores, passeando nas várzeas e nos igapós”, disse.

As areas úmidas possuem grandes variabilidade às mudanças hidrológicas e climáticas

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A IN nº 009 define novas formas de manejo em florestas de várzea (alagáveis por água branca, rica em nutrientes). A exploração de madeiras na várzea geralmente é realizada em mane-jos de pequena escala ou mane-jos comunitários, onde é adota-do um único ciclo de corte de 25 anos e um diâmetro mínimo de corte de 50 cm para várias espé-cies madeireiras, independente de suas taxas de incremento em diâmetro e volume, da sua estru-tura populacional e dos proces-sos de regeneração das espécies utilizadas neste tipo de manejo.

Jochen Schöngart explicou que juntamente com os pesquisado-res Maria Teresa Piedade e Florian Wittmann partiram de pesquisas básicas para pesquisas aplicadas, modelando o crescimento da madeira de diferentes espécies arbóreas comerciais para definir especificamente ciclos de corte e diâmetros mínimos de corte, baseado em análises dos anéis de crescimento (dendrocronologia). “Mostramos por meio des-

tas análises que tais critérios de manejo variam entre 3 e 32 anos para o ciclo de corte. Já os diâmetros mínimos de corte podem variar entre

47 e 125 cm, verificamos ser necessário diferenciar os ma-nejos florestais, considerando aspectos da estrutura popula-cional e regeneração da espé-cie”, explica.

O pesquisador ressaltou ain-da que o estudo resultou na formulação do conceito GOL (Growth-Oriented Logging) pu-blicado na revista Forest Ecolo-gy and Management, que prevê critérios de manejo florestal di-ferenciado entre as diferentes espécies de árvores da várzea. Atualmente, pesquisadores es-tão expandindo o conceito GOL para outras tipologias alagá-veis capacitando jovens pes-

quisadores pelos Programas de Pós-Graduação do Inpa em Ecologia, Botânica, e Clima & Ambiente no âmbito do Projeto (Pronex), coordenado pela pesquisadora Maria Teresa Piedade.

Para o pesquisador do Instituto Max Planck, Jochen Schöngart, os estu-dos explicitam a colaboração das pesquisas que podem auxiliar as políticas públicas em benefício da sociedade

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Novo manejo florestal para a várzea do estado

Geralmente os manejos adotavam um único ciclo de corte para várias espécies madeireiras

Áreas úmidas de rios de água preta possuem alto valor para a manutenção da biodiversidade

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“As barrancas de terras caídas, faz barrento o nosso

rio mar” Braulino Lima - compositor

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Se você já olhou para uma árvore e ficou curioso em saber a sua idade, não se assuste, pois você não é o único. Esse feito é possível graças a uma meto-dologia conhecida como dendocronologia, que pos-sibilita saber, com certo grau de precisão, a idade da espécie de árvore sendo estudada e, através da largura do anel, em quais anos o lugar onde ela está crescendo passou por períodos de cheia mais longas ou secas.

Schöngart explica que esse feito é possível por meio da análise dos anéis que se formam no lenho do tronco de cada espécie. Esses anéis são como círculos concêntricos (com o centro do raio em co-mum), porém, desenhados de modo irregular, de-pendendo das adaptações morfológicas, anatômi-cas e fisiológicas da espécie. “Em pesquisas básicas feitas na década de 1980, Martin Worbes provou a existência de anéis anuais de crescimento para várias espécies arbóreas de várzea e igapó, aplican-do métodos independentes de dendocronologia. A existência de anéis de crescimento permite a de-terminação da idade e das taxas de incremento em diâmetro”, explica.

O pesquisador adianta que o conceito “GOL” será ampliado para espécies madeireiras de outras ti-pologias de áreas úmidas do Estado do Amazonas como, por exemplo, os igapós de águas claras e pretas, junto com estudos sobre a dinâmica flores-tal considerando aspectos como taxas de incremen-to, regeneração e estrutura populacional.

Geralmente manejos adotavam um único ciclo de corte de aproximadamente 25 anos e um úni-co diâmetro mínimo de corte de 50 cm para várias espécies madeireiras, independente de suas taxas de incremento em diâmetro e volume, da estrutura populacional e da questão de regeneração das es-pécies. A Instrução Normativa 009 chega às áreas úmidas do Estado deixando explícito que para fazer manejo nessas localidades é preciso considerar as diferenciações entre espécies e ambientes, e com isso modifica o período para corte na várzea. Esta situação mostra o casamento da ciência e das polí-ticas públicas, em prol do desenvolvimento susten-tável da região.

