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COLEÇÃO PROINFANTIL

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PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICAMINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

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COLEÇÃO PROINFANTILMÓDULO IVUNIDADE 1LIVRO DE EsTUDO - VOL. 2Karina Rizek Lopes (Org.) Roseana Pereira Mendes (Org.)Vitória Líbia Barreto de Faria (Org.)

Brasília 2006

Ministério da EducaçãoSecretaria de Educação a Distância

Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil

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Livro de estudo: Módulo IV / Karina Rizek Lopes, Roseana Pereira Mendes, Vitória Líbia Barreto de Faria, organizadoras. – Brasília: MEC. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação a Distância, 2006.

90p. (Coleção PROINFANTIL; Unidade 1)

1. Educação de crianças. 2. Programa de Formação de Professores de Educação Infantil. I. Lopes, Karina Rizek. II. Mendes, Roseana Pereira. III. Faria, Vitória Líbia Barreto de.

CDD: 372.2

CDU: 372.4

Ficha Catalográfica

L788

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MÓDULO IVUNIDADE 1LIVRO DE EsTUDO - VOL. 2

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sUMÁRIO

a - APREsENTAÇÃO DO MÓDULO iv 8

b - EsTUDO DE TEMAs EsPECÍFICOs 16

FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO O COTiDiANO DA EDUCAÇÃO iNFANTiL COMO ESPAÇO DE

MATERiALizAÇÃO DO DiREiTO DE CiDADANiA ................................ 17Seção 1 – Educar para a inclusão de todas as crianças .................... 20

Seção 2 – Acolher as crianças em suas múltiplas

dimensões humanas .......................................................... 33

Seção 3 – Educação infantil e qualidade de vida ............................. 40

ORGANizAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGiCO iNSERÇÃO E ACOLHiMENTO .............................................................. 53Seção 1 – inserção: momento delicado ............................................. 56

Seção 2 – Criando estratégias para acolher as crianças

e suas famílias .................................................................... 59

Seção 3 – As crianças são todas diferentes ...................................... 69

Seção 4 – inserção e acolhimento: processo de ricas interações..... 75

c – ATIVIDADEs INTEGRADoras 86

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a - APREsENTAÇÃO DO MÓDULO IV

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O que muda na mudança,

se tudo em volta é uma dança

no trajeto da esperança,

junto ao que nunca se alcança?

Carlos Drummond de Andrade1

Prezado(a) professor(a),

Estamos iniciando a última etapa do Programa de Formação Inicial para Profes-

sores em Exercício na Educação Infantil, o PROINFANTIL: o Módulo IV – Contextos

de Aprendizagem e Trabalho Docente. Damos, assim, continuidade ao nosso

estudo voltado à formação de professores(as) que trabalham com crianças de

0 a 6 anos em creches, pré-escolas e escolas em todo o Brasil.

Este livro reúne oito unidades com textos de Fundamentos da Educação e Or-

ganização do Trabalho Pedagógico relativos à Educação Infantil. Lembramos,

mais uma vez, que os módulos são os seguintes:

- Módulo I – Educação, Sociedade e Cidadania.

- Módulo II – Infância e Cultura: linguagem e desenvolvimento humano.

- Módulo III – Crianças, adultos e a gestão da Educação Infantil.

- Módulo IV – Contextos de Aprendizagem e Trabalho Docente.

Da mesma maneira que fizemos na apresentação dos livros anteriores, come-

çamos este aqui situando os temas e as unidades que o módulo contém. No

segundo item, procuramos chamar a sua atenção para a ênfase que este módulo

dá aos conhecimentos de língua portuguesa, matemática, ciências naturais e

ciências sociais. No terceiro item, propomos a você, seus(suas) colegas de grupo

e aos tutores envolvidos neste trabalho, uma reflexão relacionada ao processo

de formação e os desafios de começar, recomeçar, mudar. Incluímos aqui algu-

1 ANDRADE, Carlos Drummond. Corpo. Rio de Janeiro/São Paulo: Ed. Record, 2002. p. 79.

a - APREsENTAÇÃO DO MÓDULO IV

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mas sugestões práticas, considerando o momento que você está vivendo de

conclusão deste curso. Ao final, lembramos do nosso papel frente à Educação

Infantil, tendo em vista o objetivo central que visamos alcançar ao longo de

todo o percurso do PROINFANTIL.

Esperamos que você possa, com este módulo, aprofundar a análise dessas ques-

tões. E esperamos que o poema de Drummond – como tantas outras contribui-

ções artísticas presentes em todos os textos – nos ajude nessa reflexão.

1. O MÓDULO iV

O Módulo IV contém oito unidades, tendo cada uma um texto de Fundamentos

da Educação (FE) e um de Organização do Trabalho Pedagógico (OTP).

- Unidade 1: FE – O cotidiano da instituição de Educação Infantil como espaço de materiali-

zação do direito de cidadania. OTP – Inserção e acolhimento.

- Unidade 2 FE – Princípios para planejar: a criança como protagonista. OTP – Metodologia de intervenção: a criação de ambientes de aprendizagem

e desenvolvimento.

- Unidade 3 FE – Didática da Educação Infantil (II): fundamentos da avaliação da apren-

dizagem. OTP – Elaboração e organização de instrumentos de acompanhamento e

avaliação da aprendizagem do desenvolvimento das crianças.

- Unidade 4 FE – As múltiplas linguagens das crianças e as interações com a natureza e a

cultura: música, dança e gestualidade. OTP – Corpo e movimento na Educação Infantil.

- Unidade 5 FE – As múltiplas linguagens das crianças e as interações com a natureza e a

cultura (II): artes visuais. OTP – O trabalho com artes visuais.

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- Unidade 6 FE – Múltiplas linguagens (III): alfabetizar na Educação Infantil? Os processos

de constituição das crianças como leitoras e escritoras. OTP – Práticas de alfabetização, leitura e escrita.

- Unidade 7 FE – As múltiplas linguagens das crianças e as interações com a natureza e a

cultura (IV): o conhecimento do mundo social e natural. OTP – O trabalho com o conhecimento do mundo social e natural.

- Unidade 8 FE – As múltiplas linguagens das crianças e as interações com a natureza e a

cultura (V): o conhecimento matemático. OTP – O trabalho com a matemática.

Após cada unidade, continuamos apresentando, neste módulo também, uma

proposta de atividade integradora para ser realizada no encontro quinzenal

com o tutor.

2. CONHECiMENTO COM ARTE

Ao longo dos três módulos anteriores, tratamos da Educação Infantil (sua histó-

ria, as políticas, a legislação), das crianças (seu desenvolvimento, a brincadeira,

as teorias que nos auxiliam na compreensão da infância), do currículo e da

gestão da Educação Infantil e seus desafios (a proposta pedagógica, o projeto

político-pedagógico, a avaliação). Nos três módulos – como também neste que

agora iniciamos – uma idéia que se repete porque é fundamental é a do direito

à igualdade e à diferença: o direito à Educação Infantil é assim assumido como

estratégia política contra a desigualdade e, simultaneamente, consideramos

necessário o reconhecimento das diferenças e a atuação no sentido de propiciar

a expressão da pluralidade cultural, étnica e religiosa. E enfatizamos a impor-

tância da pluralidade de caminhos teóricos, metodológicos e práticos.

Você irá perceber que este Módulo IV traz as áreas de conhecimento como eixo:

trata de língua portuguesa, matemática e das ciências naturais e sociais. Trouxe-

mos os conhecimentos apenas no Módulo IV porque quisemos, nos textos e nas

atividades do PROINFANTIL, colocar a ênfase do trabalho de Educação Infantil

realizado em creches, pré-escolas e escolas na infância, nessa concepção de

infância que procuramos aqui estudar. Assim, o principal foi (e é) compreender

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a infância e a Educação Infantil com uma abordagem centrada na dimensão

da história e da cultura, da construção e do desenvolvimento, da expressão,

da criação, da descoberta e da arte. Nesse sentido, é muito importante que ao

explorar os conhecimentos, os(as) professores(as) continuem atuando de modo

a privilegiar todos esses aspectos que já vinham sendo focalizados.

O objetivo de todo o nosso curso foi (e continua a ser) o de colocar as crianças

no centro da cena. Por conta disso é que damos tanto valor à arte, à experi-

ência cultural e à formação cultural. A língua escrita e todos os conhecimentos

propostos neste módulo caminham na mesma direção: o propósito é trabalhar

com a língua, com a matemática e as ciências de modo a favorecer a cons-

trução da autonomia e da cooperação. Lidar com os conhecimentos e com

a arte no sentido da criação continua sendo a meta. As crianças têm direito

também aos conhecimentos, que, explorados de forma viva e criativa, poderão

contribuir para o seu processo de crescimento, fornecendo instrumentos para a

sua ação e para o conhecimento do mundo. E é nosso ponto de vista de que

esse processo pode e precisa se dar de maneira alegre, saudável e bonita.

Não há oposição, portanto, entre a dimensão cognitiva, a estética e a ética. Ao

contrário, precisamos, na nossa atuação com as crianças, trabalhar consideran-

do os conhecimentos, os afetos e os valores. É muito importante entender que

as diferentes dimensões se complementam e é isso o que nos constitui como

seres humanos. No trabalho com as crianças, precisamos enfatizar a cognição e

o afeto, a razão e a sensibilidade, o saber e o sentir, o conhecimento e a arte,

a ciência e a cultura, o conhecimento, o sentimento e os valores. Este é, talvez,

um dos maiores desafios que devemos enfrentar no cotidiano e este é o centro

das seções, atividades e proposições deste módulo.

Assim, a formação cultural e a dimensão artística continuam sendo primordiais,

tanto no que se refere às crianças quanto no que diz respeito a nós, jovens e

adultos, que com elas trabalhamos nas creches, pré-escolas e escolas.

3. COMEÇAR, RECOMEÇAR, CONTiNUAR, MUDAR – ALGUMAS PALAVRAS

SOBRE O PROCESSO

Trabalhar e simultaneamente estudar é uma realidade de grande parte dos(as)

professores(as) nas mais diferentes cidades deste país. Muitos trabalham de dia e

-

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estudam à noite; muitos atuam no magistério da rede pública e ao mesmo tempo

na rede privada; outros tantos têm mais de uma matrícula na rede pública ou

atuam também em projetos comunitários, como voluntários ou em organizações

não-governamentais. O dia-a-dia de quem atua na educação em geral, e na

Educação Infantil em particular, é movimentado, tanto pela natureza do traba-

lho com crianças, quanto pela diversidade e intensidade das ações em que, com

freqüência, estamos engajados. Com freqüência também, precisamos conciliar

tal participação com as alternativas existentes de formação, porque precisamos

de um tempo e de um espaço para trocar, nos aprofundarmos, expor as dúvidas,

estudar: temos direito à formação. E esta é, provavelmente, a situação de grande

parte dos(as) profissionais de Educação Infantil que estão cursando o PROINFANTIL

e que se encaminham, com este quarto módulo, para a sua conclusão.

Ora, começar, assim como terminar, envolve aspectos positivos, mas também pode

doer. Há uma delicadeza nesse momento que gostaríamos de respeitar e que pe-

dimos para que professores(as) e tutores levem em conta também. Durante esses

quase dois anos de curso, conhecemos pessoas, fizemos amigos, aprendemos e

também ensinamos. Muitas vezes tivemos nosso tempo dedicado mais ao trabalho

e ao estudo do que à vida pessoal, à família ou à comunidade em que estamos

inseridos. Tivemos alegrias e enfrentamos decepções; houve momentos difíceis e

outros mais leves, porque a vida comum é desse jeito. Especificamente no que diz

respeito às tarefas que tivemos de cumprir, algumas pareceram exigentes demais,

outras banais; alguns textos podem ter sido considerados pesados, outros repe-

titivos e alguns conceitos podem ter sido vistos como muito complexos. Houve

provas que pareciam impossíveis de resolver, mas achamos outras simples.

Nesse processo, talvez uma das palavras mais usadas nos textos dos quatro

módulos foi (é) “mudança”. E isso é muito comum na maioria dos cursos de

formação de professores(as), já que o campo pedagógico visa compreender e

ao mesmo tempo intervir, agir, mudar. Mas mudar não é simples. Às vezes, refle-

tindo, observando, lendo e escrevendo, tomamos consciência de que é preciso

mudar, alterar a forma de agir, de pensar ou mesmo de tratar determinada pes-

soa, seja criança, jovem ou adulto. Tomamos consciência, porém a prática nem

sempre muda com a mesma rapidez e intensidade. Outras vezes, percebemos

que é preciso certas condições para que a mudança se dê: boas intenções não

bastam e, para que a mudança seja conquistada, há um longo percurso onde

ações, decisões e criações se fazem necessárias. Muitos embates ocorrem no

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processo: conflitos, tensões, mobilizações. As mudanças não são rápidas nem

fáceis: envolvem trabalho coletivo, negociações, debates e tenacidade, em par-

ticular as que lidam com instâncias de decisão política. Mas são possíveis e, mais

que tudo, necessárias. Sabemos, por experiência, que as mudanças acontecem

de forma contraditória, pois nem tudo muda da mesma forma, no mesmo rit-

mo. Nem todos mudam como desejariam e na mesma direção. Momentos de

finalização de um projeto – como o deste curso, por exemplo – são importan-

tes para que possamos refletir criticamente sobre todo o processo e para que

possamos perceber que há aspectos que foram transformados na nossa prática

com as crianças, na gestão da creche, pré-escola ou escola, ou na atuação junto

à comunidade, mas ainda há também muito por fazer. Em muitos casos, o que

ocorre em países como o Brasil é que necessitamos de condições para efetuar

as mudanças que desejamos.

Bem, nosso curso está terminando e é necessário abrir um espaço e dedicar um

certo tempo – tanto no dia-a-dia de estudo dos textos, preparação das tarefas

propostas nas unidades, quanto nas atividades dos encontros quinzenais – para

que o grupo de professores(as) possa fazer uma reflexão sobre o curso e sobre

o que significa terminar. Do ponto de vista prático, recomendamos aos(às)

professores(as) e tutores que, ao planejarem as atividades integradoras a se-

rem realizadas nos encontros quinzenais, levem em conta não só as sugestões

apresentadas neste livro e a especificidade de cada unidade, mas também as

necessidades do grupo, as dúvidas que ainda existam e as iniciativas relativas

ao término do curso e às comemorações que se pretende organizar: se vai

haver festa, passeio ou formatura, quem vai participar da organização, como

e onde será realizada, quem convidar, que ações poderão ser desencadeadas,

que mecanismos de continuidade podem ser pensados – caso o grupo queira

continuar a se encontrar – são assuntos importantes para se refletir coletivamen-

te, e isso demanda tempo e uma série de providências práticas. Uma questão

particularmente importante é se existe disposição do grupo para desencadear

alguma ação quanto à Educação Infantil do município.

Estamos dando destaque a esse processo e à possibilidade de que o grupo de-

seje encontrar formas de continuar junto porque imaginamos que o grau de

comprometimento das pessoas umas com as outras e com a Educação Infantil

tenha se fortalecido. E sobre isso vale a pena conversar: qual era o compromisso

que tínhamos com a Educação Infantil quando começamos o curso e qual o

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compromisso que temos hoje? Depois de tantos textos lidos, temas pesquisados,

conceitos estudados, teorias e práticas conhecidas, projetos, atividades, provas,

memorial, portfólio, exposições, debates, visitas, reflexões sobre a experiência,

planejamento e relatórios, pensamos que o compromisso de cada professor(a)

e de cada tutor se ampliou. E esperamos que cada qual tenha podido avaliar

nossa responsabilidade social junto à Educação Infantil, não só dentro da insti-

tuição, mas também no contexto do bairro e da cidade onde se situa a creche,

pré-escola ou a escola.

Entendendo que as mudanças são contraditórias, dinâmicas e complexas, en-

tendemos também que nem tudo é conquistado da forma como se desejou.

Continuar vale a pena, especialmente se é possível continuar junto. Nesta dança,

para usar as palavras do poeta Carlos Drummond de Andrade, compreender

as possibilidades e os limites de cada ação é algo que só se aprende com a

experiência.

Gostamos de imaginar que os textos, encontros, estratégias e atividades pro-

postas pelo PROINFANTIL se constituem como desafios a serem enfrentados.

E desejamos muita boa sorte e muito bom trabalho para todos professores(as)

e tutores que se deixaram atrair, contagiar, envolver pela Educação Infantil, e

que permanecem no magistério lutando, reivindicando, aprendendo com as

crianças a possibilidade de criar, de refazer, de imaginar e de mudar sempre.

Não é isso o que caracteriza o brincar?

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B - EsTUDO DE TEMAs EsPECÍFICOs

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FUNDAMENTOs DA EDUCAÇÃoO COTIDIANO DA EDUCAÇÃO INFANTIL COMO EsPAÇO DE MATERIALIzAÇÃO DO DIREITO DE CIDADANIA

Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol.

Ambos existem; cada um como é.

Fernando Pessoa como Alberto Caeiro1

1 PESSOA, Fernando – Poemas Completos de Alberto Caeiro: Ficções do Interlúdio / 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.O poeta português Fernando Pessoa criou alguns heterônimos com os quais assinava a sua obra. Alberto Caeiro foi um deles.

