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ISSN 2176-1396
CIÊNCIA, TECNOLOGIA, SOCIEDADE, AMBIENTE E ENERGIA
ELÉTRICA: IMPLICAÇÕES DE PROCESSOS DE
PROBLEMATIZAÇÃO NO ENSINO MÉDIO
Eliana Lopes Ferreira1 - UTFPR
Noemi Sutil2 - UTFPR
Eixo – Educação Ambiental
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
Neste trabalho são analisadas implicações de processos de problematização, considerando o
desenvolvimento de atividades educacionais para abordagem do tema energia elétrica, com
estudantes de 3º ano do Ensino Médio, em uma instituição pública da cidade de Campo
Largo, Paraná, em 2015. Essa proposta educacional se fundamenta na concepção dialógico-
problematizadora de Paulo Freire e estudos sobre as relações entre Ciência, Tecnologia,
Sociedade e Ambiente (CTSA), visando processos educativos para a emancipação dos
estudantes e a tomada de decisão consciente frente a problemas emergenciais evidenciados na
sociedade onde estão inseridos. No escopo desses referenciais teóricos são destacados os
conceitos de diálogo, problematização e mudança cultural. Este trabalho envolve pesquisa
qualitativa com observação participante. As considerações apresentadas se referem ao
desenvolvimento de cinco etapas de atividades educacionais, na disciplina de Física, de
acordo com os três momentos pedagógicos propostos por Demétrio Delizoicov, com 40
discentes, e duas reuniões entre os docentes envolvidos nessas ações. Essas atividades
agregaram, também, as áreas de Sociologia, Arte, Geografia e Matemática. Os dados foram
constituídos por meio de documentos, elaborados por docentes e discentes, e produções
artísticas dos alunos. Esses dados foram analisados conforme pressupostos de análise de
conteúdo e de imagens. A análise de dados envolve três eixos: apropriação de conhecimentos
científicos; reconhecimento e problematização de relações CTSA; proposições de alternativas
a questões envolvendo relações CTSA. Entre as implicações desses processos, podem ser
ressaltadas possibilidades de mudanças de percepção e de atitudes e apropriação conceitual.
Destaca-se, nesse sentido, a articulação entre aspectos humanísticos e cognitivos na
abordagem de conhecimentos científicos.
1 Mestranda em Ensino de Ciências pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). E-mail:
[email protected]. 2 Doutora em Educação Para a Ciência pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Professora
Adjunta da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). E-mail: [email protected].
13990
Palavras-chave: Dialogicidade. Problematização. Mudança cultural. CTSA. Energia elétrica.
Introdução
Viabilizar ao aluno o exercício consciente da cidadania constitui meta da Educação
Básica. No entanto, ainda se observa em muitas salas de aula um ensino fragmentado de
Física, desestimulante, de mera transmissão, desarticulado de outras áreas de conhecimento, e
que não favorece a tomada de decisão consciente dos sujeitos na sociedade.
Nesse cenário, ressalta-se a importância de propostas pedagógicas associadas a ações
de enfrentamento desse ensino fragmentado e distante da realidade dos alunos.
A educação em ciências de cariz humanista, mais global, menos fragmentada, capaz
de preparar melhor os alunos para a compreensão do mundo e das inter-relações do
conhecimento científico e tecnológico na sociedade (CTS) tem-se constituído como
inspiração de pensadores, educadores e professores de ciências. (MARTINS, 2002,
p. 30)
Para Santos e Mortimer (2000), os produtos do conhecimento tecnológico precisam ser
vinculados ao caráter social, com a inserção de diferentes setores da sociedade na resolução
de grandes problemas mundiais. Nessa perspectiva, destaca-se a geração de energia elétrica
como um desses problemas, que requer além de atenção, reflexão crítica e novas ações.
Nesse sentido, objetiva-se, neste trabalho, analisar implicações de processos de
problematização de relações entre Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA),
considerando o desenvolvimento de atividades educacionais fundamentadas na concepção
educacional dialógico-problematizadora de Paulo Freire, com abordagem de energia elétrica.