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O poder dos anéis

Os estudos evidenciam o auxílio da pesquisa nas políticas públicas em prol da sociedade

Cada anel corresponde a um ano de crescimento da árvore

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Há dez anos, os cinco mamíferos aquáticos que habitam a biota amazônica - peixe-boi (Trichechus inunguis), lontra neotro-

pical (Lontra longicaudis), ariranha (Pteronura brasiliensis), tucuxi (Sotalia fluviatilis) e boto-vermelho (Inia geoffrensis) - ganharam amigos, que numa luta diária para mostrar a importân-cia da vida, dedicam-se a conservação desses animais alvos da cobiça humana.

Entre os anos de 1935 e 1954, o peixe-boi da Amazônia foi alvo de interesse comercial, de-vido a sua carne, gordura e principalmente seu couro muito resistente, que era utilizado para a fabricação de correias de máquinas domésticas e industriais. Durante esse período, acredita-se que tenham sido exterminados cerca de 200 mil exemplares desse animal. Nas duas décadas seguintes, dessa época, só o estado do Amazo-nas vendeu nos seus mercados e feiras 1.947 toneladas de carnes dessa espécie.

Em pleno século XXI, esse animal ainda é alvo de caçadores. No segundo semestre de 2010, com a drástica redução do nível das águas dos rios amazônicos, o peixe-boi, espécie ameaça-da de extinção, ficou mais vulnerável à caça. Estima-se que nesse período cerca de dois mil indivíduos foram mortos para comercialização da carne. Só no município de Silves (distante da capital amazonense 200 km), segundo dados do Instituto de Proteção Ambiental do Ama-zonas - Ipaam (situado na cidade de Manaus, Amazonas), entre 4 a 10 peixes-bois foram cap-turados diariamente para fins comerciais.

Assim como os peixes-bois, os botos da Amazônia também sofrem com a caça intensa. Pesquisas, realizadas por cientistas do Institu-to Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT), mostram que a população de boto-verme-

lho vem diminuindo 10% ao ano, em algumas regiões da Amazônia. Uma das razões para essa redução, segundo estudos realizados na Reser-va de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá – RDSM (distante de Manaus cerca de 700km), é a matança desse golfinho para a pesca da piraca-tinga (Callophysus macropterus), peixe necrófa-go também conhecido como urubu d’água.

A caçaOs botos-vermelhos são capturados com ar-

pões e redes, e mortos com golpes na cabeça. Sua carcaça é colocada em gaiolas de madeira para servir como isca na pesca desse bagre. A piracatinga não é apreciada pelo amazônida no Brasil, no entanto, já existem registros de ven-da desse peixe em todo território brasileiro com o nome de “douradinha”. Na Colômbia, ela tem bastante aceitação, por isso, sem qualquer tipo de fiscalização, esses peixes são desembarcados no porto de Tabatinga (interior do Amazonas, distante de Manaus 1108 km) para Letícia, no qual são armazenados e posteriormente envia-dos a Bogotá (capital da Colômbia), onde são comercializados para consumo.

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Dez anos de Preservação

> Por séfora antela

Matança de peixes-bois no início do século XlX

SILVINO SANTOS

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Como tudo começouCom o intuito de salvar essas espécies tipicamen-

te amazônicas, os pesquisadores do Inpa iniciaram, em 1973, os estudos sobre a biologia e preservação do peixe-boi da Amazônia; em 1993, com a criação do Projeto Boto, começaram os estudos na RDSM sobre as duas espécies de golfinhos que ocorrem na bacia Amazônica, o boto-vermelho e o tucuxi. Além desses, iniciaram-se os estudos sobre as duas espécies da subfamília Lutrinae, ariranha e lontra neotropical, a partir de 1982, com animais em cativeiro, e em 2001, com animais selvagens na região do Lago de Balbina, no município amazonense de Pre-sidente Figueiredo (distante da capital 107 km).

Para superar os efeitos das crises por falta de incentivo à pesquisa nas décadas de 70 e 80, esses mesmos cientistas, jun-tamente com pesquisadores do Centro de Preservação e Pesquisa dos Mamíferos Aquáticos – CPP-MA (situado na área de atuação da Usina Hidrelétrica de Balbina – Presidente Figueiredo), senti-ram a necessidade de criar uma organização não governamental que dinamizasse as atividades de captação de re-cursos para promover ações de proteção, conserva-ção, pesquisa, manejo do peixe-boi da Amazônia e dos outros mamíferos aquáticos existentes na biota amazônica. Assim, nasceu em 2000 a Associação Amigos do Peixe-boi – Ampa.

