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ufmtCiência REVISTA DE JORNALISMO CIENTÍFICO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO Nº 03 MAIO DE 2011 Quem tinha medo do Cururu? E a espetacularização do Sirirí A visibilidade nacional e internacional dos pesquisadores de Mato Grosso. Tanques de psicultura e a proliferação do mosquito da Malária: pesquisadores buscam as respostas na lógica da cadeia alimentar. Pesquisa experimental: as diferenças entre quem é sedentário e que pratica atividades físicas. ISSN 2179-5932

UFMT Ciência nº 3

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revista científica

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Page 1: UFMT Ciência nº 3

ufmtCiênciaREVISTA DE JORNALISMO CIENTÍFICO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO Nº 03 MAIO DE 2011

Quem tinha medo do Cururu? E a espetacularização do Sirirí

A visibilidade nacional e internacional dos pesquisadores de Mato Grosso.

Tanques de psicultura e a proliferação do mosquito da Malária: pesquisadores buscam as respostas na lógica da cadeia alimentar.

Pesquisa experimental: as diferenças entre quem é sedentário e que pratica atividades físicas.

ISSN 2179-5932

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Dos editores

revista UFMT Ciência chega à sua terceira edição. Com este número, estamos encerrando o primeiro ciclo da Ainstalação de um programa de divulgação e de jornalismo

científico, centrado nos projetos de pesquisa desenvolvidos na Universidade Federal de Mato Grosso. Apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (Fapemat), este programa começou com um curso de Jornalismo Científico, do qual participaram jornalistas com atuação nos diferentes meios da Capital, funcionários da UFMT, assessores de Comunicação e estudantes de Jornalismo e Radialismo. Com este curso, mesclado com aulas teóricas, relatos de experiências e discussão de projetos desenvolvidos na UFMT, que contou com a presença dos principais pesquisadores da Instituição, foi possível estabelecer os conceitos básicos que orientam a produção desta revista.Além das três edições da UFMT Ciência, estão em produção quatro vídeodocumentários. Em fase de elaboração de roteiros e de interlocução com os pesquisadores, os quatro documentários serão entregues à comunidade em três meses. Como nos conteúdos da revista, os vídeos irão mostrar quatro diferentes pesquisas, os métodos de trabalho aplicados em cada pesquisa e os resultados obtidos. Tanto os vídeos como as três edições da revista estão orientados no sentido de que a informação científica, normalmente restrita a um seleto público de pesquisadores, é uma ferramenta educacional de inclusão. Trata-se de um propósito alcançável graças ao apoio das agências de fomento - em Mato Grosso a Fapemat -, empenhadas em todo o Brasil em apoiar a divulgação da produção científica desenvolvida nas universidades.A circulação da revista nas escolas de Mato Grosso conta com o apoio da Secretaria de Estado da Educação (Seduc) e das secretarias de Educação dos municípios de Cuiabá e Várzea Grande. A idéia de disponibilizar a publicação nas escolas tem como princípio fomentar o debate sobre a produção científica do Estado de Mato Grosso, propagar a cultura científica e aproximar os pesquisadores do Ensino Básico. A expectativa é que o conteúdo da revista possa ser também tema de discussões em sala de aula. Além das escolas, a revista circula entre os professores e pesquisadores do Estado, imprensa e outras instituições de ensino do País. Na continuidade deste programa, é desejo da UFMT ampliar a circulação – hoje são produzidos oito mil exemplares -, o que irá permitir a distribuição da revista em todas as escolas públicas.

UFMT Ciência e vídeodocumentários científicos

A implantação do programa de divulgação científica da UFMT

ufmtCiênciaREVISTA DE JORNALISMO CIENTÍFICO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

SERÁ QUE É VERDADE?Tomar banho depois doalmoço faz mal?

PÓS-GRADUAÇÃOCursos da UFMT atingem níveis de excelência

Nº 02 DEZ/2010-JAN/FEV DE 2011

EMOÇÕESà flor da peleTraumas podemprovocar problemas de pele

ufmtCiênciaREVISTA DE JORNALISMO CIENTÍFICO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

SERÁ QUE É VERDADE?Piranhas são peixes assassinos?

40 ANOSTrajetória da pesquisa conta a história da UFMT.

Nº 01 SET/OUT/NOV DE 2010

PAIXÃOe discórdiaentre adolescentes

.

COMO FUNCIONA?Como a cana-de-açúcar vira

Pesquisa experimental: as diferenças entre quem é sedentário e

03

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ufmtCiênciaN º 0 3 M A I O / 2 0 1 1

sumário

conselho editorial

Presidente do Conselho Editorial

Francisco José Dutra Souto

Professor Titular da Faculdade de Medicina

Coordenador do Conselho Editorial

Benedito Dielcio Moreira

Professor Adjunto do Departamento de Comunicação

Adnauer Tarquínio Daltro

Professor Adjunto do Departamento de Engenharia Civil

Eduardo Guimarães Couto

Professor Associado I do Departamento de Solos e

Engenharia Rural

Germano Guarim Neto

Professor Titular do Departamento de Botânica e Ecologia

Curador do Herbário

Javier Eduardo López Díaz

Professor do Departamento de Comunicação Social

Joanis Tilemahoz Zervoudakis

Professor Adjunto IV do Departamento de Ciências Básicas

e Produção Animal

José de Souza Nogueira

Leny Caselli Anzai

Professora Adjunto IV do Departamento de História

Ludmila de Lima Brandão

Professora Associado III do Departamento de Artes

Maria Santíssima de Lima

Coordenadora de Jornalismo e Imprensa da UFMT

Paulo Teixeira de Sousa Júnior

Professor Associado II do Departamento de Química

Valério de Oliveira Mazzuoli

Professor Adjunto I da Faculdade de Direito

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Dos EditoresUFMT Ciência e

vídeodocumentáris científicos

ContrapontosMudanças Climáticas?

Indícios de mudanças climáticas globais

Como Funciona?Cada vez menor, cada vez

maior

Tocando o FuturoÁreas Úmidas

Jovem CientistaSaúde indígena

26CulturaQuem tinha medo do Cururu e a espetacularização do SiririNo século XIX, os círculos de homens entoando versos era uma ameaça à elite de Mato Grosso. A aproximação do Siriri com a política e a economia promove a sua espetacularização

Sirirí

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gu

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SE

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Entre a Emoção e a RazãoDiamantes: fetiches, lendas, perigos e ciência.

Desenvolvimento CientíficoIndicadores Científicos: Visibilidade de Mato Grosso

Outros SaberesCom engenho e arte, ela alinhavou sonhos por 70 anos

Arte Aqui e AgoraCanto Coral: A arte de

socializar, educar e encantar

Diário de Campo

O dia-a-dia do Laboratório de

Sementes

Mistérios da VidaNem tudo que cai na rede

é peixe

Descobertas e Inovações

Pesquisa experimental:

Sedentário vs Atividade física

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DOSSIÊA vez delas chegou! Mas nem tanto que possa implicar em igualdade de gênero

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OpiniãoHá um 13º signo no seu zodíaco?

Será que é VerdadeO pássaro João-de-Barro tranca a fêmea no ninho

por ciúmes?

24Será que é verdade? João-de-barro tem Ciúmes? A história do João-de-barro, imortalizada pelas vozes de Tonico e Tinoco e Sergio Reis ajudou a fortalecer o mito

41A visibilidade dos pesquisadores de Mato Grosso

Mato Grosso tem ainda uma produção científica modesta. Pesquisa apoiada pela Fapemat mostra visibilidade dos pesquisadores matogrossenses

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te

UFMT Ciência Pró-Reitor do Campus de Sinop Projeto Gráfico, Design e DiagramaçãoRevista de jornalismo científico da Universidade Federal de Marco Antônio Araújo Pinto Javier Eduardo López DíazMato Grosso Pró-Reitor do Campus do Araguaia DiagramaçãoUFMT – Universidade Federal de Mato Grosso José Marques Pessoa Javier Eduardo López DíazReitora Secretário de Gestão de Pessoas Alline Barros, Eliane Londeiro (estagiárias)Maria Lúcia Cavalli Neder Domingos Sálvio Santana IlustraçõesVice-Reitor Secretário de Tecnologia da Informação e da Comunicação Alexandre Cervi Francisco José Dutra Souto Alexandre Martins dos Anjos Victor Capato Pró-Reitora Administrativa Secretaria de Comunicação e Multimeios FotografiaValéria Calmon Cerisara Benedito Diélcio Moreira Luiz Carlos Sayão, João Conceição, Nilza GuiradoPró-Reitora de Ensino de Graduação Coordenação de Jornalismo e Imprensa RevisãoMyrian Thereza de Moura Serra Maria Santíssima de Lima Maria de Jesus PatatasPró-Reitor de Cultura, Extensão e Vivência Revista UFMT Ciência Revista UFMT Ciência Ano I Nº III Luis Fabrício Cirillo de Carvalho Editor-Chefe Tel: 065 3615 8330/8331Pró-Reitor de Pesquisa Dielcio Moreira Email: [email protected] Adnauer Tarquínio Daltro Editora Executiva Avenida Fernando Correa da Costa, 2367Pró-Reitora de Planejamento Maria Santíssima de Lima Boa Esperança – Cuiabá – Mato GrossoElisabeth Aparecida Furtado de Mendonça Editor Assistente CEP: 78060-900Pró-Reitora de Pós-Graduação Ailton Segura Universidade Federal de Mato GrossoLeny Caselli Anzai ReportagemPró-Reitora do Campus de Rondonópolis Camila Tardin, Caroline Lanhi, Géssica Vilela, Laís Costa Cecília Fukiko Kimura Marques

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Contrapontos

Efeito estufa: aquecimento global ou alternância aquecimento-resfriamento?

análise das expressões “mudanças anos. Diante disso, considera-se que o efeito estufa deve se tornar cada vez mais efetivo em climáticas” e “aquecimento global” reduzir o resfriamento noturno. Embora seja Apressupõe o uso adequado da palavra uma hipótese plausível, sua confirmação não clima. A condição instantânea do ar num tem sido possível até aqui, em virtude de a determinado lugar denomina-se tempo. A própria variação interanual de temperatura

previsão diária não é do clima, mas do tempo. se mostrar aleatória, com oscilações sem

O clima se refere também ao estado do ar em correlação direta com o aumento do teor de

um local, porém no longo prazo. Ele é como CO2. Além disso, entre os componentes da uma história do tempo atmosférico local, e, atmosfera, o vapor d´água apresenta maior muitas vezes, é caracterizado por valores variabilidade do que o CO2 e é muito mais médios dos parâmetros do tempo, ao longo efetivo para modificar o efeito estufa.de alguns ciclos anuais. Enquanto o tempo é A radiação é quase a única forma de troca de

energia entre a Terra e o Universo. O balanço tipicamente variável, o clima é algo mais de radiação do planeta, que inclui a radiação estável, embora esteja sujeito a mudanças.recebida do Sol, a parte dela que é refletida, As expressões entre aspas têm sido associadas e a parte da radiação de onda longa que não ao fenômeno conhecido como efeito estufa, é impedida de sair para o espaço, apesar do vinculado aos ciclos diários de aquecimento efeito estufa, a médio prazo, é nulo. Isto diurno e resfriamento noturno. A exposição do proporciona uma estabilidade térmica terreno à radiação solar (onda curta) no milenar ao planeta, que é, em última análise, período diurno provoca aquecimento. O solo a responsável pela extraordinária emite radiação (onda longa), noite e dia, que, semelhança nas condições cíclicas do tempo em parte, apesar de ser absorvida e re-emitida atmosférico, ao longo do ano, em cada pelo ar nas 24 horas do dia, à noite, causa lugar: o clima.resfriamento. O efeito estufa é a diminuição do Uma eventual elevação de temperatura resfriamento noturno, provocada pela re-provocada pelo efeito estufa, a curto prazo, emissão de radiação de onda longa, do ar para faria a Terra emitir mais radiação do que o solo.recebe, causando seu resfriamento. Assim, é Entre os gases que compõem a atmosfera mais provável sermos submetidos a uma terrestre, H2O, CO2, CH4, O3 e N2O alternância aquecimento-resfriamento, com contribuem para o efeito estufa. Todos eles maior variabilidade no tempo, em participam de ciclos biogeoquímicos, cuja consequência do efeito estufa, do que a um principal consequência é manter estável a “aquecimento global”. O conhecimento composição do ar. Contudo, as atividades sobre os prazos e a extensão desses humanas têm produzido mais CO2 do que a fenômenos ainda é muito limitado, de modo capacidade dos ciclos naturais em absorvê-lo, que estamos ainda cercados de incertezas de modo que o teor desse gás vem sobre o problema.gradativamente aumentando nos últimos 200

Mudanças climáticas?

Professor Doutor José Holanda Campelo JúniorProfessor Titular do Departamento de Solos e Engenharia Rural/Famev/UFMT

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Contrapontos

Indícios de mudanças climáticas globais

questão das mudanças climáticas (http://sealevel.colorado.edu/).globais e sua relação com a ação 4 – A observação direta do degelo da Ahumana permanece cercada de Antártida, observado em missões de voo

polêmicas, uma vez que diversos cientis- de avião, realizadas pela Nasa. As fotos tas e pensadores ainda discordam da não só flagraram a intensificação de relação entre o aquecimento global e a formação de grandes icebergs (maiores emissão de carbono, ou até mesmo que 50 km de comprimento), como a duvidam da veracidade da própria formação de veios de água líquida entre o elevação da temperatura média da Terra. gelo, indicando degelo a centenas de O cidadão consciente deve ser questiona- quilômetros no interior do continente dor e não aceitar sem reflexão tudo aquilo (http://earthobservatory.nasa.gov/IOTD/vque lhe é oferecido pelos meios de iew.php?id=5084 e http://ear thcomunicação. Contudo, antes de aderir a observatory.nasa.gov/modismos como aquele que nega que o IOTD/view.php?id=3251). homem foi à Lua, vale a pena estudar os 5 – A diminuição da camada de gelo principais indícios que levaram à maioria permanente sobre o Monte Quilimanjaro, dos cientistas do planeta a levarem a sério o mais alto da África.o aquecimento global e sua relação com (http://www.cejournal.net/?tag=global-as atividades humanas. Vamos enumerar warming-coverage&paged=2).algumas: Entretanto, tais dados citados acima ainda 1 – Em primeiro lugar, a série de dados podem ser, de uma forma ou outra, que, historicamente, deu início à discus- questionados, mas o indício mais concre-são da questão foi a sequência de medi- to de que a relação entre aquecimento das da concentração de gás carbono na global e ação do homem deve ser levado atmosfera, feita no monte Mauna Loa, no em conta seriamente vem de uma fonte Hawai, desde a década de 60, demonstra que raramente é citada: o espectro de uma elevação sistemática da concentra- emissão da Terra. Tratam-se de medidas ção desse gás desde menos que 320 realizadas por satélites equipados com partes por milhão (ppm) para mais de 390 instrumentos sensíveis à radiação infra-nos dias atuais (disponível em vermelha (ou seja, ao calor) emitida pela http://www.esrl.noaa.gov/gmd/ccgg/tren Terra, em diversos comprimentos de onda ds/). (ou frequências). O perfil do espectro (que 2 – A comparação entre a série histórica pode ser visualizado em:dos valores da temperatura média da http://lasp.colorado.edu/~bagenal/1010/Terra, calculada a partir de medidas SESSIONS/13.Light.html - fornecidas por estações meteorológicas apresenta uma curva com uma espalhadas pelo mundo, desde 1870, com pronunciada depressão próxima ao medidas da concentração de carbono – comprimento de onda de 15 microns, que que revelam uma correlação estatística é o comprimento de onda predominante bastante significativa. em que as moléculas de CO2 absorvem (http://pangea.stanford.edu/~jshragge/O radiação. Ou as leis quânticas de Planck ilWar/ClimateChange.html). estão erradas, ou o efeito estufa na Terra 3 – A elevação dos oceanos – que pode deve ser sensível à concentração de gás ocorrer tanto pelo degelo dos pólos carbono no ar.quanto pela dilatação da água – pode ser Observemos, portanto, os resultados observada em medidas sistemáticas obtidos experimentalmente e formemos realizadas em boias (há vinte anos de nossa própria opinião.d a d o s s i s t e m a t i z a d o s )

-

penúltima figura),

Prof. Dr. Sergio Roberto de PauloDiretor do Instituto de Física da UFMTPrograma de pós -Graduação (mestrado e doutorado) em Física AmbientalGrupo de Pesquisa em Física e Meio Ambiente

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Como Funciona?

Laís Costa Marques

armazenamento de dados surpreende a cada dia fossem uma espécie de mola e que dentro delas fossem pelo tamanho dos dispositivos disponíveis e de colocados fios metálicos. Se em uma mola houvesse o fio, Osuas capacidades. A redução no tamanho dos ela então era 1, a mola vazia era zero. Assim, um conjunto

computadores e, consequentemente, dos aparelhos para de molas construía uma informação. copiar, guardar e transportar arquivos foi possível depois da Com a invenção do circuito integrado, ao invés de molas, se criação dos chamados Circuitos Integrados. Em física, isso tem um microscópico fio pelo qual se conduz uma corrente significa uma mudança no meio em que os dados eram elétrica. Caso a corrente encontre um obstáculo, ela armazenados, que deixaram de ser magnéticos para ser transmite o sinal do número 1, caso passe livremente é eletrônicos. Assim, a estrutura que ocupava muito espaço zero. De acordo com o número de obstáculos, é possível para registrar as informações foi reduzida a dimensões montar o código e, consequentemente, interpretar a milimétricas. informação, independente da linguagem utilizada. O professor Elmo Batista de Farias, doutor em Ciências da Chip – Em celular, dentro do pendrive ou mesmo em aparelho Computação, explica que antes dos Circuitos Integrados, as de som e imagem, os chips são circuitos integrados de memórias eram construídas a partir de espirais, em forma de armazenamento. Ao olhar um pen drive, por exemplo, é bobinas, dentro dos quais estão alinhamentos. Conforme possível ver quatro linhas metálicas. Duas delas são fosse a composição dos alinhamentos, era decodificada a transmissoras de energia, ou seja, corrente elétrica, e as informação. “Era uma estrutura física muito grande. Para se outras duas são uma para levar informação e outra para aptar ter um sistema precisava-se de muitos dispositivos”. informação de outro meio, seja computador ou aparelho de A revolução foi a criação dos transístores, que são som.microsistemas pelos quais passam informações eletrônicas. Não existe mais um alinhamento de estrutura física, mas Ao se acionar o dispositivo, a corrente elétrica liga o dispositivos semicondutores que conduzem corrente sistema e o percurso que emite as informações para o elétrica que faz a leitura do conteúdo. computador. Do mesmo modo, a corrente que percorre o Para compreender o novo sistema de transmissão de computador é encaminhada para o chip, onde armazena informações, é preciso entender a construção da suas informações encaminhadas. Assim que é informação. A ciência da computação é baseada em um desconectado, o circuito é desligado, porque não tem mais sistema binário que intercala os numerais 1 e zero. De uma fonte energética, e os dados permanecem inalterados. acordo com as combinações do sistema, se decodifica uma Por ter a capacidade de transmitir corrente elétrica imagem, um texto ou um programa de computador. A somente quando acionado, criou-se também o conceito de leitura do código que dá forma às informações é feita a semicondutor. partir de uma tabela internacional, chamada de ASCII. Segundo o professor Elmo, a transformação do meio físico Nesse 'dicionário', cada uma das sequências de beats que armazena o código binário foi uma mudança de (código binário) representa símbolos. A cada 8 números (1 paradigma que rendeu ao criador do circuito integrado, ou zero) se tem uma letra. É assim, por exemplo, que a Jack Kilby, o prêmio Nobel de Física em 2000, 42 anos sequência 11000100 signifiqua a letra A. depois que a ideia foi registrada e testada. Voltando à evolução no tamanho dos dispositivos que Nanotecnologia – O coordenador do curso de Ciências da armazenam as informações, imagine que as tais espirais Computação da Universidade Federal de Mato Grosso.