Referencial Teórico
Na concepção educacional dialógico-problematizadora freireana, formação de sujeitos
se relaciona a processo dialógico, coletivo e colaborativo de problematização e ação sobre o
mundo. Esse processo formativo se associa a mudança cultural, de percepção, de estruturas e
de atitudes. As ações educativas agregam a viabilidade de passagem de percepção ingênua
para crítica da realidade. (FREIRE, 2002, 2003, 2015)
As ações educativas para mudanças, em perspectiva freireana, demandam proposta
pedagógica diferenciada, com processos dialógicos e problematizadores, que perpassam
objetivos, conteúdos e atividades educacionais. Nessa proposta, as situações-limites são
consideradas na seleção e abordagem de conteúdos escolares, em processos de codificação e
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descodificação, envolvendo temas. “É na realidade mediadora, na consciência que dela
tenhamos educadores e povo, que iremos buscar o conteúdo programático da educação”
(FREIRE, 2015, p. 121).
Nesse sentido, podem ser associados estudos envolvendo as relações CTSA. A
apropriação desses referenciais no ensino de ciências implica o delineamento de uma
concepção de educação científica que extrapole a abordagem restrita à explicitação de
modelos teóricos, isenta de análise de aspectos de construção e de utilização de
conhecimentos científicos. Demanda a superação de perspectiva da prática científica isenta de
implicações sociais, ambientais e subjetivas. Aponta para a inserção dos sujeitos em processos
dialógicos de questionamento, crítica, e de proposições de alternativas, criatividade, em
situações controversas envolvendo relações CTSA. Agrega o envolvimento argumentativo
desses indivíduos. Procedimentos analíticos e propositivos nessas situações extrapolam
domínios disciplinares e posições individualistas; demandam estratégias complexas de
ponderação de riscos e benefícios, em âmbitos local e global. (BORTOLETTO;
CARVALHO, 2009; ZEIDLER; KEEFER, 2003; ZOLLER, 1992)
Essas situações controversas envolvendo relações CTSA podem ser associadas às
situações-limites explicitadas na proposta freireana; podem agregar codificação e
descodificação. Esses processos de crítica e criatividade podem ser associados à
problematização e ação sobre o mundo, à mudança cultural, de percepção, de estruturas e de
atitudes.
O ensino de ciências, de um modo geral, para caracterizar-se em um processo
problematizador e dialógico, como propõe Freire (2015), requer que os estudantes, por meio
da problematização de sua realidade vivencial sejam instigados, provocados, perturbados ao
envolvimento com conhecimentos científicos.
Metodologia
Este trabalho envolve pesquisa qualitativa com observação participante (FLICK,
2009). Envolve o desenvolvimento de atividades educacionais com 40 estudantes de 3º ano do
Ensino Médio, de instituição educativa pública, no município de Campo Largo, Paraná, em
2015. Essas ações envolveram cinco etapas, sendo que em duas delas houve a participação de
professores de Arte (Etapa 1) e Sociologia, Geografia e Matemática (Etapa 5) com a busca
por articulação entre áreas de conhecimento. Nesse sentido, destacam-se as considerações de
Pombo (2005), que expressa que os conceitos em ciências são tão complexos, que se faz
13992
difícil identificar fronteiras entre a ciência e a economia, a política, a arte e a vida em
sociedade de um modo geral. As atividades educacionais foram desenvolvidas considerando
os três momentos pedagógicos propostos por Delizoicov (2005). Os dados foram constituídos
por meio de documentos, elaborados por docentes e discentes, e produções artísticas dos
alunos. Esses dados foram analisados conforme pressupostos de análise de conteúdo
(BARDIN, 2011) e de imagens (BAUER; GASKELL, 2002). Na apresentação dos dados, a
docente de Física será identificada como P1; os demais professores P2 (Sociologia), P3
(Arte), P4 (Geografia), P5 (Matemática); os estudantes pela letra A e número (exemplo: A1;
A2).