A Associação é conveniada ao Inpa e desde 2008 é patrocinada pela Petrobras, por meio do Progra-

ma Petrobras Ambiental. “A necessidade de apri-morar as pesquisas e as ações de preservação das espécies de mamíferos aquáticos da Amazônia, na sua maioria ameaçados e endêmicos da região, le-vou a criação da Ampa. A ideia foi estabelecer uma Associação que não só agregasse pessoas interes-sadas diretamente na preservação dessas espécies, mas que também permitisse o desenvolvimento de parcerias e a participação de doadores na im-

plementação das ações para a proteção, conservação, pesqui-sa e manejo desses animais. As ações necessárias para o resga-te de mamíferos aquáticos vivos em diferentes rios e municípios da nossa extensa região reque-rem rapidez e eficiência, difíceis de serem obtidas dentro de um sistema burocrático como o das instituições públicas”, ressalta a bióloga Vera da Silva, coordena-dora do LMA, fundadora e conse-lheira da Ampa.

Ela afirma ainda que a existên-cia da Ampa tem proporcionado condições para o estabelecimen-to das diretrizes de preservação das espécies de mamíferos aquá-

ticos da Amazônia. “Inicialmente foi estabelecida a parceria com o Inpa, Manaus Energia, a Fundação O Boticário, a WSPA e de outras instituições e ONGs empenhadas em apoiar iniciativas de pesquisa e conservação dos mamíferos aquáticos da Amazô-nia. Hoje, com o apoio do Programa Petrobras Am-biental, a Ampa atua decisivamente na conservação desses magníficos animais, importante patrimônio da fauna e da cultura Amazônica”, explica Silva.

Construção do complexo de tanques para os peixes-bois em 1983.Hoje demoninado parque aquático Robin C. Best

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A Associação Ami-gos do Peixe-boi - Ampa surgiu da necessidade de dinamizar as ativi-dades de captação de recursos para pesquisas, resgates e reabilitação dos mamíferos aquáti-cos da Amazônia

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luta pela preservação da vidaNesses dez anos, 77 filhotes órfãos de peixes-bois

da Amazônia foram levados ao Parque Aquático Ro-bin C. Best do Inpa e ao CPPMA/Amazonas Energia pelo Ibama ou Polícia Ambiental; desses, 68 foram reabilitados pela Equipe Amiga do Peixe-boi. Um exemplo do sucesso do Programa de Resgate e Rea-bilitação de Peixes-bois é o Mapixari da espécie de peixe-boi endêmico da bacia amazônica, Trichechus inunguis, que foi resgatado no mesmo ano da cria-ção da Ampa.

Mapixari chegou ao Laboratório de Mamíferos Aquáticos – LMA do Inpa em 2000, com aproxi-madamente cinco meses de idade, vindo da comu-nidade Jacitara, município de Maraã (distante da capital do Amazonas 920 km). Estava magro e com alguns ferimentos, mas logo aceitou a mamadeira e todas as condições do cativeiro, reabilitando-se totalmente.

Em 2009, Mapixari foi selecio-nado como um dos candidatos aptos para retornar à vida livre, ação que faz parte do Programa de Reintrodução de Peixes-bois da Amazônia Criados em Cativei-ro, realizado pela Ampa e Inpa, desde 2008, com o apoio da Pe-trobras. Em abril do mesmo ano da seleção, Mapixari e Xibó (outro exemplar solto) foram levados ao Rio Cuieiras (afluente da margem esquerda do Rio Negro) local es-colhido para reintrodução.

Quatro meses após a soltura, Mapixari foi avistado dentro do igapó (ambiente característico da Floresta Amazônica, tam-bém conhecido como Floresta Alagada). Estava bastante debilitado e abaixo do peso. Ele foi capturado e levado de volta ao Parque Aquático Robin C. Best do Inpa, onde foi novamente rea-bilitado e, atualmente, encontra-se bem, saudá-vel e com excelente potencial para as próximas atividades de reintroduções.

“A história de vida do Mapixari é um exemplo e reflete a dificuldade de uma espécie com sérios ris-cos de extinção sobreviver às ameaças do homem. Nossa sociedade tem a obrigação de preservar o peixe-boi da Amazônia e garantir o futuro dessa maravilhosa espécie para que as próximas gerações desfrutem de um meio ambiente saudável e equili-brado, respeitando todas as formas de vida”, refle-te o biólogo Diogo Souza, pesquisador da Ampa.