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Como Funciona?

(UFMT), Elmo de Farias, explica que a nanotecnologia é algo real e que inclusive é a base para os circuitos integrados. O que está em discussão é a possibilidade de utilizar a nanotecnologia para a construção de robôs e motores de tamanhos microscópicos para uso da medicina. Nano é uma unidade de medida usada para dimensionar os semicondutores, chamada de nano métrico. Um nano é igual a 1/1.000.000.000 ou 0,000000001. IARA – A Faculdade de Ciências da Computação da UFMT possui um grupo de estudos de Inteligência Artificial, Robótica e Automação (IARA) para o desenvolvimento de tecnologia. O grupo é aberto e pode ser conhecido por meio da página eletrônica www.ic.ufmt.br

possibilidade de utilizar a nanotecnologia para a construção de robôs e motores de tamanhos microscópicos para uso da medicina. Nano é uma unidade de medida usada para dimensionar os semicondutores, chamada de nano métrico. Um nano é igual a 1/1.000.000.000 ou 0,000000001. IARA – A Faculdade de Ciências da Computação da UFMT possui um grupo de estudos de Inteligência Artificial, Robótica e Automação (IARA) para o desen-volvimento de tecnologia. O grupo é aberto e pode ser conhecido por meio da página eletrônica www.ic.ufmt.br.

Ao se acionar o dispositivo, a corrente elétrica liga o sistema e o percurso que emite as informações para o computador. Do mesmo modo, a corrente que percorre o computador é encaminhada para o chip, onde armazena suas informações encaminhadas. Assim que é desconectado, o circuito é desligado, porque não tem mais uma fonte energética e os dados permanecem inalterados. Por ter a capacidade de transmitir corrente elétrica somente quando acionado, criou-se também o conceito de semicondutor. Segundo o professor Elmo, a transformação do meio físico que armazena o código binário foi uma mudança de paradigma que rendeu ao criador do circuito integrado, Jack Kilby, o prêmio Nobel de Física em 2000, 42 anos depois que a ideia foi registrada e testada. Nanotecnologia – O coordenador do curso de Ciências da Computação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Elmo de Farias, explica que a nanotecnologia é algo real e que inclusive é a base para os circuitos integrados. O que está em discussão é a

Quem faz:Nome: Elmo Batista de Faria Título: Doutor em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Uberlândia - MG Onde atua: Docente do Instituto de Computação (IC), coordenador do curso de Ciência da Computação Grupo/Projeto de Pesquisa: Inteligência Artificial, Robótica e Automação (IARA) da UFMT. Pesquisadores: Profa.Dr. Andreia Gentil Bonfante Profa.Dr. Claudia Aparecida Martins Prof. Dr. Elmo Batista de Faria Prof. Dr. Jésus Franco Bueno Prof. Dr. Josiel Maimone de Figueiredo Prof. Dr. Mauricio Fernando Lima Pereira

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Tocando o Futuro

Áreas Úmidas

A carruagem chegou ao planalto. À estes locais eram lúgubres e funestos Tecnologia em Áreas Úmidas, o INCT fazia parte da cultura de muitas gerações. Áreas Úmidas, ou simplesmente Inau. A nossa frente, abria-se a vastidão do O senso comum mandava que eles entidade tem como sede a UFMT, "pântano, marcado aqui e ali por fossem simplesmente eliminados da Universidade Federal de Mato Grosso, e elevações rochosas e colinas. Um vento paisagem. Projetos de drenagem e reúne mais de 100 pesquisadores em frio passou por nós e nos fez tremer. Em aterramento eram apontados como a torno de projetos sobre o tema. Fazem

algum lugar, naquela região desolada, melhor "saída" para resolver o "proble- parte dessa parceria UFMS, UEMS, Unesp,

um homem diabólico estava à espreita, ma". O próprio poder público incentivava Uniderp, UCDB, Uem e o Inpa e outras

escondendo-se em covas como um a p r á t i c a . quatro instituições de pesquisa estrange-animal selvagem, seu coração repleto de Até o famoso botânico Frederico Carlos iras: as universidades de Hamburgo e terríveis sentimentos contra toda a raça Hoehne - um dos primeiros cientistas Konstanz, na Alemanha, a universidade humana que o segregara. Esse foi o brasileiros a pesquisar de forma sistemá- British Columbia, do Canadá, e a último detalhe para completar o quadro tica a flora nativa e nossa ecologia - Universidade Estadual da Califórnia, nos

chegou a recomendar a drenagem do Estados Unidos. sombrio sugerido por aquela vastidão Pantanal mato-grossense assim que Fundado em 2010, o Inau surgiu da deserta, pelo vento enregelante e pelo conheceu a região, quando acompanhou percepção de que era preciso mudar a céu tenebroso. Até mesmo Sir Henry pela primeira vez uma das expedições do visão geral sobre as áreas úmidas para, ficou quieto e apertou o casaco ao corpo. Marechal Cândido Rondon, em 1908. assim, garantir sua proteção. Sua criação

Deixáramos a região fértil para trás...". "Depois, é claro que ele se apaixonou foi praticamente uma consequência do

Assim o famoso Dr. Watson, companheiro pela região e se tornou um dos seus trabalho que os três pesquisadores já

inseparável de Sherlock Holmes, maiores defensores, como grande vinham desenvolvendo sobre o tema há descreve a chegada ao cenário principal ecologista que foi", lembra Cátia Nunes, muitos anos a partir de suas atuações na de um dos mais famosos livros de Sir doutora em ecologia e professora UFMT e no Centro de Pesquisas do Arthur Conan Doyle: O Cão dos associada da Universidade Federal de Pantanal, CPP. Wolfgang Junk, ex-Baskervilles. Era 1902 e a história da M a t o G r o s s o ( U F M T ) . pesquisador do Instituto Max-Planck de

A seu modo, Cátia também é uma limnologia e atual Coordenador do Inau, assombração em forma de um cachorro pioneira. Na década de 80, ela foi uma é uma das maiores autoridades mundiais raivoso, que soltava fogo pelos olhos e a das primeiras estudiosas a pesquisar a sobre o tema. É alemão na fisionomia, boca, se tornava ainda mais assustadora fundo a dinâmica do Pantanal como área mas brasileiro até no jeito de se expressar no contexto de uma paisagem tão hostil. úmida. Ou seja, como ecossistemas que e de se vestir: fala português fluentemen-O livro entrou para a história como um têm propriedades que não podem ser te e, com seu jeito descontraído, dos maiores clássicos do autor britânico e cobertas nem pela ecologia aquática decepciona aqueles que esperam ajudou a imortalizar o excêntrico detetive nem pela terrestre, pois passam uma encontrar um sisudo alemão à frente das no imaginário popular. Mas não foi a parte do tempo inundados e outra parte, atividades. primeira nem a última narrativa a se valer secos. Hoje, ao lado dos pesquisadores Não é à toa que está tão aclimatado. Seu da aura de mistério e perigo que sempre Paulo Teixeira de Sousa Júnior e trabalho no Brasil começou ainda na envolveu os pântanos e outras áreas Wolfgang Junk, Cátia lidera os trabalhos década de 60, quando veio desenvolver-alagáveis como brejos, mangues e do Instituto Nacional de Ciência e do sua tese de doutorado no Instituto charcos. Já naquela época, a ideia de que

Eveline Teixeira BaptistellaEspecial para UFMT Ciência

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Tocando o Futuro

Nacional de Pesquisas da Amazônia, Inpa, e tecnologia, Paulo aproveitou a chance. pensou. O tratado passou a ressaltar os em Manaus. Desde então, sua atuação "Era um edital de apenas um mês. valores econômico, social, científico, sempre esteve ligada de alguma forma ao Tivemos que convocar todos os parceiros cultural e recreativo dessas áreas. "Eu Brasil e influenciou profundamente o para criar um projeto multidisciplinar e mesmo, quando era criança, associava desenvolvimento do saber científico apresentá-lo ao Conselho", conta. É isso pântano com mosquitos, doenças. A sobre áreas úmidas. Sua parceria com a mesmo. Ao contrário do que possa maioria das pessoas tem essa imagem UFMT vem desde a década de 90 e parecer, o Inau não surgiu de uma política equivocada. A grande motivação do Inau marcou profundas transformações na pública voltada para a crescente necessi- de corre dos serviços ambientais que as maneira de se enxergar esses cenários no dade de se entender melhor e preservar áreas úmidas prestam e que ainda são E s t a d o . as áreas úmidas e sim de uma mobiliza- pouco conhecidos", ressalta Paulo.Mas o surgimento do Inau também foi ção dos cientistas. O livro 'Wetlands' de William J. Mitsch e marcado - e muito - pelo senso de O primeiro movimento mundial a alertar James Gosselink, considerado uma das oportunidade. É nesse ponto da equação sobre o tema tem uma história parecida. "bíblias" sobre o assunto, classifica as que entra Paulo Teixeira de Sousa Jr., vice- Em 1971, pesquisadores de todo o zonas úmidas como "rins" do meio coordenador do Inau e professor da mundo se reuniram na cidade de Ramsar, ambiente. Elas funcionam como esponjas, UFMT. Químico conhecido por seu às margens do Mar Cáspio, no Irã, para que absorvem a água e promovem sua trabalho no desenvolvimento de novas discutir a proteção às aves migratórias. redistribuição nos córregos, rios e no tecnologias para produção de biodiesel, é Eles perceberam que, para isso, era lençol freático. Nesse processo, também referência também em áreas úmidas fundamental proteger seus habitats, realizam uma espécie de filtragem, devido a pesquisas para criação de justamente as variadas áreas úmidas do capturando sedimentos e purificando a medicamentos fitoterápicos produzidos a mundo. Naquele evento, foi estabelecida água. Esse mecanismo tem ainda um partir de plantas do Pantanal e ao a "Convenção de Ramsar", um tratado papel importante no controle de trabalho no Centro de Pesquisas do que propôs um esforço internacional em inundações, pois regula a absorção de Pantanal - atividade iniciada quando defesa das zonas úmidas e as definiu água pelo solo. ainda era pró-reitor de Pesquisa da UFMT como toda extensão de pântanos, Cidades que drenaram ou aterraram suas e se viu diante da proposta de criar uma charcos e turfas, ou superfícies cobertas áreas úmidas sofrem até hoje com organização que atuasse em rede, de água, de regime natural ou artificial, problemas ambientais. Nos Estados promovendo e incentivando as pesquisas permanentes ou temporárias, contendo Unidos, a Flórida sofre com a escassez de científicas em Mato Grosso e Mato água parada ou corrente, doce, salobra água potável justamente por causa da Grosso do Sul, o CPP. "A partir daí, cresceu ou salgada, além de áreas marinhas com política de ocupar estes territórios com a consciência de que era preciso investir profundidade de até seis metros, em grandes conjuntos habitacionais. Deu tão mais no estudo das áreas úmidas de situação de maré baixa. errado que em algumas cidades a água forma específica", afirma o pesquisador. Conforme o conhecimento sobre o do mar chegou a voltar pelo encanamen-Em 2008, quando o Conselho Nacional assunto foi evoluindo, a Convenção to das casas. No Mississipi, a construção de Desenvolvimento Científico e passou a tratar do tema de forma mais de diques para conter o alagamento Tecnológico (CNPq) abriu editais para a abrangente, mostrando que sua impor- periódico das áreas úmidas permitiu a criação de institutos nacionais de ciência tância é muito maior do que sempre se abertura de áreas para a agricultura.

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Mas a prática acabou causando habitado por diversas espécies de peixes. conhecimento levando em conta a grandes enchentes: a força das águas O mercado municipal ficava onde hoje realidade do Pantanal como planície fez com que os barramentos se funciona a sede do Ganha Tempo e os alagável e não retratos específicos de rompessem trazendo danos não só pescadores subiam o curso d´água de momentos de seca ou inundação”, para o meio ambiente, mas também canoa para venderem seus produtos. explica o professor Junk.para a economia. No Brasil, um grande Naqueles dias, a vegetação era densa e o Os cientistas atuam em projetos para exemplo são as enchentes que clima da cidade, bem mais ameno, como auxiliar em planos de manejo e conhecer atingiram São Paulo em 2010. Com as lembra o historiador Aníbal Alencastro. tanto o impacto da ação humana nos áreas úmidas cobertas pelo asfalto, a "A temperatura média de Cuiabá era de biomas quanto as estratégias de água não tinha para onde escoar, 24 graus até os anos 60. Eu mesmo usava sustentabilidade das comunidades criando alagamentos que duraram farda como uniforme escolar sem tradicionais. Há também pesquisas semanas. nenhum incômodo", conta Aníbal. como o estudo de princípios ativos de "As áreas úmidas fornecem alimentos e O historiador relembra que toda a história plantas e a análise das relações medicamentos produzidos a partir de de Cuiabá nasceu justamente em volta do culturais entre os homens e as áreas princípios ativos encontrados nas rio, que fornecia as condições necessárias à úmidas. Toda essa produção científica plantas e contribuem imensamente sobrevivência. "Conforme a população é acompanhada por um comitê para a manutenção da vida na Terra", foi crescendo, o rio foi sendo assorea- científico internacional, composto por discorre Paulo Teixeira de Sousa Jr. Não do, recebia esgoto in natura - como a pesquisadores de diversos países. "O por acaso, Mitsch e Gosselink também maioria dos nossos rios recebe até hoje que desenvolvemos aqui será valioso cunharam a expressão "supermercados - e tudo foi mudando", narra. Em para o mundo inteiro. Se pararmos ecológicos" para descrevê-las no livro meados dos anos 60, o poder público para pensar, as áreas úmidas devem "Wetlands". Segundo os escritores, o transformou os dois lados do rio em vias ser tão valorizadas quanto a arroz cultivado nesses locais alimenta de acesso ao bairro do Porto. As políticas Amazônia, já que prestam uma gama mais da metade da população mundial, públicas de "adequação" não pararam por muito ampla de serviços ambientais", sem falar nos peixes e em vegetais aí. Como o Córrego alagava constante- destaca Paulo Teixeira, lembrando o como a zizanialatifolia, que faz parte da mente foi preciso dragar o rio. A "solução" valor econômico destes territórios, alimentação na China. "É uma caracte- final veio na década de 90, quando o que durante tanto tempo foram rística forte de suas águas proporcionar governo da época decidiu tampar o destruídos em nome de um suposto um habitat favorável para uma grande córrego. "A falta de consciência é tão progresso.variedade de espécies de plantas e grande que em vez de tombar o que Como pano de fundo para todo esse animais", diz o professor Paulo. Isso deveria ser considerado o coração da trabalho está o objetivo de mudar a explica porque os mangues são chama- cidade, decidiram esconder, sepultar essa forma como o homem se relaciona com dos de berços da vida marinha e locais área úmida, mudando para sempre a face a natureza. "Temos muito a aprender como o Pantanal abrigam uma biodiver- da cidade", lamenta Aníbal. com as populações tradicionais do sidade que vai de microoganismos Cátia Nunes reforça a indignação com esse Pantanal, que sabem viver em harmo-aquáticos até grandes predadores, como tipo de comportamento. "As pessoas nia com o meio ambiente e tiram seu a s o n ç a s . sempre trataram as áreas úmidas como se sustento dele sem destruí-lo", analisa As áreas úmidas também têm papel fossem algo indesejável. Isso é algo que Cátia, ela mesma nascida e criada no importante no ciclo de carbono, como precisa mudar", diz. O conhecimento Pantanal. Se a história continuar no caso dos pântanos boreais, no Ártico, científico produzido nos laboratórios parecida com a Convenção de Ramsar, e das veredas do Cerrado. As plantas associados ao projeto deve servir para em breve, do Centro Geodésico da absorvem o gás carbônico na atmosfera formar profissionais na área, dar suporte América do Sul sairá também um e depois, quando a vegetação morre e a políticas públicas de proteção e manejo grande movimento para mostrar ao cai no solo, o elemento permanece sustentável do ecossistema e esclarecer e homem a importância de se trabalhar estocado ali. Toda essa dinâmica ajuda a conscientizar a população como um em conjunto com a natureza em vez de regular o clima, na medida em que todo. tentar moldá-la a interesses momentâ-contribui para diminuir os efeitos do O primeiro grande projeto do Inau é o neos.aquecimento global. levantamento das grandes e médias As demonstrações de como o mau uso áreas úmidas de Mato Grosso e Mato das áreas úmidas pode afetar a qualida- Grosso do Sul e o desenvolvimento de de de vida da população não estão um sistema de classificação para essas distantes. A história do Córrego da zonas. “O estudo integrado da fase seca Prainha, no Centro da capital mato- e da fase aquática é uma abordagem grossense, é um bom exemplo. Até o relativamente nova nas pesquisas sobre início do século, ele era um rio navegável, essas áreas. Nosso objetivo é produzir