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ABRiNDO NOSSO DiÁLOGO

Olá, professor(a)!

Neste texto, nossa proposta é refletirmos sobre uma riqueza que possuímos: nossas diferenças!

Não é incrível que sejamos ao mesmo tempo tão iguais e tão diferentes? Somos da

mesma espécie – Homo sapiens – e compartilhamos as mesmas necessidades huma-

nas: todos precisamos de água, de alimento e de abrigo para o frio e o calor. Todos

precisamos também de quem nos acolha e nos apóie nos nossos primeiros passos.

Ao mesmo tempo, no entanto, somos tão diferentes! Você já reparou como

irmãos podem ser diferentes? Mesmo gêmeos fisicamente idênticos são seres

diversos um do outro. Há quem seja habilidoso para consertar coisas, há quem

goste muito de ler, há quem tenha raciocínio rápido, há quem se detenha em

detalhes, há quem seja espiritualizado, há quem goste muito de falar, há quem

prefira ouvir. Uns sabem cozinhar bem, outros são bons em nos fazer rir. Temos

habilidades físicas e emocionais. Temos também limitações.

Assim somos nós: maravilhosamente iguais e diferentes. O que nos iguala é a

condição de humanidade. O que nos diferencia é a nossa individualidade, nossa

singularidade. É a diferença que nos faz únicos nesse universo; é ela que nos brinda

com um valor inestimável, pois cada vida que se manifesta é única, singular.

Não há meio no mundo de repetir as características que fazem você assim: do

jeitinho que você é. Isso não é misterioso e encantador?

E as crianças que recebemos na Educação Infantil? Você já ouviu esta expressão:

“Todas as crianças são iguais; só muda o endereço?” Realmente há tantas coisas em

comum entre elas: adoram brincar de esconder, implicam e brincam entre si, ficam

irritadas quando têm sono etc., mas podemos descobrir o quanto são diferentes,

portadoras de suas histórias de vida, de suas características físicas e emocionais,

de seus pontos de vista. É essa diferença que faz de cada uma delas um ser único,

diverso dos outros. É essa diversidade que nos interessa perceber e valorizar.

Se olharmos assim para nós e para os outros à nossa volta, com grande interesse

e curiosidade em descobrir as diferenças, nosso jeito peculiar de ser e nossa

contribuição para o mundo, tudo fica mais interessante. Olhar com o encanta-

mento de quem olha pela primeira vez.

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Mas como incluir as diferenças como um valor no cotidiano da Educação Infan-

til? Incluir assim, de verdade, abrindo mão de padrões e propiciando que todos se manifestem e tenham acesso à produção cultural da humanidade, nas suas mais variadas linguagens?

Você já sabe que TODAS as crianças têm direito a uma educação de qualidade. Isso já está garantido nas leis – Constituição Federal de 1988, Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996.

Mas como assegurar que todos os dias, em todos os momentos, as crianças sejam aten-didas em seus direitos e sejam tratadas com dignidade? Ainda mais que elas ainda não têm como cobrar do adulto esse comportamento, essa postura, esse direito?

Sabemos que não é tão simples, que depende de compromisso para o exercí-cio cotidiano de colocar-se no lugar do outro, experimentando seu ponto de vista. Por isso consideramos que essas sejam questões importantes de serem trabalhadas ao longo deste texto de FE, no sentido de abrir um espaço para que você e seus(suas) colegas de formação se fortaleçam diante dos desafios

que esse tema nos coloca cotidianamente.

DEFiNiNDO NOSSO PONTO DE CHEGADA

Objetivos deste texto:

1. Compreender que é no cotidiano que se afirma, ou não, o compromisso político e moral com a inclusão de todas as crianças, em sua diversidade de gênero, etnia, religião, classe social, assim como em suas características pessoais, singularidades físicas e emocionais.

2. Compreender que a Educação Infantil é espaço de educação integral, isto é, de acolhimento e desenvolvimento das crianças em suas dimensões corporal, afetiva, cognitiva, cultural, política e estética.

3. Compreender que o respeito ao direito das crianças à Educação Infantil se materializa cotidianamente, como qualidade de vida, isto é, como qualidade das relações humanas e das vivências que transcorrem no espaço físico, nas rotinas, enfim, no dia-a-dia de crianças e adultos.

CONSTRUiNDO NOSSA APRENDizAGEM

Este texto está dividido em três seções: na primeira buscaremos relembrar o

tema do trabalho com as diferenças que as crianças apresentam individual-

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mente, a partir de sua formação pessoal e cultural diversificada, e como são

respeitadas ou negadas no cotidiano; na segunda seção, pretendemos abordar

a diversidade que habita cada um de nós e o entendimento da nossa integrali-

dade; e na terceira seção, pretendemos valorizar o espaço da Educação Infantil

enquanto espaço privilegiado para trabalharmos as questões apresentadas nas

duas seções anteriores.

Seção 1 – Educar para a inclusão de todas as crianças

OBjETIVO A sER ALCANÇADO NEsTA sEÇÃO:- COMPREENDER qUE é NO COTIDIANO qUEsE AFIRMA, OU NÃO, O COMPROMIssO POLÍTICOE MORAL COM A INCLUsÃO DE TODAs As CRIANÇAs, EM sUA DIVERsIDADE DE GêNERO, ETNIA, RELIGIÃO,CLAssE sOCIAL, AssIM COMO EM sUAs CARACTERÍsTICAs PEssOAIs, sINGULARIDADEs FÍsICAs E EMOCIONAIs.

“Somos o mesmo, mas não os mesmos.”

Shafik Abu-Tahir, líder das “Novas Vozes Africanas’’

Somos uma nação rica em diversidade cultural e ambiental. Somos constituídos

de muitas cores – somos coloridos! – mas de modo geral, não valorizamos muito

essa nossa peculiaridade, ou “peculiar identidade”. Por que será?

Observe o quadro de Di Cavalcanti, que pintou essa diversidade:

Di Cavalcanti, “Brasil em 4 fases II” – 1965Obra disponível no site: http://www.pitoresco.com.br

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Emiliano Di Cavalcanti nasceu em 1897, no Rio de Janeiro. Entre 11 e 18 de

fevereiro de 1922, idealizou e organizou a Semana de Arte Moderna.

Se formos passear por nossa história, perceberemos que nossa origem foi mar-

cada por um entrelaçamento de culturas e etnias muito distintas: ameríndios

ou indígenas habitantes de nossa terra, afro-descendentes que aqui chegaram

à força, escravizados pelos europeus e os europeus, primordialmente portu-

gueses, que se impuseram como senhores desse processo.

Nascemos como nação, colonizados pelos portugueses, e essa condição forjou

um olhar que aprendeu a valorizar o que vinha de fora, da Europa. Nossa cons-

tituição foi historicamente eurocêntrica, isto é, teve os valores europeus como

referência. As culturas não-européias – as nativas e as africanas – eram vistas

como primitivas e inferiores. Foram subjugadas, expostas à escravidão ou ao

extermínio, sempre mantidas à margem. Hoje sabemos que suas contribuições

são inegáveis e que constituem o ser brasileiro.

Muitos outros estrangeiros vieram para cá em busca de trabalho e opor-

tunidades de vida, principalmente a partir do século passado, e ajudaram

a construir o Brasil. Mas essa construção sempre foi marcada pela exclusão

e pela discriminação.

A miscigenação – a mistura entre as raças ou etnias – é uma característica

valiosa da nossa constituição. Somos um país mestiço, por isso somos assim

“coloridos”. Apesar da mestiçagem, ainda convivemos com a discriminação.

Você já ouviu a expressão “cada macaco no seu galho”? O que essa expressão

significa para você?

Somos fruto dessa história marcada por encontros, desencontros, trocas

e misturas, mas também marcada por violência, exclusão e negação do

outro, do diferente.

Por muito tempo, buscou-se manter a imagem de uma nação não-racista ou de

uma democracia racial. O que você acha? Você percebe discriminação racial no seu

dia-a-dia? Será que a discriminação social é mais forte? Será que valorizamos

mais as pessoas pelo o que elas têm?

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Cena

Numa turma de Educação Infantil numa escola de classe média/alta, uma criança mostrava-se maravilhada com o fato de sua professora ser “colorida”. A professora era negra e a grande parte das crianças brancas. O grupo ponderou que sua professora não era “preta”, e sim, “marron-zinha”. Ponderou também que elas, crianças, não eram “brancas”, e sim, “marronzinhas”, “rosinhas”, algumas meio “amarelinhas”. A professora então propôs uma pesquisa de cores de pele e elas, misturando cores, chegaram a várias tonalidades diferentes. Pesquisaram também tipos de cabelo, alguns mais lisos, outros mais encaracolados, buscando as várias tonalidades e texturas. O resultado do trabalho foi a descoberta e a valorização de uma grande diversidade de belezas.

Você já reparou que é comum que se use lápis rosa para colorir a pele de perso-

nagens dos desenhos feitos na escola? Por que será? Olhe à sua volta. Quem

tem pele rosa?

Pense no seu grupo. Do ponto de vista étnico, qual a predominância na

turma? São crianças negras ou afro-descendentes (termo utilizado por alguns

movimentos sociais)? São crianças indígenas? São filhos de colonos europeus

ou asiáticos? É uma turma bem diversificada, na qual não há uma predo-

minância étnica específica?

Entre suas crianças há alguma ruiva? Talvez ela tenha descendência européia. Será

que há crianças louras, de cabelos cacheados? Ou quem sabe uma com olhos verdes

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ou azuis. Você percebe maior aceitação em relação a este tipo de beleza? Mais con-

tato físico ou mais admiração pelos cabelos lisos? Por que será que é comum ouvir

dizer que alguém tem cabelo ruim?

Professor(a), você conhece a história

Menina Bonita do Laço de Fita, de Ana

Maria Machado? Esse livro possibilita uma

interessante reflexão sobre diferentes pa-

drões de beleza. Se você tiver acesso a uma

biblioteca, procure conhecê-lo e aproveite

para contar para suas crianças.

A professora Yvone Costa de Souza, em

seu livro Crianças negras: deixei meu co-

ração embaixo da carteira!, apre senta im-

portantes depoimentos sobre precon ceito

e questões raciais. Vejamos o depoimento

de uma professora da creche:

Um dia, ao desenvolver um trabalho de expressão corporal com um

grupo de maternal I (2 a 3 anos), fui surpreendida por um pai bastan-

te aborrecido que interrompeu todo um processo de criação do grupo

porque, naquele momento, ele havia visto seu filho de dois anos e cinco

meses usando batom e vestindo uma imensa blusa cor de rosa, dançando,

pulando e se divertindo muito, o qual, sem ter tido a menor chance de

entender tudo o que estava acontecendo, foi retirado da sala.

Eu mesma já pude observar a surpresa de algumas colegas de trabalho,

quando eu demonstrava o desejo de ser a princesa numa interpretação de

um conto. Sou negra e estou um pouquinho acima de peso, embora tenha

excelentes dons teatrais. A imagem da princesa, que crescemos acreditan-

do ser a real, está muito longe da minha imagem física. E aí percebemos

que, quase sem nos darmos conta, estamos discriminando pessoas, seja por

origem, cor, peso, estatura ou opção sexual.

(SOUZA, 2002:39)

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ATIVIDADE 1

Você já se perguntou sobre suas origens? Pesquise com seus parentes mais ve-

lhos ou em álbuns e papéis antigos e construa uma história de sua família. Ela

deve ser organizada de forma caprichada, com fotos e textos de lembranças;

um registro do qual você se orgulhe. Esse material deve ser levado para seu

encontro de formação. Conte no encontro a sua história e ouça a de seus(suas)

colegas. Pode ser uma boa oportunidade para todos vocês.

Se quiser, monte uma árvore genealógica. A árvore genealógica parte da pessoa,

seus irmãos, seus pais e tios, e vai se abrindo, se ramificando: os pais dos pais –

os avós – os pais dos avós – os bisavós – e assim por diante. Cada um buscando

suas raízes, sua história pra contar.

Acreditamos que este tipo de exercício pessoal ajudará você num trabalho de

resgate e apropriação de sua identidade.

Veja como esta letra de música de Chico Buarque, que você já conhece um tre-

cho, pois foi colocada no texto de FE da Unidade 4 do Módulo II, pode inspirar

essa pesquisa:

Para todos

o meu pai era paulista

meu avô, pernambucano

o meu bisavô, mineiro

meu tataravô, baiano

meu maestro soberano

foi Antônio brasileiro

foi Antônio brasileiro

quem soprou esta toada

que cobri de redondilhas

pra seguir minha jornada

e com a vista enevoada

ver o inferno e maravilhas

nessas tortuosas trilhas

a viola me redime

viva Erasmo, Ben, Roberto

Gil e Hermeto

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palmas para todos

os instrumentistas

salve Edu, Bituca, Nara

Gal, Bethânia, Rita, Clara

Evoé, jovens à vista

o meu pai era paulista

meu avô, pernambucano

o meu bisavô, mineiro

meu tataravô, baiano

vou na estrada há muitos anos

sou um artista.

Chico Buarque

Você pode propor essa pesquisa às crianças e aos seus familiares. Cada família

compõe sua história, através de fotos, desenhos e também da árvore genealó-

gica com as informações que considerar importantes, cada uma do seu jeito. As

árvores genealógicas da turma podem ser expostas na sala. Os familiares também

podem ser convidados para relatar suas experiências. Vocês terão histórias de

pessoas que têm raízes na região onde moram, pessoas cujas famílias vieram

de outros estados e mesmo de outros países e uma grande oportunidade de

colorir e dar significado às diferenças que compõem seu grupo.

Quando pensamos nas diferentes religiões praticadas em nosso país, verifica-

mos que, embora ocorra o sincretismo religioso, nem todas as religiões são

respeitadas e valorizadas da mesma forma na sociedade. A escola deve ser um

local onde se respeitam todas as religiões. Você considera que na escola em

que você trabalha este direito é respeitado?

A escola pública brasileira é gratuita e laica. Uma escola pública que inclui na

sua rotina a hora da oração com as crianças não está respeitando a liberdade

religiosa das crianças e de suas famílias, porque as famílias podem ter práticas

religiosas diferentes. É comum, por exemplo, que crianças se perguntem e co-

loquem questões sobre Deus, sobre a vida e a morte. Qual seria a sua postura

nesse caso, considerando o respeito às diferenças?

Cada um de nós tem sua visão em relação a estas questões, mas não podemos

impor a nossa visão pessoal como verdadeira e única para as crianças. Podemos

dizer: “Para mim, é assim, ‘assado’...” ou “na minha religião, consideramos que

seja assim, ‘assado’...”.

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Você pode pesquisar essas questões nas várias concepções religiosas, princi-

palmente naquelas partilhadas pelos familiares das crianças com quem você

trabalha ou por sua comunidade. O importante é termos consciência de que

não há uma concepção única ou mais correta do que as outras.

Há pessoas que não têm religião, há aquelas muito religiosas, mas tolerantes em

relação a outras religiões e há quem não participe de festas juninas, pois sua reli-

gião não permite.

Você tem idéia de quais são as opções religiosas dos familiares de seus(suas)

alunos(as)?

Lembre-se sempre: diversidade é sinônimo de riqueza.

ATIVIDADE 2Você já se sentiu vítima de algum tipo de discriminação? Tente recuperar qual

foi a sua reação e os sentimentos que você experimentou. Registre suas lem-

branças e leve para seu grupo de formação.

Você nunca vivenciou este sentimento em primeira pessoa? Que bom pra você! De

qualquer forma, vai ser bom ouvir o que seus(suas) colegas têm a dizer. E nas creches,

pré-escolas ou escolas em que trabalha, já testemunhou atitudes discriminatórias

em relação aos(às) colegas ou às próprias crianças? Qual foi sua reação? Você se

omitiu? Reagiu de forma agressiva e pouco compreensiva? Você se posicionou e

considera que ajudou o(a) colega a perceber que foi preconceituoso(a)?

Trazendo para o campo individual este tipo de prática e os sentimentos que ela

envolve, talvez nos sensibilizemos para o combate à discriminação ou negação

da identidade do outro.

O(a) educador(a) tem muito poder nas mãos. E tem um papel humanizador

importante. Temos que ter consciência desse poder, pois não temos o direito

de restringir as possibilidades das crianças que nos são confiadas.

Só entrando em contato e enfrentando os nossos preconceitos, principalmente

os não assumidos, poderemos lidar com eles e refletir sobre a aceitação de nossa

própria identidade. Dessa forma, podemos ampliar nossa disponibilidade de

realmente conhecer o outro, apesar dos incômodos que os estereótipos possam

nos causar à primeira vista.

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O outro, o diferente, gera sentimentos contraditórios. Sentimo-nos perturbados

pelo estranhamento em relação às nossas referências, mas, ao mesmo tempo, fica-

mos curiosos e atraídos pelo o que desconhecemos. Para conhecer outras pessoas,

precisamos de disponibilidade e acolhê-las como elas são. A partir daí podemos

criar laços e tornarmo-nos parceiros na tarefa de iluminar e dar foco para as po-

tencialidades de cada um.

Agora vamos pensar numa situação concreta: diante de uma criança que che-

ga sempre suja, com a roupa puída e mal-cheirosa, com cabelos infestados de

piolhos, podemos sentir rejeição e incômodo. Mas ela não precisa de nossa

rejeição, precisa de acolhimento. Talvez precise muito que nos aproximemos

dela e de seus familiares. Talvez mais do que aquela que chega cheirosa e que

não temos dificuldade de abraçar e nos aproximar.