Outro exemplo de luta pela vida é o que ocorre no

Projeto Ariranha do Inpa, que atua em parceria com a Associação Amigos do Peixe-boi - Ampa. A arira-nha, Pteronura brasiliensis, é uma espécie carismá-tica e que, por conta principalmente do desmata-mento e da destruição dos seus habitats (encostas de barrancos e córregos d’água), ainda encontra-se ameaçada. Na última década, com o incentivo da Ampa, quatro ariranhas foram recebidas para reabi-litação no LMA/Inpa.

Uma delas é Wani, uma fêmea que chegou fi-lhote, com aproximadamente seis meses, que foi encontrada na periferia de Boa Vista/RR e que, pro-vavelmente, havia sido retirada da natureza para o comércio ilegal de animais. Atualmente, Wani está com quase 12 anos e, infelizmente, não terá a chance de retornar à natureza, pois as ariranhas são animais que vivem em grupos familiares que defendem seus territórios da invasão de outros

indivíduos da mesma espécie. Animais cativos, no entanto, permitem o desenvolvimento de uma série de estudos que seriam impossíveis de serem realizados com animais de vida livre. Desta forma, Wani e outras ariranhas cativas do Inpa já participaram de estudos genéticos, hema-tológicos e fisiológicos, con-tribuindo para o aumento do conhecimento da biologia e ecologia da espécie.

O Projeto Ariranha, desde 2001, vem monitorando mais de 30 grupos no lago da Hidrelétrica de Balbina (distante 200 km de Manaus), onde realiza pesquisas com o intuito de conhecer me-

lhor os requerimentos ambientais da espécie bem como sua biologia. Esse projeto já verificou que, lagos de hidrelétricas podem trazer benefícios às populações de ariranhas desde que haja uma redu-zida presença humana na área e a presença prévia da espécie antes da formação do lago.

“A ariranha, como um animal topo de cadeia, é um bom indicador de ambientes não degradados, pois suas exigências ecológicas não as permitem viver em ambientes extremamente impactados. Dessa forma, ressalto a importância da conservação desta espécie como uma forma de manter ambien-tes saudáveis para todas as formas de vida, inclu-sive a humana”, afirma o oceanógrafo Fernando Rosas, vice coordenador do LMA/Inpa, fundador e conselheiro da Ampa.

Além das ariranhas e peixes-bois, os golfinhos

“A ariranha, como um animal topo de cadeia, é um bom indicador de ambientes não degradados, pois suas exigências ecológicas não as permitem viver em ambientes extrema-mente impactados”

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da Amazônia também ganharam amigos que num esforço diário, monitoram grupos de boto-verme-lho (Inia geoffrensis) e tucuxi (Sotalia fluviatilis) para tentar entender a biologia das espécies e assim permitir que elas continuem habitando os rios da Amazônia.

Os estudos com os golfinhos de rio foram inicia-dos pelo Inpa em 1978. O Projeto Boto foi cria-do em 1993 com esforços dos pesquisadores Vera da Silva (Inpa) e Anthony Martin, do Conselho de Pesquisas do Ambiente Natural do Reino Unido (NERC). Desde a sua primeira expedição, em janeiro de 1992, o Projeto vem crescendo a cada ano e, atualmente, possui uma base de pesquisa, voadei-ras e a presença contínua no campo de pelo menos três pessoas.

Nesses 17 anos, 10 em parceria com a Ampa, o Projeto já marcou e monitorou mais de 500 indi-víduos que usam o sistema de rios da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá para mo-rar, alimentar-se e reproduzir. Durante esse período

foi possível, segundo pesquisadores, acompanhar o desenvolvimento de alguns indivíduos desde sua infância até a vida adulta. “Existem animais que marcamos quando pequenos e que hoje são avós. Tivemos a felicidade de acompanhar a gestação e ver essas crias crescerem e se reproduzir”, conta Vera da Silva.

”Nesses dez anos, a Ampa conseguiu exercer grande parte do que propôs: pesquisar e proteger os mamíferos aquáticos e seus amigos da Amazônia. E é com muito orgulho que faço parte deste time. Desde a sua fundação, passamos por dificuldades e entraves, mas hoje, fazendo um balanço mais oti-mista, vejo que estamos conseguindo realizar mui-to mais do que podíamos supor em 2000. Ao meu ver, as metas para a conservação da nossa biodi-versidade deverão ser intensificadas e as ações com enfoque na Educação Ambiental deverão nortear as futuras ações de proteção da nossa fauna. Que ve-nham mais 50 anos de Ampa, pois muita coisa ain-da há a ser feita”, revela a médica-veterinária Stella Maris, secretária e uma das fundadoras da Ampa.