Quem ParticipaInau- 173 pesquisadores - 9 instituições - 4 estados brasileiros: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Pará (UFMT, Uniderp, UCDB, USP, Unesp, Inpa) 4 universidades estrangeiras - Universidade de Hamburgo; Universidade Konstanz; Universidade British Columbia e California

Tocando o Futuro

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Jovem Cientista

Saúde IndígenaAluno de enfermagem mergulhou no tratamento com antibióticos dado às populações nativas

s índios Xavante até tentaram fugir de MT no período de 2007 a 2008”. Em um população poderíamos saber os germes de ano de observação foi possível constatar maior prevalência e utilizar um antibiótico do contato com a sociedade que a população indígena em questão é especifico para eles, o que chamamos de Onacional. Trocaram o norte do acometida por doenças de fácil prevenção e antibiótico de estreito espectro”, explica. território, hoje goiano, por terras mato-detecção precoce, além de não exigirem O impacto das constatações e da conclusão grossenses. Mas foi em vão. Não havia terapia de alto custo. “São patologias que do pesquisador foi positivo e surpreenden-

quem detivesse a política expansionista a deveriam ser evitadas, mas que infelizmente te, tanto que entre os 166 trabalhos de

partir dos anos 30. Aos poucos, os Xavante, chegam até a unidade hospitalar, exigindo o diferentes categorias avaliados pela

que sempre acreditaram que feitiços e uso de antibióticos – o que se torna um risco comissão julgadora, a pesquisa de Rhéure pressões espirituais os faziam adoecer, para a seleção de microorganismos está entre os 23 estudos eleitos. Motivo de foram obrigados a frequentar hospitais, resistentes”. orgulho para toda a academia mato-acreditar em microorganismos, compreen- O jovem cientista percebeu ainda que, no grossense, Rhéure agora faz mestrado na der as infecções e a usar comprimidos para hospital, não foram realizados exames para Universidade de São Paulo (USP) de

identificar os microorganismos. Dessa Ribeirão Preto, na área de Farmacologia. escapar da morte. forma, os profissionais prescreviam o “Meu mestrado não dá continuidade a esta Foi tentando compreender esse contexto antibiótico contra uma grande quantidade temática, mas espero, no futuro, ter a que o estudante de Enfermagem da UFMT de patógenos. Tal forma de tratamento foi oportunidade de direcionar minha pesquisa Rhéure Alves Moreira Lopes se destacou observada principalmente na população para esta população, uma comunidade como o jovem cientista. Recebeu o Prêmio indígena e preocupou o pesquisador, carente de estudos e que necessita de Nacional de Incentivo à Promoção do Uso porque isso força as trocas de antibióticos e melhor atenção”, conclui.Racional de Medicamentos, do Ministério pode levar a cepas resistentes. da Saúde, por apontar o uso indiscriminado Entre fatores que levaram ao aparecimento de antibióticos por indígenas, ainda que em das patologias evidenciadas no estudo em meio à escassez de estudos relacionados à questão, Rhéure destaca a falta de higiene saúde desses povos. sanitária na comunidade indígena, além do Antes mesmo de a superbactéria ter desmame precoce, tornando deficiente o visibilidade nacional nos noticiários e de os sistema imunológico das crianças. órgãos de fiscalização anunciarem a Consequentemente, a frequência com que preocupação com a venda indiscriminada eles adquirem doenças como pneumonia é de medicamentos, em especial os antibióti-maior que entre as não indígenas. O fato de cos, Rhéure estava junto aos Xavante para não haver exames para identificar o agente verificar o tratamento antimicrobiano etiológico também sugere que o uso de utilizado nas duas populações (indígena e medicamentos na aldeia não obedece às não-indígena), em um hospital da cidade de exigências para a prescrição. Barra do Garças. Frente a todas essas constatações, o jovem O interesse pela temática surgiu durante a pesquisador propõe o uso racional de graduação em enfermagem, quando teve a medicamentos com base na identificação oportunidade de visitar terras indígenas por do germe que causa a infecção. Como não é meio da disciplina “Saúde Indígena”, que possível fazer isso para todos os pacientes balizou o trabalho premiado. “Ao observar a indígenas, sugere a construção de um perfil precariedade que havia nessas comunida-microbiológico. Tal perfil seria construído des, houve grande interesse de minha parte depois da realização de exames microbioló-em verificar e ao mesmo tempo legitimar gicos em parte da população. com informações de não-indígenas”, “Em geral, os microorganismos que geram recorda. uma patologia em uma determinada As análises resultaram na pesquisa de população vêm com sinais e sintomas conclusão de curso “Antibioticoterapia semelhantes. Assim, com a construção de Dispensada a Crianças Indígenas Xavante e um perfil microbiológico para aquela não Indígenas Internadas em um Hospital

Quem faz:Pesquisador: Rhéure Alves Moreira LopesDepartamento e Instituto: Campus Universitário do Araguaia - UFMTPremio: Prêmio Nacional de Incentivo à promoção de Uso Racional de Medicamentos.Órgão financiador: Sem financiamento

Caroline Lanhi

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Diário de Campo

á 30 anos, professores e alunos da Além de estudar os processos germinati-Faculdade de Engenharia vos das sementes florestais, no laboratório HFlorestal (FENF), da Universidade são verificadas a morfologia, anatomia,

Federal de Mato Grosso (UFMT), desen- coleta, beneficiamento, secagem e volvem pesquisas para conhecer o condições de armazenamento para processo germinativo das sementes manutenção e conservação da qualidade florestais do Estado. Com esses estudos é das sementes. Os trabalhos dos pesquisa-possível verificar a viabilidade produtiva e dores que se dedicam a esse tipo de econômica das sementes destinadas à estudo caracterizam-se como sendo de silvicultura mato-grossense. formiguinha, pois exigem paciência e Inicialmente, as pesquisas com foco em muita dedicação. As observações come-sementes florestais eram realizadas no çam no campo, durante a aquisição das mesmo espaço dedicado aos estudos sementes. Para isso, os pesquisadores agrícolas. Somente a partir de 1997 houve também precisam perceber os eventos uma divisão e surgiu o laboratório de biológicos da planta até a fase reprodutiva. Sementes Florestais, coordenado pela Quando a fertilização é efetivada, é professora e doutora em Ecologia e necessário acompanhar o crescimento e o Recursos Naturais, Joana Maria Ferreira desenvolvimento dos frutos e sementes Albrecht. De lá para cá, foram produzidas até que eles atinjam o auge da maturação várias pesquisas que contribuíram para para fins de colheita de sementes ampliar os conhecimentos do processo altamente qualificadas. A avaliação do germinativo das espécies florestais nativas amadurecimento de uma espécie de Mato Grosso. florestal pode durar vários anos. Tudo “A semente é a base para qualquer depende das condições climáticas e da empreendimento florestal. Muitos estudos disponibilidade do pesquisador, que foram desenvolvidos e tiveram como precisa estar atento a todas as modifica-resultado a temperatura ideal de germina- ções ocorridas na árvore até a produção ção para uma espécie, assim como as da semente.condições básicas de luz, umidade e Na UFMT já foram realizados acompanha-substrato. Isso é importante, pois nem toda mentos de maturação de sementes de semente submetida às condições de várias espécies. Entre eles estão os estudos germinação inicia prontamente o seu feitos com as espécies florestais cambará e desenvolvimento e a emergência de sua aroeira, típicas no cerrado mato-grossense. estrutura embrionária para a fase de Nos experimentos são avaliados os três plântula*. Existem sementes que mantêm parâmetros indicadores do ponto de a dormência, ou seja, um processo que maturação: o máximo do peso seco, vigor mantém o estágio de inatividade do e de germinação. “Nós também medimos embrião e que faz parte da estratégia outros parâmetros, mas, dentre todos, ou mecanismo de sobrevivência da esses três dão a condição final do ponto de espécie para superação de adversida- maturação. É preciso perceber quando as des ambientais que possam compro- folhas caem, a iniciação dos botões florais, meter seu crescimento. Neste caso, a abertura da flor, a polinização, a queda para que ela germine é necessário das peças florais, a fertilização e o surgi-quebrar a dormência da semente”, mento e desenvolvimento dos frutos e explica Joana, que também coordenou sementes”. Durante todas estas etapas são o projeto Rede de Sementes da coletadas amostras e levadas ao laborató-Amazônia Meridional (veja mais rio para as determinações e avaliações dos detalhes no Box). parâmetros e de todo o conjunto de

Por Camila Tardin

*"Plântula resulta do desenvolvimento das

estruturas presentes no embrião; compõe-se das

seguintes partes: plúmula, epicótilo, cotiledones,

hipocótilo, coleto e radícula".

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O dia-a-dia no laboratório de sementes

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Diário de Campo

observações. acrescentando que também são O laboratório é dividido em três importan- poucos os conhecimentos relacionados tes áreas com distintas funções: sala de à época de colheita, maturação, germinação, onde são preparados os armazenamento e germinação das testes; a sala para a recepção das sementes, sementes de espécies nativas.onde é registrada a entrada do material, Foi no laboratório da UFMT que Bruna dados sobre a data e local de coleta, começou sua paixão pela pesquisa e coordenadas geográficas, área de produ- ensino: “Lá era minha segunda casa. ção, entre outros. As sementes são Quando não estava em sala de aula estava recebidas e armazenadas em câmara seca lá auxiliando com aulas, experimentos e ou fria conforme necessidade da espécie. monografias e, até mesmo, estudando Existe também a sala de beneficiamento para as provas e fazendo os trabalhos das para retirada das sementes do fruto e disciplinas do curso. Conheci pessoas limpeza do lote ou da amostra. maravilhosas, com as quais tive oportuni-

dade de crescer muito, tanto academica Dedicação como pessoalmente”.

Segundo Joana, é muito importante Nas férias da faculdade, Bruna aproveitava conhecer as exigências do processo para fazer estágios em laboratórios de germinativo e a qualificação das sementes semente e viveiros de outros estados, das espécies florestais para não correr o como São Paulo e Minas Gerais e o Distrito risco de investir na produção de mudas de Federal. A experiência rendeu-lhe uma rica qualidade para um projeto florestal e não bagagem de conhecimento e experiência conseguir resultado satisfatório. para colocar em prática o aprendizado A engenheira florestal Bruna Cristina adquirido após a conclusão da graduação. Almeida, graduada em 2010, compartilha Hoje, a engenheira faz assessoria para do mesmo ponto de vista da professora. viveiros e auxilia o pai, que trabalha com De acordo com ela, quem não conhece os sementes agronômicas, como milho e fatores que afetam a fisiologia das semen- feijão. A jovem também é aluna em regime tes e ao mesmo tempo não souber especial do Programa de Pós-Graduação conservá-las, não terá condições de em Ciências Florestais e Ambientais da produzir muda florestais com qualidade. UFMT. Bruna foi uma das alunas que se O laboratório de Sementes Florestais da destacou no laboratório de Sementes FENF também foi a principal base de Florestais da FENF, como estagiária e aprendizado da recém formada Amanda monitora da disciplina sementes Georgina Ferreira da Silva. “O conhecimen-florestais. O interesse em recuperação to adquirido ali será sempre aplicado na de áreas degradadas estimulou a minha profissão. A matéria de sementes jovem a priorizar os estudos nesse florestais foi a base principal no aprimora-campo. “É uma área, que devido à mento, aperfeiçoamento e conhecimento grande diversidade de espécies, ainda de todas as áreas que compõem a tem demanda para pesquisa”, afirma, silvicultura e viveiros florestais.”

Criado em 2001, o projeto Rede de Sementes da Faculdade de Engenharia Florestal da UFMT, sob a Amazônia Meridional (RSAM) tinha como objetivo coordenação da professora Joana Maria Ferreira estruturar uma rede de informações sobre produção, Albrecht, em parceria com instituições dos setores beneficiamento, armazenamento e comercialização de públicos e privados e com o financiamento do Fundo sementes nativas do bioma "Amazônia Meridional" – Nacional do Meio Ambiente (FNMA). correspondente ecologicamente à área de transição Segundo Joana, a proposta da rede continua, mas entre o cerrado e a floresta amazônica. As pesquisas depende de novos projetos e financiamentos para ser aconteceram em Mato Grosso, Pará e Rondônia. fomentada nos polos de pesquisa já criadosO projeto, concluído em 2005, foi executado pela

Rede de Sementes da Amazônia Meridional

Equipe de trabalho da Faculdade de Engenharia Forestal da UFMT

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Canto Coral:

m um tempo que não havia Facebook, Orkut, Twitter

ou Messenger o Canto Coral se mostrou uma Eeficiente forma de interação social. Está presente nos

registros do antigo Egito, Mesopotâmia e Grécia. Talvez seja

uma das mais antigas atividades de interação e a mais

contemporânea também, pois continua unindo pessoas

com uma característica em comum: o gosto pelo canto.

Além de estar nos tradicionais teatros e nas igrejas,

encontrou espaço em escolas, universidades, associações,

empresas públicas e privadas. O canto coral faz parte da cultura de diversos países. No Brasil, a maior é a socialização, a integração de servidores, colaboradores, presença dessa prática já era observada entre as tribos indígenas funcionários e colegas por meio do canto. E com os ensaios em grupo, os e africanas, que chegavam ao país como escravos, ainda que não participantes têm noções sobre temas como: saúde vocal, música, fosse considerada coral. Com a chegada dos jesuítas, iniciaram- repertório, partituras. se as primeiras formas de coral, mas foi no século XX, por meio Assim, o canto coral está presente na sociedade como meio de formação, do movimento do Canto Orfeônico desenvolvido por Villa Lobos, socialização e prática dos valores humanos. Indiretamente, a atividade que o canto coral começou a tomar forma. coral amadora contribui para que os tímidos se tornem pessoas mais Aos poucos essa arte se tornou uma rica prática cultural com poder de desinibidas. Já aqueles que mal se conhecem, acabam criando novos socialização e educação. É o caso dos coros amadores, cujo objetivo laços afetivos e círculos de amizade. A regente do Coral UFMT,

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Arte Aqui e Agora

Caroline Lanhi

A Arte de Socializar, Educar e Encantar

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Arte Aqui e Agora

Dorit Kolling, acrescenta à lista de fizeram de Naíse uma eterna apaixonada por lembrar que cada ouvinte recebe de um vantagens do canto coral o aumento da essa arte, o que a impulsiona difundi-la. jeito a música, pois todos eles são autoestima, pois aos poucos o participante influenciados por questões históricas e vai observando seu progresso e adquirindo culturais”, destaca Vilani.confiança. Nesse processo, há também o O Be-A-Bá Os componentes do coral são divididos em desenvolvimento da expressão corporal, do quatro grupos - mais conhecidos como desenvo -vimento músico-vocal, além dos O coral é formado por um grupo de 20 ou naipes - de acordo com a classificação bene-fícios para a saúde vocal, já que o mais pessoas, as quais se reúnem para vocal. Aproximadamente 70% do repertório coralista aprende a educar e a cuidar da voz. cantar a uma ou mais vozes, todas sob o coral é composto ou arranjado para coros a O preparador vocal André Vilani vai além. comando de um regente. Os coros maiores quatro vozes.Vê o coral como a sociedade ideal, na qual (mais de 50 ou 60 cantores) são indicados Entre as vozes femininas, há os sopranos as peças devem estar em perfeita harmonia para interpretar músicas sinfônicas e é mais (vozes agudas) e contraltos (vozes graves). para se chegar ao fim para o qual foi criada, comum se apresentarem com orquestras, Há, ainda, a possibilidade de a pessoa ser ou seja, transformar a vida humana em algo conta a regente. classificada como mezzo, que está entre as melhor. “Nessa comunidade, uma peça não Com menos de 20 pessoas temos um madrigal, duas classificações e é a voz feminina mais é mais importante que a outra, pelo já a composição entre seis e oito pessoas é encontrada no Brasil. Com as vozes contrário, uma peça serve à outra da chamada de grupo vocal que, normalmente, masculinas a divisão é a mesma, mas as melhor forma que puder”. canta com acompanhamento instrumental e denominações são diferentes. A voz aguda Naíse do Vale Santana atesta o poder de tem no repertório canções mais ágeis ou cheias é classificada como tenor e a grave como envolvimento do coral por meio da sua de dissonâncias e dificuldades melódicas e baixo. A voz intermediária é chamada de própria história. Ela, que hoje é supervisora rítmicas. barítono. do Coral da Universidade Federal de Mato Kolling explica ainda que, sob a perspectiva No entanto, com as crianças a divisão é Grosso, lembra que seu envolvimento com da música, o canto coral baseia suas diferente. Dorit explica que, como elas a música começou dentro de casa. Sempre atividades na execução de peças musicais possuem as vozes semelhantes - pois as foi influenciada pela mãe e pela irmã que escritas especialmente para coro ou arranjos pregas vocais são do mesmo tamanho, não cantavam na igreja evangélica. para coro de canções folclóricas e populares, há uma divisão por naipes entre meninos e Aos 17 já tocava acordeom e ajudava nos com ou sem acompanhamento instrumental. meninas, como o que ocorre com as vozes cantos da igreja. Já nessa época foi Cantando sem acompanhamento musical, adultas. Assim, a classificação vocal no coro convidada a auxiliar os trabalhos do diz-se que o coro está cantando “a capella”. infantil é feita por meio do timbre das primeiro regente do Coral da UFMT, Peter No Coral os participantes são chamados de vozes: vozes com timbres mais claros e mais Ens. Isso foi em 1980 e desde então não coralistas ou coristas, mas tecnicamente, escuros. É a partir da muda vocal que se largou mais o canto coral. Até fez faculdade como explica Vilani, são instrumentistas e a identifica a voz que aquela criança/jovem de Nutrição, mas a arte “cantou” mais alto. voz é o instrumento. Juntos e sob a terá ao passar para a vida adulta.“Encanta-me a forma como, por meio do coordenação de um regente, entram em Coral, conseguimos formar outra família”. harmonia e resultam naquilo que o público Cursos rápidos de regência ajudaram no seu ouve e admira. Na regênciaaperfeiçoamento e com isso chegou a E são três os tipos de ouvintes. O primeiro é trabalhar em corais de empresas privadas. o compositor, o segundo o regente e o No canto coral, nenhum cantor é melhor Esses 31 anos de envolvimento com coral terceiro o público em geral. “É importante

l

que o outro, destaca o preparador vocal

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Arte Aqui e Agora

André Vilani. Todas as vozes têm o mesmo Gabriel Novis Neves espaço e relevância. É por nenhum coralista e Benedito Pedro se “destacar”, que se tem a impressão de que Dorileo, então reitor “ninguém” o está ouvindo, e isso acaba dando e vice-reitor da mais segurança ao coralista, principalmente se UFMT. for amador. Apesar de não haver destaques, o Ao longo desses 31 coro sempre deve ser conduzido pelas mãos anos, o Coral pôde de uma única pessoa (o regente), pois se cada contar com a regên-integrante quisesse dar a sua interpretação cia de grandes teríamos o caos. figuras como Peter O regente é o intérprete, aquele que, Ens, Vilson Ga-influenciado por uma bagagem histórica, valdão de Oliveira e cultural e profissional, vai fazer uma releitura convidados. A atual das composições. O preparador vocal regente, a maestrina lembra que para ser um regente de coral e D o r i t K o l l i n g , interpretar as composições, o profissional assumiu a direção deve saber todo o contexto em que o artista artística e regência criou aquela música, as influências artísticas do Coral em agosto da época, o período histórico e a vida do de 1989. Segundo compositor. Entretanto, o regente também ela, o Coral desen-coloca suas experiências na interpretação. volve um trabalho

musical voltado aos estudantes de diversos “A dinâmica é o que dá movimento à música Para as crianças entrarem no Coral Infanto-

cursos da Universidade, além de professores, e isso é definido pelo compositor/arranjador Juvenil é necessário que os pais apresentem

servidores e comunidade em geral.e recriado pelo regente. Por isso a importân-o atestado de matrícula do filho, além dos

cia de conhecer o contexto e estética em que Conta a regente que, por meio da arte do documentos pessoais. Quem deseja

a música foi concebida”. E, dessa forma, com canto coral, o grupo, que está em constante descobrir mais sobre essa arte pode ligar

a arte superando a vaidade de cada um, renovação, representa a UFMT em inúmeros para (65) 3615-8307.