A proposição do tema energia elétrica envolveu conversas com os estudantes e análise
de proposta curricular da instituição educativa. Nessas conversas, houve a identificação de
preocupações, mas, também, passividade e distanciamento, sobre produção de energia
elétrica. A escolha desse tema se relaciona com a proposta freireana. Para Santos e Mortimer
(2000), no contexto brasileiro, no âmbito educacional, pode-se utilizar como tema as fontes
energéticas em todos os seus aspectos. Apresenta-se, a seguir, o detalhamento dessas cinco
etapas de atividades educacionais.
Etapa 1. Produção artística a partir de reflexão crítica
Inicialmente foi apresentada aos estudantes uma história hipotética, narrada pela
professora P1, inserindo-os no contexto e na problemática.
Hoje aconteceu algo inesperado. Como de costume, o despertador do celular estava
programado para 6h30min da manhã para eu levantar e ir à escola. Mas,
curiosamente, quando isso aconteceu, apertei a tecla para acender a luz do quarto e
nada aconteceu. Imaginei que a lâmpada havia “queimado”. Ainda sonolento fui até
o banheiro para tomar banho e para minha surpresa a água não aquecia e nem a
lâmpada acendia. Comecei a achar tudo aquilo um pouco estranho. Será que o
disjuntor havia desarmado? Com muito frio me vesti novamente e saí em direção ao
poste na tentativa de resolver o problema. Ao abrir a porta percebi que as lâmpadas
dos postes da rua estavam todas apagadas e as luzes da vizinhança também. E
agora? O que estava acontecendo? Ao longo do dia as notícias começam a circular.
O pior havia acontecido! A produção de energia elétrica não é mais suficiente para
dar conta de tamanha demanda. As situações mais emergenciais serão supridas e as
residências terão que procurar formas alternativas de sobreviver sem a eletricidade
fornecida pelas usinas hidrelétricas. Haverá racionamento até que novas pesquisas
colaborem com a descoberta de outras formas de se obter energia elétrica com custo
e segurança viáveis à população. Hospitais e alguns tipos de indústrias terão
prioridade. (Documento elaborado por P1)
A seguir foi proposta aos alunos uma reflexão sobre o problema exposto.
13993
E agora, como conservar alimentos? Como garantir o banho aquecido? Como
organizar as tarefas diárias que usam eletricidade? Como continuar a se preocupar
com a estética? Como garantir entretenimento? É possível manter a mesma
qualidade de vida? E quanto às tecnologias, é possível viver sem elas? Quais
indústrias deverão ter prioridade: alimentícia, automotiva, siderúrgica, farmacêutica,
extrativa ou vestuária? Como você sente a necessidade e a dependência humana em
torno do uso da energia elétrica? (Documento elaborado por P1)
Individualmente ou em equipe, com a elaboração de uma produção artística livre, os
educandos deveriam expressar seus sentimentos em torno da problemática apresentada. O
tempo sugerido para a realização da atividade foi de uma semana.
Todas as equipes apresentaram suas produções para a turma e ao final de cada
exposição, foram feitos comentários, considerações, debate de ideias e pontos de vista,
sugestões de leituras para aprofundamento.
Etapa 2. Estudos de conceitos da eletrodinâmica a partir de análise de etiquetas de
eletrodomésticos
Nessa etapa, individualmente, os estudantes deveriam trazer especificações de
aparelhos eletrônicos de sua residência, a partir de etiquetas e inscrições nos próprios
aparelhos ou pesquisa na internet. Foram apresentados exemplos aos estudantes, para que não
existissem dúvidas que impedissem a realização da atividade. As imagens poderiam estar
impressas ou em arquivo a ser explorado via notebook e tablets ou celular. Cada indivíduo foi
provocado a trazer ao menos cinco imagens. Os alunos deveriam portar, também, em sala de
aula, fontes de estudos sobre eletrodinâmica (conceitos iniciais), que poderiam ser de livro
didático ou de sites da internet.
A seguir, a turma foi dividida em equipes com quatro integrantes. Os estudantes
apreciaram as imagens trazidas e foram convidados a perceber as informações que possuíam
em comum, anotando em diário de bordo das equipes, que foi usado, também, como
instrumento avaliativo. As questões sugeridas foram:
Quais medidas (valores) estão presentes nas etiquetas ou inscrições fotografadas?
Através da pesquisa trazida, procure relacionar as medidas identificadas às suas
respectivas grandezas físicas. Pesquise agora a definição das grandezas identificadas
por sua equipe e suas expressões matemáticas, quando houver. Qual das grandezas
pesquisadas pode ser associada ao choque elétrico? Em que condição o choque
elétrico pode oferecer mais riscos à vida humana? Como é possível as lâmpadas
incandescentes e fluorescentes possuírem valores de potência distintos e emitirem
mesma luminosidade? Nessa perspectiva converse com seus colegas porque uma é
mais econômica que outra. Anote suas conclusões. (Documento elaborado por P1)
13994
Depois das equipes concluírem suas análises, as respostas foram confrontadas,
debatidas, reconsideradas, aprimoradas e até corrigidas. O diálogo e a argumentação
prevaleceram durante as exposições.
Etapa 3. Entendendo a fatura de energia elétrica
Nessa etapa foi solicitado aos estudantes que trouxessem a fatura de energia elétrica de
suas residências do mês 10/2015. Individualmente, os estudantes observaram suas faturas por
alguns minutos para responder a algumas questões.
Qual é a principal medida da fatura que indica o consumo de energia elétrica da sua
residência? Qual é a unidade de medida utilizada? Quanto custa 1 kWh consumido?
Como é feita a conversão para o valor em reais a ser pago por sua família? Que
outras cobranças ou taxas aparecem na fatura de sua residência? Qual é o tipo de
ligação de sua residência: monofásico, bifásico ou trifásico? O que isso significa na
prática? A tensão aplicada sobre os aparelhos, 127 ou 220 V, interfere no valor da
fatura de energia elétrica? Explique. (Documento elaborado por P1)
Da mesma forma que na etapa anterior, as equipes: confrontaram as respostas entre si;
debateram; compararam valores; conversaram sobre justificativas para valores mais altos ou
mais baixos de faturas; trocaram dicas sobre uma fatura mais baixa; identificaram situações
associadas a uma fatura com valor mais alto. O diálogo e a argumentação também foram
fundamentais para que essa etapa fosse concluída.
Etapa 4. Importância social da fatura de energia elétrica
Nessa etapa, cada equipe analisou suas faturas com um olhar diferenciado do habitual.
Foi possível contar com a participação dos professores de Sociologia, Geografia e Matemática
que permaneceram junto às equipes dialogando e instigando. Para isso foram propostas
algumas ações junto aos estudantes.
Analise agora a composição do valor faturado e observe que o valor total de sua
fatura é fracionado em várias finalidades. Pesquise tais valores e preencha a tabela
que segue [Tabela 1]. Construa um gráfico de pizza para representar a composição
da fatura de energia elétrica de sua residência a partir da tabela construída
anteriormente. O maior valor pago da fatura se refere à energia consumida?
Comente com sua equipe e com os demais colegas da sala de aula as conclusões que
obtiveram nessas últimas três ações. Pesquise os impostos cobrados sobre a fatura de
energia elétrica em estudo. Quais são municipais, estaduais e federais. Quais seus
destinos? Levando em consideração as limitações vivenciadas na produção de
energia elétrica, reflita sobre a carga tributária no consumo de energia elétrica,
aponte pontos positivos e negativos, e discuta com as demais equipes. (Documento
elaborado por P1)
13995
Tabela 1 - Valores em fatura de energia elétrica.
Item Valor (R$)
Energia
Distribuição
Transmissão
Tributos
Encargos setoriais
Outros
TOTAL
Fonte: Documento elaborado por P1.
Também nessa etapa foi fundamental a dialogicidade e a análise de argumentos nas
interações entre todos os envolvidos do processo.
Etapa 5. Simulação da fatura de energia elétrica e mudança de atitudes
Após identificar elementos da fatura de energia elétrica de sua residência, os
estudantes foram provocados a verificar se os conhecimentos adquiridos poderiam fazer a
diferença em seu dia-a-dia. Para isso foram propostas as seguintes ações.
Construa uma tabela, digitada ou manual, como no exemplo que segue [Figura 1],
em uma folha de papel sulfite, no formato paisagem, que contenha as informações
dos principais aparelhos residenciais que utilizam energia elétrica. Nela deve haver
informações como potência (em kWh), tempo de utilização do aparelho (em h/mês)
e o cálculo da energia elétrica consumida (em kWh no mês). Anexe uma cópia da
fatura de energia elétrica do mês de outubro, atentando que a estimativa da energia
total consumida deve estar próxima do valor que consta na fatura da residência.
Caso contrário os tempos estimados devem ser revistos, pois podem estar
superestimados. Anexe também uma lista de ações (ao menos cinco) viáveis, que
podem ser postas em prática visando economia de energia elétrica na residência.
Antes de finalizar as ações é viável discutir com outros colegas, conversar com
familiares e com quem mais julgar necessário. Em 30 dias, você deverá refazer a
tabela, agora com os novos tempos de uso de seus aparelhos, anexar cópia da fatura
do mês de novembro e comparar os novos valores de consumo de energia elétrica,
depois de ter colocado em prática as ações propostas. Espera-se uma economia
significativa no consumo de energia elétrica nas residências. (Documento elaborado
por P1)
Figura 1 – Imagem da tabela exemplar para apresentação de informações sobre equipamentos e consumo
13996
Fonte: Documento elaborado por P1.
Resultados e Discussões
A análise de dados, neste trabalho, envolve três eixos: apropriação de conhecimentos
científicos; reconhecimento e problematização de relações CTSA; proposições de alternativas
a questões envolvendo relações CTSA.
Na primeira etapa da proposta pedagógica, já foi possível observar um posicionamento
crítico e diferenciado dos estudantes. As produções artísticas desenvolvidas nas aulas de
Física e Arte não causaram admiração somente pela beleza e pelo comprometimento, mas
também pela profundidade de reflexão que causaram em seus autores e expectadores. Essa
etapa fez com que os envolvidos pensassem profundamente sobre a temática principal e em
suas produções (vídeos, fotografias, charges, gravuras, história ilustrada, crônica, letra de
música, paródias, poesia, apresentações com slides) foi possível vislumbrar diferentes pontos
de vista, preocupações e argumentações. Nas figuras 2 a 5, são apresentados exemplares de
expressões dos estudantes sobre sua relação com energia elétrica nesse primeiro momento.
Figura 2- Charge 1 sobre a dependência humana em torno da eletricidade.
Fonte: Produção artística elaborada por A1.
13997
Na figura 2, o estudante A1 demonstrou a compreensão de que a humanidade é
totalmente dependente da energia elétrica. Ao conectar um fio condutor ao cérebro, evidencia-
se a associação da dependência mencionada.
Figura 3 - Charge 2 sobre a dependência humana em torno da eletricidade.
Fonte: Produção artística elaborada por A2.
Na figura 3, é possível reconhecer na produção artística do aluno A2 elementos que
associam a vida humana à dependência da energia elétrica. Nessa charge, as veias são
associadas a fios condutores e a lâmpada está nas mãos, sugerindo a relação entre vida e
eletricidade.
Figura 4 - Charge 3 sobre a dependência humana em torno da eletricidade.
13998
Fonte: Produção artística elaborada por A3, A4, A5, A6.
A charge da figura 4 apresenta uma reflexão sobre a evolução do homem no que se
refere às tecnologias e à possibilidade de retorno às origens.
Figura 5 - Paródia da música “Eu sem você” que aborda a dependência humana em torno da eletricidade.
Fonte: Produção artística elaborada por A7, A8, A9, A10.
A paródia da figura 5 foi apresentada pelos estudantes A7, A8, A9 e A10 tocando
instrumentos musicais. A partir da letra é possível identificar elementos que demonstram a
preocupação dos estudantes frente à possibilidade de não dispor de energia elétrica
principalmente no que se refere a lazer e comunicação.
13999
Algumas equipes produziram curta metragem analisando a possibilidade da escassez
de energia elétrica, explorando diferentes aspectos da problemática. Entendem a falta da
energia elétrica como: i) uma possibilidade da humanidade repensar suas atitudes junto à
natureza; ii) um monstro que assombra toda a sociedade; iii) o início de um período de guerra
na busca de novas formas de produção de eletricidade. Outras letras de músicas e paródias,
assim como as apresentações em slides, expuseram dificuldades encontradas pelo homem
perante a falta da energia elétrica em diferentes aspectos do cotidiano.
Ao longo das etapas dois, três e quatro, a partir das discussões estabelecidas entre as
equipes e através dos portfólios construídos foi possível evidenciar que as equipes associaram
as discussões a conceitos em torno da eletrodinâmica (tensão, corrente, resistores, frequência,
potência), destacaram relações entre eles e suas aplicações em situações cotidianas, unidades
de medida, entendimento acerca da constituição da fatura de energia elétrica de suas
residências, bem como se posicionaram criticamente perante as tributações e taxações
existentes e seus excessos e necessidades. Nesse sentido, destaca-se gráfico elaborado sobre o
tema na figura 6.
Figura 6 – Gráfico construído com P5 usando fatura de energia elétrica dos próprios estudantes.
Fonte: Documentos A11, A12, A13.
O gráfico da figura 6 foi desenvolvido na aula de Matemática, com a intervenção de
P5, a partir da fatura de um dos integrantes de equipe. O material foi explorado nas aulas de
Sociologia por P2 e de Geografia por P4, em que questões em torno da tributação dessa fatura
serviram para nortear um debate entre os estudantes. Durante a atividade os estudantes se
mostraram críticos procurando informações sobre o destino da tributação e discutindo sua
pertinência.
14000
Na última etapa da proposta pedagógica o material entregue individualmente pelos
estudantes mostrou que 70% deles obtiveram redução no consumo de energia elétrica em suas
residências demonstrando mudanças de atitudes perante uma situação de seu cotidiano e que
foi problematizada ao longo do desenvolvimento da proposta. Alguns pais enviaram um
parecer escrito para a escola agradecendo pela proposta desenvolvida, uma vez que
identificaram mudanças de atitudes de seus filhos que acabaram induzindo outros amigos e
familiares a economizar também. Muitos depoimentos dos estudantes demonstraram que
entender o consumo dos aparelhos eletrônicos e a composição da fatura de energia elétrica
colaborou com mudanças de percepções e de intenções, viabilizando a adoção de hábitos
distintos dos, até então, usuais. As figuras 7 a 11 foram constituídas no conjunto de atividades
desenvolvidas pelos estudantes na terceira etapa.
Figura 7 – Tabela que simula consumo mensal de energia elétrica residencial para outubro de 2015.
Fonte: Documentos A14.
A tabela da figura 7 constitui produção inicial desenvolvida pelo estudante A14 que
simula o consumo de energia elétrica de sua residência no mês de outubro. Inicialmente o
estudante não tem conhecimento dos próximos passos da atividade para que não haja
manipulação de resultados.
Figura 8 – Fotografia da fatura de energia elétrica de outubro de 2015.
14001
Fonte: Documentos A14.
A figura 8 se refere à fatura do mês de outubro (aluno A14) que serve como
comparação à tabela construída, evitando dessa forma qualquer fraude na constituição de
dados. Foi solicitado que o valor estimado para o consumo de energia elétrica e o valor real da
fatura fossem próximos. Valores muito discrepantes foram discutidos e repensados quanto ao
tempo de utilização dos equipamentos listados.
Figura 9 – Lista de ações proposta para o mês de novembro de 2015.
14002
Fonte: Documentos A14.
A figura 9 apresenta a lista de ações propostas por A14 para reduzir o consumo de
energia elétrica em sua residência. Tal lista foi apresentada em sala de aula e sua pertinência e
possibilidade de aplicação foram dialogadas com os demais estudantes da turma. Tal
atividade demonstra que os estudantes refletiram suas práticas cotidianas e perceberam a
necessidade e possibilidade de mudanças de atitudes.
Figura 10 – Tabela que simula consumo mensal de energia elétrica residencial para novembro de 2015.
Fonte: Documentos A14.
Na figura 10 é apresentada a nova tabela construída um mês depois da primeira e que
deveria apresentar redução no consumo de energia elétrica na residência do estudante,
mediante a aplicação das ações propostas. No caso de A14, os dados comprovam o êxito na
atividade. O estudante conseguiu uma diferença expressiva nos valores estimados e como
mostra a figura 11, nos valores reais.
Figura 11 – Fotografia da fatura de energia elétrica de novembro de 2015.
14003
Fonte: Documentos A14.
A figura 11 apresenta a fotografia da fatura do mês de novembro que viabilizou a
comparação aos dados apresentados na tabela. A comparação direta entre o consumo de
energia nos dois meses em questão apresenta um indicativo de mudanças de atitudes do
estudante perante o conhecimento apropriado ao longo dessa proposta, uma vez que é possível
verificar que houve uma redução no consumo de 45 kWh que corresponde a 22,5%.
Associado a esses valores, os alunos relataram em sala a aprovação dos pais mediante a
economia de energia elétrica conseguida. Eles, também, comentaram que sentiam necessidade
em manter as ações colocadas em prática, tanto para tornar a economia de energia elétrica
novo hábito, quanto pela consciência da importância em usar recursos energéticos de forma
mais equilibrada, sem excessos e desperdícios. Narraram ainda que diante das mudanças de
atitudes tiveram acesso a outras experiências no que se refere a lazer e comunicação.
Considerações Finais
Trazer, para o ambiente escolar, propostas educacionais que promovam a
dialogicidade entre todos os envolvidos no processo ensino-aprendizagem se torna cada vez
mais necessário na busca pela emancipação dos indivíduos. Observou-se no presente trabalho
que tratar de um tema presente no cotidiano do estudante, onde ele se sente parte e
protagonista juntamente com os educadores, em processo coletivo e colaborativo, favorece
não apenas o aprendizado de conceitos, mas também exige dos envolvidos uma reflexão
crítica sobre o contexto onde a problemática está inserida, sendo possível perceber mudanças
de atitudes. “A tendência, então, do educador-educando como dos educados educadores é
estabelecerem uma forma autêntica de pensar e atuar. Pensar-se a si mesmos e ao mundo,
simultaneamente, sem dicotomizar este pensar da ação” (FREIRE, 2015, p. 100).
Para Jannuzzi (1979), a educação deve favorecer que o homem se conscientize da
realidade enquanto algo em construção, que sofre influência das ações humanas e, portanto
pode ser modificada através das próprias ações. Tais mudanças são viabilizadas, para Freire
(2015), pela reflexão. Nesse aspecto, os resultados obtidos neste trabalho se mostram
coerentes com as expectativas teóricas mencionadas. Os debates, as investigações, as
produções proporcionaram aos educandos imergir na problemática, refletir sobre ela, pensar e
agir. Destaca-se que as controvérsias envolvendo a energia elétrica e suas relações sociais e
ambientais compreendem relações complexas que perpassam diversos outros aspectos e
14004
domínios. Contudo, ressalta-se que os aspectos abordados, neste trabalho, inserem-se no
escopo de enfrentamento de situações-limites, envolvendo essa temática.
Pode-se então concluir que a proposta pedagógica desenvolvida, através da concepção
dialógica-problematizadora de Paulo Freire, favoreceu aos estudantes refletir e agir na tomada
de decisão consciente perante situações de sua realidade vivencial.
REFERÊNCIAS
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