Estudo de acuidade visual do peixe-boi no fim da década de 70

Comunidade do Rio Cuieiras (AM) que se tornou Amiga do Peixe-Boi após campanhas de conscientização

Pesquisadora Vera Silva em resgate de filhote de peixe-boi durante a filmagem de documentário na Amazônia

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ALEXANDRE FONSECA

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Avanços na pesquisaNos últimos dez anos, por intermédio de Projetos

de Pesquisa, patrocinados pela Petrobras, Funda-ção O Boticário de Proteção à Natureza, Hamburg Süd Brasil, Wärtsilä Brasil, Havaianas, Philadelphia Zoo, WSPA Brasil - Sociedade Mundial de Proteção Animal, Programa das nações Unidas para o Meio Ambiente - Unep, Yaqu Pacha, Aquário de São Pau-lo, Operadores de Energia LTDA, Projeto Corredo-res Ecológicos do Centro Estadual de Unidades de Conservação – CEUC, a Ampa, em parceria com o Inpa, contribuiu para os avanços dos estudos com esses animais. Foram mais de 30 pesquisas realiza-das com as cinco espécies de mamíferos aquáticos amazônicos, nas áreas de Biologia, Ecologia, Fisio-logia, Bioacústica, Comportamento e Nutrição.

“Com certeza a Ampa nos possibilitou muito nestes 10 anos de vida. Nos últimos dois anos, avançamos a passos largos para uma maior profissionalização. Creio que, muito além de nos possibilitar agilidade administrativa e certa independência financeira, o seu maior mérito foi a união das pessoas e grupos que trabalham com mamíferos aquáticos na região. Seguirmos unidos, na minha opinião, significa for-talecer as ações em prol da conservação das espé-cies”, ressalta o médico-veterinário do Inpa e te-soureiro da Ampa, Anselmo d’Affonseca.

A BooUma das personagens que permitiu todo esse

progresso foi a moradora mais antiga do Centro de Mamíferos Aquáticos Uiara, atual Parque Aquáti-

co Robin C. Best do Inpa, a “Boo”. Uma peixe-boi fêmea que chegou ao Instituto na década de 70, período em que não se sabia muito sobre a espé-cie. “Boo” foi levada ao Inpa ainda filhote, vítima de maus tratos. Recebeu os primeiros cuidados da pesquisadora pioneira do Projeto Peixe-boi da Ama-zônia, Diana Magor.

Se a “Boo” tem memória, deve lembrar dos longos e difíceis anos que passou dentro de uma pequena piscina de plástico. Superada a crise nas décadas de 70 e 80, “Boo” resistiu a tudo, pelo bem da ciência, e em 1998, aos seus 24 anos, deu à luz ao primei-ro bebê peixe-boi da Amazônia gerado e nascido em cativeiro, o “Erê”. Três anos mais tarde, mais um herdeiro da Boo veio ao mundo, infelizmente natimorto (nasceu morto). No entanto, mais uma vez ela surpreendeu a todos e realizou outra faça-nha inédita, adotou dois filhotes órfãos, “Tapajós” e “Manaós”. Depois de ter criado os filhos adotivos, a mamãe “Boo” novamente engravida e em 2004 nasce “Kinja”. No ano em que a Ampa comemora-va suas 10 primaveras, o Parque Aquático Robin C. Best ganha mais um morador, “Ayrumã”, o terceiro filho legítimo da super-mamãe, que não satisfeita, resolveu aumentar a família com mais um membro, adotando sua terceira filha, “Erapuã”.