quem ganha é o ouvinte, que deixa o congressos e cursos realizados na capital e no espetáculo com a certeza de que saiu interior do Estado, sempre com um repertório melhor do que quando entrou, conclui o variado, que vai da música erudita à popular, preparador vocal. passando pela folclórica, sacra e regional. A

Orquestra Sinfônica da UFMT também é parceira do Coral e frequentemente os grupos se unem para encantar os mato-grossenses com o mais rico repertório sinfônico.Coral UFMTAlém de apresentações e concertos em Cuiabá e no interior do Estado, o Coral da UFMT já participou do Encontro de Festivais de Coros em Em 29 de abril de 1980 nascia na diferentes cidades do Brasil e garantiu presença Universidade Federal de Mato Grosso aquilo em eventos internacionais, como no Paraguai, que seria um núcleo gerador de atividades no Uruguai e na Argentina. culturais na Universidade e na capital mato-Atualmente o coral da universidade possui grossense: o Coral UFMT. Os responsáveis dois grupos: o Coral UFMT, for-mado por por essa criação foram os professores

aproximadamente 50 coralistas, que tem na regência Dorit Kolling e con t a com a preparação vocal de André Vilani; e o Coral Infanto-Juvenil da UFMT, formado por aproximadamente 60 crianças e adolescen-tes sob a regência do aca-dêmico Adonys Aguiar. Todo início de semestre o Coral recebe inscrições de novos participantes q u e , a p ó s u m a avaliação músico-voca l , passam a integrar o grupo.

Quem FazProjeto: Coral UFMTPrograma: Programa de Extensão Coral UFMTInstituto/ Departamento: Coordenação de Cultura/Coral UFMT - Instituto de Linguagens/ Departamento de ArtesPesquisador: Dorit KollingÓrgão financiador: UFMT

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Mistérios da Vida

Nem tudo que cai na rede

é peixe

Funcionário de uma empresa de georrefe- cidade da região noroeste do Estado, a 830

renciamento, Carmo costuma viajar pelo quilômetros de Cuiabá. “Esta última vez

interior de Mato Grosso e de outros fiquei muito ruim. Muita dor nos ossos, na

estados. Tem o perfil típico dos contamina- nuca, na testa. Ela (a malária) castiga a

dos pela doença: transita na divisa de gente”.

estados endêmicos como Amazonas e Pará, Carmo está entre os 2.162 casos registrados

frequenta locais onde há presença do vetor no ano passado em Mato Grosso pelo

e de criadouros e trabalha diretamente com Sistema de Informação do Ministério da

a floresta. Foi infectado pela última vez em Saúde. A Secretaria de Estado de Saúde

abril de 2010, provavelmente em Juruena, (SES/MT) considera a doença parcialmente

Em Mato Grosso, cientistas se empenham para que tanques de piscicultura não se

tornem focos de proliferação do mosquito da malária.

Caroline Lanhi

izem que a sorte não bate à porta duas

vezes. Ovídeo Caetano do Carmo, 56 anos, Ddesconsidera esse ditado, pois perdeu as

contas de quantas vezes escapou da morte. A prime-

ira vez foi em 1979, quando pegou malária aos 25

anos. De lá para cá é como gripe para ele. “Ela já me

pegou umas 30 vezes”. Companheiros de trabalho

infectados com doença ficaram pelo caminho, mas

ainda assim o medo da morte não faz mais parte dos

sintomas. “Vi gente morrer, mas como peguei

muitas vezes, nem tenho mais medo”.

Quem FazProjeto: Avaliação de espécies do gênero oxydoras como peixes lavófagos no controle de formas imaturas dos vetores de malária. Equipe: Cor Jesus Fernandes Fontes (Coordenador)Arestides Massao NachiAna Lucia Maria RibeiroAdriana Carneiro da Silva MartinsEucilene Alves Santana PortoJorge Senatore Vargas Rodrigues

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Mistérios da Vida

controlada no Estado, mas o cenário O estudo, financiado pelo Ministério da são criadouros potenciais para as larvas não é de calmaria para pesquisadores Saúde via termo de Cooperação com a dos anofelinos. Portanto, se houver uma da Universidade Federal de Mato Organização Pan-Americana da Saúde – pessoa infectada com o parasita no local Grosso (UFMT) e Consultores de OPAS/ OMS, investigou 17 tanques de onde existe o criadouro do mosquito, esta Vigilância em Saúde Ambiental, os quais piscicultura em Várzea Grande, Cuiabá, localidade poderá formar um foco da vêem na expansão dos tanques de Nossa Senhora do Livramento e Santo doença”.piscicultura no Estado um fator de risco Antônio do Leverger. Lá, foram encon- Ovídeo, que não fala em sorte, garante para a saúde pública quando não tradas larvas de anofelinos de oito que nessas três décadas de convivência manejados de forma correta. espécies em 13 dos 17 tanques com a malária, não viu um foco da

analisados. Vinte e dois por cento das Nesses tanques, entre pacus, tambacus doença se formar, exceto nas regiões de larvas eram Anofelinos darlingi, principal e tambaquis nasce um ser com menos mata que frequenta. Doutor em estudos vetor da malária na Amazônia brasileira de um centímetro de comprimento, que sobre a malária, referência sobre o

vive entre eles no mesmo assunto no Brasil, Cor Jésus ambiente. Depois se Fernandes Fontes, da transforma num inseto Faculdade de Medicina da adulto voador com corpo UFMT, lembra que a delgado e longas pernas. p reocupação com a O nome dele é Anopheles expansão da malária existe e preocupa os cientistas e, por isso, a atenção deve que estudam a malária, ser redobrada. É que o pois é o mosquito vetor governo estadual tem dessa doença. investido pesado para que

Mato Grosso se transforme Apesar de pequenas e em referência na produção aparentemente inofensi-de peixe de água doce. vas, várias espécies do

gênero Anopheles são Em uma de suas pesquisas, vetoras do Plasmodium, o Cor Jésus mostra que a protozoário causador da população de mosquitos malária – aquela infecção diminuiu devido à expan-que há 31 anos perturba a são agrícola, atividades vida de Ovídeo Caetano. E basta uma (ver gráfico). garimpeira e outras q u e pessoa infectada – como o trabalhador contribuíram para o desmatamento. Apesar do número aparentemente do georreferenciamento – dividir o Entretanto, os mesmos insetos de corpo baixo, Ana Lúcia afirma que esses dados mesmo espaço com o delgado e pernas longas mosquito para os proble- podem voltar com os mas começarem. inúmeros tanques que

estão sendo construídos.Ana Lúcia Maria Ribeiro é entomologista e pesquisa-dora da UFMT e, juntamen-te com outros se is Alternativas pesquisadores e alunos de graduação, estudaram o potencial de tanques de O desafio dos pesquisado-piscicultura como criadou- res da UFMT é evitar a ros de mosquitos do proliferação de criadouros gênero Anopheles. Tendo do Anopheles nos tanques em vista que são um prato de piscicultura do Estado, cheio para a proliferação sem prejudicar a produção deles, pois têm água limpa de peixes. Para tanto, a e parada. Além disso, me sma e q u i p e q u e e s t ima- se que ha j a investigou a existência de

já demonstram o potencial dos tanques aproximadamente mil pisciculturas de larvas em tanques de piscicultura na

como criadouro para o mosquito da pequeno porte no Estado, grande parte baixada cuiabana, agora pesquisa uma

malária. “Os tanques de pisciculturas concentradas na baixada cuiabana. forma de monitorar o crescimento dessa

An. triannulatus

An. banarrochi

An. rangeli

An. nuneztovari

An. albitarsis

An. strodei

An. argyritarsis

Anofelinos darlingi

0% 5% 10% 15% 20% 25%

9.000

8.000

7.000

6.000

5.000

4.000

3.000

2.000

1.000

020052003 2004 2006 2007 2008 2009

Casos de Malária em MT

20

Page 21: UFMT Ciência nº 3

Mistérios da Vida

Cerca de 80% dos casos de malária se concentram no Noroeste do estado de Mato Grosso, região com maior transmis-são da doença, devido à proximidade com a fronteira e divisa com outros estados endêmicos para a malária. Os sintomas são tão indesejáveis quanto os da dengue: febre de até 40º C, dores de cabeça e pelo corpo, suor intenso e vômito. Alguns também sentem fadiga.

Enquanto os cientistas estudam uma forma de conter a proliferação do mosquito nos tanques, o governo atua nas regiões críticas (Noroeste) com ações de busca ativa, entomologia e controle químico. Além disso, há ações realizadas no restante do Estado como implantação da rede de diagnóstico, capacitação de profissionais e descentralização do sistema de controle de medicamentos.

Ainda assim, a técnica em epidemiologia Elaine Cristina de Oliveira acrescenta que

Realidade vizinhalarvófaga da espécie Oxydoras kneri, muitas dificuldades existem quando o

A malária infecta nada menos que 300 a 500 nativa dos rios mato-grossenses. assunto é identificação, tratamento e

milhões de pessoas no mundo por ano. O Os resultados demonstraram que o peixe controle da doença. “As duas principais são Brasil, segundo o Ministério da Saúde, é o abotoado prefere as larvas a outro a falta de conhecimento sobre a doença e o país das Américas que registra a maior alimento oferecido ao mesmo tempo, fluxo de pessoas, pois fazemos divisa com parte dos casos da doença (aproximada-portanto em condições de laboratório ele estados também endêmicos, como mente 50%) e a região amazônica é é um bom predador. Resta agora testar Rondônia, Amazonas e Pará, o que responsável pela quase totalidade dos em condições de campo. atrapalha a identificação e o tratamento casos, 99,7%. Essa região reúne condições “O problema é que o abotoado é um oportuno”.socioeconômicas e naturais propícias para peixe grande, que vive nos fundos dos Outro problema está relacionado ao serviço desenvolver criadouros dos anofelinos, rios. Ele pode acarretar prejuízo ao de saúde oferecido nos municípios que como mata densa e muita umidade, piscicultor se começar a comer os alevinos registram baixa transmissão. Os profissio-atividades de extrativismo e formação de das espécies exploradas comercialmente”, nais têm dificuldade de identificar os casos, núcleos habitacionais desestruturados nos explica a bióloga Ana Lucia Maria Ribeiro. “pois ao aparecerem os sintomas, não arredores das cidades. Por isso, foi finalizado outro projeto de pensam em malária, mesmo estando em O Estado do Amazonas está completamen-pesquisa, coordenado pela doutora um estado endêmico”, explica. Essa te inserido nessa realidade e, além disso, Eucilene Alves Santana Porto e pela dificuldade foi vivida na pele por Nelson sofre influência da piscicultura. Na área pesquisadora Adriana Carneiro Martins, Baruh, 48, que acabou parando na Unidade periurbana e rural de Manaus há muitos com a meta de identificar as espécies de de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital tanques, grande parte deles para explora-lambaris ou matupiris do gênero Astyanax, Universitário Júlio Muller (HUJM), em ção comercial. Estudos revelaram que esses com hábito alimentar larvófago, pertencen- Cuiabá.locais se tornaram sítios de reprodução de te à bacia amazônica, em ambientes Morador de Sinop (501 Km ao Norte da Anopheles darlingi.naturais e pisciculturas. Os resultados foram Capital), Nelson pegou malária em uma Um desses estudos foi realizado em 2006 positivos em laboratório devido à ferocida- viagem de trabalho que fez a Rondônia. O pelo Laboratório de Malária e Dengue do de apresentada pelo Astyanax bimaculatus problema é que Baruh foi infectado por Instituto Nacional de Pesquisas da na preferência pela larva ao invés da ração dois tipos de Plasmodium: o vivax e o P. Amazônia (LMD/Inpa), como parte do oferecida. Os dados estão em análise falciparum, mas quando procurou um projeto “Controle da Malária e Estudos estatística para publicação. médico em Sinop apenas o P. vivax (o tipo Entomológicos: Tanques de Piscicultura e a “Sabemos que o lambari come larvas, mas mais brando) foi detectado. Proliferação de Anopheles darilingi – nos tanques em que encontramos larvas do O sinopense percebeu que havia algo de Mudanças na Ecologia e Monitoramento mosquito vetor da malária havia lambaris. errado, pois mesmo medicado continuava a em Manaus (AM)”. Se ele come, por que havia larvas ainda? sentir os sintomas da malária. Então, Os pesquisadores inspecionaram tanques questiona Ana Lúcia. aproveitou a viagem que teria de fazer a de piscicultura nas zonas Leste e Oeste de No entanto, as pesquisadoras acreditam Cuiabá por questões familiares e procurou Manaus, regiões com potencial pesqueiro que há também outros fatores, como a um infectologista. Imediatamente, foi elevado. Todas as coletas foram positivas relação entre a quantidade de peixes e a de encaminhado para o HUJM. Os médicos para anofelinos, confirmando a suspeita de larvas, variedade na oferta alimentar dos identificaram a malária do tipo P. falciparum, que os tanques representam um criadouro peixes, características de fuga de predação mas a doença evoluiu para falência renal e permanente no entorno da capital pelas larvas do vetor sendo necessária a pneumonia dupla. Nelson passou nove dias amazonense, já que as águas não sofrem a realização do experimento em tanques de na UTI e, após diversas sessões de hemo-influência do pulso da vazante.pisciculturas e não somente em laboratório diálise, conseguiu recuperar o funciona-

(ambiente controlado). mento dos rins. “As pessoas dizem que eu As dimensões do problema cheguei a passar para o outro lado.”

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Page 22: UFMT Ciência nº 3

Descobertas e Inovações

Ratos nadadores A pesquisa demonstrou que fazer primeira parte do projeto foi finalizada Para alcançar esse resultado, 20 ratos da atividade física regularmente ajuda a no ano passado. Os pesquisadores linhagem Wistar (com 60 dias de idade produzir no músculo enzimas que analisaram a atividade das enzimas no início do experimento) foram combatem as ações dos radicais livres – antioxidantes catalase (CAT), superóxido utilizados no estudo. A partir dos 90 dias responsáveis pelo envelhecimento e o dismutase (SOD) e glutationa peroxidase de idade, os animais foram divididos em desenvolvimento de doenças crônicas (GPx) na musculatura esquelética de dois grupos, cada um com 10 ratos. como diabetes, hipertensão, catarata, ratos submetidos ao treinamento Durante todo o experimento, um grupo entre outros problemas. O excesso de aeróbio de natação. Eles confirmaram de ratos foi mantido sedentário e o outro produção de radicais livres no organismo que o exercício físico aumenta a ativida-submetido ao treinamento aeróbio de danifica as células e, consequentemente, de dessas enzimas nos músculos e, natação em um tanque de água com prejudica a saúde, principalmente das consequentemente, iniben a formação temperatura em torno de 30 e 32 graus. pessoas que não praticam exercícios dos radicais livres. “Quanto mais A experiência durou 12 semanas. físicos. exercícios físicos uma pessoa faz, mais o Uma pequena bolsa, com 5% do peso O projeto, denominado “Marcadores organismo produz essas três enzimas corporal do rato, foi atada ao tórax de apoptóticos e de estresse oxidativo na tanto em quantidade como acelera a cada animal. A natação era feita uma musculatura esquelética de ratos atividade delas, que é inibir a ação dos hora por dia com direito a “folga” nos fins submetidos ao treinamento físico de radicais livres”, afirma Voltarelli. de semana. Nas primeiras semanas do natação”, é desenvolvido pela Faculdade No ser humano é comum os médicos experimento os ratos nadavam sem a de Educação Física da UFMT, sob a verificarem a concentração dessas bolsa, apenas na parte rasa do tanque, coordenação de Voltarelli, em parceria enzimas pelos exames de sangue. para se adaptarem à temperatura da com a Faculdade de Nutrição. Além Entretanto, pesquisar o comportamento água. disso, conta com o apoio do programa delas no tecido muscular esquelético dos A escolha desses animais para o experi-de pós-graduação em Biociências da ratos é diferente, pois o músculo é um mento tem motivo. Segundo Voltarelli, o UFMT e é financiado pela Fundação de dos tecidos mais ativos do organismo. DNA dos ratos é 99,4% igual ao do ser Amparo à Pesquisa de Mato Grosso No sangue, as substâncias podem ser humano. Isso significa que eles têm (Fapemat). perdidas na urina ou nas fezes. Enquanto praticamente todos os órgãos, enzimas, O estudo foi dividido em duas partes. isso, o tecido muscular ainda está na proteínas e hormônios semelhantes aos Começou em 2009 e tem previsão de ser forma íntegra e torna a observação dos do homem. concluído até dezembro deste ano. A pesquisadores mais vantajosa.