O que você faria? O contato com os familiares seria um primeiro passo. Não para

fazer queixa, mas para tentar entender a situação da família e ajudar a criança. Di-

gamos que a mãe, sozinha, não dê conta de cuidar da criança, sua sétima filha.

Constatado isso, o que fazer? Talvez a criança precise tomar banho. Talvez seja

uma necessidade singular a ser atendida. Talvez a menina precise aprender a se

cuidar bem cedo de forma autônoma e talvez a creche, a pré-escola ou a escola

possa ajudá-la. Talvez o grupo possa ser convidado a trabalhar as questões liga-

das à higiene e aos cuidados pessoais de forma lúdica: produzir sabões cheirosos

que ajudem no combate à pediculose (há uma receita interessante composta

de ervas), lavar roupinhas de boneca, tomar banhos coletivos de mangueira,

se o clima permitir e houver água em abundância.

ATIVIDADE 3

O que você acha? Como você lida com esta situação? Escreva a sua opinião e

troque-a com seus(suas) colegas.

Vale lembrar que estamos tentando valorizar as diferenças, mas não quere-

mos defender as desigualdades sociais. Apesar de nossas diferenças, temos

direito a oportunidades iguais. O nosso desafio é atender a cada um segun-

do suas necessidades e receber de cada um, segundo suas possibilidades.

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Somos produzidos nesse espaço

e nesse tempo. Você já pensou

que cada um de nós seria um ser

diferente do que é se inserido em

um outro tempo ou outro espaço?

Você não teria as caracteríticas

que tem se vivesse numa caverna

há milhares de anos ou se sim-

plesmente seus pais lhe tivessem

concebido e criado em outro país

ou região. Suas referências seriam

outras! Sua forma de ver e enten-

der o mundo seria diferente! Você

só é assim do jeito que é porque

é parte deste momento histórico, é filho ou filha dos seus pais, nasceu onde

nasceu e tem as experiên cias de vida que seu contexto propicia.

ATIVIDADE 4

Pesquise como foi o processo de colonização na região onde você vive. Ela já era

habitada antes da chegada dos europeus? Por quem? Existiram nações indígenas

na região? Quais? Existem até hoje? E a presença dos afro-descendentes é signifi-

cativa? Que outras influências culturais predominam: a portuguesa, a holandesa,

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a chinesa, árabe, espanhola, italiana, alemã? Como essas culturas influenciaram os

festejos, os costumes e a linguagem de sua região? Vocês, no grupo de formação,

podem construir um acervo para a escola com as informações que conseguirem,

nas mais variadas linguagens: textos, vídeos e artefatos.

Com esse exercício, vocês podem ampliar e enriquecer a visão da formação

cultural da região em que se encontram e perceber quais os elementos que

foram mais valorizados e quais os praticamente negados.

Esse acervo enriquecido pode ser compartilhado com as crianças e associado à

diversidade contida nas histórias de vida do grupo – ponto de partida e de chegada

de seu processo de construção de conhecimentos, de valores e de afetos. Essa é a

mais rica matéria-prima para o desenvolvimento de um trabalho significativo.

Veja, professor(a), a riqueza de nossa cultura representada por essas bonecas

produzidas em nosso país:

- Produto: Bonecas Caroá

- Comunidade: Conceição das Crioulas

- Matéria-prima: Fibra do Caroá

- Associação Quilombola de Conceição das Crioulas

www.conceicaodascrioulas.org.br

Em sua creche, pré-escola ou escola, você costuma mostrar objetos artesanais

para as crianças? Elas conhecem a cultura popular de sua região?

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Um trabalho ou uma proposta pedagógica se torna significativa quando ela

faz sentido, quando está carregada de referências com as quais as pessoas

envolvidas se identificam.

Sendo assim, torna-se imprescindível conhecer as famílias, planejar visitas às

casas das crianças e conhecer o ambiente em que vivem. No contato com os

familiares vocês podem ter acesso às suas histórias de vida e às suas referências

culturais. Convidando as famílias a virem à escola conversar com as crianças,

o grupo pode conhecer as suas atividades profissionais, seus conhecimentos

e habilidades, sua realidade e sua visão de mundo. Esse acervo significativo

para as crianças revelará caminhos a percorrer, fazendo das crianças e de suas

famílias co-autoras do trabalho desenvolvido no cotidiano da escola. A partir

daí se forma uma rede de pertença que dá conforto a todos.

Cena

Uma professora de uma escola pública de uma grande cidade brasileira perce-

beu que seus alunos, quase todos moradores de uma imensa favela, estavam

com fortes sentimentos de desvalia devido à sua condição de “favelados”. Nessa

cidade, esse é um estereótipo muito forte, geralmente causador de grandes

discriminações. A professora, então, resolveu lançar outro olhar sobre o ambiente

em que viviam as crianças. Foram todos em excursão à favela. Guiados por um dos

pais, fizeram um roteiro visitando as moradias das crianças. A professora, então,

propôs que elas, junto aos seus familiares, fizessem fotos do que havia de mais

bonito na favela. Emprestou sua própria máquina e mobilizou os familiares para

o financiamento das fotos. O fechamento do projeto foi um lindo painel de fotos,

recheado de poesias e orgulho das próprias crianças e de seus familiares.

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Você acha que esta professora ajudou a negar ou a fortalecer a identidade de

suas crianças? Na sua cidade também é assim? Você percebe discriminação em

relação às parcelas mais pobres da população?

Um amigo índio me contou que sua aldeia sofre este mesmo tipo de discrimi-

nação por parte da cidade vizinha – uma cidade pequena do litoral: sua aldeia

é evitada, considerada uma favela.

O que tudo isso tem a ver com inclusão de todas as crianças?

Quanto mais conscientes de nossas possibilidades e de nossos limites e quanto

mais aprendermos com a complementariedade entre os diferentes, mais flexí-

veis, disponíveis e abertos ao outro seremos, seja ele quem for.

Como incluir crianças acolhendo suas diferenças se ficarmos presos à imagem

da criança-padrão, a planejamentos pré-concebidos e a ambientes e horários

fixos, nos quais detemos todo o controle da turma?

Às vezes recebemos crianças que causam alguns transtornos na nossa rotina:

que choram com freqüência, que agridem muito os(as) colegas, que custam a

adquirir o controle dos esfíncteres etc. São crianças que exigem mais de nossa

atenção e disponibilidade. Se conseguirmos acolhê-las, incluí-las no nosso pla-

nejamento, talvez consigamos fortalecê-las. Se, ao contrário, as aprisionarmos

em rótulos tipo “bebê chorão” ou “pestinha”, certamente não estaremos lhes

ajudando a lidar com suas peculiaridades ou a superar suas dificuldades.

O conceito de Educação Inclusiva refere-se à inclusão de crianças portadoras das

chamadas necessidades especiais, o que amplia nosso desafio. Temos que contar

com a sua disponibilidade, professor(a), pois é você quem vai lidar diretamente

com as várias questões que se apresentarem no dia-a-dia.

Por sua vez, você precisa contar com uma base de apoio teórico e prático com a qual

você possa compartilhar sugestões, dúvidas e dificuldades. É muito louvável conside-

rar que todos devem ser incluídos, mas temos de entrar em contato com as nossas

dificuldades de lidar com o que rejeitamos ou tememos, ou o que nos desafia.

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Teremos de considerar também a adaptação das instituições às limitações físicas

de suas crianças, no sentido de garantir o desenvolvimento de sua integração

ao espaço e sua autonomia. Por exemplo, receber uma criança que usa cadeiras

de roda numa sala do segundo andar de um prédio exige adaptá-lo fisicamente

ou deslocar a turma para acolhê-la. Da mesma forma, não é possível receber

crianças com deficiências auditivas ou visuais sem que se considere sua pos-

sibilidade de comunicação com professores(as) e alunos(as), se o número de

crianças por turma não permitir a delicadeza e o contato pessoal que a situação

requer, por exemplo. Em outras palavras, uma escola inclusiva deve adaptar-se

às necessidades das crianças que se propõe a receber.

É como se a inclusão colocasse uma lente de aumento nas nossas contradi-

ções, pois as condições exigidas para que CADA UM seja atendido na sua

especificidade vão exigir da instituição e de seus funcionários a flexibilidade e

a capacidade de adaptar-se que julgamos necessárias a um espaço acolhedor

de TODAS as diferenças e características pessoais de cada criança, sejam elas

de gênero, etnia, religião, classe social, singularidades físicas ou emocionais,

como pretende o objetivo de nossa seção.

Numa proposta da Educação Inclusiva, precisamos criar condições de acesso às

mesmas oportunidades de interação e expressão, de acesso à produção cultural

e de partilha de experiências.

Para que isso ocorra, portanto, não basta a determinação de leis. Só ocorrerá

de fato se for um compromisso político e moral seu, professor(a), que lida com

a criança pessoalmente, no contato direto, lá onde as questões se colocam na

prática. Se não lhe são concedidas reais condições de trabalho com as diferen-

ças, este fato precisa ser denunciado e a realidade só mudará se for um foco

de seu interesse real e de seu grupo de trabalho.

Fazer com que cada um possa contribuir a sua maneira, encontrando seu es-

paço pessoal e sentindo-se parte de um processo gerado coletivamente, criará

o sentimento de pertença necessário, levando a descobertas interessantes de

potencialidades que vão se revelando no aprendizado do dia-a-dia.

Lidar com diferenças é um exercício básico da existência humana, cujos parâmetros

variam de acordo com as referências de cada cultura. Na nossa cultura predomi-

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nou, como vimos, o princípio da homogeneidade ou a valorização de um modelo

sobre os outros. Fomos formados assim, freqüentamos escolas seriadas em que

todos deviam agir de acordo com padrões estabelecidos. É, portanto, um desafio

para nós lidar com as diferenças sem lançar mão de atitudes discriminatórias e

autoritárias. Parece-nos mais fácil lidar com o que conhecemos ou reconhecemos

no outro, impondo-lhe nossa visão de mundo. Será um aprendizado, portanto,

criarmos novas formas mais democráticas e criativas de relação para permitir que

as pessoas manifestem seu jeito de ser e para que possamos aprender com elas.

Seção 2 – Acolher as crianças em suas múltiplas dimensões humanas

OBjETIVO A sER ALCANÇADO NEsTA sEÇÃO:- COMPREENDER qUE A EDUCAÇÃO INFANTIL é EsPAÇO DE EDUCAÇÃO INTEGRAL, IsTO é, DE ACOLhIMENTO E DEsENVOLVIMENTO DAs CRIANÇAs EM sUAs DIMENsõEs CORPORAL, AFETIVA, COGNITIVA, CULTURAL, POLÍTICA, EsPIRITUAL E EsTéTICA.

O que seria a educação integral?

Geralmente alguns desses aspectos citados acima são privilegiados de forma desvin-

culada dos outros e este é mais um grande desafio: juntar o que foi separado.

A primeira questão seria, então, entender qual a concepção de criança da

instituição em que você trabalha. A criança é vista como alguém que “não

sabe” e que deve aprender e obedecer? É vista como um ser indefeso que

precisa de cuidados e atenção e de que se façam as coisas por ele? É vista

como alguém capaz de também ensinar e capaz de criar suas próprias hipó-

teses? As práticas pedagógicas do seu dia-a-dia privilegiam a manifestação

da vivência e do ponto de vista de cada uma? Esse tipo de esclarecimento

é importantíssimo para que possamos partir de princípios semelhantes.

Estamos entendendo a criança como um ser humano como nós, com sentimentos,

emoções, demandas, desejos, um corpo que age e sente, uma mente que elabora

e reelabora conhecimentos, um ser histórico e social constituído do caldo cultural

em que se encontra imersa sua família, biológica ou não, e dele transformador.

Um “cidadão de pouca idade”, nas palavras de Sonia Kramer (1986).

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Pensar em integralidade, porém, é difícil para nós. Aprendemos a ver o mundo de

forma fragmentada, aos pedacinhos, a partir de uma elaboração teórica que ainda

predomina na nossa formação e na nossa leitura de mundo: a lógica cartesiana

mecanicista, que vê a natureza como uma grande máquina a ser manipulada

segundo os nossos interesses. A própria ciência está aos poucos redescobrindo

uma visão holística, a partir da qual todos fazemos parte de um todo.

Temos agora que juntar o “quebra-cabeça” para unir o que foi “separado”. No

nosso caso, juntar corpo, mente e espírito para nos percebermos e perceber as

crianças como seres integrais.

Perceba como a escola privilegia a formação intelectual da criança em detri-

mento de sua expressão corporal, por exemplo. Por que as crianças têm que

ficar tanto tempo sentadas? Por que o tempo dedicado às atividades corporais

é sempre menor? Por que ficam mais tempo em sala do que na área externa?

O movimento alimenta e organiza a per-

cepção corporal, a autoconfiança e a inteli-

gência, além de gerar alegria, contatos,

trocas, descobertas. Por outro lado, partilhar

descobertas é muito bom, não é? A partilha

nos afeta e o afeto fundamenta o desejo de

entrar em contato com o outro e conhecer

o novo. A partilha fundamenta o desejo de

movimento. Movimento, afeto, expressão

corporal, expressão de percepções e de senti-

mentos: tudo isso está diretamente relacio-

nado ao desenvolvimento infantil. O desafio

é pensá-lo como desenvol vimento integral,

que articula os vários aspectos do ser.

Nesse sentido, teremos que abrir mais espaço para a expressão de cada um e

para a livre opção, pois, se direcionamos o tempo todo os trabalhos, teremos

talvez crianças disciplinadas, mas não teremos acesso às suas expressões criativas,

genuínas, fruto do desejo e da leitura de mundo de cada um.

Pensando e agindo de forma integral e integradora, criando situações

de aprendizagem em que as crianças possam se sentir atraídas e possam

ser movidas por seu interesse e curiosidade, estaremos permitindo o fluir

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da nossa energia vital, a expressão do nosso ser, para muitos nossa pró-

pria espiritualidade, o que nos faz experimentar um sentimento de união

com o todo à nossa volta e gera alegria e movimento de novo. Esse sen-

timento de plenitude ou integralidade pode ser experimentado no nosso

dia-a-dia em situações simples e encantadoras.

Vamos ler um trecho de um texto de Daniel Munduruku, índio da nação Mundu-

ruku, formado em filosofia e mestre em antropologia social pela Universidade

de São Paulo. Ele escreveu vários livros infanto-juvenis, entre eles: Histórias de

índio, Meu avô Apolinário e Você se lembra, pai?

Meu avô costumava dizer que tudo está interligado entre si e que nada escapa

da trama da vida. Ele costumava me levar para uma abertura da floresta e

deitava-se sob o céu e apontava para os pássaros em pleno vôo e nos dizia que

eles escreviam uma mensagem para nós. “Nenhum pássaro voa em vão. Eles

trazem sempre uma mensagem do lugar onde todos nos encontraremos”,

dizia ele num tom de simplicidade, a simplicidade dos sábios. (...)

Através de minhas leituras e viagens fui compreendendo, aos poucos, aquilo

que o meu avô dizia sobre a sabedoria que existe em cada um e todos os

seres do planeta. (...)

Entendi, então, a lógica da teia. Entendi que cada um dos elementos vivos

segura uma ponta do fio da vida e o que fere, machuca a Terra, machuca

também todos nós, os filhos da Terra.

Foi aí que entendi que a diversidade dos povos, das etnias, das raças, dos

pensamentos é imprescindível para colorir a teia, do mesmo modo que é

preciso o sol e a água para dar forma ao arco-íris.

(MUNDURUKU, 2002. p. 15)

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Quando compartilhamos histórias, cantamos, contamos e dramatizamos contos

de fada, trazemos a dimensão da imaginação e da memória coletiva, trabalhamos

linguagem e expressão de sentimentos humanos diante dos mistérios da vida.

Cena

A professora escolhe uma história que já conhece e que se encaixa

bem na circunstância vivida por uma criança, cujo cachorro de estima-

ção morreu. A história fala de sentimentos de perda, de saudades e de

dor de forma poética e cuidadosa. O grupo compartilha experiências

e lembranças. A criança ouve quietinha e atenta, sentada no colo da

professora, e depois pede para fazer um desenho no qual seu cachorro

ganhou asas e voou para um mundo cor de arco-íris.

Outra possibilidade interessante é criarmos uma roda diária para compartilhar-

mos nossos sonhos, que também podem dar margem às mais diversas expressões

– dramatizações, desenhos, mímicas etc.

Por outro lado, vivenciar a dimensão da cooperação e da solidariedade

através de práticas cotidianas nos leva a acolher o outro como desejaríamos

ser acolhidos. Por isso é importante que no dia-a-dia as crianças tenham a

experiência de servir e de serem servidas em situações de lanche, de ma-

nutenção do ambiente, de cuidados consigo próprias e com as outras, de

cuidados com plantas e com animais.

Cena

Um menino de 6 anos, bem grande para a sua idade, apresentava

sérios problemas de socialização e mostrava-se arredio no seu grupo.

Sua grande paixão era os gibis. Havia aprendido a ler por sua conta,

com quatro anos, manuseando gibis. Seu grande prazer: ir à sala dos

menores e ler histórias para eles. Era comum encontrá-lo rodeado de

crianças, as quais já esperavam por ele e pela “hora do gibi”. Na sua

escola ele podia ter esse prazer e compartilhá-lo.

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Essa é uma situação preciosa, você não acha? Infelizmente, é difícil os adul-

tos, numa escola, deixarem as crianças mais livres para circular, deixarem o

maior ir à sala dos menores. Você já recebeu crianças mais velhas em seu

grupo para realizar uma atividade com as suas crianças?

Cena

A professora e a coordenadora estão conversando sobre as crianças da turma.

A professora fala de sua preocupação com uma menina que é muito dispersa.

A coordenadora quer entender melhor. A professora diz que a menina não

se concentra na hora de desenhar. Querendo saber se “a hora de desenhar”

era escolhida pela professora ou pela criança, a professora diz que era a hora

que ela havia escolhido para que todos desenhassem. Não sendo escolha da

criança, como saber se ela estava dispersa ou desinteressada?

Quando damos vazão à nossa expressão artística nas suas mais múltiplas lin-

guagens – da dança, da música, da poesia, da expressão corporal, das artes

plásticas –, privilegiamos a nossa dimensão estética, a expressão e a partilha de

sentimentos e emoções pessoais. Mas, cá entre nós: estimular expressão artística

é diferente de organizar horários para atividades artísticas. Você não acha?

Qualquer atividade de expressão pode ser estimulada, mas não forçada. Pintar

pode ser ótimo, mas não quando não queremos fazê-lo. Assim como tudo o que

nos dá prazer na vida: ler, dormir, cantar, namorar, comer, desenhar etc. Temos

que partir do desejo!

Como privilegiar a dimensão do lúdico, da criação, o prazer do fazer cole-

tivo, da troca e da complementaridade?

Em todos esses momentos estamos dando asas à expansão e expressão do nosso

ser integral, estamos trabalhando o que uns chamam de espírito, outros podem

chamar de conexão cósmica, outros podem chamar de sentimento de pertença a

um todo maior, enfim, um sentimento de que somos individualidades, mas que não

estamos sós, pois, para que possamos existir e agir, precisamos uns dos outros.

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Aqueles que têm essa visão consideram que está tudo interligado e que somos

seres integrais e complementares. Para entender o mundo, há uma dança cós-

mica do dia e da noite, do claro e do escuro, da vida e da morte, do fim que é

sempre um começo. Esta é a essência da visão holística que os antigos sábios

orientais ou os ancestrais dos nossos indígenas e afro-descendentes já percebiam

há milhares de anos, sabedoria construída a partir da observação da natureza

e dos seus ciclos.

ATIVIDADE 5

Você já experimentou esse sentimento de fazer parte de um todo maior? O

que lhe proporciona esse sentimento? Quais atividades lhe dão a sensação de

expressar mais plenamente o que você é? Você gosta, por exemplo, de pintar,

bordar, correr, cantar? Registre e partilhe com seus(suas) colegas de formação.

Vocês poderão se conhecer mais plenamente.

Pensando um pouco em nós, adultos, repare que, quando praticamos exercícios

físicos ou estamos apaixonados por alguém ou por algo, quando participamos

de atividades que nos alegram, quando rimos ou cantamos ou quando constru-

ímos algo no qual empenhamos muito desejo e criatividade, somos invadidos

por uma sensação de prazer e de plenitude, não é verdade?

O mesmo acontece com as crianças.

Se a dinâmica do trabalho for praze-

rosa, se as descobertas estive rem

vincu ladas à curiosidade e ao desejo

de conhecer, se as crianças puderem

agir corpo ralmente, vão poder viver

suas expe riências plenamente.

Podemos criar esses espaços para

nós e para nossas crianças. Repa-

rem como elas normalmente têm

esse desejo, essa curiosidade e

capa cidade de admiração, de

contem plação e de encantamento

diante do mundo.

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Muitas vezes, seguindo nosso planejamento, impedimos ou interrompemos

experiências importantes para as crianças, envolvidas numa observação,

numa conversa ou brincadeira significativa. Podemos ser mais sutis nas

nossas intervenções e deixar as coisas fluírem nesse sentido.

O desenvolvimento das nossas potencialidades cognitivas, emocionais e afetivas,

da nossa capacidade de ler o mundo, de dar significado às nossas percepções,

está entrelaçado com a nossa possibilidade de relacionar as informações que

chegam às nossas referências anteriores para que façam sentido, para que sejam

sentidas, sejam sentimento, para que nos afetem, para que nos impregnem

afetivamente em um diálogo com nossos limites e potencialidades.

A ciência ocidental imaginou poder fragmentar o todo para melhor conhecê-lo

e dominá-lo, criando as especialidades. As escolas foram pensadas em segmen-

tos, as crianças e jovens separados em faixas etárias, os horários repartidos e o

conhecimento compartimentado em disciplinas: hora de estudar; hora de traba-

lhar; recreio – hora de brincar. Quem pode entender o recreio numa estrutura

de Educação Infantil? Não é sabido que as crianças aprendem brincando?

Quanto mais nosso olhar se abrir, quanto mais elementos de observação e

contato, quanto mais trocas intensas e significativas, quanto mais os laços

de confiança, cooperação e solidariedade regerem a relação entre adultos e

crianças, dos adultos entre si e das crianças entre si, mais saudável será nossa

convivência e, portanto, mais prazerosa a nossa experiência de descobrir e

reinventar o mundo à nossa volta.

Aprenderemos com os erros e conflitos, percebendo-os como parte do

nosso aprendizado. Aprenderemos com a colaboração de todos, partindo

dos mais diversos pontos de vista. Aprenderemos a conhecer, a ser, a fa-

zer e a conviver, aprendizados fundamentais para uma nova maneira de

pensar a educação no século XXI, segundo o Relatório Delors, da UNESCO,

documento rico e importante, citado na nossa bibliografia.

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Seção 3 – Educação infantil e qualidade de vida

OBjETIVO A sER ALCANÇADO NEsTA sEÇÃO:- COMPREENDER qUE O REsPEITO AO DIREITO DAs CRIANÇAs à EDUCAÇÃO INFANTIL sE MATERIALIzA COTIDIANAMENTE COMO qUALIDADE DE VIDA, IsTO é, COMO qUALIDADE DAs RELAÇõEs hUMANAs E DAs VIVêNCIAs qUE TRANsCORREM NO EsPAÇO FÍsICO, NAs ROTINAs, ENFIM, NO DIA-A-DIA DE CRIANÇAs E ADULTOs.

Não podemos proporcionar aos outros o que não conhecemos.

Se você se sentir estranho(a) às determinações e procedimentos das ins-

tituições que representa, se não se sentir autorizado(a) a participar das

orientações que recebe e a questioná-las, se não puder reconhecer no seu

trabalho, no seu fazer cotidiano, os traços de sua autoria, como poderá se

responsabilizar pela inclusão das crianças que lhe chegam, oferecendo-lhes

espaços de expressão, de participação cidadã, de autoria?

De modo geral, não fomos formados dentro de uma cultura cidadã. Historicamente

tivemos uma formação autoritária marcada pelo colonialismo, pelo coronelismo,

pela ditadura e pelo individualismo, em que alguns mandam e a maioria obe-

dece. Mas podemos fazer diferente. Na verdade, o que está se propondo na lida

com as crianças é um aprendizado para a maioria de nós. Podemos proporcionar

esse aprendizado às nossas crianças, aprendendo também com elas.

Consideramos que alguns pontos são fundamentais, como, por exemplo, sua

disponibilidade de manter-se em formação continuada, entendendo que todo

dia aprendemos coisas que reafirmam e outras que contradizem nosso saber.

A reflexão sobre a nossa prática e o diálogo entre a teoria e a prática são re-

cursos fundamentais para o nosso trabalho ou qualquer trabalho que se baseie

em relações humanas. A própria condição humana traz em si a contradição e

a necessidade de reflexão, sensibilidade e flexibilidade.

A Educação Infantil é um espaço generoso nesse sentido. É um espaço de constru-

ção de identidades e identificações, de construção de experiências significativas

e descobertas. É um espaço flexível por excelência, pois cada grupo pode cons-

truir seu percurso junto, com o seu “tempero”, com a sua contribuição. É uma

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construção baseada no diálogo, na correspondência de interesses. Não temos

grades curriculares a cumprir. É um espaço aberto e livre, neste sentido.

Maria Teresa Mantoam, responsável pelo LEPED – Laboratório de Estudos e Pesqui-

sas em Ensino e Diversidade, da UNICAMP, utiliza uma bela imagem. Ela diz que

o(a) professor(a), não somente o da Educação Infantil, deve oferecer às crianças um

ambiente e propostas educativas comparadas a um banquete, em cuja preparação

diversidade e beleza são levadas em consideração. A criança se sente atraída e tem

liberdade de escolher o que mais lhe agrada, segundo seu desejo, sua necessidade

e curiosidade.

É imprescindível pensar que os espaços e as atividades propostas devem levar

em consideração propostas coletivas, em que cada um possa dar a sua contri-

buição, e tempo disponível para que as crianças explorem o ambiente segundo

seus interesses, sozinhas ou em pequenos grupos.

Como vimos na Unidade 8 do Módulo III, a preparação do ambiente deve propi-

ciar acolhimento. Deve ser feita de forma a proporcionar um espaço que permita

a livre movimentação das crianças, que ofereça segurança e que acolha as mais

variadas linguagens. As crianças podem ter acesso aos materiais, brinquedos,

revistas, fantasias, livros, sempre expostos com beleza e de forma organizada.

Crianças gostam de ambientes limpos, bonitos e organizados. Aprender a manter

o ambiente e os materiais é parte da nossa rotina diária.

A livre opção deve ser um valor dentro do ambiente da escola inclusiva, para que

os interesses e os ritmos sejam manifestados e respeitados e para que as livres

associações ocorram. Se o ambiente oferecer múltiplas linguagens, cada criança

poderá buscar o que mais lhe agradar,

cabendo ao(à) professor(a) orientá-la

no que for necessário, estimular aque-

las crianças que não tomam iniciativa

ou que se mantêm sempre numa mes-

ma situação, sem procurar descobrir

novos desafios, perceber quando um

grupo está se desorganizando e pre-

cisa de ajuda. Enfim, atuar onde for

necessário.

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Os momentos dedicados às atividades em grupo são importantíssimos, pois

são os momentos em que as crianças partilham idéias, novidades, constroem

algo juntas, se ajudam, descobrem novas parcerias. No entanto, devem ser

propostas significativas, que tenham sido baseadas no interesse manifestado

pelo grupo e que acolham todas as crianças que queiram participar, cada

qual segundo suas possibilidades e seu desejo.

Outro fator enriquecedor e de favorecimento de um trabalho inclusivo é a orga-

nização das classes agrupadas, nas quais crianças de faixas etárias diversas podem

conviver e trocar experiências de acordo com as suas habilidades e necessidades.

A classe agrupada celebra a heterogeneidade como princípio desejado de uma

prática educacional mais plural. É um avanço no que se refere ao trabalho que

valoriza a diversidade como fonte de aprendizado e troca. Certamente exige mais

de você, professor(a), pois exige que cada criança seja observada particularmen-

te para que você possa oferecer-lhes situações em que sejam valorizadas suas

potencialidades e necessidades. Essa prática ajudará na ampliação dos limites de

todos, inclusive dos seus. Esse tema já foi tratado na Unidade 8 do Módulo II.

Não saber algo é o espaço necessário para o vir a conhecer. Contar com a

colaboração do outro ou poder contribuir em primeira pessoa para um novo

aprendizado é fonte de alegria e fortalecimento recíproco.

Somos seres gregários, diversos e complementares. Temos pontos de vista di-

versos, sensibilidades, histórias e habilidades diversas. Por isso precisamos uns

dos outros. Este não é um aspecto da nossa fraqueza, mas de nossa potência,

pois cada um de nós tem sua contribuição a dar, tem o que aprender e o que

ensinar, o que nos leva a admirar no outro o que não temos e aprender com

ele, e a ajudá-lo no que for preciso e estiver ao nosso alcance.

Vivemos, no entanto, em uma sociedade que valoriza apenas algumas po-

tencialidades. Nosso modelo individualista aposta na competição e não na

colaboração. Desde pequenas, as crianças são comparadas, esperando-se delas

que sejam melhores do que seus pares, quando, na verdade, deveriam ser es-

timuladas a cooperar.

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Cena

Quando a professora percebeu que seu grupo novo estava já confiante

em relação ao ambiente e à nova situação, propôs uma visita coletiva por

toda a escola, apresentou funcionários e propôs uma conversa para que

fossem feitas combinações relativas à rotina que iriam compartilhar no dia-

a-dia. Estabeleceu um quadro onde todo dia seriam expostas as atividades

programadas, as quais o grupo resolveu representar com desenhos: hora

da rodinha, hora do lanche, hora da higiene, atividades complementares,

hora da saída e por aí foi. Combinou que todo dia sortearia dois ajudantes

e explorou detalhadamente o ambiente da sala com as crianças, para que

percebessem como ele estava organizado e para que todos pudessem achar

o que procurassem. Esse ritual se repetiu durante todo o ano, sem nunca

ser o mesmo. As crianças gostavam de saber o que estava programado, pois

se organizavam melhor, e era sempre um grande prazer ser escolhido para

ajudante do dia. No final do dia, sempre se reuniam para conversar sobre o

que tinham vivido: experiências, conflitos e descobertas.

Para que tudo isso ocorra de forma a favorecer a construção de identidades

autônomas, criativas, protagonistas, solidárias, críticas e atuantes, é preciso,

porém, ressaltar que existem dois tipos de limites: os nossos pessoais, para cuja

ampliação o processo educacional deve contribuir, e os limites culturais, que as

regras de convivência do nosso tempo e espaço determinam.

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Os limites culturais são nossos valores morais, são o “pode/não pode”, parâ-

metros que devem ser apresentados às crianças com clareza, para que elas en-

tendam nossas regras de convivência. Costumam ser chamados simplesmente

de limites. São margens de segurança imprescindíveis para a construção da

autonomia, pois esclarecem qual é o nosso espaço de ação.

A rotina e as regras de convivência estabelecidas ajudam a demarcar quais são

os limites possíveis, mas devem ser limites generosos, que permitam a ação da

criança.

Os imprevistos que se colocam no dia-a-dia devem ser conversados em grupo

quando algum impasse se coloca. Teremos que voltar muitas vezes às nossas

regras. Os conflitos, as negociações e o próprio andamento das relações nos le-

varão a fazê-lo. Isso também faz parte da nossa rotina na Educação Infantil.

Esses são momentos riquíssimos e de grande aprendizado. É quando se aprende

a falar e a ouvir o outro, um grande aprendizado para todos nós, pois, de modo

geral, temos muita dificuldade na escuta do outro.

Cena

Havia um menino que batia muito nos colegas, sempre! As professoras já con-

versaram, já chamaram a família e nada adiantou. Um dia, uma das professoras

resolveu parar tudo na hora da pancadaria, fazer uma roda e discutir o que tinha

acontecido. Então as crianças disseram claramente o que sentiam para o colega.

“você me machucou”, “não quero ser sua amiga”. A professora disse: “e aí, fula-

no, vai ficar sem amigos...”. Enfim, no outro dia, o menino, que nunca tinha ouvido

isto dos colegas, começou a querer ser diferente. E, aos poucos, conseguiu.

O(a) professor(a) não precisa achar que tudo está nas suas mãos. Os(as)

profes sores(as) e as crianças são um grupo. É preciso que todo mundo possa se

posicionar, dizer o que pensa, deseja, detesta, suporta, enfim, constituir-se como

eu, como grupo, como nós.

Nesses momentos, podemos também aprender que não precisamos gritar se

queremos ser ouvidos e que podemos expor nossos sentimentos, os quais serão

acolhidos, respeitados e, se for o caso, questionados.

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Quanto mais a criança puder ser criança, melhor poderá contribuir para que nós

adultos nos lembremos de não abrir mão de valores que deveriam ser essenciais

à educação, independen temente da faixa etária dos alunos. Nesse sentido, o

Referencial Curricular nos alerta: “As crianças têm direito, antes de tudo, de

viver expe riências praze rosas (nas instituições de Educação Infantil)”. (p. 14)

A serenidade é um elemento impor tante num ambiente de convívio, de

des cobertas, de trocas e de constru ção de aprendizado. Para isso, a sua

atitude, professor(a), é fundamental. Muitas vezes são os adultos que exci-

tam o ambiente e exaltam os ânimos. Falar alto, ignorando a presença das

crianças, é um des respeito.

Temos que ressaltar a importância da observação para o desenvolvimento

de tudo o que defendemos aqui.

Simplesmente saber observar pode ser a sua maior riqueza, professor(a), para

que você possa realmente conhecer as crianças e suas formas peculiares de

entrar em contato com o mundo à sua volta.

Portanto, divida com suas crianças o trabalho realizado. Deixe que elas

atuem. Observe. Seja cuidadoso(a) em suas intervenções e interferências, que

algumas vezes podem ser desnecessárias. Conte com o auxílio das crianças,

divida responsabilidades. Deixe que elas ajam por si e seja sutil. A observação

pode ser como uma meditação: pode favorecer descobertas, pode levar à

percepção do que está velado, permite contato mais cuidadoso, levando ao

respeito, à consideração e à inclusão do que é seu e do que é do outro.

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PARA RELEMBRAR

- Trabalhamos neste texto questões importantes sobre a constituição

de nossa identidade. Acolhendo a nossa identidade e a diversida-

de, buscando conhecer e cultivar nossas raízes, poderemos acolher

nossas crianças, atentos(as) às suas diferenças e especificidades, às

suas histórias de vida e à diversidade cultural. São processos que

caminham juntos de dentro para fora, de fora para dentro.

- Enfatizamos que defender o espaço para as diferenças não nos torna

tolerantes às desigualdades, entendidas como injustiças sociais. Todos

temos direito à igualdade de oportunidades.

- Ressaltamos a importância da contribuição de cada um com sua

história de vida, com sua experiência e seu ponto de vista únicos e

com seu aprendizado para a construção de ações coletivas que nos

fortaleçam e que permitam nos conhecermos melhor ao conhecer

melhor o outro com quem partilhamos nosso caminhar.

- A escola pode ser um lugar de encontro, onde todos possam viven-

ciar o aprendizado da convivência e o aprendizado mútuo, onde

cada um possa sentir-se incluído e possa trabalhar na inclusão de

todos.

- Nosso fazer cotidiano revela a intencionalidade dos nossos atos e propostas,

mesmo que inconscientes. Cabe a cada um de nós tornar conscientes

nossas propostas e o que pretendemos com elas. Como preparamos nosso

ambiente de trabalho e nosso planejamento determinará um trabalho

mais, ou menos, inclusivo.

- Cidadania é uma dança de direitos e deveres. Não podemos transferir

para ninguém o que nos cabe.

- O acolhimento de quem somos ajuda-nos a lembrar de nossas po-

tencialidades. O acolhimento do outro ajuda-nos a lembrar da nossa

complementaridade. Acolhimento gera alegria, desejo de saber e de

fazermos juntos um mundo mais justo.

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ABRiNDO NOSSOS HORizONTES

Orientações para prática pedagógica

As atividades sugeridas neste texto não pressupõem respostas objetivas. Buscam

somente provocar a memória e a reflexão sobre vivências pessoais e profissio-

nais que podem ser reformuladas por você, professor(a), inclusive a partir do

compartilhamento com seus(suas) colegas de formação.

Aproveitamos, também, para fazer algumas sugestões que podem enriquecer

sua prática pedagógica, além das já propostas ao longo deste estudo:

1. Assegure na sala de atividades um cantinho onde cada criança guarde seus

objetos, suas coleções, suas coisinhas pessoais, seus “tesouros”. Podem ser

caixas de sapato decoradas pelas próprias crianças.

2. A árvore genealógica, proposta como atividade para suas crianças e familia-

res, pode provocar diálogos interessantes, memórias e lembranças afetivas.

Além disso, esse tipo de trabalho pode colaborar para que você tenha acesso

a conhecimentos que os familiares detêm, inclusive sobre o lugar onde vivem

ou sobre outros lugares de onde vieram.

3. Promova visitas de familiares na escola para relatar sua infância, seu trabalho,

e compartilhar suas habilidades. Podem ser momentos de encantamento

para todos vocês.

4. É interessante também pesquisar com as crianças as origens dos funcionários

da escola e suas histórias de vida, para que possam ser conhecidos além da

função que ocupam, trazendo para o grupo sua contribuição pessoal, através

da valorização de sua história de vida. Este tipo de atividade contribui para

o estreitamento das relações humanas na escola.

5. A partir do conhecimento das origens de seu grupo, estimule pesquisas sobre as

várias culturas ali representadas, suas manifestações regionais e seus diversos pontos

de vista sobre a celebração da Páscoa e do Natal, por exemplo.

6. Reverencie os anciãos de sua comunidade. Traga-os para perto das crianças.

Este contato, além de humanizar relações, dá pano de fundo para se contar

histórias e fazer dramatizações interessantes.

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7. Brinque muito de roda com as crianças. Há muitas cantigas de roda na nossa

memória cultural. Pesquise com as pessoas mais velhas aquelas que não são

mais cantadas e revitalize-as. Brincar de roda gera alegria e comunhão.

8. Visite a comunidade com seus(suas) alunos(as), explorando as diversas pro-

fissões e entrevistando as pessoas que conhecem seus segredos, as quais

podem também ser convidadas a ir à escola.

9. Faça uma semana de artes com a presença de artesãos e artistas populares,

cuidando para que as crianças participem ativamente das produções.

10. Estimule as crianças a observarem os elementos que compõem o ambiente

em que vivem: aspectos da paisagem, como são seus vizinhos. Estimule-as

a retratá-los com fotos ou desenhos ou descrevê-los, sempre envolvendo os

familiares nas propostas.

GLOssÁRIO

Afro-descendentes: os negros são denominados afro-descendentes por algumas

correntes teóricas e alguns movimentos sociais.

Árvore genealógica: enumeração ou diagrama com os nomes dos antepassados

de um indivíduo e a indicação dos casamentos e das sucessivas gerações que o

ligam a um ou mais ancestrais.

Coronelismo: prática de cunho político-social própria do meio rural e das peque-

nas cidades do interior, que floresceu durante a Primeira República (1889-1930) e

que configura uma forma de mando em que uma elite, encarnada pelo proprie-

tário rural, o qual controla os meios de produção, detendo o poder econômico,

social e político local.

Desvalia: desvalorização.

Eurocêntrica: visão centralizada na Europa e/ou nos europeus; que tende a

interpretar o mundo segundo os valores do ocidente europeu.

Estereótipo: imagem estática, pré-concebida, baseada em rótulos estabelecidos.

Gregário: que gosta de ter a companhia de outras pessoas; sociável.

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Heterônimo: os heterônimos são invenções de personagens completas, que têm

uma biografia própria, estilos literários diferenciados e que produzem uma obra

paralela à de seu criador. Fernando Pessoa criou várias dessas personagens. Três

deles foram excelentes poetas e seus poemas estão nas antologias, lado a lado

com os poemas que Pessoa assinava com seu próprio nome.

Lógica cartesiana: relativo a Renè Descartes, filósofo, matemático e físico fran-

cês que viveu de 1596 a 1650. Diz-se cartesiana a maneira de considerar um

fenômeno ou um conceito, isolando-os da totalidade em que aparecem.

Mecanicista: doutrina filosófica que admite que a natureza se reduz a um sis-

tema mecânico, lógico e manipulável.

Miscigenação: mistura de etnias.

Pediculose: infestação por piolhos.

Sincretismo religioso: fusão de diferentes cultos ou doutrinas religiosas.

Visão holística: abordagem integral dos fenômenos.

sUGEsTõEs PARA LEITURA

Sugerimos a leitura dos textos elaborados a partir das pesquisas realizadas

pelo LEPED – UNICAMP, citado no texto. São textos importantes em relação à

questão da inclusão.

DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO

da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. UNESCO, 1996.

DIAS, Lucy, GAMBINI, Roberto. Outros 500: Uma conversa sobre a alma brasi-

leira. São Paulo: Editora SENAC, 1999.

BRASIL, Léia. Revista Leituras Compartilhadas: Diferenças, 2002.

MACHADO, Ana Maria. Menina bonita do laço de fita. São Paulo: Ática,

MURRAY, Roseana Kligerman. Retratos. Belo Horizonte: Miguilim, 1990.

SOUZA, Yvone Costa. Crianças negras: deixei meu coração embaixo da carteira!

Porto Alegre: Mediação, 2002.

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REFERêNCIAs BIBLIOGRÁFICAs

BRASIL. Ministério da Educação. Referencial Curricular Nacional para Educação

Infantil. MEC, 1999.

DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO

da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. UNESCO, 1996.

KRAMER, Sonia. Direitos da criança e projeto político pedagógico de educação

infantil. In: KRAMER, Sonia, BAZÍLIO, Luiz C. Infância, Educação e Direitos Hu-

manos. São Paulo: Cortez, 2003.

MACHADO, Ana Maria. Menina bonita do laço de fita. São Paulo: Ática,

MUNDURUKU, Daniel. Não somos donos da teia da vida. In: BRASIL, Léia, Revista

Leituras Compartilhadas: Diferenças, 2002. p. 15.

PESSOA, Fernando. Poemas Completos de Alberto Caeiro: Ficções do Interlúdio/1.

Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

SOUZA, Yvone Costa. Crianças negras: deixei meu coração embaixo da carteira!

Porto Alegre: Mediação, 2002. p. 39.

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ORGANIzAÇÃO DO TRABALhO PEDAGÓGICOINsERÇÃO E ACOLhIMENTO

O mundo

Um homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir aos céus.

Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana.

E disse que somos um mar de fogueirinhas.

– O mundo é isso – revelou – um montão de gente, um mar de fogueirinhas.

Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras.

Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e

fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores.

Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento,

e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas.

Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam,

mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que

é impossível olhar para eles sem pestanejar,

e quem chegar perto pega fogo.

Eduardo Galeano1

1 GALEANO, Eduardo. O Livro dos Abraços. Porto Alegre: L&PM, 1991. p. 13.

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ABRiNDO NOSSO DiÁLOGO

Olá, professor(a)!

Vamos tratar aqui de um assunto muito presente no seu cotidiano, mas que

requer cuidado, delicadeza e constante reflexão: o primeiro contato da criança

e sua família com a creche, pré-escola ou escola que tem turmas de Educação

Infantil e seus profissionais.

Esse primeiro contato influencia a qualidade das relações que se estabelecerão

ao longo da permanência da criança na instituição, qualidade esta que carac-

terizará o trabalho pedagógico realizado.

Sabemos que é parte do nosso trabalho a recepção de crianças muito peque-

nas, algumas das quais até então restritas ao ambiente familiar e entrando

pela primeira vez num espaço socializador maior, um espaço que oferece

muitos atrativos (outras crianças, materiais e brinquedos diferentes): novi-

dades e, por isso mesmo, desafios.

Cabe aos adultos mediar esse momento delicado e sensível. A criança está dividi-

da entre o encantamento e o estranhamento que a nova situação provoca, mas

os adultos, seus familiares e profissionais da escola, também estão. Isso exige

atenção e cuidado, traduzidos na postura de receptividade de quem recebe e

disponibilidade e entrega de quem chega.

Costumamos tratar esse momento inicial como o período de adaptação da crian-

ça a uma nova realidade – novos horários, novos ambientes e novas relações.

Lidamos, nesse momento, com as resistências que a criança possa apresentar,

apesar de seu desejo de se relacionar, de conhecer, de explorar, de descobrir e

de apropriar-se do novo ambiente e de seus elementos.

Você, professor(a), empreende, então, um trabalho de envolvimento com a

criança, no melhor dos sentidos, utilizando-se de sua experiência e sensibilidade

e dos vários atrativos de que dispõe em seu espaço de trabalho.

De acordo com essa visão, está previsto um tempo inicial, que vai variar de

acordo com a creche, pré-escola ou escola, no qual se espera que a criança “não

chore mais” e “fique bem” na escola, confiante e apropriada do novo espaço.

Esgotado o prazo estabelecido, não é raro que a tolerância diminua e a não-

adaptação da criança seja problematizada, gerando ansiedade, insegurança e

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irritação, principal mente nos pais. Você já viveu esta situação?

O mais comum e corriqueiro, porém, é que a criança se adapte bem às normas

e rotinas, passando então a ser considerada uma “criança adaptada”.

Uma experiência de Educação Infantil desenvolvida na Itália trouxe, há alguns

anos, uma nova perspectiva, que vem ampliar o nosso olhar sobre a chamada

adaptação, a qual é entendida como um momento de inserção e acolhimento.

Trata-se de uma proposta de educação pública para crianças de 0 a 3 anos que

considera a escola um espaço de encontro e de crescimento não só de crianças, mas

também de adultos, envolvendo pais, professores(as) e toda a comunidade.

Longe de uma simples mudança de nomes, temos aqui uma mudança do modelo

instalado nas escolas quanto aos papéis do(a) professor(a), da criança e dos pais,

e quanto às relações entre esses três atores do processo educacional.

O que temos a aprender com eles? Qual a diferença afinal entre adaptar-se e

inserir-se? Qual a diferença entre adaptar alguém a um determinado processo

ou espaço ou inserir alguém nesse processo ou espaço?

Neste texto, propomo-nos a refletir sobre estas questões básicas e provocar outras,

pois, para que ocorra de verdade a transformação de olhares e atitudes que esses sim-

ples termos sugerem, temos que mudar muita coisa nas concepções que comumente

temos de educação, escola, criança, família, comunidade, parceria e cidadania.

DEFiNiNDO NOSSO PONTO DE CHEGADA

Na conclusão deste texto, temos os seguintes objetivos:

1. Reconhecer que o período de inserção é um momento muito especial para crianças, famílias e professores(as).

2. Envolver-se na definição de estratégias que possam contribuir para o processo de inserção e acolhimento das crianças e de suas famílias na instituição.

3. Compreender a necessidade de reconhecer, aceitar e manejar a diversidade com atitude ética, comprometida e sensível.

4. Desenvolver formas de interação com as famílias que possibilitem o estabe-lecimento de relações de confiança, segurança e parceria ao longo da per-manência da criança na instituição, e comprometer-se com a política desta quanto à participação das famílias.

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CONSTRUiNDO NOSSA APRENDizAGEM

Este texto está dividido em quatro seções: na primeira trabalharemos o mo-

mento da inserção da criança nova e de sua família na creche, pré-escola ou

escola que tem turmas de Educação Infantil, segundo os pontos de vista dos

pais e dos profissionais, principalmente; na segunda seção, refletiremos criti-

camente sobre estratégias que favoreçam o processo de inserção, envolvendo-

se na incrementação de alternativas; na terceira, focalizaremos a questão da

diversidade e da necessidade de adquirirmos flexibilidade para lidarmos com

as diferentes demandas que recebemos na Educação Infantil; e, na quarta,

buscaremos propor formas de estreitar os laços de parceria entre os adultos

que lidam diretamente com a criança, profissionais da Educação Infantil e

familiares, estendendo essa parceria com a comunidade como um todo.

Seção 1 – inserção: momento delicado

OBjETIVO A sER ALCANÇADO NEsTA sEÇÃO:- RECONhECER qUE O PERÍODO DE INsERÇÃO é UM MOMENTO MUITO EsPECIAL PARA CRIANÇAs, FAMÍLIAs E PROFEssOREs(As).

Vamos agora pensar no processo inicial de inserção e acolhimento da criança

pequena na Educação Infantil: os primeiros dias, o primeiro contato.

Professor(a), estamos utili zando os ter mos “acolhi mento” e “inserção” por

enten dermos que esses termos expressam melhor o que pretendemos que

seja esse momento na vida das crianças e de suas famílias. A palavra “adapta-

ção”, geral mente utilizada quando nos referimos ao momento de entrada

das crianças na Educação In-

fantil, pode passar o sentido

de que só a criança precisa

se adaptar à instituição que

passará a freqüentar. Sabe-

mos que isso não acontece.

Todos os envolvidos nesse

processo precisam estar

abertos para se integrarem

no novo grupo que se cons-

-

Pris

cilla

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a N

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titui, nas novas formas de ocupação dos espaços, enfim, nas novas interações

que se instalam.

É importante perceber que não só a criança deve ser acolhida e inserida, mas seus

pais também. Nesse momento inicial, parece mais fácil lidar com a criança do que

com seus familiares? Será que sua tolerância é maior em relação às dificuldades

das crianças do que em relação às limitações dos pais? O que você acha?

Temos que considerar que, em geral, esse primeiro contato é pleno de expec-

tativas e sentimentos ambíguos. É comum que os pais tragam consigo senti-

mentos confusos, princi palmente a mãe da criança. Ela pode precisar voltar a

trabalhar ou considerar importante que a criança conviva com outras crianças

ou simplesmente pode desejar

recuperar seu espaço pessoal.

De qualquer forma, pode se

sentir culpada por achar que

está abandonando a criança

e por estar partilhando com

estranhos sua educação. Por

um lado, deseja que a crian-

ça logo se despeça dela e se

sinta bem na nova situação.

Por outro lado, pode sofrer

ao ver a criança se despedir

tran qüilamente, como se

sua presença não fosse mais

necessária. Fica frustrada se

a criança se agarra em suas

pernas e resiste, mas pode

também se frustrar na situa-

ção inversa.

Você provavelmente já presenciou este tipo de situação, pois é como se nes-

se momento se estivesse rompendo um segundo cordão umbilical. Trata-se

de uma passagem delicada e sensível, um processo de transição que exige

tempo e cuidados. Neste sentido, é preciso respeitar os sentimentos contra-

ditórios da mãe, sendo acolhida e estimulada a compartilhá-los. É importante

Pris

cilla

Silv

a N

og

uei

ra

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esclarecer que as novas relações irão enriquecer os universos da criança e

de seus pais, sem substituí-los no seu papel fundamental.

Você precisa estar disponível para entrar em contato com as diversas sensibi-

lidades que se apresentam, pois cada família traz consigo suas expectativas,

seus temores, suas histórias de vida, suas seguranças e incertezas. Em geral, no

entanto, nos sentimos ameaçados(as) com a presença dos pais no período de

adaptação e tendemos a evitá-la. Por que será?

E para a criança? Talvez seja reconfortante para ela perceber que há uma sin-

cera busca de vínculo e aliança por parte dos adultos à sua volta que vai além

das regras básicas de educação e gentileza.

Os(as) professores(as) precisam manter uma postura ética, evitando conversar

sobre os pais das crianças diante das mesmas para não expô-las a sentimen-

tos constran gedores, como se elas não entendessem o que está sendo dito.

Infelizmente, não é raro que ocorra um sentimento de antagonismo entre

educadores(as) e pais, o que os distancia, impedindo um diálogo aberto e es-

clarecedor. Essas situações são familiares a você?

Quando, a princípio, há esse distanciamento, marcado por uma disponibilida-

de apenas verbal, mas não correspondida nas atitudes, sentimentos velados

comprometem a relação entre os adultos, trazendo prejuízos a uma potencial

relação de parceria.

Há muitas queixas dos profissionais em relação às atitudes dos pais: professores(as)

consideram os pais apressados e indiferentes (parece que querem se “livrar”

rapidamente da criança), ou inseguros, quando não permitem que o processo

de inserção ocorra de forma fluida, pois parecem querer provocar a resistência

da criança ao seu afastamento.

Será mesmo que a mãe e o pai só atrapalham? Por outro lado, encontramos

muitos pais ou responsáveis colaboradores, pessoas firmes e seguras que ajudam

o processo de inserção e acolhimento.

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ATIVIDADE 1

Pensando na sua prática, você considera que a inserção da família deva ser

considerada parte das competências do(a) educador(a) infantil? Reflita sobre

esta questão com seus(suas) colegas de formação. Tente registrar os prós e

contras que surgirem, para que possa usá-los mais tarde, ao longo deste texto,

à medida em que outras questões forem trabalhadas.

Entendemos que a relação com as famílias seja uma importante atribuição do

profissional da Educação Infantil, que vale a pena constar das nossas reflexões.

Consideramos importante abrir um espaço na nossa formação, no sentido de

buscarmos elaborar estratégias de aproximação e de diálogo aberto com os

pais no que se refere à criança, ponto comum de interesse.

Seção 2 – Criando estratégias para acolher as crianças e suas famílias

OBjETIVO A sER ALCANÇADO NEsTA sEÇÃO:- ENVOLVER-sE NA DEFINIÇÃO DE EsTRATéGIAs qUE POssAM CONTRIBUIR PARA O PROCEssO DE INsERÇÃO E ACOLhIMENTO DAs CRIANÇAs E DE sUAs FAMÍLIAs NA INsTITUIÇÃO.

É uma de nossas funções de professores(as) da Educação Infantil promover o en-

contro entre a família e a creche ou escola. Neste sentido, quanto mais afinados

os valores e a visão de mundo das famílias e da instituição, mais se beneficiarão

todos os envolvidos no processo. São duas instâncias distintas, duas ecologias

diferentes – nas palavras de Tullia Musatti (1998), educadora italiana.

A maior especificidade está na vivência nem sempre individualizada da criança

em casa, mas marcada por grande carga emocional, enquanto na creche, pré-

escola ou na escola entrará em contato com as delícias e os desafios do convívio

coletivo cotidiano, o qual se caracteriza pela construção de novas referências

para a criança, que ampliarão sua leitura de mundo.

Os pais e familiares geralmente encontram-se sob o impacto do desafio de

aprender a educar e aprender a se relacionar. Na verdade é o que vivemos nas

relações com o mundo à nossa volta, mas tudo parece ganhar um sentido maior

quando se trata de um filho.

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Vejamos mais um texto de Daniel Munduruku. Neste trecho, ele fala sobre o livro

Você se lembra, pai?. É interessante observar como os questionamentos que ele

traz podem ser comuns a outros pais.

Umas poucas palavras

Escrevi este livro pensando em

meu pai, um índio velho que

olhava para o horizonte apenas

para sentir o vento batendo em

seu peito. Mas o escrevi também

pensando em meus filhos, que

me têm cobrado maior presença

na vida deles.

Fiquei pensando nas palavras que

meu pai dizia sempre que me via

triste ou com algum problema,

e me deu uma vontade muito

grande de lhe dizer como me

sinto grato por ele ter aparecido

em minha vida como uma vela

que se acende na escuridão.

Fiquei pensando em meus filhos e o que gostaria que eles me dissessem

daqui a alguns anos. Repetiriam as coisas que estou dizendo a meu pai

ou teriam a imagem de um pai ausente, preocupado apenas com seu

próprio sucesso? Falariam do sorvete que deixei de tomar, do passeio

de bicicleta que prometi e não fiz, do futebol que não joguei com eles,

das risadas que não demos juntos?

(MUNDURUKU, 2003)

Os pais deixam de ser filhos para serem pais. Devem dar conta de suas limita-

ções e potencialidades e aprender a responsabilizar-se por alguém que a cada

momento coloca novos desafios, num contexto de dificuldades financeiras e

sociais. Por isso mesmo, de forma geral, carecem de parcerias que os ajudem na

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tarefa de contribuir para um bom desenvolvimento físico e emocional de seus

filhos. Às vezes ficam inseguros e inibidos na construção dessa parceria, como

se pudessem com isso perder seu espaço central diante da criança.

Os(as) professores(as) da Educação Infantil, com seus conhecimentos técnicos

e sua experiência prática e diversificada, podem propiciar a construção dessas

parcerias, desde que sejam criados espaços para esse fim: espaços físicos, ho-

rários e atividades agregadoras e espaços emocionais – o reconhecimento do

valor da parceria dos pais para o aprimoramento do seu trabalho.

Como foi dito antes, é muito importante que os pais não se sintam destituídos

de seu papel fundamental na formação dos filhos e que sejam convidados à

co-participação no fazer cotidiano da Educação Infantil na creche, pré-escola

ou escola.

ATIVIDADE 2

De que forma você, professor(a), diretamente em contato com as crianças, pode

contribuir para que isso ocorra? Como é o seu contato cotidiano com os pais na

instituição em que trabalha? Está previsto esse tempo/espaço de contato? Relate

uma atividade que você tenha realizado com os pais/familiares das crianças.

Os pais precisam ser informados sobre o funcionamento da creche, pré-escola

ou escola de forma detalhada e organizada, para que possam ter a maior

clareza possível quanto aos princípios filosóficos e educacionais em que se

pauta o trabalho, no espaço que estão escolhendo para acolher seus filhos.

Precisam também ser informados sobre os diversos aspectos do trabalho

desenvolvido, para que tenham noção de sua amplitude. Dessa forma, con-

tribuímos para que eles compreendam o trabalho realizado com as crianças,

que confiem nos adultos e que se sintam convidados a participar.

Podemos, então, criar encontros para que os pais se apresentem e falem um

pouco de si para o grupo. Quando nos apresentamos, geralmente dizemos

somente o que fazemos, raramente falamos de nós, das nossas habilidades

e sentimentos, por exemplo.

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ATIVIDADE 3Tente fazer este exercício. Se você tivesse que se apresentar para alguém ou

para um grupo falando de quem você é e não de sua função profissional, como

você se apresentaria? Quais são suas características mais fortes? Quais são suas

maiores habilidades? Quais seus sonhos e seus projetos de vida? Escreva seu

texto e depois o partilhe com seu grupo.

ATIVIDADE 4

Marque uma reunião com os pais de suas crianças e procure conhecê-los melhor.

Proponha que conversem sobre a experiência deles na escola, o que pensam

da adaptação e quais suas expectativas em relação à creche, pré-escola ou es-

cola. Além disso, eles podem trocar experiências falando de suas dificuldades

e facilidades.

Esse tipo de encontro deve ser agradável, esclarecedor e alegre, para que

os pais desejem se encontrar de novo e comecem a considerar que a escola

pode ser um lugar de encontros agradáveis e trocas enriquecedoras. Muitos

laços de afinidade importantes podem começar a se constituir também en-

tre o grupo de pais. É importante criar estratégias para que os pais possam

falar nesses encontros.

Como vimos nas Unidades 1 e 2 do Módulo III, é importante que uma entrevista

inicial seja feita com os pais em local reservado e com tempo disponibilizado

para que cada nova família possa falar sobre as rotinas com as quais a criança

está habituada, os valores preservados, as dificuldades que se colocam na re-

lação familiar e seu modo peculiar de educar e cuidar.

Esse espaço para um contato inicial pessoal e exclusivo caracteriza uma postura

de acolhimento e atenção às famílias, ajudando a criar laços de confiança em

relação à instituição. Todos nós nos sentimos gratificados diante de alguém

que se disponibiliza a nos ouvir e a conhecer a nossa história de vida, o que é,

em si, uma forma de valorização e de possibilidade de inserção das crianças

e dos adultos na vida da creche.

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ATIVIDADE 5Toda instituição tem seus próprios procedimentos para a recepção de pais e

crianças novas. Como você avalia os procedimentos da instituição em que tra-

balha? Anote suas observações e sugestões e discuta-as com seus(suas) colegas

de formação no encontro quinzenal.

Conhecer os hábitos e rotinas das crianças e as potencialidades e limites de

seus pais, ouvir sua história sem julgamento, tudo isso é importante para que

possamos saber o contexto que envolve a criança que estamos recebendo.

A observação acima em negrito diz respeito àquela que talvez seja a nossa maior

dificuldade: não julgar, não rotular pessoas segundo nossas classificações pessoais

e, algumas vezes, preconceituosas. Enquanto ouvimos alguém falar, nosso pensa-

mento não pára: “Ah! Que mãezinha ansiosa!”, “Já vi que esse pai é ausente”, “Ih!

Lá vem bomba!”, “Coitadinha dessa criança... com uma família dessa!”, “Já

vi que essa mãe vai dar trabalho!”, “Humm! Essa mãe não sabe dar limites

para esse menino.” etc. E por aí vai a nossa cabeça julgando, classifi cando,

discriminando.

Impedir esse diálogo interno é impossível. A imagem da pessoa, a forma com que

se coloca e as coisas que diz remetem às nossas referências anteriores. Quando são

negativas estas referências, instala-se em nós uma antipatia, que dará voz ao esta-

belecimento de preconceitos. Quando são referências positivas, experimentamos

uma súbita simpatia, também pautada em preconceitos. Esses sentimentos, mesmo

que positivos, podem igualmente atrapalhar nosso discernimento.

Não podemos evitar esses sentimentos e impressões, pelo menos tenhamos

consciência desse mecanismo interno para que possamos controlá-lo e não

deixar que ele determine nossa relação com a família e a criança.

O que nos cabe é acolher as pessoas como elas são e ajudá-las no que

for preciso para que possam expressar o que têm de melhor. Este é

nosso mais nobre exercício na função de educadores(as), e certamente

um desafio que exige de nós profissionalismo, ética, generosidade,

humildade e compreensão. Podemos brincar com a palavra acolher,

separando-a assim: “a colher”. Nas relações humanas, tudo está “a

ser colhido”. Colheremos o que plantarmos. Quanto mais generoso

nosso olhar, mais agradáveis serão nossas “colheitas”.

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Cio da terra

Debulhar o trigo

Recolher cada bago do trigo

Forjar no trigo o milagre do pão e se fartar de pão

Decepar a cana

Recolher a garapa da cana

Roubar da cana a doçura do mel, se lambuzar de mel

Afagar a terra

Conhecer os desejos da terra

Cio da terra, propícia estação de fecundar o chão.

Milton Nascimento

Você conhece essa música de Milton Nascimento? Que sensações ela provoca

em você?

ATIVIDADE 6

Tente se lembrar de um momento na sua vida pessoal ou profissional em que

você se sentiu cuidadosamente acolhido(a). Quais foram os fatos e as atitudes

que colaboraram para que você se sentisse assim. Compartilhando suas anota-

ções com seus(suas) colegas de formação, vocês poderão levantar elementos

fundamentais para uma postura verdadeiramente acolhedora.

Nossa experiência de vida mostra que é mais fácil lidar com os problemas dos

outros do que com os nossos próprios, provavelmente devido ao distanciamento

natural que existe entre o observador e aquele que vive a experiência em primeira

mão, muitas vezes limitado no seu ponto de vista. As questões são sempre muito

maiores e mais dramáticas quando vemos nelas refletidas nossas histórias de vida,

nossas dores, limites e incompreensões. Por isso, o olhar do outro, que vê a situa-

ção de fora, pode ajudar. Sendo assim, é necessário colocar-se no lugar do outro

e compreender o seu ponto de vista, a fim de ajudá-lo a ampliar seu olhar.

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O profissional que se encarrega desse primeiro contato particular com cada

família deve estar muito bem preparado, deve dispor de uma escuta atenta e

generosa, de um discurso claro, direto e ao mesmo tempo cuidadoso e dotado

de princípios éticos, pois a ele caberá discernir quais informações devem ser

conhecidas pelos outros profissionais da instituição que lidarão diretamente

com a criança e quais são aquelas que merecem sigilo e discrição.

Na maioria das instituições, não está prevista essa entrevista ou primeiro con-

tato. Em outras, há coordenadores que se ocupam desse momento, tratando

de repassar aos(às) professores(as) o que julgam necessário e proveitoso para

o melhor contato deles(as) com as crianças e famílias com que vão lidar.

Como vimos no Módulo III Unidade 2, é recomendável que um roteiro com ques-

tões básicas seja preparado para orientar a conversa, devendo constar aspectos da

história de vida da criança, características e dinâmicas da família quanto à gestão

do cotidiano e aos momentos de lazer, pessoas de referência para a criança, a op-

ção religiosa da família, seus valores existenciais, seus hábitos alimentares, dados

da saúde da criança e procedimentos recomendados pelos seus familiares.

A intenção é conhecer a família para melhor interagir com ela. Sendo assim,

não são as informações colhidas o que mais importa, mas a percepção de como

cada família se vê e o contato de qualidade que se está tecendo.

Como é esse primeiro contato na instituição em que você trabalha?

Segundo seu ponto de vista, esse primeiro encontro com os pais novos poderia

estar sob a responsabilidade do(a) próprio(a) professor(a)? Como você vê essa

possibilidade? Você se sente preparado(a) para isso?

Nesses primeiros contatos, pretende-se acolher inicialmente os familiares, escla-

recendo dúvidas e traçando o perfil de uma parceria importante para a criança.

A confiança e a tranqüilidade dos pais também são essenciais no processo de

inserção, não só a competência, a abertura e a disponibilidade dos profissionais

que os receberão.

Outra questão fundamental é a autorização para que um dos pais permaneça na

creche, pré-escola ou escola acompanhando de perto o processo de inserção de

seu(sua) filho(a). Partimos do princípio de que essa é uma necessidade primordial.

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Que espaço a instituição em que você trabalha abre para a permanência dos

pais ao longo desse delicado momento de transição?

Muitas vezes, os próprios pais não podem acompanhar o período de inserção

da criança. É aconselhável que, neste caso, possam indicar outra pessoa de

confiança da criança para cumprir esse papel.

Consideramos que para a criança essa seja a forma mais suave de fazer essa

passagem, pois, tendo consigo uma pessoa que conhece e em quem confia,

provavelmente se sentirá mais segura para explorar o novo ambiente.

Assim como demos ênfase antes ao cuidado para evitar o olhar julgador em

relação aos pais, nossa experiência e pesquisas realizadas mostram que geral-

mente as instituições e seus profissionais também temem o julgamento dos pais,

o que leva, na maioria das vezes, a mantê-los do lado de fora da escola.

O que se teme é uma demasiada exposição. Daí surge um distanciamento que não é

saudável, que inibe o diálogo, a troca e as parcerias, que só favoreceriam o trabalho.

Vale lembrar também que os pais escolhem uma instituição pelos mais varia-

dos motivos: proximidade de casa, recomendação de amigos, empatia etc.,

desejando que seja a melhor escolha para atender aos seus desejos e suas

necessidades. Mas essa escolha, a princípio, é intuitiva. Se tiverem a oportu-

nidade de permanecer na escola ao longo do processo inicial de inserção da

criança, poderão confirmar ou rever sua escolha, pois poderão conhecer mais

de perto a instituição, seus profissionais, seus procedimentos e sua prática,

o que pode reforçar ou negar os princípios previamente expostos.

Não deveríamos temer a presença dos acompanhantes adultos na creche, pré-escola

ou escola, desde que estabele-

cidos os limites necessários.

Quais seriam então esses

limites? Os acompanhantes

devem ser orientados a man-

ter uma postura discreta e

disponível. É aconselhável,

por exemplo, que seja reser-

vado um espaço na escola

Pris

cilla

Silv

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onde possam estar confortáveis, lendo livros e revistas trazidos de casa ou

oferecidos pela escola, onde possam ter acesso a outras informações sobre o

trabalho desenvolvido, como registros feitos por alunos em anos anteriores, por

exemplo. A princípio, não cabe ao familiar circular pela escola, pelas salas, a não

ser que seja convidado. Não lhe cabe fazer críticas ou sugestões diretamente

a você, professor(a), enquanto se ocupa das crianças. Não cabem atitudes que

não sejam pautadas na discrição e no respeito.

O maior temor por parte da instituição talvez seja o fato de que os acompanhantes

possam presenciar alguma situação não desejada, como uma turma que em determi-

nado momento fica confusa, uma criança que puxa o cabelo da outra ou a empurra,

outra que anda pelo pátio chorando com o nariz escorrendo, enfim, cenas do coti-

diano de qualquer escola, com as quais todos vocês estão acostumados(as) a lidar.

Mas, mesmo correndo esses riscos, o fato de os bastidores serem abertos para os

pais só tende a reforçar sua confiança na instituição e no trabalho desenvolvido.

Embora possam estranhar ou se incomodar com algumas coisas que vêem, no

fundo eles sabem que situações difíceis podem ocorrer no nosso cotidiano e o

importante é estarmos qualificados(as) para lidar com elas.

Nesse contexto, se o adulto acompanhante tem alguma dúvida ao longo de

sua permanência na instituição de Educação Infantil, deve estar autorizado a

procurar a pessoa de referência na instituição em horário propício, para que

possa acolhê-lo, esclarecê-lo quanto à sua inquietação e, se for o caso, tomar

as devidas providências.

É aconselhável também que você conte com pessoas de apoio

ao longo desse processo. Essa é outra questão que se co-

loca: se você, professor(a), responsável pela turma, não

tem um apoio nesse período de inserção, não poderá

dedicar uma atenção especial à criança que está chegando.

No início do ano, geralmente são muitas as inserções e seria

recomendável que um auxiliar sensível e preparado se respon-

sabilizasse por elas enquanto você dá atenção ao grupo.

Sabemos que nem sempre há pessoal disponível e o proces-

so fica comprometido no cuidado e atenção específicos a

cada uma das crianças e seus familiares. Neste caso, a criança

chega e fica já no grupo, mesmo que a contragosto, sem que

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o seu tempo tenha sido respeitado. Os pais são separados dela bruscamente já

nos primeiros dias, e sua vivência – da família e da criança – não é marcada pela

delicadeza, pela leveza, pela alegria e pelo cuidado que estamos idealizando.

Você já presenciou a cena de uma criança sendo arrancada aos prantos dos

braços dos pais, forçada a freqüentar todo o período já nos primeiros dias?

Se o nosso objetivo é sempre buscar a melhor forma de fazermos nosso trabalho,

alguns procedimentos devem ser alterados. Há sempre a possibilidade de o grupo

envolvido rever posturas e procedimentos que comprometem o trabalho. Para isso,

estudamos e refletimos sobre os nossos referenciais teóricos e a nossa prática.

É fundamental, também, que os pais sejam orientados a conversar com a criança

sobre o processo que estão vivendo, com clareza, simplicidade e objetividade, por

menor que seja a criança. É importante que ela ouça dos pais que aquela é uma

escolha que trará benefícios para todos, pois ela poderá estar junto de outras

crianças para brincar e descobrir coisas novas, enquanto que os pais usarão este

tempo para se dedicarem a outras coisas importantes de sua vida. Depois do prazo

combinado, eles se reencontrarão para compartilhar suas novas experiências.

Essa conversa com a criança é primordial, pois, mais do que as palavras ditas, ela

assimilará o estado de espírito dos pais. Se eles estiverem tranqüilos, ela se tran-

qüilizará e poderá se entregar aos atrativos que o ambiente escolar lhe oferece,

confiante no reencontro. Se estiverem apreensivos, precisarão de ajuda, ou seja,

será preciso trabalhar com mais empenho na sua inserção e acolhimento.

Não é aconselhável que os pais sejam estimulados a deixar a criança quando ela

se distrai e que saiam de fininho para evitar que a criança chore ou resista. Esse

tipo de atitude não pode ser compreendida pela criança, podendo comprometer

sua relação com a instituição e com os próprios pais, com os quais deve vivenciar

uma relação clara e transparente para construir sua autoconfiança.

Depois de algum tempo, que vai variar de caso para caso, os acompanhantes

poderão sair despedindo-se da criança, que, às vezes, reage chorando momen-

taneamente, mas logo fica tranqüila e se envolve com algo que você ou outra

criança lhe propõe. Seu desejo de descobrir coisas novas é imenso, afinal.

Os acompanhantes já terão, então, construído laços de confiança e perceberão que esse

choro é passageiro, pois eles já puderam presenciar outras despedidas e o tratamento

dispensado às crianças na instituição, o que dará aos pais segurança e tranqüilidade.

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Seção 3 – As crianças são todas diferentes

OBjETIVO A sER ALCANÇADO NEsTA sEÇÃO:- COMPREENDER A NECEssIDADE DE RECONhECER, ACEITAR E MANEjAR A DIVERsIDADE COM ATITUDE éTICA, COMPROMETIDA E sENsÍVEL.

Cabe dentro do espírito da inserção que a instituição trabalhe no sentido de

acolher o jeito peculiar de cada nova criança e de cada nova família. O Refe-

rencial Curricular para a Educação Infantil ressalta na sua introdução (p. 9) que

o(a) educador(a) deve empenhar-se e comprometer-se com

“(...) propostas educativas que considerem a pluralidade e diversidade

étnica, religiosa, de gênero, social e cultural das crianças brasileiras (e)

que (...) respondam às demandas das crianças e seus familiares nas dife-

rentes regiões do país.” (grifo nosso)

Vamos agora ler a descrição da seguinte situação:

Algumas crianças brincam no recreio de uma escola. Têm de 6 a 7 anos.

Muito animadas, sobem no teto da casinha de boneca do pátio. A diretora,

aos berros, chama-lhes a atenção desta forma: “Desçam já daí, se não vou

levar todo mundo para o juizado de menores!” Que mensagem está embu-

tida na fala da diretora? Que sentimentos pode gerar? Essa diretora teria

essa mesma atitude diante dos pais das crianças, segundo sua opinião?

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Todos nós já presenciamos educadores(as) que destratam e humilham crianças

a partir de discriminações e atitudes preconceituosas. Você tem consciência de

seu poder de valorizar a pluralidade ou de destituí-la, impondo um padrão

como correto, melhor, mais adequado?

Vivemos em um país de dimensões continentais marcado, infelizmente, por

uma forte disparidade social e composto de muitos universos culturais diversos,

alguns mais valorizados do que outros pelo olhar padronizador.

Nossas crianças são provindas de classes diversas, moradoras de favelas, condomí-

nios e palafitas, crianças quilombolas, indígenas, crianças cujas famílias praticam as

mais diversas religiões. É nosso dever cercear nosso olhar discriminatório e apren-

der com as diferenças, assumir nossas múltiplas formas de ser e interagir, buscar

a aproximação com as famílias e conhecer os seus vários pontos de vista.

No nosso país generosamente diverso, cada grupo receberá suas crianças se-

gundo suas referências culturais. A escola vai receber todas segundo suas di-

ferenças. Para conhecê-las, faz-se importante o contato aberto e curioso com

os familiares e o diálogo entre as várias referências. Raul Seixas já dizia: “Não

há certo nem errado, todo mundo tem razão, porque o ponto de vista é que

é o ponto da questão”.

Diante dessas considerações, para que o processo de inserção e acolhimento

aconteça de forma suave, respeitosa, enriquecedora e delicada, buscando uma

continuidade afetiva entre família e a creche, pré-escola ou escola, é preciso que

a troca com a família e a observação dos códigos já estabelecidos com a criança

no âmbito dos laços familiares sejam pontos de atenção do(a) professor(a).

Quanto menor a criança, mais ela precisa reconhecer os procedimentos que lhe

dão segurança. Portanto, mudanças abruptas não são aconselháveis.

Cada um tem seus próprios procedimentos, mas você pode imprimir uma deli-

cadeza diferenciada no seu trabalho ao manter as referências afetivas que dão

segurança à criança. Aos poucos, com o crescer da confiança mútua, você e as

crianças irão criando seus próprios laços e referências, mas temos que pensar

que o processo não requer pressa. Quanto mais respeitosa e processual for sua

construção, mais sólida será a nova relação estabelecida.

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Da mesma forma, quanto menor a criança, maior a dificuldade dos pais na se-

paração, pois provavelmente ainda estão vivendo uma experiência bastante

simbiótica com os filhos. Além disso, pais de crianças até 2 anos precisam ser mais

cuidadosamente informados, pois o fato de seus filhos não relatarem com clareza

o que acontece na sua ausência gera uma certa inquietação. Por isso, quanto mais

atenciosa a comunicação entre os pais e educadores(as), melhor será a relação,

pois os tranqüilizará, principalmente quando começarem a reconhecer nas suas

observações características que bem conhecem em seus filhos.

Muitas surpresas estarão reservadas também, pois é comum que as crianças

tenham atitudes na creche, pré-escola ou escola que serão novidades para os

pais. Assim é o processo, pois elas estão crescendo e descobrindo o mundo a

cada dia, a cada minuto, em sua experiência coletiva.

Cada família tem sua dinâmica específica. As variações são muitas: filhos pri-

mogênitos trazem mais ansiedade aos pais. Se a criança provém de uma família

numerosa, provavelmente seus pais já terão adquirido muitos aprendizados

relativos às primeiras separações e à construção da autonomia das crianças.

Estes últimos se colocarão de forma mais tranqüila e são parceiros inestimáveis

da instituição no desenrolar dos processos de inserção dos pais “de primeira

viagem”, provavelmente mais inseguros e ansiosos.

Outra recomendação é relativa ao cuidado para que se desenvolva um contato

visual e físico de qualidade entre você e as crianças que lhes traga conforto e

segurança. É lugar comum, por exemplo, considerar que não devemos pegar

crianças no colo, para não “estragá-las”. Isso é insistentemente repetido, inclu-

sive para os pais, geralmente por familiares e amigos. Você não pode priorizar

o colo como recurso de atendimento, pois lhe cabe atender o grupo, favorecer

situações em que as crianças se mexam, que busquem ampliar movimentos e que

façam por si, mas é importante não fazer disso uma regra. Mas há momentos

em que elas precisam de colo, sim. A manifestação dessa necessidade, às vezes

através do choro, pode representar um pedido de aconchego, segurança e

apoio. Não podemos sempre partir do princípio de que seja manha.

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Veja este texto retirado da revista Avisa Lá (set/1999):

Colo: um cuidado que educa

“Para cuidar é preciso antes de tudo estar comprometido com o outro,

com sua singularidade, ser solidário com suas necessidades, confiando em

suas capacidades. Disso depende a construção de um vínculo entre quem

cuida e quem é cuidado.” Referencial Curricular Nacional para Educação

Infantil, vol. 1, pág. 75, MEC, 1998. Ser segurado no colo, ser abraçado e

tocado são experiências humanas essenciais. Os jeitos de segurar e tocar

variam conforme as diferentes culturas. Hoje existe, na maioria das so-

ciedades urbanas, todo um aparato de objetos e mobiliário para conter

bebês e crianças pequenas, o que reduz em muitos casos as oportunidades

de contato físico com os pais e outros adultos.

Em alguns lugares do mundo, entretanto, existem crianças que permane-

cem todo o tempo no colo das mães, acompanhando-as até mesmo nos

momentos de trabalho, como acontece em várias tribos indígenas e povos

africanos. Na cultura balinesa, por exemplo, o colo e os toques massagea-

dores são extremamente valorizados, ensinados de geração a geração.

http://www.avisala.org.br

Lasar Segall – 1891-1957“Mãe sobre fundo de Casa” – 1912

http://www.pitoresco.com.br/brasil/segall/segall.htm

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Nossa experiência mostra que há

uma medida que nos cabe ava-

liar – pois varia de acordo com a

cultura local, com a circunstância

vivida – levando em consideração

períodos mais, ou menos, sensíveis

e que deve basear-se numa rela ção

pautada em um profissiona lismo

não isento de afetividade, alegria e

disponibilidade. É neces sário conhe-

cer cada uma das crianças e entrar

em verdadeiro contato com elas.

Neste sentido, como vimos no Módulo III, os momentos de maior intimidade

– de banho, troca de roupa, refeições e de sono – são especiais. A forma

como você pega a criança nos braços e a toca, o fato de conversar com

ela, descrevendo o que está fazendo, nomeando as partes do seu corpo

enquanto ela sente seu contato, o tom de voz tranqüilo, preferencialmente

baixo e dirigido a ela, pessoalmente, o fato de falar olhando-a nos olhos

e a leveza e alegria que você irradia nesses momentos são fundamentais.

O contato permeado pelo afeto e pela delicadeza trará conforto para a

criança em processo de inserção na Educação Infantil.

Um profissional não precisa temer as manifestações afetivas, referência fun-

damental para a criação de laços e vínculos entre adultos e crianças e da

própria criança com a sua experiência de descoberta do mundo.

Nesse momento inicial, a criança costuma trazer de casa objetos que lhe

dão segurança e conforto, como chupetas, paninhos, travesseiros, bichinhos

de pelúcia, brinquedos etc. À medida em que adquire mais intimidade com

o novo espaço e as novas pessoas de referência, ela vai abrindo mão desses

apoios. Os objetos podem estar simplesmente por perto, na mochila, cantinho

ou gaveta da criança, a qual recorrerá a eles provavelmente em momentos

de maior fragilidade. Nada impede que você proponha que o objeto seja

guardado quando perceber que a criança se tranqüilizou e está de novo

envolvida com o ambiente à sua volta, com alguma brincadeira proposta,

com as outras crianças, enfim, desejosa de interações.

Pris

cilla

Silv

a N

og

uei

ra

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Aos pouquinhos, a criança pode ser convidada a contribuir com objetos trazi-

dos de sua casa para as dinâmicas do grupo, o que lhe causa grande prazer.

Fotografias suas em diferentes idades e situações, com seus familiares inclu-

sive, também ajudam, embora às vezes possam causar nostalgia e comoção

nas crianças menores ou mais suscetíveis.

ATIVIDADE 7

Sabemos que cada creche, pré-escola ou escola tem as suas regras. Como são as

regras da instituição em que você trabalha? Converse no encontro quinzenal

sobre essas regras com os(as) outros(as) professores(as).

De modo geral, as crianças que ainda não completaram um ano de idade rea-

gem menos à entrada na creche e ao contato com pessoas novas. No entanto,

requerem maior atenção, pois seus sinais são menos claros e perceptíveis. De-

pois desse período, até mais ou menos 3 ou 4 anos, é comum que lidemos com

maiores resistências, pois as crianças já construíram suas referências de forma

mais consolidada e é comum que temam o seu afastamento.

Em compensação, crianças maiores, a partir de mais ou menos 2 anos, experimen-

tarão mais prazer com as alterações de rotina e com as surpresas, enquanto

que para as menores uma gradação suave é recomendada nesse sentido. Afinal,

tudo é novo para elas! É preciso ir devagar!

Pris

cilla

Silv

a N

og

uei

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Como vimos na Unidade 8 do Módulo III, a rotina de cada instituição – hora

de rodinha, lanche, banho – também favorece o reconhecimento de rituais e

procedi mentos pela criança, o que lhe traz alívio e segurança.

Nos primeiros dias, as crianças se sentirão mais à vontade se puderem explorar o

ambiente acompanhadas, mas livres das propostas direcionadas feitas ao grupo já

inserido no cotidiano do ambiente escolar. Geralmente preferem a área externa,

mexer com água, terra ou areia, brincar nos parquinhos, até que aos poucos vão

sendo atraídas pelo grupo de crianças, pelo desejo e curiosidade de “ver o que

está acontecendo”.

Todas essas atitudes ajudam a estimular os novos contatos e a trazer a criança

para perto de nós, ajudando na construção dos novos laços.

Seção 4 – inserção e acolhimento: processo de ricas interações

OBjETIVO A sER DEsENVOLVIDO NEsTA sEÇÃO:- DEsENVOLVER FORMAs DE INTERAÇÃO COM As FAMÍLIAs qUE POssIBILITEM O EsTABELECIMENTO DE RELAÇõEs DE CONFIANÇA, sEGURANÇA E PARCERIA AO LONGO DA PERMANêNCIA DA CRIANÇA NA CREChE, PRé-EsCOLA OU EsCOLA qUE TEM TURMAs DE EDUCAÇÃO INFANTIL, COMPROMETENDO-sE COM sUA POLÍTICA EM RELAÇÃO à PARTICIPAÇÃO DAs FAMÍLIAs.

As creches e escolas dedicadas à primeira infância podem ser espaços permeados

pela presença e participação da comunidade, enriquecidos pelos valores culturais

locais e pela atuação constante dos envolvidos, pais e educadores(as), responsá-

veis pelo processo de formação dos pequenos, dentro de um contexto cidadão.

Em suas rotinas, podem ser generosamente previstos horários de estudo e de

encontro entre pais, educadores(as) e agentes comunitários na construção e no

direcionamento de metas e de projetos sonhados para a escola ou para a comu-

nidade, como discutimos no Módulo III. É o exercício da cidadania vivido em toda

a sua plenitude. A gestão compartilhada é um exemplo do que uma escola pode

vir a ser quando dialoga com a comunidade que a cerca.

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ATIVIDADE 8

Como é sua participação como membro de sua comunidade? Você se sente

inserido(a) nela e se considera parte dela? Você acha que poderia participar mais?

Você participa de alguma associação ou organização? Relate sua experiência e

escute as de seus(suas) colegas. Vocês podem ter surpresas bem interessantes.

Como já colocamos no início da Seção 1, consideramos que o termo “adaptação “

traz em si a sensação de que existe, de um lado, uma estrutura rígida, estabeleci-

da, e, de outro lado, algo que precisa se moldar para nela se adaptar. Seria como

dizer que as regras de funcionamento da instituição estão colocadas e não devem

ser questionadas, pois assim se manterão, independentemente das sugestões,

contribuições, questionamentos e insatisfações que possam surgir.

Há instituições que são assim e disso se orgulham. Porém, partindo do princípio

que a rigidez inibe o diálogo, o crescimento, a reflexão e a renovação, propo-

mos uma forma de agir mais flexível, mas não por isso sem identidade. Por essa

razão, preferimos chamar de “processo de inserção e acolhimento”.

Já o termo “inserção” dá uma sensação de que há uma via de mão dupla: um

corpo até então estranho, que ao inserir-se numa estrutura sofre alterações,

adquire novos conhecimentos, torna-se parte dela. No entanto, também a es-

trutura se altera e se afeta em decorrência desse novo contato. Para ambas as

partes, as alterações podem ser sutis ou contundentes, podem ser agradáveis

ou desagradáveis, mas sempre propiciam aprendizados.

Assim, ao invés de imaginar uma estrutura rígida e sem flexibilidade, podería-

mos trazer a imagem de um tecido, de uma trama.

Tapeceiras de Diamantina fazendo tapetes de arraiolo.

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Somos tramas compostas de tantos fios. As pessoas e as instituições tam-

bém. Uma trama pode ser composta por fios muito semelhantes, jamais

iguais, idênticos. Pode ser composta por fios muito diversos entre si, uns

mais grossos, outros mais finos; uns mais delicados, outros mais fortes:

fios de diversas texturas e cores. Seja como for a trama, a introdução de

um novo fio sempre a alterará, mesmo que de forma quase imperceptível.

Cabe ao observador sensível e atento perceber as sutilezas.

Do ponto de vista da família, há que se considerar que, de forma geral, a re-

cepção de um novo membro é em si uma experiência de grande aprendizado

e gênese de grandes emoções, questões e transformações. Quanto menor a

criança, mais sensível pode ser o momento de entrada na instituição de Educa-

ção Infantil para a família.

A partir desse contato, a família sofrerá modificações na sua vida cotidiana, não só

pela alteração de suas rotinas, mas também porque adquirirá novos aprendizados

e terá a oportunidade de levar em conta questões nas quais possivelmente não

havia pensado antes. Esses aprendizados poderão ampliar seu leque de conhe-

cimentos sobre si mesma à medida em que entrará em contato com um universo

muito mais amplo e diverso do que aquele do seu núcleo familiar.

Às vezes ficamos encantados diante de novos aprendizados. Outras vezes, alguns

aprendizados nos desorganizam e provocam nossa resistência. Isso vale para

as pessoas e para as instituições também. Vale para todos os que se colocam

numa postura de aprendizes ao longo da vida.

ATIVIDADE 9

Você já sentiu a dor de abrir mão de verdades estabelecidas? Tente relatar uma

experiência de encantamento diante de um novo aprendizado e uma experiên-

cia de resistência. Compartilhe com seus(suas) colegas o relato dessas situações.

Lembrando agora delas, que avaliação você faz?

Estamos vivendo um tempo em que os grupos familiares estão mais dispersos,

muitas vezes por opção e outras pela necessidade de deslocamentos em bus-

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ca de melhores condições de vida. Em muitos contextos, é rara a convivência

familiar caracterizada pela presença cotidiana de avós, tios, primos e vizinhos

em espaços amplos e abertos, ricos em trocas existenciais e lúdicas. Como isso

se dá nas famílias das crianças com as quais você trabalha?

O universo representado pela Educação Infantil, composto por funcionários,

educadores(as), crianças e seus familiares é hoje um dos poucos espaços privile-

giados de experiências coletivas cotidianas onde a família pode compar tilhar

experiên cias e dificuldades, estabelecendo parcerias.

Da mesma forma, a creche, a pré-escola e a escola podem se beneficiar ao

considerar a possibilidade de valorizar a contribuição que a entrada de uma

nova família oferece ao seu fazer cotidiano a partir de sua experiência de vida,

de seus recursos pessoais, profissionais, seus talentos, suas necessidades, seus

questionamentos e pontos de vista.

Se houver diálogo, haverá espaço de troca e aprendizado construtivo, o

qual deseja-se que seja pautado na identificação de interesses, no respeito

e na colaboração.

Para um processo de adaptação de uma criança numa escola, talvez não pre-

cisemos de questionamentos filosóficos. A adaptação é um processo com fim

determinado, de ajuste, de condicionamento, de criação de hábitos. Tanto mais

sedutor e carinhoso, mais rápido e eficiente será.

Inserir a criança e sua família no contexto escolar, acolhendo-as com todas suas

características, limites e possibilidades pode ser mais difícil e trabalhoso, como

todo processo em que nos colocamos ativos e responsáveis por ele. Requer o

reconhecimento da criança como sujeito ativo de seu processo de inserção no

mundo, transformando-o e sendo transformada por ele. Além disso, ela re-

conhece cada um dos adultos (pais e professores(as)) como sujeitos parceiros,

donos de sua voz, responsáveis por suas atitudes, autores de seu fazer cotidiano,

apropriados ou não de sua importância e especificidade.

Lembremos de Paulo Freire:

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“Se o educador é o que sabe, se os educandos são os que nada sabem, cabe

àquele dar, entregar, levar, transmitir seu saber aos segundos. Saber que deixa

de ser de ‘experiência feito’ para ser de ‘experiência narrada ou transmitida’.

Não é de estranhar, pois, que nessa visão ‘bancária’ da educação, os homens

sejam vistos como seres da adaptação, do ajustamento. Quanto mais se

exercitem os educandos no arquivamento dos depósitos que lhes são feitos,

tanto menos desenvolverão em si a consciência crítica de que resultaria a

sua inserção no mundo, como transformadores dele. Como sujeitos.” (1978,

pág. 68, grifos nossos)

Estamos voltados para uma construção de saberes “feitos da experiência”,

tecidos coletivamente. Na visão “bancária” de educação, denunciada por Frei-

re, o educando recebe de forma passiva os conhecimentos e saberes que o(a)

educador(a) detém. Adapta-se. Molda-se.

Na nossa proposta, todos somos donos de saberes que podem ser compartilhados

criticamente para que atuem como artesãos do saber construído. Se participamos

da construção e nos reconhecemos autores dos processos, construímos consciência

crítica, sentimento de pertença, de cidadania. Entramos em contato com as nossas

limitações e as nossas potencialidades, compreendendo-as melhor, em diálogo com

o outro. Reconhecemos o outro como parceiro que nos enriquece e despertamos

o prazer da construção coletiva, na qual cada um se reconhece, cada um sabe da

sua contribuição e do aprendizado adquirido. Mesmo que os fios se mesclem e

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desapare çam na trama, a obra é de todos e todos se orgulham e cuidam dela.

Neste sentido, pensando na escola como espaço de encontro criativo e trans-

formador, muitas são as ocasiões que podemos criar para possibilitar essa tessi-

tura. Além do acolhimento inicial às crianças e famílias, fazendo-as sentirem-se

parte do processo, devemos pensar em encontros periódicos que mantenham

e fortaleçam esses laços, como, por exemplo:

- encontros de estudo em que sejam tratadas questões que mobilizam os pais

e a comunidade, com a eventual presença de técnicos que ajudem a apro-

fundar o tema;

- encontros em que se compartilhem experiências da vida cotidiana, acompanha-

dos de “quitutes” eventuais trazidos por cada um dos participantes;

- encontros em que sejam planejados e organizados mutirões voltados para o

embelezamento do espaço escolar;

- participação dos pais e familiares nos contextos do trabalho em sala, podendo

contribuir com seus conhecimentos profissionais e habilidades, por exemplo,

um pai hidráulico, uma mãe enfermeira ou cozinheira, um avô que gosta

muito de contar histórias, um tio que toca sanfona ou é capoeirista, uma avó

que faz roupinhas de boneca ou é costureira, enfim;

- planejamento e organização de festas significativas para a comunidade;

- encontros com os pais e familiares com as cozinheiras da escola para que seja

feita e compartilhada uma refeição coletiva;

- organização de coral de pais e funcionários;

- organização de uma horta na escola que possa servir à comunidade;

- acesso e contribuição para o enriquecimento do acervo da biblioteca da escola

a ser compartilhado por todos; e

- organização de um cine-clube e de um teatro no espaço escolar.

Essas são algumas sugestões das muitas possibilidades de partilha que podem

ser estabelecidas, baseadas no prazer de fazer junto e não na obrigação.

Temos pouca prática cidadã, de modo geral, mas sempre temos a possibilidade de

nos lembrarmos de que nosso passado nos serve de referência, pois dele somos

constituídos.

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PARA RELEMBRAR- No início de nossa unidade, falamos do processo de adaptação como

vem sendo concebido entre nós e da contribuição dos educadores ita-lianos que vêm ampliando o conceito, trazendo novos termos, como “inserção” e “acolhimento”. Na concepção italiana, os espaços públicos voltados para a Educação Infantil são vistos como espaços de encontro, de gestão democrática e de aprendizado para pais, crianças, educa-dores(as) e membros parceiros da comunidade.

- Tratamos da delicadeza do processo de inserção das crianças e de seus familiares nas instituições de Educação Infantil, ressaltando que é preciso considerar que não só as crianças precisam ser inseridas no espaço escolar, mas seus pais também. Para que isso ocorra, é preci-so refletir sobre as dificuldades enfrentadas por todos ao longo do processo, o que tende a ampliar nossa consciência, compreensão e ação transformadora no campo relacional entre os adultos envolvidos e a enriquecer o processo da criança, nosso foco comum de atenção.

- Para isso, tentamos trabalhar um pouco as expectativas e potenciali-dades de cada um dos atores envolvidos. Sugerimos também algumas estratégias facilitadoras da troca de saberes, estimulando sentimentos de generosidade, compreensão, ética e humildade. Foi pontuada a necessidade de refletirmos continuamente sobre os procedimentos estabelecidos em nossas instituições.

- Vimos também que somos uma nação composta de muitas cores, culturas e visões de mundo. Adquirir sensibilidade e disponibilidade para lidar com a nossa constituição plural é dever ético de todos os(as) educadores(as).

- Vale lembrar que nosso trabalho tem intencionalidade. Precisamos assumir nosso posicionamento diante do mundo e da sociedade, se pretendemos formar cidadãos críticos, responsáveis e criativos. Os pais são parceiros fundamentais neste exercício de cidadania, cujo foco são as crianças. As crianças, por sua vez, são construtoras de hipóteses e brincam com as contradições do mundo à sua volta.

- Somos todos parecidos em muitos aspectos, por isso nos reconhecemos. Somos todos também muito diferentes, seres únicos e originais. Por isso, às vezes nos estranhamos e podemos temer maiores aproximações. É nosso trabalho favorecer a contribuição de cada um de nós, garantindo a expressão do que somos. Trabalhar coletivamente, valorizar nossas diferenças que são, na verdade, nossas complementaridades, gera alegria, prazer e autonomia. Gera ação transformadora.

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ABRiNDO NOSSOS HORizONTES

Orientações para a prática pedagógica

Todas as atividades propostas ao longo deste texto de OTP são subjetivas, ou

seja, não pressupõem respostas objetivas e precisas, mas buscam estimular a

reflexão sobre sua prática pedagógica e a atribuição de novos sentidos de vi-

vências de sua história pessoal e profissional.

Além das sugestões já citadas neste texto, podemos enfatizar algumas propostas

que ajudam a criar o sentimento de pertença desejado numa instituição voltada

para a inserção e o acolhimento de seus membros.

- Buscar o maior entrosamento possível também entre a equipe que traba-

lha na escola para que os membros se conheçam como pessoas despidas

de suas funções. São recomendados encontros em que histórias de vida e

habilidades sejam compartilhadas, assim como sugerimos em relação aos

pais das crianças.

- Você pode e deve basear seu planejamento na contribuição das crianças,

estimulando que seus aspectos culturais sejam trabalhados com seriedade

e profundidade, sem deixar de lado o encanto e a beleza, estimulando a

partici pação de familiares. É fundamental valorizar a diferença de experiên-

cias e de visões de mundo.

- Vamos lembrar de uma coisa? Não nos cabe apresentar verdades estabele-

cidas às crianças. Cabe-nos apresentar-lhes o mundo como ele é: diverso,

contraditório, misterioso, fascinante.

- Devemos sempre pesquisar os elementos da nossa cultura local para que as

crianças tenham acesso a eles e deles possam se apropriar, principalmente

os que normalmente não são divulgados pela mídia.

- É recomendável que se busque e pesquise com pais e crianças o sentido das

festas que comemoramos para que não fiquemos reproduzindo comemo-

rações de forma estereotipada, cujo sentido desconhecemos. A memória

e a história de como as coisas chegaram a ser como são estão nos livros,

mas também estão na memória dos mais velhos.

-

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- Registre seu trabalho, de forma escrita, com desenhos, com fotografias,

como for possível, de forma criativa e bonita. As crianças são colaboradoras

entusias tas deste tipo de construção coletiva e todos temos muito prazer

e aprende mos muito quando revemos o que vivemos e registramos.

- Sempre que puder, passeie com as crianças. Leve-as à comunidade, ocupem

as praças, exponham desenhos e apresentem trabalhos em público.

GLOssÁRIO

Antagonismo: segundo o Aurélio, oposição de idéias ou de sistemas. Rivalidade,

incompatibilidade.

Discernimento: capacidade de apreciar as coisas de forma clara, sensata e

apropriada. Exige a construção interna de referências pessoais, para que não

tomemos atitudes baseadas em preconceitos ou em idéias alheias.

Preconceito: segundo o Aurélio, preconceito é “conceito ou opinião formados

antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos”.

Primeira infância: forma de se referir, em vários países, às crianças de 0 a 6 anos,

como vimos no Módulo I.

Quilombolas: pessoas que vivem em comunidades que eram quilombos.

sUGEsTõEs PARA LEITURA

BONDIOLI, Anna, MANTOVANI, Susanna. Manual de Educação Infantil: de 0 a

3 anos – uma abordagem reflexiva. Porto Alegre: Artmed, 1998.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 25. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

GALEANO, Eduardo. O Livro dos Abraços. Porto Alegre: L&PM, 1991.

MUNDURUKU, Daniel. Você lembra, pai?. São Paulo: Global, 2003.

ORTHOF, Sylvia. Se as coisas fossem mães. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

TIRIBA, Léa. Buscando caminhos para a pré-escola popular. São Paulo: Ática, 1992.

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REFERêNCIAs BIBLIOGRÁFICAs

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3 anos – uma abordagem reflexiva. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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1978.

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set/1999, São Paulo: Instituto Avisa Lá.

MEC/SEF/DPE. Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil. Volumes I,

II, III, 1998.

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C - Atividades integradoras

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Os textos desta unidade discutem o cotidiano da Educação Infantil, conside-

rando os princípios de uma educação inclusiva. Eles propõem reflexões sobre a

inserção e o acolhimento das crianças e suas famílias, valorizando a diversidade

presente nos grupos.

Antes do encontro quinzenal

1. Procure reler os textos, marcando o que você considerar fundamental nesta unidade e também as dúvidas que você queira esclarecer com o tutor.

2. Recupere, nos dois textos, palavras ou expressões que você considere fun-damentais, relacionadas ao tema estudado.

Durante o encontro quinzenal

Você conhece o livro “Correspondência”, de Bartolomeu Campos Queirós?

Leia duas cartas retiradas desse livro:

Maria, amiga minha

Recebi carta de Ana. Carta pequena, mas grande em amor. Veio de longe,

com três palavras de presente. No silêncio entre as palavras, eu li seu coração

muito livre. Ao me falar de nossa terra, me chamou de Irmão.

Acordei três outras palavras para enviar a você: Pátria, Trabalho e Justiça.

Prometa-me não deixá-las dormir de novo.

Com saudades, despede o

Mateus

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Amigo Marcos

Eu já lhe falei do meu carinho pelas palavras. Mateus me escreveu. Dentro

do envelope estavam três palavras escolhidas. Disse-me que Pátria, Trabalho

e Justiça não podem ficar esquecidas. Guardei, com cuidado, no coração, o

seu presente. Sinto vontade de gritá-las. Sei que a terra inteira vai gostar

de ouvi-las.

Não vou acordar palavras para dar de presente a você. Peço sua ajuda para

fazer dormir palavras que há muito andam acordadas: Fome, Opressão e

Violência.

Todo o carinho da

Maria

Após ler essas cartas, propomos que você escreva uma carta para outro(a)

professor(a) do seu grupo do PROINFANTIL, enviando palavras que você gostaria

de despertar, tornando-as mais presentes em seu cotidiano na creche, pré-escola

ou escola em que você trabalha. Se preferir, peça ajuda para adormecer ou

mesmo apagar de sua prática palavras indesejáveis, tristes e preconceituosas.

Se o grupo concordar, propomos que as cartas sejam lidas oralmente.

Depois do encontro quinzenal

Após a leitura desses textos, esperamos que você repense a sua prática e, se

for necessário, proponha alterações nas regras de seu espaço de trabalho que

não atendam aos princípios da inclusão.

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