A trajetória da “Boo” no Projeto Peixe-boi da

Amazônia é o resgate da história da pesquisa do Inpa sobre os mamíferos aquáticos que habitam a Bacia Amazônica. Na última década, começaram os

ALEXANDRE FONSECA

Ação educativa durante a reintrodução de dois peixes-bois da Amazônia

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estudos de Bioacústica, iniciou-se o Programa de Reintrodução de Peixes-bois da Amazônia Criados em Cativeiro, além de pesquisas como Fisiologia reprodutiva do peixe-boi da Amazônia em cativei-ro: padrões hormonais em machos e fêmeas duran-te dois períodos diferentes e ciclicidade ovariana, Comparação Oesteológica nas espécies do gênero Sotalia Gray, 1866 no Brasil, Ecologia Alimentar da Ariranha e da Lontra no Parque Nacional do Jaú, Caracterização dos Habitats utilizados por ariranhas no lago da Usina Hidrelétrica de Balbina, Estimativa sazonal de nascimentos de peixes-bois da Amazônia, Estimativas da densidade populacional dos botos na Amazônia central e no Rio Araguaia, Levantamento de cetáceos na área de influência da Usina Hidre-létrica Santo Antônio, educação ambiental como ferramenta de preservação dos mamíferos aquáti-cos da Amazônia, avaliação do uso de costelas do peixe-boi da Amazônia para estudo de estimativa de idade da ariranha.

“A Ampa veio para consolidar a luta pelos mamí-feros aquáticos da Amazônia. Sabemos que a tarefa é árdua, a Amazônia é gigantesca, a educação é fundamental e o tempo vital. Mas acreditamos em nossa filosofia e principalmente na rede de conser-vação que estamos conseguindo criar nos últimos anos, que inclui nossa equipe, nossos parceiros e nossos patrocinadores. Nosso trabalho é difundir in-formações que falem a respeito da importância dos mamíferos aquáticos para o ecossistema amazônico e para o próprio ser humano. Queremos incentivar a sociedade a se envolver cada vez mais com as ques-tões ambientais, difundir ideias conservacionistas e mostrar a importância da ciência para o futuro dos animais e dos homens. A Ampa está crescendo e esperamos que a consciência ambiental cresça jun-to e atitudes mais responsáveis sejam levadas em conta em nossas esferas doméstica, governamental e empresarial”, defende o ecólogo Jone César Silva, diretor-executivo da Ampa.

Projeto inicial do parque Robin C. Best

Visitação de estudantes ao parque aquático Filhe de Lontra trazido ao Inpa

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A população de boto-vermelho diminui 10% ao ano em algumas regioões da Amazônia

Projeto Mamíferos Aquáticos da Amazônia: Conservação e Pesquisa

O “Projeto Mamíferos Aquáticos da Amazônia: Conservação e Pesquisa” é uma iniciativa da Asso-ciação Amigos do Peixe-boi – Ampa. Patrocinado pela Petrobras, o projeto tem como objetivo res-gatar, reabilitar e reintroduzir peixes-bois (Tri-chechus inunguis), além de incentivar a pesquisa para entender melhor a biologia e conservação

dos mamíferos aquáticos da Amazônia: tucuxi (Pteronura brasiliensis), lontra (Sotalia fluviati-lis), ariranha (Pteronura brasiliensis) e boto ver-melho (Inia geoffrensis).

O Projeto é realizado na região norte do Brasil, essencialmente no estado do Amazonas. Os prin-cipais municípios envolvidos são: Manaus, onde se

localizam as bases da Ampa e do Inpa, e onde é feito a reabilitação e a criação em cati-

veiro de peixes-bois e ariranhas res-gatados em diferentes localidades

da região Amazônica, além das atividades de educação am-

biental, em parceria com LMA/Inpa e escolas do

entorno do Bosque da Ciência e Jar-

dim Botânico de Manaus.

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ACERVO PROJETO ARIRANHA

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Olá amiguinhos! Eu sou a Harpia harpyja, mais conhecido como Harpia ou Gavião-real e, nessa edição, vou contar a vocês a mi-

nha história, tenho certeza que vocês irão gostar.

“Era uma vez, duas aves de rapina: grandes, ve-lozes e imponentes sobrevoando os céus da flores-ta Amazônica; com asas largas e um conjunto de penas brancas, cinzas e pretas que juntas criavam desenhos incríveis, dando ar de realeza; essa exis-tência era respeitada por todos os bichinhos da flo-resta. Uma dessas aves era um macho e a outra era uma fêmea, mas eles não viviam em companhia, eles viviam solitários... Pelo menos por enquanto.

Um belo dia, eles se ouviram cantando pelas al-tas árvores da mata. Ficaram impressionados com o canto um do outro. Pararam e escutaram. Apre-ciando cada nota, cada variação nessa majestosa canção. Depois de algum tempo, sempre ouvindo esse canto maravilhoso, decidiram se conhecer.

Eles acabaram se encontrando em uma árvore bem alta, uma castanheira. Se entreolharam por al-guns momentos, depois começaram uma dança na qual encostavam seus bicos e abriam suas enormes asas. Isso passou a acontecer todos os dias. Esse “namoro” durou meses! Aí então, o macho deu uma ideia. Disse que seria bom ficarem ali por um tempo, juntos, e foi assim que resolveram construir um ninho.

O ninho é bem diferente dos ninhos de outros passarinhos. Ele é gigante, bem espaçoso, tem cer-ca de dois metros e é feito de galhos secos que são colocados com habilidade no topo de umas das ár-vores mais altas da floresta, para evitar o ataque de predadores. Talvez vocês pensem que esse ninho é muito grande para um passarinho tão pequeno, mais tarde vocês entenderão o porquê. O que importa agora é que lá de cima, a vista da floresta é linda, o vento que sopra é refrescante e o sol pode iluminar tudo com um calorzinho agradável. Imaginem!

O dia amanheceu e com ele algo novo apareceu... Sabem o que era? Era um ovo!Esse ovo é de cor branca, tem aproximadamente sete centímetros e pesa 120 gramas. Pode acontecer de a mamãe-real por dois ovos, mas infelizmente apenas um filhote vai sobreviver. As razões disso talvez possam ser explicadas com a ajuda dos nossos amigos pesquisadores.

Depois de 56 longos dias, numa bela tarde, uma criaturinha começou a bicar e a quebrar o ovo, foi então que algo surpreendente aconteceu e deixou os dois gaviões-reais muito felizes. Sabem o que é? Vou dar uma dica: eu nasci! Isso mesmo!

Calma... A história não acabou ainda. Agora é que vem a melhor parte de tudo.

> Por aline Cardoso

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Olha como eu sou!Eu sou um filhote de gavião-real. Sou pe-

quenino, por enquanto, e meu corpo é coberto por uma delicada penugem branca. Meus pais estão sempre perto de mim para me proteger e me dar comida, sempre que tenho fome. Durante os primeiros dois meses, minha mãe cuida de mim a todo instante, enquanto meu pai sai para caçar comida para nós.

Assim como todos os animais na cadeia alimentar tem sua própria dieta, eu também tenho a minha. Os jacarés, por exem-plo, se alimentam de vários peixes. Os passarinhos se ali-mentam de insetos e frutas. E nós, os gaviões-reais, nos alimentamos de animais pe-quenos, como macaquinhos e pequenas aves, apesar de preferirmos o bicho-pregui-ça. Mas não se assuste, gos-tamos desses bichinhos, pois eles vivem nas copas das ár-vores, lugar onde meus pais geralmente caçam.

Nos meus primeiros meses, minha mãe me ajuda a co-mer, porque ainda não sou forte o suficiente para conseguir comer sozinho. À medida que

vou crescendo, ela deixa de me aju-dar de pouquinho em pouquinho

e eu vou começando a me alimentar sozinho. Meus pais ficam tomando conta de mim por dois anos e meio; e mesmo

que eu saia para

treinar a voar e caçar, retorno ao meu ninho até a hora em que estiver pronto para pro-curar outro lugar e construir minha própria família e eles ficam me vigiando de outras árvores altas no entorno da nossa casa.

Meu ninho é projetado bem grande para que quando eu crescer, ele não fique peque-no ou apertado demais para mim. Para que eu aprenda a voar, primeiramente treino meus

músculos das asas, depois meus músculos de planar, ou seja, voar com as asas imó-veis. Para todo esse esforço e treino constante, eu fico pulando de um lado para o outro, então, é necessário morar em uma casa grande, não é verdade?

Sabem, meus pais ficam de olho o tempo inteiro e são muito ciumentos, já que eu sou filho único, e até que eu atinja a idade adulta, eu fico sob os cuidados deles. Não é aconselhável chegar perto da minha casa, pois eles ficam nas árvores em volta do meu

ninho e me reparam, mesmo de longe. Nós somos uma família discreta e é muito difícil alguém encontrar um ninho de gavião-real ou mesmo ver um de nós voando por aí, pois além de meus pais construírem nossa casa nas árvores mais altas da floresta, nós só canta-mos para nos comunicar, principalmente eu, quando quero comida. Assim como você ami-guinho quando está com fome, reclama logo para sua mamãe.

Nós somos uma família discreta e é muito difícil alguém encon-trar um ninho de gavião-real. Nós só cantamos para nos comunicar, princi-palmente quando quero comida

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eu não levo ninguémAndaram inventando umas estórias aí de que

meus pais pegam criancinhas desobedientes, mas olha, isso não é verdade. Eles só vão agir para me proteger se alguém chegar perto do meu ninho e tentarem me machucar. Eles não têm a intenção de machucar ninguém.