Camila Tardin

uando alguém questiona qual a diferença entre uma pessoa atleta e outra sedentária, a resposta comum é: a primeira tem mais saúde Qdo que a segunda. Mas, para comprovar isso cientificamente,

Fabrício Azevedo Voltarelli, professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e doutor em Ciências da Motricidade, realizou experimentos com ratos treinados e sedentários a fim de verificar o comportamento dos radicais livres (moléculas produzidas durante a respiração) na musculatura esquelética desses animais.

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Pesquisa Experimental mostra diferenças entre quem faz atividade física e quem é sedentário

Page 23: UFMT Ciência nº 3

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Descobertas e Inovações

Porém, é claro, existem algumas pesquisadores irão comprovar, também

diferenças como o batimento cardíaco. através de experimentos com ratos, se

Um rato em repouso, por exemplo, tem os exercícios físicos reduzem a morte de

200 batimentos cardíacos por minuto, células no tecido muscular. Todos os

enquanto no ser humano a média é de dias, morrem e nascem várias células no

80 a 90 batimentos a cada minuto. organismo.

Voltarelli explica que fazer experiências Nesta etapa, os pesquisadores utilizarão

com ratos é um processo natural nas o método de “expressão de proteína”, ou

demais áreas de conhecimento das seja, irão quantificar as proteínas que

ciências da saúde, principalmente na existem no tecido muscular dos mesmos

medicina. No entanto, produzir pesqui- ratos que foram treinados e compará-

sas com ratos treinados é um novo los com os ratos sedentários.

modelo de experimento na UFMT. O projeto também foi submetido à

“Verificar nos ratos treinados que a aprovação para ser apresentado no

redução dos radicais livres diminui a congresso científico anual do American

morte celular, o que também acontece College of Sports Medicine, nos Estados

no ser humano, é um argumento a mais Unidos. A expectativa de Voltarelli é que

para convencer as pessoas a fazerem o trabalho contribua para que novas

uma atividade física pelo menos três pesquisas sigam esse modelo de estudo

vezes por semana”, esclarece. com ratos treinados e não apenas

Segunda etapa sedentários.

Na segunda parte do estudo, os

Quem FazProjeto: Marcadores apoptóticos e de estresse oxidativo na musculatura esquelética de ratos submetidos ao treinamento físico de natação.Faculdade: Faculdade de Educação Física da UFMT - Campus Cuiabá Equipe Técnica: Prof. Fabrício Azevedo Voltarelli (Coordenador - FEF/UFMT); Profa. Dra. Christianne de Faria Coelho Ravagnani (FEF/UFMT); Prof. Dr. Carlos Alexandre Fett (FEF/UFMT); Prof. Dr. Roberto Vilela Veloso (Fanut/UFMT); Prof. Dra. Márcia Queiroz Latorraca (Fanut/UFMT); Prof. Dr. Luiz Fabrízio Stoppiglia (Fanut/FEF); Profa. Dra. Maria Alice Rostom de Mello (Unesp/Rio Claro); Prof. Dr. José Alberto Ramos Duarte (FCDE/Portugal)

proximadamente 95% do oxigênio proveniente da enve-lhecimento

respiração são neutralizados pela cadeia respiratória p r e - c o c e ,

celular. Os 5% restantes são transformados nos radicais aparecimento de Alivres, que, se não forem eliminados adequadamente, ou d o e n - ç a s

estiverem sendo formados em excesso, podem prejudicar a degenerati-vas

saúde. Em pequena quantidade, os radicais livres trazem como câncer,

benefícios para o nosso organismo, pois as células de defesa do infarto, aci-dente

corpo humano os produzem para destruir vírus, bactérias e vascular cerebral

fungos que tentam (popularmente

nos a-gredir. Em conhecido como derrame), artrite, Alzaimer, Parkinson e várias

gran-de quantida- outras.

de eles são nocivos Os radicais livres são formados pelo estresse, sedentarismo,

ao corpo, porque consumo exagerado de açúcar, tabagismo, consumo excessivo

destroem o DNA, a de bebida alcoólica, de gordura poliinsaturada e trans, água e

membrana celular alimentos contaminados por agrotóxicos, excesso de exercícios

e l i g a - ç õ e s e outros fatores. Para combatê-los, a orientação dos médicos,

q u ím i c a s . N a nutricionistas e educadores físicos é ter uma vida equilibrada,

prática, os radicais sono tranquilo e alimentação rica em vitaminas C, A e E, frutas,

livres provocam verduras e legumes.

Saiba um pouco mais sobre os radicais livres

Page 24: UFMT Ciência nº 3

Será que é Verdade?

os 63 anos de idade, sitor Muíbo César Cury, em dentro. Ela não ficaria estática Hilda da Silva Oliveira, parceria com Teddy Vieira, aguardando o companheiro nascida e criada no recebeu o nome do pássaro. fechar a porta”.Amunicípio de Santo No trecho “Cego de dor, tran- Além disso, o pesquisador

Antônio do Leverger, ainda se cou a porta da morada, deixan- esclarece que existem situa-recorda das histórias que sua do lá sua amada presa pro ções em que o joão-de-barro avó contava em meio à escuri- resto da vida...”, é evidente a constrói a própria casa e, por dão que tomava conta da ciumeira do pássaro e sua alguma razão, ela é abandona-cidade quando a tarde caía. decepção com a traição da da, sendo, portanto, ocupada Naquele tempo, energia era amada. por outros tipos de aves como coisa rara e um dos passatem- Embora a letra da música seja pardal, canário, andorinhas e pos da criançada era escutar as famosa e, assim como dona até pequenas corujas. Abelhas lendas narradas pelos mais Hilda, muita gente já conheça a também podem ocupar a casa velhos. Uma delas era a do fama do joão-de-barro, sua de barro para produzir mel. joão-de-barro: “Ele prendia a história não passa de lenda. “Talvez, ninhos abertos, que fêmea se desconfiasse que Quem desmascara o mito, caíram e nos quais foram estava sendo traído e fechava a popularizado pela música, é encontrados esqueletos de porta da casinha até ela morrer Dalci Maurício Miranda de filhotes ou pássaros adultos lá dentro”, conta dona Hilda. Oliveira, professor e doutor em mortos, deram margem às Na época, a garotada até C iênc ias B io lóg i cas da interpretações da lenda”, acreditava, mas ninguém Universidade Federal de Mato complementa. chegou a ver tal feito. “Quando Grosso (UFMT). Especialista em Outra justificativa apresentada cresci, deixei de acreditar nessa aves, Oliveira explica que é por Oliveira é a desmitificação história. E também nunca vi a impossível um pássaro empa- sobre a relação monogâmica casinha fechada”, afirma com redar a fêmea e, muito menos, entre as aves, ou seja, a união convicção. se zangar com a traição: “Isso é exclusiva de um macho com A história do joão-de-barro um mito, porque há uma apenas uma fêmea. Segundo o também foi cantada por Sérgio impossibilidade técnica para pesquisador, a monogamia Reis e pela dupla sertaneja isso ser feito. Levaria um tempo entre as aves é rara.Tonico e Tinoco. A canção, de para ele fechar a abertura da

Antes do surgimento dos autoria do radialista e compo- casa de barro com a fêmea lá exames de DNA, acreditava-se

Camila Tardin

O pássaro João-de-Barro tranca a fêmea no ninho

por ciúmes?

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Page 25: UFMT Ciência nº 3

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Pássaro trabalhadorO joão-de-barro é uma das aves mais conhecidas do sul da Amazônia. Em Mato Grosso, ele está muito presente em municípios da região do Pantanal, onde também é conhecido como “amassa barro”. Nas cidades é muito comum ver ninhos construídos nos postes de energia elétrica.O ninho do joão-de-barro é feito com pelotas de barro amassadas, misturadas com folhas e gravetinhos. Por conta da resistência de sua moradia, recebeu a fama de pássaro trabalhador e também de arquiteto e engenheiro do próprio ninho. No Brasil, os pássaros que pertencem à família Furnariidae, como é o caso do joão-de-barro, constroem ninhos bem mais elaborados e resistentes.Não é possível dizer quanto tempo o ninho permanece conservado, mas o professor Dalci Maurício Miranda de Oliveira acredita que pode superar três anos, dependendo do local onde foi construído. “Todos os anos o pássaro faz um ninho e a fêmea também colabora com a

Cidadania (NIEVCi ) , da cem”; “o homem pode reprodução desses compor-UFMT, a utilização do mito, aprontar e sair limpo da tamentos é traduzida em na forma romanceada, como situação”; “o homem é mais contos, músicas, histórias é repassado, difunde a ideia esquentado do que a infantis, que são mecanis-de naturalização de uma mulher”, entre outras. mos muito eficientes para prática em que o “macho Com isso, segundo a pesqui- introjetar preconceitos e traído” tem o dever de punir sadora, a ideologia machista reproduzir estereótipos”, severamente a “ fêmea tem dado a direção na destaca Vera.traidora”. A sociedade ainda veiculação de imagens e está centralizada no patriar- adoção de comportamentos cado, ou seja, há predomi- socialmente esperados para nância dos valores masculi- homens e mulheres, forma-nos, que podem ser traduzi- tando os sujeitos que “man-dos por algumas afirmações, dam” e “os que obedecem”, tais como: “homem não como se isso fizesse parte da chora”; “os homens man- natureza dos machos e das dam, as mulheres obede- fêmeas, respectivamente. “A

Quem FazDalci Mauricio Miranda de Oliveira, formado em Ciencias Biológicas com doutorado em Ciencias Biologicas. Projetos: 1) PPBio Amazonia Meridional- UFMT/CNPq/INPA

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Page 26: UFMT Ciência nº 3

Cultura de Raiz

O nosso siriri/ tá ficando um colosso,/ vamos era considerado uma manifestação insípida, burlesca

dançá/ a tradição de Mato Grosso”, diz um e desagradável por boa parte da classe dominante – “verso do Siriri Baile da Roça. Ele traduz o política e econômicamente – de Mato Grosso e de

momento de graça vivido pelo siriri e cururu no Cuiabá.

Estado, uma época de espetacularização dessas Para a classe dominante da época, o que devia

manifestações culturais, de identificação e de prevalecer eram os hábitos da corte, a fim de mostrar

glamour. Os versos simples e a dança dramatizada, Cuiabá como um lugar “civilizado”. Aquilo que era

antes restritos às comunidades rurais, ganharam praticado por populares e escravos era visto como

status e hoje são vistos como a raiz da cultura mato- atrasado, algo a ser abandonado. “A mesma Câmara

grossense. que hoje exalta era aquela que criava mecanismos

O “marco” desse salto, segundo a comunicóloga e para coibir o cururu”, lembra o pesquisador. A

pesquisadora Giordanna Santos, foi a criação do justificativa era que havia consumo de bebida

Festival de Cururu e Siriri, em 2001. A partir disso, alcoólica por parte dos participantes à medida que

segundo relato dos brincantes à pesquisadora, os cantavam e dançavam, o que frequentemente

grupos saíram do anonimato e das festas de santo e resultava em brigas e badernas.

ganharam os palcos regionais e nacionais, eventos Mas, baseado nos documentos que analisou, Pereira

do governo, TV, revistas, jornais, folders e outdoors. Júnior vai além e explica que havia por trás desse

No caso específico do Siriri, conforme relata discurso o interesse de controlar a classe popular.

Giordanna, “pode-se dizer que a dança está na Para a elite, os ajuntamentos poderiam ser o

'fronteira' (ou no entrelugar) entre a tradição e o início de um complô contra seus membros.

contemporâneo, a rua e o festival”. “Assim como os grupos dominantes tentaram

Mas no século XIX, os círculos de homens entoando fazer com o samba no Rio de Janeiro e com o

versos em desafio ao som da viola de cocho (o batuque em Recife, queriam eliminar o cururu

Cururu) eram vistos como ameaça para a pomposa em Mato Grosso”, completa o historiador.

elite de Mato Grosso, aquela que frequentava teatro, Para se divertirem sem serem incomodados, os

dançava valsa e participava de saraus. Populares e cururueiros precisavam de uma autorização da

escravos que viveram no século XIX, mais especifica- polícia para se apresentarem - o que costumava

mente entre os anos de 1827 e 1900, eram proibidos acontecer em festas de casamento e de santos,

por códigos de posturas de praticar livremente o por exemplo. Apesar da tentativa de controle,

Cururu. nem sempre as regras eram seguidas e os

O historiador Cleber Alves Pereira Júnior se dedicou “artistas” populares burlavam a lei para exercer

aos estudos do Cururu nesse período histórico, sua vontade, ainda que pudessem acabar na

principalmente por perceber, ao longo de suas delegacia.

pesquisas, que essa prática cultural foi abraçada

como parte da identidade do Estado, ainda que

tenha sido proibida no passado. Para isso revirou os O cururu de ontem e hoje documentos estocados no Arquivo público de Mato

Grosso.

Nessa busca, pôde comprovar, por meio de relatórios Ao rever os documentos referentes à segunda de chefes de polícia, processos criminais, códigos de metade do século XIX, o historiador Cleber Alves posturas e outros documentos oficiais, que o Cururu

Caroline Lanhi

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Page 27: UFMT Ciência nº 3

Cultura de Raíz

Pereira Júnior pôde contar um pouco sobre

como era o cururu da época. Apesar de os

Os escritos de Joaquim Moutinho

tratam, dentre outros assuntos, dos

documentos (a maioria de cunho policial) não costumes populares e da participação,

abordarem a prática cultural de modo detalha- “às vezes”, das mulheres nas rodas

do, constatou que já na época se tratava de uma de cururu. “Nos processos

dança de roda com louvores aos santos. criminais e relatórios de

Os cantos entoados pelos participantes se chefes de polícia que citam o

davam na forma de versos e desafios, tudo Cururu, era recorrente a

embalado ao som de instrumentos musicais. Os presença da mulher em

palcos eram, geralmente, as festas religiosas em ocasiões em que o

comemoração aos santos da Igreja Católica, fo lguedo era

além das festas profanas. realizado. Por

Na época, conforme identificou o pesquisador, isso não se

já havia registros da utilização da viola de cocho pode afirmar

– então chamada de cocho. Além disso, n e m

constam nos registros a presença do adufe e do descartar a

ganzá, conhecido no período como caracaxá. participa-

Ainda que o Cururu seja considerado – mesmo ção das

em tempos de igualdade de gêneros - mulheres”,

algo tradicionalmente masculino, o pondera o

pesquisador faz menção a um relato do pesquisador.

século XIX que descrevia a participação de

mulheres no cururu.

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Page 28: UFMT Ciência nº 3

Um novo siriri

Giordanna constatou que nessa transfor-

objeto de pesquisa da comunicóloga Mas nem tudo são flores. Para alguns

Giordanna. participantes de siriri, o festival também

O estreitamento da relação entre grupos de tem exercido muita influência sobre a Foi a partir de 1970, início do processo siriri, a política e a economia resultaram na dança a ponto de afastá-la da dança migratório no Estado – principalmente de espetacularização da dança e na forte considerada original. “Hoje o siriri que é gaúchos, paranaenses e catarinenses – que a presença de alguns grupos na mídia. “A mostrado não é o siriri mato-grossense construção da identidade mato-grossense negociação ocorre por parte de ambos os que conheci; o siriri que danço há 11 anos. tomou força. Nesse processo de restauração lados, ou seja, os brincantes também Agora a dança está toda diferente; da cuiabania e do “mato-grossismo”, houve a buscam a mídia, empresários e governo misturam o siriri de fileira e de roda; apropriação de bens culturais típicos das como forma de se manterem como repre- acrescentam outros passos. Os ritmos populações tradicionalmente marginalizadas. sentantes legítimos dessa cultura local”. também são misturados: rasqueado, E o siriri e o cururu são exemplos disso. Conforme mostra o estudo, o Festival do lambadão e até umas 'batidas' sertanejas. Mas não foi só a elite que abraçou essa Siriri e Cururu de Cuiabá colaborou para a Para mim, hoje as apresentações são mais manifestação cultural, o poder público e a valorização do siriri. Na fala dos brincantes 'shows', tem muita encenação e pouco mídia também. Essas relações entre os agentes entrevistados para o estudo fala-se muito lembram o siriri original”, defende uma das sociais envolvidos no processo de transforma- em “antes” e “depois do festival”, colocan- brincantes entrevistadas para a pesquisa. ção da dança siriri – mídia e governo – foi do o evento como um divisor de águas.

Cultura de Raíz

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Cultura de Raíz

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Quem Faz

Pesquisa: "Rastros de um folguedo de roda: práticas e significados do cururu na Cuiabá da segunda metade do século XIX” Pesquisador: Cleber Alves Pereira Júnior Orientador: Pablo Diener Programa Pós-graduação - Programa de Pós-graduação (Mestrado) em História, Instituto de Ciências Humanas e Sociais / UFMT Órgão Financiador: Capes Pesquisa: “O siriri na contemporaneidade em Mato Grosso: suas relações e trocas” Pesquisadora: Giordanna Laura da Silva Santos, mestre em Estudos de Cultura Contemporânea e doutoranda do Programa Multidisciplinar Cultura e Sociedade - UFBAOrientador: Dr. Jose Serafim BertolotoDepartamento Pós Graduação - Mestrado em Estudos de Cultura Contemporânea (ECCO), Instituto de LinguagensÓrgão financiador: Fapemat

mação pela qual passou o siriri, os grupos

de dança mais próximos da Capital

(urbanos) acabam sendo mais influencia-

dos pela relação de troca e, consequente-

mente, estão mais expostos, seja nos

veículos de comunicação ou nos eventos

organizados pelo poder público.

Essa proximidade também faz com que se

torne mais fácil pleitear recursos e partici-

par de eventos fora do Estado. Facilita ainda

as interferências, já que se tornam mais

abertos às mudanças. Por outro lado, os

grupos do interior se mantêm um pouco à

parte desse processo e, consequentemente,

não têm tanta visibilidade nem investimen-

tos.