A área que fica em tor-no da minha casa não pode ser desmatada ou queimada. Ela precisa ser conservada lá, no seu lugar de origem, com seus bichinhos, árvores e flores e frutas regionais. É onde outros futuros papais gaviões-reais irão construir seus ninhos e outros futuros filhotinhos, como eu, irão nascer e crescer e eternizar a espécie.

Para garantir que isso ocor-ra e que nossa espécie não seja ameaçada, contamos com o pessoal que faz parte do Projeto Gavião-real, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT), no qual os amigos Tâ-nia Sanaiotti, Helena Aguiar, Olivier Jaudoin, João Leite e Marcelo Barreiros desenvolvem algumas atividades que ajudam a manter mi-

nha casa protegida. Sabem como? Com educa-ção ambiental trabalhada com as criancinhas e adultos que passam perto do meu ninho ou moram em comunidades próximas.

Ouvi falar que alguns dos meus parentes que moram nas florestas da Ama-zônia e da Mata Atlântica receberam nomes de origem indígena que foram sugeri-dos por crianças que moram perto de ninhos destes gavi-ões-reais. Os nomes que eles escolheram têm significados muito bonitos e combinam perfeitamente com o nosso jeito de ser. Por exemplo: Apuama, significa veloz; Awe-ré, quer dizer caçador; Naru-na significa guerreira; Apoe-ma, é a que enxerga longe; e Katumbayá, significa mãe da mata. Legal, né?

Andaram inventan-do umas estórias aí de que meus pais pegam crian-cinhas desobedien-tes, mas olha, isso não é verdade. eles só vão agir para me proteger

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O projeto do Inpa tem trabalhado com outras insti-tuições há 10 anos e tem o objetivo ajudar a preservar as áreas em que nós nascemos e vivemos

O projeto do Inpa tem trabalhado com outras instituições e profissionais par-ceiros há 10 anos e tem como objetivo ajudar a preservar as áreas em que nós nascemos e vivemos, assim como cuidar e reabilitar ou-tros gaviões-reais que foram machucados por alguns humanos.

De acordo com nossa ami-guinha Helena Aguiar do Projeto Gavião-real, existem hoje cerca de 60 ninhos ma-peados na Amazônia, o que é bom, pois podem existir ou-tros filhotes de gavião-real como eu, espalhados por aí, entretanto, no sul do Brasil, as aves da minha espécie já estão ameaçadas de extinção devido à caça e desmatamen-to, e cada vez estão mais difíceis de serem vistas em ninhos.

Quando algumas aves são machucadas, elas vão para um centro de reabilitação no Bos-que da Ciência do Inpa e alguns amigos bi-ólogos e veterinários ajudam a recuperá-las e a inseri-las de volta à natureza. Esse tra-balho nem sempre é fácil, pois sentimos um pouco de medo por estarmos longe do nosso habitat, mas gostamos muito das pessoas que nos ajudam.

Tenho notícias também que eles, os ami-guinhos pesquisadores do Projeto Gavião-re-al, às vezes sobem em árvores tão altas quan-to a minha casa, só para conhecer um pouco mais sobre a minha vida e, assim, ajudam na proteção do meu ninho e da floresta onde eu vivo.

Algumas árvores que servem de moradia para nós, os gaviões-reais, tem grande valor comercial como os jatobazeiros, castanheiras, angelinzeiros e samaúmeiras; se essas árvo-res forem cortadas, não teremos onde morar. Ou então, pode acontecer pior, se nessas ár-

vores que forem cortadas tiver um ninho de gavião-real, os filhotes podem não sobrevi-ver se atacados por predadores, lembrando que cada casal de gavião-real reproduz ape-nas um filhote a cada dois ou três anos.

Então, depois de ter fala-do tudo isso, só depende de vocês, queridos amigos, se-jam crianças ou adultos, que a minha história tenha um final feliz; que eu consiga sobreviver até a minha idade adulta e me reproduza, assim como outros coleguinhas ga-viões-reais espalhados pelas florestas tropicais da Amé-rica do Sul e Central afora. Que as florestas onde vive-mos não sejam queimadas ou desmatadas, que os outros animais também possam ter o direito de viver na floresta,

onde é o nosso lar.

Quem sabe um dia eu veja vocês lá do alto da floresta. Até mais!

eles também cuidam de mim

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