A pesquisadora defende que os grupos não

podem ver a dança como uma cultura

estagnada nem como produto. Há que se

assumir uma posição crítica e ações ativas na

mudança para levar benefícios à dança e à

condição social das comunidades tradicio-

nais. Destaca ainda que é preciso lutar por

políticas públicas que valorizem essas

manifestações culturais de modo igualitá-

rio, sem priorizar um ou outro grupo.

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Cultura de Raíz

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30

Entre a Emoção e a Razão

DIAMANTESFetiches, lendas, perigos e a ciência por trás dos

“melhores amigos das garotas”

Page 31: UFMT Ciência nº 3

31

nome daqueles a quem muitas histórias, de glamour Marilyn Monroe cha- ou tragédia. Sua exploração mou de “os melhores começou na Índia, entre os O

amigos das garotas”, o dia- anos 800 e 600 a.C. e, desde mante, vem de uma junção de então, tem sido tratado significados da língua grega: como símbolo de virilidade, adamas (invencível) e diap- riqueza e poder, despertan-hanes ( t ransparente ) . do o desejo e o interesse Diferente do “melhor amigo de pessoas ao redor do do homem”, essas pedras mundo. Interesse a ponto transparentes escondem mui- de gerar guerras, derra-tos perigos. Com o tempo mar muito sangue e arra-tornou-se um dos minerais sar cidades inteiras. mais valiosos e, provavel- O valor e a carga simbó-mente, o mais problemático lica que os diamantes deles. E são esses problemas carregam nunca terão que muitas vezes impedem seus motivos totalmente que eles sejam “amigos dos desvendados. O mais próxi-pesquisadores”. A professora mo de uma explicação acer-Rúbia Ribeiro Viana da ca da importância dessas Universidade Federal de pedrinhas compostas de Mato Grosso (UFMT) é espe- carbono é tido como para-cialista em mineralogia e tra- doxal. A teoria, concebida balha com diamantes. “É pelo economista e filósofo muito difícil porque há mui- Adam Smith, no século tos interesses envolvidos”, XVIII, usou o diamante e a relata. Compreender como água para exemplificar valor algumas partículas de car- de uso e valor de troca. bono podem exercer tanto “Não há nada de mais útil fascínio é entender a rela- que a água, mas ela não ção do homem com o dia- pode comprar quase nada; mante. Ela data de milhares dificilmente haveria bens de anos e de lá para cá, o com os quais trocá-la.mineral tem protagonizado

Géssica Vilela

Entre a Emoção e a Razão

Page 32: UFMT Ciência nº 3

vai para fins industriais, não para joalherias.

Embora a pedra encontrada pelos meninos sul-africanos pareça grande, o maior diamante de que se tem notícia foi encontrado em 1905, também na África do Sul. O chamado Cullinan pesava 3.106 quilates e tinha uma qualidade excepcional. A pedra foi vendida para o governo de Transvaal, que a deu de presente ao rei Eduardo VII e foi lapidada em 11 gemas maiores e outros brilhantes. Atualmente, as duas maiores partes, “Grande estrela da África” e “Pequena estrela da África”, fazem parte das jóias da coroa britânica e estão expostas na Torre de Londres.

O diamante é o material de ocorrência natural mais resistente que se conhece, com uma dureza de valor 10, o máximo da escala de Mohs. Isso significa que ele não pode ser riscado por nenhum outro mineral ou substân-cia, exceto por outro diamante. Essa característica fez do diamante um aliado do homem para fins industriais, sendo usado para cortar ferro e aço, serrar pedras, polir, moer e raspar diversos tipos de instrumentos. Além disso, tem sido usado na indústria de eletrônicos, por ser considerado um isolante elétrico resistente e o melhor condutor térmico que existe.

No outro lado da realidade do diamante, só a arte explica sua importância: “Os homens se tornam frios, ao passo que as garotas envelhecem... E todos nós perdemos nosso charme no fim das contas. Mas quadradas ou como peras recortadas, essas pedras não perdem a forma”, diz

Um diamante, pelo contrário, quase não tem nenhum a música “Diamonds Are a Girl's Best Friend”, eternizada valor quanto ao seu uso, mas se encontrará frequente- por Marilyn Monroe, no filme "Gentlemen Prefer mente uma grande quantidade de outros bens com o Blondes" (Os homens preferem as loiras). Os diamantes qual trocá-lo”. Àquela época, Smith atribuiu o imenso são dados como eternos, em contraposição às outras valor do diamante a sua raridade. No século seguinte, o formas de beleza. Moulin Rouge e o recém-lançado diamante passaria a não ser mais tão raro, entretanto, seu Burlesque também trazem a canção em sua trilha sonora. “valor de troca” se tornaria cada vez maior. Em ambos os filmes, a música é apresentada de forma Alta produção glamourosa, em performances de tirar o fôlego, pelas A história do diamante como indicativo de poder econô- “divas” Satine (Nicole Kidman) e Alice (Christina mico começa em 1866 quando os filhos de um fazendeiro Aguilera). Em sua essência, “Diamonds Are a Girl's Best na África do Sul encontraram uma pedra muito reluzente. Friend” trata de como o amor não paga as contas e não Brincaram com ela e depois a guardaram entre seus dura para sempre, ao contrário da pedra. brinquedos. A mãe das crianças, quando viu a pedra, deu Quatro vertentes explicam a presença do diamante entre a um vizinho, que vendeu para um ambulante por alguns nós. A mais comum é a sua formação no interior da Terra. trocados. Aquela pedra era um diamante que depois foi Em grande profundidade e sujeito a intenso calor e classificado como pesando mais de 21 quilates (1). pressão, o carbono se cristaliza e dá origem aos diaman-Depois disso, as pessoas começaram a encontrar outros tes. Por meio de eventos vulcânicos, eles sobem à diamantes na mesma área e começaram a vendê-los por superfície, “encaixados” a rochas – geralmente, o valores cada vez maiores. Quando a notícia do “tesouro” Kimberlito. (2). A segunda possibilidade é a extraterres-se espalhou, vieram milhares de "caçadores” para o local, tre. “Se nós humanos temos dúvidas em relação a nossa perto do Rio Vaal. origem extraterrestre, no caso do diamante não há. Alguns anos depois, começou a escavação no campo de Diamantes são encontrados em meteoritos”, afirma Kimberly, onde mais tarde seria fundada a cidade de Ricardo Weska, professor da UFMT e especialista em mesmo nome. Durante anos, muitos homens participa- diamantes. A terceira vertente atribui à formação de micro-ram da exploração desse local, até que um deles conse- diamantes o impactos de meteoritos. (3) Há ainda a guiu comprar todas as terras das redondezas, tornando- produção desta cadeia singular do carbono em laboratório, se o único dono das famosas minas "De Beer" – nome da os diamantes sintéticos (4) “são pequenos, seu custo é alto família sul-africana a quem os campos tinham pertencido e a qualidade é baixa”, explica Weska. originalmente, antes da descoberta dos diamantes. Cecil Os mais caros são os diamantes gemológicos, que têm Rhodes pagou 26 milhões de dólares para se tornar o tamanho, forma, cor e pureza correspondentes às exigênci-único dono das minas de diamantes. A empresa que ele as do processo de lapidação (5) e aplicação em joias. O formou, a "De Beers", ainda hoje controla a produção e o principal fator que agrega valor a um diamante é sua preço de boa parte dos diamantes do mundo. São cerca beleza. Para analisar sua beleza e seu valor, são utilizados de cinco toneladas extraídas anualmente – a maior parte os chamados “4 Cs” da indústria diamantífera que, em

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Entre a Emoção e a Razão

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inglês, são color, clarity, carat e cut, e correspondem a cor, clarida-de, tamanho (e peso) e lapidação, respectivamente.

Para serem comercializados, os diamantes gemológicos precisam de certificação. Em 2003, foi firmado o Acordo de Kimberley e criado o Processo de Kimberley (Kimberley Process Certification Scheme - KPCS), que visa certificar a origem de diamantes, a fim de evitar a compra de pedras originárias de áreas de conflito. O Brasil é um dos países que fazem parte desse processo. Os certificados são emitidos por empresas que analisam as pedras e confirmam seu valor, por meio dos procedimentos publicados pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), que é encarregado de gerir e fiscalizar o exercício das atividades de mineração em todo o território nacional. E existe, ainda, o Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos (IBGM), uma entidade nacional, de direito privado e sem fins lucrativos, que representa toda a cadeia produtiva do Setor de Gemas e Jóias e tem como objetivo promover, direta ou indiretamente, a emissão de certifica-dos de autenticidade de gemas e metais preciosos.

Mesmo com o controle, o contrabando de diamantes existe em vários pontos do globo. Essas pedras contrabandeadas acabam financiando guerras civis e conflitos nas áreas de exploração. No Brasil, esses conflitos estão ligados à extração em áreas indígenas. E é aí que se encontra o principal papel dos pesquisadores de diamantes, na opinião da professora

tomando um exemplo da vida real, o beijo na mão é bem mais Rúbia Viana. Segundo ela, quem sempre sofre com a explora-

seguro. É o caso da modelo americana Naomi Campbell, que ção ilegal e o contrabando são as populações pobres que

recebeu um “diamante enorme" do então presidente-ditador da vivem nas áreas exploradas. E as pesquisas servem para

Libéria, Charles Taylor, após um jantar em 1997. Foi o início de mapear os tipos de diamantes de cada área, evitando que eles

vários problemas. Até hoje a modelo está envolvida na investiga-sejam comercializados como se tivessem sido explorados em

ção que pretende descobrir a relação entre Taylor, diamantes e outros lugares.

armas compradas para a Frente Revolucionária Unida de Serra “Um beijo na mão pode ser sofisticado, mas os diamantes são Leoa, grupo famoso por torturar civis durante a revolução. O ex-os melhores amigos de uma garota” é o que diz outro trecho ditador sempre negou qualquer envolvimento, mas a história com da música que foi consagrada por Marilyn Monroe. Porém, Naomi pode provar o contrário.

Entre a Emoção e a Razão

1 Um quilate equivale a 200 miligramas já estão cristalizados há muito tempo. Por exemplo, a idade do vulcão pode ser de 150

2 O nome kimberlito é derivado da cidade de milhões de anos, porém a idade do diamante é Kimberley, onde essas colunas foram de 2 bilhões. Os diamantes mais jovens descobertas pela primeira vez e é a datados são de aproximadamente 600 milhões denominação do mineral onde os diamantes de anos, ou seja, não há relação entre as são encontrados. idades dos diamantes e dos vulcões. Os diamantes são muito mais velhos. 3 A gênese dos diamantes ET (carbonado) está relacionada, segundo vários autores, à 4 Existe a possibilidade de fazer diamantes explosão de estrelas (supernovas). Os sintéticos, submetendo grafite a pressões fragmentos destas explosões vagam pelo elevadas. Além do grafite, há uma Universo e parte deles impactam com tecnologia capaz de fazer com que o planetas e satélites, ou se aglutinam para carbono presente nos fios capilares se formar planetas. O diamante é constituído transforme em matéria-prima para a de carbono submetido a altas pressões e produção da pedra bruta. Pelé já a temperaturas, a matéria orgânica é uma experimentou: mechas de seus cabelos das fontes de C. Idades de diamantes foram "eternizadas" para presentear sua obtidas a partir de inclusões mostram que eles mãe.

NOTAS

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Dossiê

papel feminino na história da de lutas e embates que até hoje se civilização e seu lugar na atual mostram necessários para a consagra-Oconstrução social é tema de ção da igualdade de direitos e deveres.

pesquisas realizadas nas universidades, A partir do século XX as manifestações de políticas públicas desenvolvidas, por igualdade de direitos e deveres bandeiras de movimentos sociais. No surgiram, principalmente na Europa e aspecto econômico, social, fisiológico e nos Estados Unidos. De acordo com o psicológico, o gênero se apresenta artigo «8 de março, Conquistas e como ponto de partida e de referência Controvérsias», da socióloga Eva para realização de estudos e a mulher, Arteman Blay, livre docente da em consequência de sua transformação Universidade de São Paulo, a presença cultural se apresenta como fonte de maciça de mulheres e crianças nas questionamentos. fábricas, com jornadas de 12 a 14 horas Marcadas por preconceitos e imposi- e salário de fome, estimulou as lutas ções, as mulheres durante um longo por revisão dos direitos e melhores período se mantiveram caladas e à condições de trabalho.mercê das decisões masculinas, como Entre os eventos mais marcantes está o acontece até hoje em algumas regiões incêndio em uma fábrica de tecidos em do mundo e em algumas culturas. Nova York, em 25 de março de 1911. Na Na Universidade Federal de Mato época, o incêndio criminoso matou 125 Grosso (UFMT), algumas pesquisas são mulheres que reivindicaram melhores feitas com o foco na questão de gênero salários. Mas também há vitórias e suas implicações e consequências, acumuladas e atualmente a presença assim como também buscam na feminina é relevante e sua existência sociedade as respostas sobre onde respeitada na civilização, apesar da estão, como estão, e quem são as persistência da imposição machista e mulheres em determinados locais, seja patriarcal ainda marcar a sociedade, em na rua, numa instituição educacional ou aspectos econômicos, até nas conside-no mercado de trabalho. radas mais desenvolvidas. As diferenças na representação de O artigo «A mulher na recuperação homens e mulheres são frutos da recente do mercado de trabalho cultura patriarcal que organizou a brasileiro,» de Eugênia Troncoso Leone sociedade durante o processo civiliza- e Paulo Baltar, ambos professores do tório. Sem direito a manifestar opiniões, Instituto de Economia da Universidade intervir no rumo das decisões coletivas Estadual de Campinas, ressalta que o e expressar sentimentos, as mulheres gênero marca, em geral, as oportunida-foram condenadas e vencer por meio des dos indivíduos no mercado de

Laís Costa Marques

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A vez delas chegou!Mas nem tanto que possa implicar em igualdade de gênero

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trabalho, criando restrições às mulheres ciência e tecnologia, e da implementa-para ocupar postos de trabalho de ção continuada da Declaração e maior prestígio social, limitando suas Plataforma de Ação de Beijing – possibilidades de mobilidade e refor- documento elaborado durante a çando a disparidade de remunerações Conferência Mundial sobre a Mulher, entre homens e mulheres. em 1995, em Pequim - de modo a Em Direito, a igualdade deve ser acelerar os progressos para alcançar a respeitada sobre o respaldo das igualdade entre as mulheres e os diferenças singulares, do mesmo modo homens. que a busca pela igualdade de gênero Nesta reportagem, três pesquisas vem aliada ao respeito pelas individua- realizadas por professoras da UFMT lidades. Ano passado, a Organização foram abordadas em busca da atual das Nações Unidas (ONU) instituiu uma representação da mulher na sociedade. entidade para a Igualdade de Gênero e Uma pesquisa sobre a relação de poder o Empoderamento das Mulheres. Além da mulher e outra sobre as relações de do combate ao preconceito e discrimi- trabalho e a presença da mulher nas nação, a entidade também busca universidades apresentam como foi e fortalecer ações que promovam as como está a participação feminina no mulheres e dêem condições para mercado de trabalho e nas instituições assumir lideranças. constituídas. Uma terceira pesquisa Neste ano, os primeiros debates aborda a presença da mulher nas ruas mundiais da ONU Mulheres serão sobre da Capital mato-grossense e os motivos o tema ciência e tecnologia. e implicações desta condição.Representantes governamentais e mais A ascensão feminina é vista por muitos de 1.500 mulheres ativistas de todo o como uma realidade, ainda tímida, mas mundo se reunirão para falar da que aos poucos se faz possível. Para a participação das mulheres e meninas na professora e mestra da UFMT, Vera educação, formação, ciência e tecnolo- Lúcia Bertoline o fato de ter pela gia, a fim de promover empregos primeira vez uma mulher no principal formais e dignos para as mulheres. A cargo da democracia brasileira faz parte Comissão adotará uma série de ações de um processo de desconstrução de prioritárias em matéria de educação, certos determinismos que perduram há

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muito tempo, dentre os quais o que delimitava a supremacia masculina nos lugares de tomada de decisões e exercí-cio do poder.

A professora formada em Serviço Social realizou, em parceria com a Professora Vera Leite (IE), a pesquisa denominada “Um estudo sobre as relações de gênero na UFMT – o estado da arte 2002”, que analisou a ocupação de cargos de chefia dentro da UFMT por mulheres. Nesse período, nenhuma mulher estava à frente de cargos máximos. De acordo com a pesquisa, havia alguns casos em que elas estavam na chefia de departamentos, mas não alcançava 10% do total existente. Segundo a pesquisadora, a partir de 2004 começa-se a perceber uma mudança nesta divisão, inclusive com uma inversão no quadro que se mantém até hoje. Porém, Bertoline afirma que, para comprovar cientificamente o aumento de mulheres nos espaços de decisão da Instituição faz-se necessário realizar outra pesquisa.

A análise realizada é um recorte da realidade social, apesar de a pesquisado-ra identificar uma distância ainda maior entre as mulheres e os cargos máximos dentro de empresas privadas e do poder

meninas a cada 100 meninos na escola público. "Para além da divisão de classes primária, 96 meninas a cada 100 meninos sociais, a sociedade capitalista também na escola secundária e 108 mulheres a cada está dividida por gênero - eixo definidor 100 homens no ensino superior. Segundo dos lugares ocupados por homens e Bertoline, a maior presença de mulheres na mulheres – e por grupos étnicos, onde a universidade é consequência da evasão dos população branca tem supremacia sobre os alunos homens para o mercado de trabalho demais grupos, em especial, negros e e nas séries iniciais a presença é maior em afrodescendentes". Para Bertoline, as conseqüência de não existir a cultura de análises demonstram que mulheres e meninos ajudarem em casa assim a menina negros são colocados em situações de acaba ficando mais tempo fora da escola. desvantagens dentro da organização social."Os pais geralmente têm mais trabalho para

Um levantamento realizado pela ONU cuidar de meninos e por isso os colocam

Mulheres mostra que, em 2008, a propor-mais cedo na escola, diferente das meninas,

ção das matrículas de meninas e meninos que muitas vezes são afastadas da escola

nas escolas melhorou, alcançando 97

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dados analisados pela pesquisa-dora, as mulheres são mais escolarizadas e, no entanto, possuem menor renda. Mais uma vez a teoria do patriarcado configura um dos principais motivos para a atual formação. Segundo Rosângela Saldanha, o estudo realizado em Mato Grosso comprova a discrimina-ção do mercado de trabalho com relação às mulheres. Apesar da legislação e de políticas públicas, Saldanha afirma que o governo pouco pode intervir sobre a diferença salarial existente porque se trata de uma relação restrita entre emprega-dor e trabalhador e geralmente interna às empresas.

De acordo com a pesquisa de Rosângela Saldanha, em um mercado concorrencial e onde predominam relações de trabalho precárias, as políticas públicas orientadas para

para ajudar nos afazeres domésticos." “proteger” os direitos sociais conquis-A professora Rosângela Saldanha tados pelas mulheres podem resultar Pereira, doutora em Economia e em algum tipo de discriminação Educação, realizou uma pesquisa na negativa das mulheres. Ao mesmo perspectiva de gênero sobre as desi- tempo em que são desenvolvidas leis gualdades na relação social sobre o para amparar a mulher, como licença mercado de trabalho. A pesquisa foi maternidade e aposentadoria mais realizada a partir de três frentes: a cedo, não há investimento para sanar primeira sobre a economia do trabalho, os prejuízos que as empresas podem vir a segunda sobre as políticas públicas a ter e assim diminuir a preferência pelo com base em dados do Instituto trabalho masculino. "O empregador é Brasileiro de Geografia e Estatísticas racional e vai agir conforme for melhor (IBGE) e no orçamento de governo e, para sua empresa. Se ter mais mulheres por fim, uma sobre carreiras. trabalhando significa um custo maior,

ou menor lucratividade, a presença Na primeira etapa da pesquisa, consta-masculina deverá ser predominante no tou se que, apesar da maior escolarida-quadro de funcionários.” de, as mulheres recebem salários

menores, revelando a discriminação no Há, porém, ações que poderiam reverter mercado de trabalho e que as desigual- isso, segundo a professora. “Mais dades de renda não têm relação com creches deveriam ser disponibilizadas, a nível de instrução. De acordo com os licença paternidade deveria ser maior

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para que o homem possa compartilhar a utilizou a Universidade como campo de média alta. "A escolha por cursos como responsabilidade de cuidar da criança, é estudo. Com base no censo étnico- de engenharia é feita por meninas de preciso implantar políticas que visem ao social da UFMT, surge a discussão da famílias com maior capital cultural e bem- estar para todos. Melhorar o 'feminilização' das universidades e a rompem estigmas de profissões", avalia transporte público, por exemplo, pesquisa identificou a presença Rosângela Saldanha. também terá reflexo no mercado de feminina nas carreiras tidas como No artigo «Mulher na recuperação trabalho para mulheres, assim como tradicionalmente femininas, ligadas a recente do mercado de trabalho ampliar o tempo de permanência da cuidados, como as ciências sociais e brasileiro», publicado na Revista criança na escola teria reflexo na educa- biológicas. Brasileira de Estudos de População, o ção como na relação feminina no Outro aspecto analisado foi a etnia e aumento da participação das mulheres emprego." classe sócioeconômica das mulheres nas atividades econômicas remunera-Mas além de rever a legislação trabalhis- das começou com as mulheres de ta, a pesquisa também aponta que a famílias de melhor nível socioeconômi-contrato de gênero existente deveria ser co e que agora vem se difundindo para revisto. Homens e mulheres têm níveis mais baixos.diferentes responsabilidades nos O censo que foi objeto da pesquisa da afazeres domésticos e a divisão do professora Rosângela Saldanha registra trabalho em casa prejudica a perma- que, apesar de as mulheres serem a nência ou maior dedicação do sexo maioria nas salas de aula, a continuida-feminino no emprego. Rosângela cita de nos estudos em cursos de pós-que na Espanha, as mulheres decidiram graduação, mestrado e doutorado é tacitamente não ter mais filhos no atual mais comum entre os homens.modelo de cartilha de gênero. Um olhar especial para elasCom base nos dados do orçamento, em A professora Marluce Souza e Silva, 2006 e 2007, a pesquisa avaliou o doutora em Política Social e coordena-quanto dos recursos distribuídos no dora do Núcleo de Estudos sobre a Plano Plurianual era voltado para Mulher e Relações de Gêneros (Nue-políticas sociais e o grau de concretiza- pom), desenvolveu uma pesquisa sobre ção dos projetos. "Há um discurso para mulheres que vivem nas ruas em erradicação da pobreza, que é tipica- Cuiabá . 'Benef íc ios soc ia i s x mente feminina e negra, e, para isso, se Mendicância. Mulheres em situação de faz um planejamento para execução de rua', contou com a participação de dez projetos de promoção social. Porém, acadêmicas do curso de Serviço Social apenas 30% dos recursos destinados a que percorreram as ruas da Capital para que ocupam a UFMT. Nos cursos em programas sociais são aplicados". conhecer o histórico de vida de mulhe-que a presença feminina é menos Com relação às carreiras e a incidência res que vivem nas ruas e a relação com comum, como os de ciências exatas, o de mulheres e homens no mercado de os programas de transferência de censo aponta o crescimento por trabalho e nas instituições de formação renda.meninas brancas e classe média e profissional, Rosângela Saldanha

De acordo com a pesquisadora, o

sustento informal por meio da

mendicância é conseqüência da falta de preparo dessas mulheres

para o mercado de trabalho.

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Após entrevistar dez mulheres em situação individualmente", afirma a os filhos dão continuidade à situação."situação de rua, a pesquisa constatou professora, ainda, ressalta que, além da Entre as dez mulheres encontradas, que todas foram vítimas de algum tipo miséria econômica, elas convivem com todas revelaram ter filhos, algumas de violência, seja física ou verbal, a exclusão política, sem ética e sem tinham uma casa onde deixá-los, outras principalmente de policiais. Como moral. não os encontravam frequentemente. consequência o medo, tanto da polícia A pesquisa também identificou a Uma parte delas também revelou que o quanto da violência urbana, é unânime importância da propriedade privada. filho ou era desaparecido ou tinha sido entre elas. Sem um lar próprio, essas mulheres assassinado. Os homens, pais das As histórias relatadas às estudantes são ficam sujeitas às humilhações para crianças, não são presentes e não dão de mulheres pobres, na maioria negras, terem uma casa, dando oportunidade assistência. Apenas uma personagem que foram viver na rua por diferentes para a exploração. Como consequência, tinha a companhia do pai, porém ele motivos. Drogas, problemas familiares, fica em casa porque é doente enquanto questões financeiras ou até mesmo a ela vai para as ruas em busca de problemas de saúde levaram os sujeitos dinheiro. da pesquisa para as ruas. Nuepom

Das mulheres encontradas, apenas uma O Núcleo de Estudos sobre a Mulher e estava nas ruas dia e noite e não tinha Relações de Gêneros (Nuepom), do um lar como referência. As demais Instituto de Ciências Humanas e Sociais entrevistadas tinham uma casa ou uma reúne estudantes, professores e grupos família como referência, mas precisa- sociais interessados em participar de vam ir para as ruas para buscar o debates e pesquisas sobre o universo sustento financeiro. A professora feminino. Criado em 1.992, o Nuepom Marluce explica que essas mulheres foi reconhecido como núcleo pelo muitas vezes são chefes do lar e C o n s e l h o N a c i o n a l d e procuram na rua dinheiro para bancar Desenvo lv imento C ient í f i co e os filhos. Tecnológico (CNPq) apenas em 2.009.

Porém, mesmo antes do reconhecimen-De acordo com a pesquisadora, o to, era responsável por atividades de sustento informal por meio da mendi-ensino, pesquisa e extensão, com o cância é consequência da falta de propósito de explicitar as desigualda-preparo dessas mulheres para o des de gênero e para romper a subordi-mercado de trabalho. Segundo nação das mulheres e reforçar a luta Marluce, grande parte das mulheres foi feminista.criada para viver sob o jugo de momen-

to, ou seja, para ser subordinada a uma A coordenadora do Nuepom, Marluce os filhos dessas mulheres seguem o situação imposta pela vida ou por um Souza e Silva, explica que o núcleo é mesmo destino de viverem sem homem. uma forma de dar oportunidade para respeito e de não serem respeitados.

que as alunas e alunos não apenas "A pobreza das mulheres independe "As mulheres não têm documentos, não passem pela faculdade, mas para que delas, é cultural. Não lhes foram têm referências, não têm experiência e possam desenvolver trabalhos relaciooferecidas condições para sair de tal

"A pobreza das mulheres independe

delas, é cultural. Não lhes foram

oferecidas condições para

sair de tal situação

individualmente"

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nados à temática proposta. O Nuepom possuí alguns parceiros para a realização das suas discussões, pesquisas e propostas . O Ministério Público, a Ordem dos Advogados de Mato Grosso (OAB-MT), a Rede Mulher Educação, os conselhos Estadual e Municipal de Defesa da Mulher, o Fórum de Articulação das Mulheres, a Assembleia Legislativa de Mato Grosso e a Vara de família, Infância e Adolescência participam ou incentivam os trabalhos realizados pelos estudantes e demais participantes.Além das pesquisas, o núcleo desenvolve trabalhos especiais apresentados em datas como o Dia Internacional das Mulheres (08 de março), Dia dos Direitos Humanos (10 de dezembro), Dia da Consciência Negra ( 20 de novembro) e no Dia de Combate à Aids (01 de dezembro). Geralmente palestras, oficinas e debates são promovidos sobre temas que envolvem as mulheres e suas implicações com cada motivo comemorado na data. Ao todo, o Nuepom possui mais de 100 pesquisas de graduação e traba-lhos de conclusão de cursos (TCC) realizados na Grande Cuiabá e no interior do Estado. O CNPq participou com o financiamento de cinco projetos, alguns deles já concluídos e mais quatro projetos de extensão por ano são realizados.

Uma Porta-voz em Mato GrossoA psicóloga Marilza Ribeiro desde a década de 70 buscou meios de manifestar suas ideias sobre os debates que percorriam o mundo a respeito da mulher e da saúde da mulher. A professora Vera Bertoline cita Mariza Ribeiro como uma das principais porta-vozes do feminismo em Mato Grosso. Em sua caminhada pela divulgação dos movimentos e eventos que ocorriam Brasil e mundo afora, Marilza conseguiu naquela época, no jornal Diário de Cuiabá, um espaço para publicar seus textos e os temas debatidos por grupos feministas que lhe encaminhavam os informativos. Em 1981, Marilza participou do 3º Congresso da Mulher Paulista e reportou à sociedade cuiabana as discussões promovidas pelo encontro. Após o retorno à capital mato-grossense, com as ideias ainda em ebulição, Marilza reuniu uma série de mulheres pensantes sobre o tema e fundou a Associação de Mulheres de Mato Grosso, que tinha como bandeira o sonho das mudanças.A Associação percorreu os bairros, identificou as necessidades da população e promoveu discussões políticas dentro das comunidades. A primeira conquista foi a construção de creche, um meio de combater a desnutrição infantil e possibilitar às mães o direito de ir para o mercado de trabalho. Na época, Marilza passou a publicar um informativo com orientações sobre a saúde da mulher e cuidados para prevenção de doenças. Os informativos também traziam debates sobre violência contra a mulher, política e papel social feminino por meio de textos literários, poesias e ilustrações.Hoje Marilza se intitula poetisa e a cabeça continua tão efervescente quanto na juventude, porém com mais maturidade e indignação. Ela não se conforma com o que chama de atrocidade vivida dentro da sociedade, em que homens e mulheres se matam e se mutilam. Na opinião da psicóloga, há um caos social que impede a convivência harmônica e promove a solidão coletiva.Nos textos publicados pela artista, nas linhas e estrofes são identificados os traços da capacidade de criticar e repelir uma realidade cruel. Esta é a maneira que a hoje senhora de cabelos brancos e transparentes olhos azuis encontrou para semear a igualdade e o bem, o que ela considera valer a pena no embate com a 'corrida de costas para o futuro'.

Quem FazVera Lúcia Bertoline, Professora Mestra em Política Social do Departamento de Serviço Social da UFMT. Pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência e da Cidadania (Nievici) e do Núcleo de Estudos sobre a Mulher e as Relações de Gênero (Nuepom). Pesquisa: Exercício do poder da mulher na UFMT [email protected]. Marluce Souza e Silva, Professora Doutora em Política Social. Coordenadora do Nuepom. Departamento de Serviço Social.Pesquisa: Benefícios Sociais x Mendicância. Mulheres em Situação de [email protected]. Rosângela Saldanha Pereira, Professora Doutora em Economia e Educação da Faculdade de Economia da UFMT. Atualmente realiza a pesquisa «Pobreza multidimensional e educabilidade na América Latina.» O projeto é financiado pela Oragnização dos Estados Ibero-americanos (OEI), Unesco Ministério da Educação da Espanha (MEC/Es), envolvendo oito países latino americanos e Espanha. Projeto coordenado, pelo Prof. Dr. Xavier Rambla do GIPPE/Universidade Autonoma de Barcelona.Pesquisa: Desigualdades Mercado de Trabalho Políticas Públicas e [email protected]

Vera Lúcia Bertoline

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ara saber a colocação de Mato Ferreira, Alison Antonio de Souza e com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa Grosso no cenário de pesquisas de Mato Grosso (Fapemat), aplicou técnicas nacional e internacional, assim como Pe leis da bibliometria. Esta, por sua vez, identificar as principais instituições e serve para identificar as revistas mais autores mais relevantes, foi desenvolvido importantes nas quais os pesquisadores

na UFMT um projeto inédito, chamado mato-grossenses produzem publicações

“Consolidação dos indicadores científicos e científicas, assim como verifica a frequência

tecnológicos de visibilidade nacional e dos autores e os assuntos mais buscados internacional de Mato Grosso”. O estudo pelos docentes.mostra a influência do Estado nas principais As informações analisadas são do período bases de dados de pesquisa científica de 1972 a 2008. Antes disso, não existe mundial: a Web of Science, Scopus, nenhum registro bibliográfico de docu-Instituto Nacional de Propriedade mentos gerados pelas instituições mato-

grossenses nessas bases de informação.Intelectual (INPI) e Derwent Innovations

Index.

Embora Mato Grosso tenha registrado Resultados e destaquesbons desempenhos na produção de

pesquisas nos últimos anos, o trabalho comprova que ainda há muito para ser

A Web of Science foi criada em 1945 e é a feito. Os resultados apontam que a primeira base de dados de trabalhos produção científica do Estado nessas bases científicos desenvolvida no mundo. Ela e a de dados ainda é modesta. Além disso, Scopus são consideradas as mais impor-áreas como a agropecuária – principal tantes. As instituições e os pesquisadores atividade econômica de Mato Grosso – não que possuem publicações nessas bases possui tanto destaque nos resultados conseguem ter visibilidade mundial.apresentados.

Ao todo, 732 documentos (artigos No trabalho também foram avaliados os científicos) foram recuperados na Web of indicadores científicos e as áreas do Science. Desse total, a produtividade foi conhecimento mais significativas nas favorável para a UFMT, que apresentou 541 pesquisas desenvolvidas em Mato Grosso. artigos. Em seguida estão a Universidade Para quantificar esses índices de forma do Estado de Mato Grosso (Unemat), com apropriada e transparente, o professor e 62 trabalhos publicados, a Universidade de responsável pela pesquisa, Adilson Luiz Cuiabá (Unic), com 44, e o Centro Pinto, juntamente com os pesquisadores Universitário Javert Melo Vieira, Joseane Marques

Visibilidade nacional e internacional de Mato Grosso

Camila Tardin

Quem Faz

Projeto: Consolidação dos Indicadores Científicos e Tecnológicos de Visibilidade Nacional e Internacional do Estado de Mato Grosso Apoio Financeiro: Fapemat (Processo 450333/2009) Departamento: Curso de Biblioteconomia (UFMT- Rondonópolis) - Grupo Estudos Métricos e Redes Sociais Equipe Técnica: Adilson Luiz Pinto, Javert Melo Vieira, Alison Antonio de Souza e Josseane Marques Ferreira

Adilson Luiz Pinto

Desenvolvimento Científico

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de Várzea Grande (Univag), com 24. de Grupos de Pesquisa do CNPq desde todos os períodos estudados na análise.Em relação às colaborações científicas das 1997), se dedica às pesquisas sobre O professor Francisco Souto e outros instituições mato-grossenses, o estudo doenças tropicais. “Desde sua formação, o estudiosos das áreas da ciência médica, mostra que a UFMT prevalece na interação Núcleo tem exercido importante influência ciência animal, medicina veterinária, com universidades de outros estados, nos avanços alcançados pela área de saúde química, física, nutrição, biologia, agrono-especialmente de São Paulo e Rio de da UFMT, estando por trás do sucesso da mia, entre outras, também são citados na Janeiro, como a USP, Unicamp, Unesp, UFRJ, pós-graduação que, recentemente, Web of Science.Universidade Federal de Lavras (UFLA), inaugurou o primeiro curso de doutorado Dentro da Scopus foram verificadas entre outras. na área médica de Mato Grosso. Também algumas semelhanças científicas com a No geral, a UFMT é o principal elo entre as implantou o único Programa de Residência Web of Science. Um exemplo é a constante pesquisas encontradas nas bases de dados Médica em Infectologia do Estado, produtividade da UFMT, Unemat e Unic, e isso se deve, segundo Adilson, principal- responsável pela preparação desses caracterizando-as como as instituições com mente à formação e consolidação dos importantes especialistas em nosso meio, maior visibilidade internacional e nacional programas de pós-graduação instalados na desde 2001”, argumenta Fontes. de Mato Grosso. Mas, quando se trata dos Instituição. O professor e vice-reitor da UFMT, destaques científicos por área de conheci-As áreas consideradas “chave” em Mato Francisco José Dutra Souto, afirma que os mento, as principais foram a agricultura e Grosso e que aparecem com maior estudos focados em doenças infecciosas ciências biológicas, seguidas pelas áreas frequência na Web of Science são medicina, (medicina tropical) são muito valorizados, médicas, bioquímica, física e astronomia. As agricultura, engenharia, ciências computa- principalmente em países do terceiro ciências da terra e a química também cionais, física e química. mundo. Mato Grosso, por ser um estado apareceram mais na Scopus do que na Web No caso da medicina um fato curioso é que, tipicamente tropical, apresenta maiores of Science.embora seja a área mais diversificada e com índices de doenças infecciosas como a maior número de publicações, há pouca malária, leishmaniose e paracoccidioidomi-interação com outras áreas. Além disso, o cose. Porém, o empenho dos pesquisado- Tecnologiafoco principal das publicações foi identifi- res também contribuiu para o crescimento cado na medicina tropical e em outras dos estudos em medicina tropical na UFMT. Na parte tecnológica foram estudadas as divisões como a saúde ocupacional, Outro tipo de indicador utilizado no projeto bases de dados INPI, Derwent Innovations medicina pública, radiologia, medicina foi em relação aos autores mais representa- Index e a Scirus – uma produção de nuclear, cirurgia e medicina animal. tivos na Web of Science. Foram identifica- patentes europeia.O médico e professor da faculdade de dos 42 autores de Mato Grosso e a O objetivo central de uma patente é, antes Ciências Médicas da UFMT, Cor Jésus frequência de produtividade por autoria, de tudo, evitar que as invenções fiquem Fernandes Fontes – um dos nomes mais Cor Jésus é o principal deles, cujo nome guardadas, impedindo sua divulgação ou citados na Web of Sciense – lembra que, aparece 44 vezes na base de informações. comercialização. Por isso, dá-se ao inventor desde 1992, o Núcleo de Estudo em Além disso, na avaliação da rede social de direitos exclusivos por um tempo pré-Doenças Infecciosas e Tropicais de Mato coautoria Cor Jésus é o mais citado, determinado. No Brasil, esse tempo é de 15 Grosso, da UFMT (registrado no Diretório demonstrando ser bem representado em anos.

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Somente a partir da década de 1990 é que pesquisa científica em Mato Grosso. Uma a patente começou a ser levada mais a delas, de acordo com Adilson, é fazer o sério no país. mapeamento do que está sendo produzido A pesquisa comprovou que na região em termos de ciência e tecnologia no Estado. Centro-Oeste a produção de patentes Outra alternativa é desenvolver pontos ainda é lenta. Enquanto isso, o Sudeste é a tecnológicos estratégicos próximos às principal região produtora de patentes, universidades, ou seja, incentivar empresas de devido ao grande incentivo que as tecnologia para entrarem no mercado mato-instituições recebem da Fapesp (Fundação grossense e atrelá-las às instituições de ensino. de Amparo à Pesquisa do Estado de São Na Unicamp, por exemplo, existe um cinturão Paulo). A Unicamp, por exemplo, além de de várias empresas de alta tecnologia e isso ser a maior produtora de patentes do país, estimula a produção de pesquisas científico-foi uma das primeiras instituições de tecnológicas.ensino e pesquisa a adotar a estrutura de O Estado precisa definir linhas prioritárias de autonomia universitária, agregando pesquisa. Isso, segundo o professor Joanis experiência e auto-suficiência em geração Tilemahos Zervoudakis, doPrograma de Pós-de riquezas, tecnologia e inovação. Graduação em Ciência Animal da UFMT, Em Mato Grosso, assim como acontece no possibilitaria o incremento na qualidade das registro de marcas, a prática de patentea- pesquisas produzidas e atenderia não apenas mento não é muito comum. A UFMT, por aos anseios do pesquisador, mas também dos exemplo, nem aparece na lista de universi- setores produtivos específicos, além de facilitar dades com pedidos de patente. A Fapemat a difusão e o aprimoramento de novas é a única geradora de patentes do Estado, tecnologias.sendo apenas três registradas no INPI e Francisco Souto compartilha da mesma duas na Derwent Innovation. Conforme opinião. Para ele, a definição das principais Adilson, a visão do patenteamento ainda linhas de pesquisa deve partir tanto da esfera está muito vinculada à questão empresari- federal quanto estadual. “O governo deve al: “Pensam que os artigos científicos estão indicar quais suas áreas mais importantes de incumbidos às academias e a inovação e ciência, pesquisa e inovação. Por exemplo, em tecnologia às empresas”. Mato Grosso as áreas agrárias e de bioconser- Na opinião do pesquisador, ainda falta vação são obrigatórias para o desenvolvimen-para as universidades atrelarem a parte to sustentado do Estado. O governo deve cientifica nas bases de dados de relevância. identificar e apresentar as necessidades e Ele observa que, apesar da iniciativa dos interesse do Estado. Investimento para todos professores em fazer Mato Grosso ser os setores deve ser feito, mas indução de áreas visível, “não existem programas de estratégicas é fundamental.”incentivo dentro do Estado e que façam Aumentar o volume de recursos para a aflorar esse tipo de produtividade”. pesquisa científica também é primordial para Outro agravante, segundo ele, é que as Mato Grosso. Em São Paulo, por exemplo, universidades mato-grossenses somente são gerados anualmente cerca de R$ 10 produzem trabalhos de relevância bilhões para a ciência e tecnologia. Em oriundos dos programas de pós- Mato Grosso, o volume de investimento graduação. “Isso não poderia ser uma nesse setor ainda é baixo e está em torno regra, deveria ser uma qualidade a mais, de R$ 300 milhões. “O aporte de recursos mas não ser uma regra. Quem não faz para pesquisa ainda é insuficiente para se parte de um programa de pós-graduação, atender grande parte dos pesquisadores como o mestrado e o doutorado, não se qualificados e com atividades de importa em publicar artigos. E a universi- pesquisa em programas de pós-dade nem cobra isso desses docentes. Há graduação”, opina Zervoudakis.muitos professores que só dão aula na Para Cor Jésus, é fundamental que as graduação, mas têm projetos extremamen- instâncias públ icas identi f iquem, te importantes e que poderiam ter seus juntamente com as instituições locais de artigos publicados”, avalia. ensino e de pesquisa, grupos de pesqui-

sadores com maior potencial de produ-Desafios ção científica e a eles destine apoio

Algumas medidas importantes devem ser financeiro e contratação de recursos tomadas para estimular o desenvolvimento de humanos.

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1899)

Os pesquisadores de Mato Grosso mais citados em publicações nacionais e internacionais Cor Jésus Fernandes FontesFaculdade de Medicina da UFMT – Campus Cuiabá Francisco José Dutra SoutoFaculdade de Medicina da UFMT – Campus CuiabáJoanis Tilemahos Zervoudakis Faculdade de Agronomia, Medicina Veterinária e Zootecnia da UFMT – Campus CuiabáJosé Eduardo de Aguilar-Nascimento Faculdade de Medicina da UFMT – Campus CuiabáSergio Roberto de Paulo Instituto de Física da UFMT – Campus CuiabáEdson M. Colodel Faculdade de Agronomia, Medicina Veterinária e Zootecnia - Campus de CuiabáLuciano da Silva CabralFaculdade de Agronomia, Medicina Veterinária e Zootecnia da UFMT – Campus Cuiabá Eduardo Guimaraes Couto Faculdade de Agronomia, Medicina Veterinária e Zootecnia da UFMT – Campus Cuiabá Paulo Cesar Venere Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde da UFMT – Campus Araguaia Vanessa C. Arantes Faculdade de Nutrição - Departamento de Alimentos e Nutrição (Fanut) - Campus CuiabáPaulo Teixeira de Sousa Instituto de Ciências Exatas e da Terra -

Jayme A. D. LeiteInstituto de Ciências Exatas e da Terra da UFMT- Campus Cuiabá

Campus Cuiabá

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Outros Saberes

as paredes, os papéis amarelados encomenda - lembra ela - foi em 49, para Verinha, como chama a amiga já falecida, Vera revelam a história de que aquela sala, Tenuta. Nno centro da Capital foi a oficina de A partir daí ela passou a ser a costureira oficial confecção dos sonhos de muitas jovens de todas as noivas de Cuiabá e até do Estado. mulheres. Pelas mãos de dona Maria da Glória Pelas contas, dona Maria calcula que mais de

Vieira Aguiar, até hoje se tecem os mais tradicionais mil vestidos foram confeccionados por seu

vestidos de noiva de Cuiabá. Nos olhos de dona ateliê. E a lista não está fechada, pois até hoje

Maria Vieira se formam as luzes da memória e da ela recebe encomendas e costura vestidos de boca saem os relatos de quem vive há algum tempo noiva com ajuda de duas funcionárias que estão na cidade. ao seu lado há mais de 25 anos. Dona Maria foi convidada para expor seu aprendi- O aprendizado de dona Maria Vieira se deu zado na arte de costurar belos vestidos ao longo de ainda na mocidade, quando a mãe, depois de aproximadamente 70 anos, mas o que ela tem para fazer um curso de costura com um professor revelar é mais do que agulhas, rendas e véus: é parte francês, retribuiu o empréstimo concedido pela da história cuiabana, de sua sociedade e da irmã para pagar as aulas, repassando os transformação que ocorreu no último século. ensinamentos. “Eu ficava ali enquanto minha Criada em Poconé, a 100 km da Capital, dona Maria mãe dava aulas e acabei aprendendo” veio para Cuiabá ainda moça para estudar e daqui Os vestidos que fazia eram inspirados no partiu para os melhores colégios do Rio de Janeiro e desenho de uma amiga estilista de São Paulo. São Paulo. Lá se formou e até hoje guarda os Quando viajava, dona Maria encomendava boletins que ilustram as notas azuis nas mais alguns modelos para deixar de opção para as variadas disciplinas, de 'Delicadeza' à 'Agricultura'. clientes. Além disso, comprava revistas especiali-Quando retornou para Mato Grosso, seu pai, o zadas de diferentes países. farmacêutico José Vieira, havia conseguido um Atualmente a costureira diz que está mais difícil emprego para ela na escola pública. Em 1945, agradar as noivas porque com a Internet elas dona Maria casou-se com o português Alberto acabam se perdendo na escolha. “Com a Internet Borges de Aguiar, que havia se fixado no Estado elas inventam uns modelos que não existem. É como representante comercial. complicado”. Depois de casados e com o fim da guerra, O trabalho atrás da máquina e dos tecidos lhe dona Maria se recorda que as vendas começa- rendeu bons frutos, como o reconhecimento da ram a reduzir e foi quando decidiu utilizar seu sociedade e o dinheiro das costuras que talento com a costura para ajudar no orça- proporcionou visitar a Europa e ajudou na mento familiar. “Eu sempre fazia roupas, criação dos dois filhos. bordados, mas para presentear. Como todos gostavam, decidi começar a vender.” Ela se lembra que, na época a decisão foi mal vista pela sociedade. “Começaram a comentar: dona Maria está costurando para ganho. Era algo depreciativo”. As fofocas e comentários não a inibiram e ela guarda até hoje, em papéis também amarela-dos pelo tempo, o orçamento do primeiro enxoval que fez. Em quase dez folhas estão discriminados todos os lençóis, toalhas, colchas, o vestido de noiva e até o bolo. A primeira

.

Além das agulhas, a mulher de vanguarda para a época ainda foi professora e coordenadora da Escola de Comércio e presidente do Clube Esportista Feminino de Cuiabá, onde promovia bailes, desfiles e diferentes eventos na cidade. Hoje ela divide o tempo com as encomendas e as lembranças, que estão espalhadas por todos os cantos de seu ateliê. Fotos da família, dos amigos, pedaços de vestidos e as gravuras não deixam que a senhora se esqueça da vida e de como gosta de viver.

Com engenho e arte, ela alinhavou sonhos por 70 anosÀ frente do seu tempo, fez da costura mais do que um meio de vida, uma realização pessoal

Laís Costa Marques

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Outros Saberes

Vaidosa, ela considera uma ofensa perguntar a idade e se mantém elegante-mente vestida e educada.

para saber ao certo qual a metragem a ser adquirida. A costureira lembra que o profissionalismo veio da prática e do talento que sempre

Um ofício, uma arte teve para os trabalhos manuais, como Ao entrar uma futura noiva em seu ateliê, bordar. Ela conta que sempre foi capricho-dona Maria pergunta se já tem um modelo sa e que quando decidiu ter a costura em mente e assim que a moça começa a como ofício não teve grandes dificuldades. descrever o sonhado vestido, dona Maria Além do corte certo, Dona Maria ressalta começa a fazer suas ressalvas. Depois de que o bordado é um dos grandes desafios. 70 anos de costura, apenas de olhar ela Atualmente ela não borda mais, mas identifica quais os 'tipos' de tecido e relembra que o delicado trabalho exigia corte vestem bem de acordo com o concentração e perfeição para aplicar as corpo. pedrarias no tecido. Dona Maria diz que depois de escolhido A última etapa é o ajuste do vestido no o modelo, o primeiro desafio é escolher o corpo, feito nas últimas 'provas'. Depois é tecido adequado. Antigamente até só passar e esperar o grande dia. Para mesmo a compra do tecido era por conta valorizar o serviço, Maria Vieira, a artista dela, mas atualmente ela recomenda qual das linhas e agulhas, lembra que vestia a o tecido e a própria noiva fica encarrega- noiva no dia do casamento para que tudo da de comprar. Antes de comprar ficasse em seu devido lugar e sempre porém, as medidas têm que ser aferidas recebeu o devido reconhecimento.

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Opinião

o começo de 2011 foi amplamente divulgada na mídia a informação: “recentemente astrônomos de

Minnesota, nos EUA, afirmaram que a precessão dos equinócios teria mudado o alinhamento das estrelas e,

conseqüentemente, os signos do zodíaco, havendo a necessidade da inclusão de um novo signo: Ofiúco N(Ophiuchus em latim), o Serpentário, fato esse que alteraria as datas dos outros signos”. Essa informação, atribuída a

Parke Kunkle, do Planetário de Minnesota, provocou muita discussão entre os adeptos da astrologia sobre a

necessidade de mudar, ou não, a data da vigência dos signos zodiacais.

É a Terra que translada “ao redor” do Sol (na realidade, Terra e Sol transladam em torno do centro de massa do

sistema solar, que encontra-se muito próximo ao Sol), mas, como estamos em movimento junto com a Terra, que

para nós está imóvel, parece-nos que é o Sol que move-se “ao redor” da Terra durante um ano. A trajetória anual

aparente do Sol na esfera celeste é denominada eclíptica, e ocorre no centro de uma faixa de 16 graus denominada

zodíaco, ou faixa zodiacal. Ao se deslocar pela eclíptica, o Sol atravessa 13 constelações: Peixe, Áries (Carneiro),

Touro, Gêmeos, Câncer (Caranguejo), Leão, Virgem, Libra, Escorpião, Ofiúco (Serpentário), Sagitário, Capricórnio e

Aquário, considerando os limites das constelações definidas em 1930, pela União Astronômica Internacional (IAU).

Os astrônomos sabem que, devido à precessão do eixo de rotação da Terra, denominada precessão dos equinócios,

os pólos celestes movem-se lentamente em torno do respectivo pólo da eclíptica, descrevendo uma circunferência

em torno dele. O tempo necessário para descrever uma volta completa é aproximadamente de 25.770 anos. Essa

descoberta foi feita por Hiparco, cerca de 129 anos antes do nascimento de Cristo (AC). Durante um ano o movimen-

to de precessão pode ser desprezado, já que nesse período a inclinação do eixo de rotação varia pouco mais de 50

segundos de arco. Porém, após muitos anos, o efeito da precessão pode ser notado. Por exemplo: uma das galerias

da pirâmide de Gizé, no Egito, construída em torno de 2.500 AC, aponta para a estrela Alfa Draconis, na constelação

do Dragão, que, à época, era a estrela que indicava a posição do pólo celeste norte. Atualmente, esse pólo está nas

proximidades da estrela Polar, na constelação da Ursa Menor, e daqui a aproximadamente 13.000 anos, estará nas

proximidades da estrela Vega, na constelação de Lira. Ou seja, as constelações visíveis variam após muitos anos.

Abaixo estão apresentadas as constelações zodiacais e o número de dias em que o Sol atualmente passa por cada

uma delas, de acordo com a astronomia. Note que a precessão mudou em cerca de um mês a posição aparente do

Sol nas constelações zodiacais.

Na astrologia, os signos zodiacais são apenas uma abstração das constelações

astronômicas, não havendo uma correspondência direta entre eles. Os signos da astrologia são geométricos,

divididos em 12 zonas iguais de 30 graus de longitude celeste. O sistema zodiacal foi desenvolvido na Babilônia, há

cerca de 2.500 anos atrás, quando a precessão dos equinócios ainda era desconhecida. A origem para a longitude

celeste era o ponto zero de Áries (também conhecido como ponto Áries, ou ponto gama), porque naquela época o

Sol se encontrava nessa constelação. Atualmente, esse nome é mantido apenas por razões históricas, já que, devido

à precessão dos equinócios, esse ponto atualmente encontra-se na constelação de Peixes.

Há muito tempo os astrônomos conhecem esse fato, porém Kunkle sugeriu aos astrólogos a mudança da data dos

signos astrológicos, o que não fora feito por nenhum outro astrônomo. Com isso, ele conseguiu uma divulgação

mundial para Ofiúco, uma constelação já conhecida pelos gregos da antiguidade, e provocou uma enorme discus-

são na mídia entre os astrólogos, que optaram por manter o 12 signos zodiacais nas datas tradicionais,

embora um zodíaco com 13 signos tenha sido sugerido pe logos Walter Berg e Mark Yazaki, em 1995, que,

conhecido como horóscopo sideral, tornou-se popular no Japão. Os cientistas têm a obrigação de fornecer a

informação científica correta à academia e ao público em geral, mas a escolha da crença particular é de livre arbítrio.

Na realidade, os astrônomos nunca se preocuparam muito com essas diferenças. E nem os astrólogos.

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los astró

Há um 13° Signo no seu Zodíaco?

Professora Dra. Telma Couto da Silva é docente do Departamento de Física da UFMT

Áries Abr. 19 a Mai. 13,25 dias Balança Out.31 a Nov. 22,23 dias

Touro Mai.14 a Jun. 21,39 dias Escorpião Nov.23 a Nov. 29,07 dias

Gêmeos Jun.22 a Jul. 20,29 dias Ofiúco Nov.30 a Dez. 17,18 dias

Câncer Jul.21 a Ago. 10,21 dias Sagitário Dez.18 a Jan. 19,33 dias.

Leão Ago.11 a Set. 16,37 dias Capricórnio Jan.20 a Fev. 16, 28 dias

Virgem Set.17 a Out. 30,44 dias Aquário Fev.17 a Mar. 11,23 dias

Dra. Telma Couto da Silva

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO