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Em nossa defesa: um elogio à importância e uma crítica às limitações do Programa Nacional do Livro Didático

Com a palavra o autor

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Obra que faz uma reflexao sobre a importancia e os problemas no Programa Nacional do Livro Didatico brasileiro.

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Em nossa defesa:

um elogio à importância e

uma crítica às limitações do

Programa Nacional do Livro Didático

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Com a palavra, o autor Em nossa defesa: um elogio à importância e uma crítica às limitações

do Programa Nacional do Livro Didático

Copyright © 2010FRANCISCO AZEVEDO DE ARRUDA SAMPAIO

ALOMA FERNANDES DE CARVALHO

1ª edição – 2010

EditoresAloma Fernandes de Carvalho

Francisco Azevedo de Arruda SampaioRita Marte Arruda Sampaio

Preparação e revisão do textoMaria Rita Camarini

Izabel Bueno

Produção e edição de imagemEduardo Justiniano

Rafael Sato

Administração e apoioAna Maria P. C. MelloAna Paula de MenezesCarolina Oliveira SilvaJosé Henrique Mello

Eldo Francisco da Silva (Pixinguinha)

Projeto gráfico e diagramaçãoFigurativa Editorial

CapaFAAS/BrasilFoto

Todos os direitos reservados.Editora Sarandi

Av. Brigadeiro Faria Lima, 1912 – Conjunto 208 BPinheiros – São Paulo – SP

Tel. (11) 3097 -9040http://www.editorasarandi.com.br

e -mail: [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Sampaio, Francisco Azevedo de Arruda Com a palavra, o autor : em nossa defesa : um elogio à importância e uma crítica às

limitações do Programa Nacional do Livro Didático / Francisco Azevedo de Arruda Sampaio, Aloma Fernandes de Carvalho. -- São Paulo : Editora Sarandi, 2010.

ISBN 978-85-99018-68-2

1. Autores brasileiros 2. Educação - Brasil 3. Livros didáticos - Avaliação 4. Livros didáticos Brasil 5. Livros didáticos - Critérios de escolha 6. Política e educação 7. Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) I. Carvalho, Aloma Fernandes de. II. Título.

10-07931 CDD-371.320981

Índices para catálogo sistemático:

1. Brasil : Livros didáticos : Avaliação : Educação 371.320981

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Para Paulo: pai, sogro e amigo…

Bem que nos avisou: quem brinca com fogo, sempre se queima!

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Sumário

PrefácioCom licença, a palavra é nossa! .................................................................................5

IntroduçãoQuem somos nós que aqui falamos tanto ..................................................................7

Siglas ......................................................................................................................20

Capítulo 1O PNLD e os melhores livros para a escola pública ................................................. 21

Capítulo 2A avaliação do livro didático: importância e problemas ........................................... 43

Capítulo 3O caso da Coleção Caminhos da Ciência ................................................................ 69

Capítulo 4O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências ....................................................... 139

Capítulo 5O caso da Coleção Projeto ALLE .......................................................................... 205

Capítulo 6O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização ........................... 299

Capítulo 7Sugestões para o aprimoramento do atual modelo do PNLD ................................ 359

Epílogo ......................................................................................................................386

Anexos ......................................................................................................................389

Anexo 1 – Relatório de Reprovação Coleção Caminhos da Ciência

Anexo 2 – Relatório de Reprovação Coleção Ponto de Partida Ciências

Anexo 3 – Relatório de Reprovação Coleção Projeto ALLE Letramento e Alfabetização

Anexo 4 – Relatório de Reprovação Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização

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Prefácio

Com licença, a palavra é nossa!

Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 30/01/2010 a advogada Maria Inês Dolci, que atua na área de defesa do consumidor, pede explicação sobre os preços abusivos do livro didático. Reclama que todo ano é a mesma coisa: as escolas soltam a lista do material escolar e os pais desesperam -se com o valor dos livros. Sentem -se lesados: o livro não só é caro, como é preciso comprar cinco, seis ou até mais. Surge a balbúrdia, todo mundo sai gritando: é o imposto dos livros que faz o preço subir, são as editoras que ganham muito, são as livrarias que faturam alto, é o livro que é desatualizado e sempre precisa ser trocado… Maria Inês protesta. Afinal, os principais atores não se posicionam: autores e editoras permanecem em silêncio face à algazarra de queixas e protestos. E Maria Inês provoca: encerra o artigo cedendo a palavra. Convoca esses atores a se manifestarem.

Então, com licença, assumimos a palavra. Nós, autores de livros didáticos. Nós que temos fama de escrever livros ruins, de ser mercenários por faturar com a educação dos outros e de desenvolver um trabalho intelectual menor, sem importância… Mas não é sobre isso que queremos falar. Não é sobre o valor social do livro e o papel dos autores e editores na educação… Pedimos a palavra para contar uma outra história: a história das avaliações dos livros didáticos. Sim, é verdade, os livros didáticos brasileiros são avaliados de forma frequente por especialistas de renome de todo o país. Nem os alimentos que integram a merenda escolar são tão analisados e fiscalizados pelo governo. Mas apostamos que pouca gente sabe disso. Também não deve ser de amplo conhecimento que a avaliação é séria e se fosse mais divulgada ajudaria a resolver, inclusive, o problema do preço do livro didático. É essa a história que nós vamos contar neste livro. Nos seus detalhes. Parágrafo por parágrafo. E como livro didático é um livro que todo mundo usa – ou já teve que usar um dia – acreditamos que essa história interesse a muita gente. Não apenas educadores, especialistas da universidade ou técnicos do MEC. Na verdade, essa história interessa a todo mundo, pois até de imposto o livro didático é isento. Logo, faz parte da conta que todos nós pagamos ano a ano.

Os autores

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Introdução

Quem somos nós que aqui falamos tanto

“A última coisa a decidir ao se escrever um livro é o que se deve pôr em primeiro”, ponderou Blaise Pascal em uma das suas reflexões. Assim, após termos escrito e reescrito os textos que compõem os capítulos deste livro, selecionado os títulos e subtítulos, prepa-rado os anexos de modo a incentivar o leitor a se aprofundar em nossa reflexão, é preciso examinar o que fizemos e, principalmente, porque o fizemos.

Afinal, passamos mais de um ano analisando profundamente os relatórios de reprova-ção de nossas obras no PNLD 2010; investigando de forma exaustiva sobre os especialistas que participaram da avaliação de 2010 (sua formação, rede de relações, linha de pesquisa e publicações); pesquisando a evolução da participação dos grandes grupos editoriais nos programas de aquisição de livros do governo (percentual de obras inscritas e aprovadas no PNLD, aumento do valor gasto pelo FNDE na avaliação dessas obras, publicações e assessorias envolvendo integrantes das equipes de avaliação); consultando advogados, jornalistas e especialistas em livros didáticos para verificar se nossas reflexões estavam no caminho certo… Para que tudo isso? Revanchismo, alguns dirão. Hipocrisia, outros acu-sarão. Ingenuidade, muitos afirmarão. Mas não é nada disso.

Nosso trabalho, nossas vidas estão voltados para o ofício da escrita. Não uma escri-ta qualquer, literária, científica ou jornalística – fácil de ser apreciada, bonita, eterna. Mas uma escrita ingrata: interessa a poucos, não é bem -vinda, ninguém gosta de ler. E é rapidamente descartada. Nossa produção autoral resulta em livros didáticos. A universi-dade e também muitos dos nossos colegas pesquisadores e educadores não nos conside-ram escritores, mas apenas “autores”. Segundo eles, nossos livros não têm leitores, apenas “usuários”1. Nossos livros são considerados “menores”: não servem para presentear e sequer são expostos nas prateleiras das livrarias (só sob encomenda!). Essa, porém, não é a visão que temos do nosso ofício. Escrever livros didáticos foi, desde o início, um grande desafio intelectual. Como todo desafio dessa natureza, envolve angústia, mas também prazer. En-volve ainda a certeza de estar proporcionando prazer aos outros, sejam eles grandes leitores ou apenas simples “usuários”: prazer em aprender, prazer em ensinar. Sempre imaginamos nossos livros, de alguma forma, lembrados como uma boa recordação: por suas lindas fotografias (quanto trabalho para selecioná -las!), por suas informações generosas (como é difícil falar fácil sobre assuntos tão complexos!), por sua diagramação bem cuidada, quase artesanal (é tão difícil convencer os editores a investirem mais e a inovarem o projeto grá-fico dos livros didáticos!).

Toda essa paixão pelo livro didático começou com a fotografia de uma criança mara-vilhada diante de um livro cujas páginas emanavam magia e encantamento. A fotografia abria o primeiro volume de uma coleção elaborada com o objetivo de ensinar Ciências

1   BATISTA, A. A. G. Um objeto variável e instável: textos impressos e livros didáticos. In: ABREU, M. (Org.). Leitura, história e história da leitura. Campinas: Mercado das Letras, 1999, p. 530.

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Naturais aos jovens estudantes das séries iniciais do ensino fundamental. Mas não dá para ensinar Ciências com magia, não é mesmo? A partir dessa crítica, iniciou -se a parceria en-tre uma pedagoga e um biólogo na escrita de livros didáticos e surgiu a Coleção Caminhos da Ciência. O ano era 1998, já faz mais de dez anos.

A Coleção Caminhos da Ciência talvez tenha sido uma das primeiras obras didáticas publicadas no Brasil fruto do trabalho integrado entre educador e especialista. Ou me-lhor, entre um especialista na área de Educação e outro na área de Ciências. Até então, tradicionalmente, os livros didáticos eram decorrentes da experiência da sala de aula de professores, independentemente da sua formação. A professora da antiga 1ª série era uma boa alfabetizadora, sua proposta virava livro. Inclusive de Matemática ou de Ciências. O professor de Física fazia sucesso entre os alunos, suas aulas se materializavam em textos impressos. Para as empresas do setor editorial, funcionava muito bem: os editores sabiam que o seu grande sucesso editorial estava ali, na sala de aula.

São muitos os exemplos de professores que “viraram livros”. Talvez o mais célebre deles seja o Professor Scipione di Pierro Netto (1926 -2005). Quem frequentou a escola básica nos anos 1970/1980 deve se lembrar dos seus livros de Matemática, publicados a partir do final dos anos 1960. Sua proposta pedagógica nasceu da intensa experiência que teve como professor de ginásio em escolas públicas e no Colégio de Aplicação da USP – na época, reconhecido por suas inovações2. O sucesso de suas obras destrinchou um caminho que, posteriormente, foi seguido por outros autores (inclusive por nós, autores da Coleção Ca-minhos da Ciência). Scipione, de autor, passou a editor, dando origem a um dos principais grupos editoriais do país, a Editora Scipione.

A Professora Déborah Pádua Mello Neves é outro exemplo de sucesso. Professora pri-mária do interior de São Paulo, Déborah vivenciou quase um século de transformações na educação brasileira. Como normalista, começou a lecionar numa época em que as jovens professoras ainda precisavam da autorização dos pais para trabalhar; presenciou a expansão do ensino primário para quatro anos, com a inauguração dos grupos escolares; preparou dezenas de alunos para os rigorosos exames de admissão no antigo ginásio3. Sobretudo: enfrentou, na prática, um dos desafios de sala de aula mais frequentes até os dias de hoje: a cópia.

Déborah (como atualmente prosseguem fazendo os professores) colocava na lousa a matéria das aulas e seus alunos (como os alunos de hoje) demoravam muito tempo para copiar. Tanto tempo e esforço nem sempre tinha bons resultados: os alunos copiavam in-formações erradas, a letra não era legível. Logo, não dava para usar o caderno para estudar. Foi uma necessidade didática que fez com que Déborah produzisse o seu primeiro material impresso. Eis uma autora que já nasceu editora, inclusive com departamento comercial. As primeiras edições de seus impressos foram concebidas, escritas, diagramadas, ilustradas,

2   ABRALE. Memória: Professor Scipione Di Pierro Netto  (1926-2005). Disponível em: <http://www.abrale.com.br/scipione.htm> (acesso: abr/2010).

3   IVO, Consuelo. Caderninhos da Déborah: a história do  livro didático passa por aqui.  In: Revista Comunicação & Educação. São Paulo: CGA/ECA/USP: Paulinas, 1994.

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impressas e vendidas pela própria autora, livro a livro. Com mais de cem títulos publica-dos, Déborah é uma das professoras -autora -editora com mais livros vendidos na história da educação brasileira. Foram cerca de 250 milhões de exemplares ao longo de 30 anos de produção autoral!

Seguindo os passos da Professora Déborah, no início dos anos 1990, surgiram as pro-fessoras Célia Passos e Zeneide Silva, com a Coleção Eu Gosto. A fórmula era a mesma: transformar em material impresso as atividades que eram passadas na lousa ou reprodu-zidas, na escola, por meio de mimeógrafo. Resultado: enorme sucesso de vendas. Em seis anos, foram mais de 20 milhões de livros! Segundo um importante empresário editorial daquela época, esse era o segredo do estrondoso sucesso das vendas dessas coleções que saíam da sala de aula para as prateleiras das livrarias: era muito fácil para os professores reconhecer o seu trabalho de sala de aula nas propostas de ensino desses autores. A empatia entre o livro didático e o leitor -professor, consequentemente, era imediata. Logo, a adesão aos livros também.

Mas falar sobre o livro didático no Brasil é, em sua essência, falar também das políticas públicas engendradas há quase um século para os materiais escolares, em particular, e para a educação brasileira, de forma geral. Desde o início da década de 1930, o governo federal implementa regularmente mecanismos de controle sobre a produção e sobre o uso dos textos impressos, conferindo maior ou menor liberdade à definição de seus conteúdos e propostas de ensino4. Tais políticas orientam também as escolhas dos livros por professores e diretores das escolas públicas, com pouco ou nenhum impacto nos livros escolhidos pelas escolas particulares.

Não há como separar, portanto, a história da educação brasileira e a história do merca-do editorial brasileiro. Também não é possível desvincular o ofício do autor/editor de livro didático das orientações oriundas sobretudo do governo federal. É quase uma dezena de decretos -lei e diversas comissões, acordos e institutos: INL – Instituto Nacional do Livro Didático (1937), CNLD – Comissão Nacional do Livro Didático (1938), COLTED – Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático (1967), FENAME – Fundação Nacional do Material Escolar (1968), PLIDEF – Programa do Livro Didático do Ensino Funda-mental (1984), FAE – Fundação de Amparo ao Estudante (1983) e PNLD – Programa Nacional do Livro Didático (1985).

Nessa longa história de livros e decretos, temos especial interesse nas políticas públicas propostas a partir da década de 1980, quando livro didático na escola pública passou a ter status similar ao da merenda escolar: impossível melhorar a educação do Brasil sem eles. Aluno carente e livro didático tornaram -se um binômio inseparável no discurso político (FREITAG, 1989) e, ousamos afirmar, no discurso pedagógico também5. A aquisição e

4   FREITAG, B. O livro didático em questão. São Paulo: Cortez, 1989, p. 15.

5   A análise da importância do papel do livro didático no discurso pedagógico faz -nos chegar a uma conclusão derra-deira: o livro é o vilão! Nas universidades, na mídia e até mesmo nos cursos de formação de professores ninguém parece duvidar de sua repercussão negativa no desenvolvimento dos alunos e no trabalho dos professores. 

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a distribuição gratuita de livros didáticos foi, gradativamente, ampliada6 e cada vez mais regulamentada.

O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)7 surge nesse contexto. Sob a res-ponsabilidade do Ministério da Educação (MEC) e gerenciado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), esse programa de livros está baseado, desde sua origem, nos princípios da livre participação das editoras privadas e da livre escolha por parte dos professores.

Embora inicialmente o PNLD tenha concentrado seus esforços em regulamentar e padronizar aspectos administrativos e logísticos relacionados à compra e à distribuição dos livros, logo passou também a gerir sobre a sua forma e o seu conteúdo. Afinal, ao longo da década de 1990, o Estado oficializou o livro didático enquanto instrumento de trans-formação social.

Dois grandes eventos balizaram os fundamentos da avaliação didático -pedagógica e conceitual do livro didático. Um deles foi a implantação do Plano Decenal de Educação para Todos (1993), documento elaborado pelo MEC no qual foram estabelecidas diretrizes políticas voltadas para recuperação da escola fundamental. Era um esforço do governo federal para cumprir as resoluções da Conferência Mundial de Educação para Todos, reali-zada em Jomtien (Tailândia), em 1990. O Brasil é signatário da Conferência de Jomtien e assumiu importantes compromissos para melhorar a educação do país junto a organiza-ções internacionais como a UNESCO, a UNICEF, o PNUD e o Banco Mundial8. Para essas organizações, o livro didático sempre foi um recurso fácil de manejar e de baixo valor econômico, verdadeiro “insumo” da instituição escolar.

Por outro lado, o Plano Decenal também foi elaborado para atender a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96). Sancionada em 1996, foi preciso quase uma década para que nossos congressistas chegassem a um acordo sobre o conteúdo da lei geral, que redefiniria e regulamentaria o sistema de ensino brasileiro de acordo com a Constituição de 1988. Dentre outras obrigações, a LDB/96 reiterou o dever do Estado em atender o educando da escola pública por meio de programas de distribuição gratuita de materiais escolares.

Assim, a partir de 1995, o PNLD passa a avaliar o conteúdo e a proposta de ensino das coleções didáticas antes de adquirir os livros. Pesquisadores são convocados para dar a sua opinião, universidades contratadas para julgar. Surge um novo personagem no mercado editorial: o “especialista”. Em educação, em didática, em história do livro didático, em entender o que o governo quer… Afinal, o PNLD, desde o início, dedicou -se à definição daquilo que o livro didático não pode ter: não pode ter informação errada, não pode estar desatualizado, não pode ser racista (nem preconceituoso), não pode ter apenas exercício

6   Sobre os números do mercado editorial e das vendas de livros didáticos para os programas de governo, ver Capí-tulo 1.

7   O PNLD é tratado em seus detalhes no Capítulo 1 e também no Capítulo 7.

8   DIEB – Dicionário Interativo da Educação Brasileira. Disponível em: <http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicio-nario.asp?id=91> (acesso: abr/2010).

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do tipo pergunta/resposta… Mas, até hoje, pouco disse sobre o que o livro didático deve ter e como deve fazer para ensinar. Nós vimos, nós estávamos lá: o que o livro didático não podia mais realmente era refletir aquela sala de aula que o governo precisava, de acordo com a Conferência de Jomtien, “recuperar”, transformar.

O final da década de 1990 representou, portanto, o declínio9 daqueles “antigos” professores -autores. A Professora Déborah? Seus livros não podiam mais ser inscritos no PNLD10… A Coleção Eu Gosto? As autoridades do MEC cancelaram o PNLD 1996 quando verificaram que, naquele ano, 55% do total de livros escolhidos pelos professores para as áreas de Língua Portuguesa e de Matemática eram da Coleção Eu Gosto. Depois disso, a obra passou a ser sistematicamente reprovada no PNLD e motivo de chacota nos jornais… O Professor Scipione? Muitos dizem que nunca perdoou aqueles seus alunos e colegas que, agora “especialistas”, reprovaram as suas obras, que passaram a ser excluídas sistematicamente do Guia de Livros Didáticos11 do PNLD.

O estabelecimento de critérios de natureza didática abriu o mercado editorial para novos autores. Quando as editoras viram seus autores campeões de venda barrados no PNLD, não tiveram dúvida, procuraram por outros. De preferência, autores que com-preen dessem as diretrizes estabelecidas no Plano Decenal – tarefa nem sempre fácil até para os “especialistas” – e conseguissem escrever livros didáticos de acordo com as diretrizes estabelecidas nos documentos publicados pelo governo federal naquela ocasião, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)12.

A Coleção Caminhos da Ciência (1998) foi resultado de um intenso esforço nosso – como “especialistas”, ou melhor, agora “especialistas -autores” – para transformar em pro-posta prática de ensino as proposições teóricas do MEC estabelecidas principalmente no documento de Ciências Naturais dos PCN. Sem falsa modéstia, tivemos muito sucesso nessa empreitada: grande sucesso intelectual e razoável sucesso financeiro. A Coleção Ca-minhos da Ciência foi inscrita e aprovada nos PNLD 2001, 2004 e 2007. Em todas essas ocasiões, foi muito bem avaliada. A bem da verdade, é a única coleção de Ciências reco-mendada com distinção em toda a história do PNLD. Podemos afirmar que conseguimos

9   Muitas das coleções de sucesso reprovadas no PNLD nos anos 1990 continuam até hoje com bons índices de ven-da. Estrategicamente, as grandes editoras mantêm, com anuência do próprio MEC, o mercado das escolas particulares alienado das avaliações do PNLD, preservando as vendas dessas coleções ao alunado das particulares. Do ponto de vista editorial, essas coleções passam para o “time da reserva” e seus autores perdem status em suas próprias casas publicadoras. Seus novos projetos são “congelados”; o esforço na propaganda de suas obras também.

10   Na mesma época em que viu seus livros reprovados pela avaliação da SEB e eliminados do PNLD, a Professora Déborah testemunhou o próprio MEC adquirindo mais de 100 milhões de exemplares de suas coleções de Língua Por-tuguesa e de Matemática para distribuir nos municípios participantes do Projeto Nordeste (1994 -1999). Nesse caso, o processo de escolha não foi dos professores, mas da própria SEF, com anuência do Banco Mundial.

11   Sobre o que é e como funciona o Guia de Livros Didáticos, ver Capítulo 1.

12   Os Parâmetros Curriculares Nacionais foram publicados pelo MEC entre os anos de 1997 e 1999 e tinham como objetivo apresentar, como o próprio título diz, parâmetros gerais sobre o que, como e quando ensinar e avaliar na Educação Infantil, no Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Durante mais de uma década, os PCN representaram o único documento oficial no qual era possível encontrar os fundamentos para as decisões curriculares da escola públi-ca (e também particular) e, inclusive, para as decisões de conteúdo dos livros didáticos feitas por autores e editoras. Nos editais dos PNLD de 2001, 2004, 2005, 2007, 2010 e 2012 foram os únicos documentos dessa natureza citados pela comissão técnica da SEF, SEB e FNDE. Entretanto, os PCN nunca representaram uma obrigação e tampouco foram im-postos como documento normativo. A definição de diretrizes curriculares mínimas obrigatórias por parte do governo federal está prevista na LDB mas, até o primeiro semestre de 2010, essas diretrizes ainda não haviam sido publicadas.

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atender às expectativas dos PCN, do PNLD, do MEC, da SEB, do Plano Decenal, da LDB, da UNESCO, da UNICEF, do PNUD, do Banco Mundial, da USP e da UFPE (responsáveis pelas avaliações), não é mesmo? Impossível sucesso maior. Só para avisar os desconfiados: a avaliação positiva dos livros da Coleção Caminhos não é fruto de decisões internacionais. Pelo contrário. Ela foi feita por especialistas brasileiros atuantes em uni-versidades nacionais sob a coordenação de eminentes autoridades no ensino de Ciências, como o Professor Doutor Nélio Marco Vicenzo Bizzo, da Universidade de São Paulo e o Professor Doutor Antonio Carlos Pavão, da Universidade Federal de Pernambuco.

Além do sucesso intelectual expresso pelos resultados na avaliação do MEC, a Coleção Caminhos da Ciência também foi muito bem acolhida pelos professores das escolas públi-cas brasileiras, apesar de sua inovadora abordagem construtivista. Ao longo de 10 anos, a Caminhos vendeu mais de 7 milhões de exemplares e foi utilizada por mais de 12 milhões de alunos. São números para lá de significativos, embora sequer cheguem perto dos núme-ros da Profressora Déborah…

Nós tomamos gosto pelo ofício de escrever livros didáticos. Tornou -se, com o passar dos anos, nossa principal atividade profissional. O trabalho com formação de professores foi deixado de lado, assim como a sala de aula. As assessorias internacionais na área am-biental também foram descartadas. Nosso foco passou a ser o livro didático, com muito prazer. Afinal, é realmente um trabalho instigante do ponto de vista intelectual, mais de-safiador do que a elaboração de um mestrado ou de um doutorado, por exemplo, embora não seja tarefa para qualquer um. Basta verificar a enorme quantidade de teses que criticam o livro didático e constatar o número ínfimo de professores e especialistas que realmente se dispõem a escrever uma obra dessa natureza. O desafio de planejar e desenvolver por escri-to sequências de aprendizagem que trazem informações e atividades não é uma tarefa sim-ples. Quando se soma a isso a necessidade de se apresentar fatos, conceitos e explicações complexas dos vários campos científicos para crianças e jovens que começam a dominar a leitura e a escrita, a coisa fica ainda mais complicada. Se acrescentarmos a exigência de atender às novas diretrizes traçadas para a educação brasileira, que não são poucas, e tam-bém as prerrogativas teóricas e didáticas das correntes de ensino mais atuais, nem se fala… Mas, mesmo assim, é um excelente desafio e um imenso prazer enfrentar esses problemas e encontrar soluções que resultem em um livro voltado para a aprendizagem.

Em 2003, nosso entusiasmo como autores encorajou -nos a dar um passo adiante: mon-tar uma editora formada exclusivamente para publicar livros de qualidade que realmente refletissem as opções teóricas e didáticas de seus autores. Nossa intenção era a de atender exclusivamente aos programas de livros do governo. Queríamos produzir livros para o aluno das escolas públicas, considerando o conhecimento atual acerca das suas condições de aprendizagem. Queríamos livros para o professor da rede pública, apresentando -lhe um grande leque de opções para poder planejar mais livremente as suas aulas. Queríamos utili-zar todo o nosso potencial enquanto educadores e editores para contribuir com a melhoria do ensino no país. Nós também acreditávamos no papel transformador do livro didático.

Assim foi fundada a Editora Sarandi. Nem precisa dizer que a Sarandi já nasceu contra a maré. No mesmo ano em que inaugurávamos nossa pequena editora, grandes grupos edi-

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Introdução 13

toriais faziam o inverso: publicavam livros sem autores, fruto do trabalho de editores – que passavam a ser os grandes “especialistas em livros didáticos”. Mas estávamos confiantes no papel do autor no processo editorial, não apenas como fornecedor de conteúdo. E a ideia básica de nossa editora logo se revelou certa. No primeiro ano de existência da Sarandi fo-mos capazes de produzir cinco livros, formando duas coleções: uma de Ciências Naturais e outra de Alfabetização. Isso com uma equipe de apenas seis pessoas! Além de nós, autores, dois funcionários cuidavam da preparação dos textos, outros dois nos ajudavam com as imagens e havia mais duas pessoas que cuidavam do gerenciamento da empresa. Depar-tamento de propaganda? Não. Departamento comercial? Não. Divulgadores: nenhum. A Editora Sarandi não tinha e nunca teve equipe de divulgadores ou de distribuidores.

Nosso entusiasmo cresceu quando o MEC publicou a determinação de disciplinar a divulgação dos livros didáticos no âmbito do PNLD13. O edital do PNLD 2007 introdu-ziu essa inovação por meio da Portaria nº 2.963/2005 estabelecendo regras para evitar as interferências indevidas das editoras na escolha dos livros a serem adquiridos pelo FNDE. Era a resposta do Poder Público aos excessos das grandes editoras no processo de divulga-ção. Tais excessos incluíam desde a distribuição de brindes (uma autora amiga nossa nos contou que viu de perto um divulgador sortear máquina de fazer pão entre os professores e diretores das escolas que escolhessem o livro da sua editora), até a interferência direta na rotina das escolas, tais como a presença indiscriminada de divulgadores no espaço escolar (há quem diga que alguns deles ajudam os diretores e coordenadores a preencherem os pedidos para o FNDE!) e até mesmo a suspensão das aulas para a realização de verdadeiros “malhos de venda” sob o disfarce de palestras de capacitação de professores (essa nós vimos e estávamos lá: reuniram mais de 700 professores e suspenderam a aula de mais de 20 mil crianças!). A Portaria nº 2.963/2005 foi, portanto, da maior relevância e pertinência. Os divulgadores foram impedidos de entrar nas escolas durante o período de escolha dos livros pelos professores. Também foram suspensas as palestras nas escolas, que não pude-ram mais acontecer durante o período da escolha dos livros. A pressão dos grandes grupos editoriais sobre os professores, os diretores e as secretarias de educação ficou, assim, sob certo controle. Alguma regulamentação é sempre melhor do que nenhuma e o aprimora-mento do PNLD, nesse sentido, foi muito positivo para todos os atores envolvidos, apesar das inúmeras pressões que os grandes grupos editorias fizeram no FNDE para reverter as determinações da Portaria nº 2.963/2005.

Com a divulgação regulamentada, a ação das editoras para promover suas obras se res-tringiria basicamente à distribuição de amostras de livros. Sem os divulgadores, a disputa ficaria nos materiais impressos. Os livros falariam por si. Afinal, nem sempre os professores conseguem compreender as informações das resenhas do Guia de Livros Didáticos14. Quan-do conseguem, fica sempre a dúvida sobre como os livros presentes no Guia realmente são, pois não os têm em mãos. Para a Editora Sarandi e outras pequenas editoras, essa inovação do PNLD representou uma oportunidade ímpar de concorrer de forma mais justa com os

13   Para mais informações sobre a etapa de divulgação do PNLD, ver Capítulo 1.

14   Sobre o Guia de Livros Didáticos, ver Capítulo 1.

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Com a palavra, o autor14

grandes grupos editoriais, apesar das enormes diferenças. Bastava mandar os nossos livros para os professores analisarem em conjunto com as resenhas do Guia.

Mas o nosso entusiasmo cresceu muito mais quando soubemos que as duas primeiras coleções da Sarandi foram aprovadas no PNLD 2007. No Guia de Livros Didáticos as resenhas da avaliação foram favoráveis, com destaque para a obra de Ciências. Naquele ano, nós fomos os autores com maior número de obras desse componente curricular par-ticipando de um PNLD. A Coleção Caminhos da Ciência, embora ainda sob contrato de outra editora, também havia sido aprovada com elogios.

Eficiência na produção, contexto favorável para a divulgação, concorrência regulamen-tada e aprovação dos livros… Não deu outra. A Editora Sarandi realizou com sucesso a primeira venda de seus livros. Com apenas cinco livros e duas coleções, abarcarmos cerca de 4% do total de livros de Alfabetização adquiridos pelo FNDE naquele programa e aproximadamente 6% dos livros de Ciências. Na prática, foram quase 900 mil exemplares. Para uma grande editora, esses números podem ser irrisórios. Mas para nós, com apenas oito funcionários15, foram números para lá de significativos. Vale lembrar que a Sarandi não comercializa seus livros junto às escolas particulares. Logo, a venda feita em 2006 para o FNDE, após três longos anos de trabalho sem faturamento, foi realmente a primeira venda. Primeira e única. Única?! Sim, única. Depois do PNLD 2007, os livros da Sarandi passaram a ser sistematicamente reprovados nos programas seguintes: 2010 e 2011. Até mesmo a tão elogiada Coleção Caminhos da Ciência foi, em 2010, rejeitada pelos avalia-dores da equipe de Ciências e excluída do programa.

Nossa primeira venda ocorreu com sucesso justamente porque o FNDE aprimorou o PNLD e garantiu condições mais equânimes para que todas as editoras inscritas partici-passem livremente dos programas de livro (um dos seus pressupostos básicos). A regula-mentação disciplinatória foi eficaz para controlar os ferozes mecanismos da concorrência desleal. Isso nos animou. Para o programa seguinte, o PNLD 2010, nós ampliamos nosso catálogo e desenvolvemos três novas coleções relacionadas aos componentes curricula-res de Letramento e Alfabetização Linguística, Alfabetização Matemática e Matemática. Além disso, nosso contrato com a editora que até então publicava Caminhos expirou e pudemos trazer esse nosso primeiro trabalho para a Sarandi. No PNLD 2010, portanto, inscrevemos 17 livros que compunham, na ocasião, seis coleções distintas. Se com apenas cinco livros já estávamos satisfeitos, imaginávamos que uma quantidade três vezes maior poderia alavancar de vez a Sarandi e firmá -la no mercado editorial. Estávamos certos sobre a aprovação das obras. Afinal, as duas coleções de Ciências (Caminhos e Ponto de Partida) já haviam sido aprovadas com elogios nos programas anteriores; uma de nossas coleções de Letramento e Alfabetização Linguística, agora intitulada Projeto ALLE, também já tinha sido aprovada com algumas sugestões para sua melhoria. De qualquer forma, no PNLD anterior, a Coleção Projeto ALLE ficou em sexto lugar no ranking das obras adquiridas pelo FNDE (dentre as 47 obras ofertadas ao professorado no Guia do Livro Didático

15   O nosso leitor deve ter notado que a divulgação dos livros pelo correio exigiu a contratação de duas pessoas, isto é, um crescimento de 33,3% do nosso quadro funcional.

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Introdução 15

PNLD 2007 – Alfabetização), sendo a primeira dentre as coleções com propostas inova-doras (as cinco primeiras coleções mais vendidas baseavam -se em métodos tradicionais de ensino, dentre eles, o método da silabação que o MEC combatia há tanto tempo). As coleções de Alfabetização Matemática e Matemática também já haviam participado de programas anteriores e sido aprovadas. Suas autoras, insatisfeitas com o plano de divulga-ção dado às suas obras pela editora anterior, recém -ingressavam na Sarandi. Apenas nossa segunda coleção de Letramento e Alfabetização Linguística, também sob o selo Ponto de Partida, era inédita.

Foi, portanto, com imensa surpresa que recebemos a informação de que as nossas obras tinham sido reprovadas16. Não que alguém do MEC ou do FNDE tenha entrado em contato para dar a notícia ou pelo menos publicado em algum veículo oficial… Não. A notícia da re-provação chegou pela mera constatação de que nossos livros não constavam do Guia de Livros Didáticos PNLD 2010. Não constam? Como assim?! Olha direito!! Foi aí que descobrimos que, se a reprovação em si já é um fato de grande constrangimento, a sucessão de eventos em torno da reprovação e da obtenção e análise do relatório de reprovação é pior ainda.

Assim que tomamos conhecimento da reprovação, solicitamos junto à SEB os rela-tórios de reprovação elaborados pela coordenação da avaliação. Embora o Guia de Livros Didáticos do PNLD 2010 tenha sido publicado no site do FNDE em 16 abril de 2009, tivemos de esperar por três longas semanas com muita angústia para que esses relatórios chegassem até nós17. Nossa intenção era a de identificar o quanto antes os graves proble-mas de nossas obras que culminaram em sua exclusão do programa. Esse é o movimento natural de quem não tem nada a temer e acredita no processo. Como autores e editores, especulávamos se havíamos cometido algum erro na inscrição, omitido algum documen-to, entregado livros com defeito, cometido algum erro grave de conteúdo. Em momentos como esse, a imaginação é fértil. Todavia, o que verificamos ao ler os relatórios de reprova-ção foi uma miríade de erros, alguns deles tão primários que se comparam àquelas famosas compilações de erros e frases esdrúxulas das provas de redação dos exames finais do Ensino Médio, conhecidas como “pérolas do ENEM”. Além de inúmeras “pérolas”, também iden-tificamos uma quantidade inexplicável de ilegalidades, erros factuais e exorbitâncias dos avaliadores. Ficamos estarrecidos. O que fazer? Com quem falar? Não era possível aceitar tantos erros18…

Ainda incrédulos e com boa dose de ingenuidade, tentamos recorrer à SEB por meio de um relatório elaborado em apenas cinco dias (!) no qual refutamos todos os argumentos presentes nos relatórios de reprovação. Como fomos ingênuos… Quem analisou a perti-nência de nossa refutação foi a própria equipe da avaliação. É claro que os avaliadores do

16   As coleções dos componentes curriculares Alfabetização Matemática e Matemática, das autoras Regina Maria Chacur, Maria  Inez Cerullo e Maria Tomie Shirahige foram aprovadas. Nós atuamos como autores em parceria com outros professores nas demais coleções inscritas pela Sarandi no PNLD 2010, todas elas reprovadas.

17   Os prazos entre a publicação do Guia de Livros Didáticos e a entrega do relatório de exclusão foram regulamenta-dos no Decreto nº 7.084/2010, que institucionaliza o PNLD como lei e apresenta uma série de aprimoramentos impor-tantes no programa. Mais informações sobre o assunto nos Capítulos 1 e 7.

18   O Decreto nº 7.084/2010 incluiu uma etapa recursal na avaliação dos livros, estabelecendo prazos e conteúdos para as contestações dos relatórios de exclusão. Os Capítulos 1 e 7 também tratam sobre esse assunto.

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Com a palavra, o autor16

PNLD 2010 não reconheceriam os seus próprios erros. Seria o mesmo que assinar uma confissão!

O resultado é que nossas obras de Ciências e de Letramento e Alfabetização Linguística ficaram de fora não apenas do PNLD 2010, mas também de suas edições de 2011 e 2012. Sim, são três anos sem venda, nada de faturamento. Fora o comprometimento moral e intelectual. Ainda por cima temos de lidar com o status de “autor reprovado”. Pior ainda: para inscrevermos novamente nossa obra, o que só poderá ocorrer no PNLD 2013, tere-mos de incorporar os erros dos avaliadores em nossos livros! Isso, na prática, inviabiliza a correção e, portanto, a reinscrição. Afinal, como autores, discordamos em acrescentar uma informação errada em nossos livros. Mesmo que a pedido dos avaliadores do PNLD 2010. Se o leitor for benevolente conosco e curioso o suficiente para percorrer as páginas deste livro, atestará que os erros que os avaliadores cometeram na avaliação das nossas obras são mesmo escandalosos19.

De certa forma, o trabalho dos avaliadores do PNLD é muito fácil e, na maioria das vezes, tem decorrências muito positivas. Alguns ganham fama com suas críticas, princi-palmente no meio acadêmico. Muitos aproveitam essa experiência para impulsionar suas carreiras. Avançam em seus estudos, defendendo teses de mestrado ou doutorado que têm como objeto de análise os livros didáticos por eles próprios avaliados no PNLD. Prestam concurso, ingressam na universidade como professores. Surge também a oportunidade de ingressar no mercado privado. Muitos passam a fazer assessoria às editoras, conferindo a qualidade dos livros antes da inscrição em um programa. Alguns avaliadores tornam -se autores. Tudo isso é legítimo. Mas o fato é que os avaliadores do PNLD pouco ou quase nada arriscam. Quem fica sabendo do acerto ou do erro dos argumentos da sua crítica? Ninguém! Quem pode discordar das referências didático -pedagógicas de seus argumentos? Ninguém! E se as suas referências conceituais estiverem erradas? Ninguém nunca saberá de nada porque o próprio PNLD apresenta brechas que permitem ao avaliador exceder em seu poder discricionário. Como os relatórios da avaliação (tanto dos livros aprovados como dos livros excluídos) não são divulgados pela SEB, pelas editoras ou pelos autores, verifica--se atualmente um ciclo sem fim no qual obras (não apenas as nossas) são reprovadas com base em justificativas incorretas e/ou infundadas.

A bem da verdade é que nossa experiência no PNLD 2010 nos fez perceber que alguns avaliadores analisam com superioridade aqueles (autores e editores) que lhes submetem seu trabalho e sua reputação. Ganham fama com as críticas negativas que até podem ser diver-tidas de escrever e logo se tornam best -sellers no meio acadêmico. Mas a pura realidade que os avaliadores (pelo menos alguns deles) devem encarar é que o mais simples livro didático traz em si desafios intelectuais e profissionais que a academia jamais poderá proporcionar ao pesquisador.

19   Estamos seguros que também aconteceram erros graves na avaliação de coleções de outros autores e editoras. Destes erros, temos apenas notícias esparsas e não confirmadas. Como não temos acesso a essas obras e ao teor dos seus relatórios de reprovação, não temos como dimensionar o problema nem autorização dos autores para falar por eles. Esperamos que a publicação deste livro seja um estímulo a todos os autores prejudicados. Do nosso ponto de vista, denunciar os problemas no processo de avaliação vai muito além da defesa dos interesses de autores e editoras. Trata -se de um dever cívico, pois os erros na avaliação têm efeitos nefastos para o ensino brasileiro.

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Introdução 17

Nós autores, por outro lado, arriscamos tudo: trabalho e reputação.

Acreditamos na atuação das equipes de avaliação do PNLD e no importante papel que as universidades têm na constituição de políticas públicas mais democráticas e menos centrali-zadoras. Esse é um dos méritos dos gestores do MEC e do FNDE em sua incansável defesa do PNLD e no imenso esforço que fizeram nos últimos anos para aprimorar um programa que, em sua essência, é um programa público que envolve cerca de 1 bilhão de reais por ano.

Acreditamos profundamente que o Decreto nº 7.084/2010 resolverá uma parte im-portante dos problemas por nós vivenciados no PNLD 2010. Mas ainda há muito para avançar. Os editais dos próximos PNLD representam o instrumento fundamental para esse aprimoramento. Aprimoramento que interessa a autores e editoras e também a todas as pessoas interessadas na construção de uma sociedade mais transparente e justa.

Os acontecimentos ocorridos no PNLD 2010 que resultaram na reprovação de 12 livros nossos, porém, desafiam a nossa percepção dos fatos e, temos certeza, também desafiará a per-cepção do nosso leitor. Embora sejamos árduos defensores do PNLD e da avaliação dos livros, somos obrigados a assumir a palavra e denunciar esses fatos. Como ficará evidente ao longo dos próximos capítulos, trata -se de uma imposição que nos foi feita pelos próprios avaliadores do PNLD 2010. É como se esta nossa publicação tivesse que falar por nós, uma vez que as conversas com os nossos interlocutores reais nada ou pouco nos ajudaram.

Trata -se então de narrar os acontecimentos do PNLD 2010. Esse é o objetivo deste livro. De certo modo, o que se pretende aqui é tão somente fornecer elementos concretos para que os gestores do PNLD possam aprimorar os mecanismos da avaliação dos livros didáticos. Fragmentos de provas, depoimentos esparsos, pistas tênues, indícios, sinais que apontam falhas, distorções e irregularidades na avaliação dos livros didáticos já existem aos montes20. Para que realmente se possa chegar a um veredicto, faltava alguém falar a verdade, de verdade.

Falar, por exemplo, que a avaliação do PNLD 2010 apresenta imperícia e negligência ao apontar erros inexistentes; imperícia ao exigir que se adote conceitos errados; ilegali-dades ao avaliar com base em critérios que não constam ou que contradizem o Edital do PNLD 2010; contradição com relação a avaliações anteriores, afrontando a opinião de outras equipes de avaliação.

Falar também sobre o fato da maioria dos supostos erros apontados pelos avaliadores do PNLD 2010 para reprovar nossas obras estarem também presentes em todas ou em grande parte das obras aprovadas nesse mesmo programa, o que constitui prova de violação ao princípio da isonomia21.

20   MUNAKATA, K. Produzindo livros didáticos e paradidáticos. Dissertação (Doutorado em História e Filosofia da Educação): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1997, p. 14. 

21   Os supostos erros poderiam ser melhor descritos como “não erros”. Essa crítica à falta de isonomia não é uma defesa da presença de erros em nossos livros justificada pela presença dos mesmos erros em livros aprovados. É, sim, uma constatação de que aquilo que foi apontado como erro nos nossos livros não é erro, como comprova a ocorrência do mesmo conteúdo, abordagem ou informação em livros aprovados.

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Com a palavra, o autor18

As consequências dos erros da avaliação que levaram à exclusão das coleções Caminhos da Ciência, Ponto de Partida Ciências, Projeto ALLE e Ponto de Partida Letramento e Alfabetização Linguística do PNLD 2010 não se limitam ao programa de 2010 e suas re-posições, visto que o Edital do PNLD 2010 e o Decreto nº 7.084/2010 determinam que os livros didáticos reprovados só poderão ser reapresentados nos programas posteriores, desde que tenham sido reformulados com base nos pareceres emitidos. Também queremos falar sobre isso.

Notas de esclarecimento

1. Como está organizado este livro

A estrutura e o funcionamento do PNLD são apresentados no Capítulo 1, quando a etapa da avaliação pedagógica é descrita em seus aspectos formais, de acordo com os últimos editais. Destaca -se neste capítulo a importância do Decreto nº 7.084/2010 e são antecipadas algumas críticas à atual regulamentação – críticas que serão aprofundadas no Capítulo 2 e mais pormenorizadas no Capítulo 7. No Capítulo 2, o foco é a avaliação pedagógica e as consequências práticas que suas limitações impõem aos autores e editores. Já neste capítulo, faz -se um recenseamento inicial acerca dos erros cometidos pelos ava-liadores do PNLD 2010 nos relatórios de reprovação das nossas obras. Os erros, os falsos argumentos, os exemplos fraudados, as aleivosias e as ilegalidades presentes no Relatório de Reprovação da Coleção Caminhos da Ciência são apresentados no Capí tulo 3. Em seguida, no Capítulo 4, discorremos sobre a Coleção Ponto de Partida Ciências e identifi-camos e comprovamos as falhas e as irregularidades cometidas na avaliação desta Coleção. Os Capítulos 5 e 6 denunciam os erros, os falsos argumentos, os exemplos fraudados, as aleivosias e as ilegalidades cometidas pelos avaliadores do PNLD 2010 na avaliação das coleções Projeto ALLE e Ponto de Partida Letramento e Alfabetização Linguística. Então, finalmente, no Capítulo 7, apresentam -se algumas soluções simples. Afinal, a nossa inten-ção é a de preservar o PNLD e ajudar seus gestores a aprimorá -lo.

2. Quem são os “avaliadores do PNLD 2010”?

Ao longo de todo o livro nós nos referimos aos “avaliadores do PNLD 2010”. Quem são eles? Não sabemos. Assim como os delatores da Santa Inquisição eram mantidos em segredo, o mesmo acontece com os avaliadores do PNLD. Os avaliadores não assinam o relatório de reprovação. Quem faz isso são o Coordenador de Área e o representante da Comissão Técnica do PNLD de cada área do conhecimento.

Essa falha do processo de avaliação obriga -nos a nos referirmos aos nossos censores de modo genérico como “avaliadores do PNLD 2010” quando denunciamos seus erros. Não temos outra alternativa. Mas, desde já, queremos deixar claro que não estendemos as

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Introdução 19

nossas denúncias para toda a equipe de avaliadores do PNLD 2010. Muito pelo contrário. No PNLD 2010, os livros de Ciências e de Letramento e Alfabetização Linguística foram avaliados por mais de 80 especialistas e temos certeza de que boa parte destes avaliadores se dedicaram ao trabalho avaliatório com afinco, competência e sincera isenção. Logo, insistimos que as críticas feitas neste livro se restringem aos “avaliadores do PNLD 2010” responsáveis pela avaliação dos nossos livros. As nossas críticas também são dirigidas aos Coordenadores de Área e aos representantes da Comissão Técnica do PNLD que assina-ram os relatórios de reprovação. O motivo é óbvio, ao firmarem os documentos com os erros que relatamos neste livro, eles afiançaram as afirmações dos avaliadores das nossas obras e apropriaram -se dos erros que aqueles cometeram.

Bibliografia

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IVO, Consuelo. Caderninhos da Déborah: a história do livro didático passa por aqui. In: Revista Comunicação & Educação. São Paulo: CGA/ECA/USP: Paulinas, 1994.

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OLIVEIRA, J. B. A. A política do livro didático. São Paulo: Unicamp, 1984.

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Com a palavra, o autor20

Siglas

ABRALE – Associação Brasileira de Autores de Livros Educativos

ABRELIVROS – Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares

BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

CEALE – Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita

CNLD – Comissão Nacional do Livro Didático

COLTED – Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático

ENEM –Exame Nacional do Ensino Médio

FAE – Fundação de Apoio ao Estudante

FENAME – Fundação Nacional do Material Escolar

FNDE – Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

INL – Instituto Nacional do Livro Didático

IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo

LDB – Lei de Diretrizes e Base

MEC – Ministério da Educação

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais

PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes

PLIDEF – Programa do Livro Didático do Ensino Fundamental

PNBE – Programa Nacional Biblioteca da Escola

PNLD – Programa Nacional do Livro Didático

PNLEM – Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PUC – Pontifícia Universidade Católica

SEB – Secretaria de Educação Básica

SEF – Secretaria de Ensino Fundamental

UFF – Universidade Federal Fluminense

UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais

UFPE – Universidade Federal de Pernambuco

UFSCar – Universidade Federal de São Carlos

UNESCO – �e United Nations Educational, Scienti�c and Cultural Organization

UNICAMP – Universidade de Campinas

UNICEF – United Nations Children’s Fund

USGS – United States Geological Survey

USP – Universidade de São Paulo

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CAPÍTULO

1 O PNLD e os melhores livros para a escola pública

O Programa Nacional do Livro Didático1 é, atualmen-te, o segundo maior programa de distribuição de li-vros didáticos do mundo, ficando atrás apenas para

o programa chinês2. Trata -se de um enorme esforço do Estado brasileiro para suprir os alunos das escolas públicas com livros didáticos, paradidáticos, dicionários e periódicos de forma gra-tuita e regular. Para se ter noção do tamanho do PNLD, basta consultar a Tabela 1.1 e conferir alguns números do PNLD rela-tivos ao ano letivo de 2010.

Os custos do programa são igualmente enormes. Segundo o Relatório de Gestão do FNDE relativo ao exercício de 2008, os gastos do Governo Federal com os programas de materiais didáticos (PNLD e PNLEM) totalizaram, naquele ano, quase um bilhão de reais. Foram gastos mais de R$ 900 milhões com a aquisição, a armazenagem e distribuição de livros e periódicos,

1   O Decreto nº 7.084/2010 reuniu em um só programa, sob a designação “PNLD”, os dois programas de livros e materiais didáticos do Governo Federal que existiam até aquela data: o PNLD (que atendia os alunos do Ensino Fundamental) e o PNLEM (que atendia os alunos do Ensino Médio). Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/index.php/pnld -legislacao> (acesso: maio/2010).

2   PEREIRA,  C.  103 milhões de  livros  didáticos. Revista Veja  [online]. Mar.  2009, ed. 2.104 (18/mar/2009), p. 11. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/180309/p_118.shtml> (acesso: abr/2010).

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22 Com a palavra, o autor

a avaliação e a publicação do Guia de Livros Didáticos, dentre outras ações. A Tabela 1.2 sintetiza o destino dado aos recursos daquele programa.

TA B E L A 1 . 1 Programas de livros didáticos para o ano letivo de 2010

Ano de aquisição Programa

Alunos beneficiados

Escolas beneficiadas

Livros adquiridos

2009 PNLD 2010 28.986.104 136.781 103.581.176

2009 PNLEM 2010 7.630.803 17.576 11.189.592

Total 36.616.907 154.357 114.770.768

Fonte: FNDE. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/index.php/pnld -dados -estatisticos> (acesso: abril/2010).

TA B E L A 1 . 2 Custos dos programas de livros didáticos no exercício de 20083

Componente do custo PNLD 2009 PNLEM 2009 Total

Livros didáticos R$ 307.352.497,26 R$ 417.999.711,04 R$ 725.352.208,30

Livros p/ alunos c/ surdez R$ 3.735.776,00 – R$ 3.735.776,00

Periódicos R$ 15.101.882,50 R$ 184.451,73 R$ 15.286.334,23

Avaliação R$ 11.355.523,60 – R$ 11.355.523,60

Guia do Livro Didático – R$ 192.467,46 R$ 192.467,46

Distribuição R$ 62.914.374,82 R$ 86.163.271,74 R$ 149.077.646,56

Armazenagem R$ 468.622,82 – R$ 468.622,82

Controle de qualidade R$ 1.895.950,00 R$ 135.199,30 R$ 2.031.149,30

Total R$ 402.824.627,00 R$ 504.675.101,27 R$ 907.499.728,27

Fonte: BRASIL. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Relatório de gestão do FNDE: exercício de 2008. Brasília: FNDE, 2009.

Considerando os números do PNLD, é importante que o leitor atente para a impor-tância não apenas social, cidadã, desse programa cujo funcionamento é complexo, mas bastante eficaz. Para que seja possível compreender a estrutura e o funcionamento do PNLD e as críticas que fazemos aos mecanismos de avaliação e aos acontecimentos que sucederam na avaliação de nossas obras no PNLD 2010, faremos neste capítulo uma bre-ve (nem tanto assim) descrição do programa com base nos moldes do PNLD definidos no Decreto nº  7.084/20104. Todavia, em diversos momentos, será necessário também descrever as normas que regeram os PNLD anteriores, em particular o PNLD 2010. Essa

3   No exercício de 2008, as aquisições de livros referem -se ao PNLD 2009 (reposição de livros do Ensino Fundamen-tal) e ao PNLEM 2009 (compra integral do Ensino Médio).

4   O Decreto nº 7.084/2010 dispõe sobre os programas de material didático, regulamentando o PNLD e o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE). Este decreto também reuniu o antigo PNLD e o PNBE em um único programa que manteve a designação PNLD.

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23Capítulo 1 – O PNLD e os melhores livros para a escola pública

descrição será importante para esclarecer os pontos falhos do programa e a importância das sugestões que faremos ao final do livro, no Capítulo 7.

O modelo atual do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), consolidado pelo Decreto nº 7.084/2010, começou a ser implementado em 1996, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, com a publicação do Edital do PNLD 1997 (ver Introdução para mais informações). Este edital:

�� institucionalizou a universalização do acesso ao livro didático no Brasil, com a dis-tribuição para todos os alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental (denominadas então 1ª a 4ª séries)5;�� implantou a avaliação pedagógica que passou a excluir do Guia de Livros Didáticos aque-

les livros que, na opinião dos “especialistas” das universidades sob a coordenação da Secreta-ria de Ensino Fundamental (SEF) – atual Secretaria de Educação Básica (SEB) –, apresen-tavam erros conceituais, informações desatualizadas, abordagens pedagógicas ultrapassadas, preconceito ou discriminação de qualquer tipo, falhas no projeto gráfico ou na impressão;�� classificava as obras aprovadas em Recomendadas com Distinção (RD), Recomendadas

(R); Recomendadas com Ressalvas (RR) e Não Recomendadas (NR);�� abrangia os principais componentes curriculares (Alfabetização, Língua Portuguesa,

Matemática, História, Geografia e Ciências); e�� estabelecia a distribuição continuada de obras em ciclos de três anos, sendo os livros

destinados à 1ª série consumíveis6, com reposição integral todos os anos; e os demais livros não consumíveis, com reposição apenas parcial a cada ano (geralmente em torno de 13% da compra inicial).

Em 1997, a Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), até então responsável pelos programas de material didático, foi extinta e a execução do PNLD passou a ser de respon-sabilidade do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Entretanto, a responsabilidade pela elaboração dos critérios de avaliação e a realização da avaliação pedagógica permaneceu com a Secretaria de Ensino Fundamental (SEF) do Ministério da Educação. Nesse mesmo ano, foi publicado o Edital do PNLD 1998, que ampliou o atendimento do PNLD para as séries finais do Ensino Fundamental (5ª a 8ª séries).

No PNLD 2001, além dos livros didáticos, também foram distribuídos dicionários de Língua Portuguesa para os alunos de 1ª a 4ª séries. Nas edições seguintes do programa, a distribuição de dicionários foi ampliada para os alunos de 5ª e 8ª séries7. Ainda em 2001, tem início o fornecimento de livros didáticos em Braille para os alunos portadores de defi-ciência visual. Em 2003, o PNLD distribui atlas geográficos para as escolas que atendiam alunos de 5ª a 8ª séries e ofereciam Educação para Jovens e Adultos (EJA). Desde 2007,

5   Naquela ocasião, as escolas do estado de São Paulo escolheram seus livros de forma separada das demais escolas do Brasil, mas foram atendidas com recursos do PNLD.

6   Livros consumíveis são aqueles que apresentam em seu projeto gráfico espaços para os alunos escreverem e, con-sequentemente, não podem ser reutilizados. Os livros não consumíveis não possuem espaço para escrita dos alunos e são utilizados, por diferentes turmas de alunos, ao longo de três anos.

7   A partir de 2005, os dicionários passaram a ser fornecidos apenas para os acervos das escolas e não mais doados para os alunos.

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os alunos com surdez, de 1ª a 4ª séries, recebem livro de Alfabetização e livro de Língua Portuguesa em Língua Brasileira de Sinais (Libras) e em CD -ROM.

Em 2004 foi implementado o Programa Nacional do Livro Didático do Ensino Mé-dio (PNLEM)8 visando estender a universalização do acesso ao livro didático para os alunos do Ensino Médio. A primeira edição do programa (PNLEM 2005) atendeu ape-nas aos alunos do 1º ano do Ensino Médio de escolas do Nordeste nos componentes de Língua Portuguesa e de Matemática. Nas edições seguintes do PNLEM, o atendimento foi gradualmente ampliado para todos os alunos do território nacional e para outros componentes curriculares (Biologia, Física, Química, Geografia, História, Filosofia e Sociologia).

O Edital do PNLD 2010 apresentou modificações significativas, reflexo da implemen-tação do Ensino Fundamental de nove anos9. Também marcou o início do fornecimento de livros de Língua Estrangeira Moderna (Inglês e Espanhol) para os alunos das escolas públicas brasileiras.

Em janeiro de 2010, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o Decreto nº 7.084/2010 que dispõe sobre os programas de material didático do Governo Federal. São eles: o PNLD (que passa a englobar os antigos PNLD e PNLEM) e o Programa Na-cional Biblioteca na Escola (PNBE). O novo instrumento legal consolidou muitas práticas bem -sucedidas dos programas do livro e apresentou novidades, em particular nas etapas da triagem e da avaliação. Todavia, como os editais dos PNLD 2011 e 2012 foram publicados antes do Decreto nº 7.084/2010, as novidades só terão efeitos práticos a partir do PNLD 2013 (cujo edital deverá ser publicado no segundo semestre de 2010).

Abrangência e periodicidade

O PNLD fornece gratuita e regularmente livros didáticos, dicionários e outros ma-teriais didáticos para as escolas de Educação Básica públicas das redes federal, estadual, municipal e do Distrito Federal. As edições do programa seguem ciclos trienais alternados, intercalando os três níveis de ensino da Educação Básica:

�� Nível I – 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental�� Nível II – 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental�� Nível III – Ensino Médio

Como os livros adquiridos são, na sua maior parte, livros não consumíveis, a cada ano faz-se a aquisição principal de um dos níveis de ensino e apenas a reposição (geralmente em torno de 13% da compra principal) dos livros dos outros dois níveis. A exceção é para os

8   FNDE – Resolução nº 38/2003.

9   A Lei nº 10.172/2001 definiu, como meta do Ensino Fundamental, a implementação progressiva do Ensino Funda-mental de nove anos, pela inclusão das crianças de 6 anos de idade na escolaridade básica obrigatória. Por sua vez, a Lei nº 11.274/2006 determinou que a obrigatoriedade do Ensino Fundamental de nove anos deveria ser implementada até 2010.

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25Capítulo 1 – O PNLD e os melhores livros para a escola pública

livros consumíveis de Letramento e Alfabetização Linguística e Alfabetização Matemática destinados aos dois primeiros anos do Ensino Fundamental e também para os livros de Lín-gua Estrangeira. A Tabela 1.3 mostra o cronograma de atendimento relativo ao período de 2010 a 2015.

TA B E L A 1 . 3 Cronograma de atendimento do PNLD – 2010 a 2015

ProgramaNível I

EF – 1° ao 5° anoNível II

EF – 6° ao 9° anoNível III

Ensino Médio

PNLD 2010 INTEGRAL reposição reposição

PNLD 2011 reposição INTEGRAL reposição

PNLD 2012 reposição reposição INTEGRAL

PNLD 2013 INTEGRAL reposição reposição

PNLD 2014 reposição INTEGRAL reposição

PNLD 2015 reposição reposição INTEGRAL

Fonte: FNDE e Resolução MEC -FNDE no 60/2009.

Os editais

As características de cada edição do PNLD são definidas por edital específico publicado no Diário Oficial da União, que pode ser obtido em versão digital no site do FNDE na In-ternet. O edital é o documento que estabelece as regras para inscrição, os prazos de entrega, os parâmetros da triagem. É nesse documento também que são definidos os critérios da avaliação.

Embora obedeçam às linhas gerais definidas pelos instrumentos legais que regem os programas do livro, os editais do PNLD não guardam relação entre si e podem incluir exi-gências novas entre um edital e outro. Algumas exigências podem até ser imprevisíveis para autores e editores. No caso do PNLD 2010, por exemplo, a exigência da nova ortografia da Língua Portuguesa e as mudanças decorrentes da implantação do Ensino Fundamental de nove anos só foram definidas pouco antes da publicação do edital e os detalhes especí-ficos apenas após a sua publicação10.

Os editais geralmente são publicados com mais de dois anos de antecedência do ano letivo ao qual se destinam as obras da compra integral. O Edital do PNLD 2010 foi uma exceção. Em vista das inúmeras inovações que trazia, sua publicação aconteceu somente em 16 de janeiro de 2008. Caso seguisse a prática normal, ele seria publicado no segundo semestre de 2007.

10   Nos Capítulos 2 e 7, o leitor encontrará uma reflexão mais aprofundada sobre os limites dos editais no seu for-mato atual e as consequências de suas falhas para os autores e para os editores e, inclusive, sua repercussão negativa na própria avaliação.

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A inscrição

A inscrição corresponde à primeira etapa de uma edição do PNLD. Ela tem início com a pré -inscrição das editoras, das coleções didáticas e dos autores via Internet. A inscrição propriamente dita consiste na entrega da documentação e dos exemplares dos livros em duas versões: a) exemplares caracterizados, idênticos aos que serão enviados às escolas; b) exemplares descaracterizados, isto é, sem a capa, a página de rosto, o verso da página de rosto e qualquer elemento que possa identificar a obra, a editora ou os autores11. Os exem-plares descaracterizados são destinados aos avaliadores pareceristas que, em tese, farão a avaliação das obras “às cegas” (isto é, sem identificar obra, autor ou editora), para evitar qualquer tipo de preconcepção ou influência externa.

O prazo para inscrição no PNLD geralmente é de 90 dias a partir da data de publica-ção do edital, mas esse prazo pode ser ampliado ou reduzido em função da conveniência do FNDE e da SEB, os executores do programa. Novamente, dada a excepcionalidade das suas exigências, o PNLD 2010 estabeleceu um prazo para a inscrição das obras de pouco mais de 120 dias.

A triagem

As obras inscritas são enviadas para a triagem. Esta fase consiste na análise técnica das características físicas12 das obras e ocorre sob a responsabilidade direta do FNDE. Tradi-cionalmente, o FNDE estabelece parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT).

As obras cujas características físicas não estão de acordo com os dados informados na pré -inscrição ou não atendam às exigências técnicas do edital são sumariamente excluídas do PNLD. Na triagem, assim como na avaliação, a exclusão de um volume de uma coleção resulta na exclusão de toda a coleção. O Decreto nº 7.084/2010 permite que as editoras corrijam, no prazo máximo de cinco dias, falhas editoriais e/ou gráficas pontuais detecta-das na triagem13. Esta importante inovação terá efeito a partir do Edital do PNLD 2013.

A triagem também inclui uma etapa de pré -análise, realizada pela SEB, na qual é exami-nada a documentação e verificado se as obras reprovadas em edições anteriores do PNLD passaram por reformulação de acordo com o relatório de reprovação do PNLD anterior.

11   A página de rosto corresponde à primeira página (página 1) do livro. Seu conteúdo é definido pelos editais do PNLD que especificam que essa página deve conter informações sobre o nome da coleção, o ano a que se destina, o componente curricular, o nome dos autores, a edição e a editora. O verso da página de rosto (página 2) também tem seu conteúdo definido pelos editais e inclui o expediente do livro (onde se dá crédito às pessoas que participaram do processo editorial), a ficha catalográfica etc. As figuras 5.19 e 5.20 (Capítulo 5) reproduzem a página de rosto e o verso da página de rosto do livro do 1º ano da Coleção Projeto ALLE – Letramento e Alfabetização Linguística, reprovadas por supostamente conter atividades de leitura que comprometem a formação leitora dos alunos.

12   A análise técnica verifica aspectos gráficos, como o formato do livro, a gramatura do papel e da capa, as falhas de impressão, o número de páginas, a presença de elementos que identificam a obra nos exemplares descaracterizados etc.

13   BRASIL. Decreto nº 7.084, de 27/jan/2010. Diário Oficial da União, 27/jan/2010. Seção 1 – Edição Extra, artigo 18, parágrafo 1º. 

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A exclusão da obra na fase de triagem não admite recurso. Este procedimento, consolida-do no parágrafo 1º do artigo 18 do Decreto nº 7.084/2010, é necessário, pois não tem sen-tido gastar os recursos do PNLD na avaliação de obras que não apresentem a documentação adequada ou não conformam com as exigências técnicas do edital. Também é justificável excluir obras reprovadas que não corrigiram os erros graves apontados em avaliação anterior. Todavia, é indispensável destacar que este último aspecto da regra pressupõe uma avaliação pedagógica de qualidade, livre de erros grosseiros. Como será demonstrado nos próximos capítulos, esta regra cria problemas insolúveis para os autores quando o relatório de repro-vação justifica a exclusão de uma obra com base em erros que podem ser de interpretação, conceituais ou até mesmo decorrentes do excesso de rigor dos avaliadores (ver Capítulo 2).

A avaliação pedagógica

As coleções didáticas que passam pela fase de triagem são enviadas pelo IPT à Se-cretaria de Educação Básica (SEB) para se submeterem à avaliação pedagógica. A SEB estabelece convênios com universidades públicas que se responsabilizam pela organização e treinamento das equipes de avaliadores pareceristas. Cada componente curricular fica sob responsabilidade de uma universidade, que nomeia um coordenador responsável. A equipe coordenadora da avaliação de cada componente curricular conta ainda com a ajuda da equipe técnico -pedagógica da SEB, de coordenadores adjuntos, assessores, revisores, redatores e até mesmo leitores críticos. Embora o número de integrantes das equipes de avaliação varie conforme o componente curricular, podemos afirmar que essas equipes reúnem cerca de 50 pessoas por área. No caso do PNLD 2010, mais de 350 especialistas das universidades foram contratados pela SEB para fazer a avaliação dos livros inscritos naquele programa. A Tabela 1.4 apresenta dados sobre as equipes de avaliação referentes aos componentes de Ciências e de Letramento e Alfabetização Linguística.

Na avaliação do PNLD 2010, o componente Ciências ficou a cargo da Universidade Federal de São Carlos, que indicou o Professor Doutor Nelson Studart (UFSCar) como coordenador responsável da área e o Professor Doutor Antônio Carlos Pavão (UFPE) como responsável técnico do PNLD. O componente Letramento e Alfabetização Lin-guística, assim como o de Língua Portuguesa, ficou sob os cuidados da Universidade Federal de Minas Gerais, cuja coordenação de área foi encarregada à Professora Doutora Ceris Salete Ribas da Silva (UFMG – CEALE), sendo o Professor Egon de Oliveira Rangel designado como o responsável técnico do PNLD desse componente curricular.

Embora o Decreto nº 7.084/2010 não estabeleça qualquer exigência curricular para os avaliadores, o FNDE e a SEB declaram, em seus sites, que os mesmos devem ser “especia-listas”. A equipe coordenadora também convida pessoas de notório saber que colaboram no treinamento e nas orientações dadas aos avaliadores. Finalmente, vale destacar que o artigo 14 do Decreto nº 7.084/2010 consolida que as universidades contratadas para a avaliação devem ser necessariamente públicas e que os integrantes das equipes avaliadoras devem ser professores de instituições de ensino superior (sem apresentar a especificação

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se as instituições a quais estão vinculados devem ser ou não públicas) e/ou professores da rede pública de ensino. O decreto reafirma a necessidade essencial de que os especialistas contratados para a avaliação não sejam prestadores de serviço ou de consultoria em edi-toras participantes do programa e, ainda, que não devem possuir cônjuge ou parente até o terceiro grau entre os titulares de direito autoral ou de edição inscritos no PNLD, ou qualquer outra situação que configure impedimento ou conflito de interesse14. O objetivo é garantir o princípio da isonomia e da livre participação que rege os programas do livro.

TA B E L A 1 . 4 Número de integrantes das equipes de avaliação

Letramento e Alfabetização* Ciências**

Equipe técnica SEB 8 8

Comissão técnica PNLD 1 1

Coordenação 5 4

Assessoria (apoio técnico) 12 1

Leitor crítico das resenhas 7 1

Redator 5 0

Revisor 11 0

Avaliadores 31 44

Total 69 59

Fonte:

* BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Guia de Livros Didáticos PNLD 2010: letramento e alfabetização/língua portuguesa. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2009, pp. 2 -8.

** BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Guia de Livros Didáticos PNLD 2010: ciências. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2009, pp. 2, 3, 4.

Os critérios da avaliação

Os critérios utilizados na avaliação pedagógica das obras inscritas no PNLD são classi-ficados em dois grandes grupos: os critérios comuns que definem os parâmetros gerais que os livros didáticos devem atender, destacando aspectos relacionados à formação cidadã dos alunos e à sua relevância enquanto instrumento transformador das práticas da sala de aula (sobretudo no que se refere às contribuições que o livro didático deve fazer à atualização dos professores); e os critérios específicos, que definem os parâmetros conceituais e didá-ticos dos livros conforme as especificidades de cada componente curricular. Em ambos os grupos, alguns critérios são considerados fundamentais e o não atendimento aos mesmos implica, necessariamente, a exclusão da obra. São os chamados “critérios fundamentais e

14   No Capítulo 7 aprofundaremos nossa reflexão sobre o assunto e, principalmente, apontaremos as limitações das exigências do Decreto nº 7.084/2010 com relação às equipes de avaliação.

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29Capítulo 1 – O PNLD e os melhores livros para a escola pública

de exclusão”. Os critérios da avaliação são definidos nos editais de cada PNLD. O edital é o documento que regulamenta o PNLD, inclusive a etapa da avaliação pedagógica.

Embora os critérios comuns e os critérios específicos sejam definidos a cada edital, eles mantiveram -se, do ponto de vista didático e conceitual, praticamente os mesmos desde o PNLD 2004, exceto por eventuais mudanças estilísticas na redação e pelo acréscimo ou modificações no número de componentes curriculares. Caso o leitor queira conferir esta afirmação, pode consultar os editais do PNLD disponíveis no site do FNDE15 e comparar as determinações que eles apresentam.

Os critérios comuns foram consolidados no artigo 19 do Decreto nº 7.084/2010. São chamados “critérios fundamentais de exclusão”, pois o não atendimento às suas demandas implica necessariamente a exclusão da obra. De um modo geral, os editais definem que deverão ser excluídas do PNLD as obras que não atenderem os seguintes critérios:

�� correção e atualização dos conceitos, das informações e dos procedimentos propostos como objetos de ensino e aprendizagem;�� coerência e adequação da abordagem teórico -metodológica da coleção;�� adequação da estrutura editorial e do projeto gráfico aos objetivos didático -pedagógicos

da coleção;�� respeito a preceitos legais e jurídicos, em particular o respeito aos princípios éticos es-

senciais à construção da cidadania, sendo terminantemente vedado veicular preconceitos de condição social, regional, étnico -racial, de gênero, de orientação sexual ou de lingua-gem, assim como qualquer outra forma de discriminação ou de violação de direitos;�� respeito ao caráter laico e autônomo do ensino público, sendo vedados a doutrinação

religiosa e o proselitismo político; e�� o caráter não comercial do conteúdo do livro didático, sendo proibido veicular publi-

cidade de qualquer natureza.

Com o propósito de poupar o leitor de um texto ainda mais longo, deixamos de apre-sentar aqui os critérios de exclusão específicos de cada componente curricular. Todavia, reafirmamos que eles permanecem praticamente os mesmos, apesar da implantação do Ensino Fundamental de nove anos.

A cada edição do PNLD, a coordenação da avaliação de cada componente curricular, composta pelos técnicos da SEB e pelos especialistas da universidade contratada para a avaliação, elabora uma “ficha de avaliação”. A ficha serve de roteiro de avaliação e contém campos que devem ser preenchidos pelos avaliadores e é utilizada por eles para justificar a aprovação ou a reprovação das obras. Pelo menos em tese, as fichas de avaliação são elabora-das a partir das informações contidas nos editais. Entretanto, temos observado no decorrer das últimas edições do programa que as fichas de avaliação apresentam termos e critérios considerados pela coordenação como fundamentais e, portanto, de exclusão – sem que os

15   FNDE: <www.fnde.gov.br/index.php/pnld -consultas> (acesso: abr/2010). Os editais também podem ser obtidos no servidor FTP do FNDE: <ftp://ftp.fnde.gov.br>. Nesse caso, o leitor deverá se conectar como “convidado” e procurar os editais na pasta “editoras”.

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mesmos tenham sido expressos previamente nos editais. Essas fichas de avaliação são man-tidas em sigilo pela SEB durante todo o processo de avaliação e só são publicadas após o encerramento da avaliação, no Guia de Livros Didáticos. Em nossa opinião, trata -se de uma medida inútil. Não há motivos para esconder dos autores e dos editores o detalhamento dos critérios da avaliação. Pelo contrário: os livros seriam aprimorados já na sua concepção e elaboração de modo a atender essas exigências, o que facilitaria muito o próprio processo de avaliação. Além disso, temos constatado que as equipes de avaliação desconsideram os termos dos editais e incluem nessas fichas critérios estranhos, e muitas vezes contraditórios, aos estabelecidos no edital. Apresentaremos uma reflexão mais ampla sobre esse assunto no próximo capítulo e também no Capítulo 7.

Os procedimentos da avaliação pedagógica

O procedimento de avaliação é relativamente simples. Cada obra é avaliada por dois avaliadores. Cada avaliador recebe um conjunto de exemplares descaracterizados da cole-ção e uma ficha de avaliação. A identidade do outro avaliador da mesma obra é mantida em segredo. A ficha de avaliação deve ser preenchida pelos avaliadores e entregue à coor-denação com seu parecer pela aprovação ou pela reprovação da coleção.

Ao emitirem seus pareceres, os avaliadores devem, conforme claramente expresso em todos os editais, levar em consideração:

�� os critérios de exclusão comuns a todas as áreas do conhecimento definidos no edital daquela edição do PNLD; e�� os critérios de exclusão específicos da área do conhecimento definidos no edital daquela

edição do PNLD.

As fichas e os pareceres dos avaliadores são, então, enviados para a coordenação do compo-nente curricular correspondente. Caso não haja consenso entre os pareceres dos dois avaliado-res, a coordenação envia mais um conjunto de exemplares descaracterizados da obra para um terceiro avaliador que repetirá o procedimento, novamente sem conhecimento da identidade dos dois avaliadores iniciais e do conteúdo dos seus pareceres. A ficha de avaliação e o parecer do terceiro avaliador são enviados para a coordenação e a decisão é, em tese, definida por maioria.

Com base nas fichas de avaliação e nos pareceres dos avaliadores, os coordenadores de área elaboram as resenhas dos livros aprovados para composição do Guia de Livros Didá-ticos e a redação do relatório de reprovação de cada obra excluída. Os editais não definem a data de publicação de cada Guia, o que gera grande ansiedade e fomenta muitas especu-lações entre autores e editores. Tampouco traz especificações sobre quando o relatório de reprovação das obras excluídas será apresentado. Infelizmente o Decreto nº 7.084/2010 não regulamentou o encerramento da etapa da avaliação e as especulações continuarão

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a existir. Isso sem mencionar as pressões que diversos grupos editoriais fazem para obter alguma informação extraoficialmente16.

O Guia de Livros Didáticos

O Guia de Livros Didáticos é o veículo de divulgação dos resultados da avaliação do PNLD para os professores das escolas participantes do programa. É também o documento oficial sobre a aprovação ou reprovação das obras para os autores e os editores. Antes de ser impresso e distribuído a todas as escolas participantes do programa, ele é postado nos sites do FNDE e do MEC. Qualquer pessoa pode ter acesso ao seu conteúdo.

Geralmente, embora existam algumas variações entre um programa e outro, o Guia de Livros Didáticos é composto por seis ou mais volumes – conforme o número de compo-nentes curriculares estabelecido no edital – e contém informações gerais sobre o programa e instruções para os professores, as escolas e as secretarias de ensino a respeito dos proce-dimentos do PNLD, além de sugestões e orientações para a escolha dos livros. Todavia, o principal conteúdo do Guia são as resenhas das obras aprovadas.

Nas primeiras edições do PNLD, as resenhas eram acompanhadas de uma classificação:

�� Obras “Recomendadas com Distinção” (RD) ou (3 estrelas)�� Obras “Recomendadas” (R) ou (2 estrelas)�� Obras “Recomendadas com Ressalvas” (RR) ou (1 estrela)�� Obras “Não Recomendadas” (NR)

No PNLD 2001, as obras não recomendadas passaram a ser excluídas e, portanto, não mais constaram do Guia de Livros Didáticos. Em 2004, abandonou -se o sistema de estrelas, mas as obras continuaram a ser classificadas em “Recomendadas com Distinção”, “Reco-mendadas” ou “Recomendadas com Ressalvas”. A partir do PNLD 2007, abandonou -se a classificação das obras aprovadas como um todo.

O principal argumento utilizado pela SEB para a eliminação da classificação dos li-vros foi que os professores tendiam a se orientar predominantemente pela classificação, deixando a leitura das resenhas em segundo plano. Do nosso ponto de vista, o argumen-to é fraco. A verdade é que muitas obras “Não recomendadas” ou “Recomendadas com Ressalvas” tiveram vendas superiores à venda da maioria das obras “Recomendadas” ou “Recomendadas com Distinção”, o que se revelou bastante constrangedor para a equipe da avaliação e para a própria SEB. Não é à toa que temos a impressão de que a afirmação de que os professores não leem as resenhas surgiu de boatos oriundos das próprias univer-

16   Desde 2007 a Editora Sarandi comunica à SEB e ao FNDE que não é mais associada à ABRELIVROS e que as infor-mações passadas à ABRELIVROS não chegam ao nosso conhecimento. Entretanto, a SEB-MEC e o FNDE insistem em manter encontros regulares com essa organização para divulgar as novidades de cada programa. Surge uma grande dúvida: a ABRELIVROS é o canal oficial de divulgação dos programas do livro do Governo Federal? A interlocução com as editoras é feita apenas por meio da ABRELIVROS? Por que a ABRELIVROS é a interlocutora privilegiada pela SEB e pelo FNDE? Como fica o princípio da isonomia entre as editoras que participam do PNLD?

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sidades responsáveis pela avaliação (afinal, não temos notícia de pesquisas amplas e obje-tivas sobre o assunto). Outro fator que, a nosso ver, também contribuiu para o abandono da classificação foi a pressão de grandes editoras, cujas principais obras não recebiam as melhores classificações e isso refletia nas vendas para as escolas particulares. Não foi por acaso que as grandes editoras celebraram, discretamente, o fim da classificação.

A partir do PNLD 2007, portanto, o Guia de Livros Didáticos passou a incluir apenas as resenhas das coleções aprovadas. Nas resenhas, os professores encontram uma breve des-crição do conteúdo de cada obra, assim como da sua organização. Geralmente as resenhas destacam informações do sumário, sem contudo apresentá -lo integralmente, e das seções internas de cada obra. O cerne de cada resenha são os comentários a respeito dos princi-pais critérios da avaliação, tanto os critérios comuns como os específicos. São destacadas as qualidades das obras com relação à cidadania, à formação do professor, o respeito aos princípios éticos – por exemplo. Também são qualificadas as opções teóricas e metodoló-gicas, destacando -se o atendimento (ou não) dos aspectos mais importantes da avaliação especificados (ou não) no edital. Há longos trechos sobre como deve ser feita a escolha, inclusive com orientações práticas para a realização de reuniões, encaminhamento das discussões e análise das resenhas.

Interessante destacar que, como todo livro – sobretudo os didáticos, como assinalamos anteriormente – apresenta limitações e muitas vezes problemas, a coordenação da ava-liação procura elaborar resenhas críticas, nas quais são comentados os aspectos positivos e também os aspectos negativos de cada obra. Entretanto, essa dupla função somada à narrativa hermética construída a partir de termos técnicos – as resenhas são feitas por especialistas das universidades que nem sempre conhecem a realidade do professorado e, principalmente, possuem um discurso por demais formal, acadêmico – resulta em um material complexo, com muitas referências teóricas não explícitas (o Guia sequer apresenta bibliografia para situar os professores acerca das bases teóricas e didáticas da avaliação!). São muitas as reclamações dos professores sobre a dificuldade de compreender as informa-ções das resenhas e, principalmente, sobre a dificuldade de utilizá -las na escolha dos livros. Discorreremos mais sobre esse assunto no Capítulo 7.

A divulgação

A divulgação é uma etapa executada pelas editoras com o objetivo de convencer pro-fessores, escolas e até redes de ensino inteiras a adotarem suas obras. Embora os editais do PNLD não apresentem nenhuma exigência quanto à distribuição de livros de divulgação, essa é uma prática tão arraigada que o Guia de Livros Didáticos PNLD 2010 prevê, em suas orientações sobre como escolher os livros, que os professores tenham em mãos os livros di-dáticos na hora da escolha e façam uma avaliação direta dos mesmos com base nas “fichas

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de avaliação”, confrontando as suas conclusões com as informações presentes na resenha das obras aprovadas17!

Toda editora que participa do PNLD sabe que o principal fator de convencimento do professor é o livro propriamente dito. Logo, o principal meio de propaganda é o envio de livros de divulgação para as maiores escolas urbanas e para as secretarias estaduais e municipais de educação. Os livros distribuídos na divulgação são os manuais do pro-fessor, uma exigência determinada pelos editais e pela Portaria Normativa nº 7/200718 estabelecida pelo MEC. A divulgação do Manual do Professor é bastante pertinente, pois esse livro é formado pelo Livro do Aluno e por uma parte específica na qual os autores explicitam sua proposta didático -pedagógica, fornecem informações complementares, oferecem sugestões de encaminhamentos, dão as respostas das atividades propostas aos alunos etc.

É claro que a maioria das editoras investe mais na divulgação das obras que conside-ram mais vendáveis, mesmo que estas não sejam as mais bem avaliadas. Uma divulgação “modesta” distribui cerca de 15 mil coleções. A “moderada” sobe para algo próximo de 25 mil coleções. A divulgação mais “forte” pode ultrapassar 35 mil coleções. Geralmente, as coleções de divulgação são enviadas para as maiores escolas urbanas participantes do PNLD. Secretarias municipais e estaduais de educação também recebem livros de divulga-ção. Nesse caso, as editoras esperam que os técnicos das secretarias encaminhem os livros de divulgação para as escolas com menor número de alunos, sobretudo aquelas que se localizam em bairros mais distantes dos centros urbanos, como as escolas rurais ou escolas de aldeias indígenas. Essa expectativa é informal, pois a divulgação dos livros é responsa-bilidade das editoras e não dos órgãos públicos.

Os custos dessa estratégia de divulgação são enormes. Por exemplo, num PNLD para os anos iniciais do Ensino Fundamental, uma editora que tem apenas uma coleção aprova-da por componente curricular (sem contar o componente Língua Estrangeira Moderna), terá que divulgar sete coleções que somam 22 livros19. Se essa editora decidir fazer uma divulgação “moderada”, terá de imprimir cerca de 550 mil livros! Mas não para por aí. Os livros precisam ser distribuídos por todo o país, consequentemente, os gastos com a dis-tribuição podem se igualar ou ultrapassar o custo de impressão, dependendo da logística adotada ou do meio postal utilizado (transportadora ou correio).

17   Na página 145 do Guia de Livros Didáticos PLND 2010 – Letramento e Alfabetização Linguística, a equipe de coor-denação desse componente curricular orienta os professores a fazerem suas escolhas com base na análise direta dos livros aprovados. Essa recomendação pressupõe que todas as editoras participem da etapa de divulgação por meio da distribuição gratuita de exemplares. Ora, essa distribuição gratuita não é uma exigência do FNDE. Em nenhum dos edi-tais publicados até o momento é exigido das editoras que apresentem exemplares gratuitos para que os professores possam fazer suas escolhas. Tampouco o Decreto nº 7.084/2010 traz especificações sobre o assunto. Esse tema merece ser regulamentado e, na nossa opinião, o ideal seria que as obras aprovadas fossem divulgadas única e exclusivamente por meio eletrônico, via Internet ou livro eletrônico (CD -ROM). Isso tornaria a divulgação menos dispendiosa para as editoras e também para as escolas e secretarias de educação, que acumulam um número espantoso de livros da propa-ganda sem que possam descartá -los facilmente.

18   FNDE. Disponível em: <http://www.revistajuridica.com.br/content/legislacao.asp?id=38858> (acesso: jun/2010).

19   Letramento e Alfabetização Linguística (coleção formada por 2 livros), Alfabetização Matemática (2 livros), Lín-gua Portuguesa (3 livros), Matemática (3 livros), Ciências (4 livros), História (4 livros) e Geografia (4 livros).

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Nas primeiras edições do PNLD praticamente não havia regras para a divulgação. As grandes editoras enviavam centenas de divulgadores às escolas para fazer pessoalmente a entrega dos livros de divulgação aos diretores e professores. Ou, então, mandavam seus divulgadores às secretarias de ensino e seus escritórios regionais, entrando em contato diretamente com supervisores e coordenadores. De forma geral, os divulgadores de edi-toras ganham salários baixos complementados com uma comissão sobre as vendas (na realidade, são vendedores comuns, muitos deles tendo atuado em segmentos tão distintos como os de tecnologia ou cosméticos). Essa forma de remuneração revela -se na prática um grande incentivo ao “vale -tudo”. Como consequência da falta de regramento e da relação resultado de venda/comissão, a presença do divulgador interferia na rotina e no ambiente escolar, transformando um espaço público de estudo num verdadeiro “mercadão”. Brindes e ofertas de todas as naturezas eram comuns, assim como outras práticas condenáveis de concorrência selvagem e até desleal.

As editoras também promoviam cursos e palestras de capacitação de professores com a participação dos seus autores mais preparados e capacitados. Algumas delas prosse-guem promovendo esse tipo de evento. É sempre interessante conhecer o autor de um livro, nós mesmos participamos em diversas ocasiões de encontros com professores. Essas palestras podiam ser bastante úteis e informativas e agradar aos docentes. Por outro lado, era comum entre as editoras realizar eventos de propaganda disfarçados de “palestras” ou “cursos”. Esses eventos eram verdadeiros “malhos de venda” feitos por “educadores” sem qualquer relação com os livros divulgados. Em certos casos, essas “palestras” ocasionavam até mesmo a interrupção das aulas e a dispensa dos alunos, o que para nós sempre foi inaceitável e motivo de desgosto. Afinal, não é nada correto utilizar o espaço público de uma escola para fazer propaganda comercial. Também não é justo com os alunos e seus familiares suspender as aulas para que os professores recebam “malhos de venda”.

A verdade é que a divulgação demandava uma regulamentação. As primeiras medidas foram tímidas, até que, em 2005, o Ministro da Educação, Professor Fernando Haddad, decidiu dar um basta na “esbórnia” e publicou a Portaria nº 2.963/200520 estabelecendo as Normas de Conduta para execução dos programas do livro. Esta resolução representou, na nossa opinião, um dos maiores avanços na história do PNLD – atrás apenas da univer-salização (atendimento de todas as escolas públicas do país) e da ampliação (atendimento de todo o Ensino Fundamental e Médio) do programa.

A Portaria nº 2.963/2005 proibiu a distribuição de brindes de qualquer natureza, a presença dos divulgadores nas escolas e a realização de palestras no espaço escolar. Tam-bém restringiu o material de divulgação a um catálogo com a descrição das coleções e a livros idênticos aos manuais do professor. Entre outras medidas relevantes, destacamos a exigência de que o material de divulgação só poderia ser enviado às escolas por via postal. A Portaria nº 2.963/2005 também definiu as condutas esperadas de escolas e sistemas públicos de ensino. Em suma, foi uma medida necessária, forte e corajosa.

20   FNDE. Disponível em: <ftp://ftp.fnde.gov.br/web/resolucoes_2005/por2963_29082005.pdf> (acesso: jun/2010).

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A Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (ABRELIVROS), entidade que reúne as maiores editoras de livros didáticos do Brasil, reagiu com intensidade. Insistia em manter a “livre concorrência” e a “desregulamentação” da divulgação, com ênfase na permissão da presença dos divulgadores nas escolas. Usou a imprensa, encomendou pes-quisas, fez pressão parlamentar. Felizmente, o MEC e o FNDE resistiram. A Portaria nº 2.963/2005 revelou -se um remédio eficaz que beneficiou a educação, de uma forma ge-ral, e abriu espaço para pequenas editoras participarem do PNLD. A Editora Sarandi, por exemplo, participou do PNLD 2007, o primeiro sob a nova regulamentação, e conseguiu atingir cerca de 6% das vendas nos dois componentes curriculares nos quais inscreveu e aprovou suas duas coleções21. Desde então, as normas foram aperfeiçoadas22 e consolidadas no artigo 4º do Decreto nº 7.084/2010.

A escolha do livro didático no PNLD

A escolha do livro didático no PNLD é feita por escola. Os alunos de uma escola re-cebem livros de apenas uma coleção por componente curricular. Trata -se de um avanço, pois em suas primeiras edições os professores faziam suas escolhas por série e os alunos de uma mesma escola estudavam, por exemplo, Matemática em livros de autores e editoras distintos. Não havia coerência entre a proposta de ensino de um ano e outro. Desde 2004, a escolha de cada coleção por área (ou componente curricular) deve refletir as opções di-dáticas, pedagógicas e curriculares da instituição escolar. Em vista desta peculiaridade, os editais do PNLD estimulam que cada escola realize uma escolha democrática, colegiada, da qual participem o seu corpo docente e os seus dirigentes.

Cada escola deve indicar a sua primeira opção de obra por cada componente curricu-lar e também um segundo título como segunda opção, sendo que a primeira e a segunda opção de cada componente devem ser necessariamente de coleções pertencentes a editoras diferentes. A indicação de duas opções é importante para dar aos negociadores do FNDE alguma margem de negociação do preço dos livros com as editoras. Na prática, as escolas recebem sempre (salvo raríssimas exceções), os livros marcados em primeira opção.

Embora os editais estabeleçam que a escolha dos livros deva ser feita pela escola, ga-rantindo maior autonomia à unidade escolar, são comuns os casos de escolhas unificadas por delegacias de ensino ou até mesmo por município. Não existem impedimentos legais

21   “Editores menores vendem mais ao governo federal” é o título da notícia veiculada no jornal Valor Econômico sobre as vendas do PNLD 2007 realizadas no ano de 2006 (edição de 18/out/2006, em matéria assinada por Tainã Bis-po). O impacto da regulamentação da divulgação foi imediato, garantindo uma concorrência mais equânime entre as pequenas e grandes editoras participantes daquele programa. A matéria destaca que “[…] a regulamentação de uma das etapas do processo – período de 40 dias em que os professores e diretores escolhem os títulos – ocorreu devido ao número de reclamações. ‘Havia situações de denúncias, principalmente da interferência das editoras nessa fase’, diz Silvério Moraes da Cruz, presidente da Comissão de Julgamento dos Programas do Livro do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)”. A versão completa da matéria está disponível no site da ABRELIVROS: <http://www.abrelivros.org.br/abrelivros/01/index.php?option=com_content&view=article&id=1531:editoras -menores -vendem -mais -ao -governo -federal&catid=1:noticias&Itemid=2> (acesso: maio/2010). 

22   Portaria nº 806/2006 e Portaria Normativa nº 7/2007.

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para este procedimento, seja nos editais publicados até o momento ou mesmo no Decreto nº 7.084/2010. Também não é possível condenar esta prática a priori. Do ponto de vista didático, trata -se de um tema que merece reflexão. Afinal, se por um lado é importante incentivar a autonomia das escolas, por outro também é interessante garantir uma pro-posta de ensino mais homogênea, o que ajudaria a solucionar questões como a avaliação das aprendizagens dos alunos e do rendimento do trabalho dos professores. Mas esse é um tema que, no nosso entender, o MEC delega às instâncias estaduais e municipais – com toda razão. Todavia, é preciso considerar que os números envolvidos nas vendas de livros para o governo são altos e representam, na dura realidade da nossa sociedade, um forte incentivo para uma ação mais intensa dos grandes grupos editoriais, sobretudo aqueles que ainda mantêm equipes de divulgadores e/ou representantes espalhadas por todo o país. Como ainda não há uma regulamentação e tampouco qualquer impedimento para a ação dessas equipes nas secretarias de educação (sejam elas municipais ou estaduais), nas dele-gacias de ensino ou ainda nas residências particulares dos dirigentes escolares(!), as vendas “fechadas” devem sempre ser analisadas com maior atenção por todos nós.

Mecanismo da escolha

Nas primeiras edições do atual modelo do PNLD as escolhas eram feitas em planilhas onde se colavam etiquetas autoadesivas com os códigos de barra das coleções em locais predeterminados conforme o componente curricular e a opção (primeira ou segunda). Cada escola recebia um conjunto de planilhas e de etiquetas autoadesivas com os códigos de barra das coleções incluídas no Guia de Livros Didáticos.

O corpo docente de cada escola deveria então iniciar o processo de análise das rese-nhas do Guia de Livros Didáticos e dos livros de divulgação enviados pelas editoras – caso tivessem recebido exemplares de divulgação das editoras, é claro. Ao final do processo de escolha, as etiquetas das coleções democraticamente escolhidas em primeira e segunda opção deveriam ser coladas nos locais apropriados da planilha. Estas eram, então, enviadas pelo correio ao FNDE onde os resultados eram tabulados e se calculava a demanda de cada título, com base no número de alunos levantado pelo censo escolar do ano anterior.

Os problemas gerados por este sistema eram consideráveis. Embora nossa experiência sobre o assunto seja limitada, frequentemente chegavam -nos reclamações de divulgadores relacionadas às mudanças de escolha de última hora e até mesmo à adulteração das plani-lhas23 das escolas que atendiam. Uma parcela significativa dos professores reclamava aber-tamente que não recebia os livros que havia escolhido. Funcionários do FNDE relatavam que era comum encontrar, nas planilhas, etiquetas coladas nos campos errados; campos sem etiquetas; etiquetas caídas, soltas, dobradas etc. Não temos como estimar a veracidade desses relatos ou a extensão do problema, mas o descontentamento de uma parcela dos

23   Os divulgadores representavam uma fonte de denúncia constante sobre possíveis fraudes no preenchimento das planilhas de escolha, sobretudo quando verificavam que o pedido das obras que haviam recomendado (ou “fechado” com os dirigentes das escolas que atendiam) não se confirmava. Não temos notícias sobre a averiguação da veracidade dessas denúncias dos divulgadores por parte das editoras e tampouco do MEC.

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professores era claro e os rumores de fraudes frequentes – mas não temos notícias de que qualquer um deles tenha sido confirmado.

Ainda nas primeiras edições do PNLD foi introduzida a opção de escolha pela Internet, num sistema híbrido com opção de escolha física (planilhas e etiquetas) ou eletrônica. A escolha pela Internet era feita por meio de um programa específico e autenticada por uma senha exclusiva da escola, entregue ao diretor. A verdade é que o processo ficou um pouco mais rápido, mas os problemas antigos persistiram e ainda surgiram outros, como denúncias de venda de senhas a divulgadores e até casos de escolas que fizeram duas escolhas, uma por meio da planilha e outra pela Internet, mas com indicação de coleções distintas em cada caso.

O FNDE fez diversas modificações para aperfeiçoar o processo e incentivou a escolha eletrônica em detrimento da física para ganhar velocidade e confiabilidade. Mesmo assim, nem todos os problemas foram resolvidos. Em 20 de novembro de 2007, a ABRELIVROS denunciou ao Ministro da Educação fato averiguado por meio de pesquisa feita em 190 escolas que indicava uma alta incidência de escolas que receberam livros diferentes dos que haviam escolhido, o que seria um indício de manipulação dos resultados da escolha do PNLD 2008 em favor de uma certa editora24. O Ministro Fernando Haddad imedia-tamente instaurou uma sindicância para apurar a denúncia. Concluída a investigação, verificou -se que a maioria das escolas pesquisadas não havia sequer feito a escolha pois haviam enviado suas planilhas fora do prazo ou errado o preenchimento das planilhas. Algumas escolas, inclusive, não finalizaram a escolha pela Internet e sequer se deram conta de que, assim sendo, não tinham concluído as suas solicitações. Essas escolas receberam as coleções mais vendidas no seu município, conforme previa a regra vigente25. A sindicância também apurou que as poucas escolas pesquisadas que fizeram corretamente a escolha receberam as coleções de sua primeira opção. Constatou -se, portanto, que a denúncia da ABRELIVROS não procedia.

Em duas oportunidades, uma em 2007 e outra em 2008, nós sugerimos ao Diretor de Ações Educacionais do FNDE uma medida simples para dar transparência ao pro-cesso de escolha dos professores e facilitar a apuração de denúncias como as feitas pela ABRELIVROS: exigir que as escolas registrassem a escolha em ata formal, assinada pelos participantes do processo de escolha e arquivadas pela direção da escola por um período de cinco anos. Em diversas reuniões da ABRELIVROS sugerimos que esta proposta fosse

24   A pesquisa feita pela ABRELIVROS foi amplamente divulgada na mídia logo após a comunicação de seus resul-tados ao MEC. O jornal Folha de S.Paulo [online], por exemplo, publicou matéria sobre o assunto no próprio dia 21 de novembro do mesmo ano, sob o título “MEC irá apurar denúncia de fraude na compra de didáticos”, disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u347225.shtml> (acesso: maio/2010). Ou seja, a ABRELIVROS fez a denúncia ao Ministro e divulgou o que seria, em tese, uma suspeita para a imprensa que logo tratou de dar a notícia como fato comprovado! Caso o leitor queira obter mais informações sobre esse episódio, a própria ABRELIVROS man-tém no clipping do seu site uma coletânea de matérias sobre o assunto. Disponível em: <http://www.abrelivros.org.br/abrelivros/01/index.php?option=com_content&view=article&id=2006:escolas -recebem -livro -nao -selecionado&catid=1:noticias&Itemid=2> (acesso: maio/2010).

25   Os resultados da auditoria realizada pelo MEC sobre as denúncias da ABRELIVROS foram publicados no Portal de Notícias do MEC em mais de uma ocasião, destacando a ausência de irregularidades naquele PNLD e isentando o grupo editorial colocado em suspeita de fraude pela ABRELIVROS e pela imprensa de modo geral. O site da ABRELIVROS não noticiou dados sobre os resultados dessa sindicância e os jornais publicaram notas breves e discretas sobre o assunto. Disponível  em:  <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&interna=1&id=9603>  (acesso: maio/2010).

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feita em nome da associação, mas não tivemos sucesso. Em dezembro de 2007 a Editora Sarandi desligou -se da ABRELIVROS por discordar dos seus métodos e da sua conduta.

A partir do PNLD 2010, os editais determinam que a escolha dos livros só pode ser feita pela Internet26 e a direção da escola deve oficializar a reunião que definiu a seleção dos livros por meio de um documento denominado “Registro da Reunião da Escolha”, assinado pelos participantes da escolha, no qual devem constar as coleções selecionadas em primeira e segunda opções e o “Comprovante de Escolha” feito pela Internet. Ambas as medidas são, ao nosso ver, corretas e representam avanços significativos para o PNLD, em particular para inibir desvios de conduta nesta etapa do programa e facilitar a apuração de eventuais denúncias.

A negociação e a aquisição

Concluída a etapa de escolha dos livros didáticos, o FNDE faz a compilação dos pe-didos das escolas e, com base no censo escolar, define as quantidades de cada título. As editoras são informadas dos quantitativos e convidadas para a negociação dos valores que serão pagos pelo FNDE às obras adquiridas.

O FNDE baseia essa negociação no número total de cadernos tipográficos que serão adquiridos de cada editora. Um caderno tipográfico corresponde a um bloco de 16 pá-ginas. Portanto, um livro com 160 páginas tem 10 cadernos tipográficos. Para efeitos de negociação, considera -se mais um caderno tipográfico para cobrir os custos da capa e da encadernação. Logo, um livro de 160 páginas será negociado como 11 cadernos tipo-gráficos. Se a demanda para esse livro for de 100 mil exemplares, o FNDE computará 1,1 milhão de cadernos tipográficos.

O total de cadernos tipográficos indica a quantidade de papel que a editora terá que com-prar para imprimir os livros encomendados. Pequena quantidade de cadernos tipográficos significa pouco papel. O preço do papel varia muito conforme o tamanho do pedido junto aos fornecedores. Grandes quantidades de papel (acima de 25 toneladas de papel off -set 75g/m2 e seis toneladas de cartão 250g/m2) são compradas diretamente dos fabricantes a preços muito menores do que os valores do mercado varejista. Quantidades menores só são comercializadas por distribuidores varejistas que embutem no preço do papel o custo financeiro, de transporte e armazenagem, além do seu lucro. Logo, as editoras que com-pram menos papel gastam mais dinheiro (pois pagam mais) do que aquelas que compram muito. O custo final dos livros dessas editoras, consequentemente, é maior.

A negociação também leva em conta o número total de títulos negociados e a tiragem média dos títulos. Cada título corresponde a uma “entrada em máquina”, ou seja, a prepa-

26   O  leitor pode encontrar uma explicação detalhada e didática do  funcionamento do sistema de escolha pela Internet na apresentação de L. S. Nascimento denominada “Instruções Gerais – Registro da Escolha para o PNLD 2010 Passo a Passo”. O arquivo, em formato PDF, está disponível em <ftp://ftp.fnde.gov.br/web/livro_didatico/12_encon-tro_nacional_livro_didatico/palestra_luciana_serra.pdf> (acesso: abr/2010).

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ração e o ajuste da impressora rotativa para a impressão dos livros. A “entrada em máqui-na” é um processo demorado, improdutivo e que consome muito papel até que se obtenha o ajuste necessário para a impressão. Nos títulos com tiragem alta, a “entrada em máquina” é amortizada e proporcionalmente pequena no custo total de impressão. O oposto ocorre com os títulos de tiragem baixa.

A negociação é dura e feita com cada editora individualmente. Ela começa com a editora com maior demanda de cadernos tipográficos e segue em ordem decrescente. O que se negocia é o valor que será pago pelo FNDE por caderno tipográfico adquirido. Em função dos fatores de custo descritos anteriormente, o valor pago por caderno tipográfico pode variar muito: é baixo para as editoras com grandes vendas e alto para as editoras que vendem pouco. A negociação no PNLD 2009 ilustra essa questão (Tabela 1.5).

Embora os valores absolutos pagos às editoras pelo FNDE sejam altos, o valor estipula-do para cada livro é muito baixo quando comparado com o preço dos livros didáticos nas livrarias. Por exemplo, em 2009, os preços de livraria dos mesmos livros didáticos adqui-ridos no âmbito do PNLD variavam entre R$ 45,00 e R$ 60,00, enquanto que o preço médio pago pelo FNDE foi de R$ 5,00 – cerca de 10 vezes menos. Visto desta perspectiva, pode parecer que a venda de livros didáticos não é bom negócio para as editoras e que re-munera mal os autores, interpretação que até já virou “lenda” no meio editorial. A verdade é outra: o PNLD é ótimo negócio para as editoras em função das enormes proporções das aquisições.

A aquisição dos livros é feita por inexigibilidade de licitação, prevista nos termos da Lei nº 8.666/93, uma vez que a escolha é feita diretamente pelos professores. O pagamento dos livros às editoras é feito por etapas contra comprovação de cumprimento das entregas previstas no contrato assinado com as editoras.

Com a palavra o autor.indb 39 20/07/2010 19:47:39

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40 Com a palavra, o autor

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41Capítulo 1 – O PNLD e os melhores livros para a escola pública

A distribuição do livro didático

A distribuição dos livros é feita pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). O FNDE informa às editoras como deverão ser feitas e organizadas as encomendas (títulos e quantidades enviadas a cada endereço e agrupamento das encomendas por unidade centrali-zadora da ECT).

Toda a etapa de produção e logística de distribuição é supervisionada pelo FNDE que, junto com técnicos do IPT/SP, recolhem amostras aleatórias dos livros produzidos para a realização de testes de controle de qualidade. Esse controle de qualidade pós -venda é fun-damental. Afinal, houve um tempo em que os alunos recebiam livros com problemas de impressão que impediam a leitura do texto, páginas invertidas que comprometiam o uso do livro etc. Além disso, as editoras devem cumprir os cronogramas de entrega mínima para não se sujeitarem a pesadas multas contratuais. Os livros geralmente chegam nas es-colas bem antes do início das aulas, com raras exceções. Acabou -se, assim, a época do livro não chegar a tempo na escola por culpa do fornecedor.

O controle da qualidade gráfica

O FNDE mantém contrato com o IPT/SP para realizar análises técnicas das caracte-rísticas físicas dos livros que serão distribuídos para as escolas antes mesmo de saírem das gráficas. Trata -se de uma ação que visa garantir a qualidade do produto final que chegará nas mãos dos alunos e dos professores. Os parâmetros dessa análise são definidos por normas técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e o controle é feito por meio de amostragem. Os técnicos do MEC, do IPT e do FNDE podem recolher, a qualquer momento, amostras aleatórias dos livros que serão distribuídos e confrontar a qualidade de sua impressão, a fidelidade do seu conteúdo, as suas características físicas etc. com as informações presentes nos livros entregues pelas editoras ao IPT, no ato da inscrição, para comporem o conjunto dos chamados “livros -testemunho”. Esses livros--testemunho são arquivados pelo IPT durante os três anos de duração de cada edição do PNLD e servem como um documento oficial de controle. Caso as amostras apresentem defeitos ou incompatibilidades (denominadas “não conformidades”), a editora é conside-rada infratora e ficará sujeita a penalidades que variam de uma simples advertência (no caso de pequenas falhas em uma ou poucas amostras) a pesadas multas no caso de defeitos graves ou em grande número de amostras. Para nós, trata -se de uma etapa fundamental que demonstra o zelo que o FNDE e o MEC têm para com o livro didático. Fica evidente que o PNLD, portanto, não é apenas um mero programa assistencialista como afirmam muitos “especialistas”27, mas efetiva -se como um dos instrumentos das políticas públicas voltadas para a melhoria da educação.

27   FREITAG, B. O livro didático em questão. São Paulo: Editora Cortez, 1989.

Com a palavra o autor.indb 41 20/07/2010 19:47:40

Page 42: Com a palavra o autor

42 Com a palavra, o autor

ReferênciasBISPO, T. Editores menores vendem mais ao governo federal. Valor Econômico, 18/out/2006.

BRASIL. FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO. Relatório de gestão do FNDE: exercício de 2008. Brasília: FNDE, 2009.

BRASIL. Decreto nº 7.084, de 27/jan/2010. Diário O�cial da União, 27/jan/2010. Seção 1 – Edição Extra.

BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Guia de Livros Didáticos PNLD 2010: letramento e alfabetização/língua portuguesa. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2009.

BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Guia de Livros Didáticos PNLD 2010: ciências. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2009.

BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Guia do Livro Didático 2007: alfabetização. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2006.

BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Guia do Livro Didático 2007: ciências. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2006.

FOLHA DE S.PAULO. MEC irá apurar denúncia de fraude na compra de didáticos. Folha de S.Paulo [online], 21/nov/2010.

FREITAG, B. O livro didático em questão. São Paulo: Editora Cortez, 1989.

PEREIRA, C. 103 milhões de livros didáticos. Revista Veja [online], ed. 2.104, 18/mar/2009.

Com a palavra o autor.indb 42 20/07/2010 19:47:40

Page 43: Com a palavra o autor

CAPÍTULO

2A avaliação do livro didático: importância e problemas

Praticamente todos os livros, não importa o seu tema ou a sua natureza (literária, científica, jornalística etc.), possuem algum tipo de erro. A edição de um livro de-

pende da intervenção de diversas pessoas que atuam com uma mesma meta (publicar o livro), mas com objetivos imediatos distintos (ter ideias, corrigir ideias, ilustrar o texto, vender etc.): autor, editor, preparador de texto, revisor, diagramador e técni-co da gráfica. Os erros podem acontecer em todas as etapas de edição: na escrita dos originais e, em particular, na preparação do original para edição e na etapa de revisão. Existem erros de-correntes do trabalho de diagramação e, inclusive, de impressão.

Obras didáticas são particularmente suscetíveis a erros devido à grande quantidade de informação que apresentam, à variedade dessa informação e ao grande número de fotografias, ilustrações, tabelas e gráficos que utilizam. Para minimizar a ocorrência de erros, o processo de edição de livros didáticos passa por, pelo menos, três revisões visando à identificação e à correção de erros antes do “fechamento” dos arquivos digitais que serão utilizados para a impressão da obra.

Também contribui para a ocorrência de erros em livros didá-ticos o fato de estas obras abordarem conceitos básicos de gran-

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Com a palavra, o autor44

des áreas do conhecimento. É difícil imaginar que um autor (ou um pequeno grupo de autores) tenha domínio teórico sobre todo o universo de assuntos abrangidos em uma co-leção didática. Esse quadro é particularmente complicado no caso dos livros de Ciências, História e Geografia, pois há a necessidade de lidar com conceitos complexos utilizando--se uma linguagem simples. Por isso, é comum que autores e editoras enfrentem essas dificuldades recorrendo a especialistas que atuam como consultores e leitores críticos para revisão de aspectos didáticos e conceituais. Para nós, a experiência de escrever livros para os anos iniciais do Ensino Fundamental revelou -se um desafio intelectual bem mais difícil e exigente do que a escrita de teses de pós -graduação. Esta nossa opinião é compartilhada por todos os autores de livros didáticos oriundos dos meios acadêmicos com quem con-versamos, inclusive por aqueles que já atuaram como avaliadores.

O PNLD impõe dificuldades adicionais aos autores e às editoras de livros didáticos. Os editais preveem prazos muito curtos e podem conter exigências imprevistas. O Edital do PNLD 2010, por exemplo, trouxe várias inovações:

�� exigência de conformidade com o novo acordo ortográfico da Língua Portuguesa, mes-mo antes da consolidação da nova ortografia1;�� livros não consumíveis para os alunos do 2º ano (antiga 1ª  série) nos componentes

Ciências, Geografia e História2;�� redução de quatro para três livros para as coleções dos componentes de Língua Portu-

guesa e Matemática3; e�� compra de coleções para dois novos componentes curriculares (Letramento e Alfabeti-

zação Linguística e Alfabetização Matemática) para alunos do 1º e 2º anos, compostas por dois livros consumíveis4.

O prazo dado aos autores e às editoras para realizar todas as modificações exigidas foi de apenas 120 dias. Isto significa que os livros tiveram que ser inteiramente redigitados, diagramados e revisados novamente. Além dos volumes que deixaram de ser consumíveis exigirem novos textos e atividades. No nosso caso, foram mais de 3 mil páginas alteradas (Livro do Aluno e Manual do Professor de 4 coleções) em apenas 120 dias!

As normas que regem o PNLD reconhecem que a ocorrência de erros é inerente ao processo editorial. Tanto é que prevê a aprovação de livros que contenham pequenos erros, desde que estes erros não comprometam a formação do estudante. O cuidado com a com-pra de livros sem erros graves ou com o menor número possível de erros já seria suficiente para justificar a avaliação no âmbito do PNLD. Mas a importância da avaliação do livro didático é muito maior do que a de um revisor, um filtro contra erros pontuais.

1   A Academia Brasileira de Letras ainda não havia sequer publicado o novo Vocabulário Ortográfico da Língua Por-tuguesa.

2   Nos programas anteriores, os livros destinados à 1ª série de todos os componentes curriculares deveriam ser con-sumíveis.

3   Para atender aos alunos do 3º ao 5º ano (antigas 2ª a 4ª séries).

4   O atual 1º ano corresponde ao último ano da antiga Educação Infantil (alunos geralmente com 5 a 7 anos de idade) e o 2º ano à antiga 1ª série.

Com a palavra o autor.indb 44 20/07/2010 19:47:40

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Capítulo 2 – A avaliação do livro didático: importância e problemas 45

A avaliação do livro didático no PNLD é resultado de um imenso esforço por parte do Estado para convergir em políticas públicas voltadas para a melhoria da educação bra-sileira. Essa convergência sempre foi e ainda é um ponto crucial para qualquer governo, resultado de um longo e moroso processo regulado por intensas e árduas negociações entre os diferentes atores envolvidos, muitas vezes com interesses conflituosos e divergentes. Mas, até mesmo um leigo em educação e em política pública pode facilmente concluir que de nada adianta investir na formação dos professores se não lhes são dadas boas condições materiais para realizar o seu trabalho. O livro didático, na nossa opinião, insere -se no conjunto das condições materiais que o Estado proporciona aos professores e aos alunos do sistema público para ensinar e aprender. O contrário também pode acontecer: bons livros combinados com falta de atualização dos docentes podem resultar, no mínimo, em desperdício de recursos públicos.

Como já discorremos na introdução deste livro, a implantação da avaliação conceitual e pedagógica dos livros didáticos no contexto do PNLD foi decorrente de importantes acontecimentos no âmbito da educação: a Conferência Mundial de Educação para Todos, o Plano Decenal de Educação para Todos e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) – dentre outros. A compreensão de que o livro didático distribuído às escolas públicas do país deveria refle-tir os valores do novo Estado democrático que ressurgia após os anos de ditadura represen-tou um grande avanço na educação. Desde então, a avaliação do PNLD exige que o livro didático vá além de mero instrumento para informar de fatos e conceitos e efetive -se como instrumento transformador de realidades, ou seja, como um meio para que os alunos de-senvolvam as capacidades que lhes permitam produzir e usufruir dos bens culturais, sociais e econômicos (MEC, 1997). O livro didático não pode veicular e reforçar preconceitos de qualquer natureza. Pelo contrário, deve promover o diálogo, o respeito entre os gêneros, a diversidade étnica, a pluralidade e o convívio de ideias. Simultaneamente, o livro didático deve conter informações corretas, atualizadas e relevantes dentro de uma proposta didática e pedagógica coerente e consistente, que seja útil para aluno e professor. Estes objetivos são claramente descritos em todos os editais do PNLD. Foram esses valores maiores que nortearam as primeiras avaliações didáticas e conceituais do PNLD e ainda determinam, com algumas variações, os critérios específicos da avaliação até os dias de hoje.

Como cidadãos, concordamos com esses valores e, por isso, sempre defendemos a ava-liação dos livros didáticos. O livro didático não é uma mercadoria qualquer e não deve ser tratado como tal, nem mesmo no mais selvagem regime capitalista. A publicação de alguns trabalhos acadêmicos nos anos 1980 e 1990 já apontavam a necessidade de o MEC verificar a qualidade dos livros didáticos, pois era forte a presença de erros conceituais, informações desatualizadas e estereótipos que reforçavam preconceitos e comportamentos intolerantes5.

Não temos dúvida de que a avaliação do livro no âmbito do PNLD foi um dos maiores avanços do programa, cuja importância só se compara à da universalização e ampliação do

5   Alguns desses trabalhos poderão ser consultados na Revista Ciência Hoje [online], publicada pela Sociedade Brasi-leira para o Progresso da Ciência (SBPC). Disponível em: <http://cienciahoje.uol.com.br/revista -ch/> (acesso: maio/2010). Basta acessar a página da revista e realizar uma busca da expressão “livros didáticos” (usar o plural).

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atendimento6. A avaliação promoveu diminuição significativa na quantidade e na gravida-de dos erros comumente encontrados nos livros didáticos. Possibilitou uma renovação edi-torial tanto em termos de conteúdo como na forma dos livros. Como já mencionamos, foi também a avaliação do PNLD que abriu espaço para autores com abordagens pedagógicas mais modernas e livros menos ortodoxos, com maior cuidado na produção e programação visual mais adequada.

Nós não nos cansamos de comentar que só nos tornamos autores de livros didáticos graças à implantação da avaliação no PNLD. Portanto, não é por acaso que somos seus de-fensores radicais. Denunciamos suas falhas mais graves visando apenas seu aprimoramento e para evitar que esses erros comprometam a sua continuidade. A bem da verdade, defen-demos, há muito tempo, que a avaliação deveria ser estendida a todos os livros didáticos, inclusive àqueles utilizados nas escolas particulares. Em nossa experiência, já verificamos, em mais de uma ocasião, que os alunos da escola pública têm acesso a livros mais mo-dernos e de melhor qualidade do que os alunos da escola particular. A avaliação deveria abranger também o crescente mercado de apostilas produzidas pelos chamados “sistemas de ensino”. É fato que os “sistemas de ensino” têm tido uma penetração cada vez maior nas escolas públicas, muitas vezes disfarçados de programas de capacitação de professores sob a tutela de instituições não governamentais, e que essa penetração ainda não foi regu-lamentada pelo governo – está fora de controle. Em nossa opinião, o que essas instituições querem mesmo é vender livros para o Estado brasileiro, o maior cliente do mercado edi-torial do país. O PNLD, em sua maturidade atual, representa um instrumento eficaz para regulamentar mais essa interferência privada no espaço público da escola.

Nossa convicção da importância da avaliação pedagógica dos livros e materiais didáti-cos destinados à escola pública é tão profunda que não nos conformamos com a omissão da SEB na divulgação dos pareceres integrais da avaliação de todas as obras, sejam elas aprovadas ou reprovadas. Não aceitamos as justificativas da SEB de não divulgar os rela-tórios da avaliação e tampouco quem são os avaliadores com o objetivo de “proteger” o MEC, as universidades, os avaliadores e as editoras7. Como a avaliação é feita com recur-sos públicos, a um custo muito alto (aproximadamente R$ 10 mil por livro8), ela é um bem público e todos os seus resultados deveriam ser de conhecimento geral por serem do interesse de todos os brasileiros, em particular dos pais de alunos, dos professores e dos educadores em geral.

Além do mais, a divulgação ampla de todos os pareceres da avaliação permitiria que seus conteúdos fossem verificados por pessoas de fora do processo, em especial por pesquisadores da área de educação ou das áreas de conhecimento dos livros avalia-dos. A pesquisa acadêmica, com um maior volume de dados quantitativos e qualitativos,

6   O atendimento a todas as escolas públicas do país (universalização) e a todo o Ensino Fundamental e Médio (ampliação).

7   A necessidade de criar estratégias que “protejam” esses atores faz parte do discurso oficial da SEB, como compro-va correspondência enviada pela SEB à Editora Sarandi, em 2005 (Ofício COGEAM/DPE/SEB/MEC nº 7/2005). 

8   BRASIL. FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO. Relatório de gestão do FNDE: exercício de 2008. Brasília: Ministério da Educação, 2009, p. 58.

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Capítulo 2 – A avaliação do livro didático: importância e problemas 47

poderia ser ampliada e aprofundada e, eventualmente, contribuir para o aprimoramento do próprio PNLD. Seria uma excelente oportunidade para aproximar ainda mais os pes-quisadores do livro didático das políticas públicas relacionadas ao livro didático, o que democratizaria a reflexão sobre esse instrumento de ensino – atualmente concentrada em alguns poucos centros de pesquisa que em sua maioria, coincidentemente ou não, são responsáveis há vários anos pela avaliação pedagógica do PNLD.

A maior transparência do PNLD certamente apontará falhas no processo avaliativo e erros na avaliação. Isso é um problema? Na nossa opinião, não. Pelo contrário, o conhe-cimento de eventuais falhas é saudável e contribui para o aperfeiçoamento da própria avaliação. Todos sairiam ganhando: os autores, os editores, os alunos, os professores, os gestores, os pesquisadores e até mesmo os técnicos do MEC e do FNDE. Mas os principais beneficiários do aperfeiçoamento do processo avaliativo seriam, sem dúvida alguma, os professores e os alunos. Para não dizer a educação brasileira em geral.

Distorções e problemas do atual sistema de avaliação dos livros didáticos

Os progressos conquistados pela avaliação do livro didático não são mais suficientes para esconder os seus graves problemas. São necessárias mudanças fundamentais para im-pedir que a avaliação pedagógica do livro didático se consolide como um processo caro, lento, redundante, inconsistente e impregnado de erros. Não temos dúvidas de que as distorções da avaliação resultam de um sistema obscuro e sem os necessários mecanismos de controle e revisão. Até mesmo o direito dos autores defenderem suas obras foi negado, numa clara afronta aos princípios constitucionais brasileiros. O único efeito prático dessa aberração foi ocultar os erros e excessos dos avaliadores e desperdiçar um excelente me-canismo de controle de qualidade do processo avaliativo. Afinal, quem melhor do que os autores para apontar os erros na avaliação dos seus livros?

A maioria dos problemas da avaliação que evidenciaremos neste livro foi prenunciada já em 1996, quando da publicação do Edital do PNLD 1997, a primeira edição do mo-delo atual do PNLD. Os principais focos de resistência a qualquer mudança na avaliação residem na Secretaria de Educação Básica (SEB) e nos grupos acadêmicos diretamente envolvidos na avaliação. Nas primeiras edições do PNLD, essa resistência tinha algum fundamento. A implantação da nova política afetava interesses econômicos de grandes grupos editoriais que usaram de toda a sua força para se oporem ao que chamavam “afron-ta à liberdade de expressão”, entre outras coisas. A avaliação foi imposta “na marra” e gerou uma enorme polarização entre aqueles que eram pró -avaliação e aqueles que eram contra -avaliação. Nesse enfrentamento não havia espaço para posições intermediárias. A campanha na imprensa foi grande e o governo e as universidades venceram. A imagem construída naquele tempo era de um maniqueísmo exacerbado: o enfrentamento dos ava-liadores (paladinos defensores da verdade, da correção e do interesse público) contra os demoníacos e mercenários autores de livros didáticos (defensores do atraso, do erro, dos

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Com a palavra, o autor48

preconceitos e dos interesses econômicos de grandes grupos editoriais). Como costuma acontecer numa “guerra total”, o rol de vítimas inocentes foi considerável. Não havia es-paço para moderação. Nenhuma concessão era admitida, quem não defendia a avaliação cegamente, apesar de tudo, era considerado inimigo.

O peso do Estado, aliado à grande imprensa e aos meios acadêmicos, foi demais até para os grandes grupos editoriais. Em poucas edições do PNLD, as editoras pragmaticamente conformaram -se com a avaliação9 e criaram mecanismos para aprovarem suas obras. Novas obras de novos autores surgiram e, de um modo geral, o livro didático brasileiro melhorou.

A avaliação do livro didático no âmbito do PNLD completou mais de uma década e, como já destacamos, merece crédito por várias mudanças positivas nos livros didáticos. To-davia, o embate inicial deixou marcas profundas. A mais marcante delas é a postura reacio-nária dos responsáveis pela avaliação que rejeitam, a priori, qualquer proposta que altere a sua atual condição de “juízes supremos e incontestáveis” que, por sinal, eles desfrutam desde 1996. Não temos dúvidas de que o reacionarismo é decorrente da comodidade da condição onipotente que os avaliadores gozam e da imagem de “guardiões da verdade, ponta de lança na luta pela qualidade da educação brasileira” que construíram junto à mídia e nos meios acadêmicos. Todavia, a inexistência de canais de crítica e a ausência de mecanismos de con-trole da avaliação resultaram no aprofundamento dos problemas de origem da avaliação.

Desde o final dos anos 1990 poucos se atrevem a discutir abertamente o outro lado da moeda: os problemas e as distorções do atual modelo de avaliação. A vanguarda do comba-te aos problemas na avaliação foi sempre exercida pela Associação Brasileira de Autores de Livros Educativos (ABRALE). O trabalho de suas sucessivas diretorias resultou no rompi-mento parcial de barreiras e resistências da SEB, a ponto da ABRALE, já há alguns anos, ser convidada a participar e opinar regularmente em encontros do PNLD. Não seria justo deixar de mencionar que as editoras de livros didáticos, por meio da Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (ABRELIVROS) também contribuíram para este avanço.

Apesar da resistência da SEB e dos grupos acadêmicos ligados à avaliação, os erros e as inconsistências acumuladas nas sucessivas edições do programa foi de tal ordem que, finalmente, o decreto -lei que institucionalizou o PNLD estabeleceu uma etapa recursal10: a principal conquista “dos” autores e “para os” autores de livro didático no PNLD. Infe-lizmente, caro leitor, o aperfeiçoamento proporcionado pelo Decreto nº 7.084/2010 é apenas ilusório, pois esse instrumento legal prevê que os recursos devem ser julgados pelos próprios avaliadores. Será que os avaliadores terão a humildade de reconhecer seus pró-prios erros? Quando nós os confrontamos com os erros nos relatórios de reprovação de nossas obras, isso não aconteceu. Na prática, permanece tudo igual.

9   Ainda nos anos 1990, as grandes editoras avaliaram a conveniência da ABRELIVROS contestar judicialmente a re-gra do PNLD que negava o direito de recurso contra o parecer da avaliação. A discussão foi encerrada quando o diretor de uma das maiores editoras do país afirmou que sua editora era contra e não participaria dessa contestação, pois “não se deve brigar com seu maior cliente”.

10   O Decreto nº 7.084/2010 só terá efeito prático a partir da publicação do Edital do PNLD 2013.

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Capítulo 2 – A avaliação do livro didático: importância e problemas 49

O medo de represálias e da execração pública fez com que autores e editoras, até a pu-blicação deste livro, nunca divulgassem o teor integral do relatório de reprovação de suas obras. Os erros na avaliação sempre foram apresentados de modo tímido, indicando apenas casos pontuais. Este sempre foi o ponto fraco na argumentação dos autores e das editoras. Nós temos a intenção de mudar esse cenário. Estamos dispostos a nos expor ao provável ataque impiedoso que normalmente recebem os autores que ousam desafiar os onipoten-tes avaliadores. Neste livro, nós divulgamos o texto integral dos relatórios de reprovação das nossas obras (ver seção Anexos). Estamos seguros de que a nossa principal defesa são os absurdos proferidos pelos avaliadores do PNLD 2010 nesses documentos. Não temos nada a esconder. As virtudes e os defeitos das nossas obras são conhecidos. Elas já foram usadas por mais de 10 milhões de alunos e dezenas de milhares de professores. Elas já fo-ram objeto de dezenas de pesquisas e teses acadêmicas. Uma delas, por ser recomendada com distinção nos PNLD de 2001 e 2004, foi utilizada como parâmetro para a elaboração de muitas outras obras.

Ao longo deste livro, nós apresentaremos os fortes indícios que nos fizeram concluir que a noção de seriedade e de qualidade da avaliação pedagógica do PNLD amplamente divulgada pelos próprios responsáveis pela avaliação nos meios acadêmicos e na mídia é, na realidade, resultado de uma autoavaliação indulgente e complacente. Demonstraremos também a necessidade urgente de implementação de mecanismos de controle externo da avaliação e, principalmente, de uma instância recursal independente da equipe avaliadora.

Certamente seremos objeto de ataques impiedosos. Qualquer crítica à avaliação, por mais justa e bem fundamentada que seja, é considerada pela SEB como uma afronta e rechaçada agressivamente11. Nós seremos acusados, entre outras coisas, de sermos contra a avaliação e de que, no fundo, propomos a volta ao passado. Esse estratagema contra nós não funcionará, o rótulo não vai “colar”. Todos aqueles que nos conhecem sabem que so-mos a favor da avaliação do livro didático. Nós nunca escondemos que consideramos a ava-liação uma política pública importante e necessária para o aprimoramento do livro didático e, por consequência, para a melhoria da qualidade do ensino no Brasil. Mesmo depois da reprovação infundada de todas as coleções de nossa autoria (quatro coleções, totalizando 12 livros), continuamos e continuaremos a defender a avaliação do livro didático no PNLD.

O nosso ponto de vista é radical. Entendemos que a avaliação do livro didático é tão im-portante que merece permanente aperfeiçoamento, correções e, principalmente, mecanis-mos de controle externo para evitar qualquer desvirtuamento de todos os atores envolvidos, inclusive os avaliadores e as instituições contratadas pela SEB para a realização da avaliação.

11   Em resposta à contestação dos termos dos relatórios de reprovação dos nossos livros de Alfabetização, expres-sa no Ofício nº 1.027/2009, a Sra. Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva, Secretaria de Educação Básica, sugere que os autores e a Editora Sarandi são contra a avaliação e aos benefícios que ela proporciona. Isso porque se questionou o  fato dos avaliadores do PNLD 2010  recorrerem a critérios estranhos ao Edital do PNLD 2010. Questionou -se  tam-bém que, dada a ausência de mudanças significativas nos termos do edital de 2010 em comparação ao edital de 2007, nada justificaria a reprovação das nossas obras anteriormente aprovadas. A Sra. Maria do Pilar foi veemente em suas afirmações: “[…] qualquer contestação desse movimento [aperfeiçoamento do sistema de avaliação e implantação de novos critérios] implica, necessariamente, um ponto de vista contrário à avaliação e aos benefícios que ela proporciona à comunidade educacional”.

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Devemos destacar também o elevado custo da avaliação12 e os interesses econômicos envol-vidos nas aquisições do PNLD. Fatos estes que deixam ainda mais evidente a necessidade de controle externo e de mecanismos de revisão dos pareceres dos avaliadores. Os erros na avaliação podem acarretar prejuízos da ordem de dezenas de milhões de reais para as edi-toras cujas obras são indevidamente reprovadas (recursos que ficarão, evidentemente, com as editoras concorrentes). Por outro lado, os erros que levam à aprovação indevida de uma coleção colocam em risco a formação de milhões de alunos de escolas públicas e gera lucros imerecidos aos autores e à editora favorecidos. Como é possível imaginar um processo como esse sem mecanismos de controle e de revisão externos?

Em nossa opinião, aqueles que conspiram contra a avaliação são justamente aqueles que escondem os seus defeitos, protegem os maus avaliadores, lucram com avaliações le-vianas e combatem os interessados que sinceramente visam à melhoria dos livros didáticos utilizados nas escolas brasileiras, sejam elas públicas ou particulares.

A possibilidade de sermos “condenados” (informalmente, é claro) à pena de “reprova-ção eterna” no PNLD é real. Temos consciência disso e decidimos correr o risco mesmo assim, tal a nossa indignação. Além disso, sempre existe esperança de que as denúncias caiam em terreno fértil e contribuam para o aprimoramento da avaliação e do próprio PNLD. Essa possível recompensa vale o risco.

O leitor provavelmente deverá se perguntar: se o problema é antigo, por que só agora divulgamos os erros da avaliação? A pergunta é válida e o nosso leitor merece explicação. Em primeiro lugar devemos informar que desde 1998 nós nos manifestamos abertamente contra a inexistência de uma etapa recursal independente. Fizemos isso antes mesmo de nos tornarmos autores. Desde então nos manifestamos, como autores e como editores, em mais de uma dezena de oportunidades, apesar de todas as nossas obras terem sido aprovadas e recomendadas. Para nós, o direito do autor defender a sua obra é uma questão de princípio.

Até o PNLD 2010, nós não tivemos acesso a nenhum parecer da avaliação do PNLD, inclusive aos pareceres das nossas obras. Isso porque a SEB não divulga os pareceres das coleções aprovadas, só as resenhas publicadas no Guia de Livros Didáticos. Os responsáveis pela avaliação disponibilizam os relatórios finais da avaliação apenas das coleções repro-vadas (excluídas do Guia) e só o fazem quando formalmente solicitados pelas editoras. As editoras, por sua vez, não medem esforços para esconder esses pareceres e, assim, não

12   A Tabela 1.2 (Custos dos programas de livros didáticos no exercício de 2008) revela que a avaliação do PNLD 2010, realizada em 2008, custou mais de R$ 11 milhões aos cofres públicos. O valor de R$ 10 mil por livro avaliado pago pela SEB à universidade responsável pela avaliação é altíssimo e difícil de justificar. A remuneração de mercado para leitores críticos e avaliadores didáticos/conceituais com título de doutor raramente ultrapassa R$ 1.300,00 por livro, até mesmo para ex -pareceristas do PNLD. Portanto, uma editora que resolva replicar a avaliação dificilmente gastará mais de R$ 4.000,00 por livro revisado por três leitores. Os R$ 6 mil por livros gastos a mais pela SEB é uma diferença enorme e isso demanda explicações e apuração pelas autoridades competentes. Cumpre ressaltar que, ao encomendar a avalia-ção de suas obras, as editoras pedem aos leitores críticos que preencham fichas similares àquelas usadas na avaliação do PNLD (divulgadas nos Guias de Livros Didáticos) e ainda pedem aos leitores que façam um relatório pormenorizado com sugestões de correção, indicação de atividades, bibliografia complementar etc., tarefas que não são exigidas aos avaliadores do PNLD.

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prejudicar as vendas das obras reprovadas aos alunos das escolas particulares13. Portanto, não é surpresa alguma o fato de, até os dias de hoje, somente erros pontuais de avaliação serem divulgados, apesar dos protestos de muitos autores reprovados.

Consequentemente, o nosso primeiro contato com problemas graves na avaliação ocor-reu quando recebemos os relatórios de reprovação das nossas obras excluídas do PNLD 2010. Foram quatro coleções reprovadas, duas de Ciências e duas de Letramento e Alfa-betização Linguística, sendo que três dessas obras já haviam sido muito bem avaliadas em programas anteriores.

Eis então a resposta, caro leitor: nós divulgamos só agora os erros da avaliação porque, para escrever um livro como este, necessitávamos de pelo menos um caso exemplar, o que não havia acontecido até divulgação dos resultados do PNLD 2010. Até então, todas as nossas obras foram aprovadas e nós não tivemos acesso aos relatórios de reprovação de nenhuma obra excluída do PNLD de outros autores. Nunca, antes da publicação deste livro, um autor ou uma editora divulgou os relatórios de reprovação de suas obras e os contestou publicamente, na íntegra. Nos Capítulos 3 a 6 daremos ao leitor uma amostra assustadora dos erros presentes na avaliação das nossas obras que culminaram na sua ex-clusão do PNLD 2010.

Erros na avaliação do PNLD 2010 e suas consequências para o livro didático

Assim como é previsível que ocorram erros em livros didáticos, os avaliadores do PNLD também estão sujeitos a erros. Afinal são apenas dois ou, no máximo, três ava-liadores por coleção. Paradoxalmente, a formação dos avaliadores, oriundos predomi-nantemente de instituições do Ensino Superior, também contribui para a existência de erros. A consulta ao Currículo Lattes14 dos avaliadores das diversas edições do PNLD revela que eles são, na maioria dos casos, pessoas com formação e produção acadêmica muito especializada e restrita, fora do âmbito da educação. O Currículo Lattes também revela que a maioria dos avaliadores tem pouca ou nenhuma experiência em sala de aula no Ensino Básico e, em particular, no Ensino Fundamental. Embora essa conclusão (problemas na formação básica dos avaliadores), não represente um argumento forte (pelo menos em nossa opinião, o “argumento de autoridade” é sempre um argumento fraco), os erros identificados nos relatórios de reprovação de nossas obras são injustificáveis. Pelo

13    É evidente que divulgar amplamente um parecer que aponta erros graves em  livros didáticos é do  interesse público, principalmente quando se considera que a avaliação é cara e custeada pelo erário. Em dezembro de 2009, o Congresso arquivou um projeto de lei que obrigaria a divulgação dos livros reprovados pelo MEC (PL nº 1.564/2007). Apesar da sua evidente relevância, o PL nº 1.564/2007 foi rejeitado na primeira comissão que analisou seu mérito, sem dúvida como resultado do lobby das editoras que não querem que o público tome conhecimento da reprovação de suas obras. Para saber mais sobre a tramitação do PL nº 1.564/2007, consultar: <http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=359373> (acesso: mar/2010).

14   O sistema de Currículo Lattes é uma base de dados que reúne informações de pesquisadores que atuam no Brasil, mantida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O nome dessa plataforma é uma homenagem ao físico César Lattes. Seus dados são públicos e podem facilmente ser consultados na Internet.

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menos do ponto de vista didático e conceitual. São erros tão grosseiros e primários que só poderiam ser explicados por suposta falta de experiência. Apesar do treinamento que os avaliadores recebem da coordenação da avaliação e dos consultores por ela convocados, essas deficiências aparecem nos pareceres na forma de:

�� erros conceituais em assuntos fora da área de especialização do avaliador;�� excesso de rigor nos assuntos relacionados à área de atuação do avaliador; e�� desconhecimento das teorias pedagógicas (vários avaliadores e consultores sequer pos-

suem licenciatura) e consequente distorção dos critérios pedagógicos de avaliação.

Erros dos avaliadores aparecem até mesmo nas resenhas de coleções aprovadas. Um bom exemplo é o erro que consta no Guia do Livro Didático PNLD 1997 – Ciências. O livro da 4ª série da Coleção Descobrindo o Ambiente15 foi aprovado e recebeu a classifica-ção “Recomendado”, a melhor entre os livros daquela série, naquele programa. A resenha da obra, entretanto, alertava o professor para um suposto problema:

Os textos são bastante claros, mas a tentativa de apresentar informações completas, expli-cando o que livros didáticos de outras coleções evitam tratar explicitamente, às vezes leva os autores a incorrer em pequenos deslizes. Há um texto, por exemplo, em que se afirma que a lua gira em torno de seu próprio eixo. Mas a ilustração que acompanha esse texto mostra a Lua girando em torno da Terra, sem mostrar o seu movimento de rotação.16

O tom professoral da resenha dá a impressão de que se trata de um erro banal dos au-tores. Porém, um rápido exame da imagem (reproduzida na própria resenha do Guia e na Figura 2.1 deste capítulo) demonstra o contrário: o erro é dos avaliadores e não do livro didático.

Importante ressaltar que, na Figura 2.1, a caricatura que representa a Lua está com a “face” voltada para a Terra o tempo todo. Ora, isso só é possível se a Lua girar ao redor do seu eixo na mesma proporção que ela gira ao redor da Terra. Observe, do momento “1” ao momento “2” a Lua percorre 25% da sua órbita e realiza 1/4 (25%) de giro ao redor do seu próprio eixo. Ao chegar ao momento “3” a Lua percorreu 50% da sua órbita e completou a metade de um giro ao redor do seu próprio eixo. No momento “4” percorreu 75% da sua órbita e 3/4 de giro ao redor do seu próprio eixo. Ao retornar ao momento “1” a Lua completa a sua órbita e simultaneamente completa um giro ao redor de si mesma.

Caso o esquema não mostrasse a rotação da Lua, como afirmaram os avaliadores na resenha, a face da Lua deveria ficar sempre voltada para o mesmo lado da ilustração, como mostra a Figura 2.2. Ou seja, se no momento “1” a Lua tem sua “face” voltada para a esquerda da imagem, ela deveria manter -se nesse mesmo sentido também nos momentos “2”, “3” e “4”.

15   OLIVEIRA, N. R.; WYKROTA, J. L. M. Descobrindo o Ambiente. Belo Horizonte: Formato, 1991, p. 30. 

16   BRASIL. SECRETARIA DE ENSINO FUNDAMENTAL. Guia do Livro Didático 1997: ciências. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Ensino Fundamental, 1996, p. 126.

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Em outras palavras, se o esquema não mostrasse a rotação da Lua, no momento “1” a Lua estaria com o “nariz” voltado para a Terra. No momento “2”, a “orelha esquerda” da Lua estaria voltada para a Terra. No momento “3”, a Lua estaria “de costas” para a Terra. E, no momento “4”, a “orelha direita” da Lua estaria voltada para a Terra. Portanto, se o esquema não mostrasse a rotação da Lua, o observador terrestre seria capaz de ver a Lua por todos os lados e a Lua não teria uma “face oculta”.

O exemplo demonstra que os especialistas que avaliaram a coleção desconhecem que a Lua mantém sempre a mesma face voltada para a Terra porque o seu período orbital é igual ao seu período de rotação. Trata -se de um erro básico, pois é um fato astronômico bem co-nhecido e descrito há mais de um século. Mais ainda, este fenômeno, denominado rotação sincronizada (ou síncrona), é muito comum entre os satélites naturais do Sistema Solar17.

É necessário considerar também que o erro foi cometido por pelo menos dois avalia-dores. Nunca saberemos quem foram esses avaliadores, uma vez que a identidade deles e o teor dos seus pareceres são mantidos em segredo pela SEB. Mas eles não são os únicos culpados. Em tese, os avaliadores foram treinados e orientados, a um custo considerável, por especialistas de notório saber. Ainda mais grave é o fato da coordenação da avaliação não ter identificado e corrigido o erro18.

Os efeitos nocivos dos erros da avaliação, sobretudo quando expressos nas resenhas do Guia, são enormes, bem maiores do que os erros dos próprios livros didáticos. Os milhares de professores que consultaram o Guia do Livro Didático – PNLD 1997 foram convidados a “corrigir” o suposto erro. Como poderiam fazê -lo? A resenha não informa como deve ser feita a suposta “correção”19. Não é por acaso que muitos professores consideram as infor-mações contidas no Guia de Livros Didáticos pouco úteis.

Citamos este caso em particular porque trata -se de um bom exemplo da falibilidade da avaliação, apesar de todo o dinheiro gasto com a remuneração dos avaliadores, com o seu treinamento, com a contratação de grandes especialistas de diferentes áreas do conheci-mento, com a coordenação da avaliação etc.

O caso também é exemplar porque o erro foi repetido na avaliação seguinte! O texto da resenha do livro, no Guia do Livro Didático PNLD 1998 – Ciências, afirma:

Outro assunto também exige complementação, para ser inteiramente entendido: é o mo-vimento de rotação da Lua (p.30), como já foi apontado na avaliação do PNLD 1997.20

17   A maioria das grandes luas do Sistema Solar apresenta rotação sincronizada com sua órbita ao redor do planeta. Informação sobre a rotação da Lua e rotação sincronizada em geral pode ser facilmente obtida nos sites de divulgação científica da NASA, como, por exemplo: <http://solarsystem.nasa.gov> (acesso: jun/2010) e em livros de Astronomia, como, por exemplo: OLIVEIRA FILHO, K. S.; SARAIVA, M. F. O. Astronomia e Astrofísica. 2. ed. São Paulo: Editora Livra-ria da Física, 2004 e MOURÃO, R. R. F. Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1995.

18   O tom professoral do texto da resenha é ilustrativo da postura dos avaliadores e da academia de uma forma geral em relação ao livro didático e aos seus autores, inclusive daqueles que aprovam e recomendam.

19   Felizmente não informaram. Neste caso, a omissão dos avaliadores evitou danos conceituais mais graves.

20   BRASIL. SECRETARIA DE ENSINO FUNDAMENTAL. Guia do Livro Didático 1998: ciências. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Ensino Fundamental, 1998, p. 328.

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A repetição do erro pressupõe que mais dois (ou três) avaliadores, além da coordenação da avaliação e seus consultores, erraram novamente! Fica evidente que os mecanismos de controle de qualidade da avaliação do PNLD, se existem, são ineficazes.

Os erros de avaliação são particularmente perniciosos ao PNLD e à sociedade em geral porque:

�� podem resultar na reprovação injustificada de obras de qualidade, negando acesso des-sas obras aos alunos e aos professores das escolas públicas;�� podem resultar na aprovação de obras que veiculam erros graves, o que é intolerável e

subverte a própria razão de ser da avaliação; e�� contribuem para a consolidação de erros conceituais e/ou factuais no ensino brasileiro.

Os erros da avaliação têm efeitos desastrosos para a qualidade do ensino brasileiro como um todo. Isso porque a avaliação é patrocinada pelo Ministério da Educação; con-sequentemente, os erros e preconceitos que os relatórios de reprovação e as resenhas do Guia de Livros Didáticos veiculam têm caráter oficial e peso de um certificado emitido por autoridade pública. Este fato é agravado pela ampla divulgação que se dá ao Guia de Livros Didáticos, distribuído para toda a rede pública de ensino do país. As escolas privadas também são afetadas, pois os resultados da avaliação são divulgados na imprensa e podem ser obtidos pela Internet nos sites do MEC e do FNDE. Aquelas que adotam livros que erroneamente foram reprovados, por exemplo, passam a ter de explicar aos pais os motivos de sua adesão àquela obra. O que também não é nada justo.

Os erros da avaliação também prejudicam os livros didáticos porque as regras do PNLD estabelecem que as obras excluídas só poderão ser reinscritas se comprovarem que foram reformuladas de acordo com o relatório de reprovação, sob pena de exclusão sumária na fase de pré -análise21. Em princípio, essa regra é boa. Não é possível justificar a inscrição de uma obra que contém erros graves já identificados. Todavia, se a obra é excluída por erro dos avaliadores, estabelece -se uma situação absurda, uma verdadeira aberração, pois, para ser reinscrita, a obra equivocadamente reprovada será obrigada a provar que trocou o conteúdo correto por conteúdo errado!

Voltemos para o exemplo da ilustração da órbita e da rotação da Lua. A ilustração do livro está correta, mas os avaliadores a consideraram errada. Caso a obra fosse reprovada, o que os autores poderiam fazer para comprovar que “corrigiram” a ilustração22? As alter-nativas seriam: a) trocar a ilustração correta por uma errada, o que é contrário a todos os preceitos éticos e morais; b) eliminar a ilustração, o que é contrário ao interesse público, pois sonega informação correta aos alunos e compromete a compreensão do conceito; ou c) mudar a rotação da Lua, o que está completamente fora das possibilidades físicas dos autores. Nem Kafka pensou numa “sinuca” desta para o infeliz Josef K.

21   Esta regra, presente nos editais, foi consolidada no artigo 22 do Decreto nº 7.084/2010.

22   Os avaliadores não informam como deveria ser a representação que julgam “correta”. Logo, é impossível para os autores comprovarem que “corrigiram” a ilustração! Como veremos nos próximos capítulos, a ausência de informa-ções e de bibliografia revela -se, na prática, um ardil dos avaliadores que, assim, reprovam e excluem obras do PNLD sem fundamentar seus argumentos. 

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Felizmente, para alunos e professores da rede pública, os avaliadores do PNLD 1996 reconheceram as inegáveis qualidades da Coleção Descobrindo o Ambiente e tiveram bom senso de aprová -la e até de recomendá -la, apesar de divulgarem em mais de uma ocasião o suposto erro na ilustração da órbita e da rotação da Lua. Felizmente, também para os autores, a coleção foi aprovada e eles não foram obrigados a “corrigi -la”.

Cientes desta falibilidade e dos problemas que os erros na avaliação do PNLD acarre-tam, nós advogamos, desde a primeira avaliação (da qual sequer participamos), o direito dos autores defenderem suas obras por meio de recurso a ser julgado por uma comissão independente da SEB e sem relação com a equipe de avaliação. Não fomos os únicos, pelo contrário, praticamente todos os autores manifestaram -se a favor do direito de defesa de suas obras. Nessa questão, a ABRALE merece destaque. Até mesmo as editoras, com in-tensidade bem menor, manifestaram -se a favor dos autores.

Em todas as edições do PNLD realizadas até esta data (2010), os editais vedaram qual-quer possibilidade de contestação dos pareceres de reprovação. Negou -se sumariamente aos autores a possibilidade de defesa das suas obras. A decisão dos avaliadores foi sempre final e inapelável, uma clara afronta ao princípio constitucional do direito de defesa.

Como já informamos, o direito de recurso contra a decisão dos avaliadores só veio a ser reconhecido com a publicação do Decreto nº 7.084/2010, que regulamentou o PNLD. Foram necessários 13 anos de intensa campanha de autores, em particular por meio da ABRALE, com a documentação de inúmeros erros nos pareceres para convencer o Minis-tro da Educação e romper a resistência da SEB ao imperativo constitucional da viabilidade e da conveniência de uma etapa recursal no processo de avaliação dos livros didáticos23.

Mas por que será que a SEB e os grupos acadêmicos ligados à avaliação resistem tanto a reconhecer um direito constitucional líquido e certo que também se constitui num valioso instrumento para identificar eventuais erros na avaliação? Os principais argumentos são: 1) a autoridade técnica dos avaliadores (formação acadêmica, treinamento pela coordena-ção e pelos seus consultores) e o sistema de avaliação24 que, em tese, eliminaria a possibili-dade de erro; 2) a falta de tempo para rever os relatórios de reprovação; e 3) a possibilidade de sucessivos recursos inviabilizarem o próprio programa.

Não é mais necessário aborrecer o leitor com a refutação dos argumentos 2) e 3). A publicação do Decreto nº 7.084/2010 é prova suficiente da sua improcedência. Resta, to-davia, a necessidade de refutar a primeira e principal alegação contra o direito de defesa: a qualidade da avaliação. Os relatórios de reprovação que recebemos da SEB contêm provas de que, nas equipes de avaliação do PNLD 2010, existem especialistas com deficiências conceituais graves, algumas até grotescas. Mas não é só isso, há inúmeros casos em que os

23   O Decreto nº 7.084/2010 dá direito aos autores de apresentarem recurso contra o parecer de reprovação (artigo 20) de suas obras, o que representa um avanço. Todavia, ele contém uma falha grave: os recursos devem ser enviados à SEB e avaliados por membros da própria equipe avaliadora (parágrafo 5º, artigo 20). Ora, como imaginar que os avalia-dores irão julgar com isenção recursos que apontam seus erros? Os avanços proporcionados pelo Decreto nº 7.084/2010 e os problemas remanescentes são discutidos no Capítulo 7.

24   Dois avaliadores por obra, com a convocação de um terceiro em caso de discordância e revisão dos pareceres pela equipe de coordenação.

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avaliadores justificam a reprovação com base em dados falsos, exorbitam seus poderes e avaliam com base em critérios estranhos ao próprio Edital do PNLD 2010. O festival de irregularidades inclui até casos de flagrante ilegalidade, como o acesso dos avaliadores aos exemplares caracterizados. Logo, o tema principal dos próximos capítulos será a análise dos relatórios de avaliação das nossas obras e a desmistificação da avaliação do livro didá-tico no âmbito do PNLD. Mito este construído na imprensa e nos meios acadêmicos com base em informações unilaterais, autoelogiosas, produzidas pelos próprios responsáveis pela avaliação25.

O tamanho do problema

Até o PNLD 2008, nossa experiência com erros nos pareceres da avaliação restringiu--se a casos pontuais de erros e inconsistências na avaliação de livros de autores nossos conhecidos e a algumas “pérolas” que vez por outra aparecem nos Guias de Livros Didá-ticos (como é o caso da rotação da Lua). A verdade é que, até a divulgação dos resultados da avaliação do PNLD 2010, nós sabíamos que o sistema de avaliação tinha potencial para gerar resultados distorcidos e injustos, mas não tínhamos notícias consistentes e, menos ainda, fatos concretos nesse sentido. A avaliação de nossas obras no PNLD 2010 mudou completamente o panorama. Apesar dos alertas que fizemos, como autores e como editores, não imaginávamos que o sistema de avaliação seria falho a ponto de possibilitar a emissão de pareceres com erros da gravidade e da extensão que iremos relatar neste livro.

Apesar dos problemas que descreveremos nos Capítulos 3, 4, 5 e 6 serem estarrecedo-res, não temos como dimensionar o quanto eles são representativos do universo da etapa da avaliação pedagógica do PNLD. O motivo é óbvio: nossos dados se restringem aos re-latórios das nossas quatro coleções excluídas e aos seus componentes curriculares: Ciências e Letramento e Alfabetização Linguística.

O fato de três das quatro coleções reprovadas no PNLD 2010 terem sido aprovadas em edições anteriores do programa pode indicar que o problema é pontual. Todavia, a gravidade dos erros e a pequena probabilidade de um problema pontual recair em quatro das cinco obras inscritas no PNLD 2010 pela Editora Sarandi apontam no sentido oposto.

É importante ressaltar que conhecemos diversos especialistas que atuam ou já atuaram na avaliação do PNLD. São profissionais que nós reputamos sérios, íntegros e com exce-lente formação acadêmica, mas que, em sua maioria, têm pouca ou nenhuma experiência com alunos do Ensino Fundamental. Logo, é preciso deixar bem claro que as críticas que fazemos aqui se restringem aos avaliadores das nossas obras no PNLD 2010 (cujas identi-dades nós ignoramos) e aos coordenadores da avaliação que, ao assinarem os relatórios de

25   O PNLD é o programa de maior impacto na mídia impressa entre todas as ações do FNDE, totalizando mais de 20% das inserções. Fonte: BRASIL. FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO. Relatório de gestão do FNDE: exercício de 2008. Brasília: Ministério da Educação, 2009, p. 23. 

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reprovação, avalizaram os erros dos anônimos avaliadores e tornaram seus os erros deles. Teria sido descuido? Incompetência? Mero acaso? Preferimos omitir nossa opinião e deixar o leitor chegar às suas próprias conclusões.

A refutação dos pareceres, um preâmbulo

Antes de dar início à refutação dos relatórios de reprovação de nossas obras, serão ne-cessárias algumas observações preliminares.

Inicialmente é importante alertar o leitor para um dos subterfúgios mais utilizados nos relatórios de reprovação de nossas coleções no PNLD 2010: a análise descontextualizada de pequenos trechos dos livros. Para evitar qualquer insinuação de que nós adotamos o mesmo estratagema, decidimos anexar a íntegra dos relatórios de reprovação ao final do livro, na seção Anexos. Não temos necessidade de recorrer a esse ardil. Muito pelo contrá-rio. Cremos ser importante dar ao nosso leitor a oportunidade de conhecer integralmente os argumentos que excluíram as obras de nossa autoria, sem corte, sem censura e em versão fac -símile – inclusive com a assinatura dos coordenadores responsáveis pela avaliação.

�� O Anexo 1 reproduz o Relatório de Reprovação da Coleção Caminhos da Ciência.�� O Anexo 2 reproduz o Relatório de Reprovação da Coleção Ponto de Partida Ciências.�� O Anexo 3 reproduz o Relatório de Reprovação da Coleção Projeto ALLE Letramento

e Alfabetização Linguística.�� O Anexo 4 reproduz o Relatório de Reprovação da Coleção Ponto de Partida Letra-

mento e Alfabetização Linguística.

É relevante informar que nos documentos que apresentamos à SEB, após o recebimen-to dos relatórios de reprovação, rechaçamos todas as alegações dos relatórios de reprovação. A refutação foi feita alegação por alegação, parágrafo por parágrafo, exemplo por exemplo. Elaboramos quatro longos documentos com texto técnico -analítico e farta documentação para corroborar nossas análises e conclusões. Não é o caso de apresentá -los na sua íntegra neste livro. Seria por demais cansativo para o nosso leitor26.

Então, optamos por fornecer uma amostra dos erros de avaliação presentes nos rela-tórios de reprovação de nossas obras que fundamentam a sua exclusão do PNLD 2010. Diversos erros são tão grosseiros que bastaria citar um deles para desacreditar todo o re-latório. Entretanto, os erros são tão numerosos e de natureza tão variada que sentimos a necessidade de expor um bom número de casos para que o leitor possa ter uma ideia da extensão e da gravidade do problema que deu origem a este livro.

A nossa metodologia para refutar as alegações dos avaliadores do PNLD 2010 conti-das nos relatórios de reprovação é simples e direta. Inicialmente transcrevemos o item do

26   Cientes de que o teor completo das refutações poderá interessar a alguns de nossos leitores, informamos que elas poderão ser consultadas por pesquisadores, educadores,  jornalistas e outros  interessados que as solicitarem à Editora Sarandi exigindo -se apenas a formalização do pedido e uma breve exposição dos motivos e do destino final a ser dado às informações contidas nesses documentos.

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relatório e, em seguida, discutimos pormenorizadamente seus argumentos. O texto dos avaliadores é apresentado dentro de uma caixa de texto e apresenta uma tipologia distinta do texto principal do livro, de modo a facilitar sua identificação. Quando mesclado ao nosso texto, as transcrições de textos dos avaliadores podem ser claramente identificadas por estarem entre aspas e pela tipologia distinta.

As referências bibliográficas são citadas em notas de rodapé para agilizar o acesso do leitor a essa informação e, posteriormente, são compiladas ao final de cada capítulo. No-tas de rodapé também são fartamente utilizadas para fornecer informações e comentários adicionais sem interromper a fluência do texto principal.

Para evitar a reprodução de inúmeras páginas dos nossos originais, reproduzimos apenas as mais relevantes em cada análise e disponibilizamos nossos livros em meio di-gital27. Ao disponibilizarmos a versão integral dos relatórios de reprovação e dos livros reprovados, acreditamos que o leitor terá todos os elementos necessários para julgar por si mesmo se as nossas alegações neste livro têm fundamento. Evitamos também qualquer insinuação de que nossas análises são feitas com base em casos isolados e analisados fora de contexto.

Tipos de erros de avaliação

A quantidade de erros, equívocos e distorções na avaliação dos nossos livros é tão grande e de natureza tão variada que, por vocação didática e compaixão para com o leitor, decidi-mos criar uma “classificação de erros”, com categorias baseadas na natureza do equívoco ou da irregularidade. Infelizmente, esta não é uma classificação “perfeita”, por consequência, diversos erros de avaliação enquadram -se em mais de uma categoria.

ERRO TIPO 1: Inexistência na obra do fato alegado no Relatório de Reprovação

Trata -se de um erro de avaliação tão óbvio que dispensa explicação. É um tipo de erro muito frequente nos relatórios de reprovação dos nossos livros. Um bom exemplo pode ser identificado no Relatório de Reprovação da Coleção Projeto ALLE – Letramento e Alfabetização Linguística, no qual os avaliadores do PNLD 2010 afirmam:

[...] No conjunto, as questões pretensamente destinadas à compreensão

dos textos lidos se concentram em:

­ identificar e copiar informações contidas nos textos (v ­1: pp. 18,

22, 44, 46, 26, 77 (2, 3); 78, 80, 84, 96); (v ­2: pp. 24, 28, 66, 100,

104, 106, 112).28

27   A versão integral dos nossos livros encontra -se disponível para consulta, em versão PDF, no site da Editora Saran-di: <www.editorasarandi.com.br> (acesso: jul/2010).

28   UNIVERSIDADE  FEDERAL  DE MINAS  GERAIS.  SECRETARIA  DE  EDUCAÇÃO  BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Projeto ALLE. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 10. A versão integral desse docu-mento, em fac -símile, encontra -se na seção Anexos ao fi nal do livro.

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Se o leitor consultar os livros da Coleção Projeto ALLE poderá facilmente verificar que em nenhuma das páginas pares listadas pelos avaliadores do PNLD 2010 solicita -se a cópia de informação do texto! A acusação é fragorosamente falsa. Repare, caro leitor, que na longa listagem elaborada pelos avaliadores do PNLD 2010 todas as páginas, exceto a página 77, são pares. As páginas pares listadas de ambos os livros da Coleção apresentam atividades de leitura. O projeto gráfico da Coleção Projeto ALLE, cujas finalidades didáticas são claramente explicadas no Manual do Professor, concentra as atividades de leitura nas páginas pares do Livro do Aluno e as atividades de escrita nas páginas ímpares.

Na avaliação de Ciências ocorreu o mesmo fenômeno, como demonstra o exemplo extraído do Relatório de Reprovação da Coleção Ponto de Partida Ciências. Os avaliadores do PNLD 2010 sentenciaram que:

[...] em momento algum foram abordados os conceitos sobre a constitui­

ção da matéria, apesar desta estar referida desde o livro do 2o ano.29

A verdade, entretanto, é bem diferente. Nos livros do 2º e do 3º anos da Coleção Ponto de Partida Ciências não se apresenta e tampouco se estuda o conceito de matéria. Este con-ceito só é trabalhado no livro do 4º ano da Coleção, livro no qual seis capítulos da unidade 2, denominada “Mundo Material”, são devotados ao assunto!

Parece incrível, não é, caro leitor? Como explicar o fato dos avaliadores do PNLD 2010 justificarem a exclusão dos nossos livros com base em exemplos que não existem nos textos originais? Como explicar erros tão grosseiros?

ERRO TIPO 2: Erro conceitual ou desatualização do avaliador

Quando o relatório de reprovação se baseia em um erro conceitual ou em desatualiza-ção do avaliador, denominamos ERRO TIPO 2.

Trata -se de um erro de avaliação gravíssimo, porém mais difícil de demonstrar. Quando cometem esse tipo de erro, os avaliadores do PNLD 2010 geralmente refugiam -se na sua condição de peritos (o famoso argumento de autoridade no qual a palavra do “especialista” basta) e o texto dos relatórios de reprovação geralmente assume um tom professoral ou ex-cessivamente técnico, muitas vezes ambos30. São raros os casos nos quais os avaliadores do PNLD 2010 se deram ao trabalho de demonstrar ou fundamentar suas alegações. Repare,

29   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Ciências. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 5. A versão  integral desse documento, em fac -símile, encontra -se na seção Anexos ao fi nal do livro.

30   No caso da rotação da Lua, por exemplo, os avaliadores simplesmente afi rmaram que existia um erro, mas o erro não foi demonstrado. O tom professoral do texto do avaliador induz o leitor leigo a interpretar que o erro é óbvio quando, na verdade, ele inexiste.

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caro leitor, na besteira que escreveram no Relatório de Reprovação da Coleção Caminhos da Ciência:

No livro do 4o ano na p. 55, exemplifica ­se transformação química com

o azedamento do leite. Apesar de haver uma mudança da aparência com a

coagulação da caseína, podemos dizer que não houve formação de novas

substâncias: a caseína, a albumina, a lactose, a gordura, a água, os

íons e as vitaminas continuam lá. Houve rompimento de pontes de hi­

drogênio, de repulsão elétrica entre micelas etc., mas só alterou a

aparência e não quimicamente as substâncias.31

Interessante destacar o tom professoral e o uso excessivo de termos técnicos nesta pas-sagem do Relatório de Reprovação. Apesar da retórica, no fundo, os avaliadores do PNLD 2010 alegam que o azedamento do leite não é resultado de reações químicas porque, se-gundo eles, não há formação de novas substâncias, mas apenas uma mudança da aparência do leite provocada pela coagulação da caseína.

No Capítulo  3, é apresentada a refutação técnica a essa crítica dos avaliadores do PNLD 2010, expondo os erros que ela contém. Por ora, é importante enfatizar que qualquer pessoa razoavelmente instruída sabe que a fermentação do leite é o resultado de reações químicas catalisadas por enzimas produzidas por certas bactérias e fungos. Na elaboração desse argumento, os avaliadores cometeram um erro conceitual gravíssimo ao confundir a fermentação do leite com a coagulação da caseína. Eles demonstraram ignorar que, quando o leite azeda, há um aumento da concentração de ácido lático que confere ao leite azedo o seu sabor característico e promove a desnaturação da caseína. A mudança do sabor é indicador do surgimento de novas substâncias! A objeção dos ava-liadores é ridícula.

Este tipo de erro dos avaliadores é particularmente grave, pois, pelas regras do PNLD, só será possível inscrever a Coleção Caminhos da Ciência no PNLD 2013 se comprovar-mos que fizemos a correção deste suposto erro, sob pena de exclusão sumária e inapelável na fase de triagem. A regra, presente nos editais do PNLD, foi consolidada no Decreto nº 7.084/2010 que, em seu artigo 22, estabelece que:

Art. 22 Os livros didáticos reprovados poderão ser reapresentados nas edições sub-seqüentes do PNLD, desde que tenham sido reformulados com base nos pareceres emitidos.32

31   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, pp. 3 -4. A versão  integral desse documento, em fac -símile, encontra -se na seção Anexos ao fi nal do livro.

32   BRASIL. Decreto nº 7.084, de 27/jan/2010. Diário Ofi cial da União, 27/jan/2010. Seção 1 – Edição Extra, p.3. [grifos nossos]. 

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O caro leitor deve concordar conosco que, quando o erro é dos avaliadores e não do livro, a correção é impossível. Esta “sinuca de bico” é agravada pelo disposto no artigo 18 do mesmo Decreto nº 7.084/2010:

Art. 18 As obras eliminadas nas etapas de triagem e pré -análise serão desclassifi-cadas por não atendimento aos requisitos de admissibilidade estipulados no edital. […]

§ 2º A pré -análise das obras inscritas no PNLD terá caráter eliminatório e con-sistirá no exame do atendimento do objeto e da documentação definidos no edital de convocação, bem como da adequada reformulação das obras excluídas das sele-ções anteriores, nos termos do art. 22.

§ 3º Não caberá recurso nas etapas de triagem e pré -análise das obras inscritas no PNLD.33

Como sair dessa sem ferir a ética?

ERRO TIPO 3: Inexistência do critério no edital e contradição com relação aos docu-mentos oficiais

Quando o Relatório de Reprovação recorre a critérios de avaliação que não constam do Edital do PNLD 2010 e esses critérios, além do mais, contradizem os documentos ofi-ciais que orientam a Educação Básica, em particular os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), consideramos a ocorrência como um ERRO TIPO 3.

Na condição de peritos, os avaliadores do PNLD 2010 têm poder discricionário, uma vez que não é possível descrever minuciosamente todos os critérios de avaliação nos termos dos editais. Todavia, o poder discricionário tem várias limitações. Uma dessas limitações é claramente descrita nos editais do PNLD (e consolidada no Decreto nº 7.084/2010) que estabelecem que a avaliação pedagógica deve ser realizada considerando -se, necessaria-mente, (sic) “o respeito à legislação, às diretrizes e normas legais da educação”34. O avaliador não pode julgar com base em critérios conflitantes, por exemplo, com as recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais, a menos que o critério conste explicitamente dos termos do Edital do PNLD.

Novamente recorremos ao Relatório de Reprovação da Coleção Caminhos da Ciência para ilustrar esse tipo de erro. Os avaliadores do PNLD 2010 afirmaram:

Nas fotos de índios, eles aparecem paramentados de penas para as fes­

tas, acentuando o caráter “exótico” dessas pessoas.35

33   Ibidem, artigo 18. [grifos nossos].

34   Ibidem, artigo 19.

35   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 8.

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A condenação ao livro foi justificada pelos avaliadores do PNLD 2010 porque nas foto-grafias os índios (sic) “aparecem paramentados de penas para as festas, acentuan­do o ‘caráter exótico’ dessas pessoas”. A redação dos avaliadores do PNLD 2010 não deixa dúvidas, eles consideram os índios “pessoas exóticas”. Qualificar qualquer etnia como “pessoas exóticas” tem conotação racista e, portanto, contraria frontalmente os princípios de respeito à pluralidade cultural estabelecidos na Constituição Federal, na legislação brasileira, nos PCN e nas demais diretrizes da educação no Brasil. Este é um caso exemplar do despreparo dos avaliadores do PNLD 2010 para avaliar livros didáticos em geral e questões de cidadania e pluralidade cultural em particular. O caso é muito grave e, por isso mesmo, é discutido com maior profundidade no Capítulo 3.

ERRO TIPO 4: Contradição com as avaliações precedentes

O ERRO TIPO 4 ocorre quando o Relatório de Reprovação recorre a critérios de ava-liação incompatíveis ou incoerentes com os critérios utilizados por equipes de avaliação precedentes sem que os novos critérios constem nos termos do Edital do PNLD 2010. Este tipo de erro também caracteriza exorbitância do poder discricionário do avaliador, pois fere uma das diretrizes dos programas do material didático: a garantia de transpa-rência e publicidade nos processos de avaliação36. Nem poderia ser diferente, pois os edi-tais do PNLD estão sujeitos à legislação que regulamenta as licitações. Logo, uma obra inscrita no PNLD não pode ser avaliada segundo critério desconhecido, em particular quando o critério usado pelo avaliador é diferente ou conflita com os critérios utilizados em edições anteriores do programa. O avaliador não pode inovar, ele está limitado pela legislação e pelos termos do edital. Quando o parecer da avaliação diverge das avaliações anteriores, deveria no mínimo estar respaldado em fundamentos sólidos e bem docu-mentado para demonstrar os erros que julgam constatar no livro e também os equívocos da equipe avaliadora precedente. Os critérios de avaliação não podem ficar ao sabor dos ventos como uma biruta.

No PNLD 1997 ocorreu um caso emblemático. Alguns livros foram reprovados porque indicavam o uso de torniquete no caso de picadas de cobras. Esse procedimento, apesar de ser o indicado por um tratado de medicina (Harrison’s Internal Medicine) adotado nos mais renomados cursos de Medicina do Brasil naquela época, foi condenado pela equipe de avaliação por ser oposto à conduta recomendada pelo Instituto Butantan.

Ao contestarem a avaliação, os autores demonstraram que não cometeram um erro, apenas optaram por um dos protocolos aceitos no meio médico, o que era permitido pelo edital, por não ser explicitamente vedado. Diante desse forte argumento, os editais seguin-tes explicitaram que seriam exigidas as recomendações do Instituto Butantan e reprovadas as obras que recomendassem o uso de torniquetes. Atualmente, os editais omitem essa exigência, mas o precedente já foi estabelecido e autores e editoras sabem que o PNLD só admite a conduta propugnada pelo Instituto Butantan.

36   Esta  diretriz,  presente  em  todos  os  editais  do  PNLD,  foi  consolidada  no  item  V  do  artigo  3º  do  Decreto nº 7.084/2010, cujo texto determina: “garantia de isonomia, transparência e publicidade nos processos de avaliação, seleção e aquisição das obras”.

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Qual não foi a nossa surpresa, portanto, verificar no Relatório de Reprovação da Cole-ção Caminhos da Ciência a condenação da obra por reproduzir as instruções de um folhe-to do Instituto Butantan sobre ofidismo! Os avaliadores do PNLD 2010 foram criativos, censuraram a obra por colocar: (sic) “predominantemente os conhecimentos populares como atitudes a serem evitadas, como mitos. Vide tratamento de picadas de

cobra”37.

É apavorante, caro leitor. Os avaliadores do PNLD 2010 reprovaram uma coleção, pre-viamente recomendada com distinção por dar publicidade às recomendações do Butantan. Exatamente as exigências das equipes das avaliações precedentes! Entre as recomendações condenadas estão:

– não amarre a perna ou o braço picado [isto é, não fazer torniquete];

– não faça cortes nem sangre o local da picada; e

– não use remédios caseiros, querosene, álcool, fumo, urina etc. Eles só vão piorar as coisas.38

É possível constatar assim que os avaliadores do PNLD 2010 contrariaram o parecer das equipes anteriores sem apresentar qualquer embasamento em novos critérios estabele-cidos no Edital do PNLD 2010.

A bem da verdade, este erro é tão gritante que também é exemplo de ERRO TIPO 2, visto que indica que os avaliadores do PNLD 2010 não têm a qualificação necessária para avaliar questões relativas ao conhecimento popular e também desconhecem que uma das principais tarefas do ensino de Ciências é, sim, informar o aluno sobre procedimentos corretos e alertar quando crendices e superstições colocam em risco sua saúde e sua integri-dade física. É uma afronta à função social da Ciência, tão bem expressas por ADOVASIO, SOFFER e PAGE (2007):

Science is not truth, it is, instead, a method for diminishing ignorance.39

[Ciência não é verdade, é, em vez disso, um método para diminuir a ignorância.]

Censurar as instruções de um dos principais centros mundiais de tratamento de aci-dentes ofídicos, como evitar o uso de urina, fumo, álcool e querosene não tem nada a ver com o respeito ao conhecimento popular. É despreparo dos avaliadores do PNLD 2010 mesmo, um ERRO TIPO 2 com louvor e distinção. O assunto é tratado com mais detalhe no Capítulo 3.

37   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 8.

38   SAMPAIO, F. A. A.; CARVALHO, A. F. Coleção Caminhos da Ciência. São Paulo: Editora Sarandi, 2008, pp. 106 -107.

39   ADOVASIO, J. M.; SOFFER, O.; PAGE, J. The invisible sex: uncovering the true roles of woman in prehistory. Harper Collins, 2007. [tradução dos autores].

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ERRO TIPO 5: Uso de critérios estranhos ao edital e abuso de poder discricionário

O Relatório de Reprovação recorre a critérios de avaliação que não constam do edital e que excedem o poder discricionário do avaliador. É o que classificamos como ERRO TIPO 5. Além das limitações ao poder discricionário do avaliador já descritas, existem outras. Por exemplo, quando um campo do conhecimento admite mais de uma abor-dagem para um mesmo tema, o avaliador não pode exigir uma delas em detrimento da outra sem respaldo explícito no edital. O excesso de rigor é outro caso deste tipo de erro. Ou seja, exigir uma definição minuciosa e tecnicamente complexa em detrimento de uma simplificação didática que não compromete, mas também não esgota o conceito. Erros por excesso de rigor geralmente também constituem violação do princípio da isonomia (que aqui chamaremos de ERRO TIPO 6), pois o “nível” de exigência costuma variar de um avaliador para outro, resultando em reprovação de obras por conteúdos iguais ou semelhantes ao encontrado em obras aprovadas. Constituem também um ERRO TIPO 4 (critério diferente ao usado em editais anteriores, sem respaldo no edital).

Também classificamos como excesso de rigor quando o avaliador exige que uma defi-nição típica de um campo do conhecimento seja adotada quando o texto utiliza o termo na perspectiva de outro campo. Podemos condenar Einstein e Infeld por “erro conceitual” ou “imprecisão indutora de erro” pelo uso do termo “evolução” com significado diverso daquele definido pela Biologia no título do livro “A evolução da Física”40? É claro que não! Seria ridículo!

A bem da verdade, este tipo de erro geralmente também caracteriza o ERRO TIPO 2, pois sinaliza o despreparo do avaliador para a avaliação de livros multidisciplinares típicos do Ensino Fundamental.

ERRO TIPO 6: Afronta ao princípio da isonomia

O Relatório de Reprovação afronta o princípio da isonomia ao reprovar com base em conteúdos (textos, imagens, atividades etc.) também presentes em obras aprovadas na mesma edição do PNLD. Não se pretende aqui justificar a presença de erros nas nossas obras reprovadas pela presença dos mesmos erros em obras aprovadas. Longe disso. Este erro na avaliação, comum nos relatórios de reprovação das nossas obras, geralmente também caracterizam -se como ERRO TIPO 4 (difere de avaliações anteriores) e ERRO TIPO 5 (excede o poder discricionário). Trata -se de uma violação frontal das leis que regulamentam as licitações e de uma diretriz que norteou todos os editais do PNLD e foi consolidada no Decreto nº 7.084/2010: o princípio da isonomia41. Por exemplo, na avaliação do componente Língua Portuguesa, a diversidade de textos é um dos critérios julgados. Todavia, os editais do PNLD são particularmente vagos quanto à quantifica-ção de determinados quesitos (por exemplo: diversidade de textos). Consequentemente, se uma determinada diversidade de textos é considerada adequada em uma coleção, a

40   EINSTEIN, A.; INFELD, L. The evolution of Physics – From Early Concepts to Relativity and Quanta. 2. ed. Nova York: Simon & Schuster Inc., 1966.

41   BRASIL. Decreto nº 7.084, de 27/jan/2010. Diário Oficial da União, 27/jan/2010. Seção 1 – Edição Extra. Artigo 3º, item V.

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mesma diversidade de textos (ou uma diversidade ainda maior) não pode ser considera-da insuficiente em outra coleção. Ou ambas são suficientes ou ambas são insuficientes. É o que diz o edital e a lei das licitações.

A demonstração deste tipo de erro de avaliação exige que os autores comprovem: a) que o conteúdo condenado não configura erro ou inadequação e b) que o mesmo conteúdo (ou conteúdo equivalente) está presente em obras aprovadas, o que nem sempre é fácil porque as editoras geralmente não fornecem nem vendem seus livros aos concorrentes.

ERRO TIPO 7: Uso de termos vagos e dúbios

O Relatório de Reprovação utiliza termos e descrições vagas, dúbias ou insuficiente-mente precisas para permitir a tipificação do erro e, consequentemente, a sua correção quando da reformulação da obra. Trata -se, na nossa classificação, de um ERRO TIPO 7. Este é o erro de avaliação mais cruel para nós, autores. Ora, o que fazer quando o avaliador justifica seu parecer com afirmações vagas, tais como:

_ [...] a obra apresenta uma variedade insuficiente de gêneros textuais.42

_ [...] a explicação poderia ser melhor.43

Qual é a quantidade suficiente de gêneros textuais? O edital não traz especificações sobre o assunto. Os avaliadores do PNLD condenam, mas não apresentam os parâmetros quantitativos ideais. Se o conteúdo do livro condenado poderia ser melhor, é importante que os avaliadores informem como ele poderia ser melhorado. Nos relatórios de repro-vação das nossas obras, a grande maioria das condenações vagas como essas também se configuram como erros de avaliação TIPO 1 (fatos falsos), TIPO 2 (erro conceitual ou de-satualização dos avaliadores), TIPO 4 (diverge das avaliações anteriores), TIPO 5 (excede o poder discricionário) e TIPO 6 (afronta a isonomia).

Um Relatório de Reprovação que exclui uma obra por três anos de todas as vendas para escolas públicas não pode, legal e moralmente, recorrer a afirmações vagas, imprecisas e que não tipificam, de modo inequívoco, os erros usados para justificar a exclusão. Muito mais do que abuso do poder discricionário dos avaliadores, este tipo de erro é forte indício de que eles não trabalharam com o afinco e a qualidade proporcional aos quase R$ 10 mil por livro pagos pelo FNDE. É importante esclarecer que o Relatório de Reprovação se refere a uma obra como um todo, isto é, a todos os livros que compõem uma coleção. Por-tanto, considere que as equipes de avaliação receberam cerca de R$ 40 mil por cada uma

42   UNIVERSIDADE  FEDERAL  DE MINAS  GERAIS.  SECRETARIA  DE  EDUCAÇÃO  BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Projeto ALLE. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009.

43   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009.

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das coleções de Ciências avaliadas44 e R$ 20 mil por cada uma das coleções de Letramento e Alfabetização Linguística45. Depois de ler este livro, o leitor terá melhores condições de avaliar se o dinheiro público foi bem gasto no PNLD 2010.

ILEGALIDADES. Os relatórios de reprovação também encerram erros que sugerem ilegalidades, algumas das quais são tão inusitadas que não se enquadram em nenhuma das categorias de erros que criamos para este livro. O caso mais escandaloso está no Relatório de Reprovação da Coleção Projeto ALLE, no qual os avaliadores do PNLD 2010 afirmam:

No conjunto, as questões pretensamente destinadas à compreensão dos

textos lidos se concentram em: [...]_–antecipar conhecimentos prévios sobre o tema tratado (vol ­1: pp.

22, 24, 32, 36, 44/1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 60, 68) (v ­2: pp. 35,

66, 95, 100, 110).46

Ora, como podem os avaliadores do PNLD 2010 afirmar que as atividades das páginas 1 e 2 do livro do 1º ano da Coleção Projeto ALLE (sic) “se concentram em: [...] – an­tecipar conhecimentos prévios sobre o tema tratado”? Segundo o Edital do PNLD 2010, os avaliadores não podem ter acesso às páginas 1 e 2 dos livros, uma vez que devem avaliar exemplares descaracterizados, isto é, exemplares nos quais as páginas 1 e 2 estão em branco! As páginas 1 e 2 dos livros do PNLD correspondem à folha de rosto e ao verso da folha de rosto cujo conteúdo é definido pelo edital. Se houvesse algum erro nessas pá-ginas, a Coleção teria sido excluída na triagem realizada no IPT e sequer seria submetida à avaliação. Não existe, nem poderia existir qualquer atividade nessas páginas! Ou seja, além da ilegalidade caracterizada pela simples menção aos conteúdos das páginas 1 e 2, esse pequeno trecho do Relatório de Reprovação também caracteriza ERRO TIPO 1, uma vez que não há atividade alguma nelas. Este trecho em particular reúne vários exemplos de erros e desmandos dos avaliadores do PNLD 2010. A questão será discutida com maior profundidade no Capítulo 5.

Esperamos que este preâmbulo tenha sido esclarecedor e sirva como estímulo para o nosso leitor enfrentar a árdua (e por vezes divertida) leitura dos Capítulos 3, 4, 5 e 6, nos quais expomos em maior detalhe os problemas que identificamos nos relatórios de repro-vação de nossas obras.

44   Para efeito do cálculo do custo da avaliação, um livro consiste no texto integral do Livro do Aluno mais a parte específi ca do Manual do Professor. Tipicamente, a parte específi ca do Manual do Professor tem entre 32 e 84 páginas. As coleções de Ciências para os anos iniciais do Ensino Fundamental do PNLD são formadas por quatro livros do aluno e seus respectivos manuais do professor. 

45   As coleções de Letramento e Alfabetização Linguística são formadas por dois livros do aluno e seus respectivos Manuais do Professor, destinados ao alunado das turmas dos 1º e 2º anos.

46   UNIVERSIDADE  FEDERAL  DE MINAS  GERAIS.  SECRETARIA  DE  EDUCAÇÃO  BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Projeto ALLE. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 10.

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Capítulo 2 – A avaliação do livro didático: importância e problemas 67

ReferênciasADOVASIO, J. M.; SOFFER, O.; PAGE, J. �e invisible sex: uncovering the true roles of woman in prehistory. Harper Collins, 2007.

BRASIL. FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO. Relatório de gestão do FNDE: exercício de 2008. Brasília: Ministério da Educação, 2009.

BRASIL. Decreto nº 7.084/2010, de 27/jan/2010. Diário O�cial da União, 27/jan/2010. Seção 1 – Edição Extra.

BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Guia de Livros Didáticos PNLD 2010: letramento e alfabetização/língua portuguesa. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2009.

BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Guia de Livros Didáticos PNLD 2010: ciências. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2009.

BRASIL. SECRETARIA DE ENSINO FUNDAMENTAL. Guia do Livro Didático 1997: ciências. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Ensino Fundamental, 1996.

BRASIL. SECRETARIA DE ENSINO FUNDAMENTAL. Guia do Livro Didático 1998: ciências. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Ensino Fundamental, 1998.

EINSTEIN, A.; INFELD, L. �e evolution of Physics – From Early Concepts to Relativity and Quanta. 2. ed. Nova York: Simon & Schuster Inc., 1966.

MOURÃO, R. R. F. Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.

OLIVEIRA FILHO, K. S.; SARAIVA, M. F. O. Astronomia e Astrofísica. 2. ed. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2004.

OLIVEIRA, N. R.; WYKROTA, J. L. M. Descobrindo o Ambiente. Belo Horizonte: Formato, 1991.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Projeto ALLE. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização Linguística. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Ciências. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009.

Com a palavra o autor.indb 67 20/07/2010 19:47:44

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Com a palavra, o autor68

F I G U R A 2 . 1 Reprodução da ilustração e da legenda considerada equivocada pelos avaliadores do PNLD 1997.

Reproduzido de: OLIVEIRA, N. R. de; WYKROTA, J. L. M. Descobrindo o Ambiente. Belo Horizonte: Formato, 1991, p. 30.

F I G U R A 2 . 2 A ilustração da Figura 2.1 foi modificada de acordo com o comentário dos avaliadores na resenha da coleção, no Guia do Livro Didático – PNLD 1997.

Modificado de: OLIVEIRA, N. R.; WYKROTA, J. L. M. Descobrindo o Ambiente. Belo Horizonte: Formato, 1991, p. 30.

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CAPÍTULO

3O caso da Coleção Caminhos da Ciência

A Coleção Caminhos da Ciência foi elaborada há dez anos e desde então tem sido recebida com sucesso pelos professores que desejam realizar um trabalho

diferenciado do ponto de vista didático e também conceitual. Trata -se de uma coleção inovadora que em sua elaboração pro-curou incorporar as diretrizes descritas no documento de Ciên-cias Naturais dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Por ser fruto da parceria entre um especialista da área de Ciências e uma pedagoga, a Coleção Caminhos desde sempre apresentou forte preocupação com o desenvolvimento das capacidades de leitura e de escrita dos alunos das séries iniciais do Ensino Fun-damental. Por outro lado, nossa experiência enquanto professo-res e capacitadores de professores também se reflete nessa obra: apresentar situações desafiadoras elaboradas a partir das concep-ções construtivistas de aprendizagem expressas nos documentos oficiais do MEC (PCN). Tal tarefa nem sempre se revelou fácil. Além de ser significativa para os alunos, as situações problema-tizadoras de nossa Coleção preocupam -se também em ajudar o professor dos anos iniciais a ampliar os seus conhecimentos sobre o funcionamento da natureza e, sobretudo, acerca do pen-samento científico. Nem sempre a formação desse profissional

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Com a palavra, o autor70

abarca esses temas, e essa deficiência é explicitada com forte ênfase na forma como conduz o trabalho com esse componente curricular em sala de aula.

A bem da verdade, a adesão à Coleção Caminhos sempre foi decorrente de um processo de mudança de paradigmas por parte do professor. Nunca “estouramos” em nossas ven-das1, tanto no contexto da escola pública (por meio do PNLD) como nas escolas particu-lares (quando a Coleção era publicada por outra editora que trabalhava com esse público). Por outro lado, uma vez feita a adesão, o índice de fidelidade aos nossos livros sempre foi constante. Mesmo hoje em dia, quando a Coleção já não é mais comercializada no meio privado, algumas escolas insistem em ter nossos livros e são prontamente atendidas (essas escolas atualmente recebem o arquivo digital para impressão sem custo algum). No nosso entender, a adoção dos nossos livros implica uma revisão da atuação profissional do profes-sor e de sua relação com o conhecimento científico – processo que, na maioria das vezes, é lento e gradual.

Em diversas ocasiões, por meio de encontros com professores de todo o Brasil, tive-mos a oportunidade de observar como essa mudança se efetua na prática docente. Al-guns professores estranham inicialmente a precisão dos termos técnicos de nossos livros e, paulatinamente, observam que os alunos têm uma grande capacidade para lidar com termos e conceitos científicos mesmo quando ainda não têm condições de operá -los for-malmente. Muitos professores reclamam, num primeiro momento, sobre a dificuldade de lidar com uma situação dialógica em sala de aula. Para sua surpresa, pouco a pouco, sentem-se deslumbrados por fazer parte do processo coletivo de descobertas disparado por nossos livros. Há até mesmo aqueles que não conseguem reconhecer que as observações e os experimentos da Coleção Caminhos são efetivamente “atividades”, ou seja, situações de aprendizagem para os alunos. Ficam ressentidos da falta de “perguntas e respostas”, mas logo percebem que essas últimas são prescindíveis. Por outro lado, existem professores que se maravilham com a seleção de imagens da Coleção Caminhos da Ciência e até mesmo sugerem que os livros integrem o acervo da biblioteca para consultas posteriores.

No mercado desde 1998, foi somente no ano de 2001 que a Coleção Caminhos da Ciência participou pela primeira vez de um PNLD. O resultado dessa avaliação represen-tou uma oportunidade para reafirmarmos as nossas convicções como autores. Afinal, os livros destinados à 2ª série (atual 3º ano), 3ª série (4º ano) e 4ª série (5º ano) receberam a classificação máxima: foram aprovados com três estrelas. O livro da 1ª série (atual 2º ano) não ficou para trás, recebendo duas estrelas.

A aprovação na avaliação do PNLD é sempre motivo de muito orgulho para qualquer autor de livro didático. Para nós, é algo que se assemelha a uma defesa de tese de mes-trado ou doutorado, embora, em nossa opinião, a escrita de uma obra didática seja bem mais complexa do que uma tese acadêmica. A aprovação elogiosa de 2001 foi o retorno necessário para irmos em frente e aprimorarmos nossos livros. O esforço não foi em vão. No PNLD seguinte, em 2004, a Coleção Caminhos foi aprovada e recomendada com distinção, a classificação máxima. Até hoje, nenhuma outra obra de Ciências do Ensino

1   A Coleção Caminhos da Ciência vendeu cerca de 7 milhões de exemplares desde a sua primeira edição, em 1998.

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 71

Fundamental foi tão bem recebida entre os avaliadores do PNLD. Podemos afirmar, sem erro, que a Coleção Caminhos se tornou uma referência para outras obras didáticas e, consequentemente, para o ensino de Ciências no nosso país. Caro leitor, não se trata de falta de modéstia. As resenhas do PNLD 2001 e 2004 estão aí para comprovar. E mais: a avaliação do PNLD 2007 também foi muito positiva e a sua resenha também pode ser consultada no Guia de Livros Didáticos. Os elogios permaneceram e a qualidade da obra foi confirmada mais uma vez.

Mas a avaliação do PNLD 2010 chegou a conclusões diametralmente opostas. Sim, de co-leção “aprovada com distinção” a Coleção Caminhos da Ciência, em 2010, passou a ser uma coleção reprovada e excluída. Agora, ela representa um perigo à formação dos jovens estudan-tes! Agora, ela representa um retrocesso na formação dos professores! Como isso é possível?

O principal argumento daqueles que defendem os termos expressos no Relatório de Reprovação da Coleção Caminhos da Ciência é que a nossa obra não atende aos “novos” e “mais rigorosos” critérios de avaliação decorrentes do aprimoramento e amadurecimento do próprio processo avaliativo.

Demonstraremos ao longo deste capítulo que a reprovação e a exclusão da Caminhos da Ciência não ocorreram em função da alteração dos critérios da avaliação. Pelo contrá-rio. A análise comparativa entre as exigências dos editais de 2007 e 2010, por exemplo, indica que as mudanças foram principalmente estilísticas. Se houve mudança, ela não foi expressa pela coordenação da avaliação neste edital e em nenhum outro documento oficial.

Comprovaremos também que os avaliadores do PNLD 2010 erraram na avaliação dos nossos livros. Erraram muitas vezes e cometeram erros de natureza variada: desco-nhecimento de conceitos científicos básicos, falta de atualização com relação às diretrizes didático -metodológicas, erro de leitura e interpretação do texto, falta de veracidade dos fatos etc.

A leitura das próximas páginas se tornará ainda mais esclarecedora se o leitor tiver gosto pelo escrutínio retórico. Nós temos esse rigor e, de certa forma, um prazer intelectual pela análise estrutural dos textos. Não há como negar, faz parte da nossa formação. A catego-rização apresentada no capítulo anterior será bastante útil. Tal como Sextus Empiricus, o filósofo, procuramos mostrar a oposição entre os fatos da realidade e os argumentos da reprovação; o contraste entre a pretensa acuidade desses argumentos e o conhecimento científico expresso na literatura mais elementar; as contradições inerentes à própria argu-mentação frágil e genérica do Relatório de Reprovação, tão característica das proposições dogmáticas. Ao final do capítulo, tal como o antigo filósofo grego, deixamos o leitor chegar às suas próprias conclusões acerca da verdade. Talvez ele sinta apenas vontade de suspender o juízo – a epokhé que gera a ataraxia2. Pode ser que isso aconteça. Mas nós duvidamos: o Relatório de Reprovação é escandaloso, não há como se manter indiferente.

2   Epokhé ou suspensão do  juízo, atitude de não aceitar nem negar uma determinada proposição ou  juízo. Opõe--se ao dogmatismo, em que se aceita uma proposição obscura. Ataraxia: do grego ataraktos, imperturbado: (a = não; tarassein, tarak ‑ = perturbar). Sinônimo para: ausência de preocupação ou de ansiedade. Fonte: Nicola Abbagnano. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1990. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Epokhe> (acesso: maio/2010).

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Com a palavra, o autor72

Refutação integral do item 1.1 do Relatório de Reprovação

O primeiro argumento do Relatório de Reprovação será refutado integralmente, pois encerra vários tipos de erros dos avaliadores do PNLD 20103 e estabelece o padrão do festival de equívocos reunidos no documento que excluiu injustificadamente a Coleção Caminhos da Ciência. O que diz o Relatório de Reprovação:

1. Veiculação de informação incorreta, imprecisa, inadequada e desa­

tualizada.

A Coleção contém diversos conceitos e informações incorretos e/ou ina­

dequados, que induzem aprendizagens equivocadas, como ilustram alguns

exemplos abaixo.

1.1. No livro do 2o ano observa ­se uma série de erros e inadequações.

E’ o que apresenta maior inadequação de linguagem, considerando o nível

cognitivo dos alunos. Como primeiro contato com o tema das ciências,

a preocupação deveria ser a de colocar a criança em situações desa­

fiadoras. Ao invés disso, os autores se perdem, por exemplo, na dis­

cussão do sabor e olfato, tentando isolá ­los, quando na verdade estão

relacionados. Apresenta confusão conceitual ao afirmar na p. 40 “E'

que os cheiros também ajudam a dar a noção de sabor”. O verbo ajudar é

inadequado, a própria morfologia da boca e nariz leva a uma integração

do olfato e paladar causando uma sensação conjunta desses sentidos.

Esse é um exemplo de como, mesmo quando os autores tentam estabelecer

relações, elas são mecânicas e não processuais.4

Como os avaliadores do PNLD 2010 fazem diversas acusações nesse pequeno trecho, decidimos refutar cada uma delas separadamente.

A Coleção foi reprovada por inadequação de linguagem

No primeiro argumento do Relatório de Reprovação, os avaliadores afirmam que ob-servaram “uma série de erros e inadequações” e “inadequação de linguagem, con­siderando o nível cognitivo dos alunos” no livro do 2º ano da Coleção Caminhos da Ciência. Entretanto, é importante destacar que o Relatório cita apenas um suposto erro: a relação entre cheiro e sabor (em particular o uso do verbo “ajudar”) para sustentar sua alegação da existência da “série” de erros e inadequações que justificou a exclusão da Coleção do PNLD 2010.

Já que o assunto é linguagem, vamos ao significado de “série”. A palavra “série” tem vários sentidos, mas as acepções da palavra que se aplicam ao contexto do Relatório de Reprovação têm em comum a noção de quantidade e/ou de repetição de uma coisa, de um

3   Para melhor compreensão dos tipos de erros encontrados no Relatório de Reprovação da Coleção Caminhos da Ciência é interessante consultar a classifi cação estabelecida no Capítulo 2.

4   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, pp. 1 -2. A versão  integral desse documento, em reprodução fac -símile, encontra -se na seção Anexos ao fi nal do livro.

Com a palavra o autor.indb 72 20/07/2010 19:47:47

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 73

fato ou de uma característica. Logo, para caracterizar a existência de uma série é necessário, no mínimo, estabelecer-se um padrão e isso não é possível com apenas um caso.

Na posição de “especialistas” (peritos), com o poder discricionário que essa posição lhes confere, os avaliadores do PNLD 2010 poderiam até alegar que estão dispensados da obrigação de estabelecer o padrão. Sua obrigação, nesse caso, seria apenas indicar a existência da “série” e tipificá -la com um exemplo. Embora essa interpretação do papel do avaliador seja discutível, espera -se, no mínimo, que os avaliadores apresentem um bom exemplo. Isto é, um exemplo que descreva um erro indiscutível e que esse alegado erro seja uma amostra válida da natureza dos erros que supostamente se repetem ao longo do livro reprovado. Mas, e se o suposto erro apontado não for erro? E se o erro for dos avaliadores e não do livro? A conclusão inevitável é que a alegação de existência de “uma série de erros e inadequações” não tem sustentação e deve ser desconsiderada por completo, invalidando a exclusão da obra.

Um pouco mais adiante, neste capítulo, a questão específica do paladar e do olfato serão abordadas e demonstraremos que o texto do nosso livro é correto e que são os ava-liadores do PNLD 2010 que cometem erros conceituais grosseiros. Mas, no momento, gostaríamos apenas de chamar a atenção para uma característica presente em todo o Relatório de Reprovação: a profusão de alegações genéricas e insubstanciadas, que nós classificamos como ERRO TIPO 7. Ao concluir a leitura deste livro, o leitor poderá jul-gar por si se a repetição deste erro dos avaliadores constitui uma “série”. Por ora, vamos apenas contestar a acusação de “inadequação da linguagem, considerando o nível cognitivo dos alunos” do livro do 2º ano da Coleção Caminhos. Uma crítica tão vaga e pouco fundamentada como a que consta no Relatório de Reprovação, na verdade, não passa de uma opinião. Avaliações meramente opinativas só têm guarida no PNLD porque os avaliadores abusam do seu poder discricionário, protegidos que estão pelo cerceamen-to do direito de defesa dos autores.

É importante destacar que acusações genéricas e opinativas não podem ser admiti-das em qualquer relatório de reprovação do PNLD porque são praticamente vazias de conteúdo. Mesmo no contexto deste livro, no qual os autores se dispõem a dar publi-cidade às críticas de suas obras, a defesa contra esse tipo de acusação é difícil. Como a crítica é genérica, não há fatos objetivos a serem debatidos. O debate corre o risco de se restringir ao confronto entre a opinião dos avaliadores e a opinião dos autores. Uma disputa dessa natureza só pode ser decidida por pessoas isentas e capacitadas após a análise do conjunto dos textos. Isto é, por especialistas sem qualquer relação com os autores, sem relação com a equipe de avaliação do PNLD 2010 e sem qualquer inte-resse pessoal no assunto.

Felizmente, para nós, não foi necessário encomendar pareceres de especialistas, essas análises já existem: são os pareceres das equipes de avaliação dos PNLD 2001, 2004 e 2007. Essas avaliações foram realizadas por equipes sob a responsabilidade da Universi-dade de São Paulo (USP) e sua análise levou em consideração praticamente os mesmos critérios estabelecidos pelo Edital do PNLD 2010.

Com a palavra o autor.indb 73 20/07/2010 19:47:47

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Com a palavra, o autor74

A simples consulta às resenhas da Coleção Caminhos da Ciência no Guia do Livro Di-dático dos PNLD 2001, 2004 e 2007 permite verificar que as conclusões dos avaliadores do PNLD 2010 são opostas às conclusões das três equipes de avaliação que a precederam. Essas equipes de avaliação, sob responsabilidade da USP, foram unânimes em considerar a linguagem dos livros da Coleção Caminhos adequada e correta, como demonstram os trechos das resenhas reproduzidos a seguir.

�� Guia de Livros Didáticos PNLD 2001. Classificação do livro da 1ª série (atual 2º ano): (Recomendado). “A linguagem dos textos é clara e correta. Estimula -se a leitura e estabelece -se relação entre os princípios estudados e fenômenos conhecidos. Contudo, alguns termos técnicos não são devidamente explicados no próprio texto ou no glossário, embora haja a sugestão de que o professor explicite palavras e expressões desconhecidas dos alunos.”�� Guia de Livros Didáticos PNLD 2004. Classificação da Coleção: Recomendada com

Distinção. “Observa -se a progressão dos conteúdos ao longo da Coleção. Os conceitos e os textos tornam -se mais densos nos volumes de 3ª e 4ª séries5. Os textos das séries iniciais em geral são adequados à faixa etária a que se destinam, embora pressuponham alunos que já dominem a leitura com certa fluência.”�� Guia de Livros Didáticos PNLD 2007 (a classificação foi abolida). “A linguagem

empregada em toda a Coleção é adequada à faixa etária a que se destina. Ela tem o cuidado de, gradativamente, aumentar a complexidade da leitura de textos, que são enriquecidos por meio de figuras, fotos e ilustrações apropriadamente coloridas. A introdução de novos termos científicos é feita de maneira adequada por meio de notas explicativas de fácil identificação. […] Evitando a utilização de definições prontas, a Coleção valoriza o potencial cognitivo do aluno, aumentando a complexidade dos temas de forma progressiva e temporal ao longo das quatro séries.”

É possível constatar que a linguagem utilizada em Caminhos da Ciência foi sendo apri-morada e a avaliação do PNLD reconheceu esse esforço dos autores. A resenha dessa obra ao longo de três avaliações reconhece esse aprimoramento e o destaca de forma elogiosa nos Guias. O que se verifica, na prática, é que a opinião dos avaliadores do PNLD 2010 é oposta e incompatível com as avaliações precedentes. Conclusões incongruentes sobre um mesmo aspecto de uma mesma coleção indicam que foram utilizados critérios distintos entre uma avaliação e outra ou que uma das avaliações está equivocada. Como não houve alterações significativas nos critérios expressos nos editais de 2001, 2004, 2007 e 2010, conclui -se que a divergência se deve a erro de uma dessas avaliações. O placar de 3 a 1 é claramente a favor dos nossos livros, não é mesmo?

A opinião tão divergente da equipe de avaliadores do PNLD 2010 com relação às ava-liações anteriores coordenadas pela USP deveria, no mínimo, ser muito bem fundamen-tada. Os avaliadores deveriam explicar com clareza e detalhamento os seus argumentos em prol da reprovação e demonstrar com fatos e bibliografia os equívocos das equipes precedentes. Isso eles não fizeram.

5   Atuais 4º e 5º anos.

Com a palavra o autor.indb 74 20/07/2010 19:47:47

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 75

Quando nós confrontamos a SEB com esta evidente contradição, os responsáveis pela avaliação responderam que a reprovação de coleções aprovadas e até recomendadas com distinção em avaliações anteriores pode ser motivada por falta de atualização das obras ou porque (sic) “elas foram reavaliadas à luz de critérios mais rigorosos”6.

Vejamos em qual dos casos se enquadra a nossa Coleção reprovada. O Relatório de Reprovação da Coleção Caminhos da Ciência não aponta nenhum caso de desatualização. Conclui -se, portanto que a obra está atualizada. Se não foi por falta de atualização, a diver-gência com as avaliações anteriores só poderia ser justificada pela aplicação de “critérios mais rigorosos” na avaliação do PNLD 2010. Mas, neste caso, os avaliadores do PNLD 2010 deveriam indicar quais são esses “critérios mais rigorosos”, em que trechos do Edital do PNLD 2010 eles são explicitados, de que maneira os critérios são mais rigorosos que os critérios anteriores e, por último, como o nosso livro deixa de atender a esses “cri­térios mais rigorosos”. Isso os avaliadores do PNLD 2010 não fizeram.

Os editais do PNLD devem, por lei, obedecer ao princípio da publicidade. Esse prin-cípio elementar das licitações estabelece que só valem as regras que forem amplamente divulgadas e estabelecidas no edital. Não há em qualquer parte do Relatório de Reprovação menção a novos critérios de avaliação ou a “critérios mais rigorosos” do que os crité-rios das edições anteriores do PNLD. Esses “critérios mais rigorosos” não são men-cionados porque eles não existem. A simples comparação dos critérios de avaliação estabe-lecidos nos editais dos PNLD 2001, 2004, 2007 e 2010 confirma isso. Consequentemente, os avaliadores do PNLD 2010 não podem alegar que sua divergência com as equipes da USP se deve ao fato de eles julgarem nossa obra com base em critérios diferentes e/ou “mais rigorosos”. Se fizerem isso estarão cometendo o erro que denominamos ERRO TIPO 4, isto é, extrapolaram seu poder discricionário ao avaliar com base em critérios de avaliação incompatíveis ou incoerentes com os critérios utilizados por equipes precedentes, sem que os novos critérios constem do edital.

A reprovação se deu por alegada falta de situações desafiadoras no trabalho com o sentido do paladar

O Relatório de Reprovação afirma que (sic) “Como primeiro contato com o tema das ciências, a preocupação deveria ser a de colocar a criança em situações desa­

fiadoras. Ao invés disso, os autores se perdem, por exemplo, na discussão do

sabor e olfato, tentando isolá ­los, quando na verdade estão relacionados”7.

É necessário esclarecer ao leitor que a discussão do sabor e do olfato condenada pelos avaliadores do PNLD 2010 como exemplo de ausência de situações desafiadoras faz parte de uma lista de curiosidades que tem a função de complementar os conteúdos trabalhados anteriormente no próprio livro do 2º ano por meio de atividades simples,

6   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Ofício nº 1.028/2009. Brasília: Ministério da Educação, 15/jun/2009, p. 3. [grifos nossos].

7   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 2. [grifos nossos].

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mas desafiadoras. A página do livro que contém a passagem condenada, a página 40, foi reproduzida ao final do capítulo (Figura 3.1) para que seja possível verificar os fatos relatados a seguir8.

Um aspecto importante a ser destacado é que nessa mesma página, antes do trecho condenado, o aluno é informado de alguns fatos básicos sobre o paladar e convidado a realizar uma experimentação com algumas substâncias que ilustram quatro dos cinco gostos básicos. Ou seja, a simples consulta ao contexto no qual o trecho condenado se insere prova exatamente o oposto do que afirmam os avaliadores do PNLD 2010. No livro do 2º ano da Coleção Caminhos da Ciência, portanto, os sentidos foram tratados com contextualização, experimentação e por meio de situações desafiadoras. Alegações falsas como essas caracterizam o que denominamos ERRO TIPO 1 (inexistência do fato alegado).

Convém destacar ainda que o trabalho com os sentidos do paladar e do olfato é exa-tamente o mesmo desde a primeira edição da Coleção Caminhos da Ciência. Podemos, então, confrontar o Relatório de Reprovação elaborado pelos avaliadores do PNLD 2010 com as conclusões das equipes avaliadoras dos PNLD de 2001, 2004 e 2007.

�� Guia de Livros Didáticos PNLD 2001. Classificação do livro do 1ª série (atual 2º ano): (Recomendado). “Nas atividades, evita -se a simples repetição de conteúdos. Im-portantes e pertinentes são os experimentos propostos para a compreensão dos fenômenos tratados no livro. […] O livro constitui -se, assim, material didático de qualidade e pode contribuir para um bom trabalho em sala de aula. […] Além disso, o conteúdo científico apresentado é socialmente relevante e adequado à faixa etária a que se destina.”�� Guia de Livros Didáticos PNLD 2004. Classificação da Coleção: Recomendada com

Distinção. “A proposta metodológica da Coleção contribui para que o aluno desenvolva uma visão crítica da realidade e um espírito participativo. A metodologia empregada estimula a interação entre os alunos e suas experiências socioculturais são resgatadas como ponto de partida para o aprendizado. […] A Coleção se distingue pelo estímulo à construção da cidadania e pela preocupação com o desenvolvimento do raciocínio científico.”�� Guia de Livros Didáticos PNLD 2007 (a classificação foi abolida). “A Coleção apre-

senta um conjunto de conceitos, procedimentos e atitudes por meio de textos, gravuras e fotos para que os alunos os operem como instrumentos para a interpretação do mundo científico e tecnológico, obtendo informações do ambiente por meio de experimentos, observações, práticas e jogos. […] A metodologia proposta é clara e busca valorizar, de forma contínua, a aplicação da experimentação e o desenvolvimento da habilidade de observar, valorizando a manifestação do aluno e propiciando o reconhecimento de autoria dos conhecimentos acumulados.”

Como é possível verificar, mais uma vez, a opinião dos avaliadores do PNLD 2010 é diametralmente oposta às conclusões das equipes de avaliação dos PNLD 2001, 2004 e 2007 cujas resenhas destacaram não só a adequação da linguagem como também a presen-

8   Os livros da Coleção Caminhos da Ciência podem ser consultados, na íntegra, em versão PDF, no site da Editora Sarandi: <www.editorasarandi.com.br> (acesso: jul/2010).

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 77

ça de situações desafiadoras. As resenhas da Coleção Caminhos no Guia do Livro Didático dos PNLD anteriores corroboram a nossa refutação.

As conclusões dos avaliadores do PNLD 2010, por serem diametralmente opostas às dos pareceres dos PNLD 2001, 2004 e 2007, deveriam, no mínimo, ser fundamentadas com diversos exemplos claros (para caracterizar uma “série”), objetivos e válidos, apoiados por bibliografia pertinente e com indicação dos erros dos avaliadores anteriores ou dos novos critérios de análise utilizados na avaliação de 2010. Como eles não fizeram isso, mais uma vez os avaliadores do PNLD 2010 incorreram no ERRO TIPO 4.

A Coleção foi reprovada por conter “confusão conceitual”

Os avaliadores justificam a exclusão da obra pela presença de suposta “confusão con­ceitual” caracterizada pela afirmação “E’ que os cheiros também ajudam a dar a noção de sabor”. Mais uma vez é necessário esclarecer que o trecho destacado pelos avaliadores do PNLD 2010 é o mesmo desde a primeira edição da obra e foi avaliado pelas equipes de avaliação dos PNLD 2007, 2004 e 2001 que, acertadamente, não identificaram qual-quer erro, confusão ou inadequação conceitual. A verdade é que a Coleção Caminhos da Ciência dá aos sentidos do olfato e do paladar uma abordagem conceitualmente igual à abordagem dos principais tratados de Neurologia, Fisiologia, Anatomia e Histologia uti-lizados nos cursos de Biologia e Medicina das mais importantes universidades brasileiras, americanas e europeias.

Olfato e paladar são ambos sentidos químicos, mas eles são abordados separadamente nos livros da Coleção, assim como em todos os tratados e livros -texto de neurologia, fisio-logia, histologia e anatomia. Por exemplo:

�� CURI, R.; ARAUJO FILHO, J. P. (Org). Fisiologia Básica. 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009.�� BERNE, R. M. et al. Physiology. 5. ed. St. Louis, EUA: Mosby, 2004.�� GUYTON, A. C.; HALL, J. E. Textbook of medical physiology. 11. ed. Filadélfia-

-EUA: Elsevier -Saunders, 2006.�� PURVES, D. et al. Neuroscience. 3. ed. Sunderland -EUA: Sinauer Associates Publi-

shers, 2004.�� ROPPER, A. H.; BROWN, R. H. Adams and Victor’s – Principles of neurology.

8. ed. Nova York -EUA: McGraw -Hill, 2005.�� BRODAL, P. The central nervous system – structure and function. 3. ed. Oxford-

-EUA: Sinauer Associates Publishers, 2004.�� JUNQUEIRA, L. C.; CARNEIRO, J. Histologia Básica. 10. ed. Rio de Janeiro: Gua-

nabara Koogan, 2004.

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Tal separação não se faz por acaso ou tradição. A Coleção Caminhos da Ciência define paladar e olfato como nos livros citados anteriormente e bem resumido por SCHMIDT--NIELSEN (1997):

To a human the sense of taste refers to materials in contact with the mouth; smell refers to gaseous substances that reach the nose via the air.9

[Para um humano o sentido do paladar refere -se a materiais em contato com a boca; cheiro refere-se a substâncias gasosas que atingem o nariz pelo ar.]

Como destaca LINDEMANN (2001), em artigo de revisão sobre o paladar publicado na Revista Nature, a publicação científica mais conceituada no mundo:

Taste is the sensory system devoted primarily to a quality check of food to be ingested. Although aided by smell and visual inspection, the final recognition and selection relies o chemoreceptive events in the mouth.10

[O paladar é o sistema sensorial dedicado primariamente a uma verificação da quali-dade do alimento a ser ingerido. Embora ajudado pelo cheiro e inspeção visual, o re-conhecimento final e a seleção dependem dos eventos quimiorreceptivos na boca.]

Os trechos citados confirmam o cuidado com o rigor científico presentes nos livros da Coleção Caminhos. Na experiência proposta na página 40 do livro do 2º ano, o aluno é convidado a identificar quatro gostos básicos (doce, salgado, azedo e amargo). Logo em seguida, em uma caixa de texto, o livro:

�� resgata um conhecimento prévio do aluno sobre o paladar (que é mais difícil sentir o gosto dos alimentos com o nariz entupido) e informa que os cheiros também ajudam a dar a noção de sabor;�� informa a descoberta do gosto básico denominado “umami”; e�� informa que outros fatores, tais como a textura e a temperatura do alimento também

influenciam a maneira como se percebe o sabor dos alimentos.

Estes cuidados atendem plenamente às advertências de SCHMIDT -NIELSEN (1997) sobre a questão:

There are more taste qualities than the simple sweet, sour, salty and bitter that have been popularized as the only taste qualities perceived by the mouth. Furthermore, the texture of the food is an important quality of “taste”; if familiar foods have been homogenized, they often are very difficult to recognize.11

[Existem mais qualidades de gostos do que o simples doce, azedo, salgado e amargo que têm sido popularizadas como as únicas qualidades de sabor percebidas pela boca [o gosto umami não havia ainda sido descoberto]. Além disso, a textura do

9   SCHMIDT -NIELSEN, K. Animal Physiology. 5. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1997, p. 536. [tradução nossa].

10   LINDEMANN, B. Receptors and transduction in taste. Nature, v. 413, pp. 219 -225, 13 set. 2001. [tradução nossa].

11   SCHMIDT -NIELSEN, K. Animal Physiology. 5. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1997, p. 536. – nota. [tradução nossa].

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 79

alimento é uma importante qualidade do “gosto”; se alimentos familiares são homo-geneizados, eles frequentemente são difíceis de ser reconhecidos.]

O cuidado dos autores foi mais além, nas páginas 33 e 34 do Manual do Professor do livro do 2º ano são fornecidas diversas sugestões de encaminhamentos e uma grande quantidade de informações adicionais para que o professor possa encaminhar de maneira adequada a matéria. Sobre a questão específica, lê -se:

Informações complementares para o professor:

2. O paladar é um sentido bastante complexo. Além de ser uma combinação dos sabores básicos, vários outros fatores contribuem para a nossa percepção do gosto: a temperatura, a textura, a consistência e o cheiro. A participação do cheiro é muito importante, por isso é difícil sentir sabor quando as vias respiratórias estão congestionadas.

O texto de SCHMIDT -NIELSEN, o Manual do Professor e o artigo de LINDMANN na Revista Nature refutam de maneira inequívoca a acusação de que a Coleção Caminhos da Ciência “tenta isolar sabor do olfato” e que incorre em “confusão conceitual”.

Em resposta aos nossos protestos, os avaliadores do PNLD 2010 desconsideraram a avassaladora lista de referências que dão sustentação ao texto da Coleção Caminhos e ates-tam a correção conceitual da terminologia utilizada procurando refúgio na Norma Técnica NBR 12.806/1993, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Segundo os avaliadores do PNLD 2010, o erro (confusão) conceitual está no uso da palavra “sabor” como sinônimo da palavra “gosto”, uma vez que a NBR 12.806/1993 estabelece que os termos devem ser usados com significados diferentes.

A exigência do uso das definições estabelecidas pela NBR 12.806/1993 em livros di-dáticos não tem sustentação legal e é inadequada. Carece de sustentação legal porque não é uma exigência do Edital do PNLD 2010. Inadequada porque a NBR 12.806/1993 (sic) “define os termos empregados em estudos que envolvem análise sensorial dos alimentos e bebidas”12. Ela é destinada à adequação da indústria e comércio brasileiros de alimentos e bebidas aos padrões internacionais (ISO). Ela não foi elaborada para disciplinar termos científicos e, muito menos, para orientar o estudo dos sentidos nos anos iniciais do Ensino Fundamental. A ABNT e a ISO não têm autoridade, competência ou vocação para isso. Na verdade, esta exigência, além de não ter sustentação legal, científica e pedagógica cons-titui um flagrante exemplo de imperícia dos avaliadores do PNLD 2010.

Segundo a Norma NBR 12.806/1993, o termo “gosto” deve ser usado apenas para os gostos primários (doce, salgado azedo, amargo e umami). Ela veda seu uso para designar (sic) “a combinação de sensações gustativas, olfativas e táteis que devem ser designadas pelo

12   ABNT. NBR 12.806. Análise sensorial dos alimentos e bebidas. Rio de Janeiro, 1993, p. 1.

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termo ‘sabor’” 13. A maioria dos livros acadêmicos brasileiros simplesmente desconsidera a Norma da ABNT. Segundo:

SILVEIRA (2009):

Graças à informação transmitida das células gustativas para o cérebro, são atribuídos sabores às diferentes substâncias químicas presentes nos alimentos.

Os seres humanos e outros mamíferos podem detectar e discriminar pelo menos cinco classe de sabores, aos quais estão associadas a substâncias pertencentes a grupos químicos distintos: doce (açúcares), amargo (alcalóides e outras substâncias), umami ou delicioso (aminoácidos), salgado (sais) e azedo (ácidos).14

METZGER (2009):

A transdução gustativa é o processo pelo qual uma substância química (um sabor) causa uma resposta elétrica em uma célula receptora gustativa. Com os avanços da biologia mo-lecular, hoje sabemos que existem vários mecanismos diferentes para a transdução das cin-co submodalidades (sabores) gustativas básicas: doce, amargo, ‘umami’, ácido e salgado.15

JUNQUEIRA e CARNEIRO (2004):

Existem pelo menos quatro qualidades na recepção humana de sabor: salgado, azedo, doce e amargo.

Substâncias dissolvidas na saliva contactam as células gustativas através do poro, intera-gindo com receptores gustativos (sabores doce e amargo) ou canais iônicos (sabores salgado e azedo) na superfície das células.16

O mesmo acontece no resto do mundo, a regulamentação da ISO (no qual se funda-menta a Norma da ABNT) é simplesmente desconsiderada nas pesquisas científicas e no meio educacional. Por exemplo, nos textos de LINDMANN e SCHMIDT -NIELSEN, reproduzidos anteriormente, o termo “gosto” (taste) é usado tanto para descrever os gostos primários como também o gosto dos alimentos, resultado da integração de informações gustatórias, olfatórias, visuais, de temperatura, de textura etc. no cérebro. Ou seja, usam o termo “gosto” no sentido que as normas da ABNT e da ISO definem como “sabor”. O caso inverso, no qual o termo “sabor” é usado para descrever um gosto primário também é frequente. Ambos os casos podem ser verificados em tratados consagrados mundialmen-te, como, por exemplo: ROPPER e BROWN (2005, p. 199 e 201), GUYTON e HALL (2006, p. 666), BRODAL (2004, pp. 238 -239) e PURVES et al. (2004, p. 359 e 366).

13   Ibidem, p. 3.

14   SILVEIRA, L. C. L. Bases da fisiologia sensorial. In: CURI, R.; ARAUJO FILHO, J. P. (Org). Fisiologia Básica. 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009, p. 189.

15   METZGER, M. A. Gustação. In: CURI, R.; ARAUJO FILHO, J. P. (Org). Fisiologia Básica. 1. ed. Rio de Janeiro: Gua-nabara Koogan, 2009, p. 274.

16   JUNQUEIRA, L. C.; CARNEIRO, J. Histologia Básica. 10. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004, p. 286 -287. Este  tratado,  utilizado por muitas das principais  faculdades de Medicina brasileiras,  foi  traduzido para o  inglês  e  é comercializado nos EUA onde obteve enorme sucesso de adoção e vendas e ocupou inclusive o topo do ranking da Amazon Books americana. Em janeiro de 2010, ocupava a segunda posição.

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 81

A terminologia preconizada pela ISO e pela Norma NBR 12.806/1993 é adotada pre-dominantemente por pesquisadores ligados à indústria de bebidas e alimentos em geral. Esta opção, embora não seja incorreta, é minoritária na comunidade científica e não in-valida a terminologia utilizada nos livros da Coleção Caminhos da Ciência e adotada pela maioria dos livros -texto e tratados de fisiologia, anatomia, histologia e neurologia.

É necessário enfatizar que, assim como a Norma NBR 12.806/1993 não disciplina a ter-minologia científica, ela também não se destina a orientar a terminologia de textos didáticos, em particular os textos destinados ao Ensino Fundamental! Uma prova disso é que a Norma 12.806 foi estabelecida em 1993, mas não foi mencionada nos Parâmetros Curriculares Na-cionais e nem foi exigida em qualquer uma das avaliações anteriores do PNLD. O Edital do PNLD 2010 também não faz qualquer referência à Norma NBR 12.806/1993!

Outra sólida prova da inadequação da Norma NBR 12.806/1993 para textos desti-nados aos alunos do Ensino Fundamental é fornecida por inúmeros artigos da Revista Ciência Hoje das Crianças nos quais os termos “sabor” e “gosto” são usados exatamente como nos livros da Coleção Caminhos da Ciência e, portanto, em desacordo com a Nor-ma NBR 12.806/1993. É importante ressaltar que a Revista Ciência Hoje das Crianças é uma publicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) destinada aos alunos do Ensino Fundamental. A qualidade e a adequação dos artigos da Revista Ciência Hoje das Crianças é atestada pela SBPC, pelo currículo dos seus autores (professores uni-versitários) e pelo próprio responsável pela Comissão Técnica do PNLD 2010, Professor Doutor Antonio Carlos Pavão, que recomendou a Revista Ciência Hoje das Crianças como fonte de informação de qualidade para os professores do Ensino Fundamental17. Apenas a título de ilustração, listam -se a seguir alguns artigos publicado na Revista Ciência Hoje das Crianças nos quais os termos sabor e gosto são utilizados do mesmo modo do que nos livros da Coleção Caminhos da Ciência.

�� MALNIC, B. O sentido do seu nariz. Revista Ciência Hoje das Crianças. Rio de Janeiro, n. 155, p. 19 -21, mar. 2005. A Professora Malnic é do Departamento de Bioquí-mica do Instituto de Química da Universidade de São Paulo.�� HERCULANO -HOUZEL, S. Por que sentimos água na boca? Revista Ciência Hoje

das Crianças. Rio de Janeiro, n. 152, p. 28, nov. 2004. A Professora Herculano -Houzel é do Departamento de Anatomia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.�� HERCULANO -HOUZEL, S. Por que sentimos nojo? Revista Ciência Hoje das

Crianças. Rio de Janeiro, n. 148, p. 28, jul. 2004.�� MARQUES, C. A. Curiosidade sobre os temperos. Revista Ciência Hoje das Crian-

ças. Rio de Janeiro, n. 134, p. 18 -21, abr. 2003. O Professor Marques é do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

17   A  recomendação da Revista Ciência Hoje das Crianças  foi  feita pelo Professor Pavão no “Programa Salto para o  Futuro”,  da  TVEscola.  Disponível  em:  <http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2006/ldq/tetxt1.htm>  (acesso: jun/2009).

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�� SILVA, J. T. A troca de sentidos. Revista Ciência Hoje das Crianças. Rio de Janeiro, n. 130, p. 20 -21, nov. 2002. O Professor Silva é do Departamento de Bioquímica da Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro.�� ARBILLA, G. Um vulcão de ácido e base. Revista Ciência Hoje das Crianças. Rio de

Janeiro, n. 99, p. 22 -23, jan./fev. 2000. A Professora Arbilla é do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

As evidências que apresentamos são avassaladoras. Os avaliadores do PNLD 2010 erra-ram. O nosso livro não comete qualquer erro ou confusão conceitual ao trabalhar os sentidos do paladar e do olfato. Muito pelo contrário, a matéria é tratada, tanto no Livro do Aluno como no Manual do Professor, com correção, propriedade e atualização. Não foi por acaso que os avaliadores dos PNLD 2001, 2004 e 2007 não fizeram qualquer objeção ao texto.

Na realidade, os avaliadores do PNLD 2010 cometeram erros gravíssimos nesta ques-tão. O primeiro é que reprovaram como conceitualmente errado um texto conceitualmente correto, o que demonstra sua imperícia e caracteriza o que denominamos ERRO TIPO 2. Diante das irrefutáveis evidências que apresentamos, os avaliadores do PNLD 2010 procu-raram guarida na Norma NBR 12.806/1993. Esse ardil não esconde seu erro e, na nossa opinião, equivale a uma confissão de que eles exorbitaram suas atribuições ao assumirem que avaliaram nossa obra com base em critérios estranhos aos estabelecidos pelo Edital do PNLD 2010 (ERRO TIPO 5). Por último, há que se considerar que os avaliadores do PNLD 2010 também não explicaram nem fundamentaram sua divergência com as três equipes de avalia-ção anteriores (ERRO TIPO 4). Toda essa série de equívocos nos faz duvidar que a Coleção Caminhos da Ciência tenha sido objeto de uma avaliação competente e isenta.

A Coleção foi reprovada por uso inadequado do verbo “ajudar”

Na condenação ao livro do 2º ano, os avaliadores do PNLD 2010 ainda afirmam (sic) “Apresenta confusão conceitual ao afirmar na p. 40 ‘E’ que os cheiros também ajudam a dar a noção de sabor’. O verbo ajudar é inadequado.”

No contexto da frase destacada pelos avaliadores do PNLD 2010, o uso do verbo aju-dar é perfeitamente justificável e cabível, tanto do ponto de vista científico como do ponto de vista didático. Basta consultar suas várias acepções em qualquer dicionário (contribuir, coadjuvar, cooperar, favorecer etc.). Tanto é assim que esse verbo foi utilizado, exatamente no mesmo contexto, por LINDEMANN (2001) no seu artigo na Revista Nature:

Taste is the sensory system devoted primarily to a quality check of food to be ingested. Although aided by smell and visual inspection, the final recognition and selection relies o chemoreceptive events in the mouth.18

[O paladar é o sistema sensorial dedicado primariamente a uma verificação da quali-dade do alimento a ser ingerido. Embora ajudado pelo cheiro e inspeção visual, o re-conhecimento final e a seleção dependem dos eventos quimiorreceptivos na boca.]

18   LINDEMANN, B. Receptors and transduction in taste. Nature, v. 413, p. 219, 13 set. 2001. [grifos e tradução nossos].

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 83

A confusão conceitual, mais uma vez, é dos avaliadores do PNLD 2010. O uso do verbo “ajudar” na Coleção Caminhos da Ciência não só é apropriado como também foi usado por uma das maiores autoridades mundiais sobre o assunto exatamente no mesmo contexto em um artigo publicado na revista científica de maior impacto!

A prova cabal e irrefutável da confusão conceitual dos avaliadores do PNLD 2010 está na justificativa para sua objeção ao uso do verbo “ajudar”. Eles afirmam que o verbo ajudar é inadequado porque (sic) “a própria morfologia da boca e nariz leva a uma integração do olfato e paladar causando uma sensação conjunta desses

sentidos.” Esta afirmação é uma verdadeira “pérola”, uma forte candidata a compor a lista das 10 mais do anedotário da avaliação do PNLD 2010! O tom professoral usado pelos avaliadores do PNLD 2010 para proferir uma besteira de tão grande proporção apenas reitera o nonsense de seus argumentos.

No texto de refutação do Relatório de Reprovação enviado à SEB nós desafiamos os avaliadores do PNLD 2010 a produzirem um artigo científico (apenas um, um só!) sobre os seus fundamentos acerca da relação entre a anatomia da boca e do nariz com a inte-gração dos sentidos do olfato e do paladar. É claro que os avaliadores do PNLD 2010 se calaram sobre o assunto. O motivo é óbvio, a alegação não tem fundamentação! Os ava-liadores do PNLD 2010 confundem, esquecem ou ignoram o que ensinam os tratados de neuroanatomia, fisiologia, neurofisiologia e neurologia19:

�� os receptores de gostos são diferentes dos receptores de cheiros;�� as vias neurais que conduzem as informações olfatórias são diferentes daquelas que

conduzem as informações gustatórias (nervos cranianos distintos);�� os centros corticais que recebem as informações olfatórias e gustatórias são distintos e

afastados um do outro; e�� somente em centros corticais associativos é que as informações gustatórias são comple-

mentadas por outras informações sensoriais, entre elas as informações olfatórias.

Em termos mais simples, a (sic) “integração” (isto é, a incorporação de um elemento num conjunto) das informações olfatórias às informações gustatórias para dar a sensação de sabor ocorre no córtex cerebral e não em decorrência da morfologia da boca e do nariz. Nem mesmo o texto da ABNT, que por não ser um texto científico não tem obrigação de obedecer ao rigor descritivo do processo, sustenta o Relatório de Reprovação. Este é um exemplo claríssimo do ERRO TIPO 2.

Não há, portanto, inadequação no uso do verbo ajudar. Pelo contrário, seu uso é apro-priado tanto no artigo científico como no texto do nosso livro do 2º  ano do Ensino Fundamental. Mais uma vez, constata -se o acerto das equipes de avaliação sob responsa-bilidade da USP (PNLD 2001, 2004 e 2007) ao aprovarem e recomendarem a Coleção Caminhos da Ciência e, consequentemente, o erro dos avaliadores do PNLD 2010.

19   SILVEIRA opus cit., METZGER, opus cit., ROPPER e BROWN opus cit., GUYTON e HALL opus cit., BRODAL opus cit., e PURVES et al. opus cit. 

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Com a palavra, o autor84

Síntese da refutação do item 1.1 do Relatório de Reprovação

A demonstração dos erros dos avaliadores do PNLD 2010 no item 1.1 do Relatório de Reprovação é longa demais até para o nosso leitor mais paciente. Portanto, decidimos fazer um breve sumário das nossas constatações.

�� O Relatório de Reprovação afirma haver uma série de erros e inadequações, mas cita apenas um exemplo.�� Nós demonstramos que as conclusões do Relatório de Reprovação elaborado pelos

avaliadores do PNLD 2010 divergem frontalmente das conclusões das três equipes de avaliação precedentes. Comprovamos também que os avaliadores do PNLD 2010 não demonstraram que os seus antecessores erraram ou a existência de novos critérios de ava-liação que justifiquem conclusões tão divergentes.�� O único exemplo citado no Relatório de Reprovação para comprovar a confusão con-

ceitual e a inadequação de linguagem do nosso livro do 2º ano não resistiu à análise e revelou -se inválido. Ficou, portanto, claramente demonstrada a correção e adequação da Coleção Caminhos da Ciência e os erros grosseiros dos avaliadores do PNLD 2010.

A refutação do item 1.1 do Relatório de Reprovação demonstrou que a tarefa pode ser árdua e árida. Em consideração ao leitor, nós decidimos, de agora em diante, mostrar apenas alguns exemplos de erros dos avaliadores do PNLD 2010. A escolha deu preferência aos casos mais graves, mais pitorescos e aqueles que melhor ilustram determinados tipos de distorções.

Erros dos avaliadores do PNLD 2010 presentes no Relatório de Reprovação

Em consideração ao leitor, apresentamos na sequência apenas alguns exemplos de er-ros dos avaliadores presentes na segunda parte do Relatório de Reprovação da Coleção Caminhos da Ciência. Isto não significa que não existam outros. Eles existem. A bem da verdade, todas as alegações dos avaliadores do PNLD 2010 foram refutadas por nós e constam de um documento que poderá ser consultado por quem desejar se aprofundar no assunto20.

O oxigênio que não é liberado pelas plantas no ambiente?!

O que diz o Relatório de Reprovação:

1. Veiculação de informação incorreta, imprecisa, inadequada e desa­

tualizada.

20   Os interessados em conhecer a totalidade do documento de refutação ao Relatório de Reprovação da Coleção Caminhos da Ciência deverão encaminhar carta à Editora Sarandi com sua identifi cação, sua afi liação profi ssional e uma breve exposição do seu interesse no assunto.

Com a palavra o autor.indb 84 20/07/2010 19:47:48

Page 85: Com a palavra o autor

Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 85

A Coleção contém diversos conceitos e informações incorretos e/ou ina­

dequados, que induzem aprendizagens equivocadas, como ilustram alguns

exemplos abaixo. [...]

1.3. No livro do 4o ano [...] na p. 66 afirma ­se que: “As plantas

geralmente produzem mais oxigênio na fotossíntese do que elas con­

somem na respiração e o excesso de oxigênio é eliminado no ambien­

te”. Pela equação da reação de fotossíntese da glicose e a equação

química da rea ção de oxidação da glicose, percebe ­se que o número de

mols de oxigênio consumido e formado é exatamente o mesmo, seis, por

mol de glicose.21

Repare o leitor que a frase do nosso livro condenada por veicular informação incorreta pelos avaliadores do PNLD 2010 é um trecho da página 66 do livro do 4º ano no qual se diz que “As plantas geralmente produzem mais oxigênio na fotossíntese do que elas consomem na respiração e o excesso de oxigênio é eliminado no ambiente”. Os avaliadores, em tom pro-fessoral e técnico, explicaram que a frase do livro está errada porque (sic):

Pela equação da reação da fotossíntese da glicose e a equação química

da oxidação da glicose, percebe ­se que o número de mols de oxigênio

consumido e formado é exatamente o mesmo, seis por mol de glicose.

Ou seja, os avaliadores afirmaram que as plantas consomem, na sua respiração, todo o oxigênio que produzem na fotossíntese, portanto, segundo eles, não haveria oxigênio excedente para ser eliminado no ambiente. Certo?

Não, errado!

As equações das reações químicas realmente indicam que o oxigênio e a glicose são produzidos na fotossíntese na mesma proporção em que são consumidos na respiração.

Equação da fotossíntese: 6 CO2 + 12 H2O 6 C6H12O6 (glicose) + 6 O2 + 6 H2O

Equação da respiração: 6 C6H12O6 (glicose) + 6 O2 6 CO2 + 6 H2O

E daí? Esse fato prova o suposto erro do livro? De jeito nenhum!

Os avaliadores do PNLD 2010 cometem um erro conceitual gravíssimo ao confundir as equações químicas com os processos propriamente ditos. Eles ignoram que a fotossínte-se e a respiração são processos fisiológicos diferentes, cujas taxas variam ao longo do tempo de modo independente. O Relatório de Reprovação, portanto, revela que os avaliadores do

21   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, pp. 2 -3.

Com a palavra o autor.indb 85 20/07/2010 19:47:49

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Com a palavra, o autor86

PNLD 2010 desconhecem conceitos básicos de fisiologia vegetal, em particular o conceito de “ponto de compensação fótica”, assim descrito por TAIZ e ZEIGER (2006):

No escuro não há assimilação fotossintética de carbono, em vez disso, o CO2 é emitido pela planta devido à respiração mitocondrial. Por convenção, a assimilação de CO2 é negativa nesta parte da curva de resposta à luz. À medida que o fluxo fotônico aumenta, a assimilação fotossintética de CO2 cresce linearmente até igualar -se à liberação de CO2 pela respiração mitocondrial. O ponto de compensação da luz é aquele em que há um exato equilíbrio entre a absorção fotossintética e liberação de CO2. […]

Uma elevação do fluxo fotônico acima do ponto de compensação da luz provoca o au-mento proporcional na taxa fotossintética […].22

Ou seja, o ponto de compensação fótica indica a incidência mínima de luz necessária para que a taxa fotossintética se iguale à taxa respiratória (ou seja, produção de alimento e O2 igual ao consumo de alimento e de O2). Acima do ponto de compensação fótica, a taxa fotossintética supera a taxa respiratória, gerando excedentes de oxigênio. Segundo TAIZ e ZEIGER (2006, p. 300) “as plantas respiram aproximadamente metade da produção fotossintética diária.”

A verdade é que o texto do nosso livro reprovado veicula uma informação absoluta-mente correta e sustentada por bibliografia consagrada. Não existe dúvida na comunidade científica de que as plantas (e demais organismos fotossintetizadores) geralmente produ-zem uma quantidade maior de oxigênio do que elas consomem na respiração e de que o excedente é eliminado no ambiente. Este fato é comprovado por experiências simples e clássicas, como a descrita em PRADO e CASATI (2006)23.

É muito preocupante constatar que os avaliadores do PNLD 2010, encarregados de zelar pela qualidade da informação nos livros didáticos, não saibam que a vida na Terra, tal como a que conhecemos hoje, depende de uma taxa fotossintética superior à taxa respira-tória das plantas e demais organismos fotossintetizantes.

É particularmente doloroso para nós constatar que o Professor Doutor Nelson Studart assinou um relatório com uma barbaridade dessas em nome da Universidade Federal de São Carlos, instituição de excelência, onde um dos autores da Coleção Caminhos obteve seu grau de Mestre em Ecologia e Recursos Naturais24.

Mas não é necessário ser um Mestre em Ecologia para se aterrorizar com os argumen-tos do Relatório de Reprovação da Coleção Caminhos. Qualquer pessoa razoavelmente informada tem conhecimento de que as plantas eliminam oxigênio no ambiente e que esse

22   TAIZ, L.; ZEIGER, E. Fisiologia vegetal. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006, p. 227.

23   PRADO, C. H. B. A.; CASATI, C. A. Fisiologia vegetal – Práticas em relações hídricas, fotossíntese e nutrição mine-ral. 1. ed. Barueri: Manole, 2006, p. 186 -205. O Professor Carlos Henrique B. A. Prado é docente na UFSCar e o biólogo Carlos A. Casati é técnico e auxiliar de laboratório na mesma instituição. 

24   Em defesa da UFSCar, chamamos a atenção do leitor para o fato de os autores do excelente livro citado na nota de rodapé anterior pertencerem aos quadros dessa universidade. 

Com a palavra o autor.indb 86 20/07/2010 19:47:49

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 87

oxigênio é utilizado pelos demais seres vivos que têm respiração aeróbica como a espécie humana e a maioria dos outros animais. Nas palavras de RAVEN et al.:

Photosynthesis releases oxygen (O2) into the air we breathe, and it is this oxygen that plays such an important role in cellular respiration and the accompanying synthesis of ATP, thus, without photosynthesis, plants and animals, including humans, would suffo-cate and starve.25

[Fotossíntese libera oxigênio (O2) no ar que respiramos e é esse oxigênio que tem um papel tão importante na respiração celular e na síntese de ATP que a acompa-nha. Portanto, sem a fotossíntese, plantas e animais, incluindo os humanos, sufoca-riam e morreriam de fome.]

O excedente de produção de alimento pelas plantas (e, consequentemente, o excedente de produção de oxigênio) está expresso nos conceitos básicos de ecologia como “produção primária total”, “produção primária líquida”, “produtividade primária bruta” e “produti-vidade primária líquida”. Estes conceitos são tão elementares que constam em qualquer livro -texto de Ecologia, de Fisiologia Vegetal ou de Biologia Geral26.

A bem da verdade, a informação veiculada pelo texto reprovado é tão consensual que está presente em praticamente todos os livros didáticos de Ciências, até mesmo naqueles destinados aos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para reprovar um texto correto, os avaliadores do PNLD 2010 misturaram fatos e conceitos para compor um verdadeiro “bes-teirol”, digno dos mais hilários anedotários do vestibular. Esta parte do Relatório de Repro-vação constitui, portanto, um bom exemplo do que classificamos como ERRO TIPO 2.

Adicionalmente, informamos ao nosso leitor que o texto considerado incorreto pelos avaliadores do PNLD 2010 é exatamente o mesmo das edições anteriores da Coleção Ca-minhos da Ciência. Na avaliação dos PNLD 2001, 2004 e 2007, então sob a responsabili-dade da Universidade de São Paulo, os avaliadores não identificaram nesse trecho do livro qualquer inadequação textual ou incorreção conceitual. Logo, o parecer dos avaliadores do PNLD 2010 é oposto ao parecer das equipes de avaliação dos PNLD 2001, 2004 e 2007. Caracteriza -se, portanto a incoerência e a inconsistência do Relatório de Reprovação com avaliações anteriores, o ERRO TIPO 4 da nossa classificação.

Também merece ser mencionado que coleções aprovadas no PNLD 2010 veiculam informações iguais ou semelhantes (em seus textos e figuras) àquela que foi considerada incorreta no livro da Coleção Caminhos da Ciência. Este fato configura mais um grave

25   RAVEN, P. H.; EVERT, R. F.; EICHHORN, S. E. Biology of Plants. 6. ed. Nova York -EUA: W. H. Freeman, 1999, p. 126. [grifos e tradução nossos].

26   Por exemplo:TAIZ, L.; ZEIGER, E. Fisiologia vegetal. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.BEGON, M.; TOWNSEND, C. R.; HARPER, J. L. Ecologia – De indivíduos a Ecossistemas. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. RAVEN, P. H.; EVERT, R. F.; EICHHORN, S. E. Biology of Plants. 6. ed. Nova York -EUA: W. H. Freeman, 1999.RICKLEFS, R. E.; MILLER, G. L. Ecology. 4. ed. Nova York -EUA: W.H. Freeman, 1999.MARGALEF, R. Ecología. Barcelona -Espanha: Ediciones Omega, 1980.PHILLIPSON, J. Ecologia Energética. São Paulo: Editora Nacional, 1977.ODUN, E. P. Fundamentals of Ecology. 3. ed. Filadélfia -EUA: W. B. Saunders, 1971.

Com a palavra o autor.indb 87 20/07/2010 19:47:49

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Com a palavra, o autor88

erro da avaliação: a afronta ao princípio da isonomia. Merece, portanto, a classificação de ERRO TIPO 6.

Paradoxalmente, a presença do conteúdo reprovado em nosso livro em obras aprovadas nos proporciona algum conforto, pois pode ser um indício que o erro do qual fomos víti-mas constitui um caso único na avaliação do PNLD 2010. Mas, se for este o caso, não se pode descartar a hipótese de que a nossa obra estava marcada para o abate e que os avalia-dores, protegidos pelo sigilo e pelas regras do PNLD 2010 que ainda impedem a defesa dos autores27, nem se deram ao trabalho de buscar fundamentação plausível para a reprovação. Francamente não temos como saber qual é a verdade com os poucos fatos que dispomos.

Terremoto e tremor são conceitos diferentes?!

O que diz o Relatório de Reprovação:

1. Veiculação de informação incorreta, imprecisa, inadequada e desa­

tualizada.

A Coleção contém diversos conceitos e informações incorretos e/ou ina­

dequados, que induzem aprendizagens equivocadas, como ilustram alguns

exemplos abaixo.

1.4. No livro do 5o ano, [...] na p. 124 há erro conceitual com a não

diferenciação entre tremor de terra e terremoto.28

Caro leitor, por incrível que pareça, os avaliadores do PNLD 2010 não fundamentaram nem apresentaram bibliografia pertinente para comprovar que “tremor de terra” e “ter­remoto” são termos que denominam conceitos diferentes. Nem poderiam, pois não há dis-tinção conceitual entre “tremores de terra” e “terremotos”. Segundo ASSUMPÇÃO (2001):

Embora a palavra ´terremoto´ seja utilizada mais para os grandes eventos destrutivos, enquanto os menores geralmente são chamados de abalos ou tremores de terra, todos são resultado do mesmo processo geológico de acúmulo lento e liberação rápida de tensões.29

Ao contrário do que afirmam os avaliadores do PNLD 2010 no Relatório de Repro-vação, os termos e expressões “terremoto”, “abalo”, “abalo sísmico”, “sismo”, “tremor” e “tremor de terra” são usados sem uma diferenciação formal nos livros -texto de Geologia.

27   Como já destacamos anteriormente, o direito de recurso estabelecido pelo Decreto nº 7.084/2010 só terá efeito a partir do PNLD 2013 e com uma grave limitação: o julgamento do recurso pela própria equipe avaliadora. Mais infor-mações sobre o assunto nos Capítulos 1, 2 e 7.

28   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 3. [grifos nossos].

29   ASSUMPÇÃO, D. N. Sismicidade e estrutura interna da Terra. In: TEIXEIRA, W. et al. (Org.). Decifrando a Terra. São Paulo: Ofi cina de Textos, 2001, p. 45.

Com a palavra o autor.indb 88 20/07/2010 19:47:49

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 89

A correção conceitual do livro reprovado é atestada por diversos tratados como, por exemplo:

�� PRESS, F. et al. Para entender a Terra. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2006.�� TEIXEIRA, W. et al. (Org.). Decifrando a Terra. São Paulo: Oficina de Textos. 2001.�� LEINZ, V.; AMARAL, S. E. Geologia Geral. 8. ed. São Paulo: Companhia Editora

Nacional, 1980.

A correção do livro injustamente reprovado fica ainda mais evidente nas palavras de WICANDER e MONROE (2009):

Os geólogos definem um terremoto [grifo no original] como um abalo ou tremor causado pela liberação repentina de energia, normalmente como resultado da falha que envolve o deslocamento das rochas. […]

Após um pequeno terremoto, os abalos secundários geralmente cessam dentro de alguns dias, mas após um grande terremoto, eles podem continuar por meses.30

Ou seja, o erro conceitual é dos avaliadores do PNLD 2010 e não do livro que eles reprovaram! E pior: além de realizarem uma avaliação incorreta, os avaliadores exigem que a obra confira status de conceito científico a termos do cotidiano. Com base em qual literatura de referência eles justificam essa exigência? Configura -se, portanto, uma afronta direta aos critérios estabelecidos no Edital do PNLD 2010 que, em sua página 60, estabe-lece especificamente que o livro didático de Ciências deverá (sic) “privilegiar a apresentação da terminologia científica, fazendo uso, quando necessário, de aproximacões adequadas, sem, no entanto, ferir o princípio da correção conceitual”.

Os avaliadores do PNLD 2010 provam, assim, o seu desconhecimento do fato de que é apropriado e conceitualmente correto usar as expressões “terremoto” e “tremor de terra” tanto para um sismo de grau 8 na escala Richter (um grande terremoto ou um grande tremor de terra) como para um sismo de grau 2 (um pequeno terremoto ou um pequeno tremor de terra). A imperícia dos avaliadores do PNLD 2010 resultou na re-provação infundada da Coleção Caminhos da Ciência (ERRO TIPO 2).

É mais uma vez pertinente destacar que o texto sobre sismos é o mesmo das edições anteriores da Coleção Caminhos da Ciência, aprovado e recomendado nas avaliações dos PNLD 2001, 2004 e 2007. Configura -se, portanto, mais um caso de ERRO TIPO 4.

Matéria ocupa lugar no espaço

O que diz o Relatório de Reprovação:

2. Conteúdo indutor de aprendizagem equivocada

2.1. No livro do 4o ano, pp. 12 ­14, a concepção de que a matéria ocupa

lugar no espaço não pode ser justificada com o princípio da impenetra­

30   WICANDER, R.; MONROE, J. S. Fundamentos de Geologia. São Paulo: Cengage Learning, 2009, p.  185.  [grifos nossos].

Com a palavra o autor.indb 89 20/07/2010 19:47:50

Page 90: Com a palavra o autor

Com a palavra, o autor90

bilidade. Essa explicação traz uma concepção aceita até o século XIX

de que a matéria é formada por átomos e que os átomos são bolas com­

pactas indivisíveis. Hoje sabemos que a matéria é formada por grandes

vazios. Portanto, a propriedade da matéria de ocupar lugar no espaço

não pode ser justificada dessa forma.31

Os avaliadores do PNLD 2010 reprovaram o livro do 4º ano da Coleção Caminhos da Ciência acusando -o de justificar a propriedade da matéria ocupar espaço pelo “princí­pio da impenetrabilidade”. A verdade é outra. Em nenhuma passagem do nosso livro reprovado se enuncia ou se refere ao princípio da impenetrabilidade. Mais ainda, o livro não apresenta qualquer justificativa ou explicação para a propriedade da matéria ocupar espaço. A acusação de que o livro apela para o “princípio da impenetrabilidade” é falsa (ERRO TIPO 1), não passa de uma ilação sem qualquer fundamento32.

Nas páginas 12, 13 e 14 (reproduzidas neste capítulo como Figuras 3.2, 3.3 e 3.4) solicita -se ao aluno que faça algumas observações simples nas quais ele pode verificar que a matéria ocupa lugar e, posteriormente, afirma -se que isso é uma propriedade das coisas materiais, o que, por sinal, é absolutamente correto do ponto de vista da ciência moderna, como demonstram diversos tratados de Química adotados em várias universidades brasi-leiras e do exterior. ATKINS e JONES (2006) ensinam:

Sempre que tocamos, despejamos ou pesamos alguma coisa, estamos trabalhando com a matéria. As propriedades da matéria são o objeto de toda a química, particularmente a conversão de uma forma da matéria em outra. Mas, o que é matéria? A matéria é, na verdade, muito difícil de ser definida com precisão sem o apoio das idéias avançadas da física das partículas elementares, porém uma definição operacional simples é que matéria é qualquer coisa que tem massa e ocupa espaço.33

Repare, leitor, que ATKINS e JONES destacam que a definição de matéria exige o apoio de ideias avançadas da Física, mas que não há problema algum com a definição ope-racional adotada nos nossos livros. RUSSELL (1994) adota uma abordagem equivalente:

Matéria é “essência” – esta não é uma definição muito sofisticada, mas um meio para introduzir a idéia de que a matéria tem existência física real. É dito com frequência que matéria é tudo que tem massa e ocupa espaço. O conceito de algo ocupando espaço não causa dificuldade […].34

31   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 3. [grifos nossos].

32   Logo após fazer a falsa acusação, os avaliadores do PNLD 2010 assumem um tom professoral e “ensinam” que “essa explicação traz uma concepção […]”. A verdade, caro leitor, é que o nosso livro não fornece explicação nenhu-ma. Os ensinamentos dos avaliadores são, portanto, impertinentes e irrelevantes, como demonstraremos mais adian-te. Trata -se apenas de um recurso retórico que visa dar substância a uma acusação infundada.

33   ATKINS, P.; JONES, L. Princípios de Química. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2006, p. 31. [grifos nossos].

34   RUSSELL, J. B. Química Geral. 2. ed. São Paulo: Makron Books, 1994. v. 1, p. 8. [grifos nossos].

Com a palavra o autor.indb 90 20/07/2010 19:47:51

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 91

Os avaliadores do PNLD 2010, portanto, reprovaram o livro do 4º ano da Coleção Ca-minhos por apresentar uma definição “operacional simples” (ATKINS e JONES, 2006, p. 31) e que “não causa dificuldade” (RUSSELL, 1994, p. 8). O erro dos avaliadores do PNLD 2010 é evidente. O livro que reprovaram adota uma definição simples, didática, adequada às observações cotidianas dos alunos e adotada e defendida por cientistas de reconhecida com-petência conceitual e didática. Ao condenar como errado um texto conceitualmente correto e didaticamente adequado, os avaliadores do PNLD 2010 repetem o ERRO TIPO 2.

Há que se considerar também que os conteúdos das páginas 12, 13 e 14 do livro do 4º ano são praticamente os mesmos desde a primeira edição da obra. Os avaliadores dos PNLD 2001, 2004 e 2007 não identificaram neles nenhum erro conceitual ou indução a erro. Como é possível explicar pareceres tão diferentes para uma questão tão simples e objetiva como essa? Os avaliadores do PNLD 2010 por acaso sugerem que três equipes de avaliação sob responsabilidade da USP “comeram bola” ou estão no século XIX? Conclusões incompatíveis com as conclusões das equipes de avaliação precedentes requerem, no mínimo, a caracterização inequívoca do erro e a apresentação de sólida fundamentação para justificar o parecer. Nova-mente os avaliadores do PNLD 2010 omitiram-se e reincidiram no ERRO TIPO 4.

No documento que apresentamos à SEB, nós refutamos o Relatório de Reprovação com os fatos e os argumentos que acabamos de descrever. Na sua resposta, os avaliadores do PNLD 2010 reconheceram que o texto não faz menção ao princípio da impenetrabilidade e não contestaram as referências bibliográficas apresentadas. Também não disseram nada a respeito das avaliações positivas da Coleção Caminhos nos PNLD 2001, 2004 e 2007. Entretanto, ao invés de reconhecer seu erro, os avaliadores do PNLD 2010 tentaram justificar seu parecer alegando agora que (sic): “o procedimento proposto no livro de empurrar objetos contra outros explora implicitamente o tal ‘princípio’ [da impenetrabilidade]”35.

O caro leitor há de concordar que é necessário ter paciência para responder aos avalia-dores do PNLD 2010. Toda vez que seus erros são revelados eles apelam para subterfúgios. Desta vez, pela sugestão de que o procedimento proposto nas atividades do livro exploram (sic) “implicitamente” o princípio da impenetrabilidade. Ora, isso não passa de uma ilação sem fundamento. Um reles recurso retórico, uma aleivosia que não altera em nada o descabimento da reprovação deste trecho do livro e da exclusão da obra no PNLD 2010.

Existe uma enorme distância entre uma instrução para o aluno “empurrar objetos contra outros” e “justificar” o princípio da impenetrabilidade. O procedimento não traz implícito o princípio da impenetrabilidade. Este fato é particularmente evidente quando se considera que a Coleção não tenta “justificar” as propriedades da matéria e não faz sequer uma referência ao “tal ‘princípio’ [da impenetrabilidade]”.

Importante recordar que, no Relatório de Reprovação, os avaliadores do PNLD 2010 relacionam o princípio da impenetrabilidade a uma (sic) “concepção aceita até o sé­culo XIX de que a matéria é formada por átomos e que os átomos são bolas

compactas indivisíveis. Hoje sabemos que a matéria é formada por grandes

35   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Ofício nº 1.028/2009. Brasília: Ministé-rio da Educação, 15/jun/2009, p. 8. [grifos nossos].

Com a palavra o autor.indb 91 20/07/2010 19:47:51

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Com a palavra, o autor92

vazios. Portanto, a propriedade da matéria de ocupar lugar no espaço não

pode ser justificada dessa forma.” Ora, em nenhuma passagem da Coleção se afirma ou se faz qualquer alusão à alegação de que a matéria “é formada por átomos e que os átomos são bolas compactas indivisíveis”. A ilação não procede, consequentemente, os comentários dos avaliadores são irrelevantes e impertinentes.

A objeção que os avaliadores do PNLD 2010 fazem ao “procedimento proposto no livro de empurrar objetos contra outros” merece comentários adicionais. A censura dos avaliadores do PNLD 2010 ao “procedimento” não muda as observações coti-dianas dos alunos, é claro. Tudo o que os alunos tocarem ou empurrarem contra outros objetos será formado por matéria e continuará a ocupar lugar no espaço. Felizmente, a brincadeira da dança das cadeiras continuará divertida e jamais caberão 50 pessoas em um fusca… Aparentemente, os avaliadores do PNLD 2010 não aprenderam com ATKINS e JONES (2006), o que nos obriga a repetir seu ensinamento:

A matéria é, na verdade, muito difícil de ser definida com precisão sem o apoio das idéias avançadas da física das partículas elementares, porém uma definição operacional simples é que matéria é qualquer coisa que tem massa e ocupa espaço.36

Os avaliadores do PNLD 2010 por acaso sugerem que ATKINS e JONES também apelaram para o princípio da impenetrabilidade?

Há que se comentar também que “empurrar objetos contra outros” é um proce-dimento indispensável no ensino de Ciências, em particular no trabalho com o “princípio de Arquimedes” (ευρεκα!)37, com o cálculo de volumes de objetos com formato irregular, com segurança no trânsito (por que é mesmo que os carros têm de parar no sinal verme-lho?), com o uso do cinto de segurança (por que será que as pessoas devem usar o cinto?). A conclusão inevitável, caro leitor, é que, na melhor das hipóteses, a objeção dos avaliado-res do PNLD 2010 ao procedimento de “empurrar objetos contra outros” é indicativa de sua imperícia para avaliar o trabalho acerca desse assunto nos anos iniciais do Ensino Fundamental (ERRO TIPO 2, mais uma vez).

A insistência dos avaliadores do PNLD 2010 na aleivosia de que o nosso livro apela ao princípio da impenetrabilidade é um fato grave e indício de que a nossa Coleção não foi avaliada com a isenção exigida pelo Edital do PNLD 2010. Essa hipótese é corroborada pela constatação de que livros de coleções aprovadas no PNLD 2010 utilizam o procedi-mento “de empurrar objetos contra outros” que, segundo os avaliadores do PNLD 2010, “explora implicitamente o tal ‘princípio’ [da impenetrabilidade]”.

Os autores fazem questão de enfatizar que esta constatação não é uma crítica à aprovação dessas obras aprovadas e incluídas no Guia de Livros Didáticos PNLD 2010 – Ciências visto que, nessa questão pelo menos, elas apresentam conteúdo correto e adequado. A crítica é ob-viamente dirigida aos avaliadores do PNLD 2010 que, ao aprovar essas coleções e reprovar a

36   ATKINS, P.; JONES, L. Princípios de Química. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2006, p. 31.

37   Eureka!

Com a palavra o autor.indb 92 20/07/2010 19:47:51

Page 93: Com a palavra o autor

Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 93

Coleção Caminhos da Ciência, julgaram de modo distinto conteúdos iguais ou semelhantes, uma clara afronta ao princípio da isonomia entre as coleções avaliadas (ERRO TIPO 6).

Inércia e massa

O que diz o Relatório de Reprovação:

2. Conteúdo indutor de aprendizagem equivocada

2.1. No livro do 4o ano [...] na p. 18, a frase A massa de um corpo é

a medida de sua inércia pressupõe um desenvolvimento de conceito que

não é feito no texto. E é discutível se deveria ser feito nessa idade.38

No Relatório de Reprovação, os avaliadores do PNLD 2010 condenaram a frase do nosso livro porque ela (sic) “pressupõe um desenvolvimento de conceito que não é feito no texto. E é discutível se deveria ser feito nessa idade”. A acusação consta sob o título “2. Conteúdo indutor de aprendizagem equivocada”. Entretanto, os avaliadores do PNLD 2010 não indicaram sequer a qual aprendizagem equivocada a “frase” induz! Os avaliadores do PNLD 2010 também acusam o livro da Coleção Cami-nhos da Ciência de não desenvolver o conceito e vão mais além, afirmando ser “discutí­vel se [o desenvolvimento de conceito] deveria ser feito nessa idade”. Analisare-mos cada uma das acusações por vez.

O último argumento é, para dizer o mínimo, curioso. Ora, se o desenvolvimento do tema nessa idade é discutível, então os próprios avaliadores do PNLD 2010 admitem que existem especialistas que são a favor ao trabalho do conceito assim como existem os que são contra. Ao reconhecer que o assunto é “discutível”, eles também consentem que nenhum dos pontos de vista dispõe de fatos ou dados incontestáveis para rejeitar a opinião contrária. O leitor deve concordar conosco que um relatório de reprovação de uma coleção inscrita no PNLD não é o momento e tampouco o espaço apropriados para essa discussão, assim como a presença de um conteúdo “discutível” não é motivo para reprovar e excluir a Coleção Caminhos da Ciência. Afinal, o Edital do PNLD 2010 dá ampla liberdade aos autores na escolha dos conteúdos dos livros. Mais uma vez, os avaliadores do PNLD 2010 tecem co-mentários tão impertinentes quanto irrelevantes, uma característica predominante nos seus argumentos em prol da reprovação e exclusão da nossa obra.

Os textos, conteúdos e atividades em pauta são praticamente os mesmos desde a pri-meira edição da obra. A aprovação da Coleção Caminhos nos PNLD 2001, 2004 e 2007 atesta que as três equipes de avaliação precedentes discordam dos avaliadores do PNLD 2010 uma vez que não consideraram “discutível” o desenvolvimento de conceito “nes­sa idade” e tampouco apontaram o conteúdo como indutor de aprendizagem equivo-cada. O leitor já deve estar cansado, mas a culpa não é nossa, é dos avaliadores do PNLD 2010. Eles teimam em repetir o ERRO TIPO 4.

38   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 3. [grifos nossos].

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Com a palavra, o autor94

As contradições já apontadas são suficientes para descartar as alegações do Relatório de Reprovação de Caminhos, mesmo assim, decidimos aprofundar mais a análise para revelar outros equívocos dos avaliadores do PNLD 2010.

O erro mais grave e mais evidente dos avaliadores do PNLD 2010 é a inverdade por trás da acusação que o “desenvolvimento de conceito não é feito no texto” (ERRO TIPO 1). Entre as páginas 14 e 23 do livro do 4º ano39, os conceitos de massa e inércia são intensamente trabalhados por meio de situações problematizadoras, de observações, de comparações (medidas) e de experimentação, complementadas por discussões sobre segurança no trânsito, entre outras.

Quando confrontados pela evidente inconsistência do Relatório de Reprovação, os res-ponsáveis pela avaliação do PNLD 2010 mudaram seu discurso. O desenvolvimento do conceito deixou de ser “discutível nessa idade” e a “frase” da página 18 foi alçada à categoria de “inadequada como definição de massa mesmo para estudantes de ní­vel superior”40. O ardil é, mais uma vez, meramente retórico. Ao invés de defenderem o ponto de vista expresso no Relatório de Reprovação, os avaliadores do PNLD 2010 aban-donam a acusação original, substituindo -a por outra, nova e extemporânea. O estratagema é claro: desviar a atenção das contradições do Relatório de Reprovação por meio de uma acusação ainda mais grave e radical.

A resposta é claramente inadequada e impertinente. Contrariando seu próprio parecer, o desenvolvimento do conceito deixou de ser “discutível” para os anos iniciais do En-sino Fundamental, passando agora à condição de “inadequado mesmo para estudantes do ensino superior”. Pior, o novo discurso aumenta o fosso que separa as opiniões dos avaliadores do PNLD 2010 das opiniões das três equipes avaliadoras sob responsabilidade da USP.

Finalmente, só nos resta informar ao leitor que ambas as alegações dos avaliadores do PNLD 2010 (“discutível” para o Ensino Fundamental e “inadequado” mesmo para o Ensino Superior) são refutadas por especialistas no ensino de Ciências e pelos próprios Parâmetros Curriculares Nacionais, o documento oficial de referência para o ensino de Ciências no Brasil. Segundo ESHACH e FRIED (2005):

But, if children are not mature enough to understand scientific concepts, which are often subtle and sometimes complicated, can we truly gain much from exposing them to science?

True, scientific concepts may be hard to grasp even to adults; however, this does not mean that children cannot think abstractly about scientific concepts. On the contrary, literatu-re shows that children are able to think about even complex concepts.41

39   O trecho correspondente às páginas 14 a 23 do livro do 4º ano da Coleção Caminhos da Ciência pode ser consul-tado, na íntegra, no site da Editora Sarandi.

40   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Ofício nº 1.028/2009. Brasília: Ministé-rio da Educação, 15/jun/2009, p. 9. [grifos nossos].

41   ESHACH, H.; FRIED, M. N. Should Science Be Taught in Early Childhood?. Journal of Science Education and Tech-nology, v. 14, n. 3, p. 314 -336, set. 2005. [referência, tradução e grifos nossos].

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 95

[Mas, se crianças não são suficientemente maduras para compreender conceitos científicos, que são frequentemente sutis e às vezes complicados, podemos verdadei-ramente ganhar muito ao expô -las à ciência?

Verdade, conceitos científicos podem ser difíceis de compreender até para adultos; entretanto, isto não significa que crianças não pensam abstratamente sobre concei-tos científicos. Ao contrário, a literatura mostra que crianças são capazes de pensar até mesmo sobre conceitos complexos.]

Esta opinião está em pleno acordo com VYGOTSKY (1986) que afirma:

[…] introduzir um novo conceito significa apenas iniciar o processo de apropriação. A introdução deliberada de novos conceitos não impede o desenvolvimento espontâneo, porém, mais precisamente, delineia novos caminhos para isso.42

Os PCN – Ciências Naturais, em total sintonia com os especialistas citados, estabele-cem:

Objetivos Gerais de Ciências Naturais para o Ensino Fundamental

[…]

O ensino de Ciências Naturais deverá então se organizar de forma que, ao final do en-sino fundamental, os alunos tenham as seguintes capacidades: […]

– saber utilizar conceitos científicos básicos, associados a energia, matéria, transforma-ção, espaço, tempo, sistema, equilíbrio e vida […].43

Constata -se, assim, que os avaliadores do PNLD 2010:

�� reprovaram os nossos livros com base em um fato inexistente;�� não indicaram as aprendizagens equivocadas induzidas pela suposta inadequação;�� não sustentaram suas alegações originais;�� não apontaram ou demonstraram o erro das três equipes de avaliação anteriores;�� contrariaram o ponto de vista de estudiosos do ensino de ciências, indício de imperícia

(ERRO TIPO 2); e�� contrariaram até mesmo os PCN (ERRO TIPO 3)!

Tudo isso, “num golpe só”, sem citar sequer uma referência para fundamentar sua opinião.

42   VYGOTSKY, 1986, p. 194 -195, citado por ESHACH e FRIED, opus cit., p. 324. [grifos nossos].

43   BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais – Ciências. Brasília: Mi-nistério da Educação, Secretaria de Ensino Fundamental, 1997, p. 39. [grifos nossos].

Com a palavra o autor.indb 95 20/07/2010 19:47:51

Page 96: Com a palavra o autor

Com a palavra, o autor96

Exemplos de reações químicas do cotidiano são complexos demais!

O que diz o Relatório de Reprovação:

2. Conteúdo indutor de aprendizagem equivocada

2.2. No livro do 4o ano na p. 55, exemplifica ­se transformação química

com o azedamento do leite. Apesar de haver uma mudança da aparência com

a coagulação da caseína, podemos dizer que não houve formação de no­

vas substâncias: a caseína, a albumina, a lactose, a gordura, a água,

os íons e as vitaminas continuam lá. Houve rompimento de pontes de

hidrogênio, de repulsão elétrica entre micelas etc., mas só alterou

a aparência e não quimicamente as substâncias. Também no exemplo da

queima de gás, a criança visualmente imagina que o gás butano está re­

agindo com o fogo e não com o oxigênio para formar novas substâncias.

Louva ­se a iniciativa de buscar exemplos do dia ­a ­dia, mas eles pre­

cisam ser mais bem trabalhados. Apesar de mais próximos dos alunos,

são mais complexos que os de laboratório, nos quais controlamos melhor

as variáveis.44

O trecho do nosso livro considerado (sic) “conteúdo indutor de aprendizagem

equivocada” é uma lista de reações químicas que fazem parte do cotidiano das pessoas de uma forma geral e, sobretudo, dos alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Segundo os avaliadores, o primeiro suposto erro que encontraram na página 55 do livro do 4º ano da Coleção Caminhos (Figura 3.5) foi o de citar a fermentação do leite como exemplo de reação química. Vejamos, o nosso texto afirma:

Quando o leite azeda, ele muda de gosto, de cheiro e o soro parece se separar do resto da mistura (o leite também é uma mistura). Leite azedo é muito diferente do leite novo, não é?

Segundo os avaliadores do PNLD 2010, o exemplo é indutor de aprendizagem errada porque (sic):

Apesar de haver uma mudança da aparência com a coagulação da caseína,

podemos dizer que não houve formação de novas substâncias: a caseína, a

albumina, a lactose, a gordura, a água, os íons e as vitaminas continuam

lá. Houve rompimento de pontes de hidrogênio, de repulsão elétrica

entre micelas etc., mas só alterou a aparência e não quimicamente as

substâncias.45

Apenas para poupar nosso cansado leitor, podemos simplificar o argumento dos avalia-dores de que o azedamento do leite não é resultado de reações químicas porque, segundo

44   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 4. [grifos nossos].

45   Ibidem, p.4. [grifos nossos].

Com a palavra o autor.indb 96 20/07/2010 19:47:53

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 97

eles, não há formação de novas substâncias, mas, apenas, uma mudança da aparência do leite provocada pela coagulação da caseína. Será? Não é o que dizem os tratados de Bioquí-mica. Veja, caro leitor: para escrever um livro didático, um autor necessariamente precisa fazer pesquisa e se certificar sobre a origem das informações que coloca em seus livros, além de ter conhecimento didático e muita criatividade. Nós utilizamos uma ampla bi-bliografia e fizemos questão, inclusive, de compartilhá -la com os professores e até mesmo com os avaliadores apresentando -a no Manual do Professor. Acreditamos ser importante retormar alguns preceitos teóricos que poderão ser úteis em avaliações posteriores não ape-nas dos nossos livros, mas também de outros. Segundo NELSON e COX (2005):

Certain lactobacilii and streptococcii, for example, ferment lactose in milk to lactic acid. The dissociation of lactic acid to lactate and H+ in the fermentation mixture lowers the pH, denaturing casein and other milk proteins and causing them to precipitate. Under the correct, controlled conditions, the resultant curdling produces cheese or yogurt, depen-ding on the microorganism.46

[Certos lactobacilos e estreptococos, por exemplo, fermentam a lactose do leite em ácido lático. A dissociação do ácido lático em lactato e H+ na mistura fermentada abaixa o pH, desnaturando a caseína e outras proteínas fazendo com que se pre-cipitem.

Sob condições corretas e controladas, o coalho resultante produz queijo ou iogurte, dependendo do micro -organismo.]

O tratado de Bioquímica deixa claro que todas as afirmações dos avaliadores do PNLD 2010 estão erradas. O leite azeda pela fermentação da lactose. As moléculas de lactose são “quebradas” para dar origem a uma outra substância, o ácido lático. Consequentemente, SIM, podemos dizer que na fermentação do leite ocorre a formação de novas substâncias e o consumo de outras: com o tempo, aumenta a concentração de ácido lático, de lactato e de íons no leite enquanto diminui a concentração de lactose.

A mudança de aparência do leite é o resultado da coagulação da caseína, mas a sua desnaturação só acontece como decorrência do acúmulo de ácido lático produzido na fermentação da lactose. Ao contrário do que afirmaram os avaliadores do PNLD 2010, não é só a aparência do leite que muda, o leite azedo também muda de sabor e de cheiro. A própria expressão “leite azedo” indica que ele ficou… azedo! A mudança no cheiro e no sabor são indicadores do surgimento de novas substâncias, produtos de reações químicas, como destaca corretamente o nosso texto reprovado. Os avaliadores do PNLD 2010 erra-ram (ERRO TIPO 2). Erraram feio.

Pedimos desculpas ao leitor por nos alongar tanto na demonstração de um erro tão óbvio dos avaliadores. Isto talvez fosse desnecessário já que qualquer pessoa minimamente informada sabe: a) que o leite é fermentado por certas bactérias e fungos; b) que a fermen-tação do leite é o resultado de reações químicas mediadas por enzimas; e c) do papel da fer-

46   NELSON, D. L.; COX, M. M. Lehninger – Principles of Biochemestry. 4. ed. Nova York -EUA: W. H. Freeman, 2005, p. 541. [tradução nossa]. O leitor pode conferir essa informação em qualquer livro didático de Biologia para o Ensino Médio ou em outros tratados de Bioquímica, além do citado nesta nota.

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Com a palavra, o autor98

mentação na produção de alimentos derivados do leite como iogurte, coalhada, queijos… Portanto, não é por acaso que a fermentação do leite é considerada um exemplo clássico de reação química e consagrada no ensino de Ciências por ser um fenômeno que faz parte do cotidiano dos alunos. Para verificar esta informação, basta consultar os livros -texto de química. RUSSELL, por exemplo, afirma:

Outros exemplos de transformações químicas são: a queima da madeira, a acidez do leite, a explosão de dinamite, o cozimento do pão e o processo que chamamos vida.47

Ao condenarem a fermentação do leite como exemplo de reação química, os avaliado-res do PNLD 2010 também afrontaram os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) que estabelecem que os alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental devem ser informados sobre os cuidados na conservação dos alimentos e recomenda o trabalho com os processos associados à produção industrial e artesanal de alimentos48 (ERRO TIPO 3). Praticamente todas as coleções de livros didáticos, inclusive aquelas destinadas aos anos iniciais do En-sino Fundamental e aprovadas no PNLD 2010, tratam da fermentação (ERRO TIPO 6).

Apelamos para a paciência do leitor. Como o festival de equívocos dos avaliadores não se restringiu à fermentação, somos obrigados a continuar. O texto do Relatório de Repro-vação desaprovou também os demais exemplos de reações químicas do cotidiano, afirman-do que “também no exemplo da queima de gás, a criança visualmente imagina que o gás butano está reagindo com o fogo e não com o oxigênio para formar

novas substâncias”. Ora, voltamos a reiterar que a adequação dos exemplos do nosso livro é atestada por RUSSELL (1994) no trecho reproduzido anteriormente. Não restam dúvidas de que são exemplos corretos factual e conceitualmente, amplamente difundidos nos textos acadêmicos. Os avaliadores do PNLD 2010, porém, insistem em denunciar a inadequação dos exemplos e, na falta de provas conceituais, apelam para o aspecto didático. Alegam que a menção à queima do gás de cozinha como exemplo de transformação quími-ca é equivocada porque (sic) “a criança visualmente imagina que o gás butano está reagindo com o fogo e não com o oxigênio para formar novas substâncias”. Essa afirmação não tem o menor sentido do ponto de vista didático e revela o desconhecimento dos avaliadores acerca de informações elementares sobre os processos de aprendizagem e as concepções didáticas mais atuais do ensino de Ciências (ERRO TIPO 2, novamente).

A explicação dada ao suposto equívoco do nosso exemplo revela que os avaliadores acreditam que as hipóteses espontâneas dos alunos impedem a aprendizagem de novos fatos, conceitos e explicações. Essa é a única interpretação possível para seus argumentos. Afinal, qual seria o problema do livro didático apresentar um fato (a queima do gás de cozinha é uma reação química) que contraria eventuais hipóteses dos alunos (como a hi-pótese imaginada pelos avaliadores de que a reação ocorreria com o próprio fogo49)? Não

47   RUSSELL, J. B. Química Geral. 2. ed. São Paulo: Makron Books, 1994. v. 1, p. 16.

48   Ver, por exemplo: PCN Ciências Naturais, p. 42 e 55, e PCN Meio Ambiente e Saúde, p. 77.

49   Cabe destacar que a reação do gás com o fogo foi, ao que tudo indica, “imaginada” pelos avaliadores do PNLD 2010. Eles não apresentaram qualquer comprovação de que essa seria uma hipótese esperada para um aluno do 4º ano do Ensino Fundamental.

Com a palavra o autor.indb 98 20/07/2010 19:47:53

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 99

haveria problema algum, como atestam as teorias pedagógicas mais recentes e os documen-tos oficiais do próprio MEC.

No documento de Ciências dos PCN, por exemplo, é destacada a importância da pro-blematização nas orientações didáticas apresentadas para o ensino dessa área.

Os alunos desenvolvem fora da escola uma série de explicações acerca dos fenômenos naturais e dos produtos tecnológicos, que podem ter uma lógica interna diferente da lógica das Ciências Naturais, embora às vezes a ela se assemelhe. De alguma forma essas explicações satisfazem as curiosidades dos alunos e fornecem respostas às suas indagações. São elas o ponto de partida para o trabalho de construção da compreensão dos fenômenos naturais, que na escola se desenvolve.

É necessário que os modelos trazidos pelos alunos se mostrem insuficientes para explicar um dado fenômeno, para que eles sintam necessidade de buscar informações e reconstruí--los ou ampliá -los. Em outras palavras, é preciso que os conteúdos a serem trabalhados se apresentem como um problema a ser resolvido.

O professor poderá promover a desestabilização dos conhecimentos prévios, criando situa-ções em que se estabeleçam os conflitos necessários para a aprendizagem — aquilo que estava suficientemente explicado não se mostra como tal na nova situação apresentada. Coloca -se, assim, um problema para os alunos, cuja solução passa por coletar novas in-formações, retomar seu modelo e verificar o limite dele.50

A explicação dada pelos avaliadores para a alegada inadequação do exemplo só com-prova, portanto, a qualidade da metodologia da Coleção Caminhos da Ciência, aprovada e elogiada em todas as avaliações das quais participou. Os argumentos dos avaliadores do PNLD 2010, na realidade, são testemunhos de sua imperícia para avaliar obras didáticas no contexto do PNLD. Afinal, ao que tudo indica, eles desconhecem até mesmo as reco-mendações dos documentos oficiais que fundamentam a avaliação.

Os avaliadores vão ainda mais longe e afirmam ironicamente:

Louva ­se a iniciativa de buscar exemplos do dia ­a ­dia, mas eles pre­

cisam ser mais bem trabalhados. Apesar de mais próximos dos alunos,

são mais complexos que os de laboratório, nos quais controlamos melhor

as variáveis.51

Repare, caro leitor, como os avaliadores fazem críticas genéricas, sem substância. O que eles querem dizer com “precisam ser mais bem trabalhados”? Por acaso os avaliadores do PNLD 2010 demonstraram que o conceito de reação química foi mal trabalhado? Não. Os avaliadores explicam o que querem dizer com “ser mais bem trabalhados”? Também não! Críticas vagas, descontextualizadas e insubstanciadas como essa caracterizam o que de-

50   BRASIL.  SECRETARIA  DE  EDUCAÇÃO  FUNDAMENTAL.  Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências.  Brasília: MEC/SEF, 1997, p. 117. [grifos nossos].

51   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p.4. [grifos nossos].

Com a palavra o autor.indb 99 20/07/2010 19:47:54

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Com a palavra, o autor100

nominamos ERRO TIPO 7. Lembre -se, impaciente leitor, que o conjunto ERRO TIPO 7 em nossa classificação abarca as críticas que, por serem genéricas e/ou infundadas, tornam impossível a reformulação da obra e, portanto, sua posterior inscrição nos PNLD seguintes.

Mesmo sendo tão vaga, é possível refutar a acusação. Entretanto, será necessário colocar a questão no seu devido contexto. A lista com os exemplos reprovados pelos avaliadores aparece na página 55 do livro do 4º ano da Coleção Caminhos (Figura 3.5). Portanto, ela é apresentada aos alunos após:

�� a leitura do texto introdutório da página 52;�� a realização da experiência proposta na página 53; e�� a discussão e sistematização dos resultados da experiência na página 54.

As páginas 52, 53 e 54 foram reproduzidas neste capítulo (Figuras 3.6, 3.7 e 3.8, res-pectivamente) para que o leitor possa analisá -las e verificar, por si mesmo, se de fato os comentários dos avaliadores são ou não falsos. O conceito de reação (transformação) quí-mica foi muito trabalhado nas páginas anteriores à lista de exemplos, inclusive por meio de experimentos “de laboratório, nos quais controlamos melhor as variáveis”. Exatamente como os avaliadores afirmam que ele deve ser trabalhado. Ou seja, o fato ale-gado no Relatório de Reprovação é falso (ERRO TIPO 1).

O comentário de que os nossos exemplos “são mais complexos” é irrelevante e impertinente. O livro não solicita ao aluno que reconheça ou descreva a complexidade da fermentação, o nosso livro apenas informa que o aluno consegue reconhecer algumas reações químicas cotidianas quando observa certas mudanças. No exemplo da fermen-tação do leite: a mudança no sabor, no cheiro e no aspecto. O reconhecimento de sinais de azedamento do leite não tem nada de complexo, muito pelo contrário, até mesmo crianças em idade pré -escolar reconhecem leite azedo.

Por último, informamos ao nosso leitor que o trecho do nosso livro condenado no Relatório de Reprovação é exatamente o mesmo desde a primeira edição da obra. Este texto foi aprovado pelas equipes de avaliação do PNLD 2001, 2004 e 2007 que não identificou neles qualquer erro ou inadequação. Os avaliadores do PNLD 2010 sequer justificaram sua divergência com as três equipes de avaliação que os precederam (ERRO TIPO 4).

A assinatura do Professor Doutor Antônio Carlos Pavão ao final do Relatório de Re-provação causa -nos pesar e estranheza. Justo o Professor Pavão! O incansável proselitista da importância dos museus de ciência para o ensino no Brasil. Justo o Professor Pavão, que em várias entrevistas recomenda veementemente a Revista Ciência Hoje das Crianças aos professores do Ensino Fundamental (recomendação com a qual comungamos pela qualidade dos artigos e das atividades propostas, inclusive sobre a fermentação do leite). Não é possível esquecer que o Professor Pavão participou das avaliações anteriores, que tão bem recomendaram a Coleção Caminhos da Ciência e cobriram de elogios os mes-mos conteúdos que a avaliação de 2010 agora reprova. A questão a ser esclarecida é se o Professor Pavão errou nos PNLD anteriores ou se ele errou agora. Existe alguma outra explicação?

Com a palavra o autor.indb 100 20/07/2010 19:47:54

Page 101: Com a palavra o autor

Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 101

Pequizeiro jovem não é pequizeiro?!

O que diz o Relatório de Reprovação:

3. Veiculação de ilustrações e outros recursos (cores, escalas, etc.)

inadequados, que induzem a construção de conceitos incorretos.

3.2. [...] Há também casos em que a escolha da foto é inadequada. Por

exemplo, o pequi é uma árvore imensa e, no entanto, aparece equivoca­

damente como um arbusto.52

No Relatório de Reprovação do nosso livro, os avaliadores do PNLD 2010 afirmaram que há casos de escolha inadequada de fotos, mas apontaram apenas um caso, num uni-verso de mais de 600 fotografias: apenas a fotografia da página 110 do livro do 2º ano que retrata um pequizeiro (Figura 3.9)! Pior, a fotografia reprovada é mesmo de um pequizeiro do cerrado, como informa a legenda, e isso os avaliadores não contestaram. Então, qual é o suposto equívoco? Segundo os avaliadores do PNLD 2010, o pequizeiro fotografado é pe-queno, (sic) “um arbusto”. Pelo que se infere do Relatório de Reprovação, os avaliadores do PNLD 2010 exigem uma fotografia de um espécime muito grande, pois (sic) “o pequi é uma árvore imensa”.

A fotografia considerada inadequada pelos avaliadores do PNLD 2010 mostra um pe-quizeiro com aproximadamente 2,5 metros de altura. A planta é da espécie Caryocar brasi-liensis – o pequi encontrado no cerrado dos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Minas Gerais e São Paulo. Embora seja uma das árvores mais altas do cerrado, quando adulta, atinge apenas entre 6 e 10 metros de altura53, mas geralmente não ultrapas-sa de 4 a 8 metros de altura54. Portanto, a árvore da fotografia é apenas um pouco menor do que os espécimes que completaram seu crescimento.

O absurdo da alegação dos avaliadores do PNLD 2010 é evidente por dois motivos essenciais. Primeiro, como a árvore representada é um pequizeiro, não é possível alegar que a foto (sic) “induz a construção de conceitos incorretos”. Segundo, o tamanho do pequi na fotografia é irrelevante. Os pequis jovens e pequenos são tão pequis quanto os pequis adultos e maiores!

O texto do Relatório de Reprovação indica que o problema não está na fotografia do pequizeiro, mas na imperícia dos avaliadores do PNLD 2010. A afirmação (sic) “o pequi é uma árvore imensa” é uma prova irrefutável de que eles pouco ou nada sabem sobre os pequis, em particular sobre o pequi do cerrado. “Pequi” é um nome popular. Diversas

52   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 4. [grifos nossos].

53   LORENZI, H. Árvores brasileiras – manual de identifi cação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. Nova Odessa: Plantarum, 1992, v. 1, p. 78.

54   BRASIL – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Árvores do Brasil Central – Espécies da Região Geoeconômica de Brasília. Rio de Janeiro: IBGE, 2002, v. 1, p. 139.

Com a palavra o autor.indb 101 20/07/2010 19:47:54

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Com a palavra, o autor102

espécies do gênero Caryocar são conhecidas popularmente por pequi55. Os pequizeiros “imensos” não são plantas do cerrado, mas, sim, de florestas pluviais56.

Ademais, o pequizeiro representado no livro não é (sic) “um arbusto”. O termo ar-busto não significa “árvore pequena”, como sugere o parecer dos avaliadores do PNLD 2010, mas um tipo morfológico de planta lenhosa. A definição técnica de arbusto segundo FERRI et al. (1978) é:

ARBUSTO: vegetal lenhoso, de porte não muito avantajado, ramificado desde a base e, em consequência, desprovido total ou quase totalmente de um tronco.57

O pequizeiro retratado nessa passagem da Coleção Caminhos da Ciência tem pelo menos 2,5 metros de altura e, apesar de apresentar ramos laterais abundantes por estar iso-lado de outras plantas, ele não é ramificado desde a base e é provido de um tronco, como acontece com todos os pequizeiros.

Os fatos descritos anteriormente demonstram de modo cabal e inequívoco que a foto-grafia do pequizeiro é adequada e não induz a erro conceitual. Os avaliadores do PNLD 2010 cometeram um erro grosseiro ao reprová -la (ERRO TIPO 2). Esta é a verdade.

Elipse ou círculo perfeito? Ou, como avaliar pelo “jeitão”!

O que diz o Relatório de Reprovação:

3. Veiculação de ilustrações e outros recursos (cores, escalas, etc.)

inadequados, que induzem a construção de conceitos incorretos.

3.5. No livro do 5o ano p. 111, pretende ­se representar uma elipse, mas

pelas medidas com uma régua, trata ­se de um círculo perfeito.58

A ilustração condenada faz parte de uma atividade relacionada com a forma da Terra (o pequeno achatamento que a Terra tem entre os polos). A atividade solicita aos alunos que, em grupo, meçam uma figura geométrica que aparenta ser um círculo. Feitas as medidas, os alunos poderão constatar que, na realidade, a figura que parecia ser “um círculo per­feito” é, na realidade, uma elipse com excentricidade muito pequena.

O objetivo da atividade é óbvio: relacionar o achatamento da Terra entre os polos com o achatamento da elipse da ilustração. Essa relação entre o achatamento da Terra e o acha-tamento da elipse é importante para evitar que o aluno elabore uma noção equivocada sobre a forma da Terra. Para um aluno da faixa etária a que se destina o livro, a informação

55   LORENZI, H. opus cit., pp. 78 -79.

56   RIZZINI, C. T.; MORS, W. B. Botânica Econômica Brasileira. São Paulo: EPU/EDUSP, p. 135 e LORENZI, H. opus cit., p.79.

57   FERRI, M.  G.; MENEZES,  N.  L.; MONTEIRO -SCANAVACCA, W.  R. Glossário Ilustrado de Botânica.  São  Paulo: EBRATEC/EDUSP, 1978, p. 11.

58   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 5. [grifos nossos].

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 103

de que o achatamento da Terra entre os polos é de aproximadamente 43 quilômetros pode induzi -lo a imaginar que o nosso planeta é muito achatado e, consequentemente, tem uma forma oval (no sentido de ser parecida com um ovo).

Logo, o esforço para que o aluno entenda que, embora a Terra apresente um achata-mento de 43 quilômetros entre os polos, esse achatamento é muito pequeno quando com-parado aos diâmetros da Terra no Equador (12.756 quilômetros) e entre os polos (12.713 quilômetros).

Caro leitor, o fato é que a ilustração condenada pelos avaliadores do PNLD 2010 é uma elipse e não um círculo perfeito, como eles afirmaram. Mais ainda, a elipse da atividade é proporcionalmente mais “achatada” (tem excentricidade maior) do que o achatamento da Terra, como informa o texto do nosso livro, ao final da atividade.

Este livro foi impresso no mesmo formato especificado para os livros didáticos do PNLD59 para permitir a reprodução exata das páginas dos livros reprovados. O leitor encontrará ao final deste capítulo uma reprodução exata da página 111 do livro do 5º ano (Figura 3.10) e poderá verificar, por si mesmo, que a acusação dos avaliadores do PNLD 2010 é falsa (ERRO TIPO 1).

A figura geométrica da ilustração é uma elipse com pouco mais de 127 milímetros no seu eixo maior (“equador”) e 126 milímetros no seu eixo menor (“entre os polos”)60. O lei-tor também encontrará neste livro outra reprodução da mesma página 111 (Figura 3.11), mas, sobre a imagem da elipse, desenhamos um “círculo perfeito”, de modo a ilustrar a diferença entre o círculo e a elipse.

A ilustração condenada pelos avaliadores do PNLD 2010 é a mesma desde a primeira edição do livro e já passou por três avaliações (PNLD 2001, 2004 e 2007) sem que qualquer impropriedade fosse apontada. Nem poderia ser diferente, a ilustração permite o desenvol-vimento de uma atividade desafiadora, recomendada para abordar o assunto com os alunos dessa faixa etária. Todos os procedimentos estão claros nos enunciados do Livro do Aluno e no Manual do Professor. Ou seja, mais uma vez os avaliadores do PNLD 2010 não funda-mentaram o motivo da sua divergência com os pareceres precedentes (ERRO TIPO 4).

O texto do Relatório de Reprovação, em particular a frase “pelas medidas com uma régua, trata ­se de um círculo perfeito”, sugere que avaliadores do PNLD 2010 emitiram seu parecer baseado apenas no “jeitão” da elipse ou realizaram as medidas com desleixo. Ambas as alternativas são fortes indícios de uma avaliação desatenta e desleixada.

É necessário também considerar que o “achatamento” da elipse é maior do que o acha-tamento da Terra. Portanto, o texto do Relatório de Reprovação também sugere que os avaliadores do PNLD 2010 não têm noção que o real significado do “achatamento” da

59   Os livros didáticos que participam do PNLD devem ter formato 20,5 cm x 27,5 cm. Esse formato é pouco usual em publicações não didáticas.

60   Diversos fatores do processo gráfico e da armazenagem do  livro podem afetar os valores absolutos, mas, de um modo geral, as imagens variam proporcionalmente, portanto não afetam a atividade. Outro fator que pode afetar os valores absolutos é a régua utilizada na medição, uma vez que as réguas comuns não são aferidas com precisão. A verdade é que os valores numéricos, em si, não são relevantes. O único requisito indispensável é que as medidas sejam feitas com cuidado, usando o mesmo instrumento para medir as duas dimensões solicitadas. Se esse requisito for aten-dido, a diferença entre os eixos maior e menor da elipse ficará evidente.

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Com a palavra, o autor104

Terra é mínimo em relação ao tamanho do planeta. Nesse caso, ao não fazerem a atividade ou ao realizá -la com desleixo, desperdiçaram uma boa oportunidade para aprender um pouco mais sobre o assunto. Uma pena, não é mesmo?

Os avaliadores dos PNLD 2001, 2004 e 2007 não cometeram o mesmo erro. Eles leram o enunciado da atividade, verificaram as medidas com cuidado e constataram a diferença. Não foi por acaso que concluíram que a atividade era pertinente, adequada, relevante e exequível.

Na realidade, a atividade é tão simples que dispensa até o uso da régua. Para constatar que na figura do livro o “diâmetro equatorial” é maior do que o “diâmetro polar” basta marcar o tamanho de um deles numa tira de papel e comparar com o outro, como de-monstra a Figura 3.12. A diferença será de um pouco mais de um milímetro, totalmente perceptível para o aluno (o limite de resolução do olho humano é inferior a 0,1 mm). Na realidade, esses nossos comentários são irrelevantes diante da constatação de que os ava-liadores não analisaram com cuidado a atividade e emitiram um parecer desfavorável sem fundamentá -lo com fatos concretos, além de desconhecimento sobre o assunto tratado. Sua imperícia, portanto, é incontestável!

A bem da verdade, este trecho do Relatório de Reprovação é apenas um dos muitos e diversos casos que sugerem que os avaliadores do PNLD 2010:

�� emitiram parecer sem ler os textos e as atividades no contexto do capítulo ou da uni-dade em que estão inseridos;�� não leram a Coleção por completo;�� não leram o Manual do Professor; e�� não avaliaram as atividades do modo como elas foram propostas no Livro do Aluno ou

de acordo com as instruções e advertências constantes no Manual do Professor.

Acreditamos que a imperícia dos avaliadores do PNLD 2010 é grave e merece apu-ração. Como já dissemos, o Ministério da Educação gastou cerca de R$ 10 mil por livro avaliado no PNLD 2010 e não nos parece, pelo menos no que encontramos nos relatórios de reprovação dos nossos livros, que o trabalho foi realizado à altura do valor recebido pela equipe de avaliação.

Experimentos e atividades de pesquisa são condenados

O que diz o Relatório de Reprovação:

4. Características de experimentos e atividades de pesquisa

Há observações, experimentações, coleta de dados em todos os capítu­

los. E isso é feito tanto de forma individual como em grupos. Porém

fica ­se nas evidências, não são trabalhadas hipóteses e interpretação

dos dados. São comprovações experimentais do que se deseja ensinar.

Não são práticas experimentais abertas, em que se pode ter uma va­

riedade de respostas que darão margem à interpretação. São situações

Com a palavra o autor.indb 104 20/07/2010 19:47:56

Page 105: Com a palavra o autor

Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 105

fechadas. Além disso apresenta alguns erros conceituais. Por exem­

plo, no livro do 3o ano, p. 89, a proposta do experimento reforça a

concepção incorreta de que calor e temperatura são a mesma coisa.

Isso ocorre, por exemplo, quando se pede, em “Como fazer” ao aluno

que sinta o calor dos objetos e responda se todos estão com a mesma

temperatura, ou ainda, quando pede que o aluno indique o calor que

sentiu ao tocar os objetos ­ no caso, se frio, morno, quente ou muito

quente. Ademais, a proposta não incentiva a construção de habilidades

de investigação científica, pois não solicita qualquer manipulação

ou análise dos dados. Ainda, no Manual do Professor, indica ­se que

qualquer resposta do aluno pode ser aceita pelo professor, e não se

propõe discussões complementares.61

O Relatório de Reprovação reconhece que na Coleção Caminhos da Ciência “há ob­servações, experimentações, coleta de dados em todos os capítulos. E isso é

feito tanto de forma individual como em grupos”. Em seguida, os avaliadores do PNLD 2010 condenam essas mesmas atividades com base em críticas vagas e sem a carac-terização dos supostos erros ou inadequações.

Os avaliadores não indicaram sequer uma experiência para fundamentar suas conclu-sões. A única crítica específica refere -se a um suposto reforço de que “a concepção in­correta de que calor e temperatura são a mesma coisa”. Mas esta censura não diz respeito às características da experiência, mas sim ao uso do termo “calor”, crítica esta que será respondida mais adiante.

Reprovar uma coleção com base em afirmações genéricas, sem indicação de exemplos específicos e sem caracterizar os erros presentes em cada exemplo, é uma omissão que com-promete a credibilidade do próprio PNLD. Isto porque, ao não indicar erros específicos e não tipificá -los claramente, os avaliadores do PNLD 2010 valem -se apenas de argumentos de poder, do seu “poder discricionário”. Esse estratagema é um recurso reprovável em qual-quer debate, porque serve apenas para impor uma opinião sem a necessária comprovação. No âmbito da avaliação de livros didáticos que participam de um edital de compras públi-cas, o ardil é inaceitável visto que não explicita os motivos que fundamentam a exclusão de uma obra, nega aos autores a possibilidade de contrapor argumentos na defesa do seu trabalho e inviabiliza uma eventual reformulação dos livros – uma exigência do Decreto nº 7.084/2010. É por isso que classificamos essa característica do Relatório de Reprovação de nossas obras como ERRO TIPO 7.

Assim como no caso das acusações de inadequação de linguagem da nossa coleção, a única maneira de evitar um duelo entre as nossas opiniões e a dos avaliadores do PNLD 2010 é procurar socorro na opinião de especialistas de notório saber. Como os experimen-tos, as atividades de pesquisa e o Manual do Professor são os mesmos desde a primeira edição da obra (salvo atualizações, algumas complementações e correções pontuais), os

61   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 5.

Com a palavra o autor.indb 105 20/07/2010 19:47:57

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Com a palavra, o autor106

pareceres das equipes de avaliação dos PNLD 2001, 2004 e 2007 são pertinentes e escla-recedores. Reproduzimos, a seguir, alguns trechos das resenhas da Coleção Caminhos da Ciência, aprovada e elogiada pelas equipes de avaliação precedentes.

�� Guia de Livros Didáticos PNLD 2001. Classificação do livro da 1ª  série (atual 2º ano): (Recomendado). “Nas atividades, evita -se a simples repetição de conteúdo. Im-portantes e pertinentes são os experimentos propostos para a compreensão dos fenômenos tratados no livro. São viáveis, mas alguns exigem que o professor antecipe as advertências, como no caso de risco de acidentes com animais venenosos em moitas, buracos e pedras, entre outros que estão citados no livro posteriormente.”�� Guia de Livros Didáticos PNLD 2001. Classificação do livro da 2ª  série (atual

3º ano): (Recomendado com Distinção). “Esta obra possui muitas qualidades tanto no que diz respeito à seleção de conteúdos relevantes como à opção metodológica. Valoriza -se o papel ativo do aluno no aprendizado, de modo que ele tenha acesso ao conhecimento historica-mente acumulado e amplie a compreensão do mundo que o cerca.”�� Guia de Livros Didáticos PNLD 2001. Classificação do livro da 3ª  série (atual

4º ano): (Recomendado com Distinção). “Este livro destaca -se por sua significati-va contribuição ao ensino de Ciências, distinguindo -se dos demais materiais à disposição do professor. A metodologia de ensino sugerida, a acuidade conceitual e a apresentação do livro fazem dele um excelente instrumento para o aprendizado dos alunos e, ao mesmo tempo, para o desenvolvimento do professor.”�� Guia de Livros Didáticos PNLD 2001. Classificação do livro da 4ª  série (atual

5º ano): (Recomendado com Distinção). “Os experimentos propostos são importantes e pertinentes para compreender os fenômenos que estão sendo discutidos. Atividades que exigem trabalho cooperativo também são frequentes ao longo do livro.”�� Guia de Livros Didáticos PNLD 2004. Classificação da Coleção: Recomendado com

Distinção. “Os experimentos e as atividades práticas são propostos com relativa frequência ao longo da Coleção. Esses experimentos são de execução simples e bastante ilustrativos dos conceitos abordados, além de valerem -se de materiais baratos e seguros.”�� Guia de Livros Didáticos PNLD 2007. Avaliação da Coleção (a classificação foi abo-

lida). “A Coleção apresenta várias atividades experimentais de observação nos seus quatro volu-mes. A maioria é factível e permite interpretação coerente. Em todos os experimentos, a Coleção sempre apresenta recomendações quanto aos cuidados necessários de segurança […] O Manual do Professor acrescenta experimentos adicionais como sugestão para atividades complementares, a juízo do professor.”

Em vista da divergência entre o seu parecer e os três pareceres das equipes preceden-tes, os avaliadores do PNLD 2010 deveriam não só apontar exemplos específicos e sua tipificação, como também deveriam fundamentar os motivos dessa divergência com da-dos, bibliografia e exigências específicas do Edital do PNLD 2010. Isto eles não fizeram (ERRO TIPO 4).

Quando confrontados com a refutação dos autores ao Relatório de Reprovação, os responsáveis pela avaliação do PNLD 2010 alegaram, mais uma vez, que as divergências

Com a palavra o autor.indb 106 20/07/2010 19:47:57

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 107

nos pareceres são explicadas pela adoção de “critérios mais rigorosos” decorrentes do “aprimoramento” do processo da avaliação. Isso não é suficiente. Como já destacamos anteriormente, os editais do PNLD devem obedecer ao “princípio da publicidade”, isto é, as obras só podem ser avaliadas segundo critérios estabelecidos no edital e/ou em docu-mentos oficiais amplamente divulgados – inclusive citados no edital. Todavia, sempre que indagados a respeito dos “critérios mais rigorosos”, os avaliadores do PNLD 2010 nada dizem. Eles se calam por que os critérios estabelecidos no Edital do PNLD são os mesmos dos critérios dos PNLD anteriores. A alegação de critérios mais rigorosos é falsa. Se a nossa obra foi julgada por critérios não divulgados, então configura -se uma ilegalida-de que denominamos ERRO TIPO 5.

Além de lançar mão dos misteriosos “critérios mais rigorosos”, os avaliadores do PNLD 2010 também responderam à nossa refutação destacando alguns trechos da rese-nha da Coleção Caminhos no Guia do Livro Didático PNLD 2007 com algumas críticas à nossa obra. Todavia, essa estratégia é, na realidade, “um tiro no próprio pé” dos próprios avaliadores do PNLD 2010 por dois motivos óbvios que se evidência quando os conteú-dos da resenha de 2007 e do Relatório de Reprovação são confrontados:

�� os avaliadores do PNLD 2007, apesar de identificarem algumas imperfeições, conclu-íram que a Coleção Caminhos da Ciência atendia às exigências do edital, tanto é que ela foi aprovada naquele programa; e�� nenhuma das críticas dos avaliadores do PNLD 2007 se repete no Relatório de Repro-

vação no PNLD 2010, comprovando que os autores atualizaram, corrigiram e aperfeiçoa-ram a obra.

A conclusão inevitável é que a nossa obra foi reprovada injustamente. O leitor não concorda?

Uso do termo “calor”

O que diz o Relatório de Reprovação:

4. Características de experimentos e atividades de pesquisa

[...] Além disso apresenta alguns erros conceituais. Por exemplo, no

livro do 3o ano, p. 89, a proposta do experimento reforça a concepção

incorreta de que calor e temperatura são a mesma coisa. Isso ocorre,

por exemplo, quando se pede, em “Como fazer” ao aluno que sinta o

calor dos objetos e responda se todos estão com a mesma temperatura,

ou ainda, quando pede que o aluno indique o calor que sentiu ao tocar

os objetos _ no caso, se frio, morno, quente ou muito quente.62

62   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 5.

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Com a palavra, o autor108

Sob o título “características de experimentos e atividades de pesquisa”, os avaliadores do PNLD 2010 não indicaram os experimentos ou as atividades de pesquisa que consideraram inadequados. Ao invés disso, dedicaram-se a condenar o uso do termo “calor” em uma instrução que solicita ao aluno “sentir o calor” de alguns objetos porque, de acordo com os avaliadores do PNLD 2010, isto (sic) “reforça a concepção incor­reta de que calor e temperatura são a mesma coisa”.

A experiência e o texto em questão são os mesmos desde a primeira edição da obra e os avaliadores dos PNLD 2007, 2004 e 2001, não os apontaram como equivocados ou indutores a construção de concepção incorreta. Não o fizeram porque o termo é usado de modo correto e adequado, como demonstraremos a seguir.

Segundo o Dicionário Houaiss de Física, o termo “calor” pode ter duas acepções, a saber:

CALOR: 1 – Qualidade, estado ou condição do que é quente ou está aquecido; tempera-tura (relativamente) alta. 2 – FIS. TERM. forma de energia que se transfere de um sis-tema para outro graças à diferença de temperatura entre eles. É uma forma de energia em geral associada ao movimento (à energia cinética) dos constituintes de um sistema físico, passando de um sistema a outro, p. ex., por radiação eletromagnética, condução (colisões entre moléculas com transferência de energia) e convecção. Cf TERMODINÂMICA.63

O termo “calor” é utilizado no nosso livro condenado com o significado da primeira acepção do verbete. Esta acepção é adequada tanto para situações cotidianas como tam-bém para textos científicos fora do âmbito da Física.

A dualidade ou até a multiplicidade de significados (acepções) de um mesmo termo é uma realidade com a qual o aluno vai conviver por toda sua vida, inclusive ao estudar Ciências. O caso mais típico é o do termo “dia”. Por vezes “dia” é usado com o significado de uma unidade do calendário, outras vezes como uma unidade de tempo equivalente a 24 horas, ou ainda, o período iluminado de um dia do calendário… A tarefa do educador é ajudar os seus alunos a discernirem qual o significado do termo em função do contexto em que ele é usado.

Assim como não há problema algum no uso da palavra “vida” por físicos e astrônomos com acepções muito diferentes da acepção dessa palavra para a Biologia. Embora a Bio-logia seja a “ciência da vida” ela não é “dona” do termo. O mesmo vale para “calor” que não é “propriedade exclusiva” da Física, como reconhece o próprio Dicionário Houaiss de Física. As tentativas de impor a um termo apenas um significado é desnecessária, incorreta e impraticável. Os esforços nesse sentido podem ser resultado de uma certa ingenuidade, de um recalque ou de pura prepotência. A verdade é que a terminologia de uma disciplina científica não tem prioridade sobre a terminologia de outra disciplina.

O que constitui erro conceitual é usar um termo com significado incompatível com o contexto. Por exemplo, usar o termo “vida” em textos do domínio da Biologia com acep-

63   RODITI, I. Dicionário Houaiss de Física. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005, p. 33.

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 109

ções distintas daquela aceita nesse campo do conhecimento é inadmissível. O mesmo vale para o termo “calor” em textos do domínio da Física, nos quais o uso do termo na primeira acepção descrita no Dicionário Houaiss de Física caracteriza sim um erro conceitual. Em outros campos do conhecimento, como Fisiologia Humana, o mesmo não se aplica. O uso do termo “calor” em sua acepção mais coloquial é, fora da Física, plenamente admissível e, na realidade, comum até nos textos acadêmicos.

Logo, antes de condenar o livro pelo uso do termo “calor” na sua acepção mais colo-quial, é necessário estabelecer o contexto em que ele foi usado. Na experiência condenada pelos avaliadores do PNLD 2010 solicita -se aos alunos que utilizem o sentido do tato, portanto, o termo foi usado no contexto da Fisiologia Humana. Vejamos o que diz SIL-VEIRA (2009):

Classificação biofísica

O sistema sensorial pode ser dividido de acordo com o princípio físico -químico subjacen-te à transformação de energia que ocorre nos seus receptores sensoriais em: […]

iii) Sistemas sensoriais termorreceptivos, cujos receptores são particularmente sensíveis à variação de temperatura ambiente e fazem parte do sistema sensorial somático (detecção de frio e calor).64

O mesmo uso do termo é dado por GASPAROTO (2009):

Recepção e codificação das sensibilidades pressórica e táctil […]

2 – Terminações nervosas livres: são terminações nervosas ramificadas, morfologicamente indiferenciadas daquelas sensíveis aos estímulos térmicos ou químicos e que geram sensa-ções de calor, frio ou dor.65

Recepção e codificação da sensibilidade térmica

Os termorreceptores são responsáveis pela detecção da temperatura e de suas variações. … Esses receptores são especialmente sensíveis às perdas de temperatura e, assim, são chamados de receptores para o frio. … Outros termorreceptores são sensíveis às elevações de temperatura, com uma sensibilidade máxima por temperaturas estáveis entre 40 ºC e 45 ºC. São os chamados receptores de calor, distribuídos de forma semelhante aos re-ceptores de frio […].66

O texto do livro pede para o aluno sentir o “calor”. Ou seja, o termo foi utilizado no contexto da Fisiologia Humana e não no contexto do estudo da Física. Repare, caro leitor, que o termo “calor” foi usado com a mesma acepção encontrada em textos acadêmicos de Fisiologia Humana, comprovando que o nosso livro atende plenamente a exigência de cor-reção conceitual estabelecida pelo Edital do PNLD 2010. Logo, a crítica dos avaliadores

64   SILVEIRA, L. C. Base da fisiologia sensorial. In: CURI, R.; ARAUJO FILHO, J. P. (Org). Fisiologia Básica. 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009, cap. 11, p. 183. 

65   GASPAROTO, O. C. Somestasia e dor. In: CURI, R.; ARAUJO FILHO, J. P. (Org). Fisiologia Básica. 1. ed. Rio de Janei-ro: Guanabara Koogan, 2009, cap. 12, p. 209.

66   GASPAROTO, opus cit., p. 211.

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Com a palavra, o autor110

do PNLD 2010 de que o termo foi utilizado com uma acepção que não conforma com o seu significado na Física Térmica é, portanto, irrelevante e não justifica a reprovação da Coleção.

Os avaliadores do PNLD 2010 condenaram o texto por exigirem que o livro use o termo como definido na sua acepção na Física Térmica, o que equivale à reprovação de um texto de Astronomia por se referir à “evolução das estrelas”67 ou ao “ciclo de vida das estrelas” ou ao “nascimento” ou a “morte” da estrela sob o argumento de os termos “evolu-ção”, “nascer”, “morrer” e “vida” serem termos da Biologia e devem ser usados apenas com as acepções aceitas nessa área do conhecimento, o que seria ridículo, para dizer o mínimo.

A interpretação dos avaliadores do PNLD 2010 é, portanto, uma novidade que carac-teriza um novo critério de avaliação da terminologia dos livros didáticos que não consta do Edital do PNLD 2010 e excesso de rigor (ERRO TIPO 5).

Poucas referências a relações de respeito e cooperação

O que diz o Relatório de Reprovação:

5. Manual do professor / proposta pedagógica / linguagem

5.5. Há poucas referências a relações de respeito e cooperação. Em

alguns exercícios podem ser encontradas frases assim: “Você espera a

sua vez de falar e escuta os outros com atenção?” (página 28, livro

do 2o ano). Mas poderia ser mais enfática e explícita quanto aos pro­

cessos de relações humanas, valorizando o respeito mútuo, o respeito

à diversidade (essa é superficialmente mencionada na unidade sobre

os sentidos, quando toca na cor da pele, página 22, livro do 2o ano).

A cooperação, a solidariedade são atitudes que deveriam ser mais ex­

plicitadas.68

Repare, caro leitor, como o Relatório de Reprovação contém apenas acusações genéri-cas e levianas. Fatos, propriamente ditos não são mencionados. Mas eles existem, é claro. Uma vez que os avaliadores do PNLD 2010 não se deram ao trabalho de identificá -los e descrevê -los, nós fizemos isso por eles. Vamos aos fatos. Um levantamento rápido nos livros da Coleção Caminhos da Ciência revela um grande número de atividades em grupo e farta referência a relações de respeito e cooperação. A maioria destas atividades pode ser facilmente identificada pela iconografia da Coleção, como mostra a Tabela 3.1.

67   MOURÃO, R. R. F. Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995, p. 281. 

68   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 7.

Com a palavra o autor.indb 110 20/07/2010 19:47:58

Page 111: Com a palavra o autor

Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 111

TA B E L A 3 . 1 . Coleção Caminhos da Ciência. Atividades em grupo e trabalhos específicos com cidadania

Livro Atividades em grupo Trabalho específico com cidadania

2º ano 20 6

3º ano 30 13

4º ano 17 7

5º ano 27 13

É importante destacar que o levantamento da Tabela 3.1 não inclui os trabalhos com projetos e atividades adicionais sugeridas no Manual do Professor. Ou seja, a verdade é diametralmente oposta ao que afirmaram os avaliadores do PNLD 2010 no Relatório de Reprovação (ERRO TIPO 1). A Coleção Caminhos da Ciência oferece aos alunos e professores uma profusão de oportunidades de trabalho com cooperação e cidadania. A descrição da obra no Relatório de Reprovação é diametralmente oposta e irreconciliável com o parecer das três equipes avaliadoras precedentes (ERRO TIPO 4). O leitor pode conferir nossas afirmações consultando a versão eletrônica da Coleção Caminhos da Ciên-cia disponível na Internet e as resenhas da nossa obra nos PNLD 2007, 2004 e 2001.

No afã de reprovar nossos livros, os avaliadores do PNLD 2010 recorreram a uma acusação (carência de atividades de cooperação e solidariedade) escandalosamente falsa (ERRO TIPO 1) e a uma argumentação brevíssima e particularmente vazia. O que o avaliador do PNLD 2010 quer dizer com (sic) “Há poucas referências a relações de respeito e cooperação”? Por acaso o Edital do PNLD 2010 diz qual é o número mínimo? Não! Os avaliadores do PNLD 2010 dizem quantas atividades são necessá-rias para caracterizar um número suficiente? Não (ERRO TIPO 7)! Os avaliadores do PNLD 2010 dizem quantas existem nos livros da Coleção? Também não! O despropó-sito deste trecho do Relatório de Reprovação é de tal ordem que permite especular se os avaliadores do PNLD 2010 julgaram nossos livros com a intenção de reprová -los a qualquer custo.

A desconsideração com a verdade, a fragilidade da argumentação e o descompromisso com as avaliações precedentes presentes no Relatório de Reprovação da Coleção Caminhos da Ciência só pode ser explicada pela segurança dos avaliadores de que não importa o que escrevam, nada lhes acontecerá, protegidos que estão pelo anonimato e pela impossibili-dade de defesa dos autores.

A bem da verdade, consideramos o Relatório de Reprovação escrito pelos avaliadores da Coleção Caminhos da Ciência um insulto e um desrespeito à nossa obra e ao nosso trabalho. Mas o insulto maior é para com os demais colegas avaliadores e para a avaliação do livro didá-tico propriamente dita, o próprio PNLD. O que eles querem? Difamar o próprio programa?

Com a palavra o autor.indb 111 20/07/2010 19:47:58

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Com a palavra, o autor112

Índios paramentados acentuam (sic) “o caráter ‘exótico’ dessas pessoas”?!!

O que diz o Relatório de Reprovação:

5. Manual do professor / proposta pedagógica / linguagem

5.8. Nas fotos de índios, eles aparecem paramentados de penas para as

festas, acentuando o caráter “exótico” dessas pessoas.69

Os avaliadores do PNLD 2010 não têm noção do trabalho com resistência e afirmação cultural de grupos étnicos minoritários! Este é um caso exemplar de imperícia (ERRO TIPO 2). O texto do Relatório de Reprovação encerra um erro tão grosseiro que mereceria ser colocado no anedotário de erros de avaliação. Só não vai porque não é divertido, muito pelo contrário. É intolerável, triste e muito preocupante. Não há qualquer possibilidade de desculpa ou explicação possível para atenuar a postura dos avaliadores do PNLD 2010 ao se referirem às populações indígenas como pessoas com um (sic) “caráter exótico”. Isso é uma afronta aos povos indígenas brasileiros, à Constituição Federal, à legislação, à ética, enfim, a todos os valores de uma sociedade democrática e plural. Os avaliadores do PNLD 2010 desconsideraram frontalmente os critérios de avaliação estabelecidos pelo Edital do PNLD 2010 e todas as diretrizes do MEC sobre o assunto (ERRO TIPO 3).

Os avaliadores desconhecem ou desconsideram que as lideranças indígenas e de outras minorias brasileiras promovem o uso de elementos característicos de suas culturas como importante instrumento de afirmação étnica, cultural e religiosa. Isso é gravíssimo! As roupas, paramentos e adornos de diferentes grupos étnicos e culturas devem ser sempre valorizados por questão de direito e respeito. Em particular no livro didático.

Uma boa maneira de ilustrar esta questão é observar o cartaz que promove o 1º Encon-tro Nacional de Culturas Jê, no qual todas as fotografias mostram pessoas paramentadas e objetos tradicionais (Figura 3.13)70.

Os avaliadores nem se deram ao trabalho de analisar direito as fotografias presentes na Coleção Caminhos da Ciência. A fotografia mostrada na página 142 do livro do 3º ano foi feita nos corredores do Congresso Nacional, onde o Caiapó fotografado estava, orgu-lhosamente paramentado, lutando pelos direitos dos povos indígenas brasileiros! Ele não estava paramentado (sic) “de penas para as festas”!

O despreparo dos avaliadores do PNLD 2010 para avaliar questões de cidadania me-rece reflexão mais detalhada para revelar a profundidade dos seus preconceitos. A con-denação ao livro é justificada por eles porque nas fotografias os índios (sic) “aparecem paramentados de penas para as festas, acentuando o ‘caráter exótico’ dessas

pessoas”. A redação dos avaliadores do PNLD 2010 não deixa dúvidas, eles consideram

69   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 8. [grifos nossos].

70   Disponível em: <http://encontroje.blogspot.com> (acesso: maio/2009).

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 113

os índios “pessoas exóticas”. Tratar as etnias ameríndias (ou qualquer outra) como “pessoas exóticas” tem forte conotação racista. O viés racista e preconceituoso é reforçado quando os avaliadores do PNLD 2010 afirmam que os paramentos tradicionais dessas culturas acentuam seu “caráter ‘exótico’”.

A conclusão inexorável é que os avaliadores do PNLD 2010 julgam que é mais apro-priado que os Caiapó, os Ianomâmi e os demais povos indígenas brasileiros só apare-çam nos livros didáticos trajando roupas características da sociedade majoritária, para não acentuar seu “caráter ‘exótico’”. Ora, isso significa que os avaliadores do PNLD 2010 exigem que as etnias indígenas devem esconder seus traços culturais. Para eles, não existiria o problema se o Caiapó e o Ianomâmi fotografados estivessem trajando terno e gravata. Esta é uma abordagem “assimilacionista”, condenada por lideranças indígenas e antropó-logos e incompatível com os valores consolidados na Constituição Federal. O texto dos avaliadores do PNLD 2010 tem um forte ranço (em todas as acepções do termo) do racis-mo dissimulado que ainda permeia em parte da sociedade “branca e europeia” brasileira, com sua triste história genocida e escravocrata.

Os avaliadores do PNLD 2010 desprezaram as recomendações dos PCN – Ética e Cidadania e referências importantes para este assunto como a obra organizada por SILVA e GRUPIONI, “A temática indígena na escola – novos subsídios para professores de 1º e 2º graus”71.

Em contraste ao despreparo (será racismo latente?) dos avaliadores do PNLD 2010 há a experiência dos autores sobre a questão. Aloma F. Carvalho é pedagoga e ministrou cursos de formação de professores indígenas de aldeia realizados junto a comunidades do esta-do de Rondônia, participou dos movimentos educacionais que resultaram no documento “Referencial de Educação Indígena” publicado pelo MEC no final da década de 1990 e ela-borou materiais didáticos para escolas indígenas do Maranhão, do Tocantins e do Parque Indígena do Xingu. Em todas essas oportunidades, pôde constatar a justa reivindicação dos povos indígenas de valorização de sua cultura e das suas formas de expressão.

O outro autor, Francisco A. de Arruda Sampaio, foi fundador do Instituto de An-tropologia e Meio Ambiente – IAMÁ72 e desenvolveu trabalho sobre o assunto, em particular com as comunidades indígenas de Rondônia. Foi coordenador de projeto socioambiental que, entre outras ações, promoveu o 1º Encontro das Nações Indígenas de Rondônia. Também deu palestras de capacitação para professores de aldeia em Mato Grosso do Sul. Nesses encontros, os professores indígenas foram unânimes em destacar a importância da valorização das culturas indígenas nos livros didáticos para a autoes-tima dos seus alunos.

71   SILVA, A. L.; GRUPIONI, L. D. B. (Org.). A temática indígena na escola – novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília: MEC/MARI/UNESCO, 1995.

72   GRUPIONI (1995)  listou o IAMÁ entre as entidades de apoio aos  índios que podem oferecer  informações per-tinentes sobre a questão  indígena (GRUPIONI, L. D. B. Livros didáticos e fontes de  informação sobre as sociedades indígenas no Brasil. In: SILVA, A. L.; GRUPIONI, L. D. B. (Org.), opus cit., p. 521.

Com a palavra o autor.indb 113 20/07/2010 19:47:59

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Com a palavra, o autor114

O caro leitor já deve ter concluído que a acusação de que a Coleção Caminhos da Ciên-cia apresenta os indígenas como “exóticos” não é verdadeira. São os avaliadores do PNLD 2010 que enxergam os povos indígenas como tal.

Mais uma vez somos obrigados a destacar que o trecho do livro onde aparecem as fotos condenadas é o mesmo desde a primeira edição da Coleção Caminhos da Ciência. A Co-leção foi avaliada nos PNLD 2001, 2004 e 2007. Nessas três oportunidades os avaliadores julgaram que o tratamento dado à questão da pluralidade cultural é adequado e promove a construção da cidadania, um dos motivos pelos quais a obra foi aprovada e recebeu a clas-sificação de “recomendada com distinção” em todas as oportunidades nas quais a avaliação atribuiu classificação às obras aprovadas.

Novamente devemos manifestar a nossa surpresa com as assinaturas dos professores Studart e Pavão no Relatório de Reprovação. Para nós é triste verificar que dois acadê-micos, responsáveis por zelar pela qualidade do livro didático utilizado nas escolas públi-cas brasileiras, assinaram um relatório no qual classificam as populações indígenas como “exóticas” e censuram a presença de fotografias em que indígenas aparecem nos seus trajes tradicionais. Se nos contassem, não teríamos acreditado. A assinatura do Professor Pavão é a que nos causou maior espanto. Afinal, ele participou das avaliações anteriores que tão bem qualificaram nossos livros com “fotos de índios” nas quais “eles apare­cem paramentados de penas”.

É com certo alívio que informamos ao nosso prezado leitor que outras coleções apro-vadas no PNLD 2010 também apresentam indígenas que “aparecem paramentados de penas” em suas fotografias e/ou ilustrações. Este fato indica que o problema é pontual, exclusivo da avaliação da Coleção Caminhos da Ciência, e que outros avaliadores que participaram da avaliação do PNLD 2010 julgaram com maior competência e de acordo com os critérios estabelecidos pelo Edital do PNLD 2010. Simultaneamente, a presença de fotografias e ilustrações de indígenas “paramentados de penas” em outras coleções também é prova de afronta ao princípio da isonomia (ERRO TIPO 6).

Diante de mais este caso de flagrante dualidade nos critérios de avaliação, não pode-ríamos deixar de comentar que, quanto mais nos aprofundamos na análise do Relatório de Reprovação, mais nos convencemos de que a nossa obra estava condenada à exclusão antes mesmo de sua inscrição no PNLD 2010. As evidências são cada vez maiores e mais gritantes, não é mesmo, caro leitor?

Com a palavra o autor.indb 114 20/07/2010 19:47:59

Page 115: Com a palavra o autor

Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 115

Predominância de separação étnica

O que diz o Relatório de Reprovação:

5. Manual do professor / proposta pedagógica / linguagem

5.8. [...] Aparecem fotos de famílias inter ­étnicas, mas predominante­

mente as diversas etnias aparecem na Coleção em fotos separadas, não

se observam situações de integração.73

A acusação de separação étnica nas fotografias da Coleção Caminhos da Ciência é ab-solutamente falsa (ERRO TIPO 1), como se demonstrará a seguir. Por se tratar de coleção do componente Ciências, a maior parte das fotografias não retrata pessoas. Na maioria das fotografias em que aparecem pessoas, elas aparecem sós. Por último, a maior parte das fotografias em que aparece mais de uma pessoa são de situações reais, nas quais é possível, sim, verificar relações interétnicas – ao contrário do que afirmam os avaliadores do PNLD 2010. Os exemplos a seguir comprovam esta afirmação:

�� livro do 2º ano, páginas 16, 17, 55, 82, 86, 124, 165;�� livro do 3º ano, páginas 11, 12, 13, 34, 88, 151 155, 157;�� livro do 4º ano, páginas 13, 80, 166, 194; e�� livro do 5º ano, páginas 144, 146, 159, 174, 223, 234, 240, 245.

O parecer dos avaliadores do PNLD 2010 está equivocado e indica que os mesmos não analisaram com cuidado as fotografias da Coleção. A verdade é que os livros desta Coleção sempre se destacaram por representarem a diversidade étnica e cultural brasileira, como confirmam os pareceres dos avaliadores dos PNLD 2001, 2004 e 2007. Também nesta questão, os avaliadores do PNLD 2010 não justificaram sua divergência com as equipes de avaliação precedentes (ERRO TIPO 4).

Sangrar as picadas de cobras e tratá -las com querosene, urina e fumo é correto?!

O que diz o Relatório de Reprovação:

5. Manual do professor / proposta pedagógica / linguagem

5.8. [...] Coloca predominantemente os conhecimentos populares como

atitudes a serem evitadas, como mitos. Vide tratamento de picadas

de cobra, mistura de alimentos como manga e leite. Não foi possível

identificar exemplos positivos. Um conhecimento popular muito próxi­

mo dos alunos é a confecção da alimentação. Existem várias formas de

preparar e conservar alimentos que envolvem processos físico ­químicos

e bioquímicos que não são levados em consideração para estudo ou para

mudança de hábitos alimentares das crianças. E’ um exemplo de como se

73   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 8.

Com a palavra o autor.indb 115 20/07/2010 19:48:00

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Com a palavra, o autor116

perde a oportunidade de refletir sobre o cotidiano, fazendo emergir

o extraordinário daquilo que é ordinário.74

A afirmação de que os livros da Coleção Caminhos da Ciência não valorizam o conhe-cimento popular é uma inverdade. Só no livro do 2º ano, por exemplo, há pelo menos três situações nas quais se valoriza o conhecimento popular:

�� na página 82, na qual se mostra um vaqueiro do Piauí com sua roupa de couro para se proteger dos espinhos de plantas da caatinga;�� na página 112, na qual se mostra a tecnologia de artesãos do Raso da Catarina (Bahia)

no uso da fibra do caroá na confecção de cestas, sacolas e redes; e�� na página 153, na qual se mostra um observatório astronômico construído pelo antigo

povo Maia.

No livro do 3º ano, também se valoriza o conhecimento popular, em particular no capítulo 17 (Visões de mundo), no qual se comparam as explicações para o surgimento do mundo de acordo com os antigos semitas (tradição judaico -cristã), os Ianomâmi e os Caiapó. Caso os avaliadores do PNLD 2010 tivessem lido o capítulo, notariam que ele trata justamente sobre as limitações do conhecimento científico e a importância de outras formas de conhecimento na formação de valores e princípios culturais! Ainda neste livro, merece destaque a leitura de trechos do discurso do Chefe Seattle no qual se contrapõe a visão conservacionista do chefe indígena à visão predatória dos “brancos”.

No livro do 4º ano, a mesma postura de respeito e valorização do conhecimento popu-lar se mantém, como no caso do uso de materiais por diferentes culturas (página 32) e no texto que destaca o grande conhecimento que as culturas indígenas têm sobre os animais e plantas do ambiente em que vivem (página 77).

No livro do 5º ano, não há situações de contraposição entre o conhecimento popular e o conhecimento científico, mas é importante destacar que na introdução deste volu-me há uma discussão sobre “ciência e sociedade” na qual se aborda a Revolta da Vacina (pp. 8 -9) e destaca -se a importância de respeitar a população e a necessidade de governo e cientistas informarem a população sobre as medidas de prevenção de doenças em vez de tentar impor soluções à força. Estes fatos são mais do que suficientes para comprovar que a acusação dos avaliadores do PNLD 2010 a respeito do tratamento do conhecimento tra-dicional é falsa (ERRO TIPO 1) e, simultaneamente, corroborar o parecer dos avaliadores dos PNLD 2007, 2004 e 2001 ao aprovarem a Coleção e a reincidência dos avaliadores do PNLD 2010 no ERRO TIPO 4.

A condenação das recomendações da Coleção Caminhos para os casos de acidentes ofídicos merece um comentário especial. As ilustrações e o texto condenados pelos avalia-dores do PNLD 2010 foram retirados de um folheto do Instituto Butantan (como atesta

74   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 8.

Com a palavra o autor.indb 116 20/07/2010 19:48:01

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 117

o crédito ao lado do texto e das ilustrações) destinado a orientar a população no caso de acidentes ofídicos75! Isso pode ser facilmente comprovado nas próprias páginas 105, 106 e 107 do livro do 4º ano (Figuras 3.14, 3.15 e 3.16).

Caro leitor, repare o absurdo do parecer dos avaliadores do PNLD 2010. O texto con-denado apenas informa que, em casos de acidentes com picadas de cobras:

�� desespero, nervosismo e pânico não ajudam, só atrapalham;�� a pessoa picada deve permanecer o mais quieta possível, sem andar e, muito menos,

correr;�� não se deve amarrar a perna ou o braço picado (isto é, não fazer torniquete);�� não se deve fazer cortes nem sangrar o local da picada; e�� não se deve usar remédios caseiros, querosene, álcool, fumo, urina etc. porque eles só

vão piorar as coisas.

Os avaliadores do PNLD 2010 demonstram desconhecer que os tratamentos e remé-dios caseiros colocam em risco a integridade física e até mesmo a vida das vítimas de picada de cobras, prova cabal de sua imperícia (ERRO TIPO 2). Técnicos e especialistas con-tratados pelo MEC enfatizaram, em diversos encontros com autores de livros didáticos, a importância de se incluir nos livros didáticos de Ciências os procedimentos propostos pelo Instituto Butantan no que se refere a acidentes ofídicos (em alguns editais chegaram a exigir explicitamente a obrigatoriedade de conformidade do livro didático de Ciências com as recomendações do Instituto Butantan para acidentes ofídicos).

O leitor merece ser informado que o mesmo texto e as mesmas ilustrações foram utili-zados nas edições anteriores da Coleção e foram considerados adequados pelos avaliadores dos PNLD 2001, 2004 e 2007. Ou seja, o parecer dos avaliadores do PNLD 2010 está equivocado e, novamente, diverge dos avaliadores dos PNLD anteriores (ERRO TIPO 4).

O livro trata de modo adequado o conhecimento tradicional, valorizando -o como fon-te de valores e princípios ou como tecnologias apropriadas ao meio. Ao mesmo tempo, e também de modo adequado, oferece informações científicas para desmistificar crendices que podem levar a comportamentos injustificáveis (por exemplo, não misturar manga com leite) ou afetar a saúde (tratamento errado em caso de acidentes ofídicos). Ao contrá-rio do que afirmam os avaliadores do PNLD 2010, é precisamente isso que se espera dos livros didáticos de Ciência.

O caro leitor provavelmente concordará conosco que este item do Relatório de Repro-vação contém erros tão grosseiros que também merece um lugar no já extenso anedotário da avaliação do PNLD 2010.

75   Para verificar o texto e as imagens presentes nos folhetos do Instituto Butantan, basta consultar o site do próprio Instituto. Disponível em: <www.butantan.gov.br/info_uteis.htm> (acesso: maio/2009).

Com a palavra o autor.indb 117 20/07/2010 19:48:01

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Com a palavra, o autor118

Abordagem considera apenas os alunos de meio urbano

O que diz o Relatório de Reprovação:

5. Manual do professor / proposta pedagógica / linguagem

5.10. A abordagem basicamente considera que se trata de um aluno de

um meio urbano, de família organizada, de classe média, em fase com a

série, saudável e sem deficiência física ou mental.76

Os avaliadores do PNLD 2010 mais uma vez faltam com a verdade (ERRO TIPO 1). Uma análise das fotografias dos livros da Coleção Caminhos da Ciência revela:

�� 71 páginas (15,4%) possuem elementos predominantemente urbanos;�� 150 páginas (32,5%) possuem elementos que não fazem parte do contexto urbano

(podendo ser ambiente rural ou natural);�� 186 páginas (40,3%) possuem elementos que podem ser encontrados nos meios urba-

nos ou não urbanos;�� 12 páginas (2,6%) mostram elementos urbanos e não urbanos, sem predominância; e�� 42 páginas (9,1%) mostram fotografias de temas astronômicos.

A Coleção trata da questão de pessoas com necessidades especiais em diversos momen-tos e promove de maneira adequada a defesa de seus direitos e a sua integração produtiva na sociedade. Por exemplo: livro do 2º ano, páginas 24 e 25 (necessidades especiais visuais: alfabeto Braille) e páginas 32 e 33 (necessidades especiais auditivas: leitura labial e lingua-gem de sinais); e livro do 5º ano, páginas 211 e 212 (necessidades especiais locomotoras)77.

Não se justifica um erro tão grosseiro dos avaliadores do PNLD 2010. Aparentemente eles se referiram a outra coleção (a essa altura de nossa análise do Relatório de Reprovação, essa conclusão parece ser a mais razoável diante dos enormes e excessivos absurdos profe-ridos por eles).

Também neste quesito, a opinião dos avaliadores do PNLD 2010 divergiram frontal-mente dos fatos e do parecer das equipes de avaliação precedentes (ERRO TIPO 4).

Conclusão

Caro leitor, a lista de erros dos avaliadores do PNLD 2010 que apresentamos ao longo deste capítulo é apenas uma amostra dos erros que eles cometeram ao analisar a Coleção Caminhos da Ciência. O documento completo da nossa refutação é por demais extenso

76   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 8.

77   O conteúdo das páginas mencionadas e também de toda a Coleção Caminhos da Ciência pode ser verifi cado, em arquivo PDF, no site da Editora Sarandi.

Com a palavra o autor.indb 118 20/07/2010 19:48:01

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 119

e técnico para constar integralmente neste livro. A sabedoria popular diz que “para bom entendedor, meia palavra basta”. Parodiando o dito popular, acreditamos que para o nosso leitor, uma amostra da nossa refutação do Relatório de Reprovação basta para desmascarar o festival de equívocos do qual nossa obra foi vítima.

O Relatório de Reprovação da Coleção Caminhos da Ciência no PNLD 2010 aponta erros conceituais e inadequações indutoras a erros que não existem, como já comprova-mos anteriormente. Pior, o mesmo relatório faz sugestões de correção que são, estas sim, incorretas. Criou -se, portanto, uma situação kafkiana: na reinscrição da obra nós seremos obrigados a comprovar que realizamos as correções dos erros apontados no Relatório de Reprovação sob pena de exclusão sumária. Ora, como corrigir o que está correto? Pior ainda, como justificar ética e moralmente a troca de um conteúdo/abordagem correto por conteúdo/abordagem errada?

A verdade é que a Coleção Caminhos da Ciência não se enquadra em nenhum critério de reprovação definido pelo Edital do PNLD 2010. Em todo o Relatório de Reprovação foram apontados corretamente apenas três pequenos erros gráficos, todos menos graves do que aqueles presentes em coleções que constam do Guia de Livros Didáticos PNLD 2010: Ciências, conforme é possível nas páginas 37, 49, 55 e 60 do mesmo Guia.

A Coleção Caminhos propõe uma quantidade adequada de experimentos e observações e discute adequadamente os métodos da ciência.

A proposta pedagógica é apresentada de maneira clara e objetiva no Manual do Profes-sor e é consolidada coerentemente ao longo dos livros da Coleção.

O Manual do Professor é informativo, traz farta bibliografia e indicações de atividades adicionais que o professor poderá utilizar, a seu critério. Além disso, o Manual é muito prático, sendo claramente diagramado, com informações capítulo a capítulo.

Os grupos étnico -culturais e a diversidade ambiental brasileiros estão amplamente re-presentados, de modo equilibrado e adequado.

A Coleção Caminhos da Ciência não exprime preconceitos, nem induz a isso. Pelo con-trário, dá ênfase à formação do aluno como cidadão participativo, ciente dos seus direitos e dos seus deveres também.

Os conteúdos tratados na Coleção atendem plenamente às exigências do Edital do PNLD 2010 e as indicações dos Parâmetros Curriculares Nacionais.

Os avaliadores do PNLD 2010 não apresentaram fatos nem fundamentação para justi-ficar sua divergência com as equipes de avaliação dos PNLD 2001, 2004 e 2007 que apro-varam a Coleção Caminhos da Ciência e lhe atribuíram a melhor classificação possível nas duas oportunidades nas quais as coleções aprovadas recebiam classificação. Na realidade, as conclusões dos avaliadores do PNLD 2010 são de tal modo incompatíveis e opostas às três avaliações anteriores que a divergência permite especular se a exclusão da nossa obra foi motivada por imperícia ou má -fé.

Com a palavra o autor.indb 119 20/07/2010 19:48:01

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Com a palavra, o autor120

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 121

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Com a palavra, o autor122

F I G U R A 3 . 1 Reprodução da página 40 do livro do 2o ano [imagem reduzida]

Com a palavra o autor.indb 122 20/07/2010 19:48:03

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 123

F I G U R A 3 . 2 Reprodução da página 12 do livro do 3o ano [imagem reduzida]

Com a palavra o autor.indb 123 20/07/2010 19:48:05

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Com a palavra, o autor124

F I G U R A 3 . 3 Reprodução da página 13 do livro do 3o ano [imagem reduzida]

Com a palavra o autor.indb 124 20/07/2010 19:48:07

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 125

F I G U R A 3 . 4 Reprodução da página 14 do livro do 3o ano [imagem reduzida]

Com a palavra o autor.indb 125 20/07/2010 19:48:09

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Com a palavra, o autor126

F I G U R A 3 . 5 Reprodução da página 55 do livro do 4o ano [imagem reduzida]

Com a palavra o autor.indb 126 20/07/2010 19:48:11

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 127

F I G U R A 3 . 6 Reprodução da página 52 do livro do 4o ano [imagem reduzida]

Com a palavra o autor.indb 127 20/07/2010 19:48:13

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Com a palavra, o autor128

F I G U R A 3 . 7 Reprodução da página 53 do livro do 4o ano [imagem reduzida]

Com a palavra o autor.indb 128 20/07/2010 19:48:15

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 129

F I G U R A 3 . 8 Reprodução da página 54 do livro do 4o ano [imagem reduzida]

Com a palavra o autor.indb 129 20/07/2010 19:48:17

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Com a palavra, o autor130

F I G U R A 3 . 9 Reprodução da página 110 do livro do 2o ano [imagem reduzida]

Com a palavra o autor.indb 130 20/07/2010 19:48:20

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 131

F I G U R A 3 . 1 0 Reprodução da página 111 do livro do 5o ano [tamanho original sem redução]

Com a palavra o autor.indb 131 20/07/2010 19:48:21

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Com a palavra, o autor132

F I G U R A 3 . 1 1 Reprodução da ilustração da página 111 do livro do 5o ano [tamanho original sem redução]. A linha pontilhada sobreposta à figura original corresponde a um círculo perfeito. Ou seja, a alegação dos avaliadores do PNLD 2010 é falsa e prova que eles não mediram a imagem ou, caso tenham medido, o fizeram com displicência.

O diâmetro “equatorial” mede cerca de 12,7 cm

A linha pontilhada vermelha mostra um círculo perfeito com diâmetro igual ao do eixo maior da elipse

O diâmetro “polar” mede aproximadamente 12,5 cm

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 133

F I G U R A 3 . 1 2 Com um lápis e uma tira de papel, apenas, é possível verificar o achatamento da elipse representado na ilustração da página 111 do livro do 5o ano. Isto é bem evidente até mesmo nas imagens abaixo, que foram reduzidas a 85% do tamanho original do nosso livro reprovado.

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F I G U R A 3 . 1 3 Reprodução do cartaz do 1o Encontro Nacional de Culturas Jê.

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 135

F I G U R A 3 . 1 4 Reprodução da página 105 do livro do 4o ano [imagem reduzida]

Com a palavra o autor.indb 135 20/07/2010 19:48:27

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Com a palavra, o autor136

F I G U R A 3 . 1 5 Reprodução da página 106 do livro do 4o ano [imagem reduzida]

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Capítulo 3 – O caso da Coleção Caminhos da Ciência 137

F I G U R A 3 . 1 6 Reprodução da página 107 do livro do 4o ano [imagem reduzida]

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CAPÍTULO

4 O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências

O sucesso da Coleção Caminhos da Ciência trouxe enorme satisfação para nós, autores, mas não foi su-ficiente para diminuir a necessidade de encontrar ou-

tras soluções para o livro didático de Ciências. Como professo-res, sabemos que não existe uma única “fórmula” para ensinar e que podem ser muitos e variados os percursos da aprendizagem. Os livros da Coleção Caminhos da Ciência foram elaborados com o objetivo de transpor, para um material estruturado, um determinado conjunto de orientações didáticas decorrentes das concepções construtivistas da aprendizagem. Suas atividades, consequentemente, são mais abertas e dialógicas. A interação en-tre o professor e os alunos é uma condição para o seu desenvolvi-mento. O trabalho com os livros da Coleção Caminhos depende de um planejamento mais flexível, pois o professor poderá se deparar com situações instigantes propostas pelos alunos e não previstas inicialmente. Como autores, logo surgiu o desejo de fa-zer algo diferente. E se escrevêssemos uma outra coleção de livros didáticos com uma proposta de ensino distinta daquela presente nos livros da Coleção Caminhos? Uma coleção que valorizasse a informação e, ao mesmo tempo, preservasse uma visão cons-trutivista do ensino de Ciências; uma coleção que valorizasse o trabalho com textos informativos; uma coleção mais fácil de ser

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Com a palavra, o autor140

incorporada pelo professor em seu planejamento. Mas que, mesmo assim, se mantivesse fiel aos princípios construtivistas da aprendizagem (que desafio avançar sem retroceder no tempo e voltar aos antigos livros “pergunta -reposta”!).

Assim surgiu a Coleção Ponto de Partida Ciências, fruto da nossa necessidade autoral de oferecer outras opções de material didático para os professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Quem consulta os livros da Coleção Ponto de Partida Ciências facilmente percebe a completa integração entre o projeto gráfico dos livros e a sua proposta didática. Trata -se de uma estrutura que se repete ao longo de toda a obra com o objetivo de ensinar o aluno a usar o livro mais facilmente e, assim, aprender a estudar com autonomia. Todos os ca-pítulos são iniciados por momentos de problematização/conversação, valorizando as des-cobertas e os saberes dos alunos e incentivando a construção coletiva de conhecimentos. Esses momentos iniciais são seguidos de momentos de leitura, ou melhor, de estudo pro-priamente dito. Os textos informativos que integram essa segunda etapa da aprendizagem foram cuidadosamente elaborados considerando os diferentes níveis de leitura dos alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Algumas crianças estão em fase de alfabetização e, por isso mesmo, ainda precisam do apoio do professor para ler. As páginas que com-portam os textos informativos não contêm elementos que interrompem o fluxo natural da leitura, permitindo a total concentração do aluno em seu conteúdo. Os capítulos são encerrados com desafios e também atividades que valorizam a revisão e a memorização dos assuntos tratados. E como se trata de um “ponto de partida”, a seção “Aprofundamento” e o Manual do Professor trazem sugestões de atividades que permitem aprofundar ou am-pliar o trabalho proposto no Livro do Aluno.

A Coleção Ponto de Partida Ciências foi aprovada no PNLD 2007 e incluída no Guia do Livro Didático PNLD 2007 – Ciências. Sua resenha apresenta elogios à parte textual da obra, o que foi motivo de muito orgulho para nós. Os avaliadores do PNLD 2007, coorde-nados pelo Professor Doutor Antônio Carlos Pavão (Universidade Federal de Pernambuco) e pelo Professor Doutor Dietrich Schiel (Instituto de Física de São Carlos, da Universidade de São Paulo), elogiaram a redação dos nossos textos informativos, destacando a qualidade da linguagem por nós adotada. Consideraram os textos diretos, adequados à faixa etária e também corretos do ponto de vista da abordagem conceitual. Para nós, essa avaliação reiterou o acerto da decisão de produzir uma segunda coleção de didáticos para a área de Ciências na qual a parte textual fosse colocada em evidência. Em nossa experiência, como autores, professores e também pais, nós sempre tivemos dificuldade em encontrar textos de conteúdo científico adequados às crianças pequenas. Frequentemente nós nos depa-ramos com nossos filhos perturbados diante da dificuldade de ler e entender um texto enviado pela escola para o estudo da ciência. Logo, a satisfação com os elogios da resenha da Ponto de Partida não foi pequena…

Sucesso na avaliação, sucesso nas vendas. A Coleção Ponto de Partida Ciências foi di-vulgada pela Editora Sarandi conforme as regras estipuladas pela Portaria nº 2.963/2005 estabelecida pelo FNDE, ou seja, a propaganda dos livros foi feita única e exclusivamente por meio da remessa via correio de exemplares de divulgação. Logo, o fato de ter alcança-

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 141

do cerca de 6% das aquisições de livros feitas pelo FNDE para o componente curricular Ciências foi outro motivo de orgulho. Afinal, tratava -se de uma proposta inédita e não sabíamos como os professores reagiriam diante das novidades que a Coleção apresentava.

No entanto, nós queríamos mais com a Coleção Ponto de Partida Ciências. Para o PNLD 2010, nosso esforço autoral e editorial voltou -se para dois aspectos, principalmen-te. O primeiro deles foi o de trazer para o Livro do Aluno parte das orientações expressas somente no Manual do Professor. Isso porque, na primeira edição, o desejo de valorizar os textos informativos fez com que concentrássemos no Manual do Professor a maior parte das atividades complementares, as dicas de estudo e outros elementos que tornam o livro mais estimulante e dialógico. Quando esses elementos, que chamamos champig-non do livro didático, integram o Livro do Aluno, maiores são as chances dos professores colocarem -nos em prática. Então, partimos para um estudo profundo do projeto gráfico, de modo a continuar valorizando a parte textual, mas trazer para o aluno as indicações que já estavam no Manual do Professor.

O segundo aspecto importante da reformulação da Coleção Ponto de Partida Ciên-cias para o PNLD 2010 concentrou -se nas atividades de experimentação. No ensino de Ciências, os limites entre o que é uma situação de experimentação e uma situação de demonstração são muito tênues. Em nossa opinião, depende muito da condução do pro-fessor. Mas a resenha do Guia do PNLD 2007 apontava a necessidade da obra apresentar encaminhamentos mais abertos para as situações experimentais – o que, do ponto de vista editorial, demanda um número maior de páginas. Foi o que fizemos: reestruturamos as páginas dedicadas às situações de experimentação de modo a trazer para os livros do aluno os encaminhamentos que já estavam nos manuais, que garantiam um trabalho pautado na observação, na descoberta e no teste de hipóteses. Ampliamos o número de situações e, além disso, agregamos a todos os livros uma seção especial, chamada Guia de Experiências e Observações. Nessa seção, desenvolvemos um trabalho mais sistemático com os métodos científicos, valorizando a construção de procedimentos relacionados ao teste de hipóteses. Há anos já refletíamos sobre as possibilidades da Filosofia das Ciências estar presente em nossos livros desde as séries iniciais e essa nova seção da Coleção Ponto de Partida repre-sentou uma excelente oportunidade para transpormos essa reflexão para a prática.

Não temos nenhuma dúvida: para o PNLD 2010, os livros da Coleção Ponto de Par-tida Ciências ficaram ainda mais bonitos e muito melhores e mais interessantes do ponto de vista didático. Tanto que sua estrutura foi estendida a outras áreas, como Letramento e Alfabetização Linguística (ver Capítulo 6). A Coleção foi inscrita no PNLD 2010 com muita satisfação da nossa parte. E, infelizmente, foi reprovada. Mas como?! Impossível! Caro leitor, desculpe -nos a falta de modéstia, mas a Coleção ficou excelente. O que, então, teria motivado os avaliadores do PNLD 2010 a excluí -la desse programa?

A leitura das próximas páginas provavelmente irá provocar a sensação de episódios de déjà -vu. A sensação que tivemos ao ler o Relatório de Reprovação da Coleção Ponto de Partida foi exatamente essa: eu acho que já vi isso em algum lugar… Logo, ao escrever-mos esse capítulo, procuramos provocar no leitor esse mesmo sentimento. Apesar de não sermos escritores literários e de não dominarmos a arte de provocar sensações, dramas ou

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Com a palavra, o autor142

tensões (lembre -se amigo leitor, somos meros “autores de livros didáticos”, como fazem questão de nos recordar os “especialistas” da academia), a tarefa, para sermos bem francos, não foi difícil, pois os próprios avaliadores do PNLD 2010 nos forneceram todo o instru-mental necessário.

De fato, nem o leitor e tampouco nós sofremos de paramnésia. São os avaliadores do PNLD 2010 que repetem os mesmos erros cometidos ao reprovarem a Coleção Caminhos da Ciência, claramente identificáveis no Relatório de Reprovação (ver Capítulo 3). Muitas vezes o erro é exatamente o mesmo. E isso é estranho, pois a semelhança nos erros con-ceituais e no modus operandi é enorme. Os avaliadores do PNLD 2010, no Relatório de Reprovação da Coleção Ponto de Partida:

�� recorrem insistentemente à análise descontextualizada de pequenos trechos dos livros;�� insistem em impingir a terminologia de um campo do conhecimento sobre outros

(com a balança pendendo sempre para a Física);�� revelam sérias deficiências conceituais em assuntos da Biologia, da Geologia e da As-

tronomia; �� dão sinais claros de não terem lido os livros por completo, em particular o Manual do

Professor;�� fazem análises açodadas e desleixadas de ilustrações e figuras dos livros, sem seguir os

procedimentos descritos nos livros e manuais do professor; e�� descrevem supostos erros utilizando termos vagos, imprecisos e genéricos para montar

uma retórica vazia.

Tanta semelhança nos faz desconfiar que os avaliadores da Coleção Ponto de Partida Ciências foram os mesmos que avaliaram a Coleção Caminhos da Ciência. É claro que não temos elementos suficientes para confirmar essa suspeita, pois a identidade dos avalia-dores de cada Coleção é mantida sob sigilo pela SEB, mesmo após o término da avaliação. Mas, como o próprio leitor poderá facilmente perceber, são muitas as coincidências entre ambos os relatórios de reprovação. Logo, podemos considerar as nossas suspeitas como, no mínimo, fortes. Mas, passemos aos detalhes. Nas próximas páginas deste capítulo, ana-lisaremos de forma minuciosa os argumentos apresentados pelos avaliadores no Relatório de Reprovação como justificativa da exclusão da Coleção Ponto de Partida Ciências do PNLD 2010. Não todos os argumentos, é claro. Para poupar o leitor, destacamos aqueles mais significativos, embora tenhamos analisado e refutado com base em fatos e farta bi-bliografia todos os argumentos apresentados no Relatório de Reprovação e comprovado que as justificativas para a reprovação e exclusão dos nossos livros não são válidas1.

1   Caso o leitor tenha interesse em conhecer a íntegra do documento de refutação do Relatório de Reprovação da Coleção Ponto de Partida Ciências, deverá encaminhar uma solicitação à Editora Sarandi contendo seus dados comple-tos, identificação da instituição à qual é filiado e explicitação dos motivos do interesse.

Com a palavra o autor.indb 142 20/07/2010 19:48:31

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 143

Refutação integral do item 1 do Relatório de Reprovação da Coleção Ponto de Partida Ciências

Mais uma vez refutaremos integralmente o primeiro item do Relatório de Reprovação, pois ele encerra vários tipos de erros e ilustra o modus operandi dos avaliadores do PNLD 2010 para excluir injustificadamente a Coleção Ponto de Partida Ciências. O que diz o Relatório de Reprovação:

1. Veiculação de informação incorreta, imprecisa, inadequada e desa­

tualizada

A Coleção veicula informações incorretas que prejudicam a aprendiza­

gem dos alunos. Alguns exemplos de erros e impropriedades na apresen­

tação dos conteúdos são destacados abaixo.

Livro do 2o ano

1.1. Página 27: são apresentados conceitos inadequados de olfato

(“... é a percepção de substâncias no ar”) e de paladar (“... é a

percepção das substâncias presentes em líquidos e sólidos quando são

colocados na boca ou tocados com a língua”). Além disso, a noção de

substância não é discutida. Ela está indicada em negrito para ser

consultada no glossário somente na página 39, mas a própria definição

de substância no glossário (página 140) poderia ser mais apropriada.

1.2. Páginas 27, 30 e 146 ­147: erroneamente denomina ­se “sabor” ao

que se percebe pelo sentido do paladar, isto é, pelo gosto. Conse­

qüentemente, denominam ­se, erroneamente, de sabores os quatro gostos

primários (doce, salgado, azedo e amargo), e o conceito de sabor (re­

sultante das sensações conjuntas de gosto e de odor, isto é, da junção

do paladar e do olfato) não é introduzido na Coleção.

1.3. Página 122: afirma ­se que: “As leis brasileiras também proíbem

a caça e a venda de animais da fauna silvestre como araras, tucanos,

micos, peixes e muitos outros.” A inserção de peixes está incorreta.

Livro do 3o ano:

1.4. Página 121: há uma afirmação inadequada no primeiro parágrafo: “0

som se propaga pelo ar de modo parecido com o das ondas que se espalham

na superfície da água. Por esse motivo se diz que o som se propaga em

‘ondas sonoras’”. A propagação das ondas sonoras no ar não tem o mesmo

caráter de propagação de ondas na superfície da água.

Livro do 4o ano:

1.5. Páginas 27 até 38: os conceitos enunciados estão desatualizados.

A c1assificação dos seres vivos adotada pela Coleção é a de Lineu,

século XVIII, que define as seres vivos dentro de dois reinos, o Ani­

mal e o Vegetal. E’ ignorada a proposição de Haeckel (1834) que cria

o Reino Protista para incluir os microrganismos, e classificá ­los

dentro de um reino específico.

1.6. Página 164: é afirmado de forma imprecisa: “... Na realidade, só

existem dois tipos fundamentais de máquinas: as alavancas e os planos

inclinados.” Há outros tipos de máquinas simples.2

2   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Ciências. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, pp. 1 -2. A versão integral desse documento, em reprodução fac -símile, encontra -se na seção Anexos ao fi nal do livro. Caso o leitor tenha interesse em conhecer na íntegra o conteúdo dos livros da Coleção Ponto de Partida Ciências, basta entrar no site da Editora Sarandi e consultar os arquivos PDF: <www.editorasarandi.com.br> (acesso: jul/2010).

Com a palavra o autor.indb 143 20/07/2010 19:48:33

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Com a palavra, o autor144

Como é fácil constatar, são muitas as acusações dessa primeira crítica do Relatório de Reprovação e será necessário discuti -las separadamente.

Conceito de paladar e olfato

1. Veiculação de informação incorreta, imprecisa, inadequada e desa­

tualizada

A Coleção veicula informações incorretas que prejudicam a aprendiza­

gem dos alunos. Alguns exemplos de erros e impropriedades na apresen­

tação dos conteúdos são destacados abaixo.

Livro do 2o ano

1.1. Página 27: são apresentados conceitos inadequados de olfato

(“... é a percepção de substâncias no ar”) e de paladar (“... é a

percepção das substâncias presentes em líquidos e sólidos quando são

colocados na boca ou tocados com a língua”) [...].3

Importante ressaltar uma das características dos relatórios de reprovação de nossas obras de Ciências: os avaliadores do PNLD 2010 foram coerentes em seus erros. Assim como fizeram na avaliação da Coleção Caminhos da Ciência, eles também não aceitaram nossa abordagem dos sentidos do paladar e do olfato na Coleção Ponto de Partida Ciências. Erraram lá e erraram aqui também (ver Capítulo 3). As definições de olfato e paladar da Coleção Ponto de Partida são corretas e estão absolutamente de acordo com as definições encontradas em livros -texto de fisiologia, neurologia e neuroanatomia, bem como nas últimas revisões publicadas em revistas científicas internacionais de grande respeito. Mais uma vez, somos obrigados a citar SCHMIDT -NIELSEN (1997):

To a human the sense of taste refers to materials in contact with the mouth; smell refers to gaseous substances that reach the nose via the air. 4

[Para um humano o sentido do paladar refere -se a materiais em contato com a boca; cheiro refere-se a substâncias gasosas que atingem o nariz pelo ar.]

O leitor pode constatar que as definições adotadas nos nossos livros são exatamente as mesmas utilizadas no tratado de fisiologia citado. O erro dos avaliadores do PNLD 2010 é evidente. Condenar um conceito correto como errado é um claro indício de deficiên-cia conceitual dos avaliadores (ERRO TIPO 2)5. Como já destacamos anteriormente, o olfato e o paladar são ambos sentidos químicos, por esse motivo eles são comumente reu-nidos num mesmo capítulo ou unidade nos livros -texto de fisiologia, neurologia, neuro-

3   Ibidem, p. 1. [grifos nossos].

4   SCHMIDT -NIELSEN, K. Animal Physiology. 5. ed. Cambridge -EUA: Cambridge University Press, 1997, p. 536. [tra-dução nossa].

5   Os erros cometidos pelos avaliadores nos relatórios de reprovação das nossas obras são tantos e tão grosseiros que optamos por criar uma classifi cação que permitisse a sistematização da nossa análise e facilitasse a comunicação da nossa crítica. Embora tenha suas limitações, a classifi cação dos erros pode ser bastante útil na compreensão deste capítulo. Para saber mais sobre o assunto, consultar o Capítulo 2.

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 145

anatomia. Mesmo assim, esses sentidos são abordados separadamente. As definições que apresentamos nos nossos livros reprovados são iguais ou equivalentes às presentes em diversos tratados, tais como: CURI e ARAUJO FILHO, J. P. (2009); BERNE (2004); GUYTON e HALL (2006); PURVES et al. (2004); ROPPER e BROWN (2005); BRO-DAL (2004).

Diante de tão devastador conjunto de referências que atestam a correção dos nossos livros, os responsáveis pela avaliação não sustentaram a acusação de que nossas defini-ções estão erradas. Todavia, ao invés de admitirem seu erro, buscaram guarida (mais uma vez) na Norma Técnica NBR 12.806/1993, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e concentraram seu ataque na definição do termo “sabor”, alegação que já refuta-mos no capítulo anterior e que recapitularemos um pouco mais adiante.

Para concluir, lembramos ao nosso leitor que os conceitos considerados errados na avaliação do PNLD 2010 são os mesmos que constam da edição anterior da obra e foram considerados corretos pelos avaliadores do PNLD 2007, então sob responsabilidade da Universidade de São Paulo (USP). Ou seja, além de conformar com os mais respeitados tratados acadêmicos, a definição dos conceitos de olfato e paladar dos nossos livros já foi avaliada e aprovada por avaliadores do próprio PNLD. Essa divergência com a literatura científica e com os avaliadores precedentes não foi justificada pelos avaliadores do PNLD 2010 (ERRO TIPO 4).

Substância: falta de discussão do termo e defi nição mal -explicada no glossário

O que diz o Relatório de Reprovação:

1. Veiculação de informação incorreta, imprecisa, inadequada e desa­

tualizada

Livro do 2o ano

1.1. Página 27: [...] Além disso, a noção de substância não é discutida.

Ela está indicada em negrito para ser consultada no glossário somente

na página 39, mas a própria definição de substância no glossário (pá­

gina 140) poderia ser mais apropriada.6

Os avaliadores do PNLD 2010 criticaram o uso da palavra “substância” sem, no en-tanto, apontar qual é a inadequação ou a qual erro conceitual o seu uso induz. O que os avaliadores do PNLD 2010 querem dizer com “a própria definição de substância no glossário (página 140) poderia ser mais apropriada”? O que eles consideram apropriado? Qual é a incorreção, imprecisão ou inadequação? Acusações vagas e insubs-tanciadas, nas quais não se apontam sequer os erros induzidos pela alegada inadequação, não podem ser levadas em consideração; isso sem contar o agravante de impedirem que a

6   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Ciências. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, pp. 1 -2. [grifos nossos].

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Com a palavra, o autor146

Coleção Ponto de Partida Ciências seja inscrita no PNLD 2013. Em nossa classificação, esse estratagema dos avaliadores do PNLD 2010 é classificado como ERRO TIPO 7.

O caro leitor poderá indagar: mas se o erro é tão grave a ponto de justificar a exclusão da Coleção Ponto de Partida, por que os avaliadores do PNLD 2010 não apontaram a incorreção ou os conceitos errados a que o uso da palavra substância induz? Eles nada disseram porque não há erro ou inadequação, é evidente. A verdade é que a palavra “subs-tância” foi utilizada de maneira correta. Trata -se de um termo que faz parte do vocabulário cotidiano do aluno e que, portanto, não lhe é desconhecido. No livro do 2º ano, destinado a alunos com cerca de 7 -8 anos de idade, utilizamos o termo de forma adequada ao con-texto e não há necessidade alguma de apresentar uma discussão mais formal acerca do seu significado. Mesmo assim, nós tivemos o cuidado de colocar o termo no glossário ao final do livro, como admitem os próprios avaliadores do PNLD 2010.

Os avaliadores do PNLD 2010 também acusaram os nossos livros de não abordar (sic): “a noção de substância” que, segundo eles “não é discutida”. Esta alegação é absoluta e indiscutivelmente falsa (ERRO TIPO 1). Os avaliadores do PNLD 2010 não leram toda a Coleção ou omitiram propositalmente que a noção de substância é objeto de um capítulo inteiro: o Capítulo 4 (denominado “Substâncias e Misturas”) do livro do 4º ano, etapa da escolaridade mais adequada para se abordar o termo mais formalmente do que no 2º ano.

Além disso, a opinião dos avaliadores do PNLD 2007 sobre o assunto é oposta ao pa-recer dos avaliadores de 2010. Na resenha da Coleção Ponto de Partida Ciências no Guia do Livro Didático PNLD 2007, afirma -se:

Na escolha, bem como na distribuição dos temas, foram tomados cuidados com a ade-quação do material à faixa etária a que se destinam, principalmente com o uso de uma linguagem direta e acessível na abordagem dos conteúdos. A participação dos alunos também é valorizada, tanto individual como coletivamente, ao longo dos diferentes vo-lumes da coleção e pode ser aproveitada pelo professor como forma de desenvolver as habilidades de trabalhar em grupo, problematizar (figura 1), ouvir, argumentar e com-partilhar idéias e resultados alcançados.7

É da mais absoluta relevância destacar que a figura 1 referida na resenha destaca jus-tamente o trabalho com o conceito de substância na Coleção Ponto de Partida! O leitor possa conferir por si mesmo as nossas afirmações consultando o próprio Guia do Lirvo Didático PNLD 2007 – Ciências na Internet.

Ainda no Guia do Livro Didático PNLD 2007, os avaliadores daquela edição do PNLD afirmam que os livros da Coleção Ponto de Partida:

[…] abordam conceitos corretos numa linguagem adequada ao nível dos alunos. A ter-minologia científica é apresentada gradualmente, sem excessos de novos termos. […]

7   BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Guia do Livro Didático 2007: ciências. Brasília: Ministério da Educa-ção, Secretaria da Educação Básica, 2006, p. 83. [grifos nossos]. 

Com a palavra o autor.indb 146 20/07/2010 19:48:35

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 147

Os conteúdos da 1ª e da 2ª séries [atuais 2º e 3º anos] caracterizam -se por uma abor-dagem mais geral e abrangente dos temas selecionados, sem a preocupação de um apro-fundamento excessivo deles. Tal opção é explicitada no Manual do Professor e pautada tanto na perspectiva de adequação à faixa etária dos alunos quanto na proposta de um tratamento em espiral ao longo da coleção, ou seja, com a retomada dos temas, nas séries seguintes, em grau de profundidade mais elevados.8

Logo, é possível constatar que os livros da Coleção Ponto de Partida Ciências foram aprovados em 2007 justamente pela qualidade da linguagem de seus textos, pela adequa-ção do tratamento dado aos termos e conceitos científicos, destacando -se que a proposta é clara nesse quesito, pois os autores a explicitam claramente no Manual do Professor! Ora, esses fatos foram desconsiderados pelos avaliadores do PNLD 2010, que chegaram a uma conclusão diametralmente oposta à avaliação do PNLD 2007. Como os livros não sofre-ram alterações nesses aspectos, o leitor poderia suspeitar que houve mudança nos critérios da avaliação. Mas não, não houve mudança alguma. Os termos do Edital do PNLD 2010 são praticamente os mesmos do Edital do PNLD 2007. Nada justifica a incoerência dos avaliadores do PNLD 2010 com a avaliação precedente! Mas a nossa denúncia não para por aqui…

A crítica dos avaliadores do PNLD 2010 ao glossário da Coleção Ponto de Partida, além de extremamente vaga e não corroborada por fatos concretos, também não se susten-ta. E não somos nós que apresentamos os contra -argumentos. Nas palavras dos avaliadores do PNLD 2007:

Na coleção toda, os termos científicos são apresentados sublinhados [na nova edição da coleção os termos são destacados em negrito], o que remete o leitor ao glossário, no final do livro, para melhor compreensão dos mesmos.9

Caro leitor, como explicar a crítica negativa dos avaliadores do PNLD 2010 à discus-são do conceito de substância presente nos textos informativos e no glossário dos livros da Coleção Ponto de Partida? Primeiro eles alegaram que “a noção de substância não é discutida”, o que já demonstramos ser uma alegação inteiramente falsa. Em seguida, eles criticaram, em termos vagos, a definição do termo no glossário, o que se configura como uma crítica vazia de conteúdo. Mais difícil ainda de explicar é a escandalosa diver-gência com a equipe da avaliação precedente que destacou: a) a adequação da linguagem à faixa etária e o modo progressivo como se desenvolvem os temas científicos ao longo da Coleção; b) a qualidade do glossário; e c) as qualidades da Coleção exemplificadas especi-ficamente com a menção do trabalho com o conceito de substância!!

Ou seja, as opiniões dos avaliadores do PNLD 2010 são completamente opostas e irre-conciliáveis com as opiniões da equipe de avaliação sob responsabilidade da USP e, volta-mos a reiterar, com os fatos concretos da obra! Em nossa opinião, o parecer dos avaliadores do PNLD 2010 indica que eles foram, no mínimo, negligentes ao ler os livros da Coleção

8   Ibidem, p. 84. [grifos nossos].

9   Ibidem, p. 84. [grifos nossos].

Com a palavra o autor.indb 147 20/07/2010 19:48:35

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Com a palavra, o autor148

Ponto de Partida. Também indica imperícia, por não perceberem o tratamento progres-sivo dos conceitos e da terminologia científica tão bem identificados pelos avaliadores do PNLD 2007.

A verdade é que o trabalho com o conceito de substância ao longo da Coleção Ponto de Partida é correto e adequado. Não há erro conceitual nem indução a erro conceitual. O parecer dos avaliadores do PNLD 2010 não tem sustentação.

Vale destacar que o termo “substância” é usado sem restrições nos artigos da Revista Ciência Hoje das Crianças explicitamente recomendados pelo Professor Doutor Antônio Carlos Pavão em texto elaborado para a série televisiva de entrevistas “Programa Salto para o Futuro”, exibido em rede nacional pela TV Escola/MEC. Nesse programa, destinado à formação e atualização do professorado, o texto do Professor Pavão orienta os professores de todo o país:

Não deixe de usar a revista Ciência Hoje das Crianças. Esta é uma coleção preciosa. Qualquer volume é muito bom. O MEC distribui esta coleção para as escolas.10

Além disso, em todas as coleções de Ciências aprovadas no PNLD 2010, mesmo em seus livros do 2º ano, o termo “substância” é empregado sem restrições. Algumas dessas coleções sequer definem o termo no glossário e, quando o fazem, a definição que oferecem é semelhante à da Coleção Ponto de Partida, condenada pelos avaliadores. Esta última constatação é, portanto, mais um flagrante de afronta ao princípio da isonomia (ERRO TIPO 6).

Não podemos deixar de expressar novamente nossa surpresa com a assinatura do Pro-fessor Pavão ao final do Relatório de Reprovação da Coleção Ponto de Partida Ciências. Afinal, o assunto “substância” é do domínio da Química e o Professor Pavão é doutor em Química. Consequentemente, espera -se que ele tenha bom domínio conceitual da área do conhecimento de sua formação e especialização. Na condição de representante da Comissão Técnica da avaliação do PNLD, o Professor Pavão foi corresponsável pela aprovação da nossa obra e pela resenha da Coleção Ponto de Partida apresentada no Guia do Livro Didático PNLD 2007 – Ciências. Logo, é possível afirmar que ele afiançou os elogios à correção conceitual dos nossos livros e o destaque ao trabalho com o conceito de “substância” apresentado na resenha. Ora, por acaso o conceito de “substância” (perdoe--nos pelo trocadilho) mudou “substancialmente” de 2007 para 2010? Como pode o aval do Professor Pavão constar de dois documentos oficiais que afirmam exatamente o oposto um do outro em assunto de sua área do conhecimento? Não há conciliação possível. Ou o Professor Pavão errou grosseiramente em 2007 ou ele errou grosseiramente em 2010. Qual a sua opinião, prezado leitor?

10   PAVÃO, Antônio Carlos. O livro didático de Ciências – Ensinar ciências fazendo ciências. Programa Salto para o Futuro. TV Escola/TVE Brasil, maio/2006. [grifos nossos]. Disponível em: <http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2006/ldq/tetxt1.htm> (acesso: jun/2009).

Com a palavra o autor.indb 148 20/07/2010 19:48:35

Page 149: Com a palavra o autor

Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 149

Uso inadequado das palavras “sabor” e “gosto”

O que diz o Relatório de Reprovação:

1. Veiculação de informação incorreta, imprecisa, inadequada e desa­

tualizada

Livro do 2o ano

1.2. Página 27, 30 e 146 ­147: erroneamente denomina ­se “sabor” ao

que se percebe pelo sentido do paladar, isto é, pelo gosto. Conse­

qüentemente, denominam ­se, erroneamente, de sabores os quatro gostos

primários (doce, salgado, azedo e amargo), e o conceito de sabor (re­

sultante das sensações conjuntas de gosto e de odor, isto é, da junção

do paladar e do olfato) não é introduzido na Coleção.11

Os avaliadores do PNLD 2010 repetem no Relatório de Reprovação da Coleção Ponto de Partida Ciências o mesmo erro cometido ao avaliar a Coleção Caminhos da Ciência. Como já foi demonstrado ad nauseam no capítulo anterior, o uso que fazemos das palavras “paladar” e “sabor” é correto, adequado e em conformidade com o emprego desses termos em tratados acadêmicos consagrados. A correção já foi comprovada na refutação do Rela-tório de Reprovação da Coleção Caminhos da Ciência (ver Capítulo 3) e é comprovada agora, na refutação dos argumentos de reprovação da Coleção Ponto de Partida. A alegação de suposta inadequação por parte dos avaliadores do PNLD 2010 caracteriza -se, em nossa análise, um clássico ERRO TIPO 2. Sabor e gosto podem ser usados como sinônimos. Os avaliadores do PNLD 2007, corretamente, não identificaram em nossos textos qualquer erro conceitual ou indução a erro. Portanto, novamente, os avaliadores do PNLD 2010 reincidiram no ERRO TIPO 4.

Adicionalmente, a acusação de que “o conceito de sabor (resultante das sensa­ções conjuntas de gosto e de odor, isto é, da junção do paladar e do olfato)

não é introduzido na Coleção” feita pelos avaliadores do PNLD 2010 revela fatos da maior gravidade.

O primeiro fato grave, óbvio de ser percebido, é que essa alegação dos avaliadores do PNLD 2010 indica claramente que eles não leram os livros da Coleção Ponto de Partida Ciências na sua integridade, pois no Capítulo 6 do livro do 2º ano e na parte corres-pondente do Manual do Professor, o trabalho com os sentidos é retomado, e informa -se ao aluno e ao professor a importância do olfato e de outros fatores na percepção dos sabores. Também informamos sobre a existência do sabor básico “umami”, entre outros assuntos.

O segundo fato grave é a prova da imperícia dos avaliadores do PNLD 2010 ao se re-ferir aos “quatro gostos primários (doce, salgado, azedo e amargo)”, quando os gostos primários são pelo menos cinco, como informa corretamente o nosso livro (eles se esqueceram ou não conhecem o gosto “umami”). Por último, há que se considerar a des-

11   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Ciências. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 2. [grifos nossos].

Com a palavra o autor.indb 149 20/07/2010 19:48:35

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Com a palavra, o autor150

crição do conceito de “sabor” como resultado de (sic) “sensações conjuntas de gosto e de odor, isto é, da junção do paladar e do olfato”. Os erros são primários: olfato é uma coisa, paladar é outra. Mais ainda, o reconhecimento do sabor depende de eventos quimiorreceptivos que ocorrem na boca, auxiliado por informações olfativas e visuais. Mais uma vez, nós somos obrigados a citar LINDEMANN (2001), em artigo de revisão sobre o paladar publicado na Revista Nature:

Taste is the sensory system devoted primarily to a quality check of food to be ingested. Although aided by smell and visual inspection, the final recognition and selection relies o chemoreceptive events in the mouth.12

[O paladar é o sistema sensorial dedicado primariamente a uma verificação da qua-lidade do alimento a ser ingerido. Embora ajudado pelo cheiro e pela inspeção visual, o reconhecimento final e a seleção dependem dos eventos quimiorreceptivos na boca.]

A “junção do paladar e do olfato” é uma invenção dos avaliadores do PNLD 2010 e demonstra a falta de domínio teórico e conceitual por parte dos avaliadores sobre o assunto, um ERRO TIPO 2.

A essa altura da nossa argumentação, a sensação de déjà -vu já começa a se manifestar mais fortemente. Afinal, os avaliadores do PNLD 2010, assim como no caso da nossa Coleção Caminhos, também não explicaram as inconsistências do seu parecer e procura-ram socorro na Norma Técnica NBR 12.806/1993, da ABNT. Não vamos repetir aqui a refutação da validade dessa norma para a avaliação de livros didáticos no contexto PNLD. Isto já foi feito no capítulo anterior. Gostaríamos apenas de relembrar que essa exigência caracteriza o ERRO TIPO 5. Os erros dessa categoria, entre outros aspectos, caracterizam--se por não constarem dos termos exigidos pelo Edital do PNLD 2010. Esse tipo de erro também indica que os avaliadores excederam seu poder discricionário, pois recorreram a critérios próprios, estranhos aos termos do edital.

A verdade é que não há erro ou confusão conceitual nos livros da Coleção Ponto de Partida. Pelo contrário, verifica -se que a matéria é tratada, tanto no Livro do Aluno como no Manual do Professor, com correção, propriedade e atualização. Não foi por acaso que os avaliadores do PNLD 2007 não fizeram qualquer objeção ao texto.

Ao não apresentarem justificativas para a divergência da avaliação precedente e julgar por critérios próprios, diferentes e ausentes do Edital do PNLD 2010, os avaliadores co-meteram também um ERRO TIPO 4.

12   LINDEMANN, B. Receptors and transduction in taste. Nature, v. 413, pp. 219 -225, 13 set. 2001. [tradução nossa].

Com a palavra o autor.indb 150 20/07/2010 19:48:35

Page 151: Com a palavra o autor

Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 151

Proibição da coleta de peixes

O que diz o Relatório de Reprovação:

1. Veiculação de informação incorreta, imprecisa, inadequada e desa­

tualizada

Livro do 2o ano

1.3. Página 122: afirma ­se que: “As leis brasileiras também proíbem

a caça e a venda de animais da fauna silvestre como araras, tucanos,

micos, peixes e muitos outros.” A inserção de peixes está incorreta.13

Ao reprovar e excluir os livros da Coleção Ponto de Partida Ciências utilizando como exem-plo a inclusão dos peixes dentre os animais protegidos pela legislação brasileira como prova de que a Coleção veicula informação incorreta, os avaliadores do PNLD 2010 demonstraram desconhecer as leis brasileiras e outros instrumentos legais que regulamentam a coleta de pei-xes. Em nossa classificação, os erros de natureza conceitual e de atualização presentes nos rela-tórios de reprovação das nossas obras são classificados como ERRO TIPO 2. Apenas a título de ilustração, citamos na sequência duas Instruções Normativas do Ministério do Meio Ambiente que proíbem explicitamente a captura de um grande número de espécies de peixes. Assim, caso o leitor deseje, poderá certificar -se do fato da legislação brasileira tratar desses animais.

�� Instrução Normativa nº 5, do Ministério do Meio Ambiente, de 21 de maio de 2004; e�� Instrução Normativa nº 13, do Ministério do Meio Ambiente, de 9 de junho de 2005.

Esses dois exemplos são complementados por outros regulamentos que proíbem, res-tringem e disciplinam a captura e a comercialização de peixes. O conhecimento dessas instruções e regulamentações comprova o erro dos avaliadores do PNLD 2010 e o acerto do texto da página 122 do livro do 2º ano da Coleção Ponto de Partida Ciências (ver Figu-ra 4.1 deste capítulo). Ou será que os avaliadores prefeririam que os alunos construíssem a noção equivocada de que os peixes não são protegidos pela legislação brasileira?

Ao serem confrontados com as normas mencionadas anteriormente, os avaliadores do PNLD 2010 procuraram justificar seu parecer argumentando (sic):

[...] As instruções citadas não proíbem a caça (ou pesca) e venda de

peixes do mesmo modo que é proibida a caça e a venda de animais da

fauna silvestre como araras, tucanos e micos, como se [sic] subtende

do texto do livro. Por exemplo, a caça e venda de apenas um exemplar

desses e outros animais já é considerado delito, enquanto essa mesma

regra não se aplica aos peixes de forma geral.14

13   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Ciências. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 2. [grifos nossos].

14   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Ofício nº 1.028/2009. Brasília: Ministé-rio da Educação, 15/jun/2009, p. 16. [grifos nossos].

Com a palavra o autor.indb 151 20/07/2010 19:48:37

Page 152: Com a palavra o autor

Com a palavra, o autor152

Ora, caro leitor, com essa resposta os próprios avaliadores do PNLD 2010 admitem que existem proibições à pesca, à coleta e à comercialização de peixes, não é mesmo? A admissão é tão confessa que eles próprios formulam uma nova objeção à frase do nosso livro. O problema passou a ser que “a caça e a venda” de vertebrados terrestres não são proibidas “do mesmo modo” que a “caça (ou pesca) e venda de peixes” da fauna brasileira.

Por favor, paciente leitor, consulte o original do nosso livro (Figura 4.1 ao final deste capítulo). A nova crítica dos avaliadores merece uma detalhada análise estrutural do texto. Observe que o texto original não apresenta a afirmação condenada pelos avaliadores. Aliás, em nenhuma passagem dos livros da Coleção Ponto de Partida Ciências é feita a afirma-ção alegada na nova acusação dos avaliadores de que a legislação brasileira regulamenta a coleta, a caça e a comercialização de todos os animais da fauna brasileira do mesmo modo… Contudo, os avaliadores do PNLD 2010 insistem que o nosso texto reprovado (sic) “ subtende” que a regra é a mesma para peixes e vertebrados terrestres.

Ora, assim fica muito fácil concluir que os próprios avaliadores, ao apelarem para o subterfúgio de que o texto (sic) “subtende”, reconhecem que reprovaram a obra com base em uma ilação. No contexto do PNLD, ilações são inadmissíveis! Pior ainda quando mal formuladas! Desculpe -nos a ironia, mas a fragilidade da ilação dos avaliadores do PNLD 2010 é evidente. Qualquer leitor, até mesmo os mais inexperientes, pode reconhecer que o texto condenado não se refere a “uma lei”, mas (sic) “às leis brasileiras” de proteção da fau-na. Logo, se os avaliadores não recorreram a uma ilação, é possível crer que eles erraram na leitura do texto e não perceberam o plural da frase… Deixamos mais essa conclusão para o nosso estimado leitor. Em nossa opinião, ambas as alternativas não sustentam a crítica e invalidam a reprovação da nossa obra.

A informação veiculada pelo livro não é incorreta e, portanto, não comprova que a obra mereceu ser reprovada e excluída do PNLD 2010 por veicular informação incorreta. Nessa passagem do Relatório de Reprovação, os avaliadores do PNLD 2010 erraram duas vezes: por desconhecer a regulamentação que disciplina a pesca no Brasil (ERRO TIPO 2) e por não lerem atentamente o texto original recorrendo a ilações para fundamentar seu parecer em fatos inexistentes no livro condenado (ERRO TIPO 1). Além disso, lançaram mão de argumentos que caracterizam excesso de rigor (ERRO TIPO 6) sem sustentar suas exigências nos termos do Edital do PNLD 2010 (ERRO TIPO 3). Será que os avaliadores imaginaram que nós não analisaríamos o Relatório de Reprovação de forma criteriosa?

Como se não bastasse, o mesmo texto foi aprovado no PNLD 2007. Fica claro, por-tanto, que os avaliadores do PNLD 2010 reprovaram a Coleção Ponto de Partida Ciências utilizando um novo critério, imprevisto no Edital do PNLD 2010, sem fundamentar as razões para isso e sem justificar as suas divergências com relação à avaliação precedente (ERRO TIPO 4).

Com a palavra o autor.indb 152 20/07/2010 19:48:37

Page 153: Com a palavra o autor

Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 153

Ondas sonoras

O que diz o Relatório de Reprovação:

1. Veiculação de informação incorreta, imprecisa, inadequada e desa­

tualizada

Livro do 3o ano

1.4. Página 121: há uma afirmação inadequada no primeiro parágrafo: “0

som se propaga pelo ar de modo parecido com o das ondas que se espalham

na superfície da água. Por esse motivo se diz que o som se propaga em

‘ondas sonoras’”. A propagação das ondas sonoras no ar não tem o mesmo

caráter de propagação de ondas na superfície da água.15

Uma premissa básica de qualquer análise de texto é que as partes devem ser conside-radas no seu contexto e que a análise do contexto deve levar em consideração o todo da obra. Os avaliadores do PNLD 2010 analisaram o trecho da página 121 do livro do 3º ano da Coleção Ponto de Partida Ciências (composta por 4 volumes do aluno e 4 volumes do professor) desconsiderando completamente o seu contexto e o todo do qual ela faz parte. O trecho citado refere -se a uma analogia cujo objetivo é explicar o que é uma fonte sonora e apresentar o termo “propagação”, como pode ser constatado no texto e nas legendas das fotografias do original (ver Figura 4.2).

A verdade é que em nenhuma passagem desse e de todos os demais textos do livro do 3° ano da Coleção Ponto de Partida é afirmado ou sugerido que “a propagação das on­das sonoras no ar [...] tem o mesmo caráter de propagação de ondas na su­

perfície da água”, como acusam os avaliadores do PNLD 2010 (ERRO TIPO 1). Pelo contrário, o cuidado dos autores para evitar a construção de apreensões equivocadas para o conceito de “onda sonora” fica evidente nas páginas 37 e 39 do Manual do Professor, nas quais são fornecidas instruções de encaminhamento e definições mais formais dos concei-tos trabalhados. Essa foi a compreensão dos avaliadores do PNLD 2007 que aprovaram a obra e não apontaram este trecho como indutor de erro conceitual. Também nesse caso, os avaliadores do PNLD 2010 não justificaram sua divergência com a equipe avaliadora precedente (ERRO TIPO 4).

Confrontados com essas evidências contrárias ao seu parecer, os avaliadores do PNLD 2010 afirmaram que:

[...] O som é uma onda longitudinal, ou seja, enquanto ela se propaga,

as partículas do meio se movem ao longo das direções de propagação.

Nas ondas na superfície da água, as partículas na superfície da água

se movem em círculos (e/ou elipses), de forma que a analogia utilizada

é imprecisa e inadequada [...].16

15   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Ciências. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 2.

16   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Ofício nº 1.028/2009. Brasília: Ministé-rio da Educação, 15/jun/2009, pp. 16 -17.

Com a palavra o autor.indb 153 20/07/2010 19:48:38

Page 154: Com a palavra o autor

Com a palavra, o autor154

Os avaliadores do PNLD 2010 procuraram corroborar esse novo e extemporâneo ar-gumento reproduzindo um trecho do artigo de ESHACH e FRIED (2005) que descreve pesquisa na qual constatou que “as pessoas associam erradamente ondas sonoras com ondas da superfície da água”17, conforme tradução dos próprios avaliadores do PNLD 2010.

Caro leitor, o comentário e o trecho do artigo citado não comprovam os argumentos do Relatório de Reprovação em prol da exclusão da Coleção Ponto de Partida. Como de-monstraremos a seguir, os avaliadores do PNLD 2010 insistem em considerar um trecho isolado e descontextualizado para forçar uma conclusão falsa! Pior: eles também descon-textualizaram a frase de ESHACH e FRIED com o mesmo intuito. Infelizmente, a de-monstração do artifício utilizado pelos avaliadores do PNLD 2010 exigirá uma explanação longa, mas necessária para colocar o assunto no seu devido contexto.

Em que contexto a frase dos especialistas citados pelos avaliadores do PNLD 2010 foi escrita? O artigo de ESHACH e FRIED é uma longa reflexão sobre o ensino de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental, intitulada “Should Science be Taught in Early Childhood?”18. Esses especialistas são francamente favoráveis ao ensino de Ciências no iní-cio da infância e citam seis razões, dentre as quais:

3. Early exposure to scientific phenomena leads to better understanding of the scientific concepts studied later in a formal way.

4. The use of scientifically informed language at early age influences the eventual deve-lopment of scientific concepts.

5. Children can understand scientific concepts and reason scientifically.19

[3. A exposição precoce a fenômenos científicos conduz à melhor compreensão dos conceitos científicos estudados mais tarde de um modo formal.

4. O uso de uma linguagem científica mais formal20 em idade precoce influencia o eventual desenvolvimento de conceitos científicos.

5. Crianças podem entender conceitos científicos e pensar cientificamente.]

A frase destacada pelos avaliadores do PNLD 2010 foi retirada da seção do texto que discute a razão 4 dada por ESHACH e FRIED, isto é, aquela na qual argumentam a favor do uso de uma linguagem científica mais formal (“informed”) em idade precoce. Esses autores dis correm sobre pesquisas que demonstram que muitas das construções linguís-ticas cotidianas estão em desacordo com o conhecimento científico atual e citam uma

17   ESHACH, H.; FRIED, M. N. Should Science Be Taught in Early Childhood?, Journal of Science and Technology, 14: 314 -336, 2005. [referência apresentada pelos avaliadores].

18   O artigo tem 22 páginas e o seu título poderia ser traduzido como “Deve -se ensinar ciência no início da infância?”.

19   ESHACH, H.; FRIED, M. N. Should Science Be Taught in Early Childhood?. Journal of Science Education and Tech-nology, v. 14, n. 3, p. 319, set. 2005. [referência e tradução nossas].

20   A locução “informed language” aceita várias traduções desde que a linguagem seja adjetivada com o sentido de “formal”, “versada”, “educada”, “culta”, “sofisticada” etc.

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 155

pesquisa feita por ESHACH e SCHWARTZ que mostra que a linguagem cotidiana afeta a compreensão da noção de som. Segundo esses pesquisadores:

All the students in the authors’ research used the phrase ‘sound wave’ when explaining sound. The authors argued that it is apparent that most students’ mental image of sound is similar to that of water waves. […]

The apparently correct expression ‘sound waves’ used in day -to -day language is interpre-ted literally, rather than conceptually. As result, people mistakenly associate sound waves with water waves.

The authors argued that it is apparent that most students’ mental image of sound is similar to that of water waves. They believe that sound is a type of mater that travels through water in a sine -wave -like patter moving up and down. Thus, during the in-terview most students used up, down, and forward hand movements to describe how sound travels.21

[Todos os estudantes na pesquisa dos autores usaram a frase ‘onda de som’ quando explicavam o som. Os autores argumentaram que é aparente que a imagem mental do som da maioria dos estudantes é semelhante à de ondas de água. […]

A expressão aparentemente correta ‘ondas sonoras’ usada na linguagem do dia a dia é interpretada literalmente, no lugar de conceitualmente. Como resultado, as pesso-as associam erroneamente ondas sonoras com onda de água.

Os autores argumentaram que é aparente que a imagem mental do som da maioria dos estudantes é semelhante à de ondas de água. Eles acreditam que o som é um tipo de matéria que viaja pela água em um padrão semelhante ao de onda senoidal movendo -se para cima e para baixo. Portanto, durante a entrevista a maioria dos es-tudantes, ao descrever como o som se propaga, usavam movimentos das mãos para cima, para baixo e para frente.]

Ora, caro leitor, repare que o contexto faz toda a diferença. O artigo é claro ao dizer que o erro conceitual é resultado da influência da linguagem cotidiana e a transposição da representação mental da onda é mais familiar às pessoas, em seu dia a dia, para a represen-tação da onda sonora. Eles vão mais além ao afirmar que faz parte da educação do cientista superar esses conflitos e argumentam que isto também deveria fazer parte da educação científica promovida pelas escolas. Segundo ESHACH e FRIED:

These examples not only make clear the potency of language to shape experience but also how conflicts can occur between everyday language and scientific language. It is part of scientists’ education to get over these conflicts, but should it be part of children’s education as well? […] Our view is that to avoid tension existing between everyday language and scientific language and, by that, to avoid possible misunderstandings and misconceptions is to misunderstand how that tension is essential in the learning of scientific concepts.22

21   ESHACH, H.; FRIED, M. N. Should Science Be Taught in Early Childhood?. Journal of Science Education and Tech-nology, v. 14, n. 3, p. 323, set. 2005. [tradução nossa].

22   ESHACH, H.; FRIED, M. N. Should Science Be Taught in Early Childhood?. Journal of Science Education and Tech-nology, v. 14, n. 3, p. 324, set. 2005. [tradução nossa].

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Com a palavra, o autor156

[Esses exemplos não só deixam clara a força da linguagem para dar forma à expe-riência, mas também como conflitos podem ocorrer entre a linguagem cotidiana e a linguagem científica. É parte da educação do cientista superar esses conflitos, mas isso deve ser parte da educação da criança também? […] Nossa visão é que evitar a tensão existente entre a linguagem cotidiana e a linguagem científica e, desse modo, evitar possíveis equívocos e erros conceituais é compreender mal como a tensão é essencial na aprendizagem de conceitos científicos.]

Foi por concordarmos com as opiniões de ESHACH e FRIED (em particular com os motivos 3, 4 e 5) que decidimos realizar um longo trabalho com o tema “som” no livro do 3º ano da Coleção Ponto de Partida. Os avaliadores do PNLD 2010 omitiram do Rela-tório de Reprovação a informação de que esse livro apresenta um trabalho exaustivo (nas 18 páginas precedentes à página do trecho condenado) acerca da relação entre vibrações e sons, muito antes de utilizar as ondas de superfície para explicar a “propagação” do som a partir de uma fonte sonora, como demonstram os trechos reproduzidos a seguir.

[Página 104]

Para produzir sons é necessário fazer algo vibrar.

[Página 105]

Quando se faz vibrar um elástico esticado produz -se um som. Se você esticar mais o elástico, ou deixá -lo mais frouxo, e o fizer vibrar novamente, o som muda. [o texto é ilustrado por três fotografias de um elástico, pouco a muito distendido, vibrando]

[Página 109]

Atividade – Cidadania e convívio: vamos refletir

[título] Aprendendo a falar sem a audição

Há mais de 100 anos foi inventado um método para ensinar essas pessoas a falar usando os sentidos do tato e da visão.

A pessoa sente as vibrações no pescoço de outra enquanto a outra fala. Também observa os movimentos da boca e da língua da outra pessoa. Em seguida ela tenta reproduzir esses movimentos e vibrações. O resultado é que ela acaba produzindo um som parecido. Com o tempo a pessoa aprende a falar e também a “ler” os lábios das outras pessoas. [o texto é ilustrado por fotografia de uma criança com necessidades especiais auditivas e sua terapeuta realizando o trabalho de aprendizagem da fala e da leitura labial]

[Página 109 – caixa de texto lateral]

“Se você encostar os dedos na corda de um violão enquanto ela está soando, poderá sentir as vibrações que ela produz, assim como você sentiu as vibrações do seu pescoço enquanto falava. Você não escuta com o tato, mas é capaz de perceber vibrações sonoras por meio desse sentido.”

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 157

A verdade, caro leitor, é que entre as páginas 103 e 120 do livro do 3º ano da Coleção Ponto de Partida são apresentadas pelo menos oito fotografias de objetos vibrando, além de diversas experiências e observações que relacionam objetos em vibração e sons23.

Ainda antes da analogia condenada, o livro também estabelece, em mais de um momen-to, a correta natureza da onda sonora, como demonstram os trechos destacados a seguir.

[Página 104]

Os instrumentos musicais têm partes que vibram e fazem o ar ao seu redor vibrar tam-bém. O som que ouvimos é a vibração do ar que chega até as nossas orelhas.

[Página 120]

O lugar ou o objeto de onde se origina um som é chamado fonte sonora. A vibração da fonte sonora faz o ar ao seu redor vibrar também e o resultado é que o som se espalha rapidamente pelo ambiente.

Tantas imagens e tantas informações têm um propósito claro: permitir aos alunos for-mar uma representação do som como “uma perturbação, provocada pela vibração de um objeto, que se propaga pelo ar”, ou seja, uma representação mais próxima do conceito científico do que as representações espontâneas decorrentes da linguagem (e dos desenhos animados transmitidos pela televisão) de que as ondas sonoras são iguais às “ondas da superfície da água”. Ora, leitor, não é justamente isso o que recomendam ESHACH e FRIED? Em qual das fotografias que mostram objetos vibrando do livro do 3º ano da Co-leção Ponto de Partida Ciências há qualquer sugestão de que o som tem a forma de ondas na superfície da água? Em nenhuma delas e tampouco em nenhuma fotografia de toda a Coleção Ponto de Partida Ciências. Qual a semelhança entre a vibração dos objetos e as ondas na superfície da água? Nenhuma.

A correção conceitual e a adequação didática da abordagem da Coleção Ponto de Par-tida são corroboradas por NUSSENZVEIG (2004):

O fato de que corpos em vibração produzem sons é familiar na experiência quotidiana […] podemos obter uma idéia intuitiva do mecanismo de propagação de uma onda sonora considerando o que acontece quando se golpeia um gongo (Fig. 6.1(a)). Quando o gongo está na posição A, ele comprime as porções adjacentes da atmosfera, e a compres-são vai se transmitindo sucessivamente de cada camada às camadas adjacentes (onda de compressão). Quando o gongo retorna para trás, passando à posição B, cria -se uma zona de rarefação, e o ar da região contígua se desloca para preenchê -la, e assim sucessi-vamente, produzindo uma onda de expansão. A onda sonora resulta da propagação das camadas de condensação e rarefação alternadas.24

[A Fig. 6.1(a), de NUSSENZVEIG, foi reproduzida neste livro como Figura 4.3]

23   Caso o  leitor  tenha  interesse em conhecer na  íntegra os  livros da Coleção Ponto de Partida Ciências, poderá consultá -los eletronicamente no site da Editora Sarandi: <www.editorasarandi.com.br> (acesso: jul/2010).

24   NUSSENZVEIG, H. M. Curso de Física Básica 2. Fluídos/Oscilações e Ondas/Calor. 4. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2004, pp. 122 -123.

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Com a palavra, o autor158

Mais ainda, as explicações presentes no livro reprovado, tais como “os instrumentos musicais têm partes que vibram e fazem o ar ao seu redor vibrar também. O som que ouvi-mos é a vibração do ar que chega até as nossas orelhas”, deixam claro que o texto informa que a propagação do som corresponde à propagação de uma perturbação do meio (“vi-bração do ar”).

Ou seja, a estratégia do livro excluído de descrever a natureza do som e a sua propa-gação é corroborada tanto por NUSSENZVEIG (2004) como por ESHACH e FRIED (2005)! Mais ainda, o livro aborda a propagação da onda sonora com um exemplo equiva-lente e uma explicação idêntica à de NUSSENZVEIG (2005), físico e educador da mais alta conceituação. Explicação essa que dá ao leitor “uma idéia intuitiva do mecanismo de propagação de uma onda sonora”. O descabimento do parecer dos avaliadores do PNLD 2010, portanto, é evidente.

No livro excluído do PNLD 2010, nós descrevemos a onda sonora como vibrações (i. e., perturbações) que se propagam por um meio. Portanto, a abordagem é correta e não induz à concepção de que a onda sonora é igual às ondas na superfície da água. Esta in-formação é reforçada em dezenas de situações (texto, imagens, experiências e observações) anteriores ao trecho que faz a analogia condenada.

A analogia condenada pelos avaliadores do PNLD 2010 foi usada apenas para explicar, por meio de uma informação visual cotidiana, a relação entre a origem de uma perturba-ção em um meio (pedra que cai na água como analogia para a fonte sonora) e a frente de propagação da perturbação. A analogia é adequada porque o som se propaga em frentes de propagação concêntricas (com a fonte no centro) em meios isotrópicos como o ar e é o modo corriqueiro de se ilustrar a propagação dessas ondas (NUSSENZVEIG, 2004, pp. 139 -140, ilustrações 6.16 e 6.17 – reproduzidas neste livro como Figuras 4.4 e 4.5). Comprova -se, portanto, o acerto da nossa abordagem e o acerto da equipe de avaliação sob responsabilidade da USP ao aprovar a Coleção Ponto de Partida Ciências no PNLD 2007 e, consequentemente, o erro dos avaliadores do PNLD 2010.

Cientes da debilidade do seu Relatório de Reprovação, os avaliadores do PNLD 2010 procuram reforçá -lo, incluindo uma nova acusação. Acusações novas são completamente irrelevantes, uma vez que os argumentos do Relatório de Reprovação emitido pela SEB deve ser suficiente para sustentar a exclusão de uma coleção do PNLD. Mesmo assim, decidimos comentá -la. Os avaliadores do PNLD 2010 escreveram:

A propósito: apesar de não constar no Parecer de Exclusão, na legen­

da da segunda figura da mesma página [p. 121] encontra ­se que a seta

tracejada indica a direção de propagação das ondas. Ocorre que a seta

mostra apenas uma direção. Sabemos que as ondas na superfície da água

se propagam em todas as direções, como pode ser visualizado na própria

figura.25

25   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Ofício nº 1.028/2009. Brasília: Ministé-rio da Educação, 15/jun/2009, p. 17. [grifos nossos].

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Essa nova acusação à Coleção Ponto de Partida Ciências, realizada e divulgada após encerramento do próprio PNLD 2010 também contém erros primários e, mais ainda, pro-va exatamente o contrário do que pretendiam os avaliadores do PNLD 2010. Um desses erros primários está na afirmação: “sabemos que as ondas na superfície da água se propagam em todas as direções, como pode ser visualizado na própria figu­

ra”. Ora, a onda na superfície da água se propaga apenas na superfície, portanto, em duas dimensões. Consequentemente, a onda na superfície da água NÃO se propaga em todas as direções já que ela NÃO se propaga em nenhuma direção para fora da água e também NÃO se propaga em nenhuma direção para o fundo do corpo de água. Logo, NÃO “sa­bemos que as ondas na superfície da água se propagam em todas as direções” e isto NÃO “pode ser visualizado na própria figura”. Todo esse imbróglio dos avaliadores pode ser classificado como mais um ERRO TIPO 2.

Outro erro da nova acusação está na exigência de setas para indicar todas as direções de propagação da onda! A onda representada propaga -se centrifugamente, numa frente de propagação circular cujo centro é o ponto de origem da perturbação (local onde caiu a pedra). Os avaliadores do PNLD 2010 sabem (ou deveriam saber) que não é possível indicar todas as direções de uma frente de propagação como essa. O número de direções é infinito! Portanto não tem o menor cabimento a exigência de setas para indicar todas as direções (ERRO TIPO 2, de novo).

A verdade é que a figura da página 121 do livro do 3º ano (Figura 4.2) é correta e adequada. Uma seta é suficiente para indicar a direção de propagação da onda na foto-grafia do livro porque a seta indica que a propagação da onda é centrífuga em relação ao ponto de origem da perturbação. O que os avaliadores do PNLD 2010 não sabem (ou omitem) é que, tal como a direção indicada pela seta, todas as demais direções são igual-mente centrífugas! Portanto, não há problema algum em indicar a direção com apenas uma seta para representar a frente de propagação de uma onda. Esta é a maneira usual e correta de representação, como é possível verificar em NUSSENZVEIG (2004, p. 139, figura 6.16 – reproduzida neste livro como Figura 4.4). A nova acusação também não tem fundamento.

O leitor agora tem elementos para desvendar o ardil montado pelos avaliadores do PNLD 2010 para reprovar e excluir injustamente a Coleção Ponto de Partida Ciências: descontextualizar o texto do nosso livro e descontextualizar o texto de autores renomados no desespero de fundamentar seus insustentáveis argumentos. Essa artimanha é também um exemplo de ERRO TIPO  1 e configura -se como uma falcatrua que consiste em construir uma grande mentira com base em pequenas verdades isoladas. Os avaliadores do PNLD 2010 são professores universitários e deveriam saber que esse tipo de recurso retórico não tem valor argumentativo e é um forte indício de desonestidade intelectu-al. Ou por acaso os avaliadores do PNLD 2010 achavam que nós não conhecíamos as

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Com a palavra, o autor160

publicações relevantes ao ensino de Ciências e que aceitaríamos em silêncio a citação imprópria26?

A classifi cação de Haeckel (1834) é a mais atualizada?!

O que diz o Relatório de Reprovação:

1. Veiculação de informação incorreta, imprecisa, inadequada e desa­

tualizada

Livro do 4o ano

1.5. Páginas 27 até 38: os conceitos enunciados estão desatualizados.

A classificação dos seres vivos adotada pela Coleção é a de Lineu, sé­

culo XVIII, que define os seres vivos dentro de dois reinos, o Animal e

o Vegetal. E’ ignorada a proposição de Haeckel (1834) que cria o Reino

Protista para incluir os microrganismos, e classificá ­los dentro de

um reino específico.27

O leitor não está delirando. É verdade! Os avaliadores do PNLD 2010 estabeleceram como padrão de atualidade para a avaliação do PNLD a classificação de Haeckel, formu-lada no século XIX! Mas, calma, discutiremos esse assunto logo mais apesar da sua sin-gularidade. Por ora, é fundamental destacar que as afirmações dos avaliadores do PNLD 2010 são inteiramente falsas e infundadas. Em nenhuma passagem da Coleção Ponto de Partida Ciências a categoria taxonômica “reino” é utilizada, muito menos “Reino Vegetal” e “Reino Animal”! Trata -se de uma aleivosia descarada (mais um clássico ERRO TIPO 1).

O Relatório de Reprovação indica o desconhecimento dos avaliadores do PNLD 2010 a respeito da moderna taxonomia e sistemática e também acerca dos esquemas de classificação atuais (ERRO TIPO 2). A sugestão que fizeram para que se adotasse a clas-sificação de Haeckel, é, no mínimo, ridícula! Essa exigência é forte candidata à condição maior “batatada” do já vasto anedotário da avaliação do PNLD 2010. Isso sem contar a ilegalidade que ela encerra. Afinal, o Edital do PNLD 2010 não exige a adoção dessa classificação como condição para que as obras nele inscritas fossem aprovadas. Por sinal, vale destacar, o edital não faz exigência alguma de referências em termos teóricos. Sequer apresenta uma bibliografia básica a ser seguida… Logo, verifica -se que os avaliadores, além de desatualizados do ponto de vista conceitual, inventam uma norma estranha ao

26   Provavelmente os avaliadores do PNLD 2010 desconhecem que um dos autores da Coleção Ponto de Partida Ciências, mesmo não sendo físico por formação, foi membro da American Association of Physics Teachers (Associação Americana de Professores de Física) e recebe (e lê) regularmente suas publicações. Muitos acadêmicos podem se sur-preender com o fato de existirem autores de livros didáticos que pesquisam e estudam com afi nco para produzir suas obras! Afi nal, a fama que temos entre os “especialistas” das universidades é que não passamos de meros copiadores uns dos outros. Ora, trata -se de uma questão de lógica: embora até possa existir autor de livro didático que “copie” o livro dos colegas, nem todos fazem isso. Do mesmo modo, embora existam avaliadores do PNLD que, por imperícia ou má -fé, não analisam os livros corretamente, nem todos fazem isso… Agradecemos aos acadêmicos que valorizam o nosso trabalho autoral e sabem que ele é resultado de um intenso esforço intelectual.

27   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Ciências. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 2. [grifos nossos].

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 161

edital, exacerbando seu poder discricionário. Mais um clássico dos clássicos na categoria ERRO TIPO 5!

O texto e a classificação dos seres vivos nos livros da Coleção Ponto de Partida Ciências são os mesmos presentes na edição anterior da obra, aprovada pelos avaliadores do PNLD 2007. A verdade é que os nossos livros adotam uma classificação atual, na qual os seres vivos foram classificados, na medida do didaticamente possível, em grupos monofiléticos (sensu HENNIG, 1976)28.

O erro dos avaliadores do PNLD 2010 é evidente e eles não poderiam cometer esse engano, pois, mesmo que eles desconhecessem a bibliografia mais recente, nós informamos a opção teórica no Manual do Professor. Bastaria, portanto, ler corretamente a obra em seu conjunto para verificar as referências teóricas dos autores. Além disso, os autores também fornecem infor-mações sobre como trabalhar o assunto, como pode ser verificado, por exemplo, na página 20 do Manual do Professor do livro do 4º ano que apresenta o alerta reproduzido na sequência.

Importante

– Ao longo desta Coleção, o termo “planta” se refere às Chlorobionta (Bremer, 1985), ou seja, às plantas que produzem clorofila “a” e “b”. Particularmente nesta unidade, o ter-mo “planta” também é utilizado para designar as Tracheophyta, ou seja, as samambaias, os pinheiros e as plantas com flores.

– Nesta Coleção, o termo “animal” se restringe aos Metazoa, em concordância com o uso que a maioria dos biólogos dá ao termo na atualidade. Existe, porém, muita controvérsia se os animais (isto é, os Metazoa) formam um grupo natural (grupo formado por todos os descendentes de um ancestral comum), como indicam algumas características bioquími-cas destes organismos. Entretanto, a questão ainda não está resolvida entre os biólogos. As características citadas no texto do livro do aluno, embora sejam usadas por diversos auto-res, não são, necessariamente, exclusivas dos animais e nem sempre extensivas a todos eles.

– O grupo de répteis, tal como tratado neste livro, não é um grupo “natural”, isto é, não inclui todos os descendentes do ancestral comum a eles. Na realidade, os crocodilianos são mais próximos (aparentados) das aves do que os outros répteis. Porém, pelo fato de os alunos dessa etapa da escolaridade ainda não terem condições de compreender alguns temas relacionados à evolução e, consequentemente, à classificação biológica dos seres vivos, optamos por apresentar o agrupamento tradicional.

O texto do parecer dos avaliadores do PNLD 2010 é um indício de que eles também não leram (ou não leram com a devida atenção) o Livro do Aluno do 4º ano, pois nas páginas 25 e 26 informa -se que serão estudados quatro grandes grupos de seres vivos (não dois, como afirmam os avaliadores): bactérias (Eubacteria), fungos (Fungi), plantas (Chlorobionta) e animais (Metazoa).

Todos esses grupos são considerados monofiléticos, como se pode verificar no site do projeto Tree of Life29, um esforço de biólogos do mundo inteiro para disponibilizar infor-

28   HENNIG, W. Phylogenetic Systematics. Urbana -EUA: University of Illinois Press, 1966. Um grupo é monofilético sensu Hennig quando reúne todos os descendentes de um ancestral comum. Dito de outra maneira, um grupo formado por um ancestral e todos os seus descendentes.

29   Tree of Life Web Project. Disponível em: <http://tolweb.org/tree/> (acesso: maio/2009).

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Com a palavra, o autor162

mações sobre biodiversidade e relações filogenéticas atualizadas. Vários taxonomistas das principais universidades brasileiras contribuem para esse projeto.

Na realidade, a classificação utilizada na Coleção Ponto de Partida Ciências é ainda mais recente do que a proposta por WHITTAKER (1969)30 e defendida (com modifica-ções) por MARGULIS e SCHWARTZ (1998)31 nas quais:

(i) o reino das plantas é polifilético (WHITTAKER, 1969) ou parafilético (MARGULIS e SCHWARTZ, 1998);

(ii) o Reino Protoctista reúne eucariontes unicelulares ou pluricelulares com organização simples, um grupo reconhecidamente polifilético;

(iii) o Reino Monera reúne todos os procariontes (Eubacteria e Archaea), portanto tam-bém polifilético;

(iv) o Reino Fungi inclui as Myxobacteria, portanto, também polifilético (WHITTAKER, 1969); e

(v) apenas o Reino Animalia é monofilético.

Tendo em vista essas considerações, constata -se que:

�� é FALSO e sem qualquer fundamento a afirmação dos avaliadores do PNLD 2010 de que a Coleção Ponto de Partida Ciências adota a classificação de Lineu, que divide os seres vivos em dois reinos (ERRO TIPO 1);�� o esquema de classificação adotado na Coleção segue as recomendações mais modernas

sobre o assunto, isto é, sempre que possível, apresentar uma classificação com agrupamen-tos monofiléticos;�� os autores tiveram o cuidado explícito de somente apresentar grupos não monofiléticos

quando o agrupamento monofilético pode gerar uma dificuldade didática; e�� os avaliadores do PNLD 2010 foram, no mínimo, negligentes e não leram os livros do

aluno e os manuais do professor com a devida atenção.

Quando confrontamos os responsáveis pela avaliação com os fatos que acabamos de apresentar, os avaliadores do PNLD 2010 não tiveram a honestidade de reconhecer seus erros. Pelo contrário, tentaram se defender com mentiras e argumentos sem sentido. Di-versas de suas afirmações encerram erros conceituais e desatualização científica grosseiros, como será demonstrado a seguir. O número de impropriedades é tal que o texto será ana-lisado por partes.

30   WHITTAKER, R. H. New concepts of kingdoms of organisms. Science, v. 163, pp. 150 -160, 1969.

31   MARGULIS, L.; SCHWARTZ, K. V. Five Kingdons – an illustrated guide to the phyla on Earth. 3. ed. Nova York -EUA: W. H. Freeman, 1998.

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 163

Os avaliadores do PNLD 2010 afirmaram -nos, ao repudiar a nossa contestação aos argumentos apresentados no Relatório de Reprovação, que:

A Recorrente se refere à terminologia: ‘Phylogenetic Systematic’ que

não pode ser confundida com Classificação dos Seres Vivos. Filogenia

é uma coisa e classificação é outra. Existem várias proposições de

árvores filogenéticas que sofrem modificações principalmente devido

a estudos feitos ao nível da biologia molecular (sequência/homologia

de DNA).32

Caro leitor, não se deixe enganar por termos complicados. Vamos explicar. A sistemá-tica filogenética (ou cladismo, como também é conhecida atualmente) é um método de formulação de hipóteses de relações filogenéticas33 e de classificação biológica baseada em grupos taxonômicos monofiléticos. As hipóteses filogenéticas são expressas graficamente por meio de árvores filogenéticas ou cladogramas e a classificação deve se basear nessas árvores (WILEY, 1981)34.

Desde a publicação do trabalho de HENNIG em língua inglesa (HENNIG, 1966) houve uma revolução na sistemática e na taxonomia, tanto no que diz respeito aos mé-todos de reconstrução de filogenias como no uso de filogenias para a construção de es-quemas de classificação baseados em grupos monofiléticos. Os princípios formulados por HENNIG (1966) são, na atualidade, amplamente aceitos e predominantes entre sistema-tas e taxonomistas. Nas palavras de BISBY (1995):

One of the tasks of the taxonomist is to convert this graphic representation of relationship into formal hierarchical classification of taxonomic categories such as genus, family, or-der, etc. In converting the tree to a classification, the systematist gives groups that share a common ancestor the formal taxonomic names. Such groups are called monophyletic taxa. 35

[Uma das tarefas do taxonomista é converter esta representação gráfica de relações [isto é, a árvore filogenética ou cladograma] em uma classificação hierárquica for-mal de categorias taxonômicas tais como gênero, família, ordem, etc. Ao converter a árvore em uma classificação, o sistemata dá nomes taxonômicos formais a grupos que compartilham um ancestral comum. Tais grupos são denominados táxons mo-nofiléticos.]

As confusões dos avaliadores do PNLD 2010 são evidentes: primeiro, sistemática filoge-nética não é uma terminologia; segundo, a sistemática filogenética é um método de classifi-

32   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Ofício nº 1.028/2009. Brasília: Ministé-rio da Educação, 15/jun/2009, p. 17. [grifos nossos].

33   Relações de parentesco evolutivo.

34   WILEY, E. O. Phylogenetics: The theory and practice of phylogenetic systematics. Nova York -EUA: John Wiley, 1981.

35   BISBY,  E.  et  al.  Caracterization  of  Biodiversity.  In:  HEYWOOD,  V.  H.  (ed.).  Global Biodiversity Assessment. Cambridge -EUA: Cambridge University Press/United Nations Environment Programme, 1995, p. 38. [tradução nossa].

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cação dos seres vivos; e terceiro, nós nunca afirmamos que sistemática filogenética e filogenia não são a mesma coisa, logo, não tem sentido afirmar que “filogenia é uma coisa e classificação é outra”. Pior ainda, os avaliadores do PNLD 2010 parecem desconhecer que as proposições de árvores filogenéticas baseadas em biologia molecular e DNA, a que se referiram, utilizam algoritmos derivados do método de HENNIG (BISBY et al.,1995, p. 37)! A argumentação dos avaliadores do PNLD 2010 pode ser classificada, com toda justiça, como um ERRO TIPO 2, com louvor e distinção! Uma “pérola”, uma boa piada para ser contada nas “cervejadas” dos centros acadêmicos das faculdades de Biologia.

Mas o festival de horrores não termina por aqui. Os avaliadores do PNLD 2010 tam-bém tentaram justificar o injustificável:

[...] Apontou ­se no Parecer a omissão da criação do Reino Protista

feita por Haeckel em 1834 que dividia os seres vivos em três reinos:

1. Animal (animalia); 2. Planta (plantae) 3. Protista. Algumas déca­

das após a proposição de Haeckel, o reino protista foi subdivido em:

a) protistas procarióticos e b) protistas eucarióticos. Atualmente,

baseados nos avanços de técnicas bioquímicas e nas de relações gené­

ticas entre as espécies, os seres vivos são classificados em cinco

reinos: [sic] Prokaya/Monera (bactérias, algas azul esverdeadas e es­

piroquetas), Animalia (insetos, peixes, répteis, anfíbios, pássaros,

mamíferos, etc.), Plantae (plantas clorofiladas), Fungi (fungos, le­

veduras, etc.) e Protoctista (protozoários e alguns tipos de algas).

[...] O Parecer [Relatório de Reprovação] não menciona que a Coleção

abordaria somente 2 grupos. Na verdade são abordados na Coleção os 4

grupos mencionados [nas páginas 25 e 26 do livro do aluno, como já

destacamos]. No entanto isso não invalida uma crítica adicional: No

livro do 4o ano (páginas 27 ­38) são descritos os vários tipos de mi­

crorganismos. No entanto, um grupo importante, os protozoários [...] é

completamente omitido.36

Os avaliadores do PNLD 2010, portanto, insistem que a classificação a ser adotada nos livros aprovados no PNLD só pode ser de Haeckel, do século XIX. Além da evidente desa-tualização, há que se apontar que a classificação de Haeckel é inaceitável nos dias de hoje porque divide os seres vivos em três grupos, sendo dois polifiléticos (Plantae e Protista) e um parafilético37 (Animalia).

Na classificação de Haeckel (Figura  4.6), o Reino Plantae inclui, por exemplo, os fungos, as algas vermelhas, as algas pardas e os liquens. Já há muito tempo se sabe que os fungos, as algas pardas e as algas vermelhas não compartilham ancestral comum mais recente com as plantas verdes (Chlorobionta, BREMMER, 1985). Protista, por sua vez, foi usado por Haeckel para agrupar seres unicelulares variados e organismos multicelulares

36   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Ofício nº 1.028/2009. Brasília: Ministé-rio da Educação, 15/jun/2009, p. 18. [grifos nossos].

37   Um grupo parafi lético é aquele formado por descendentes de um ancestral comum, mas que não inclui todos os descendentes desse ancestral.

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com organização do corpo muito simples, inclusive as esponjas (Porifera). Já há várias décadas que se sabe que diversos grupos que formavam os Protistas de Haeckel não têm relação evolutiva próxima e a maioria dos especialistas da atualidade inclui as esponjas entre os animais. Nas palavras de BISBY:

The first sort of interpretative mistake that bedevils systematic analysis is the discovery that the defining features of a taxon are convergent rather than homologous. The taxon then is known to be polyphyletic (the taxa do not share a recent common ancestor but instead the group has been defined by a superficial similarity that does not indicate evo-lutionary relatedness). When this happens, the polyphyletic groups are abandoned and several monophyletic taxa are created in its place. […] The second common error found in taxonomic classifications occurs because primitive features of organisms have been mistakenly interpreted as novelties, or derived features, and used to define a group.” […] “Groups defined by primitive features are called paraphyletic because they include only some of the descendents’ most recent common ancestor.38

[O primeiro tipo de erro de interpretação que confunde a análise sistemática é a descoberta que as características que definem um táxon são convergentes ao invés de homólogas. O táxon é, então, sabidamente polifilético (os táxons não compartilham um ancestral comum recente, mas, em vez disso, o grupo foi definido por uma se-melhança superficial que não indica uma relação evolutiva). Quando isso acontece, os grupos polifiléticos são abandonados e vários táxons monofiléticos são criados em seu lugar. […] O segundo tipo de erro encontrado nas classificações taxonômi-cas ocorrem porque características primitivas de organismos foram erroneamente interpretadas como novidades, ou características derivadas, e usadas para definir um grupo. […] Grupos definidos por características primitivas são chamados pa-rafiléticos porque eles incluem somente alguns descendentes do seu ancestral co-mum mais recente.]

Como é possível concluir, a opção feita na Coleção Ponto de Partida Ciências é correta e não tem o menor cabimento a exigência de adoção da quase bicentenária classificação de HAECKEL.

É curioso notar que, na resposta às nossas objeções, os avaliadores do PNLD 2010 fazem referências a classificações mais modernas (ausentes do texto original do Relató-rio de Reprovação) como a defendida por MARGULIS e SCHWARTZ (1998). Mais curiosa ainda é a exigência de que o livro inclua os protozoários como agrupamento taxonômico. Protozoa não é considerado um táxon (agrupamento taxonômico) válido há mais de meio século. Até mesmo os autores que utilizavam esse agrupamento reco-nheciam que se tratava um táxon de “conveniência”, para reunir grupos de eucariontes unicelulares -heterótrofos não relacionados evolutivamente. Até mesmo WHITTAKER (1969), citado extemporaneamente pelos avaliadores do PNLD 2010, já descartara o táxon na sua classificação de 1966. Ou seja, os avaliadores do PNLD citam um autor para corroborar sua tese, só que não seguem as recomendações desse mesmo autor! É mais uma aberração.

38   BISBY et al. Caracterization of Biodiversity. In: HEYWOOD, V. H. (ed.). Global Biodiversity Assessment. Cambridge--EUA: Cambridge University Press/United Nations Environment Programme, 1995, pp. 39 -40. [tradução nossa].

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Correta, portanto, foi a abordagem que adotamos nos nossos livros de apresentar os quatro grupos monofiléticos mais próximos do cotidiano dos alunos. Esta alternativa, inclusive, foi sugestão dos especialistas convidados pelo MEC em palestras sobre o livro didático realizada na UNB, em 1998.

Outra aberração, desculpe -nos, caro leitor, mas não podemos deixar de destacar as sutilezas retóricas dos nossos censores, é a defesa que os avaliadores do PNLD 2010 fazem de si próprios ao alegar, em resposta à nossa contestação à acusação de que a obra trabalha apenas os reinos Animal e Vegetal, que o Relatório de Reprovação “não menciona que a Coleção abordaria somente 2 grupos”. Como assim? Então o que significa a acusação: “a classificação dos seres vivos adotada pela Coleção é a de Lineu, sé­culo XVIII, que define os seres vivos dentro de dois reinos, o Animal e

o Vegetal”? Se, na opinião dos avaliadores, não é uma acusação direta, então vamos (re)trucar: ora, é o texto do Relatório de Reprovação que (sic) “subtende” a acusação. Ou será que é a sua formulação que “induz” ao erro? Francamente…

Apesar dos truques e (re)truques, é conveniente tornar público que os avaliadores do PNLD 2010 reconhecem que o livro reprovado não trabalha apenas com o reino Animal e Vegetal, mas sim, com os quatro grupos descritos nas páginas 25 e 26 do livro do 4º ano: bactérias (Eubacteria), fungos (Fungi), plantas (Chlorobionta) e animais (Metazoa). Eles confirmam que “na verdade são abordados na Coleção os quatro grupos mencio­nados” nas páginas 25 e 26. Logo, o argumento de que a Coleção deveria ser excluída do PNLD 2010 por trabalhar apenas com os reinos Animal e Vegetal é descartado pelos pró-prios avaliadores. Fica claro que a reprovação da obra nesse quesito não é mais válida. Ou será que ficou subentendido? Ou será que somos nós que estamos deduzindo isso? Pena que é tarde demais. O PNLD 2010 já passou… E como os avaliadores do PNLD 2010 sabem que o documento oficial da avaliação é o Relatório de Reprovação, o reconheci-mento do erro dos avaliadores feito por eles próprios de nada nos serve. Sequer poderemos apresentá -lo na inscrição da obra nos próximos programas.

Mas é realmente espantoso verificar que os avaliadores do PNLD 2010 desconhecem os avanços do conhecimento científico dos últimos 40 anos sobre evolução, taxonomia, classi-ficação e até mesmo sobre nomenclatura básica. Não é possível aceitar, por exemplo, que se refiram às aves como “pássaros”, termo que deve ficar restrito às aves da família Passeridae, ou no máximo, às da ordem Passeriformes. Também absurda é a referência a Plantae como “plantas clorofiladas”; MARGULIS e SCHWARTZ (1998) incluíram diversos grupos de “plantas clorofiladas” entre os Protoctistas. A verdade é que o relato da evolução dos es-quemas de classificação dos seres vivos feito pelos avaliadores do PNLD 2010 é incorreto e mistura indiscriminadamente esquemas distintos, corroborando a impressão de que se trata mesmo de uma piada. Piada de mal gosto, vale destacar. Ou será que os avaliadores imaginaram que não seríamos capazes de perceber o besteirol dos seus argumentos?

A conclusão inevitável é que não há desatualização, erro ou inadequação no esquema de classificação adotado na Coleção Ponto de Partida Ciências. Os avaliadores do PNLD 2010 foram negligentes ou, pior ainda, distorceram propositadamente a verdade. Além

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 167

disso, sequer se deram ao trabalho de justificar sua divergência com a equipe de avaliação precedente (ERRO TIPO 4).

A Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) é uma universidade de excelência. Seus esforços pioneiros para promover a atualização de zoólogos do Brasil são notórios. Um bom exemplo disso foi a realização, há quase 30 anos, do I Curso Especial de Sistemática Zoológica, curso intensivo oferecido a pesquisadores brasileiros e de outros países latino--americanos. Um dos autores da Coleção Ponto de Partida é beneficiário direto da exce-lência da UFSCar, tendo participado desse curso e também obtido seu grau de Mestre em Ecologia e Recursos Naturais nessa instituição. A verdade é que os avaliadores do PNLD 2010 demonstram que não dominam a teoria e a prática da sistemática e da taxonomia biológicas. O nonsense dos seus argumentos neste assunto em particular é surpreendente e particularmente grave. Como é possível proferir tantas barbaridades em nome da UFSCar? Isso depõe contra a universidade, mas ajuda a entender porque o Brasil fica reiteradamente entre os últimos países nas avaliações internacionais desse componente curricular39.

Livro do 4º ano – Máquinas simples

O que diz o Relatório de Reprovação:

1. Veiculação de informação incorreta, imprecisa, inadequada e desa­

tualizada

Livro do 4o ano

1.6. Página 164: é afirmado de forma imprecisa: “... Na realidade, só

existem dois tipos fundamentais de máquinas: as alavancas e os planos

inclinados.” Há outros tipos de máquinas simples.40

Não há consenso na literatura acadêmica a respeito da classificação de máquinas sim-ples. Diferentes classificações consideram a existência de duas a seis máquinas simples fundamentais. Além disso, o livro do 4º  ano da Coleção Ponto de Partida Ciências, condenado pelos avaliadores, não afirma a existência de apenas duas máquinas simples como sugere o Relatório de Reprovação. Tal alegação revela imperícia na análise do nosso material, caracterizando -se como um ERRO TIPO 1 (inexistência do fato alegado). O

39   Avaliações internacionais como as provas promovidas pelo Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) permitem a comparação das aprendizagens de alunos de diferentes partes do mundo. Essa avaliação em particular envolve alunos com cerca de 15 anos de idade e foca três diferentes campos: leitura, matemática e ciências. Em 2006, o foco foi a área de Ciências e a posição do Brasil no ranking mundial variou entre a 50ª e 54ª posição. Lembrando que par-ticipam das provas do PISA os 30 países da OCDE e mais 27 nações voluntárias, é fácil concluir que o ensino de Ciências no Brasil vai mal, muito mal. Acreditamos que uma das funções da avaliação do PNLD é a de garantir a oferta de livros com qualidade, função que de uma forma geral vem sendo realizada com sucesso. Entretanto, os episódios ocorridos no PNLD 2010 clamam por uma revisão urgente. Não dá para silenciar, por exemplo, diante das exigências esdrúxulas dos avaliadores do PNLD 2010, como a mencionada nesta passagem do livro. Assim como o FNDE deve recusar livros desatualizados, avaliadores que demonstram não ter formação mínima também deveriam ser revistos!Fonte: PINHO, Ângela; GÓIS, Antônio. Pisa: Brasil é reprovado, de novo, em matemática e leitura. In: Jornal da Ciência. Órgão da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. 5 dez. 2007. Disponível em: <http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=52820> (acesso: jun/2010).

40   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Ciências. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 2.

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Com a palavra, o autor168

texto original afirma apenas que existem dois tipos fundamentais de máquinas, adotando a classificação mais simples disponível na literatura41 e, na nossa opinião, a mais ade-quada para os alunos dos anos iniciais da escolaridade. Como o Edital do PNLD 2010 não determina qual bibliografia deve necessariamente ser seguida pelas obras didáticas, a nossa opção teórica não apenas é correta, mas também legítima. Divergir das opções dos autores sem respaldo nos termos do edital caracteriza exorbitância do poder discricioná-rio, um clássico ERRO TIPO 5.

É difícil acreditar que os avaliadores do PNLD 2010 não saibam que na classifica-ção que propõe apenas duas máquinas simples fundamentais, as outras máquinas sim-ples (também consideradas fundamentais por outras classificações) são consideradas como combinações e variações dos dois tipos fundamentais. Os avaliadores do PNLD 2007, acertadamente, entenderam a nossa opção e não a avaliaram como “erro conceitual” ou imaginaram que ela seria “indutora de erros”. Os avaliadores do PNLD 2010 não justifi-caram a divergência com a equipe anterior (ERRO TIPO 4). Nem poderiam, pois o livro condenado não apresenta erro algum.

A opção didática também não é invenção dos autores. É incentivada pelo National Teacher Training Institute (Instituto Nacional de Treinamento de Professores), dos Estados Unidos e adotada por diversos sistemas públicos de ensino (como, por exemplo, o Depar-tamento de Educação da Carolina do Sul, EUA). É possível conferir estas informações nos endereços eletrônicos:

�� <http://www.scetv.org/education/ntti/index.cfm> (acesso: maio/2009).�� <http://www.scetv.org/education/ntti/lessons/2001_lessons/simplemachines.cfm>

(acesso: maio/2009).

O Edital do PNLD 2010 garante aos autores e às editoras ampla liberdade de opção didática e não impõe uma classificação de máquinas simples sobre às outras. Logo, como já apontamos, a reprovação da Coleção Ponto de Partida Ciências com base nas opções teóri-cas e didáticas de seus autores caracteriza uma clara exorbitância dos avaliadores do PNLD 2010. Na contrapartida, vale destacar que nessa passagem do Relatório de Reprovação os avaliadores do PNLD 2010 não informaram:

�� a classificação de máquinas simples que consideram mais precisa, adequada e que ne-cessariamente precisa ser adotada pelos livros aprovados;�� qual a fundamentação científica e/ou pedagógica para a sua opção de classificação;�� qual a “informação incorreta, imprecisa, inadequada e desatualizada” que foi veiculada

pela Coleção; e �� quais os motivos de sua divergência com os avaliadores do PNLD 2007, que conside-

raram o texto correto.

É evidente que os avaliadores do PNLD 2010 se equivocaram ao afirmar que o trecho em questão é impreciso ou que induz ao erro. Pior ainda são os termos vagos e inespecí-

41   Por exemplo: BEISER, A. Schaum’s Outlines – Applied Physics. Nova York ‑EUA: McGraw ‑Hill, 2004, p. 145.

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ficos que usaram para censurar nosso livro (ERRO TIPO 7). O Decreto n° 7.084/2010 exige que as obras reprovadas só podem ser reinscritas em programas futuros se compro-varem a correção dos supostos erros apontados no Relatório de Reprovação. Como po-deremos fazer isso, se os avaliadores não informam quais são efetivamente esses erros? Na prática, argumentos vagos e inespecíficos revelam -se um estratagema dos avaliadores do PNLD 2010 para inviabilizar a continuidade da participação da Coleção Ponto de Parti-da Ciências no PNLD. Se optarmos por outra classificação, como saber se a nova classi-ficação será a que eles desejam? Existem pelo menos mais três classificações. E quem nos garante que, mesmo adotando outra classificação, eles não exigirão, no próximo PNLD, uma terceira, quarta ou quinta referência distinta daquela por nós adotada? Quem con-trola esse mecanismo perverso? Até quando ele persistirá na avaliação do PNLD?

Erros dos avaliadores do PNLD 2010 presentes no Relatório de Reprovação

Maçante, enfadonha, cansativa… Talvez o leitor já esteja entediado de acompanhar a nossa contestação aos argumentos dos relatórios de reprovação das nossas obras excluídas do PNLD 2010. Esses argumentos não apenas se assemelham como provocam impressão de circularidade oriunda das repetições, redundâncias, pleonasmos, tautologias, retóricas utilizadas pelos avaliadores do PNLD 2010 em seus argumentos. Mas temos de ir em frente e encorajamos o leitor a prosseguir conosco. Suas conclusões poderão ser importan-tes. Esperamos que se contagie com o nosso entusiasmo pelo livro didático, pelo PNLD e também pela própria avaliação. Nem tudo é perfeito. Revisões, reformas, reestruturações e até mesmo as crises são sempre motivos de crescimento. Então vamos lá…

O primeiro argumento apresentado pelos avaliadores do PNLD 2010 para reprovar e excluir a Coleção Ponto de Partida Ciências, relacionado à veiculação de informações erradas ou desatualizadas, nós tivemos que contestar na íntegra. Afinal, não foram poucos os desvarios conceituais, e a necessidade moral de torná -los públicos tornou -se pungente. Nessa segunda parte da análise do Relatório de Reprovação dessa Coleção, porém, nós faremos um levantamento mais geral, destacando argumentos relacionados ao critério fun-damental “indução a erro”.

O temor de que um texto informativo, a definição de um conceito, uma atividade ou até mesmo uma imagem possa “induzir a erro” ou “induzir a construção de uma noção equivocada” é legítimo. Nós mesmos já analisamos muitos livros didáticos e identifi-camos diversos elementos que poderiam fomentar entre os leitores uma ideia contrária às intenções de seus autores. Temos um exemplo canônico: em um livro de Geografia de autor engajado nos movimentos pró -reforma agrária, quando se chega ao estudo das relações entre o campo e a cidade, verifica -se que as imagens que representam o trabalhador rural sempre trazem pessoas sem sapato. Isso mesmo, sem sapato. Como as imagens são todas ilustrações, foi fácil perceber que na representação do ilustrador o trabalhador rural anda descalço. Não se tratava de uma visão do autor. Pelo contrário.

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Mas, como ficam as representações dos alunos? Na edição de um livro, todo cuidado é pouco. Pena que, no nosso exemplo canônico, apesar das aberrações das imagens, o livro foi aprovado no PNLD.

Por outro lado, os eventos por nós vivenciados no PNLD 2010 fizeram -nos concluir que o argumento baseado em “possível indução” foi utilizado, na prática, como um poderoso instrumento de censura. Sob a acusação de “possível indução”, os avaliadores do PNLD 2010 reprovaram a esmo textos e imagens dos nossos livros. Esses ficaram sob suspeita: “induz a erro”, “induz a preconceito”, “induz construção de noção equivocada”. Entretanto, há que se destacar que nenhuma das acusações descreveu quais seriam os erros, os equívocos ou os preconceitos que necessariamente nossos textos e imagens induzem. Tampouco foram apresentadas pesquisas que comprovem que as abordagens didáticas, as construções de fra-ses, as ilustrações ou as fotografias reprovadas em nossos livros sob essa acusação realmente determinam erros, equívocos ou preconceitos na formação dos alunos. Essa comprovação teórica é particularmente importante quando se trata do ensino de Ciências. Afinal, como já amplamente pesquisado e divulgado por diversas instituições nacionais e internacionais (os próprios ESHACH e FRIED citados como referência pelos avaliadores do PNLD 2010 nos corroboram), o processo de aprendizagem de Ciências envolve convivências e tensões entre os saberes científicos e os demais saberes espontâneos dos alunos.

Como os avaliadores do PNLD 2010 não descrevem a quais induções nossos livros levam os alunos e tampouco apresentam as pesquisas que justificam suas acusações, esse poderoso instrumento de censura revela -se uma aleivosia, uma injúria. Apresentamos na sequência al-gumas das aleivosias presentes na segunda parte do Relatório de Reprovação da Coleção Pon-to de Partida Ciências. Não todas, pois temos o intuito de poupar nosso leitor. Entretanto, queremos demonstrar que a presença de aleivosias depõe contra a própria avaliação do PNLD e isso nós não vamos permitir. Há mecanismos simples de controle desse instrumento, que tratamos no Capítulo 7 deste livro. Por ora, vamos aos fatos. Ou melhor, às aleivosias.

Peristaltismo

O que diz o Relatório de Reprovação:

2. Conteúdo indutor de aprendizagem equivocada

Livro do 5o ano

2.4. Página 44: afirma ­se que “o esôfago conduz o alimento até no es­

tômago. Os músculos do esôfago atuam..... Eles se contraem como ondas

que empurram o alimento para o estômago”. A analogia com uma onda pode

induzir a noção equivocada de onda transportando matéria.42

Repare, caro leitor, o desconhecimento dos avaliadores do PNLD 2010 sobre a fisio-logia do esôfago e a terminologia tradicionalmente utilizada para descrever e explicar o

42   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Ciências. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 3. [grifos nossos].

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 171

assunto. Eles alegam que o texto da página 44 do livro do 5º ano da Coleção Ponto de Partida Ciências apresenta uma analogia que levará os alunos a formar “a noção equivo­cada de onda transportando matéria”, o que caracterizaria uso indevido de conceito que induz a erro.

O primeiro fato a ser alertado é que o texto do nosso livro não faz analogia alguma. O uso da palavra “onda” não só é correto como usual nos tratados de fisiologia para descre-ver o peristaltismo do tubo digestório, como se verifica no texto de BERNE et al. (2004) apresentado a seguir, no qual é possível verificar o emprego do termo “onda” exatamente no mesmo contexto em que ele foi utilizado no nosso livro.

Esophageal Phase

The esophageal phase of swallowing is controlled mainly by the swallowing center. After the bolus of food passes the UES, a reflex action causes the sphincter to constrict. A peristaltic wave, which is called primary peristalsis, begins just bellow the UES. This wave travels at approximately 3 to 5 cm/sec, and transverses the entire esophagus in less than 10 seconds.43

[Fase esofágica

A fase esofágica da deglutição é controlada principalmente pelo centro da degluti-ção. Depois que o bolo alimentar passa o EES [esfíncter esofágico superior], uma ação reflexa causa a constrição do esfíncter. Uma onda peristáltica, que é denomina-da peristalse primária, começa logo abaixo do EES. Esta onda viaja a aproximada-mente 3 a 5 cm/s e atravessa o esôfago inteiro em menos de 10 segundos.]

Por acaso os avaliadores do PNLD 2010 sugerem que o tratado de BERNE et al., ado-tado em renomadas faculdades de medicina do Brasil, dos EUA e da Europa cometeria o erro primário de fazer uma analogia indevida?

O erro, evidentemente, é dos avaliadores do PNLD 2010 e não do nosso livro (muito menos de BERNE). O fato dos nossos censores desconhecerem que a palavra “onda” é utilizada para descrever diversos processos naturais, inclusive a propagação de contrações musculares (peristalse) é um forte indicador de imperícia (ERRO TIPO  2). Como já demonstramos no Capítulo 3, faz parte da formação do aluno, em particular no estudo de Ciências, desenvolver a habilidade de distinguir os diferentes significados que um ter-mo pode assumir de acordo com o contexto em que é utilizado, inclusive em diferentes campos de conhecimento (por exemplo, o termo “vida” é usado na Biologia, na Física de Partículas e na Astronomia com significados distintos).

Na página 44 do livro do 5º  ano da Coleção Ponto de Partida, a palavra “onda” é utilizada de modo conceitualmente correto. O texto e, principalmente, as imagens e as legendas das páginas 44 e 45 ilustram e descrevem o peristaltismo (ver reprodução do original nas Figuras 4.7 e 4.8). Consequentemente, evitam qualquer analogia equivocada. Texto e imagens deixam claro que o movimento (transporte) do alimento ao longo do

43   BERNE, R. M. et al. Physiology. 5. ed. St. Louis -EUA: Mosby, 2004, p. 550. [tradução nossa].

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esôfago é promovido por uma onda de contração muscular que se propaga pelo esôfago conduzindo o alimento para o estômago.

A correção do texto e das imagens é óbvia. Logo, o leitor não deverá se surpreender ao saber que exatamente os mesmos textos e as mesmas imagens foram aprovadas pelos ava-liadores do PNLD 2007. Os avaliadores do PNLD 2010 sequer se deram ao trabalho de explicar porque divergiram da equipe de avaliação precedente (ERRO TIPO 4).

É fundamental destacar a irrelevância e a impertinência dessa crítica dos avaliadores do PNLD 2010. Afinal, o assunto tratado naquele capítulo do livro do 5º ano da Coleção Ponto de Partida é o mecanismo de transporte do bolo alimentar pelo esôfago e não é o conceito físico de “onda”. Mesmo assim, gostaríamos de abusar um pouco mais da paciên-cia do nosso leitor para demonstrar que o comentário dos avaliadores não tem o menor cabimento.

O Dicionário Houaiss de Física define “onda” como:

Fenômeno que consiste numa perturbação periódica que se propaga por um meio ma-terial ou pelo espaço. Num meio material a perturbação provoca um deslocamento temporário do material de seus constituintes em torno de uma posição de equilíbrio sem que ocorra um deslocamento de todo o meio; esse deslocamento transporta apenas energia.44

Será que o nosso texto (e consequentemente, o de BERNE et al.) realmente faz uma analogia imprópria? Para isso repetimos e sublinhamos o verbete do dicionário e comple-mentamos com a informação pertinente entre colchetes. Assim sendo, a citação fica:

Num meio material [no caso, os músculos do esôfago] a perturbação [contração da musculatura do esôfago] provoca um deslocamento temporário do material de seus constituintes [estreitamento temporário da luz do esôfago provocada pela contração das fibras musculares] em torno de uma posição de equilíbrio [musculatura relaxada] sem que ocorra um deslocamento de todo o meio [sem que haja deslocamento da mus-culatura do esôfago]; esse deslocamento transporta apenas energia.

Como é possível constatar, a analogia do nosso texto e de todos os textos de fisiologia humana e animal comprova -se perfeita e adequada. Todavia, temos de considerar que os avaliadores do PNLD 2010 afirmam que essa analogia (sic) “pode induzir a noção equivocada de onda transportando matéria”. De fato, o Dicionário Houaiss de Física é claro ao afirmar que na propagação da onda num meio material, não ocorre “um deslo-camento de todo o meio; esse deslocamento transporta apenas energia”. Entretanto, caro leitor, os avaliadores do PNLD 2010 não consideraram, seja por ignorância (ERRO TIPO 2) ou por má -fé (ERRO TIPO 1, pois adultera os fatos), que ondas não transportam matéria do meio onde se propagam, mas podem transferir a energia que transportam para corpos adjacentes, provocando inclusive seu deslocamento. Por exemplo, o grande tsunami de 2004, provocado por um terremoto na Indonésia, atingiu com força localidades há milha-

44   RODITI, I. Dicionário Houaiss de Física. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005, p. 165.

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 173

res de quilômetros de distância, na Tailândia, na Índia, no Sri Lanka e na África. As ondas desse tsunami não transportaram a água da Indonésia até aqueles lugares atingidos, apenas energia. Todavia, ao atingir a costa, a energia foi transferida para os corpos adjacentes, causando grande destruição. O leitor se lembra desse episódio e da tragédia provocada pelas “ondas”, não é mesmo45?

A analogia que os fisiologistas fazem ao usar o termo “onda” ao descrever o peristal-tismo é correta e adequada, assim como o nosso uso do termo ao descrever esse mesmo fenômeno no nosso livro didático. Em momento algum o texto do nosso livro dá margem para o aluno imaginar que a onda de contração peristáltica transporta o meio pelo qual ela se propaga (musculatura do esôfago), ele apenas afirma que a contração da musculatura do esôfago se propaga pelo órgão como uma onda que transporta o bolo alimentar, o que é absolutamente correto e adequado.

A verdade é que o nosso livro foi injustificadamente reprovado, pois adota terminologia científica consagrada e fornece elementos textuais e figurativos para a correta construção do conceito de peristaltismo e a sua importância para o trânsito de alimentos ao longo do trato digestório. A correção factual e conceitual da Coleção pode ser mais uma vez corro-borada pelas palavras de SANTOS:

Assim, a contração anelar da camada circular passa em forma de onda (de uns 4 a 8 centímetros de extensão) do esôfago proximal para o distal. Esta é precedida por outra onda de relaxamento. […] Ao gerar gradiente de pressão, a peristalse assegura o trânsito esofagiano (~10s). À medida que a onda peristáltica progride distalmente, ela se torna mais lenta e diminui a taxa de variação da pressão intraluminal. […] Logo após a deglutição, a pressão na junção esôfago -gástrica cai e assim se mantém enquanto a onda peristáltica atinge o esôfago distal, levando -o a esguichar o bolo alimentar no estômago.46

É fácil concluir que o texto do livro do 5º ano da Coleção Ponto de Partida Ciências é, neste assunto, adequado, conceitualmente perfeito, e não induz à aprendizagem equi-vocada, como afirmaram os avaliadores do PNLD 2010 no Relatório de Reprovação da Coleção.

Calor (de novo!)

O que diz o Relatório de Reprovação:

2. Conteúdo indutor de aprendizagem equivocada

Livro do 5o ano

2.5. Página 116, na seção “Para saber mais”, afirma ­se: “O calor da

terra move os continentes e faz o chão tremer”. Por sua vez, no iní­

45   As ondas do mar, muito menores que as ondas dos tsunamis, são responsáveis pelo transporte de quantidades enormes de sedimento ao longo das costas. Os surfi stas aproveitam a energia liberada pelas ondas do mar quando elas “quebram” perto da praia para se deslocar rapidamente sobre a água e fazerem suas manobras.

46   SANTOS, A. A. Motilidade gastrointestinal. In: CURI, R.; ARAUJO FILHO, J. P. (Org). Fisiologia Básica. 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009, p. 617. [grifos nossos].

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Com a palavra, o autor174

cio do segundo parágrafo, encontra ­se: “O calor do interior da terra

é tão intenso...”. Essas frases atribuem calor ao corpo, reforçando

essa concepção de senso comum nos alunos.47

Caro leitor, mais uma vez os avaliadores do PNLD 2010 implicam com o uso do termo “calor” fora do contexto da Física. O termo “calor” tem mais de uma acepção nos textos científicos, como já demonstramos no Capítulo 3. Não há erro no uso do termo “calor” e os trechos destacados do livro reprovado pelos avaliadores do PNLD 2010 não induzem o aluno a erro. O texto da página 116 do livro do 4º ano da Coleção Ponto de Partida Ciências aborda assuntos da área de conhecimento da Geologia e é o mesmo da edição anterior da obra que foi aprovada no PNLD 2007. Os avaliadores do PNLD 2010 não explicaram o que mudou nos últimos três anos para justificar sua divergência com a equipe de avaliação precedente (ERRO TIPO 4). Mais uma vez, não o fizeram porque não há erro no livro; o erro é dos próprios avaliadores do PNLD 2010 que parecem desconhecer que os principais tratados de Geologia brasileiros usam o termo “calor” com a mesma acepção que usamos no livro do 4º ano da Coleção Ponto de Partida Ciências. PACCA e MCRE-ATH (2001), por exemplo, afirmam:

O calor interno da Terra e os processos de sua redistribuição são fatores importantes para entender os movimentos dentro de e entre as camadas da Terra. Esses movimentos são responsáveis pela estrutura interna de segunda ordem, que é dinâmica.48

O mesmo acontece nos tratados de autores estrangeiros, como se verifica em PRESS et al. (2006):

O calor [do] interior [da Terra] controla os movimentos no manto e no núcleo, suprindo energia para fundir rochas, mover continentes e soerguer montanhas.49

Caro leitor, pode parecer inacreditável, mas é verdade. Os avaliadores do PNLD 2010 condenaram o nosso livro por utilizar o termo “calor” exatamente no mesmo contexto e no mesmo sentido que o utilizado em livros de Geologia consagrados! Certamente os avaliadores não são geólogos e pouco sabem sobre o assunto, pois, como afirmam PRESS, F. et al. (2006, p. 37):

O mecanismo interno da Terra é governado pelo calor […].

PACCA e MCREATH (2001), intitularam seu capítulo “A composição e o calor da Terra” e recorreram ao termo “calor” ao longo de todo o seu texto, utilizando -o no mesmo

47   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Ciências. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 3.

48   PACCA, I. I. G; MCREATH, I. A composição e o calor da Terra. In: TEIXEIRA, W. et al. (Org.). Decifrando a Terra. São Paulo: USP -Ofi cina de Textos, 2001, p. 84.

49   PRESS, F. et al. Para entender a Terra. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2006, p. 36.

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 175

contexto e com o mesmo sentido ao utilizado nos textos da Coleção Ponto de Partida destacados pelos avaliadores do PNLD 2010. É interessante destacar o uso do termo em alguns subtítulos do próprio texto de PACCA e MCREATH:

5.3. O calor do interior da Terra

5.3.2. O fluxo do calor do interior da Terra

5.3.3. O transporte de calor e as temperaturas no interior da Terra

A mesma acepção do termo também é usada pelos geólogos em geral, como se verifica no texto de WICANDER e MONROE (2009):

Embora a maioria dos geólogos concorde que o calor interno da Terra desempenha im-portante papel no movimento da placa […].50

Ora, estes fatos comprovam que a objeção dos avaliadores do PNLD 2010 ao nosso livro fundamentou -se em uma deficiência conceitual deles próprios e não do nosso livro (ERRO TIPO 2). Apesar de confrontarmos os responsáveis pela avaliação com provas tão contundentes, os avaliadores do PNLD 2010 preferiram defender seu parecer com uma argumentação espantosa:

[...] Com o devido respeito aos autores Igor I. G. Pacca e Ian McReath

do capítulo 5 do consagrado livro Decifrando a Terra, o termo ‘Calor

da Terra’ faz parte de um jargão específico da área da Geologia e não

corresponde ao conceito correto do ponto de vista científico. [...] a

concepção de que a Terra possui calor está cientificamente errada, uma

vez que calor é uma forma de energia em trânsito [...].51

Essas afirmações exigem vários comentários. Em primeiro lugar, os avaliadores do PNLD 2010 insistem em impor rigorosamente um termo da Física a todas as disciplinas científicas, mas relaxam vergonhosamente na língua materna. Caríssimo leitor, repare que os avaliadores do PNLD 2010 afirmam que “Calor da Terra” é um termo. Será? Não é o que dizem os dicionários da Língua Portuguesa. “Termo” é uma unidade do léxico, uma palavra, um vocábulo. “Calor da terra” é uma locução ou uma expressão. Os avaliadores do PNLD 2010 arvoram -se defensores do rigor terminológico, enquanto escorregam no mais básico e elementar do Português, sua língua materna e idioma oficial do nosso país.

Temos também que destacar o desrespeito dos avaliadores do PNLD 2010 com os geó-logos em geral e com os professores Pacca e McReath ao afirmarem (sic) “o termo ‘Calor da Terra’ faz parte de um jargão específico da área da Geologia e não cor­

50   WICANDER, R.; MONROE, J. S. Fundamentos de Geologia. São Paulo: Carnegie Learning, 2009, p. 45.

51   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Ofício nº 1.028/2009. Brasília: Ministé-rio da Educação, 15/jun/2009, p. 20. [grifos nossos].

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Com a palavra, o autor176

responde ao conceito correto do ponto de vista científico”. O uso do termo “jargão” é desrespeitoso, pois, de modo geral, tem conotação pejorativa, como demonstra o Dicionário Houaiss:

Jargão – substantivo masculino

1 – Linguagem viciada, disparatada, que revela conhecimento imperfeito de uma lín-gua.

2 – Derivação: por extensão de sentido. Linguagem resultante de alterações de estrutura, não raro pela interferência de mais de um idioma.

3 – Rubrica: sociolingüística. Código lingüístico próprio de um grupo sociocultural ou profissional com vocabulário especial, difícil de compreender ou incompreensível para os não -iniciados; gíria. Obs.: cf. gíria.

4 – Rubrica: sociolingüística. Linguajar destinado a não ser entendido senão por um grupo, em especial o que adota determinadas convenções. Ex.: a língua do pê é j. lúdico entre as crianças.

5 – Discurso obscuro, hermético. Ex.: j. dadá.

6 – Linguagem alterada por perturbações patológicas de natureza afásica.

7 – Linguagem corrompida, estropiada, deformada, feita de elementos díspares.

8 – Derivação: por extensão de sentido. Qualquer linguagem (em especial, língua estran-geira) incompreensível.

9 – Derivação: por extensão de sentido. Rubrica: sociolingüística. Linguagem deliberada-mente artificializada empregada pelos membros de um grupo desejosos de não serem en-tendidos pelos não -iniciados ou, simplesmente, de diferenciarem -se das demais pessoas.52

Mesmo se considerarmos que os avaliadores do PNLD 2010 usaram o termo “jargão” na acepção 3 do Dicionário Houaiss, não se atenua a grandiosidade do erro. Nesse caso, poderíamos ler a acepção 3 assim:

3 – Rubrica: sociolingüística. Código lingüístico próprio de um grupo sociocultural ou profissional [os geólogos] com vocabulário especial, difícil de compreender ou incompre-ensível para os não -iniciados [os avaliadores do PNLD 2010]; gíria.53

Nesse caso, a objeção dos avaliadores do PNLD 2010 não perde sua conotação pejora-tiva, mas pelo menos explica a revolta dos nossos censores. Afinal, o “jargão” dos geólogos é “incompreensível para os não -iniciados”54.

Caro leitor, para nós a argumentação dos avaliadores do PNLD 2010 é absurda, es-pantosa. Afinal, o trecho condenado trata especificamente de assuntos da Geologia, por-tanto, o uso de termos e locuções característicos dessa ciência é correto e jamais poderia

52   HOUAISS, A. et. al. (org.). Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. CD ‑ROM.

53   O termo “gíria” também encerra conotações pejorativas.

54   A bem da verdade, estes comentários dos avaliadores do PNLD 2010 revelam que eles não são mesmo iniciados no assunto.

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 177

ser considerado inadequado. Essa foi a interpretação dos avaliadores do PNLD 2007. Em nenhum lugar do Edital do PNLD 2010 há qualquer determinação de que a terminolo-gia da Física deve prevalecer sobre a terminologia das demais ciências. Logo, a exigência dos avaliadores do PNLD 2010 é uma clara exorbitância dos seus poderes discricionários (ERRO TIPO 5).

A argumentação dos avaliadores do PNLD 2010 sugere algo ainda mais espantoso: eles acreditam que a terminologia da Física é mais correta (sic) “do ponto de vista cientí­fico” do que os (sic) “jargões” da Geologia. A terminologia da Geologia não é “jargão”, assim como não são “jargões” as terminologias da Física, da Química e de todas as demais ciências. As descobertas e o conhecimento da Geologia não são cientificamente errados, pelo contrário, são tão cientificamente corretos quanto as descobertas e os conhecimentos das demais ciências, inclusive da Física e da Química.

Condenar os geólogos, os biólogos e todos os demais cientistas das outras áreas do co-nhecimento por não adotarem a terminologia mais restritiva da Física equivale, por exem-plo, a condenar como cientificamente equivocados os físicos que usam termos e locuções como “evolução do universo”, “desenvolvimento” e “vida” sem o significado preciso que eles têm na Biologia!

A verdade é que um mesmo termo (ou locução) pode ter significados diferentes em disciplinas diferentes e a “tensão” gerada pelos diferentes significados tem consequências semelhantes àquelas geradas à “tensão” entre o conceito científico e a linguagem cotidiana descrita por ESHACH e FRIED (2005, p. 324). As aparentes contradições fazem parte da construção da linguagem e do pensamento científico de todos os campos do conhecimen-to e contribuem para o processo de apropriação e geração de conceitos. Os avaliadores do PNLD 2010 ignorarem esses fatos é forte indicador de imperícia para, no mínimo, julgar livros didáticos (ERRO TIPO 2).

Conclui -se, portanto, que o uso do termo “calor” nos trechos destacados pelos avalia-dores do PNLD 2010 é adequado e conceitualmente perfeito, como atestam os tratados de Geologia citados. Os avaliadores do PNLD 2010 erraram ao objetar o seu uso, seja pelos aspectos científicos, seja pelo aspecto didático -pedagógico. Na realidade, os fatos e as pon-derações por nós apresentadas corroboram a correção e o acerto dos avaliadores do PNLD 2007 ao aprovarem a Coleção Ponto de Partida sem observar qualquer erro ou indução a erro nessa passagem da obra.

Bomba de hidrogênio

O que diz o Relatório de Reprovação:

2. Conteúdo indutor de aprendizagem equivocada

Livro do 5o ano

2.6. Página 121, no primeiro parágrafo: há uma comparação entre a

energia liberada pelas transformações de uma parcela de gases do Sol

Com a palavra o autor.indb 177 20/07/2010 19:48:45

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Com a palavra, o autor178

com a energia liberada por uma bomba H. Contudo, no quadro, colocado

no lado direito da página, aparentemente para auxiliar na discussão

dessa comparação, há apenas um comentário muito superficial dessa

bomba que não contribui para a compreensão da quantidade de energia

fornecida pelo Sol.55

Caro leitor, repare que os avaliadores do PNLD 2010 classificam sua objeção ao tex-to da página 121 do livro do 5º ano da Coleção Ponto de Partida Ciências sob o título “Conteúdo indutor de aprendizagem equivocada”. Todavia, é preciso destacar que eles não apontam qual é a suposta aprendizagem equivocada! Apenas afirmam que o “quadro, colocado no lado direito da página”, isto é, uma caixa de texto com a fotografia da explosão de uma bomba de hidrogênio e a informação de que se trata da bomba mais poderosa já criada pela humanidade, “não contribui para a compreensão da quanti­dade de energia fornecida pelo Sol”. Mas qual é a aprendizagem equivocada? Eles não dizem (ERRO TIPO 7).

A página 121 do livro do 5º ano foi reproduzida neste livro (Figura 4.9) para per-mitir ao nosso leitor verificar como os avaliadores do PNLD 2010 recorrem insistente-mente a uma análise descontextualizada para sustentar seu parecer com base em fatos inexistentes.

Os avaliadores do PNLD 2010 ignoraram o fato de que, na mesma página 121, o texto informa que a energia liberada pelo Sol e pelas bombas de hidrogênio são o resultado do mesmo processo de transformação (fusão atômica). Tal informação é correta, adequada à faixa etária e claramente estabelecida no trecho em questão. Os avaliadores do PNLD 2010 também omitem que o texto do livro:

�� informa a temperatura no núcleo do Sol;�� relaciona essa temperatura com a enorme quantidade de energia gerada no astro; e�� informa que apenas uma parcela pequena dessa energia chega à Terra.

Todas essas informações são corretas e pertinentes. Portanto, é falsa a afirmação de que o livro não dá ao aluno informações que “contribuam para a compreensão da quanti­dade de energia fornecida pelo Sol” (ERRO TIPO 1).

Também neste caso, os avaliadores do PNLD 2010 reprovam conteúdos idênticos aos aprovados no PNLD 2007, sem o cuidado de justificar sua divergência com a equipe pre-cedente (ERRO TIPO 4).

55   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Ciências. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 3. [grifos nossos].

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 179

Legenda do mapa de ocorrência de terremotos

O que diz o Relatório de Reprovação:

3. Veiculação de ilustrações e outros recursos (cores, escalas, etc.)

inadequados, que induzem à construção de conceitos incorretos

Livro do 5o ano

3.3. Página 117: a legenda da figura está confusa, pois se refere aos

terremotos que ocorreram de 1964 a 1995, mas as indicações com setas

que aparecem na figura são de terremotos recentes, 2008 e 2004.56

O leitor consegue identificar qual é o conceito incorreto que o suposto erro na legenda induz? É claro que não, pois os avaliadores não indicam (ERRO TIPO 7)! Mas, este é o menor problema desta parte do Relatório de Reprovação da Coleção Ponto de Partida Ciências, pois, na verdade, não há erro algum na ilustração ou na legenda.

A ilustração está correta (ver Figura 4.10): os pontos correspondem aos maiores ter-remotos ocorridos de 1964 a 1995, segundo o Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS). Os avaliadores do PNLD 2010 têm uma grave deficiência de leitura (ERRO TIPO 2) ou distorcem fraudulentamente a verdade (ERRO TIPO 1). A legenda refere--se aos dados do USGS, que aparecem na ilustração como pontos. As setas, clara e explicitamente, indicam a localização de terremotos mais recentes e que povoaram a mídia televisiva nas últimas décadas. Trata -se, portanto, de informação complementar. As legendas das setas deixam isso muito claro. Não há confusão possível. Além disso, a ilustração faz parte de uma atividade na qual se pede ao aluno que compare a localização dos limites das placas da litosfera com a distribuição dos terremotos, o que é perfeita-mente exequível.

O despropósito do parecer dos avaliadores do PNLD 2010 fica ainda mais evidente quando se considera que no Guia do Livro Didático PNLD 2007 o mesmo mapa é apon-tado como exemplo da qualidade das ilustrações da Coleção Ponto de Partida! Na resenha da obra, os avaliadores do PNLD 2007 elogiaram a Coleção alegando que:

No tratamento dos conteúdos, são utilizadas ilustrações de qualidade (figura 2), o que facilita a compreensão dos fenômenos em discussão.57

Não há conciliação possível entre o parecer dos avaliadores do PNLD 2010 e o parecer da equipe precedente (ERRO TIPO 4), assim como não tem o menor propósito e qual-quer justificativa a inclusão desta ilustração como sendo um caso de indução à construção de conceitos errados!

56   Ibidem, p. 4.

57   BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Guia do Livro Didático 2007: ciências. Brasília: Ministério da Educa-ção, Secretaria de Educação Básica, 2006. p. 84. [grifos nossos].

Com a palavra o autor.indb 179 20/07/2010 19:48:46

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Com a palavra, o autor180

Curiosamente, o Professor Doutor Antônio Carlos Pavão foi o representante da Co-missão Técnica de ambas as avaliações e, em tese, teve participação na escolha da ilustra-ção, que agora ele condena, incorporada ao Guia do Livro Didático PNLD 2007 como exemplo da excelência das ilustrações da Coleção Ponto de Partida Ciências. Como isso é possível? Somente uma alteração radical nos critérios de avaliação justificaria a divergência entre os pareceres. Mas a leitura comparada dos termos do Edital de 2007 e do Edital de 2010 indica que: a) não há mudanças radicais nas exigências; b) sequer há alterações nos critérios fundamentais gerais e específicos da área. Logo, não há nada que justifique essa discrepância dos avaliadores do PNLD 2010.

A órbita da Terra não é quase circular?

O que diz o Relatório de Reprovação:

3. Veiculação de ilustrações e outros recursos (cores, escalas, etc.)

inadequados, que induzem à construção de conceitos incorretos

Livro do 5o ano

3.4. Página 123: há uma figura que apresenta um esquema da órbita da

Terra em torno do Sol com uma órbita circular, porém na legenda há a

seguinte observação: “Repare que a órbita da Terra é quase circular e

que o Sol não está exatamente no centro da órbita”. Pela figura, essa

diferença não é perceptível.58

Este é mais um caso flagrante de imperícia e negligência dos avaliadores do PNLD 2010. É um “repeteco” do que eles fizeram ao avaliar a Coleção Caminhos da Ciência (ver Capítulo 3) e, tal como naquele caso, a crítica à figura da página 123 do livro do 5º ano da Coleção Ponto de Partida Ciências merece constar no anedotário dos erros dos avaliadores.

O erro apontado pelos avaliadores do PNLD 2010 não existe. A órbita da Terra está adequadamente representada por uma elipse de excentricidade igual à da órbita terrestre (0,0167) com o Sol posicionado sobre um dos focos da elipse. A página em questão foi reproduzida (Figura 4.11) com o objetivo de dar oportunidade ao nosso leitor para fazer ele mesmo as medidas. Também incluímos uma página em que as medidas são mostradas, apenas para poupar trabalho (Figura 4.12). Nessa última imagem, um círculo perfeito foi sobreposto à órbita para ilustrar graficamente o erro dos avaliadores do PNLD 2010.

O Relatório de Reprovação indica claramente que os avaliadores do PNLD 2010:

�� desconhecem a forma da órbita terrestre e, portanto, não têm a perícia necessária para avaliar livros didáticos (ERRO TIPO 2);�� não mediram o eixo maior (149,5 mm) nem o eixo menor da elipse (148,0 mm), pois

assim poderiam facilmente verificar que não se trata de um círculo perfeito (negligência);

58   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Ciências. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 4. [grifos nossos].

Com a palavra o autor.indb 180 20/07/2010 19:48:47

Page 181: Com a palavra o autor

Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 181

�� não mediram a posição do Sol para verificar que ele foi representado mais próximo do extremo direito da elipse, representando o periélio, do que do extremo esquerdo da elipse, representando o afélio (negligência, novamente);�� desconhecem a importância da representação em escala da órbita terrestre para os alu-

nos perceberem que ela forma uma elipse muito pouco achatada (mais um exemplo de imperícia); e�� não leram o Manual do Professor, que traz informações sobre o assunto e o seu enca-

minhamento em sala de aula (negligência, mais uma vez).

Caro leitor, a recomendação de se apresentar a órbita terrestre em escala (isto é, por meio de uma elipse com a mesma excentricidade) é uma recomendação das sociedades de Astronomia, pois evita um erro conceitual comum entre os alunos do Ensino Funda-mental: formar a ideia de que o verão acontece quando a Terra está mais próxima do Sol e o inverno quando a Terra está mais distante da estrela do sistema. Esse erro conceitual é atribuído à representação mais comum da órbita terrestre, isto é, uma representação da órbita em perspectiva, o que lhe confere um aspecto muito elíptico, no qual a distância Terra -Sol parece variar muito ao longo do ano.

Na realidade, o Relatório de Reprovação indica também que os avaliadores do PNLD 2010 não conhecem as estratégias didáticas adequadas para o ensino da Astronomia e, em particular, a importância da representação em escala da órbita terrestre para favorecer a formação de conceitos corretos a respeito das estações do ano. Estes fatos são particular-mente surpreendentes e preocupantes porque existem astrônomos na equipe de avaliação do PNLD 2010, entre eles o Professor Doutor João Batista G. Canalle, Professor da Uni-versidade do Estado do Rio de Janeiro e Coordenador da Olimpíada Brasileira de Física. Segundo o Professor Canalle:

Os dois enganos mais frequentes [encontrados nos livros didáticos] foram o alinha-mento dos planetas no sistema Solar, como se todos ocupassem o mesmo plano e girassem juntos ao redor do Sol, e a idéia de percorrerem uma trajetória oval, embora as órbitas dos planetas sejam quase circulares.59

Os livros da Coleção Ponto de Partida Ciências não apresentam nenhum dos (sic) “dois enganos mais frequentes”. Pior ainda, o livro condenado não comete o erro alegado pelos avaliadores do PNLD 2010 para excluir a nossa obra! Na verdade, a nossa obra foi repro-vada por apresentar informação cientificamente correta e de pleno acordo com as reco-mendações de um especialista que participou da própria avaliação do PNLD 2010! É um absurdo, uma aberração. O mais incrível é que a mesma ilustração estava presente na edi-ção anterior da Coleção e foi aprovada pelos avaliadores do PNLD 2007. Mais uma vez os avaliadores do PNLD 2010 erraram ao discordar da equipe precedente, então sob respon-sabilidade da USP e sequer se dão ao trabalho de justificar a divergência (ERRO TIPO 4).

59   UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Erros marcam livros de Astronomia.  In: Linear Clipping/Jornal do Brasil,  13 dez. 2008. [grifos nossos].Disponível  em:  <www.linearclipping.com.br/MEC/m_stca_detalhe_noticia.asp?cd_sistema=55&cd_noticia=580628> (acesso: jun/2010). 

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Com a palavra, o autor182

É muita incompetência e muita negligência para um trabalho que custou quase R$ 40 mil aos cofres públicos!

Agora, caro leitor, nós teremos de enfrentar a seguinte situação. Para reinscrever a obra no PNLD 2013 ou em qualquer outra edição do PNLD, seremos obrigados a comprovar que corrigimos a nossa ilustração da órbita da Terra, sob pena de exclusão sumária na fase de triagem, antes mesmo de uma nova avaliação! O que podemos fazer? A alternativa mais covarde seria a de simplesmente omitir o assunto na próxima edição da Coleção, com claro prejuízo para os alunos e grande risco dos avaliadores do próximo PNLD nos reprovarem por não tratarmos o tema.

Outra opção seria mudar a ilustração para mostrar a órbita mais elíptica para que não se pareça tanto com um (sic) “círculo perfeito”. Essa é a saída imoral, “sem vergonha”. Significaria colocar no livro uma informação sabidamente errada, apenas para cumprir uma exigência descabida dos avaliadores do PNLD 2010. Além disso, correríamos o risco de os avaliadores do próximo PNLD não serem ignorantes e negligentes como os que ava-liaram a Coleção Ponto de Partida Ciências no PNLD 2010. Nesse caso, a nossa Coleção seria acertadamente reprovada por veicular informação incorreta.

A última alternativa é tão absurda quanto as precedentes. Nós poderíamos tentar mu-dar a órbita terrestre para que ela fique menos parecida com um (sic) “círculo perfeito”. Devemos, entretanto, confessar para o nosso leitor que não temos meios para conseguir alterar a órbita do nosso planeta. Infelizmente…

Um erro tão primário como esse só encontra guarida em um processo obscuro, que protege os avaliadores, como a famigerada Santa Inquisição protegia os delatores. Um processo que não prevê sequer o direito dos autores defenderem suas obras e apontarem os erros cometidos pelos avaliadores.

Este é o exemplo mais claro da situação kafkiana em que os erros dos avaliadores do PNLD 2010 nos colocaram. Como as afirmações dos avaliadores são finais, definitivas e incontestáveis, estamos como Galileo Galilei diante do tribunal da Inquisição: querem que renunciemos à verdade para não contrariar os cardeais da avaliação. Para nós é triste e incompreensível encontrar erros tão gritantes em um documento oficial do MEC, assi-nado pelo Professor Nelson Studart, doutor em Física, em nome de uma universidade de prestígio e qualidade como a UFSCar.

Desequilíbrio do conteúdo nas várias áreas da ciência

O que diz o Relatório de Reprovação:

4. Desequilíbrio do conteúdo nas várias áreas da ciência

A Coleção enfatiza as áreas de ciência da vida. A abordagem nas áreas

de Física e Geologia é adequada, porém a de Astronomia e de Química

são muito superficiais. Considerando que uma iniciação equilibrada

não significa quantidades iguais de conteúdos das diversas áreas das

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 183

ciências na Coleção, a quantidade de conhecimento abordado em cada

área da ciência pode ser distinta, possibilitando a exploração de

cada uma delas também de forma distinta. E’ possível construir e imple­

mentar uma proposta de ensino de ciências onde a Biologia e a Ecolo­

gia sejam predominantes. Contudo, essas mesmas áreas necessitam, para

serem compreendidas, de conhecimentos provenientes das demais, de um

modo integrado que possa ser explorado pelo professor e pelos alunos,

o que não é feito nessa Coleção. Por exemplo, em momento algum foram

abordados os conceitos sobre a constituição da matéria, apesar desta

estar referida desde o livro do 2o ano.60

A alegação presente no Relatório de Reprovação da Coleção Ponto de Partida Ciências de que a obra apresenta “desequilíbrio do conteúdo nas várias áreas da ciência” não tem sustentação e contém várias afirmações falsas (ERRO TIPO 1). De modo algum tal alegação pode servir como argumento para a reprovação e a exclusão dos nossos livros. Afinal, os fatos indicam exatamente o contrário: há equilíbrio entre os conteúdos nas várias áreas da Ciência. Para confirmar o equívoco dos avaliadores, o leitor precisa apenas consultar os livros do 3º ano e do 4º ano e verificar que dedicam metade do seu conteúdo para o estudo de Química e Física. Já o livro do 5º ano, além de saúde, corpo humano e Ecologia, também trabalha com temas da Astronomia e da Geologia!

A simples consulta aos sumários dos livros da Coleção comprova que todas as discipli-nas listadas na parte específica do componente curricular Ciências do Edital do PNLD 2010 são trabalhadas ao longo da nossa obra61.

Outra prova do equilíbrio entre as áreas do conhecimento da Coleção Ponto de Partida Ciências é a resenha da Coleção no Guia do Livro Didático PNLD 2007 – Ciências, em que os avaliadores daquele PNLD afirmam:

A terminologia científica é apresentada gradualmente, sem excesso de novos termos. As diferentes áreas são tratadas de forma equilibrada, ainda que nem todas se apresentem com a mesma intensidade nas diferentes séries.62

Caro leitor, veja o absurdo, os avaliadores do PNLD 2010 fazem uma afirmação ge-nérica, diametralmente oposta à conclusão dos avaliadores do PNLD anterior, sem o cui-dado de indicar pelo menos um fato para corroborar sua afirmação (ERRO TIPO 4)! Na realidade, o parecer dos avaliadores do PNLD 2010 contém fortes indícios de que foram negligentes e não leram todos os volumes da Coleção, tanto os livros do aluno como os manuais do professor. Prova disso está na afirmação: “[...] em momento algum foram

60   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Ciências. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, pp. 4 -5.

61   Os sumários dos livros da Coleção Ponto de Partida Ciências podem ser consultados na sua íntegra no site da Editora Sarandi: <www.editorasarandi.com.br> (acesso: jul/2010).

62   BRASIL, SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Guia do Livro Didático 2007: ciências. Brasília: Ministério da Educa-ção, Secretaria de Educação Básica, 2006, p. 83. [grifos nossos].

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Com a palavra, o autor184

abordados os conceitos sobre a constituição da matéria, apesar desta estar

referida desde o livro do 2o ano”.

As inverdades da acusação dos avaliadores são fáceis de comprovar. Em primeiro lugar porque nos livros do 2º e do 3º anos não se apresenta nem se estuda o conceito de maté-ria. Segundo, porque o conceito de matéria só é apresentado no livro do 4º ano. E, para concluir, seis capítulos da unidade 2 (Mundo Material) do livro do 4º ano são devotados ao assunto! A saber:

�� Capítulo 1. O que é matéria? (Física e Química)�� Capítulo 2. Estados físicos da matéria (Física e Química) �� Capítulo 3. Mudanças de estado físico (Física)�� Capítulo 4. Substâncias e misturas (Química)�� Capítulo 5. Separação de misturas (Química)�� Capítulo 6. Transformações químicas (Química)

A Química é tratada também em diversos outros momentos da Coleção Ponto de Partida, em particular quando se abordam os alimentos e seus componentes químicos e a digestão (livros do 2º e do 5º ano).

A Astronomia, por sua vez, é abordada em particular nos livros do 3º ano e do 5º ano:

�� Luz do Sol (3º ano);�� O Sol ilumina a Terra (3º ano);�� Onde está o Sol à noite (3º ano);�� Estrelas noturnas (3º ano);�� Corpos iluminados (3º ano);�� Corpos sem luz (3º ano);�� Movimentos da Terra (3º ano);�� A Terra no Sistema Solar (5º ano)�� Sistema Solar (5º ano)�� Os oito planetas (5º ano)�� Plutão e planetas anões (5º ano)�� Os pequenos corpos (5º ano)

É relevante informar ao nosso caro leitor que na edição inscrita no PNLD 2010 nós acrescentamos vários tópicos de Astronomia que não constavam na edição do PNLD 2007. Logo, se a distribuição de conteúdos foi considerada adequada, e a nova edição tem mais Astronomia do que a edição anterior, não é possível aceitar os termos do Relatório de Reprovação. O nosso leitor concorda?

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 185

Proposta pedagógica

O que diz o Relatório de Reprovação:

5. Proposta pedagógica

Ao longo de toda a Coleção, os textos são excessivamente extensos

e inadequados à competência leitora dos alunos nesta etapa de es­

colaridade, bem como contém termos pouco familiares à faixa etária

correspondente. Como exemplo, pode ­se citar os termos: substâncias

químicas (p. 50), vírus (p. 89), habitat (p. 98), proteínas e lipídios

(p. 104), etc., sem o cuidado de defini ­los previamente. A utilização

de uma terminologia inadequada ocorre ao longo de toda a Coleção.

Como exemplo, nas páginas 114 e 115 do livro do 3o ano, utilizam ­se

baixo e alto (altura) para relacionar as intensidades sonoras sendo

que convencionalmente tais termos se relacionam com a frequência so­

nora. Há um glossário ao final de cada livro, mas muitos dos termos

utilizados não constam no mesmo, além do que, as definições de vários

termos são incompletas e inadequadas, como, por exemplo, “Substância:

Toda espécie de matéria que possui características (ou propriedades

definidas), como o sal, o açúcar refinado, o ferro, etc.”63

Caro leitor, mais uma vez somos obrigados a relembrar que os textos da Coleção Ponto de Partida Ciências são essencialmente os mesmos da edição aprovada no PNLD 2007. Veja alguns trechos em que os avaliadores daquele PNLD aprovam nossa proposta peda-gógica:

Os livros, em seu conjunto, propõem uma rica diversidade de atividades num esforço de envolver os alunos tanto individualmente como em grupos. Essas atividades concentram--se no trabalho com textos de excelente qualidade. […]

Na escolha, bem como na distribuição dos temas, foram tomados cuidados com a ade-quação do material à faixa etária a que se destinam, principalmente pelo uso de uma linguagem direta e acessível na abordagem dos conteúdos. […]

A coleção propõe uma abordagem dos conteúdos que supera programas extensos e concen-trados na apresentação de fatos isolados, conseguindo apresentar textos de leitura agra-dável e que abordam conceitos corretos numa linguagem adequada ao nível dos alunos. A terminologia científica é apresentada gradualmente, sem excesso de novos termos.64

Ora, a avaliação do PNLD 2007 é o oposto do que disseram os avaliadores do PNLD 2010. Como isso é possível? Demonstraremos a seguir que o Relatório de Reprovação escrito pelos avaliadores do PNLD 2010 não faz uma análise da proposta pedagógica da Coleção Ponto de Partida Ciências. Isso nem seria possível: eles apresentam a crítica à pro-posta pedagógica em uma única página. Isso pode ser conferido na reprodução do texto

63   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Ciências. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 5.

64   BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Guia do Livro Didático 2007: ciências. Brasília: Ministério da Educa-ção, Secretaria de Educação Básica, 2006, p. 83. [grifos nossos].

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Com a palavra, o autor186

integral do Relatório de Reprovação apresentada na seção Anexos, ao final deste livro. Por sinal, não podemos deixar de destacar que a reprovação das 1.038 páginas que formam a Coleção Ponto de Partida foi feita em apenas seis páginas. Isso mesmo. Mas, se conside-rarmos que a página 1 do Relatório é praticamente toda ela ocupada pelo cabeçalho da avaliação e que a página 6 traz praticamente apenas a assinatura dos professores Nelson Studart e Antônio Carlos Pavão, a reprovação das nossas 1.038 páginas foi feita em apenas quatro páginas! Quanta capacidade de síntese!

O que os avaliadores do PNLD 2010 realmente fazem nessa passagem do Relatório de Reprovação é apresentar uma pequena lista de trechos e termos para, sem qualquer fun-damentação, concluir que são inadequados. Entretanto, quando os trechos são analisados em seus contextos, verifica -se que os exemplos dados pelos avaliadores do PNLD 2010 refutam suas próprias conclusões.

Os avaliadores do PNLD 2010 afirmam que (sic) “ao longo de toda a Coleção, os textos são excessivamente extensos e inadequados à competência leitora dos

alunos nesta etapa de escolaridade”, mas não citam um exemplo sequer (ERRO TIPO 7). Se existem tantos textos assim tão longos, por que eles não localizaram em nos-sos livros pelo menos um deles? Em seguida, ao invés de discutir a proposta pedagógica, os avaliadores do PNLD 2010 passam a criticar o uso de termos supostamente pouco familiares aos alunos ou de terminologia supostamente inadequada. Vamos analisar uma acusação por vez.

Os avaliadores do PNLD 2010 afirmam que nossos livros apresentam “termos pouco familiares à faixa etária correspondente” e citaram como exemplos “os termos: substâncias químicas (p. 50), vírus (p. 89), habitat (p. 98), proteínas e

lipídios (p. 104), etc., sem o cuidado de defini ­los previamente”. Proposi-talmente ou por descuido, os avaliadores do PNLD 2010 informam apenas as páginas, mas não os livros. Assim, não é possível saber a quais trechos da Coleção Ponto de Partida eles se referem. Considerando que a obra tem quatro volumes, a decifração dessa objeção é praticamente uma brincadeira de “caça -palavras”, não é mesmo? Esse estratagema dos avaliadores pode ser considerado um ERRO TIPO 7 (mais um!).

Num esforço para compreender o que os avaliadores do PNLD 2010 queriam dizer com “termos pouco familiares à faixa etária correspondente”, nós fizemos um levantamento das páginas citadas nos quatro livros da Coleção Ponto de Partida. Somente assim seria eventualmente possível descobrir o contexto em que os termos foram usados e avaliar se a censura dos avaliadores do PNLD 2010 tinha alguma substância65. Encontra-mos os termos “proteína” e “lipídio” na página 104 do livro do 2º ano. Faremos a contes-tação deste item do Relatório com base nessas duas palavras porque o livro do 2º ano é o livro da Coleção destinado aos alunos mais jovens, ainda em fase de alfabetização.

Caro leitor, afirmar que termos como “proteína” e “lipídio” (óleos e gorduras) são pou-co familiares para crianças de 7 anos é quase uma piada. A propaganda de alimentos,

65   A palavra substância foi usada aqui sem qualquer sarcasmo de nossa parte.

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 187

inclusive aquelas destinadas ao público infantil, usa os termos com muita frequência. Tem-po e espaço em propaganda custam muito caro. Nada é colocado num anúncio sem um propósito. É evidente, portanto, que a grande maioria dos alunos do 2º ano já ouviu esses termos diversas vezes e que eles lhe são familiares. A alegação dos avaliadores do PNLD 2010 é evidentemente falsa (ERRO TIPO 1).

Mas vamos dar mais uma chance aos nossos algozes. Talvez alguns alunos dos rincões mais isolados do Brasil não tenham acesso às propagandas de televisão, revistas, rádio, outdoors etc. Mesmo assim, a crítica não procede. A legislação brasileira exige que a em-balagem de alimentos, inclusive os destinados ao público infantil, contenha informações nutricionais em que os termos “proteína” e “lipídio” aparecem. Até mesmo os alunos de escolas rurais e de aldeias indígenas muito afastadas de centros urbanos têm acesso a ali-mentos industrializados. Portanto, a hipótese não prospera nem mesmo nesses casos.

Não poderíamos deixar de mencionar que a leitura de rótulos de alimentos é uma parte importante nos trabalhos de Letramento e Alfabetização Linguística, Língua Portuguesa e Ciências, sendo inclusive uma recomendação do documento Ciências Naturais e do documento Saúde dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Nesses documentos, os alunos encontram regularmente os termos “proteína” e “lipídio”. Ignorar esses fatos é uma forte indicação de imperícia para avaliar livros de Ciências destinados aos anos iniciais do Ensi-no Fundamental (ERRO TIPO 2).

Não há problema algum no trabalho com os termos indicados no Relatório de Repro-vação. Neste contexto, é necessário repetir as ponderações de ESHACH e FRIED:

In this we tend to agree with Vygotsky when he writes that ‘[…] to introduce a new concept means just to start the process of appropriation. Deliberate introduction of new concepts dos not preclude spontaneous development, but rather charts the new paths for it’ (Vygotsky, 1934/1986, pp. 194 -195; it is in this context, incidentally, that Vygotsky introduces his famous ‘zone of proximal development’); the tension created is only a sign that this process is underway.66

[Nisto tendemos a concordar com Vygotsky quando ele escreve que ‘[…] introdu-zir um novo conceito significa apenas iniciar o processo de apropriação. A intro-dução deliberada de novos conceitos não impede o desenvolvimento espontâneo, porém, mais precisamente, delineia novos caminhos para isso’; incidentalmente, foi nesse contexto que Vygotsky introduz sua famosa ‘zona de desenvolvimento proxi-mal’; a tensão criada é apenas um sinal de que o processo iniciou.]

Como se não bastassem os erros já discutidos, devemos informar mais um. A acusação de que os termos “proteína” e “lipídio” foram apresentados “sem o cuidado de defini­­los previamente” é falsa (ERRO TIPO 1). Os termos são explicados aos alunos na página 41 do livro do 5º ano (Figura 4.13), citando -se, inclusive, exemplos de alimentos que são fontes importantes desses nutrientes! Adicionalmente, na página 46 do livro do 2º ano, também há uma dica de consulta à Internet sobre alimentação saudável, onde

66   ESHACH, H.; FRIED, M. N. Should Science Be Taught in Early Childhood?. Journal of Science Education and Tech-nology, v. 14, n. 3, set. 2005, p. 324. [tradução nossa].

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Com a palavra, o autor188

se pode obter um folheto para alunos do Ensino Fundamental elaborado pela Fundação Oswaldo Cruz. Nesse folheto, os termos “lipídeo” e “proteína” são usados exatamente como no nosso livro reprovado67. Ora bolas, de duas, uma: ou os avaliadores do PNLD 2010 fizeram uma leitura negligente do livro ou mentiram.

Caro e paciente leitor, ainda sob o título “proposta pedagógica”, os avaliadores do PNLD 2010 também acusam o nosso livro de utilizar terminologia inadequada e exem-plificam (sic) “nas páginas 114 e 115 do livro do 3o ano, utilizam ­se baixo e

alto (altura) para relacionar as intensidades sonoras sendo que convencio­

nalmente tais termos se relacionam com a frequência sonora”.

Trata -se de um ardil repetido incansavelmente pelos avaliadores do PNLD 2010 para distorcer a verdade: a descontextualização de pequenos trechos dos nossos livros. A análise do texto no seu contexto revela o oposto do que afirmam os avaliadores do PNLD 2010. As páginas 114 e 115 do livro do 3º ano foram reproduzidas neste capítulo (Figuras 4.14 e 4.15) para que o leitor possa verificar que as palavras condenadas foram impressas entre aspas para dar destaque à descrição cotidiana e coloquial da intensidade do som e, logo em seguida, oferecem a mesma descrição, porém com o uso da terminologia apropriada, como demonstra o trecho destacado a seguir.

Lembre -se do que acontece no seu dia -a -dia. Quando o rádio toca uma música que você gosta, muitas vezes você aumenta o volume para ouvi -la melhor, não é mesmo?

Aumentar o volume deixa a música mais grave ou mais aguda? É claro que não. O que muda é que a música “fica mais alta”, isto é, o som fica mais forte ou intenso.

Os avaliadores do PNLD 2010 também omitem que o texto continua com outros exemplos de uso de termos cotidianos contrastando -os com a terminologia adequada. O Manual do Professor (página 38) também informa ao professor a importância de trabalhar os termos técnicos em contraste com as descrições usuais (cotidianas) das características dos sons.

Na realidade, a leitura contextualizada do trecho em questão, bem como a leitura do capítulo como um todo, revelam que o tema é tratado com propriedade, que a termino-logia sugerida é adequada e que o livro estimula o uso de termos cientificamente adequa-dos no lugar dos termos cotidianos. Exatamente o oposto do que os avaliadores afirmam (ERRO TIPO 1).

67   Fundação Fiocruz. Disponível em <http://www4.ensp.fiocruz.br/biblioteca/dados/txt_465569599.pdf>  (acesso: maio/2010).

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 189

Conclusão

Os erros conceituais e as inadequações indutoras a erros apontadas pelos avaliadores do PNLD 2010 na Coleção Ponto de Partida Ciências simplesmente não existem. Neste capítulo, nós não apresentamos todas as acusações do Relatório de Reprovação da Coleção Ponto de Partida Ciências. Isso não significa, porém, que deixamos alguma crítica sem refutação. Nós fizemos questão de responder item por item todas as alegações dos avalia-dores do PNLD 2010 em um documento enviado à SEB. Não colocamos o documento completo neste livro porque acreditamos que os exemplos descritos neste capítulo são mais do que suficientes para dar uma ideia da dimensão dos erros dos avaliadores do PNLD 2010 e a injustiça que representa a exclusão da nossa obra do PNLD 2010.

A nossa indignação e inconformidade com a reprovação da Coleção Ponto de Partida Ciências é fácil de compreender. Os erros conceituais e as inadequações indutoras a erros apontados pelos avaliadores do PNLD 2010 não existem. A nossa Coleção não se enqua-dra em nenhum critério de exclusão definido pelo Edital do PNLD 2010:

�� a Coleção propõe uma quantidade adequada de experimentos e observações e discute adequadamente os métodos da ciência;�� a proposta pedagógica é apresentada de maneira clara e objetiva no Manual do Profes-

sor e é consolidada coerentemente ao longo dos livros da Coleção;�� o Manual do Professor é informativo, traz farta bibliografia e indicações de atividades

adicionais que o professor poderá utilizar, a seu critério68;�� os grupos étnico -culturais e a diversidade ambiental brasileiros estão amplamente re-

presentados, de modo equilibrado e adequado;�� a Coleção não exprime preconceitos, nem induz a isso, pelo contrário, dá ênfase à

formação do aluno como cidadão participativo, ciente dos seus direitos e dos seus deveres também; e�� os conteúdos tratados na Coleção atendem plenamente as exigências do Edital do

PNLD 2010 e as sugestões dos Parâmetros Curriculares Nacionais.

Portanto, a situação é insolúvel: ao reinscrever a obra no PNLD 2013, seremos obriga-dos, sob pena de exclusão sumária, a apresentar as “correções” de acordo com o Relatório de Reprovação do PNLD 2010. Mas, como demonstramos neste capítulo, o Relatório de Reprovação aponta erros onde não há erros e, muito pior, exige mudanças de conceitos cientificamente corretos e procedimentos didático -pedagógicos adequados por conceitos comprovadamente errados e procedimentos didático -pedagógicos inadequados.

68   Além disso, o Manual do Professor é muito prático, sendo claramente diagramado, com informações capítulo a capítulo. 

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Com a palavra, o autor190

Considerações finais sobre a avaliação de Ciências no PNLD 2010

Ao concluirmos a análise dos relatórios de reprovação das nossas duas coleções de Ci-ências no PNLD 2010, concluímos que fomos vítimas de erros grosseiros na avaliação de nossas obras. Como se isso não bastasse, a maioria dos erros encontrados nos relatórios de ambas as obras são muito parecidas ou até mesmo idênticas.

A análise do Currículo Lattes dos avaliadores do PNLD 2010 que integraram a equipe de avaliação de Ciências revela que boa parte dos especialistas tem sólida formação acadê-mica e produção acadêmica respeitável. Embora a maioria deles tenha pouca ou nenhuma experiência com Ensino Fundamental, a experiência de mais de dez anos consecutivos de avaliação no âmbito do PNLD deveria ser suficiente para desenvolver mecanismos para compensar essa deficiência. Principalmente quando se considera a presença do Professor Doutor Antônio Carlos Pavão, membro há vários anos da Comissão Técnica do PNLD.

Como então explicar a presença de erros tão primários nos relatórios de reprovação de nossas obras? Será que tiramos a “sorte grande” e as nossas duas coleções “caíram” jus-tamente com os avaliadores mais incompetentes e negligentes da equipe de avaliação do PNLD 2010? O Guia de Livros Didáticos PNLD 2010 informa que a equipe de avaliação de Ciências contou com 44 avaliadores. Consequentemente, a chance de uma de nossas coleções ter sido “sorteada” com os dois avaliadores mais incompetentes da equipe é de 1 em 1.892 (1/44 para o pior avaliador, 1/43 para o segundo pior avaliador, e 1/1.892 para os dois piores simultaneamente). Todavia, como os erros são muito graves e repetem--se com elevada frequência nos relatórios das duas coleções, não podemos descartar a possibilidade de ambas as coleções terem sido avaliadas pelos mesmos avaliadores. Se isso aconteceu de fato, a probalilidade da coincidência ser fruto apenas do acaso é ínfima: isto é, 1/1.8922 ou 1 chance em 3.579.664! O leitor há de convir conosco que é uma proba-bilidade muito pequena. Mas, quem sabe, a chance de ganhar na Mega -Sena é menor e volta e meia alguém ganha, não é mesmo? Por outro lado, também devemos considerar que, talvez, não tenha sido obra do acaso. É difícil acreditar em tantos erros coincidentes. Tudo isso é muito estranho. Caro leitor, nós somos obrigados a especular porque não temos como saber quem foram os avaliadores das nossas obras. Os coordenadores não in-formam como distribuem as obras aos avaliadores e os avaliadores propriamente ditos estão protegidos pelo sigilo e não respondem por seus atos.

Por último, devemos lembrar que ao afixarem suas assinaturas nos relatórios de re-provação, os professores Studart e Pavão avalizaram os seus conteúdos e apropriaram-se tanto das suas virtudes como dos seus defeitos e ilegalidades. Os relatórios de reprovação são documentos de caráter oficial e têm o peso dos certificados emitidos por autoridade pública. Consequentemente, eles devem ser elaborados com muito zelo, pois os efeitos perversos de uma reprovação injustificada são muito graves, de difícil solução e longa permanência.

Com a palavra o autor.indb 190 20/07/2010 19:48:50

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 191

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Com a palavra o autor.indb 191 20/07/2010 19:48:50

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Com a palavra, o autor192

F I G U R A 4 . 1 Reprodução da página 122 do livro do 2o ano [imagem reduzida]

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 193

F I G U R A 4 . 2 Reprodução da página 121 do livro do 3o ano [imagem reduzida]

Com a palavra o autor.indb 193 20/07/2010 19:48:54

Page 194: Com a palavra o autor

Com a palavra, o autor194

F I G U R A 4 . 3 Reprodução da ilustração: gongo percutido

Extraído de: NUSSENZVEIG, H. M. Curso de Física Básica 2. Fluídos/Oscilações e Ondas/Calor. 4. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2004, p. 122.

F I G U R A 4 . 4 Reprodução da ilustração: frente de onda esférica

Extraído de: NUSSENZVEIG, H. M. Curso de Física Básica 2. Fluídos/Oscilações e Ondas/Calor. 4. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2004, p. 139.

F I G U R A 4 . 5 Reprodução da ilustração: porção de onda esférica

Extraído de: NUSSENZVEIG, H. M. Curso de Física Básica 2. Fluídos/Oscilações e Ondas/Calor. 4. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2004, p. 140.

Com a palavra o autor.indb 194 20/07/2010 19:48:56

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 195

F I G U R A 4 . 6 Monophyletischer Stambaum der Organismen (Árvore Monofilética dos Organismos) proposta por Haeckel e base do seu esquema de classificação.

Extraído de: HAECKEL, E. H. P. A. Generelle Morphologie der Organismen: allgemeine Grundzüge der organischen Formen-Wissenschaft, mechanisch begründet durch die von C. Darwin reformirte Decendenz-Theorie. Berlin, 1866.

Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/bc/Haeckel_arbol_bn.png.> (acesso: julho/2010).

Com a palavra o autor.indb 195 20/07/2010 19:48:57

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Com a palavra, o autor196

F I G U R A 4 . 7 Reprodução da página 44 do livro do 5o ano [imagem reduzida]

Com a palavra o autor.indb 196 20/07/2010 19:48:59

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 197

F I G U R A 4 . 8 Reprodução da página 45 do livro do 5o ano [imagem reduzida]

Com a palavra o autor.indb 197 20/07/2010 19:49:00

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Com a palavra, o autor198

F I G U R A 4 . 9 Reprodução da página 121 do livro do 5o ano [imagem reduzida]

Com a palavra o autor.indb 198 20/07/2010 19:49:02

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 199

F I G U R A 4 . 1 0 Reprodução da página 117 do livro do 5o ano [imagem reduzida]

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Com a palavra, o autor200

F I G U R A 4 . 1 1 Reprodução da página 123 do livro do 5o ano [tamanho original]

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 201

F I G U R A 4 . 1 2 Reprodução da página 123 do livro do 5o ano [tamanho original, sem redução]. Nesta ilustração nós acrescentamos um círculo perfeito (em vermelho, com o diâmetro igual ao do eixo maior da elipse) atrás da nossa representação da órbita da Terra. A mancha vermelha excedente demonstra o erro dos avaliadores do PNLD 2010. Também acrescentamos um “Sol” vermelho atrás do “Sol” da nossa ilustração, na posição central da elipse, demonstrando que na nossa ilustração o “Sol” foi representado em um dos focos da elipse. As medidas indicam a distância da “Terra” no afélio e no periélio, bem como o tamanho do eixo maior da elipse. Estas medidas são as corretas para a escala de distância da ilustração.

Posição que o Sol ocuparia se estivesse representado exatamente no centro da elipse.

Em vermelho, apresentamos o quanto teríamos de modificar a forma da órbita para representá-la como um círculo perfeito.

Eixo maior da elipse = 149,5 mm

Distância no afélio = 76,0 mm Distância no periélio = 73,5 mm

Com a palavra o autor.indb 201 20/07/2010 19:49:09

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Com a palavra, o autor202

F I G U R A 4 . 1 3 Reprodução da página 41 do livro do 5o ano [imagem reduzida]

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Capítulo 4 – O caso da Coleção Ponto de Partida Ciências 203

F I G U R A 4 . 1 4 Reprodução da página 114 do livro do 3o ano [imagem reduzida]

Com a palavra o autor.indb 203 20/07/2010 19:49:13

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Com a palavra, o autor204

F I G U R A 4 . 1 5 Reprodução da página 115 do livro do 3o ano [imagem reduzida]

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Page 205: Com a palavra o autor

CAPÍTULO

5 O caso da Coleção Projeto ALLE

A ideia de produzir um livro de alfabetização com “jei-to” de criança já nasceu com a Editora Sarandi. A leitura sempre foi fundamental em nossa produção.

Mesmo os nossos livros de Ciências apresentam uma grande quantidade de textos informativos de natureza científica, além de diversos outros gêneros como notícia, poesia, letra de música, carta ou bilhete. É óbvio que ter a leitura e o texto como uma das bases de nosso trabalho é uma necessidade decorrente do fato de escrevermos para jovens estudantes que recém -iniciam sua vida como leitores. Na nossa opinião, todos os textos que chegam até esses alunos precisam ser interessantes, bem escritos e ilustrados. Mas a nossa relação com a leitura e os textos não é apenas profissional. É também afetiva e, por assim dizer, existen-cial. Trata -se de um “credo”. A leitura confere sentido às nossas vidas e nos dá prazer. Como não oferecer bons textos nos nossos livros? Impossível. Para a escola e para o Estado, a leitura é obri-gação. Para nós, nos nossos livros, é a realização de um desejo.

Estávamos em 2003 e o MEC havia publicado o Guia de Livros Didáticos PNLD 2004. A análise das resenhas das obras incluídas no Guia confirmou a nossa hipótese sobre como de-veria ser o nosso primeiro livro de alfabetização: um livro para crianças “pequenas” que “não soubessem” ler e escrever. O leitor

Com a palavra o autor.indb 205 20/07/2010 19:49:15

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Com a palavra, o autor206

pode até achar graça dessa hipótese. Os livros de alfabetização não são para crianças? Eles não ensinam a ler e a escrever? Na nossa opinião, não. A maioria dos livros aprovados no PNLD 2004 pressupunha certo conhecimento sobre o sistema de escrita, ou seja, exigia um aluno praticamente alfabetizado. Até mesmo as obras mais tradicionais, focadas na alfabetização a partir do estudo das sílabas, apresentavam atividades complexas que difi-cilmente ajudariam os alunos não alfabetizados a avançar em seus conhecimentos. Isso é compreensível. Afinal, naquela ocasião, o PNLD adquiria os livros de alfabetização de for-ma complementar aos livros de Língua Portuguesa. Esse tipo de livro era solicitado apenas por aqueles professores da antiga 1ª série que julgavam necessário reforçar o trabalho de alfabetização, já que seus alunos ainda teriam “dificuldades” na leitura e na escrita. Havia uma certa expectativa entre muitos professores e, de certa forma, entre os próprios técnicos do MEC, de que os alunos ingressantes no Ensino Fundamental já estivessem alfabetiza-dos (apesar da Educação Infantil nunca ter sido obrigatória em nosso país). Expectativa que, quando confrontada com os fatos da realidade, não era e ainda não é, de modo al-gum, confirmada.

Além de pressuporem um aluno já iniciado na leitura e na escrita, pudemos concluir que os livros de alfabetização presentes no Guia de 2004 – de forma geral, pois não tive-mos acesso físico a todos eles – tinham muita informação visual, o que “roubava” espaço para o registro do aluno (os livros de alfabetização sempre foram adquiridos pelo governo na sua forma “consumível”, ou seja, com espaços para o aluno escrever, responder aos exer-cícios e até desenhar). Era evidente que o projeto gráfico desses livros, do ponto de vista editorial, não havia sido concebido para a criança de 6 ou 7 anos. Os livros reservavam áreas reduzidas para a escrita, por exemplo. A caligrafia das crianças dessa idade geralmente resulta em letras de traçado amplo e irregular. O seu registro escrito, portanto, não poderia jamais “caber” nas diminutas linhas do livro didático. O nosso livro teria de considerar esse aspecto na sua programação visual.

Outra característica daqueles livros de alfabetização de 2004 era a grande quantidade de informações escritas. Em meio a tantos comandos, explicações, textos curtos e lon-gos – todos eles escritos com a mesma tipologia de letra –, como as crianças poderiam adivinhar o que realmente era para ser lido? O aluno em fase de alfabetização tem pouca ou nenhuma autonomia para ler e, principalmente, nem tudo o que está escrito no livro de alfabetização serve para ele aprender a ler (muitas informações são, por exemplo, para o professor). Para os pesquisadores interessados no tema da alfabetização, fica aqui a dica: investigar as mudanças na tipologia das letras empregada no projeto gráfico dos livros di-dáticos de alfabetização aprovados no PNLD desde a segunda metade da década de 1990. Com a presença de teorias de natureza construtivista norteando os documentos oficiais do MEC, surgiu no meio editorial um verdadeiro “folclore do livro didático”. Uma das lendas entre os editores alegava que os livros de alfabetização só seriam aprovados no PNLD se estivessem impressos inteiramente em “caixa alta” – o que torna o livro confuso visualmen-te até mesmo para o mais experiente dos leitores. Em tempo: os editais de Língua Portu-guesa e de Alfabetização nunca apresentaram exigências específicas quanto à tipologia a ser empregada nos livros de alfabetização.

Com a palavra o autor.indb 206 20/07/2010 19:49:15

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Capítulo 5 – O caso da Coleção Projeto ALLE 207

Era preciso, na nossa opinião, conceber um livro no qual o projeto gráfico estivesse realmente a serviço das capacidades do aluno e a serviço da aprendizagem. Essas deter-minações eram acompanhadas pelo desejo de transformar em material impresso o nosso trabalho de alfabetização desenvolvido ao longo de mais de 15 anos em sala de aula e em cursos de formação de professores – experiência que, inclusive, foi base para a elaboração do documento de Língua Portuguesa dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) e para o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA), todos documentos oficiais do MEC.

Assim surgiu o livro Ponto de Partida – Alfabetização, cuja elaboração contou com a participação de duas pedagogas com experiência em classes de alfabetização, uma ilustra-dora e a assessoria técnica de especialista em Língua Portuguesa. Acreditamos que tenha sido o primeiro livro didático produzido no Brasil a incorporar o ilustrador como autor, recebendo direitos autorais em percentuais iguais aos dos autores do texto. Trata -se de uma inovação decorrente da necessidade de criar uma programação visual que atendesse efeti-vamente às necessidades do aluno em fase de alfabetização, com o máximo de consonância entre o conteúdo didático e a proposição gráfica do material.

O livro Ponto de Partida – Alfabetização era destinado à antiga 1ª série (atual 2º ano do Ensino Fundamental), composto por 192 páginas de textos e atividades para o aluno e 64 páginas com informações teóricas e práticas para o professor. Foi inscrito e aprovado no PNLD 2007. A avaliação do componente Alfabetização, como nos PNLD anterio-res, foi realizada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pelo Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (CEALE) dessa mesma universidade, sob a coordenação das professoras Roxane Helena Rodrigues Rojo (UNICAMP – CEALE), Aparecida Paiva (UFMG – CEALE) e Maria da Graça Costa Val (UFMG – CEALE). Sua resenha no Guia do Livro Didático 2007: Alfabetização trazia comentários elogiosos e algumas críticas, é claro. Dentre essas últimas, destacava -se a necessidade de se ampliar o número de gêneros textuais abordados no livro e também aprofundar as informações teóricas do Manual do Professor. A crítica foi pertinente. Produzimos o livro em pouquíssimo tempo e também queríamos ampliar o Manual do Professor. Quanto à seleção de textos, nossa intenção inicial era a de abordar prioritariamente textos da tradição oral, como as parlendas, as adivinhas e as cantigas – por exemplo. Mas, se o MEC solicitava uma mudança nessa proposta, não havia problema. Mudaríamos o livro para melhor atender o nosso principal e único cliente: o PNLD.

Sucesso na aprovação, sucesso nas vendas. O Guia do PNLD 2007 trazia 47 obras para os professores escolherem. É uma quantidade enorme de livros para serem analisados no pouquíssimo tempo de que dispõem para fazer suas opções (pouco mais de um mês, de forma geral). As editoras do Grupo Abril (Ática e Scipione) ofereciam nada mais nada menos do que 10 livros para escolha do professor. A mesma quantia também era ofertada pela Editora Saraiva, seguida pela FTD, com 7 livros. É um volume muito grande de obras, até mesmo para um pesquisador em seu doutorado! Por sinal, vale a pena investigar quantas teses acadêmicas analisam essa quantidade de livros em seu escopo de trabalho. Acreditamos que bem poucas… De qualquer forma, a Editora Sarandi vendeu cerca de

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Com a palavra, o autor208

167 mil exemplares do livro de Alfabetização para o FNDE no PNLD 2007. Naquele ano, o FNDE adquiriu mais de 86 milhões de livros didáticos para o alunado dos primeiros anos do Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries) gastando cerca de 375 milhões de reais. Só de Alfabetização, foram adquiridos cerca de 4,4 milhões de livros. Fica evidente, portan-to, que a participação da Sarandi nas vendas para o governo em 2007 foi modesta – mas correspondeu exatamente às nossas expectativas iniciais. Nosso objetivo, enquanto empre-sários do mercado editorial, sempre foi ser “pequeno”, mas com qualidade.

Interessante destacar que, embora nossa participação tenha sido de apenas 3,7% no total das obras adquiridas pelo FNDE na área de Alfabetização, nosso livro ficou em 6º lu-gar na escolha dos professores. Para nós, isso foi muito importante. Sobretudo porque as coleções que ficaram à nossa frente na preferência dos docentes eram “tradicionais”, ou seja, eram obras que privilegiavam apropriação do sistema de escrita com foco na análise da estrutura silábica das palavras. Assim, para aqueles professores que buscavam obras que atendessem às diretrizes dos documentos oficiais (PCN e PROFA, principalmente), nosso livro foi muito bem recebido. Ficamos em 1º lugar no quesito “atualização pedagógica” – o que foi motivo de muito orgulho para nós. A Tabela 5.1 apresentada a seguir traz o ranking das dez primeiras editoras/coleções escolhidas pelos professores no PNLD 2007. Juntas, essas editoras venderam mais de 3 milhões de livros de Alfabetização, o que corresponde a cerca de 75% do total de exemplares adquiridos pelo FNDE nesse componente curricular.

TA B E L A 5 . 1 PNLD 2007: Ranking dos livros de Alfabetização

Coleção Editora N° exemplares vendidos

Porta Aberta FTD 1.476.428

Todas as Letras Saraiva 442.069

Alegria de Saber Scipione 374.805

Linhas & Entrelinhas Positivo 212.587

Primeiros Textos FTD 182.643

Ponto de Partida Sarandi 167.130

Conhecer e Crescer Escala 139.356

De Olho nas Palavras FTD 103.207

Uma Proposta para o Letramento Moderna 102.236

Série Brasil Ática 94.047

Fonte: FNDE. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/index.php/pnld -dados -estatisticos> (acesso: maio/2010).

A avaliação e a escolha dos livros didáticos no PNLD ocorre de três em três anos1. Entre um programa e outro, autores, editores e preparadores de texto concentram -se em revisar, melhorar e, sempre que possível e necessário, incorporar as críticas da avaliação do PNLD.

1   Para saber mais sobre o funcionamento do PNLD, ver Capítulo 1.

Com a palavra o autor.indb 208 20/07/2010 19:49:15

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Capítulo 5 – O caso da Coleção Projeto ALLE 209

Foi o que fizemos entre os anos de 2006 e 2008. Mas houve um agravante naquele perío-do: a partir de 2010, pela LDB, o Ensino Fundamental passaria a ser obrigatoriamente de 9 anos, incorporando o alunado de 6 anos que, até então, frequentava a última turma da Educação Infantil (a antiga turma do “pré”). Esses alunos receberiam livros didáticos? De quais áreas? Qual tratamento deveria ser dado ao conteúdo desses livros, mais próximo da Educação Infantil ou do Ensino Fundamental? Os técnicos da SEB ainda não tinham res-postas para dar à sociedade, de forma geral, e aos autores e editores de livros, em particular.

Apesar do Ensino Fundamental de 9 anos estar previsto desde a década de 1990, foi somente em 2009 que a SEB publicou as primeiras orientações oficiais sobre a implemen-tação dessa obrigatoriedade – quase um ano depois da entrega dos livros para a avaliação do PNLD 2010. No meio editorial, a ausência de informação representou um hiato na produção dos livros: mais de dois anos sem orientações sobre como deveriam ser o livro de alfabetização e os demais livros destinados aos anos iniciais do Ensino Fundamental. É verdade que entre os meses de março e abril de 2008 o Edital do PNLD 2010 foi divulga-do, apresentando algumas informações gerais sobre a proposta de ensino que a SEB espe-rava encontrar nos livros de alfabetização. Como as informações teóricas e metodológicas presentes nos editais são superficiais e genéricas2, é sempre muito difícil para o autor de livro didático saber o que exatamente a SEB deseja encontrar nos livros adquiridos pelo PNLD. Importante destacar que as informações entre um edital e outro variam muito pouco, concentrando -se mais em aspectos estilísticos do texto (tempo verbal, por exem-plo) do que em conteúdos didáticos ou teóricos. No Edital do PNLD 2010, por exemplo, esperávamos encontrar dados relacionados ao novo componente curricular “Letramento e Alfabetização Linguística”. Mas, para nosso imenso espanto, sequer o nome desse compo-nente foi mencionado na parte específica do Edital relacionada à aprendizagem da leitura e da escrita, que continuou sendo denominada apenas como “Língua Portuguesa”. É claro, o edital trazia algumas informações bem práticas e categóricas, tais como: 1) seriam adquiri-dos dois livros de alfabetização destinados aos dois primeiros anos do Ensino Fundamental (os antigos livros de alfabetização da 1ª série estavam, portanto, descartados); 2) autores e editores tinham apenas quatro meses para planejar, escrever e editar esses dois novos livros, uma vez que o prazo para entrega dos bonecos estava previsto para junho.

O nosso livro de alfabetização já considerava o aluno de 6 anos. Nosso desafio, portan-to, não era o mesmo de muitos autores, que tiveram de planejar novas propostas de ensino e produzir novos livros. Tínhamos, principalmente, de decidir se mantínhamos ou não a nossa proposta de trabalho com o sistema de escrita, a ênfase nos textos da tradição oral e, sobretudo, a forte relação entre as atividades de leitura e de escrita com a rotina escolar da criança pequena. A decisão foi mantida, considerando a indicação da avaliação anterior (expressa na resenha do Guia do Livro Didático 2007) de se ampliar a quantidade de gêne-ros tratados – o que ocorreu de forma tranquila, pois agora tínhamos o dobro de páginas no Livro do Aluno para escrever. Para o autor de livro didático, quanto maior o número de páginas de sua obra, mais fácil é a sua produção.

2   Sobre o caráter genérico e vago dos editais e suas consequências negativas na avaliação, ver Capítulos 2 e 7.

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Com a palavra, o autor210

O livro Ponto de Partida – Alfabetização transformou -se, assim, na Coleção Projeto ALLE Letramento e Alfabetização Linguística, composta por dois volumes, cada qual contendo 160 páginas no Livro do Aluno e mais 80 páginas específicas para o Manual do Professor. No total, a Coleção passou a ter 480 páginas. O Projeto ALLE manteve as atividades de análise e reflexão sobre o sistema de escrita que tanto ajudam a criança a am-pliar seus conhecimentos sobre as letras do alfabeto e a relação entre fonemas e grafemas (sons e letras) e reforçou as atividades de leitura e de escrita relacionadas ao dia a dia da criança (produção de crachá, etiquetas, agenda de aniversário, convite, bilhete, livro de cantigas e parlendas). O Manual do Professor foi ampliado. Acreditamos que poucos livros incluídos no Guia de Livros Didáticos – Letramento e Alfabetização PNLD 2010 trazem as referências conceituais de forma tão clara e contundente. Também afirmamos, de forma veemente, que pouquíssimas obras incluídas no Guia do PNLD 2010 reservam 80 páginas apenas para o Manual do Professor (na prática, são 160 páginas, pois cada volume tem o seu próprio manual). Geralmente os editores limitam o número de páginas do Manual do Professor a 48/64 páginas. Manuais extensos implicam em custos mais altos na etapa da propaganda, quando o FNDE permite apenas a distribuição gratuita dos volumes desti-nados ao professor.

Inscrevemos a Coleção Projeto ALLE no PNLD 2010. A avaliação continuava sob a tutela das mesmas instituições (UFMG e CEALE), mas agora sob a coordenação do Professor Egon de Oliveira Rangel (PUC) e das professoras Francisca Izabel Pereira Ma-ciel (UFMG – CEALE), Ceris Salete Ribas da Silva (UFMG – CEALE), Cecília Maria Aldigueri Goulart (UFF), Eliana Borges Correia de Albuquerque (UFPE) e Maria Lúcia Castanheira (UNICAMP – CEALE). O Guia de Livros Didáticos PNLD 2010 apresentou 19 coleções para escolha do professor. Como já havia ocorrido no programa anterior, as editoras do Grupo Abril aprovaram um maior número de obras: cinco coleções; seguidas pela Editora Saraiva, com quatro coleções e pela Editora FTD, três coleções.

Embora a redução do número de obras incluídas no Guia do PNLD 2010 (19 coleções contra as 47 obras do PNLD 2007) tenha facilitado o trabalho de análise e escolha de professores, coordenadores e técnicos das secretarias de ensino, há que se questionar sobre o destino das obras que foram excluídas desse programa (dentre elas, a Coleção Projeto ALLE). Afinal, a redução do número de obras no Guia de 2010 necessariamente decorre da redução do número de obras aprovadas.

O estudo pormenorizado dos autores, das coleções e das editoras participantes dos programas de 2007 e de 2010, revela que apenas 12 das 47 coleções que participaram do PNLD 2007 foram aprovadas no programa seguinte, em 2010. É fácil constatar que, entre um programa e outro, 35 obras simplesmente “deixaram de existir”, o que só pode ter ocorrido por dois motivos: ou elas não foram inscritas no PNLD 2010 ou elas foram reprovadas e excluídas desse programa pelos avaliadores do PNLD 2010.

Na prática, foram eliminadas 75% das obras que os professores tiveram de ler, ana-lisar, escolher e, posteriormente, utilizar com seus alunos ao longo de três anos. Trata -se de um percentual muito alto, sobretudo porque o Edital do PNLD 2010 não apresenta mudanças significativas com relação ao Edital do PNLD 2007. O fato é agravado pela

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Capítulo 5 – O caso da Coleção Projeto ALLE 211

constatação que, dentre as dez obras mais escolhidas pelos professores em 2007, apenas quatro permaneceram em 2010 (ver o ranking com as obras mais escolhidas em 2010 na Tabela  5.2). O que aconteceu com as outras seis coleções preferidas pelos professores? Simplesmente desapareceram e os professores não puderam mais utilizá -las.

TA B E L A 5 . 2 PNLD 2010: Ranking dos livros de Alfabetização

Coleção Editora N° de exemplares vendidos

Porta Aberta FTD 2.223.094

Projeto Prosa Saraiva 907.603

A Escola é Nossa Scipione 452.354

Conhecer e Crescer Escala 545.832

Aprendendo Sempre Ática 518.498

Hoje é Dia de Português Positivo 503.223

L.E.R. – Leitura, Escrita e Reflexão FTD 431.261

Vivenciando a Linguagem Base 318.700

Infância Feliz Escala 237.910

A Aventura da Linguagem Dimensão 190.898

A Grande Aventura FTD 183.409

Linhas e Entrelinhas Positivo 180.912

Novo Bem -Me -Quer Editora do Brasil 103.268

Pensar e Viver Ática 95.357

Português – Linguagens Saraiva 59.131

Alfaletra Ática 32.054

Leitura, Expressão, Participação Saraiva 23.459

Língua e Linguagem Saraiva 15.841

Construindo a Escrita Ática 13.847

Fonte: FNDE. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/index.php/pnld -dados -estatisticos> (acesso: maio/2010).

Durante três anos, o FNDE gastou mais de 13 milhões de reais para adquirir cerca de 3 milhões de exemplares de livros que foram usados por mais de 3 milhões de alunos e cerca de 80 mil professores… Dados que estão relacionados apenas às 35 obras do PNLD 2007 que simplesmente “desapareceram” do PNLD 20103. Há que se concordar que os números do PNLD não são pequenos e que qualquer alteração drástica – na forma de redução ou de aumento do número de coleções presentes no Guia – precisa ser muito bem justificada pelos gestores do programa. Essa satisfação é necessária, em primeiro lugar, aos professores que, com frequência cada vez maior, têm suas escolhas cerceadas pela falta de consistência

3   Valores aproximados calculados com base nos dados divulgados pelo FNDE. O total gasto com a compra dos livros foi calculado considerando o valor médio do livro pago pelo FNDE em 2007 (R$ 4,50).

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Com a palavra, o autor212

da avaliação da SEB4 (não é à toa que os índices de adesão ao PNLD vêm diminuindo e que os programas de fornecimento de livros/capacitação de professores de instituições pri-vadas, não governamentais e até mesmo do poder público local ganham o espaço até então ocupado pelo livro didático do PNLD). Em segundo lugar (mas não menos importante), essa satisfação é devida aos autores dos livros didáticos que veem seus livros descartados e seu trabalho intelectual difamado pelos avaliadores. A eliminação de uma obra do PNLD traz consequências terríveis para seus autores, que não se limitam à perda de remuneração. Não que esse fato deva ser motivo de preocupação por parte dos gestores públicos, mas, se eles mesmos condenam a condição de “mercadoria” que a maior parte das editoras confere a esse instrumento do ensino e da aprendizagem, como podem contratar “especialistas” que adotam a mesma visão da maior parte dos empresários do meio editorial?

A única justificativa real para eliminar uma obra aprovada anteriormente no PNLD é a mudança radical nos critérios da avaliação. Nós estudamos profundamente os editais de 2004, 2007 e 2010 e não encontramos alterações profundas, estruturais, conceituais ou didáticas em suas demandas. Os termos dos editais de 2007 e 2010 são, inclusive, bastante semelhantes. Caso algum “especialista” discorde dessa afirmação, nós o desafiamos gentil-mente a comprovar sua posição contrária com base nos fatos presentes nos editais desses programas.

Uma vez que não houve alteração significativa, a exclusão de obra aprovada anteriormente só se justifica por uma das duas alternativas: ou erraram os avaliadores do programa anterior ou o erro é dos avaliadores da última avaliação. Erro, imperícia ou má -fé. Não sabemos. O fato de haver mais de 20 obras aprovadas anteriormente5 e agora reprovadas no PNLD 2010 indica que foram os avaliadores de 2010 que mudaram de opinião, à revelia dos termos do edital. Sim, caro leitor, veja só: no PNLD 2010 foram inscritas e entregues 63 coleções de alfabetização. Cinco delas foram excluídas logo na etapa da triagem e as restantes, 58 obras que totalizam 116 livros do aluno e 116 livros do professor, foram encaminhadas para a ava-liação pedagógica. Dessas 58 coleções, pelo menos 20 já haviam sido aprovadas na avaliação anterior – o que corresponde à quase metade do programa, certo?! Por que a equipe da avalia-ção do componente Alfabetização (gerida pelas mesmas instituições e pela mesma equipe de coordenação) mudou de ideia e passou a julgá -las como inadequadas? Se não houve alteração nos critérios da avaliação, como justificar essa eliminação em massa?

Não sabemos o que ocorreu com as 20 coleções aprovadas em 2007 e agora reprovadas no PNLD 2010. Não temos notícia do teor dos argumentos de sua exclusão, a opinião dos autores sobre esses argumentos e tampouco o destino dado a essas obras por seus editores. Nós analisamos e refutamos as conclusões do Relatório de Reprovação da Coleção Pro-jeto ALLE. Estudamos com afinco o Edital do PNLD 2010 e o Guia de Livros Didáticos PNLD 2010 – Letramento e Alfabetização, contando com amplo apoio da Editora Sarandi.

4   É fundamental que o leitor compreenda que, embora o PNLD seja gerenciado pelo FNDE, a avaliação didática e conceitual dos  livros é de responsabilidade da SEB, que se encarrega de contratar as  instituições responsáveis pela seleção dos avaliadores e pela elaboração dos critérios da avaliação. Capítulos 1, 2 e 7.

5   Fonte: COGEAM/SEB/MEC. Quantitativos iniciais calculados com base em estudo comparativo dos dados numéri-cos dos PNLD 2007 e 2010.

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Capítulo 5 – O caso da Coleção Projeto ALLE 213

A nossa conclusão veemente é que não podemos aceitar a exclusão dessa obra pelo fato de os avaliadores do PNLD 2010:

�� incorrerem em ilegalidades ao analisar a obra caracterizada;�� omitirem os argumentos e os fatos nos quais fundamentaram a alegação de que a Cole-

ção incorre em todos os critérios de reprovação expostos no edital do PNLD 2010;�� não corroborarem seus argumentos com fatos concretos da obra;�� usarem pequenos trechos da obra para forjar exemplificações na tentativa de corroborar

suas críticas. Tais exemplos, quando confrontados com os originais, revelam -se falsos;�� omitirem e/ou adulterarem as informações do Livro do Aluno e do Manual do Profes-

sor, demonstrando desconhecer ou desconsiderar as informações neles contidas e a neces-sidade de se avaliar conjuntamente o Livro do Aluno e o Manual do Professor;�� errarem na análise do conteúdo dos exemplos citados em sua argumentação;�� incorrerem em erro de fato em suas análises, tanto do ponto de vista qualitativo como

quantitativo;�� utilizarem argumentos que não têm respaldo legal no Edital do PNLD 2010;�� criarem critérios próprios, estranhos ao Edital do PNLD 2010, para reprovar a Coleção;�� ignorarem as especificações do Edital e usarem argumentos que contrariam e afrontam

diretamente suas diretrizes; �� apresentarem argumentos contraditórios à avaliação do PNLD 2007, contrariando

uma clara determinação do PNLD 2010 e colocando em risco a consistência de todo o Programa Nacional do Livro Didático;�� eximirem -se da tarefa de justificar seus argumentos com fatos da obra, dados do Edital

do PNLD 2010 e também com bibliografia especializada, recorrendo a uma retórica gené-rica e sem correlação objetiva com as atividades e os textos apresentados no Livro do Aluno e no Manual do Professor. Suas asserções genéricas e subjetivas transformam a avaliação do PNLD em mera opinião; e�� ignorarem o fato de o Edital do PNLD 2010 resguardar o direito dos autores de faze-

rem suas opções metodológicas e didáticas justamente por não trazer especificações pon-tuais em suas diretrizes, conferindo ampla liberdade aos autores dos livros de alfabetização, tanto em termos quantitativos como qualitativos.

É importante destacar ainda que, no Relatório de Reprovação, os avaliadores do PNLD 2010 fizeram 189 citações extraídas da Coleção Projeto ALLE com a intenção de corrobo-rar suas alegações. Entretanto, a análise do real conteúdo dessas citações e das informações contidas nas páginas do Manual do Professor mencionadas pelos avaliadores, mostra que eles erraram em suas exemplificações. No documento de contestação elaborado pelas au-toras com apoio da Editora Sarandi, entregue aos nossos advogados, foram apresentadas as imperícias, negligências e/ou erros cometidos pelos avaliadores em 182 citações, o que corresponde a mais de 96% dos casos – percentual extremamente elevado. Isso, descon-siderando o fato de que quatro, das sete páginas não mencionadas nesse documento, são citadas pelos avaliadores como exemplos positivos de aspectos que eles julgaram corres-ponder às suas premissas e critérios.

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Esse dado quantitativo é extremamente relevante, pois indica que os avaliadores do PNLD 2010 não fizeram uma análise minuciosa e correta da nossa obra no Relatório de Reprovação. Pelo contrário: eximiram -se desse trabalho sob a alegação de que não é sua tarefa apresentar todas as inconsistências das obras que avaliam, mas apenas enumerar al-guns fatores que os levam à exclusão das mesmas. Ao contrário dos avaliadores do PNLD 2010, nós nos preocupamos em verificar exaustivamente todas as passagens do Relatório de Reprovação, sobretudo suas exemplificações. Ora, a conclusão a que chegamos é que quase a totalidade da enumeração feita pelos avaliadores sobre os fatores que os levaram à reprovação da Coleção Projeto ALLE apresenta omissões, adulterações, erros e/ou incon-sistências e contradições! Logo, o Relatório de Reprovação da Coleção não é corroborado com fatos concretos, o que torna a crítica infundada. Pior: conclui -se que, na realidade, a obra não se enquadra em nenhum critério de exclusão definido pelo Edital do PNLD 2010 e que os avaliadores do PNLD 2010, por imperícia ou má -fé, adulteraram a obra e recorreram a critérios próprios para intencionalmente excluir a obra do PNLD 2010 e também dos próximos PNLD. Afinal, poderemos corrigir os livros, se os erros/falhas apontados pelos avaliadores não existem nos nossos livros reprovados? Mais grave ainda: devemos incorporar na obra elementos quantitativos e indicações teórico -metodológicas que não foram especificadas no edital? Em caso afirmativo, qual a garantia de que, no próximo PNLD, os avaliadores não recorrerão ao mesmo estratagema de avaliar segundo critérios próprios, não especificados no edital, e reprovar novamente a nossa obra? Essa situação é insustentável do ponto de vista legal e ético.

Apresentamos na sequência uma série de fatos que comprovam as irregularidades pre-sentes no Relatório de Reprovação da Coleção Projeto ALLE. No documento que elabo-ramos com o objetivo de contestar a análise dos avaliadores do PNLD 2010, analisamos parágrafo por parágrafo e todos os exemplos citados como fatos comprobatórios de sua argumentação. Esse estudo pormenorizado resultou em um relatório com mais de 120 páginas. Para poupar o nosso paciente leitor, trabalharemos apenas alguns deles neste ca-pítulo. Quem sabe assim conseguimos poupá -lo também da exacerbação do nosso infortú-nio. Mas aquele leitor curioso e ávido por justiça poderá se inteirar da totalidade da nossa análise6.

Os avaliadores não apresentam os motivos da reprovação

Os avaliadores do PNLD 2010, no Relatório de Reprovação, afirmam que a Coleção Projeto ALLE foi excluída do Guia de Livros Didáticos PNLD 2010 por manifestar proble-

6   Os leitores interessados em conhecer a totalidade da refutação dos termos do Relatório de Reprovação da Cole-ção Projeto ALLE deverão encaminhar carta à Editora Sarandi com sua identificação, sua afiliação profissional e uma breve exposição do seu interesse no assunto. 

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Capítulo 5 – O caso da Coleção Projeto ALLE 215

mas em todos os critérios de exclusão descritos nas páginas iniciais do próprio relatório e também expostos no Edital do PNLD 2010. São eles:

1. Coerência e adequação metodológicas.

2. Respeito às especificidades do Manual do Professor.

3. Adequação da estrutura editorial e dos aspectos gráfico ­editoriais.

4. Correção dos conceitos e informações básicos.

5. Observância de preceitos éticos, legais e jurídicos.7

Os avaliadores do PNLD 2010, porém, iniciam o Relatório de Reprovação afirmando no 1º parágrafo da página 6 que:

Sem prejuízo de outras qualidades, a coleção em análise manifestou um

conjunto de problemas relacionados aos critérios descritos na seção

anterior [do relatório] que justificam sua exclusão. Os problemas cons­

tatados serão analisados a seguir, estando concentrados no primeiro

conjunto de critérios centrais desta avaliação: coerência e adequação

metodológicas.8

Assim, logo no primeiro parágrafo do Relatório, os avaliadores do PNLD 2010 afir-mam que não explicarão os motivos pelos quais reprovaram a Coleção Projeto ALLE por desrespeitar as especificidades do Manual do Professor, por ser inadequada em sua estrutu-ra editorial e gráfica, por apresentar erros conceituais e desrespeitar preceitos éticos, legais e jurídicos. Ao assumir que apresentarão apenas “os problemas constatados [...] con­centrados no primeiro conjunto de critérios centrais desta avaliação: coe­

rência e adequação metodológicas”, os avaliadores não expõem, não tornam público e passível de contestação (contraditório) os argumentos da reprovação da obra em quatro dos cinco critérios que excluíram a Coleção Projeto ALLE do PNLD 2010!

Na posição de “especialistas” (peritos), com o poder discricionário que essa posição lhes confere, os avaliadores do PNLD 2010 poderiam até alegar dispensa para discorrer sobre todos os critérios de exclusão presentes no Edital do PNLD 2010. Entretanto, é funda-mental destacar que o edital não apresenta o critério “coerência e adequação metodoló­gicas” como central, em detrimento dos demais critérios. Ao optar por apresentar apenas alguns argumentos (e não todos eles), os avaliadores impedem as autoras da Coleção de conhecer, analisar e contestar a veracidade, a perícia, os fundamentos e a consistência da reprovação e da exclusão de sua obra do Guia de Livros Didáticos PLND 2010 – Letramento e Alfabetização. Assim, é preciso questionar os avaliadores.

7   UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Projeto ALLE. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, pp. 1 -5. A versão integral desse documento, em reprodução fac -símile, encontra -se na seção Anexos ao fi nal do livro.

8   Ibidem, p. 6. [grifos nossos].

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�� Quais passagens da Coleção Projeto ALLE ferem os preceitos éticos, legais e jurídicos definidos no Edital do PNLD 2010? Os avaliadores não apresentam trechos da obra e fazem uma grave acusação aos livros e às autoras sem fundamentá -la com fatos concretos!�� Quais são as informações e/ou conceitos apresentados na Coleção de forma equivo-

cada? Os avaliadores do PNLD 2010 não listam os erros da obra e, mais uma vez, fazem uma acusação sem comprová -la! Além disso, entram em contradição com a avaliação do PNLD 2007, na qual não há menção quanto à presença de erros conceituais ou de informação.�� Em que medida a estrutura editorial e os aspectos gráfico -editoriais da obra são inade-

quados? Os avaliadores não explicam por que reprovaram a Coleção nesse quesito, tam-pouco indicam trechos da obra que justifiquem essa reprovação ou demonstrem que a obra recorre a elementos gráficos proibidos pelo Edital do PNLD 2010. Pior: incorrem em contradição com a avaliação do PNLD 2007, cuja resenha apresenta elogios ao proje-to gráfico da obra (o mesmo projeto dos livros apresentados ao MEC em 2010): “o livro apresenta aspectos gráfico -editoriais bastante adequados. O sumário é funcional e, ao longo das atividades presentes no livro, aparecem recursos diferenciados, tais como ícones, letras e cores diferentes, que facilitam a localização do que se pretende por parte dos alunos” 9. Como justificar essa contradição sabendo que o texto do Edital do PNLD 2010 é praticamente o mesmo do Edital do PNLD 2007? Como justificar essa contradição, se o projeto gráfico e as ilustrações atuais da Coleção, elaborados pelas próprias autoras, são os mesmos da edição do PNLD 2007? Os avaliadores do PNLD 2010 não apresentam fatos concretos para justificar a opinião contrária à avaliação anterior!�� Por que a Coleção foi reprovada no quesito “respeito às especificidades do Ma­

nual do Professor”? Os avaliadores não indicam a presença, nos manuais da obra, de elementos proibidos pelo Edital do PNLD 2010. Mais uma vez, eles entram em contradi-ção com a avaliação do PNLD 2007, na qual os avaliadores, apesar de solicitar a ampliação das informações teóricas (o que foi plenamente atendido na reformulação da obra), elo-giam o Manual do Professor por “orientar as atividades a serem desenvolvidas e os objetivos a serem alcançados. Sugere intervenções dos professores, diante das respostas dos alunos, e algumas atividades para serem realizadas extraclasse. Oferece ainda sugestões de leituras complementares para o professor, indicando que nelas estão presentes os seus pressupostos”10. Como justificar essa contradição com a avaliação precedente, se as exigências de ambos os editais (2007 e 2010) são praticamente as mesmas? O Manual do Professor da nova edição foi ampliado e melhorado conforme as solicitações indicadas na avaliação anterior. Os avaliadores des-consideraram essa ampliação? Em nenhuma passagem do Relatório de Reprovação encon-tramos informações que explicassem essa contradição.

Importante destacar que o próprio Edital do PNLD 2010 aponta a relevância das ava-liações anteriores na avaliação pedagógica realizada em seu escopo:

9   BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Guia do Livro Didático 2007: alfabetização. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006, p. 38. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/index.php/pnld -guia--do -livro -didatico> (acesso: jun/2010). [grifos nossos].

10   Ibidem, p. 38. [grifos nossos].

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Capítulo 5 – O caso da Coleção Projeto ALLE 217

A Secretaria de Educação Básica – SEB realizará a pré -análise das obras inscritas que se enquadrarem no item 3 deste Edital, bem como procederá à avaliação de seu conteúdo pedagógico, obedecendo aos princípios e critérios estabelecidos no Anexo IX deste Edital, com base nas experiências acumuladas na avaliação dos livros didáticos destinados aos anos iniciais do ensino fundamental inscritos nos PNLDs anteriores.11

Logo, os avaliadores do PNLD 2010 afrontam claramente o próprio edital ao desconsi-derar e contrariar a avaliação anterior da obra! Essa atitude dos avaliadores de: 1) reprovar uma obra sem justificar, explicar ou apresentar fatos que corroborem suas críticas; e 2) apresentar contradição com relação à avaliação do PNLD 2007 indica que eles, na avalia-ção da Coleção Projeto ALLE, extrapolaram as funções que lhes foram outorgadas pelo Programa Nacional de Livros Didáticos, seja a de verificar se as diretrizes do edital foram contempladas nas obras nele inscritas ou a de tornar público aos autores e aos editores dessas obras as eventuais falhas ou incorreções em seu trabalho.

Em uma sociedade democrática, a ausência da comunicação/publicação da avaliação de um edital pode ser interpretada como uma censura – o que é inadmissível! Censura aos autores de livro didático em suas práticas de elaborar propostas criativas e singulares; censura às editoras de participar do PNLD com obras diferenciadas, conforme estabelece o princípio básico da livre participação; e censura aos professores das escolas públicas de escolherem livremente os materiais didáticos mais adequados às suas realidades, conforme estabelecido no artigo 24 do Decreto nº 7.084/2010.

A censura dos avaliadores do PNLD 2010 à Coleção Projeto ALLE é de tal magni-tude que não se restringe à sua eliminação do PNLD 2010. Ao alegar que a Coleção foi reprovada por incorrer em todos os critérios do edital e eximir -se da tarefa de tipi-ficar os problemas da obra, localizá -los precisamente nos livros, demonstrar e justificar claramente a relação entre o real conteúdo da obra e os critérios expressos no edital, os avaliadores negam o direito das autoras de rever/corrigir sua obra e impedem que a obra participe dos próximos programas. Afinal, como determina o Edital do PNLD 2010, fato regulamentado posteriormente pelo artigo 18 do Decreto nº 7.084/2010, a inscrição de uma obra excluída só pode ser feita mediante apresentação de “ficha de correção” na qual os autores/editores devem comprovar as reformulações decorrentes da avaliação “sob pena de incidir no item de exclusão sumária, além das eventuais penali-dades cíveis e penais cabíveis” 12.

Ora, os avaliadores do PNLD 2010 não informaram os problemas e tampouco se de-ram ao trabalho de localizá -los nos livros. Como corrigir os erros conceituais dos livros, se os avaliadores não disseram quais são eles e tampouco em quais páginas eles se encontram? Quais aspectos do projeto gráfico precisam ser melhorados/corrigidos para que a obra não seja novamente reprovada? Quais são as falhas do Manual do Professor que os avaliado-

11   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Edital de convocação para inscrição no processo de avaliação e seleção de obras didáticas a serem incluídas no Guia de Livros Didáticos de 1º ao 5º ano do PNLD 2010. Brasília: Diário Oficial da União, 27/abr/2009, p. 8. Disponível em: <www.observatoriolivrodidatico.com.br> (acesso: jul/2010). [grifos nossos].

12   Ibidem, p. 6.

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Com a palavra, o autor218

res acham que devem ser corrigidas/ampliadas? Quais foram os preceitos éticos, legais e jurídicos que a Coleção feriu? Em quais trechos dos livros eles estão? Os avaliadores não localizam, não descrevem, não explicam! Ficam, então, as autoras obrigadas a corrigir algo que desconhecem e não foram informadas?

É evidente que a falta de comprovação do alegado descumprimento de quatro dos cinco critérios fundamentais da avaliação invalida a própria reprovação e exclusão da obra. Por acaso os avaliadores do PNLD 2010 estão atuando contra o PNLD? Essa é a impressão, pois eles se eximem da tarefa de realizar corretamente os serviços para os quais foram contratados e abusam do seu poder discricionário graças à proteção que o cercea-mento do direito de defesa da obra lhes confere. Isso é constrangedor. Afinal a avaliação tem um custo alto (cerca de 10 mil reais por livro), bem maior do que os valores pagos comumente no meio editorial. A tarefa dos avaliadores, portanto, é clara e bem paga. Por que não fazê -la corretamente? Também é de se estranhar que o Relatório de Reprovação, contendo problemas tão graves, tenha sido assinado pela Professora Doutora Ceris Salete Ribas da Silva (UFMG – CEALE) que há dez anos coordena as equipes de avaliação do componente curricular Língua Portuguesa/Alfabetização e, portanto, conhece profunda-mente o funcionamento do PNLD.

Na nossa avaliação, o Relatório de Reprovação da Coleção Projeto ALLE apresenta em seus parágrafos iniciais três dos sete erros por nós tipificados no Capítulo 2 deste livro:

ERRO TIPO 1: os avaliadores fazem a crítica, mas não informam os fatos concretos que a corroboram. Logo, os fatos não existem nos livros da Coleção Projeto ALLE.

ERRO TIPO 4: os avaliadores qualificam negativamente o projeto gráfico e o Manual do Professor e sugerem que a obra apresenta erros conceituais e fere princípios éticos e mo-rais. Além de não apresentar fatos concretos para comprovar essa desqualificação da obra (ERRO TIPO 1), eles contrariam a avaliação anterior, que avaliou positivamente o projeto gráfico e as indicações para o professor e não identificou erros conceituais ou ilegalidades.

ERRO TIPO 7: os avaliadores utilizam termos e descrições vagas, dúbias e insuficiente-mente precisas, não permitindo a tipificação dos problemas da obra e, consequentemente, a necessária reformulação para inscrevê -la em novos programas.

Como será demonstrado na sequência, apesar de optarem por apresentar os supostos problemas da Coleção Projeto ALLE incorridos apenas no critério “coerência e ade­quação metodológicas”, os avaliadores do PNLD 2010 prosseguem utilizando argu-mentos sem fundamentos concretos, termos e descrições vagas, argumentos que contra-dizem a avaliação anterior etc. Vale destacar mais uma vez que todos os argumentos do Relatório de Reprovação foram contestados, parágrafo por parágrafo. Caberá ao leitor julgar a consistência (ou inconsistência) das críticas presentes no relatório e descritas a seguir.

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Capítulo 5 – O caso da Coleção Projeto ALLE 219

O livro de alfabetização é condenado por trabalhar com alfabetização!

Os avaliadores do PNLD 2010 reprovaram a Coleção Projeto ALLE por suposto de-sequilíbrio entre a proposta de letramento e de alfabetização. Eles alegam no Relatório de Reprovação que a Coleção:

[...] não apresenta um trabalho consistente e articulado em torno dos

processos de alfabetização e letramento, ao longo dos dois volumes [e]

não explora, de forma equilibrada, todos os eixos do ensino da lín­

gua escrita ­leitura, conhecimentos linguísticos, produção de textos e

oralidade uma vez que o principal foco é a apropriação do sistema de

escrita [...].13

Os avaliadores do PNLD 2010, novamente, apresentam uma crítica sem corroborá -la com fatos extraídos dos livros do aluno ou dos manuais do professor da Coleção Projeto ALLE. Não fornecem dados que comprovem:

�� a falta de consistência e articulação da Coleção Projeto ALLE em torno dos processos de alfabetização e letramento;�� a falta de equilíbrio entre os eixos do ensino da língua escrita -leitura, conhecimentos

linguísticos, produção de textos e oralidade; e�� a predominância das atividades voltadas para a apropriação do sistema de escrita.

A crítica, portanto, fere o princípio da transparência e da publicidade que rege os programas de aquisição de livros didáticos. Por ser genérica e infundada, não permite que a Coleção seja corrigida nem reformulada e, consequentemente, apta para participar dos próximos PNLD.

Além disso, é fundamental destacar que o Edital do PNLD 2010 não traz especificações sobre como a articulação entre letramento e alfabetização deve necessariamente ocorrer sob pena das coleções inscritas no programa serem excluídas. Tampouco apresenta dados quantitativos nos quais os avaliadores possam embasar suas críticas quanto ao “equilíbrio” ou à “predominância” desse ou daquele tipo de atividade. O edital, assim, confere ampla liberdade aos autores de livro didático para optar pelo maior ou menor peso para os dife-rentes eixos, permitindo que os professores escolham as obras de acordo com sua realidade e opções didático -pedagógicas. Portanto, para que uma acusação de desequilíbrio tenha alguma validade, os avaliadores do PNLD 2010 deveriam tipificar o(s) desequilíbrio(s), demonstrá -lo(s) e embasar legalmente a crítica e comprovar com fatos e fundamentação bibliográfica como esse suposto desequilíbrio de fato compromete os processos de alfabe-tização e letramento! Além, é claro, de assegurar o devido respaldo legal de sua crítica com base no edital!

13   UNIVERSIDADE  FEDERAL  DE MINAS  GERAIS.  SECRETARIA  DE  EDUCAÇÃO  BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Projeto ALLE. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 6. [grifos nossos].

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Com a palavra, o autor220

É fundamental que o leitor compreenda: mesmo que os avaliadores tivessem efetiva-mente comprovado o alegado desequilíbrio, a maior ou menor ênfase no trabalho com a leitura e a escrita ou no trabalho com a apropriação do sistema de escrita é uma op-ção teórico -metodológica, garantida aos autores de livro didático pelo próprio Edital do PNLD 2010 nas passagens destacadas a seguir.

– […] os livros destinados aos dois primeiros anos configurem -se como livros didáticos voltados para a alfabetização, focalizando, de um lado, as práticas de letramento neces-sárias ao (re)conhecimento da cultura letrada e ao exercício inicial das funções sociais da escrita; de outro, o domínio do sistema de escrita e, portanto, a compreensão de sua natureza e funcionamento […].

– […] no caso de o LDP recorrer a mais de um modelo didático -metodológico, justificar o arranjo proposto e indicar claramente a articulação entre seus componentes; isso é particu-larmente necessário, cujos objetos de ensino -aprendizagem, relacionados ao letramento e à alfabetização, demandam, por sua natureza diversa, tratamentos didáticos específicos […].

– […] cabe à escola, nos dois primeiros anos do ensino fundamental, garantir o grau de letramento e de domínio da escrita alfabética necessários à sua inserção gradual mas efetiva, no mundo da escrita. Por essa razão, os livros destinados aos dois primeiros anos devem apresentar propostas capazes de propiciar ao ensino -aprendizagem escolar:

* a organização de práticas pertinentes de letramento, que levem o aluno a conviver com diferentes funções da escrita e a reconhecer e assimilar características, instrumentos e recursos próprios da cultura escrita;

* a compreensão dos princípios que regulam a escrita alfabética, por meio de atividades de análise e reflexão sobre as propriedades sonoras da fala e sua relação com os recursos gráficos da escrita;

* o desenvolvimento da fluência da leitura e da escrita.

Dessa forma, letramento, alfabetização e desenvolvimento da proficiência oral e escrita, assim como a reflexão e a construção de conhecimentos lingüísticos básicos decorrentes, devem articular -se, ao longo dos dois volumes/anos, de forma a constituir -se numa única proposta pedagógica para a alfabetização inicial do aluno […].14

O Edital do PNLD 2010 reconhece, como demonstrado, que os conteúdos relativos ao letramento e à alfabetização dos livros de alfabetização podem e devem receber trata-mentos didáticos distintos. Isso obviamente é necessário, como o próprio edital esclarece, porque ao longo dos dois primeiros anos de escolaridade a inserção na cultura letrada é acompanhada pelo complexo desafio da apropriação do sistema de escrita por parte dos alunos, denominado por diversos especialistas como “alfabetização inicial” – expressão, inclusive, presente nos termos do edital. Mas os avaliadores do PNLD 2010 desprezaram essa recomendação do edital, impondo ad hoc, a necessidade de tratamento equânime entre os eixos da alfabetização e do letramento e, assim, criando critérios alheios àqueles expressos claramente nos termos do edital.

14   BRASIL. Ministério da Educação. Edital de convocação para inscrição no processo de avaliação e seleção de obras didáticas a serem incluídas no Guia de Livros Didáticos de 1º ao 5º ano do PNLD 2010. Brasília: Diário Oficial da União, 27/abr/2009, pp. 61, 62, 63 e 64. [grifos nossos].

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Capítulo 5 – O caso da Coleção Projeto ALLE 221

No Edital do PNLD 2010 também é possível constatar a preocupação de que os pro-cessos de letramento, embora necessários, não devem se sobrepor aos processos de aqui-sição da língua escrita. As frases “(re)conhecimento da cultura letrada”, “exercício inicial das funções sociais da escrita”, “inserção gradual” e “conviver com diferentes funções da escrita” indicam que a primazia dos livros de alfabetização deve ser o trabalho com o sistema de escrita. Mas os avaliadores também desprezaram essas indicações do edital e exigiram, ao reprovar a nossa Coleção, que a mesma apresentasse “equilíbrio” e “tratamento equâ­nime” – contrariando os preceitos da própria avaliação!

Por outro lado, nesses mesmos trechos do Edital do PNLD 2010, é possível verificar a forte preocupação com a alfabetização inicial dos alunos. As frases a seguir explicitam essa forte preocupação:

– o domínio do sistema de escrita e, portanto, a compreensão de sua natureza e funcio-namento […];

– a compreensão dos princípios que regulam a escrita alfabética, por meio de atividades de análise e reflexão sobre as propriedades sonoras da fala e sua relação com os recursos gráficos da escrita […]; e

– o desenvolvimento da fluência da leitura e da escrita.15

O edital, portanto, recomenda claramente que os livros voltados para os anos iniciais do Ensino Fundamental apresentem, de forma prioritária, o trabalho com a aquisição do sistema de escrita. Além disso, a exigência de que os eixos do trabalho (letramento, leitura, escrita, análise e construção de conhecimentos linguísticos básicos) “devem articular -se e distribuir -se, ao longo dos dois volumes/anos, de forma a constituir -se numa única proposta pedagógica para a alfabetização inicial do aluno” não pode ser interpretada como uma exi-gência de “equilíbrio” ou “tratamento equânime” dos mesmos – como os avaliadores do PNLD 2010 impõem à Coleção Projeto ALLE ao reprová -la em função dessa argumen-tação. Não há outra interpretação possível: o que o edital solicita é uma proposta coerente e coesa entre os dois volumes que formam as coleções destinadas aos primeiros anos do Ensino Fundamental. Há que se destacar novamente que o maior ou menor peso entre os eixos do letramento e da alfabetização é uma opção autoral, uma vez que o edital não traz especificações explícitas sobre o assunto.

Fica evidente, assim, que os avaliadores não podem reprovar a Coleção por suposta “pre­dominância” das atividades voltadas para o sistema de escrita. Mais uma vez, eles desprezam os critérios estabelecidos no edital e julgam por critérios próprios, excedendo seu poder dis-cricionário.

As autoras da Coleção Projeto ALLE consideraram, ao elaborar a sua proposta de le-tramento e alfabetização, as passagens do Edital do PNLD 2010 anteriormente mencio-nadas. Consideraram também as características do alunado das séries iniciais do Ensino Fundamental que, pela nova legislação, no 1º ano tem apenas 6 anos de idade (muitos

15   Ibidem, p. 63. [grifos nossos].

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Com a palavra, o autor222

ingressam aos 5 anos e completam 6 anos ao longo do ano letivo) e no 2º ano tem 6 ou 7 anos de idade e que, muitas vezes, vivem em ambiente familiar com pouco estímulo à alfabetização. E, por conta da formação das autoras e por seu envolvimento em diversos trabalhos institucionais e públicos, a questão do letramento sempre se colocou como uma questão prioritária na sala de aula. Por isso, apresentam na Coleção:

�� sequências de atividades voltadas para a apropriação do sistema alfabético, elaborando uma coleção de livros didáticos na qual os espaços de leitura e de escrita são claramente destacados para o jovem aluno;�� momentos de leitura e de escrita relacionados ao contexto do trabalho dos anos ini-

ciais, apresentando práticas sociais escolares de leitura e de escrita e, ao mesmo tempo, promovendo momentos de leitura e de escrita no convívio familiar que valorizam a função comunicativa, lúdica e prazerosa dos textos; e�� uma proposta gradual e progressiva de letramento, distribuída ao longo dos dois volu-

mes, que apresenta unidade pedagógica e gráfica e incentiva a inserção gradual do aluno na cultura letrada.

Tal opção, agora condenada e reprovada, foi um dos principais argumentos para a aprovação da Coleção no PNLD 2007. Na resenha presente no Guia do Livro Didático 2007 – Alfabetização, os avaliadores ressaltam que:

A proposta de alfabetização do livro está centrada na aprendizagem do sistema alfabético de escrita. Focaliza unidades lingüísticas como letras e palavras, de forma a favorecer que as crianças reflitam sobre as correspondências entre grafemas e fonemas. Os textos selecionados privilegiam o universo da tradição oral, o que ajuda a promover a fixação de um repertório de formas familiares estáveis e a exploração de atividades lúdicas. […]

Esta proposta de alfabetização apresenta uma abordagem contextualizada para o de-senvolvimento de atividades com letras e palavras. São destacadas as atividades de lo-calização de letras em diferentes posições das palavras e de decomposição e composição de palavras. As relações entre fonemas e grafemas – ou seja, entre “sons” e as letras – são exploradas, especialmente em palavras formadas por sílabas que mantêm o padrão canô-nico, representado por consoante e vogal.16

Verifica -se, mais uma vez, que os avaliadores do PNLD 2010 desprezaram as ex-periências acumuladas na avaliação anterior e, consequentemente, menosprezaram os termos do próprio Edital do PNLD 2010 nos quais é recomendado expressamente que se considere as avaliações anteriores. E mais: os avaliadores do PNLD 2010 entraram em contradição com a avaliação anterior, apresentando argumentos que contrariam as qualificações da obra expressas no Guia do Livro Didático 2007. Curiosamente, a equipe de avaliação de 2007 foi composta e coordenada pelos mesmos “especialistas” e pela mesma instituição e regida por praticamente as mesmas diretrizes e os mesmos critérios do Edital do PNLD 2007, o que é uma clara afronta ao Programa Nacional do Livro Didático.

16   BRASIL. SECRETARIA DA EDUCAÇÃO BÁSICA. Guia do Livro Didático 2007: alfabetização. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006, pp. 36 -37. [grifos nossos].

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Os avaliadores do PLND 2010 também não levaram em consideração o envolvimento dos professores que, nos anos de 2007, 2008 e 2009, adotaram a Coleção Projeto ALLE. Desconsideraram também o seu papel no trabalho de alfabetização realizado nesse perío-do em diversos municípios de todo o país. Vale destacar, novamente, que a Coleção, no PNLD 2007, foi a 6ª obra escolhida pelo professorado entre as 47 coleções do Guia do Livro Didático 2007. Ficou também em 1º lugar na escolha dos professores que optaram por obras inovadoras, com propostas alternativas às tradicionais, baseadas em métodos silábicos. Trata -se, portanto, de uma Coleção de referência.

Finalmente: no Guia de Livros Didáticos PNLD 2010 – Letramento e Alfabetização, é possível encontrar obras que, assim como a Coleção Projeto ALLE, receberam a mesma ressalva: nelas, os avaliadores identificaram a predominância do trabalho com o sistema de escrita, como exemplificado na sequência com trechos extraídos do próprio Guia, con-tendo os comentários presentes nas resenhas dessas obras. Mas, no caso dessas obras, os avaliadores não julgaram necessária a sua exclusão. Por que será?

– […] nessa coleção, as propostas de produção de escrita [letramento] são menos enfati-zadas do que as destinadas […] à aquisição do sistema de escrita […]. [p. 74].

– […] a coleção prioriza a exploração dos textos da tradição oral em todos os eixos, com o objetivo de sistematizar os conhecimentos e regras do sistema alfabético [alfabetização] […]. [p. 106].

– […] também devem ser ampliadas as estratégias de leitura e compreensão de textos, pois esses são mais explorados, principalmente no primeiro volume, para a apropriação do sistema [de escrita]. [p. 123].

– […] essa produção inicial, embora diversificada quanto aos gêneros, atende mais às finalidades didáticas de aquisição do sistema alfabético e não se amplia a outros con-textos de circulação […] uma primeira observação refere -se à seleção textual. Como ela se orienta pelos objetivos do trabalho com a apropriação do sistema de escrita, deixa em segundo plano os textos literários, que precisam ser explorados com maior regularidade em sala de aula, para ampliação das perspectivas do letramento e da formação do leitor […]. [pp. 132 e 134].17

Essa crítica não recai, obviamente, sobre as coleções aprovadas. A denúncia é contra os avaliadores do PNLD 2010 que afrontam o princípio da isonomia entre as coleções ins-critas nesse programa e por eles próprios avaliadas. O argumento de suposto desequilíbrio entre o trabalho de alfabetização e letramento presente no Relatório de Reprovação da Coleção Projeto ALLE em prol da sua reprovação e exclusão apresenta seis dos sete erros tipificados em nossa análise:

ERRO TIPO 1: não apresenta fatos concretos para corroborar a crítica de que o tratamento dado aos eixos do letramento e da alfabetização é desequilibrado. O suposto desequilíbrio não existe e a alegação dos avaliadores é apenas retórica.

17   BRASIL. SECRETARIA DA EDUCAÇÃO BÁSICA. Guia de Livros Didáticos PNLD 2010: letramento e alfabetização/língua portuguesa. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2009. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/index.php/pnld -guia -do -livro -didatico> (acesso: jun/2010). [grifos nossos].

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ERRO TIPO 3: a crítica não tem respaldo no Edital do PNLD 2010 e não encontra funda-mentação teórica ou didática nos documentos oficiais, como os PCN ou o PROFA.

ERRO TIPO 4: a proposta de alfabetização da Coleção foi elogiada no PNLD 2007. A crítica presente no Relatório de Reprovação entra em contradição com a avaliação ante-rior, embora o Edital do PNLD 2010 não apresente critérios novos e contrários àqueles expressos no Edital do PNLD 2007.

ERRO TIPO 5: a reprovação ocorre em função de critérios quantitativos, mas o Edital do PNLD 2010 não apresenta dados quantitativos em seu escopo. O edital confere ainda am-pla liberdade aos autores dos livros de alfabetização para organizar o trabalho com os eixos da alfabetização e do letramento, liberdade que foi condenada pela avaliação de 2010. Além disso, o edital afirma que o trabalho de alfabetização deve prevalecer sobre o de letramento na medida em que expressa a necessidade dos livros de alfabetização favorece-rem o domínio do sistema de escrita frente ao (sic) “(re)conhecimento da cultura letrada” e (sic) “exercício inicial das funções sociais da escrita”. Os termos do Relatório de Reprovação, portanto, contrariam frontalmente o edital.

ERRO TIPO 6: o Relatório de Reprovação fere o princípio de isonomia ao excluir a Cole-ção Projeto ALLE por apresentar desequilíbrio no tratamento dado às atividades de letra-mento e alfabetização sendo que pelo menos quatro coleções incluídas no Guia de Livros Didáticos PNLD 2010 apresentam essa mesma característica.

ERRO TIPO 7: a argumentação é constituída de termos evasivos, tais como “equilíbrio”, para avaliar quantitativamente as atividades relacionadas aos eixos da alfabetização e do letramento. Não são apresentados dados objetivos, numéricos, apenas qualificações vagas que impedem a reformulação da obra.

Há que se destacar que o uso de critérios quantitativos não expressos nos editais do PNLD, na prática, transformou -se em um poderoso instrumento de reprovação dos ava-liadores do PNLD 2010. Quando são associadas a esses critérios qualificações vagas e genéricas, eles demonstram, inclusive, que são capazes de excluir reiteradamente obras do PNLD sem a necessidade de apresentar justificativas objetivas. Afinal, como os editais não apresentam dados numéricos como “50% das atividades” ou “a maioria dos textos” é fácil para os avaliadores usarem como estratagemas os argumentos com base em ter-mos e expressões como “desequilíbrio”, “predominância” ou “tratamento equânime”. Quais são os parâmetros da noção de “equilíbrio”? Os avaliadores não dizem. O que a qualificação “equânime” significa no contexto da avaliação? Os avaliadores não explicam por que quantificam as atividades de uma obra inscrita no PNLD com base em adjetivos como (sic) “justa, imparcial ou moderada” (termos sinônimos à palavra equânime)18. Mas esse problema não é tão grave assim. Basta que os próximos editais do PNLD apresentem critérios quantitativos. Isso seria ótimo para todos: autores, editores, avaliadores, coorde-

18   Dicionário Eletrônico Houaiss de Língua Portuguesa.  Disponível  em:  <http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=equ%E2nime&stype=k&x=11&y=13> (acesso: maio/2010).

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Capítulo 5 – O caso da Coleção Projeto ALLE 225

nadores da avaliação e os próprios técnicos da SEB e do FNDE. Quanto mais objetivas forem as exigências dos editais, mais eficiente será a avaliação.

O problema mais grave é o que nós temos pela frente. Para inscrever a Coleção Projeto ALLE no próximo PNLD, será necessário corrigir a quantidade de atividades voltadas para o letramento, certo? Trata -se de uma exigência do artigo 18 do Decreto nº 7.084/2010. Mas, como fazer isso se o Relatório de Reprovação não informa parâmetros quantitativos concretos? Nós podemos, por exemplo, acrescentar mais 10, 20 ou 30 atividades de letra-mento, mas nenhuma dessas alterações garante que o fato não venha a ocorrer novamente: os avaliadores poderão julgar, mais uma vez, a obra como “desequilibrada” e, por esse motivo, voltar a excluí -la do programa. O leitor, já cansado de tantas elucubrações, poderá supor que os avaliadores querem 50% alfabetização e 50% letramento. Mas o Relatório de Reprovação usa termos genéricos e vagos na análise quantitativa da nossa obra e não apresenta percentual algum. Com base em quais dados, então, tomar a decisão para refor-mular a Coleção? Os avaliadores do PNLD não informam por um simples motivo: nunca, em toda a história do PNLD, os editais apresentaram critérios quantitativos. Por lei, os editais devem obedecer ao “princípio da publicidade”. Trata -se de um princípio básico dos processos de licitação que estabelece como válidas apenas as regras amplamente divulgadas e definidas por meio de editais. Por lei, a avaliação do PNLD deve basear -se nos critérios publicados nos editais.

Não é difícil, até mesmo para um leitor leigo no assunto, concluir, então, que os ava-liadores exacerbaram seu poder discricionário ao excluir a Coleção com base em critério inexistente e que eles prosseguem extrapolando esse poder após o encerramento da avalia-ção de 2010, na medida em que seus argumentos impedem a reformulação e a reinscrição dos nossos livros nos próximos programas. Será uma censura? Já estamos nos sentindo um pouco perseguidos…

Os avaliadores forjam exemplos para condenar os textos da Coleção

Os avaliadores do PNLD 2010 reprovaram a Coleção Projeto ALLE por julgar que a sua coletânea textual apresenta textos mais adequados para o professor do que para o aluno em fase de alfabetização. Alegaram que essa inadequação, inclusive, compromete o desenvolvimento da capacidade leitora dos jovens estudantes. Os avaliadores alegaram no Relatório de Reprovação que:

No início dos dois volumes da coleção estão presentes cinco textos

paradidáticos elaborados pela autoria da obra, com as seguintes fi­

nalidades: apresentar os personagens que ilustram a coleção e os ob­

jetivos curriculares (pp. 8 e 9); apresentar os conteúdos de estudo

e de procedimentos de realização das atividades propostas (pp. 10 e

11); e listar os gêneros textuais presentes na obra (pág. 12 e 13).

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Com a palavra, o autor226

Contudo, os conteúdos abordados e a linguagem utilizada nesses textos

paradidáticos, de natureza conceitual e procedimental, são mais apro­

priados ao professor que aos alunos, em fase inicial da aprendizagem

da escrita.19

A coletânea textual de uma obra didática corresponde ao conjunto de textos destina-dos à leitura do aluno. São, por definição, textos relacionados às atividades de leitura. Os textos das páginas 8, 9, 10, 11, 12 e 13 dos volumes 1 e 2 da Coleção Projeto ALLE não fazem parte das atividades de leitura que os nossos livros oferecem. Consequentemente, esses textos não integram a coletânea textual da obra. Entretanto, eles apresentam infor-mações importantes para o aluno sobre a sinalização gráfica das atividades, sobre os obje-tivos de aprendizagem, sobre a organização do livro e também sobre os textos da coletânea textual que os alunos encontrarão ao longo do livro.

A alegação dos avaliadores do PNLD 2010 de que os textos das páginas 8, 9, 10, 11, 12 e 13 de ambos os volumes da Coleção são inadequados para o aluno, portanto, é falsa. Essa falácia pode ser facilmente constatada na reprodução do original dessas páginas (volume 1: Figuras 5.1, 5.2, 5.3, 5.4, 5.5 e 5.6; volume 2: Figuras 5.7, 5.8, 5.9, 5.10, 5.11 e 5.12)20. A diagramação das páginas, a tipologia usada nos textos e outros recursos visuais nelas pre-sentes informam que seu conteúdo deve ser lido pelo professor (ou um outro adulto) para a criança. Em nenhuma passagem dos livros do aluno ou dos manuais do professor há a orientação de que a leitura desses textos deverá ser feita pelo aluno individualmente. Pelo contrário! Nas páginas 8 e 9 do Manual do Professor de ambos os volumes encontram -se as informações necessárias para o professor trabalhar esses textos, com a indicação expressa de que a sua leitura deverá ser feita pelo professor. Esse fato pode ser observado nos trechos reproduzidos na sequência e também no original (Figuras 5.13 e 5.14) para que, efetiva-mente, não haja suspeitas acerca do conteúdo dessas orientações.

A apresentação do livro

Na apresentação do livro, os alunos encontram informações sobre o projeto gráfico e sobre os personagens desta Coleção: a professora Ana e sua turma de alunos. Além disso, alguns objetivos de aprendizagem também são compartilhados para que o aluno saiba, previamente, o que é esperado que ele aprenda ao realizar as atividades de leitura, escrita e análise e reflexão sobre a língua. Trata -se de uma seção do livro para ser lida pelo professor. Durante a leitura, os alunos poderão comentar a sua opinião e expor as suas dúvidas.

O quadro de textos

Também com o objetivo de favorecer o manuseio do livro por parte dos alunos, o qua-dro de textos apresenta os textos com os quais eles irão trabalhar. A organização desse quadro foi planejada para evidenciar a diversidade de textos e indicar, sempre que ne-

19   UNIVERSIDADE  FEDERAL  DE MINAS  GERAIS.  SECRETARIA  DE  EDUCAÇÃO  BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Projeto ALLE. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 7. [grifos nossos].

20   Caso haja interesse em conhecer a totalidade dos volumes que integram a Coleção Projeto ALLE, basta consultar a versão digital disponibilizada em PDF no site da Editora Sarandi: <www.editorasarandi.com.br> (acesso: jul/2010).

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cessário, a autoria de cada um deles. Ao longo do ano, o professor poderá ler e reler esse quadro e, assim, compartilhar com os alunos os textos já trabalhados, em quais páginas eles se localizam, e os textos que ainda serão abordados.

A introdução

Na introdução, os alunos encontram mais informações sobre a proposta do livro, com uma breve descrição das atividades que eles realizarão na sequência. Vale lembrar que antecipar para os alunos as atividades que eles desenvolverão e compartilhar aquilo que é esperado deles é uma estratégia didática que favorece uma maior consciência do próprio processo de aprendizagem.21

É possível constatar, assim, que o argumento dos avaliadores do PNLD 2010 é im-pertinente e improcedente. Os textos não são destinados à leitura autônoma do aluno, o Manual do Professor traz informações sobre como eles devem ser trabalhados com os alunos e destaca ainda a importância dos mesmos na formação geral das crianças. Logo, avaliar esse trecho da obra como inadequado é, no mínimo, um erro de fato por parte dos avaliadores que podemos classificar como ERRO TIPO 1. Além disso, não é possível aceitar como argumento a inadequação de uma atividade inexistente nos livros. Afinal, as páginas 8, 9, 10, 11, 12 e 13 dos volumes 1 e 2 não apresentam atividades de leitura para o aluno!

É fundamental destacar ainda que, na Coleção Projeto ALLE, todas as atividades des-tinadas à leitura gradualmente autônoma dos alunos são sinalizadas pelos ícones descritos nas páginas 10 e 11 de ambos os livros. Assim, é possível concluir que os avaliadores do PNLD 2010 não consideraram as informações dessas páginas em sua análise, embora a avaliação do PNLD 2007 tenha avaliado positivamente a clara sinalização gráfica de todas as atividades da Coleção por meio de ícones22.

As autoras da Coleção fundamentaram a elaboração do conteúdo dessas páginas em ampla bibliografia na área de didática e de avaliação (citada na parte específica do Ma-nual do Professor, inclusive em suas notas de rodapé) sobre a importância de ajudar a criança, desde o início da escolaridade, a construir maior consciência sobre o seu processo de aprendizagem. E mais: as autoras encontraram no próprio Edital do PNLD 2010 o respaldo legal para justificar essa opção. Afinal, o conteúdo das páginas iniciais de ambos os volumes da Coleção foi elaborado para atender a um requisito teórico -metodológico considerado essencial no edital: que o livro de alfabetização descreva “com precisão e funcio-nalidade, do ponto de vista dos usuários visados, a organização geral da proposta”23.

Dentre os usuários do livro de alfabetização encontram -se, além dos professores, os alunos e seus familiares. Daí a inserção de textos que explicam a proposta pedagógica para

21   CARVALHO, A.; MINGUES, E.; ESTEVES, C. Coleção Projeto ALLE – Manual do Professor. São Paulo: Editora Saran-di, 2008, v. 1 e 2, pp. 8 -9. [grifos nossos].

22   BRASIL. SECRETARIA DA EDUCAÇÃO BÁSICA. Guia do Livro Didático 2007: alfabetização. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006, p. 38.

23   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Edital de convocação para inscrição no processo de avaliação e seleção de obras didáticas a serem incluídas no Guia de Livros Didáticos de 1º ao 5º ano do PNLD 2010. Brasília: Diário Oficial da União, 27/abr/2009, p. 62. [grifos nossos].

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os alunos, compartilhando com eles o funcionamento dos livros e o que se espera que eles aprendam. Essas informações são úteis também para os familiares que, assim, têm a oportunidade de conhecer e compreender os processos de aprendizagem promovidos pela escola. Reafirma -se, então, que a opção das autoras de apresentar a obra, sua estrutura e funcionamento no Livro do Aluno é uma opção fundamentada no próprio edital!

Constata -se, portanto, que os avaliadores do PNLD 2010 recorrem a critérios alheios ao edital ao condenarem a Coleção quando esta atende às solicitações explícitas desse do-cumento – o que se enquadra, para nós, no ERRO TIPO 5.

E mais: os avaliadores não explicaram no Relatório de Reprovação por que as páginas 8, 9, 10, 11, 12 e 13 de ambos os livros justificam o argumento de que a seleção textual da Coleção “compromete significativamente o trabalho de formação das crianças como leitoras”, um dos motivos pelos quais eles reprovaram e excluíram a nossa obra do programa. Essas páginas exemplificam a suposta crítica de que a Coleção “não atenta aos diferentes recursos de diagramação”? Ou será que são exemplos da não atenção às “tipologias textuais, processos coesivos e suportes por meio dos quais os textos são veiculados”? Os avaliadores não dizem. E não dizem porque essas páginas não justificam o argumento e, portanto, não exemplificam a crítica! Essa passagem do Relatório de Reprovação é uma evidência da argumentação superficial, genérica e vaga utilizada pelos avaliadores para desqualificar a obra, um típico ERRO TIPO 7 de nossa classificação de análise.

Finalmente: os avaliadores do PNLD 2010 não explicam por que reprovaram a Cole-ção Projeto ALLE por conter textos iniciais de apresentação do conteúdo e funcionamento da Coleção tendo aprovado e incluído no Guia de Livros Didáticos PNLD 2010 – Letra-mento e Alfabetização pelo menos cinco coleções que também trazem esse tipo de texto nas páginas iniciais de seus livros. Vale destacar que, ao contrário da Coleção Projeto ALLE, essas cinco coleções não apresentam, no Livro do Aluno ou no Manual do Professor, qual-quer orientação sobre como e quando trabalhar esses textos, se a leitura deverá ser feita pelo professor ou pelo aluno em fase de alfabetização que ainda não sabe ler, se as informa-ções que esses textos trazem devem ou não ser discutidas com os alunos e seus familiares. Verificamos isso factualmente, pois tivemos acesso a exemplares dessas coleções utilizados durante a campanha de divulgação do PNLD 2010 (colegas nossos que trabalham em es-colas públicas gentilmente nos emprestaram esses livros que são de distribuição gratuita e material de propaganda). São, portanto, os mesmos livros analisados pelos avaliadores do PNLD 2010 que, a julgar pelas resenhas publicadas no Guia de 2010, não condenaram a presença desse tipo de texto nessas obras, e tampouco avaliaram negativamente a ausência de qualquer explicação sobre os mesmos no Manual do Professor. Por que essas obras não foram reprovadas e excluídas do PNDL 2010 e a Coleção Projeto ALLE foi? Essa é a per-gunta que não quer calar, caro leitor. Como já dissemos: não é nossa intenção questionar a aprovação das obras incluídas no Guia de 2010, mas, sim, tornar público o fato de os avaliadores do PNLD 2010 afrontarem, mais uma vez, o princípio da isonomia que rege os programas de compras governamentais.

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Somos a favor da avaliação e defendemos o PNLD como ninguém o faz no meio autoral e editorial. O fato dos avaliadores do PNLD 2010 reprovarem e excluírem a Co-leção Projeto ALLE com base em uma análise inconsistente e incoerente é uma afronta ao programa e é essa a nossa denúncia. Respaldados por um sistema de “sigilo” que a SEB defende com “unhas e dentes”, os avaliadores do PNLD 2010 parecem acreditar que sua opinião está acima do “bem e do mal”, e não temem sequer o uso de estratagemas ilícitos, como a adulteração do texto original. Sim, caro leitor, além de fazer uma falsa acusação sobre a inadequação dos textos das páginas iniciais de nossos livros, os avaliadores adulte-raram um trecho do Manual do Professor na tentativa de forjar um fato que comprovasse a veracidade de sua argumentação. Isso aconteceu quando recorremos à SEB para pedir explicações acerca desse argumento de reprovação da nossa obra. Na resposta ao nosso questionamento, os avaliadores não só reiteraram sua posição inicial como, para nosso imenso espanto, alegaram que:

Ora, a avaliação da proposta da coleção 15899 aponta para um conjun­

to de sérias insuficiências e inadequações nesse quesito, no que diz

respeito à articulação entre a coletânea e o ensino ­aprendizagem da

leitura:

* Cinco textos paradidáticos elaborados pela autoria da obra, são

apresentados sem qualquer mediação ao aluno, com as seguintes finali­

dades: apresentar os personagens que ilustram a coleção e os objeti­

vos curriculares perseguidos (v. 1, pgs. 8 e 9); explicitar os con­

teúdos abordados e os procedimentos adotados nas atividades (vol. 1,

pgs. 10 e 11); e listar os gêneros textuais presentes na obra (pg. 12

e 13). Contudo, os conteúdos abordados e a linguagem desses textos,

de natureza conceitual e procedimental, dizem respeito ao professor,

revelando ­se inadequados para crianças em fase inicial da aprendiza­

gem da escrita. O Manual do professor (p. 8 e 9) confirma o aluno,

entretanto como destinatário efetivo desses textos;

“Na apresentação do livro, os alunos encontram informações sobre o

projeto gráfico e sobre os personagens desta Coleção (...) Durante a

leitura, os alunos poderão comentar a sua opinião e expor as suas dú­

vidas”;

“Também com o objetivo de favorecer o manuseio do livro por parte dos

alunos, o quadro de textos apresenta os textos com os quais eles irão

trabalhar.”

Assim, contrariando frontalmente o que o documento da editora Sarandi

alega, esses textos são efetivamente apresentados à leitura dos alu­

nos, sem qualquer proposta efetiva de mediação, o que se configura

inadequação.24

A simples comparação do trecho citado pelos avaliadores com o texto original das páginas 8 e 9 do Manual do Professor dos dois volumes permite constatar a omissão das informações sobre o tratamento a ser dado a esses textos. O “recorte e cole” feito pelos

24   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Ofício nº 1.027/2009. Brasília: Minis-tério da Educação, 15/jun/2009, p. 10. [documento enviado pela SEB à Editora Sarandi em resposta à contestação das autoras aos argumentos de exclusão de sua obra expressos no Relatório de Reprovação, grifos nossos].

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Com a palavra, o autor230

avaliadores dá a entender que os textos são apresentados para a leitura dos alunos, que eles integram a coletânea textual destinada ao eixo da leitura e que as autoras não tiveram a menor preocupação em fornecer orientações sobre como os professores podem trabalhá--los. Esse estratagema dos avaliadores do PNLD 2010, na realidade, indica o seu esforço para novamente desqualificar a obra e, assim, reiterar com fatos concretos a sua decisão de eliminá -la do PNLD 2010. Mas o estratagema não foi astuto o suficiente e, no fim, revelou -se falso. Ou os avaliadores achavam que não nos atentaríamos aos detalhes da resposta à nossa contestação? Isso só reforça a importância da participação de equipes independentes daquelas que integraram a própria avaliação na análise da contestação dos relatórios de reprovação das obras excluídas do PNLD. É óbvio que os avaliadores sempre se esforçarão para desmentir os seus erros, por mais evidentes que eles sejam. Trata -se de um ciclo que precisa ser rompido e a solução é fácil, como indicamos no Capítulo 7.

Assim, para finalizar, é importante ressaltar que o Relatório de Reprovação, ao funda-mentar o argumento de inadequação da coletânea textual da obra única e exclusivamente nos textos das páginas 8, 9, 10, 11, 12 e 13 alegando que os mesmos são mais adequados aos professores do que aos alunos em fase de alfabetização, apresenta cinco dos sete tipos erros de nossa classificação (ver Capítulo 2). Os equívocos do Relatório de Reprovação são evidentes:

ERRO TIPO 1: classifica equivocadamente os textos das páginas 8, 9, 10, 11, 12 e 13 como integrantes da coletânea textual da obra. Esses textos, como bem aponta a sua sinalização gráfica, não integram a coletânea textual. Erra também ao identificar atividades de leitura nessas páginas. Não há atividades de leitura nessas páginas. Os fatos alegados, portanto, inexistem.

ERRO TIPO 3: apresenta contradições com relação às diretrizes que orientam a Educação Básica, em particular os PCN, ao condenar trechos da obra que explicam conteúdos, pro-cedimentos e objetivos e, portanto, promovem uma maior consciência dos alunos sobre os seus processos de aprendizagem.

ERRO TIPO 5: condena a Coleção Projeto ALLE por atender ao Edital do PNLD 2010 e, assim, revela que os avaliadores do PNLD 2010 excederam seu poder discricionário ao utilizar critérios incoerentes aos termos do edital.

ERRO TIPO 6: os fatos alegados no Relatório de Reprovação são prova de que o princí-pio da isonomia foi gravemente ferido, pois foram incluídas no Guia de Livros Didáticos PLND 2010 pelo menos cinco coleções que, assim como o Projeto ALLE, também trazem textos de apresentação nas páginas iniciais do Livro do Aluno.

ERRO TIPO 7: o texto do Relatório de Reprovação apresenta argumentos superficiais, genéricos e vagos – além de fazer citações da obra que não correspondem ao nosso texto original.

Caríssimo leitor, o que devemos fazer com os textos iniciais dos livros do Projeto ALLE ao reformular a obra para inscrevê -la no PNLD 2013? Eliminá -los seria a solução mais

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Capítulo 5 – O caso da Coleção Projeto ALLE 231

simples e imediata. Qualquer editor faria isso e não duvidamos que sequer pediriam li-cença aos autores. “O cliente não quer, tira”, é assim que eles pensam. É dessa forma que eles agem. Mas somos nossos próprios editores e uma questão moral e ética nos impede de simplesmente eliminar esses textos.

Do ponto de vista moral, nossa questão recai sobre os alunos. Afinal, eles é que serão os grandes prejudicados com essa supressão. Ao desconhecer o conteúdo e o objetivo de suas aprendizagens, permanecerão alienados de suas próprias trajetórias de desenvolvimento… Nós defendemos, como autores, que o livro didático do aluno contenha elementos que ajudem o professor a transformar a sua prática. Apenas apresentar orientações no Manual do Professor não é suficiente para essa transformação.

Do ponto de vista ético, ao atender às exigências esdrúxulas e infundadas do Relatório de Reprovação, reforçamos um ciclo que justamente queremos romper. Até quando a avaliação descartará obras e autores com base em fatos inexistentes e argumentos retóricos, contrários às avaliações anteriores e incoerentes aos próprios editais? Há quem afirme que isso não é mais problema, pois o Decreto nº 7.084/2010 regulamentou a etapa de con-testação da avaliação. Mas, é sempre bom lembrar que esse mesmo decreto reafirmou que todas as obras excluídas devem ser reformuladas de acordo com seus relatórios de reprova-ção. Do contrário, são passíveis de exclusão sumária, balizada pela SEB, ainda na etapa da triagem (ver Capítulo 1). Não é difícil concluir que estamos num verdadeiro “mato sem cachorro”, não é mesmo?!

Apenas para encerrar à refutação a esse tópico do Relatório de Reprovação da Coleção Projeto ALLE é importante refletir sobre a confusão acerca do conteúdo das páginas 8, 9, 10, 11, 12 e 13 dos volumes 1 e 2. Na nossa opinião, só há uma explicação possível: ou a análise dessas páginas foi feita de forma tendenciosa com o objetivo de forjar fatos inexistentes ou os avaliadores do PNLD 2010 efetivamente se enganaram acerca do con-teúdo dessas páginas, apesar das informações gráficas dos livros e também das indicações feitas pelas autoras no Manual do Professor. A primeira explicação é gravíssima e por isso mesmo deixamos para o leitor dar o seu veredicto sobre ela. Caso a segunda explicação seja a mais plausível, o erro descrito no Relatório seria indício de imperícia, algo injustificável quando se considera que os avaliadores atuam no PNLD há mais de uma década, que eles passam por treinamentos frequentes e que a avaliação custa, ao erário, mais de 20 mil reais por coleção!

A Coleção é reprovada por atender ao edital, de novo!

O Edital do PNLD 2010 afirma que a presença de textos da tradição oral nos livros de alfabetização é imprescindível. Parlendas, cantigas, trava -línguas e adivinhas são textos da tradição oral. Esses textos são bastante adequados para o trabalho de alfabetização inicial, como amplamente difundido em documentos oficiais do MEC e em propostas de ensino de diversas instituições relacionadas ao estudo da alfabetização. A própria UFMG, universidade responsável pela avaliação dos componentes de Letramento e Alfabetização

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Com a palavra, o autor232

Linguística e de Língua Portuguesa no PNLD 2010 e nos programas anteriores, defende a alfabetização a partir de textos da tradição oral25. Entretanto, os avaliadores do PNLD 2010 não aprovaram o fato da Coleção Projeto ALLE apresentar textos da tradição oral. No Relatório de Reprovação, eles afirmam que:

[...] há uma prevalência, no volume inicial, de textos da tradição

oral _ cerca da metade do conjunto de textos é constituída de par­

lendas, poemas, cantigas de rodas, adivinhas, rimas e trava ­línguas.

Entretanto, tais textos são utilizados com o propósito predominante

de apoiar o ensino e o aprendizado do sistema alfabético e não contri­

buem para o desenvolvimento de habilidades e conhecimentos essenciais

à construção de sentidos _ como os conhecimentos prévios dos alunos,

os processos coesivos, a intertextualidade, a relação entre imagem e

texto.

Um exemplo dessas restrições pode ser identificado nas páginas 32 e

33 do vol. 1 [...].

No volume 2 da coleção também é marcante a presença de gêneros da

tradição oral como cantigas (5 textos), parlendas (3 textos) e trava­

­línguas (2 textos), cuja principal finalidade continua sendo a ex­

ploração das capacidades do sistema alfabético [...].26

A nossa refutação a esse argumento começa pela análise quantitativa dos textos. Em-bora apresente uma avaliação objetiva com relação ao número de textos da tradição oral presente no volume 1 da Coleção, o Relatório de Reprovação erra na contagem dos textos. Como o leitor já deve ter percebido, números não são mesmo o forte dessa avaliação… A simples leitura da seção “Os textos que você vai trabalhar”, às páginas 12 e 13 (Figuras 5.5 e 5.6), mostra que o volume 1 apresenta cerca de 50 textos e que apenas 12 deles pertencem à tradição popular. Portanto, o percentual de textos da tradição oral do volume 1 corres-ponde a 24% do total e não a 50% como alegam os avaliadores do PNLD 2010.

Infelizmente, o procedimento de contagem não foi estendido ao volume 2 da Coleção e o Relatório de Reprovação traz apenas uma descrição genérica sobre a quantidade de textos da tradição oral desse volume: “é marcante a presença”. É nosso dever, portanto, apre-sentar uma análise mais objetiva como contraponto à formulação vaga dessa crítica: além das “cantigas (5 textos), parlendas (3 textos) e trava ­línguas (2 textos)” – textos indicados no Relatório –, o volume 2 traz também poemas (4 textos), contos (2 textos), textos instrucionais (3 textos), texto informativo (1 texto), listas (9 textos), entre-vistas (2 textos), adivinhas (2 textos), depoimentos (2 textos), bilhetes (3 textos), resenhas (2 textos), etiquetas (2 textos), livro de cantigas (1 texto). Logo, dos 43 textos contabili-zados nesse volume, 23% são textos da tradição oral. É uma presença marcante? Depen-de. O que os avaliadores do PNLD 2010 querem dizer com “marcante”? Não sabemos.

25   Ver, por exemplo: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. CENTRO DE ALFABETIZAÇÃO, LEITURA E ESCRI-TA. Alfabetizando – vol. 2. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, 2003, pp. 26, 31, 46 e 56.

26   UNIVERSIDADE  FEDERAL  DE MINAS  GERAIS.  SECRETARIA  DE  EDUCAÇÃO  BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Projeto ALLE. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 7. [grifos nossos].

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Capítulo 5 – O caso da Coleção Projeto ALLE 233

Trata -se apenas de uma qualificação retórica cuja acepção não podemos aferir do Relatório de Reprovação. Não temos alternativa senão a de recorrer ao dicionário: são textos cuja presença “deixam forte impressão ou lembrança”? São textos que se “destacam dos demais”? Em que sentido? No maracatu pernambucano, “marcante” é um instrumento musical, a zabumba27…

Na realidade, o Relatório de Reprovação omite a real quantidade de textos da obra e, consequentemente, a real diversidade de textos que ela apresenta. A crítica “prevalência ou marcante presença de textos da tradição oral” é, portanto, falsa e pode ser classificada como um ERRO TIPO 1: o fato alegado não existe na obra. O argumento, portanto, não justifica a reprovação da Coleção e deveria ser retirado da nossa avaliação.

É fundamental retomar que o Edital do PNLD 2010 exige explicitamente que os livros de alfabetização contemplem textos da tradição oral ao afirmar que “nos casos dos dois livros de alfabetização, a presença de textos da tradição e da literatura oral é imprescindível”28. A bem da verdade é que essa exigência não é expressa em termos quantitativos: o edital não apresenta dados numéricos sobre a quantidade mínima (ou máxima) de textos da tradição oral que os livros de alfabetização devem necessariamente apresentar sob pena de serem excluídos do PNLD.

A presença de textos da tradição oral na Coleção Projeto ALLE é, voltamos a afirmar, resultado de uma demanda expressa do Edital do PNLD 2010 e as autoras da obra, ao contemplar esse tipo de texto na coletânea textual de seus livros, o fizeram com o devido respaldo. Como o edital não informa os limites mínimos ou máximos para o número de textos desse gênero, as autoras compreenderam que tinham ampla liberdade para fazer as suas opções. Logo, a reprovação da obra por atender a uma demanda do edital é uma afronta ao próprio programa, contrária as suas diretrizes! Para nós, trata -se de uma falha da avaliação difícil de classificar em nossa taxionomia de erros. ERRO TIPO 3? ERRO TIPO 5? Talvez ambos!

Também é importante destacar que o Edital do PNLD 2010 não traz especificação al-guma sobre a quantidade de textos de outros gêneros que o livro de alfabetização deve ne-cessariamente contemplar sob pena de exclusão e tampouco quais gêneros devem ser con-templados e qual o percentual de cada gênero que uma obra didática de alfabetização deve necessariamente apresentar para ser aprovada e incluída no Guia de Livros Didáticos. Não há, no Edital do PNLD 2010, nenhuma informação que proíba a presença – marcante ou não – de textos da tradição oral, pelo contrário. Como mencionado anteriormente, o edital exige a presença desse tipo de texto nos livros de alfabetização e essa é a única exigência explícita que o documento faz em relação ao tema “seleção de gêneros textuais” do livro de alfabetização.

O uso da análise quantitativa na reprovação de uma obra inscrita no PNLD é, como já comprovado anteriormente, claramente subjetivo uma vez que tradicionalmente os editais

27   Dicionário Eletrônico Houaiss de Língua Portuguesa.  Disponível  em:  <http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm? verbete =marcante&stype=k> (acesso: maio/2010).

28   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Edital de convocação para inscrição no processo de avaliação e seleção de obras didáticas a serem incluídas no Guia de Livros Didáticos de 1º ao 5º ano do PNLD 2010. Brasília: Diário Oficial da União, 27/abr/2009, p. 64. [grifos nossos].

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Com a palavra, o autor234

não trazem informações sobre o assunto. Os avaliadores, no Relatório de Reprovação, tam-pouco justificam seus argumentos com base em bibliografia teórica ou didática. Quais au-tores, pesquisadores ou documentos oficiais eles utilizaram para afirmar que a obra inscrita no PNLD que não atender a determinado quantitativo de gêneros textuais compromete a formação leitora dos alunos? Eles não apresentam! Qual é esse quantitativo? Eles não di-zem! Não dizem porque não existe bibliografia que determine a variedade e a quantidade de gêneros textuais mais favoráveis aos processos de alfabetização.

Mas o pior de tudo mesmo é constatar que o argumento utilizado para reprovar a nossa obra não foi aplicado às obras aprovadas e incluídas no Guia de Livros Didáticos PNLD 2010 – Alfabetização e Letramento. No Guia, é possível identificar a presença de pelo me-nos uma coleção que, apesar de trazer de forma predominante textos da tradição oral em sua seleção textual, foi aprovada e incluída nesse programa pela mesma equipe de avaliação que nos reprovou e eliminou. Consta na resenha dessa coleção a informação de que:

A coleção prioriza a exploração dos textos da tradição oral em todos

os eixos com o objetivo de sistematizar os conhecimentos e as regras

do sistema alfabético. Torna ­se necessário, portanto, ampliar o re­

pertório textual, a partir de referências presentes na própria obra e

de fontes suplementares, com o objetivo de oferecer aos alunos mais

textos de autores representativos da produção literária.29

Não se pretende, de forma alguma, contestar a inclusão dessa coleção no Guia de Livros Didáticos. Entretanto, é fato notório e incontestável que, mais uma vez, o princípio da iso-nomia não foi respeitado. O que fazer? A quem reclamar? À coordenação da avaliação? Aos técnicos da SEB? Já demonstramos anteriormente que tanto a coordenação das equipes de área como os técnicos da SEB envolvidos diretamente na avaliação não são idôneos e tampouco aptos para realizar uma análise imparcial do seu próprio trabalho. Isso contraria a lógica e todo e qualquer bom -senso. Tratar -se -ia de uma confissão: os avaliadores teriam de admitir que exorbitaram suas atribuições na avaliação da Coleção Projeto ALLE ao reprová -la e excluí -la por atender a uma demanda expressa no edital com base em avaliação quantitativa que não tem sustentação legal.

Apenas para retomar e resumir, é possível identificar nesse trecho do Relatório de Re-provação, cinco dos sete erros por nós tipificados anteriormente:

ERRO TIPO 1: inexistência na obra dos fatos alegados.

ERRO TIPO 3: uso de critérios estranhos ao edital e que contrariam documentos oficiais.

ERRO TIPO 5: uso de critérios que não constam do edital e que excedem o poder discri-cionário dos avaliadores.

29   BRASIL. SECRETARIA DA EDUCAÇÃO BÁSICA. Guia de Livros Didáticos PNLD 2010: letramento e alfabetização/língua portuguesa. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2009, p. 106. [grifos nossos].

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Capítulo 5 – O caso da Coleção Projeto ALLE 235

ERRO TIPO 6: o Relatório de Reprovação afronta o princípio da isonomia.

ERRO TIPO 7: uso de termos vagos e genéricos que não permitem a reformulação da obra.

Não é difícil concluir que, com base em análise quantitativa que não traz especificações numéricas, os avaliadores do PNLD 2010 nos impedem de reformular a Coleção Projeto ALLE e, consequentemente, inscrevê -la no próximo programa. Devemos diminuir o nú-mero de textos da tradição oral? Qual é a quantidade mínima? Afinal, podemos reduzir muito e numa próxima avaliação sermos excluídos por apresentar “pouca quantidade”. Como atender a exigências que não trazem especificações objetivas?

A Coleção é reprovada por atender ao edital. Mais uma vez!

São inúmeros os casos de afronta ao Edital do PNLD 2010 presentes em nosso Re-latório de Reprovação: em todos eles constata -se que os avaliadores do PNLD 2010 uti-lizaram critérios estranhos ao edital e também critérios que contrariam frontalmente as especificações do edital (como é o caso, já mencionado, do trabalho de alfabetização e da presença de textos da tradição oral). Mas, para poupar nosso estimado leitor, vamos deta-lhar apenas mais um exemplo dessa ocorrência, dada a sua peculiaridade: os avaliadores do PNLD 2010 reprovaram a Coleção Projeto ALLE por promover situações de conversação entre os jovens estudantes de 6/7 anos… A nossa obra foi excluída porque eles avaliaram negativamente o trabalho com oralidade da obra, por estar centrado em “conversas”. Eles alegaram que:

O trabalho em torno da oralidade, nesta coleção, está centralizado em

atividades que sugerem a conversa entre os colegas, sem preocupação

com o planejamento dos textos orais a serem produzidos.30

A proposta de oralidade da Coleção está de acordo com Edital do PNLD 2010. O enfoque do trabalho com a linguagem oral da Coleção promove amplamente, mas não exclusivamente, situações de conversação entre os colegas, entre estes e o professor e entre as crianças e seus familiares de modo a atender as orientações do edital especificadas no trecho a seguir.

Caberá ao LDP, no que diz respeito a esse quesito (linguagem oral):

– favorecer o uso da linguagem oral na interação em sala de aula;

– recorrer à oralidade nas estratégias didáticas de abordagem da leitura e da produção de textos, em especial nos livros de alfabetização;

– explorar as diferenças e semelhanças que se estabelecem entre o oral e o escrito; […] e

30   UNIVERSIDADE  FEDERAL  DE MINAS  GERAIS.  SECRETARIA  DE  EDUCAÇÃO  BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Projeto ALLE. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 15. [grifos nossos].

Com a palavra o autor.indb 235 20/07/2010 19:49:22

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Com a palavra, o autor236

– propiciar o desenvolvimento das capacidades e formas discursivas envolvidas nos usos da linguagem oral próprios das situações formais e/ou públicas pertinentes ao nível de ensino em foco.31

O uso de critérios que contrariam os termos do edital é classificado em nossa categori-zação como ERRO TIPO 5. Mas, a ausência de explicações e justificativas substanciosas acerca dos problemas que a presença de atividades de conversação nos livros de alfabeti-zação podem acarretar na formação dos alunos também pode ser considerada um ERRO TIPO 3: os avaliadores do PNLD 2010 não apenas contrariam o Edital do PNLD 2010 como também todos os demais documentos oficiais do governo, como os PCN, o PROFA e o RCNEI. Não justificam a sua crítica, não apresentam exemplos, não comprovam com fatos. Logo, concluímos que estamos também diante de um ERRO DO TIPO 7: a crítica é vaga, não substanciada com fatos concretos e a imprecisão de seus termos não permite a reformulação da obra com a precisão necessária para que ela seja aprovada no próximo PNLD. Afinal, se apenas diminuirmos o número de situações de conversação, corremos o risco de sermos novamente reprovados por não atender ao edital.

Mas os problemas desse trecho do Relatório de Reprovação não param por aí. No Guia de Livros Didáticos PNLD 2010 – Letramento e Alfabetização, a maior parte das obras nele incluídas também privilegia o trabalho de conversação baseado nas experiên-cias cotidianas das crianças. Das 19 coleções aprovadas, 13 apresentam em sua resenha a crítica de que a proposta centraliza -se nas situações de conversa em detrimento das demais. Por que será que há essa predominância? Simples, porque é uma exigência do Edital do PNLD 2010! Os avaliadores, portanto, além de afrontarem o edital, entram em contradição ao reprovar a Coleção Projeto ALLE nesse quesito e aprovar outras 13 obras que apresentam os mesmos supostos problemas. O ERRO TIPO 6 é inadmissível na avaliação do PNLD por ferir um princípio geral da lei das licitações, segundo o qual todos os participantes de um processo de seleção são iguais perante as regras do edital, não devendo ser feita nenhuma distinção entre pessoas, instituições ou produtos envol-vidos: o princípio da isonomia!

Finalmente: o que os avaliadores do PNLD 2010 querem dizer com a frase “ativida­des que sugerem a conversa”? O emprego do verbo “sugerir” nessa crítica desquali-fica a Coleção a priori, sem que seja apresentada uma análise objetiva. Essa estratégia de desqualificar para desmerecer a obra revela -se um ardil dos avaliadores que, agindo dessa forma, transformam a avaliação em mera opinião. Os avaliadores, mais uma vez, recorrem a generalizações para constituir argumentos retóricos que, além de depreciar injustamente os nossos livros, desmerecem o próprio Programa Nacional do Livro Didático. Trata -se de um clássico ERRO TIPO 7 e uma afronta às políticas educacionais tão duramente con-quistadas pelo MEC nos últimos anos!

31   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Edital de convocação para inscrição no processo de avaliação e seleção de obras didáticas a serem incluídas no Guia de Livros Didáticos de 1º ao 5º ano do PNLD 2010. Brasília: Diário Oficial da União, 27/abr/2009, p. 66. [grifos nossos].

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Capítulo 5 – O caso da Coleção Projeto ALLE 237

A Coleção Projeto ALLE valoriza as situações de conversação nas atividades de comuni-cação oral – mas não de forma exclusiva, como os avaliadores alegam, sem comprovar, no Relatório de Reprovação. A leitura atenta dos livros da Coleção, bem como das orientações presentes no Manual do Professor, permite essa constatação que pode até ser quantificada, embora o Edital do PNLD 2010 não apresente critérios quantitativos sobre o assunto, ga-rantindo ampla liberdade aos autores dos livros de alfabetização para fazer as suas opções. Nesse sentido, os avaliadores ultrapassam os limites de suas funções ao excluir a Coleção com base em critérios quantitativos inexistentes no escopo do PNLD.

Mas os avaliadores do PNLD 2010 vão além e se superam nas suas confusões. Entram em contradição consigo próprios ao reprovar a Coleção, não mais pela predominância de situações de conversação no eixo da oralidade, mas, sim, porque nesse eixo predominam atividades de recitação de textos da tradição oral. Eles alegam, no Relatório de Reprovação, que:

A linguagem oral é trabalhada, no volume 1, principalmente com ativi­

dades que solicitam ao aluno recitar ou cantar os textos de tradição

oral (parlendas, trava ­línguas e cantigas) [...].32

Há que se afirmar que os avaliadores do PNLD 2010 parecem mesmo inaptos para analisar livros didáticos, pois sequer conseguem chegar a uma conclusão acerca do real conteúdo das obras que avaliam. Imperícia? A outra hipótese é a de que eles elencam a esmo supostos problemas apenas para reprovar a Coleção. Má -fé? Cabe ao leitor chegar ao veredicto. Para nós, a questão central é: o que realmente predomina na obra? O pare-cer dos avaliadores indica a predominância de vários aspectos. Mas como é possível isto? Trata -se de um erro lógico elementar! Não existe predominância quando uma variedade de tipos predomina! Isso eles não explicam no Relatório de Reprovação. Tampouco relacio-nam esse predomínio com algum critério de exclusão presente no Edital do PNLD 2010. Valem -se, mais uma vez, de análises superficiais que não correspondem à obra original, outro caso de ERRO TIPO 1. Como os avaliadores não exemplificam a crítica com tre-chos da obra, essa análise se mostra contraditória, inconsistente e infundada! Um clássico ERRO TIPO 7 que se agrava por impedir a reformulação da obra. Se tudo predomina, o que deverá ser ampliado? O que deverá ser reduzido?

Ao confrontar a opinião dos avaliadores com as informações do Edital do PNLD 2010 é possível verificar, mais uma vez, que os avaliadores não respeitaram o edital e não hesi-taram em contrariá -lo. Afinal, o trabalho com textos da tradição oral é uma demanda do edital expressa na página 64: “no caso dos dois livros de alfabetização, a presença de textos da tradição popular é imprescindível”.

É repetitivo, sabemos disso, mas reiteramos que a Coleção Projeto ALLE foi elaborada de modo a atender ao Edital do PNLD 2010 e, portanto, valoriza os textos da tradição

32   UNIVERSIDADE  FEDERAL  DE MINAS  GERAIS.  SECRETARIA  DE  EDUCAÇÃO  BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Projeto ALLE. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 15. [grifos nossos].

Com a palavra o autor.indb 237 20/07/2010 19:49:23

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Com a palavra, o autor238

popular nas atividades de leitura, escrita e comunicação oral, promovendo recitais, jograis e festivais – mas não de forma exclusiva, como os avaliadores do PNLD 2010 alegam, sem comprovar, no Relatório de Reprovação. A leitura atenta dos livros do aluno e das orientações presentes no Manual do Professor permite constatar que essa crítica não passa de uma aleivosia. Caso os avaliadores do PNLD 2010 estivessem realmente preocupados em fazer análises quantitativas até poderiam ter utilizado os dados presentes nesses trechos da obra. Mas não o fizeram, e não o fizeram porque não têm respaldo legal para realizar esse tipo de análise. O Edital do PNLD 2010 não apresenta critérios quantitativos sobre o assunto, garantindo ampla liberdade aos autores dos livros didáticos de alfabetização para fazerem suas opções.

Mas contradição interna e contradição com o edital não são as únicas falhas dessa pas-sagem do Relatório de Reprovação (de novo?!). Os avaliadores do PNLD 2010 também contrariam a si próprios ao incluir no Guia de Livros Didáticos PNLD 2010 outras obras que valorizam o trabalho com textos da tradição oral nas atividades de comunicação oral (a maior parte delas, por sinal: 12 dentre as 19 obras que compõem o catálogo do PNLD 2010!). Consta no Guia, por ironia, uma coleção aprovada com a grave ressalva de não contemplar atividades com textos da tradição oral no eixo da oralidade!

Na Tabela 5.3, encontram -se todos os gêneros presentes no Guia de Livros Didáticos PNLD 2010 listados nas resenhas das obras aprovadas no trecho referente ao eixo comu-nicação oral. São cerca de 36 gêneros, evitando -se, é claro, as repetições e as afirmações equivocadas (avaliadores, atenção: “telefone sem fio” não é um gênero, mas sim, brinca-deira de criança!).

Como é possível observar na Tabela 5.3, dos 33 gêneros apresentados para o trabalho com a oralidade nas obras aprovadas, a Coleção Projeto ALLE apresenta 32 gêneros! Por que a Coleção foi excluída do Guia se ela trabalha com praticamente a totalidade dos gêneros aprovados pelos avaliadores? Os avaliadores do PNLD 2010, mais uma vez, des-respeitaram o princípio da isonomia incorrendo no ERRO TIPO 6! Esse desrespeito fica ainda mais evidente quando se constata, no Guia que:

�� 17 obras aprovadas apresentam menos de 12 gêneros textuais distintos para o trabalho com a oralidade; e�� 2 coleções (apenas!) oferecem uma diversidade de gêneros textuais maior do que a di-

versidade presente na Coleção Projeto ALLE!

Conclusão: ao contemplar tamanha diversidade de gêneros, não é possível crer, como os avaliadores tentam fazer no Relatório de Reprovação, que no eixo da oralidade da Co-leção Projeto ALLE predominem apenas situações que “sugerem a conversa entre os colegas” ou “que solicitam ao aluno recitar ou cantar textos de tradição oral”. Essa opinião manifesta no Relatório só pode ser decorrente de uma avaliação equi-vocada na qual há confusão conceitual e de contabilidade. Um ERRO TIPO 2, na nossa análise. Ou haveria algum outro motivo melhor para justificar esse imbróglio?

Com a palavra o autor.indb 238 20/07/2010 19:49:23

Page 239: Com a palavra o autor

Capítulo 5 – O caso da Coleção Projeto ALLE 239

TA B E L A 5 . 3 Descrição dos gêneros presentes no trabalho de oralidade das obras aprovadas no Guia de Livros Didáticos PNLD 2010 e da Coleção Projeto ALLE

Gêneros presentes nas obras aprovadas Gêneros presentes na Coleção Projeto ALLE

adivinha (recital, reprodução oral) adivinha (recital, reprodução oral)

apresentação apresentação

brincadeira (cantada/falada) brincadeira (cantada/falada)

cantiga (recital, reprodução oral/de ninar, de roda, cantigas infantis)

cantiga (recital, reprodução oral/de ninar, de roda, cantigas infantis)

carta, bilhete carta, bilhete

comentário comentário

conto (história/produção e reconto) conto (história/produção e reconto)

convite convite

debate debate

descrição descrição

diálogo (e/ou conversa telefônica) diálogo

discussão discussão

dramatização (encenação, encenação de história) dramatização (encenação, encenação de história)

entrevista (planejamento e produção) entrevista (planejamento e produção)

explicação explicação

exposição de ponto de vista exposição de ponto de vista

fábula fábula

ficha de identificação ficha de identificação

história do nome história do nome

instrução (jogo) instrução (jogo)

lista lista

opinião opinião

parlenda (recital, reprodução oral) parlenda (recital, reprodução oral)

piada (recital, reprodução oral) piada (recital, reprodução oral)

poema (leitura expressiva, recital de poemas, recitação)

poema (leitura expressiva, recital de poemas, recitação)

pesquisa (relato de atividades de pesquisa) pesquisa (relato de atividades de pesquisa)

quadrinha (recital, reprodução oral) quadrinha (recital, reprodução oral)

recital recital

reconto (reconto de história) reconto (reconto de história)

relato (de descoberta, de experiência, de vivência, pessoal)

relato (de descoberta, de experiência, de vivência, pessoal)

resposta oral a perguntas resposta oral a perguntas

trava -língua (recital, reprodução oral) trava -língua (recital, reprodução oral)

canção (recital, reprodução oral/letra de música)

Fonte: BRASIL. SECRETARIA DA EDUCAÇÃO BÁSICA. Guia de Livros Didáticos PNLD 2010: letramento e alfabetização/língua portuguesa. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2009, pp. 39 -140.

Com a palavra o autor.indb 239 20/07/2010 19:49:23

Page 240: Com a palavra o autor

Com a palavra, o autor240

A Coleção é reprovada com base em dois exemplos!

Se, por um lado, já demonstramos que números não são o forte da avaliação do PNLD 2010, por outro lado temos de admitir que os avaliadores são muito bons em fazer lis-tagens (numerosas ou não), utilizando com maestria o número de exemplos a favor dos seus argumentos. Trata -se de um ardil por meio do qual os avaliadores do PNLD 2010 procuram fundamentar (pelo excesso ou pela falta de elementos na obra) as suas críticas. Quando interessa, na tentativa de provar que o fato alegado ocorre de forma reiterada e frequente, são mencionadas dezenas de páginas da Coleção Projeto ALLE, listadas umas após as outras “num golpe só”, como diz o caipira paulista. Esse estratagema assemelha -se a uma rajada de vento, confundindo até mesmo o mais cético dos leitores. Em algumas pas-sagens do Relatório de Reprovação, como essa que veremos a seguir, um ou dois exemplos são apresentados como testemunho cabal de uma crítica ampla, que abarca toda a Coleção. Nelas, fica evidente a estratégia de tomar o todo por suas partes, um subterfúgio à falta de comprovação factual. Nesse caso específico, os avaliadores apresentam apenas dois únicos exemplos para comprovar que todo o trabalho com textos da tradição oral está voltado apenas para a alfabetização, ou melhor, para a apropriação do sistema alfabético:

[...] há uma prevalência, no volume inicial, de textos da tradição oral

[...]. Entretanto, tais textos são utilizados com o propósito predomi­

nante de apoiar o ensino e o aprendizado do sistema alfabético e não

contribuem para o desenvolvimento de habilidades e conhecimentos es­

senciais à construção de sentidos _ como os conhecimentos prévios dos

alunos, os processos coesivos, a intertextualidade, a relação entre

imagem e texto.

Um exemplo dessas restrições pode ser identificado nas páginas 32 e

33 do vol. 1 [...].

No volume 2 da coleção também é marcante a presença de gêneros da tra­

dição oral [...] cuja principal finalidade continua sendo a exploração

das capacidades do sistema alfabético. Um exemplo [reprodução de trecho

de atividade da página 56 do livro do aluno do 2o ano].33

Antes de entrar propriamente na discussão numérica, insistimos em retomar o fato dos avaliadores do PNLD 2010 não terem respaldo legal para utilizar critérios quantitativos expressos por meio de termos vagos como “prevalência” ou “propósito predominan­te”. Já comprovamos anteriormente que o Edital do PNLD 2010 não exige quantidades mínimas ou máximas. Fica evidente, mais uma vez, que o uso de critérios quantitativos com base em termos genéricos é uma estratégia recorrente dos avaliadores que, assim, criam parâmetros próprios, estranhos ao edital, e extrapolam o seu poder discricionário. Um típico ERRO TIPO 5 associado ao ERRO TIPO 7. Questionamos também a validade da crítica “principal finalidade continua sendo a exploração das capacidades do sistema alfabético”. Como já foi amplamente indicado, o edital demanda claramente

33   UNIVERSIDADE  FEDERAL  DE MINAS  GERAIS.  SECRETARIA  DE  EDUCAÇÃO  BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Projeto ALLE. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 7. [grifos nossos].

Com a palavra o autor.indb 240 20/07/2010 19:49:24

Page 241: Com a palavra o autor

Capítulo 5 – O caso da Coleção Projeto ALLE 241

que os livros de alfabetização favoreçam o domínio do sistema de escrita e promovam, (sic) “inicial e gradualmente”, a inserção na cultura letrada. Mais um exemplo de ERRO TIPO 5. Mas o que realmente nos interessa aqui é o uso de apenas dois únicos exemplos para corroborar uma crítica tão ampla. Duas únicas atividades são prova de que todos os textos da tradição oral presentes na Coleção são usados exclusivamente para alfabetizar? Os avaliadores analisaram o restante da obra? Ou apenas selecionaram dois exemplos e pronto, tarefa concluída? Para nós, trata -se de um ardil, um subterfúgio: fatos concretos da obra desmentem essa opinião dos avaliadores e, portanto, invalidam a reprovação da obra pelos alegados motivos.

Quando reclamamos sobre esse assunto junto à SEB, os próprios avaliadores do PNLD 2010 afirmaram que seu poder discricionário os dispensa da obrigação de localizar na obra todos os exemplos que correspondem à crítica, sendo sua função apenas a de indicar a existência da falha ou da inadequação. Tal função do papel dos avaliadores é bastante discutível. As alegações genéricas e infundadas só são feitas porque eles encontram res-paldo no anonimato da avaliação. Se os Relatórios de Reprovação fossem públicos, os avaliadores necessariamente teriam de comprovar suas alegações com base em dados mais substanciosos. Eles teriam que demonstrar a perícia e a veracidade de sua análise para os professores que já adotaram a Coleção Projeto ALLE, por exemplo. Afinal, a aprovação de um livro em um PNLD seguida de sua exclusão no programa seguinte é algo que atrapalha o desenvolvimento profissional dos docentes. A adesão a um material e à sua proposta de ensino, sobretudo quando traz inovações, é um processo lento. Os avaliadores da equipe de alfabetização de 2010 sabem disso. A maior parte deles atua em projetos de formação de professores e sabe que o tempo é fundamental34. Descartar um material didático sem que haja alterações significativas nos parâmetros da avaliação só pode ser interpretado pelos docentes como uma inconsistência do PNLD. O que os avaliadores do PNLD 2010 querem? Difamar o programa? Além disso, se os relatórios de reprovação fossem públicos, o trabalho dos avaliadores seria objeto do escrutínio de pesquisadores das universidades. Será que os avaliadores realizariam avaliação tão superficial e infundada sabendo que seus colegas da academia estudariam com afinco os seus pareceres? Ora, como os argumentos só são repassados aos editores das obras excluídas, os avaliadores realmente parecem não ter com o que se preocupar.

Na verdade, se realmente temos de “engolir” a reprovação com base em dois únicos exemplos em detrimento da análise total da obra, os avaliadores do PNLD 2010 poderiam ao menos citar dois bons exemplos, exemplos irrefutáveis, abrangentes, totalizantes. Mas não é esse o caso. Os dois únicos exemplos citados no Relatório de Reprovação sequer

34   A análise do Currículo Lattes dos avaliadores indica que quase a totalidade dos integrantes da equipe de avalia-ção de Alfabetização e de Língua Portuguesa tem relações diretas com o CEALE, centro de pesquisas da Faculdade de Educação da UFMG, contratado para realizar a avaliação de 2010 e também as avaliações anteriores. O CEALE desen-volve projetos de formação de professores junto a redes municipais de ensino do estado de Minas Gerais (principal-mente, mas não exclusivamente) e apoia projetos do próprio MEC relacionados à alfabetização e ao ensino da leitura e da escrita. O CEALE também produz materiais didáticos que são distribuídos gratuitamente aos alunos das escolas públicas no contexto desses projetos de formação e capacitação docente. Esses materiais, importante destacar, não passam pela avaliação do PNLD embora sejam elaborados com verba pública e privada e utilizados pelo alunado da rede pública. Essas informações podem ser confirmadas no site do CEALE: <http://www.ceale.fae.ufmg.br/institucional.php?catId=99&txtId=301> (acesso: maio/2010).

Com a palavra o autor.indb 241 20/07/2010 19:49:24

Page 242: Com a palavra o autor

Com a palavra, o autor242

servem como prova dos argumentos apresentados pelos avaliadores. As páginas 32 e 33 do volume 1 apresentam uma parlenda (texto da tradição oral) que as crianças costumam utilizar nas brincadeiras que envolvem corda. Pular corda recitando uma parlenda é um brinquedo popular do nosso país. A página 56 do volume 2 apresenta um trava -língua, outro elemento da nossa cultura. As atividades de leitura propostas nas duas sequências destacadas pelos avaliadores não se restringem ao aprendizado do sistema alfabético, como muito bem explica as informações fornecidas no Manual do Professor (páginas 23 e 24 do volume 1 e página 38 do volume 2)35. Trata -se de um evidente ERRO TIPO 1: o fato alegado não pode ser comprovado porque não existe. Ou será um ERRO TIPO 2: o Re-latório de Reprovação baseia -se em confusão conceitual, pois os avaliadores erraram na interpretação da natureza das atividades citadas?

Mesmo assim, não vamos nos calar acerca dos números e das quantidades. Afinal, o volume 1 da Coleção apresenta, além das atividades das páginas 32 e 33, mais 50 situa-ções de leitura nas quais os alunos são convidados a ler com diferentes propósitos. Já o volume 2, além da atividade da página 56, oferece mais 40 atividades. Mas os avaliadores do PNLD 2010 omitiram essas informações. Esconderam os dados quantitativos da obra e eximiram-se da tarefa de realmente analisar todas as outras atividades além daquelas que alegam estar relacionadas ao aprendizado do sistema alfabético. Constata -se, portanto, que a afirmação de que as atividades de leitura “não contribuem para o desenvolvimento de habilidades e conhecimentos essenciais à construção de sentidos” não se sustenta. A omissão das outras 90 situações presentes na Coleção é uma clara indicação de que os ava liadores não leram os nossos livros na sua integridade ou omitiram os fatos. A conclusão dos avalia do res do PNLD 2010, portanto, caracteriza -se como uma distorção da verdade, resultante de uma análise feita sem levar em consideração o todo da obra e o contexto dos dois únicos trechos por eles destacados. Recorde -se, paciente leitor, tais imperícias e distorções na avaliação dos nossos livros foram realizadas a um custo de mais de 20 mil reais ao erário!

Finalmente: como já indicamos anteriormente, os avaliadores aprovaram e incluíram no Guia de Livros Didáticos PNLD 2010 – Letramento e Alfabetização, obras que, assim como a Coleção Projeto ALLE, apresentam a ressalva de conferir primazia ao trabalho com o sistema de escrita. Mais uma vez, nós enfatizamos que essa crítica não recai sobre as coleções aprovadas. A denúncia é contra os avaliadores do PNLD 2010 que afrontam o princípio da isonomia entre as coleções inscritas nesse programa e por eles próprios avalia-das, o que caracteriza ERRO TIPO 6.

A Coleção é reprovada com base em três parágrafos!

Ainda na linha do uso de uma parte ínfima da Coleção Projeto ALLE para justificar a sua crítica, desconsiderando por completo a totalidade da obra (ah, como fomos ingênuos

35   No site da Editora Sarandi é possível consultar os livros da Coleção Projeto ALLE na íntegra, em versão PDF. 

Com a palavra o autor.indb 242 20/07/2010 19:49:24

Page 243: Com a palavra o autor

Capítulo 5 – O caso da Coleção Projeto ALLE 243

em achar que os avaliadores não saberiam manipular números!), apresentamos mais um exemplo. Esse, relacionado aos manuais do professor, muito nos entristece. Sempre nos orgulhamos dos nossos manuais pela qualidade e pela quantidade de informações forneci-das. Nunca fizemos qualquer restrição ao número de páginas dos manuais, ao contrário da maioria das editoras que, em nome de custos mais baixos, limitam os autores a produzi-rem manuais com 32 ou no máximo 48 páginas! Pelo contrário: sempre fomos generosos, forne cendo centenas de ideias para o professor organizar o seu planejamento, muitas infor-mações conceituais, farta bibliografia. Mas, os avaliadores do PNLD 2010 não gostaram dos nossos manuais. Reprovaram e excluíram os livros do Projeto ALLE porque:

Finalmente, um aspecto problemático, que merece ser retomado, para

maior exemplificação, é a incoerência entre os fundamentos do Manual do

Professor e as atividades desenvolvidas na proposta didática.

Na segunda parte do Manual do Professor (p. 4), ao apresentar os fun­

damentos da coleção, pode ­se ler o seguinte texto: “[...] Por isso

apresentam ­se situações variadas, nas quais os alunos são convidados

a ler e a escrever com diferentes propósitos, com e sem ajuda do pro­

fessor.”

Se analisarmos a maioria das atividades de leitura e de escrita da

obra, veremos que o propósito é, em geral, o mesmo: na leitura, iden­

tificação de informações explícitas e atividades relacionadas à na­

tureza do sistema alfabético. Com relação à escrita, privilegiam ­se

atividades de escrita de palavras, letras e preenchimento de lacunas.

Não se observam, portanto, atividades com diferentes propósitos, como

afirma o Manual do Professor.

Ainda na página 4 do Manual do Professor localiza ­se o seguinte tex­

to:

“A alfabetização não se restringe ao conhecimento das letras e das

regras que regem o sistema de escrita, mas se refere a um conjunto de

conhecimentos que envolvem o uso adequado da linguagem escrita. Uma

das consequências dessa conceituação é a necessidade de se elaborar

um planejamento que, desde o início da escolaridade, contemple situ­

ações nas quais os alunos possam ler e produzir textos, tornando ­se

usuários ativos dos textos que circulam em nossa sociedade.”

Esse pressuposto também não é contemplado nas atividades presentes na

obra, pois não se observa um trabalho voltado para a reflexão sobre

os diferentes gêneros que circulam na sociedade e sobre sua função.

Outro pressuposto encontrado no Manual (p. 4) destaca:

“As atividades de leitura feitas pelo professor são situações didáti­

cas que asseguram aos alunos o acesso à diversidade de textos, mesmo

antes de lerem convencionalmente. De forma semelhante, as atividades

de escrita do professor permitem que eles produzam textos de diferen­

tes tipos, mesmo antes de escreverem convencionalmente, façam revi­

sões coletivamente e tenham a oportunidade de discutir e analisar as

características discursivas de um texto.”

Entretanto, a análise das produções de texto propostas na obra, indica

que a maioria delas não se configura como tal, e sim como escrita de

palavras, de letras e preenchimento de lacunas, sem análise das “ca­

racterísticas discursivas de um texto”, como consta no Manual. Não se

Com a palavra o autor.indb 243 20/07/2010 19:49:26

Page 244: Com a palavra o autor

Com a palavra, o autor244

observa um trabalho voltado para a análise e a reflexão das condições

de produção do texto, ou seja, o que escrever, para quem escrever,

para que e como escrever.

Observam ­se, assim, incoerências entre os pressupostos e fundamentos

explicitados no Manual do Professor e as capacidades trabalhadas pelas

atividades da obra.36

O Manual do Professor apresenta, na página 4 da parte específica, os fundamentos gerais da Coleção Projeto ALLE, explicitando ao professor alguns dos embasamentos das concepções de alfabetização e letramento adotadas pelas autoras da obra (Figura 5.15, ao final do capítulo). Nas 79 páginas restantes (vale destacar que a parte específica do Ma-nual tem 80 páginas em cada volume!), o Manual apresenta informações práticas sobre a articulação entre os fundamentos da obra e a proposta que ela efetivamente apresenta no Livro do Aluno, ou seja, as sequências de atividades que oferece para apoiar os processos de aprendizagem da leitura, da escrita e da comunicação oral.

Os avaliadores do PNLD 2010, porém, omitiram as 79 páginas nas quais essa articu-lação é amplamente explicada (inclusive por meio de notas de rodapé, nas quais é possível encontrar as referências teóricas de todas as atividades propostas) e justificaram a repro-vação da Coleção por falta de articulação entre os manuais e os livros do aluno com base em apenas três únicos parágrafos! As coleções de alfabetização, por exigência do Edital do PNLD 2010, são compostas por dois volumes e, portanto, é necessário multiplicar por dois o número de páginas correspondentes ao Manual do Professor no total da obra: são 160 páginas dedicadas ao professor.

Assim, é fácil constatar que a argumentação dos avaliadores se baseia, portanto, em três passagens de uma única página do Manual que correspondem a 13 linhas de um total de 40 por meio das quais as autoras iniciam a explanação sobre os fundamentos teóricos e as indicações práticas da obra (Figura 5.15). Os dados quantitativos aqui são relevantes. Pois, além da omissão, os avaliadores do PNLD recortaram o texto original e trabalharam ape-nas com fragmentos descontextualizados para forjar uma crítica que, quando confrontada com os fatos concretos, não existe!

Além da omissão das demais 79 páginas do Manual do Professor (ou 160, se preferir o leitor ávido por números) e da argumentação construída a partir de fragmentos do ori-ginal, os avaliadores alegaram que a incoerência entre o Manual do Professor e o Livro do Aluno ocorre porque, segundo eles, existe no Livro do Aluno:

�� predominância de atividades voltadas para a aquisição do sistema de escrita;�� ausência de diversidade de gêneros; e�� predominância de atividades de escrita de palavras, de letras e de preenchimento de

lacunas.

36   UNIVERSIDADE  FEDERAL  DE MINAS  GERAIS.  SECRETARIA  DE  EDUCAÇÃO  BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Projeto ALLE. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, pp. 15 -16. [grifos nossos].

Com a palavra o autor.indb 244 20/07/2010 19:49:27

Page 245: Com a palavra o autor

Capítulo 5 – O caso da Coleção Projeto ALLE 245

Entretanto, como já foi claramente demonstrado, essa suposta “ausência” e essa supos-ta “predominância” não são verificadas na obra. Trata -se, na verdade, de um típico ERRO TIPO 1 associado a um ERRO TIPO 7: inexistência na obra dos fatos alegados disfarçada sob o manto da argumentação genérica e vaga, só para simplificar.

Ao contrário dos avaliadores do PNLD 2010, que se eximem da tarefa de apresentar fatos concretos de maneira suficiente e consistente, apresentamos na sequência uma lis-tagem detalhada das atividades de leitura e de escrita propostas em ambos os volumes da Coleção. Como é possível constatar nos dados da Tabela 5.4, essas atividades envolvem diferentes propósitos de uso social da leitura e da escrita e também uma ampla diversidade de gêneros.

Ao fazer esse levantamento com base em uma análise minuciosa da obra, não encontra-mos as atividades de escrita de palavras e letras, ou de preenchimento de lacunas mencio-nadas pelos avaliadores. Em quais páginas essas atividades se encontram? Os avaliadores não indicaram as páginas da Coleção que, supostamente, apresentariam essas atividades porque elas simplesmente não existem na Coleção!

Finalmente, é preciso destacar que o Manual do Professor apresenta, no volume  1, cerca de 80 sugestões de atividades de leitura e de escrita complementares àquelas propos-tas no Livro do Aluno. No volume 2, são mais de 70 atividades. Os dados da Tabela 5.5, apresentada a seguir, indicam que essas sugestões estão relacionadas a situações de leitura e de escrita com diferentes propósitos, envolvendo uma diversidade de gêneros textuais. Elas são apresentadas na parte específica do Manual justamente porque complementam as atividades propostas no Livro do Aluno, fornecendo ao professor informações para que ele possa melhor organizar o seu planejamento e ir além do livro didático.

Podemos facilmente concluir, assim, que os avaliadores do PNLD 2010 apontam, sem fundamentar, “incoerência” entre o Manual do Professor e a proposta do Livro do Aluno e, ao formular seus argumentos, eles incorrem em:

ERRO TIPO 1: recortam três pequenos trechos do Manual do Professor para, de forma descontextualizada e fragmentada, construir um argumento que se mostra sem funda-mentos quando se analisa a totalidade dos manuais do professor e dos livros do aluno que integram a Coleção.

ERRO TIPO 2: demonstram imperícia ao apontar incoerências que, na realidade, não existem.

ERRO TIPO 7: recorrem a um discurso genérico para apresentar seus argumentos, sem apresentar: 1) trechos do Manual do Professor que estejam em desacordo com os critérios de avaliação do Edital do PNLD 2010; 2) textos e atividades do Livro do Aluno que es-tejam incoerentes com o Manual do Professor. Logo, os avaliadores não fundamentam o discurso retórico que adotam como argumento.

Com a palavra o autor.indb 245 20/07/2010 19:49:27

Page 246: Com a palavra o autor

Com a palavra, o autor246

TA B E L A 5 . 4 Descrição das atividades de leitura e de escrita da Coleção Projeto ALLE

Descrição das atividades de leitura e de escrita Páginas da Coleção em que elas se encontram

Situações de exploração do alfabeto e da ordem alfabética.

Volume 1: 20, 21, 32, 33, 42.

Volume 2: 20, 21, 40, 41, 90, 91.

Situações de leitura e de produção escrita de listas de palavras que fazem parte do repertório infantil: nome dos familiares, profissão dos pais, materiais escolares, meses do ano, dias da semana, meses dos aniversários da turma, comidas de aniversário, histórias conhecidas, parlendas, cantigas etc., elaboradas com diferentes propósitos: para obter informações, para comunicar informações, para organizar dados, para recordar e, inclusive, para refletir sobre o sistema de escrita, ou seja, para aprender a ler e a escrever.

Volume 1: 16, 17, 34, 35, 46, 47, 49, 53, 54, 55, 65, 68, 71, 80, 81, 104, 105.

Volume 2: 16, 17, 18, 19, 24, 25, 28, 29, 50, 51, 58, 59, 62, 63, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 82, 83, 92, 93, 133.

Atividades voltadas para o trabalho com o nome próprio, permitindo aos alunos a construção de um repertório inicial de palavras cuja escrita eles passam a dominar e a utilizar como apoio para ler e escrever outras palavras/textos.

Volume 1: 28, 29, 34, 35, 43, 57, 58, 59, 62, 63, 64, 66, 67, 88, 89.

Volume 2: 22, 23, 33, 35, 40, 41, 42, 43, 48, 49, 88, 89.

Atividades de leitura com diferentes propósitos: ler para se divertir, ler para se informar, ler para analisar o que está escrito, ler para ampliar seu repertório histórico--cultural de textos.

Volume 1: 22, 23, 24, 25, 26, 27, 32, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 44, 45, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 56, 60, 61, 68, 69, 70, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 131, 139, 141, 143, 147, 148, 149, 150, 151, 152.

Atividades de produção de texto com diferentes propósitos: escrever um texto conhecido para ler e se entreter com os familiares, escrever bilhetes e convites para comunicar informações, escrever etiquetas para identificar seus materiais escolares, crachás de identificação, uma agenda telefônica, um livro de cantigas.

Volume 2: 26, 27, 30, 31, 32, 34, 36, 37, 38, 39, 44, 45, 46, 47, 52, 53, 56, 57, 60, 61, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 80, 81, 84, 85, 86, 87, 94, 95, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 122, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 129, 130, 131, 135, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 156.

Com a palavra o autor.indb 246 20/07/2010 19:49:27

Page 247: Com a palavra o autor

Capítulo 5 – O caso da Coleção Projeto ALLE 247

TA B E L A 5 . 5 Descrição das atividades complementares indicadas no Manual

Descrição das atividades de leitura e de escrita

Páginas do Manual em que elas se encontram

Produção de atividades de passatempo: caça--palavras, cruzadinhas e jogos.

Volume 1: 24, 34, 36, 47. Volume 2: 27, 53, 56.

Produção de leitura e de escrita de textos informativos, instrucionais, textos da tradição popular, poemas, jornal.

Volume 1: 32, 33, 36, 38, 41, 45, 50, 51, 53, 56.Volume 2: 22, 26, 30, 32, 38, 48, 52.

Pesquisa em livros e na Internet para buscar novas informações.

Volume 1: 20, 21, 23, 27, 38, 41, 44, 59, 61. Volume 2: 22, 29, 33, 35, 51, 53, 59.

Produção de textos (lista, cartaz, convite, bilhete, entrevista, etiquetas, legenda, rimas, mural, calendário, placas de identifi cação etc.).

Volume 1: 18, 19, 29, 32, 41, 42, 46, 47, 48, 58, 60, 62, 63.Volume 2: 16, 17, 19, 20, 22, 23, 24, 30, 31, 34, 36, 42, 44, 58, 62, 63.

Organização de eventos coletivos (projeto aniversariante do mês, estudo de autor, apreciação de obra de arte, coleções, projeto recitar, apreciação musical, projeto documentos, relato de experiências etc.).

Volume 1: 21, 23, 43, 49, 57, 61.Volume 2: 32, 33, 34, 38, 42, 50, 51, 57, 58, 59, 60, 62, 64.

Situações de avaliação envolvendo leitura e escrita.

Volume 1: 14, 15, 65, 66.Volume 2: 14, 15, 65, 66, 67.

A imperícia e a falta de fundamentos do Relatório de Reprovação resulta em um argu-mento falso que não pode ser considerado válido na exclusão da Coleção Projeto ALLE do PNLD 2010, o que desqualifica e invalida a avaliação da nossa obra a um preço módico de 20 mil reais para a sociedade!

A obra é excluída por não apresentar autores que não foram exigidos

Um título com tantos advérbios de negação até parece um trava -língua, não é mesmo? Mas é a pura verdade. Os avaliadores do PNLD 2010 extrapolaram com tamanha exorbi-tância seu poder discricionário que chegaram a reprovar a Coleção Projeto ALLE por não apresentar textos de autores que não foram solicitados, ou seja, cuja exigência não existe no Edital do PNLD 2010. Eles afirmam no Relatório de Reprovação que:

Em relação aos autores literários, todos são contemporâneos e poucos

são representativos. Destaca ­se, assim, a restrita representatividade

de textos autênticos, uma vez que a maioria dos textos é produzida

pela própria autoria da obra, com finalidades didáticas.37

37   Ibidem, p. 8. [grifos nossos].

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De início, é necessário salientar que o Edital do PNLD 2010 não exige a “presença de autores de outros tempos”. Ao usar o argumento “todos são autores contemporâneos” para excluir a Coleção Projeto ALLE, os avaliadores do PNLD 2010 inovam, o que extra-pola suas funções. Já dissemos, comprovamos e voltamos a afirmar: avaliadores do PNLD 2010 não podem criar critérios próprios para avaliar as obras no âmbito do PNLD. Trata--se de um evidente ERRO TIPO  5. Os avaliadores do PNLD estão obrigatoriamente limitados aos critérios de exclusão estabelecidos nos termos do Edital do PNLD 2010. O edital não apresenta nenhuma indicação sobre o assunto, menção a autores de outras épocas, indicação de percentual de autores contemporâneos e de autores de outros tempos que os livros didáticos de alfabetização devem necessariamente contemplar sob pena de serem excluídos do programa!

Como se não bastasse a impertinência do seu critério inovador, os avaliadores do PNLD 2010 não explicam (nem fundamentam) a sua alegação de que a seleção de autores apresentada na Coleção compromete a formação leitora dos alunos. Eles reprovam e ex-cluem a Coleção do PNLD 2010 com base em acusações genéricas e infundadas, julgadas por critérios estranhos ao Edital do PNLD 2010. Um clássico ERRO TIPO 7 associado ao ERRO TIPO 5. Mas, uma vez que inovam, eles deveriam, no mínimo, sustentar seu critério inovador com fatos claros, incontestáveis, sustentados por farta literatura especia-lizada. Isso eles não fizeram. Não o fizeram porque tais fatos não existem, de modo que nessa única frase do Relatório de Reprovação verificamos a presença de mais um erro de avaliação: o ERRO TIPO 1.

Embora o equívoco apontado anteriormente, por si só, invalide esse argumento de exclusão do Relatório de Reprovação, também é relevante (e revelador) comentar a falsa alegação de que os autores apresentados na Coleção não são representativos – para nós, um evidente e gritante ERRO TIPO 2, pois somente o desconhecimento sobre a literatura infanto juvenil e a ignorância acerca dos demais programas de compra de livro do governo federal (como o PNBE) justifica essa crítica dos avaliadores do PNLD 2010.

O Edital do PNLD 2010 recomenda a utilização de autores brasileiros representativos, mas não indica quais são esses autores e tampouco estabelece critérios para nortear a es-colha e definir o que é essa representatividade. Como o edital deixa a questão em aberto, os autores do livro didático de alfabetização podem livremente interpretá -la e fazer suas escolhas, desde que obedeçam a um critério justificável.

Na ausência de tais indicações, baseamos nossas escolhas nos livros adquiridos pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE) e em outros programas de aquisição de livros paradidáticos e literários do Ministério da Educação (MEC).

Das 16 obras/autores trabalhados na Coleção Projeto ALLE, metade faz referência a livros anteriormente avaliados pelo próprio governo como representativos (se não fossem representativos, não teriam sido adquiridos por esses programas, não é mesmo?). Portanto, a reprovação da Coleção com base no argumento de falta de representatividade das obras/autores selecionados indica que os avaliadores do PNLD 2010 ignoram as ações do MEC e, pior, afrontam as determinações dos demais programas de compra de livros do Ministé-

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rio! Ignoram, questionam e afrontam. ERRO TIPO 2, ERRO TIPO 3 ou ERRO TIPO 5? Acreditamos ser uma interseção dessas três categorias.

Há que se considerar também que o fato das obras/autores trabalhados na Coleção fazerem parte das bibliotecas das escolas públicas garante o acesso dos alunos a essas obras, o que, por si só, já justifica a opção autoral de utilizá -los.

É importante destacar ainda que os avaliadores do PNLD 2010 omitiram no Relató-rio de Reprovação que entre os autores trabalhados nos livros da Coleção estão Tatiana Belinky, Oscar Wilde, Fernando Paixão, Daniel Munduruku, Marcelo Duarte, Ruth Ro-cha, Cristina Von, Jô Azevedo, José Paulo Paes, Sérgio Caparelli, Bartolomeu Campos de Queirós e Ferreira Gullar – todos autores consagrados, cujas obras são reconhecidas com premiações nacionais e/ou internacionais! Logo, reprovar a Coleção sob a alegação de que os autores trabalhados não são representativos é um erro de julgamento, o que pode ser classificado como um ERRO TIPO 2.

Os avaliadores do PNLD 2010, mais uma vez, citam exemplos de fatos da Coleção que supostamente corroborariam suas críticas, mas não explicam nem por que e nem como esses fatos as corroboram, incorrendo no ERRO TIPO 7 – que reúne as alegações gené-ricas e vazias que, na prática, impedem a reformulação da obra para posterior inscrição em outros programas. Por que a seleção de autores apresentada na Coleção compromete a formação leitora dos alunos? A argumentação, mais uma vez, omite fatos importantes para a verificação da procedência e da veracidade das alegações. Os avaliadores fazem apenas considerações genéricas, não corroboradas e baseadas em análises descontextualizadas.

Também é falsa a afirmação dos avaliadores do PNLD 2010 de que “a restrita re­presentatividade de textos autênticos” se dá porque “a maioria dos textos é produzida pela própria autoria da obra, com finalidades didáticas”. A leitura atenta da Coleção indica que, no volume 1, são oito textos das autoras da Coleção contra 20 textos escritos por outros autores; e, no volume 2, são seis textos das autoras da Cole-ção contra 24 de outros autores. A afirmação dos avaliadores do PNLD 2010, portanto, não tem a menor sustentação, pelo contrário, indica que eles foram negligentes (ao não verificarem a quantidade de textos de autoria própria e os de outros autores), distorcendo a verdade para justificar seu parecer pela exclusão.

Além disso, a leitura atenta das situações de leitura de textos elaborados pelas próprias autoras da obra indica que os alunos são convidados a ler com diferentes finalidades: para obter uma informação, para aprender as regras de um jogo, para seguir as instruções e confeccionar algo etc. O que, portanto, os avaliadores querem dizer com apenas “finali­dades didáticas”? Por acaso sugerem os avaliadores que os textos dos livros didáticos não devem ter finalidade didática? Esta é uma crítica sem sentido, vazia, e que não encontra respaldo no Edital do PNLD 2010.

Para finalizar, imagine só, prezado leitor, a seguinte cena: em função dos argumentos desse trecho do Relatório de Reprovação, nós, autores de livros didáticos, teremos de nos debruçar sobre os nossos livros didáticos e reformulá -los para torná -los não didáticos… Nem Franz Kafka fabulou um absurdo existencial tão desorientador para o pobre Josef K.

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A Coleção foi reprovada por apresentar um erro grave (alegado, mas não comprovado!)

Caso o leitor tenha filho em idade escolar, talvez já tenha vivido a experiência de en-contrar um ou mais erros nos livros didáticos adotados pela escola em que ele estuda. Não sabemos qual seria a reação do nosso paciente leitor, mas nós nos incomodamos muito e a nossa reação sempre foi a de alertar a professora: a data está errada, a conta sem sentido, o nome trocado, a referência equivocada… Como já mencionamos no primeiro capítulo deste livro, todos os livros possuem erros, inclusive as publicações não didáticas. Erro grave, grave mesmo a ponto de comprometer a formação dos nossos filhos, nós nunca encon-tramos. E mesmo se encontrássemos, a reação seria a mesma: a falha na informação não é exatamente o problema. O problema está no que se faz com ela. Aceitá -la? Não, jamais! Questionar, verificar, corrigir… Uma boa forma de ensinar nossos filhos a ter uma visão crítica sobre as informações que circulam ao seu redor e, ao mesmo tempo, a desenvolver um certo bom -senso, não é mesmo? Isso tudo, é claro, não dispensa a necessidade dos livros serem produzidos de forma correta, sem erros. Sobretudo quando se trata de livros didáti-cos feitos sob encomenda para um processo de licitação pública, como é o caso dos livros didáticos inscritos no PNLD.

Os avaliadores do PNLD 2010 alegaram, no Relatório de Reprovação, que excluíram nossa obra porque encontraram um erro grave. Nossa reação imediata foi a de culpa. Como assim, deixamos passar um erro grave?! É, caríssimo leitor, nós chegamos a acreditar que os avaliadores estariam corretos e nós errados, pior, gravemente errados. Mas logo a verdade veio à tona: o erro é dos avaliadores. Sensação de alívio? Não, de angústia. An-gústia porque tivemos e ainda temos de nos calar pelo erro dos outros – o que realmente é grave, não é mesmo?! Mas vamos às provas… O Relatório de Reprovação afirma que:

[...] um erro grave pode ser encontrado na forma de reprodução gráfica

dos textos, que pode induzir o aluno ao erro. Trata ­se do calendário

anual representado na página 68 do primeiro volume. O texto apresenta

a sequência dos dias da semana de forma equivocada, o que impossibi­

lita localizar corretamente as datas nos meses.38

Os avaliadores do PNLD 2010 afirmam que o calendário anual reproduzido na pági-na 68 do volume 1 da Coleção Projeto ALLE “apresenta a sequência dos dias da semana de forma equivocada”, o que é uma acusação absolutamente falsa. A verificação do erro dos avaliadores do PNLD 2010 é fácil, afinal, como o próprio original comprova, o referido calendário não apresenta os dias da semana (Figura 5.16). Os avaliadores, na análise dessa página, cometem um erro de fato que pode ser classificado como erro de interpretação (julgar que os dias do mês estavam dispostos de acordo com os dias da se-mana) ou até mesmo conceitual (achar que todos os calendários necessariamente trazem os dias da semana, pois, do contrário, não seriam calendários), aos quais denominamos

38   Ibidem, p. 8. [grifos nossos].

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ERRO TIPO 2. Além disso, como o nosso calendário não apresenta os dias da semana, também verificamos que o erro dos avaliadores é um ERRO TIPO 1 – o fato alegado é inexistente!

A nossa opção por apresentar um calendário anual sem os dias da semana é simples de entender e fácil de justificar. Nós sabemos, mas os avaliadores do PNLD 2010 parecem ig-norar, que o Edital do PNLD 2010 exige que a mesma edição de uma coleção aprovada no programa seja utilizada ao longo de três anos (no caso do PNLD 2010, ao longo dos anos de 2010, 2011 e 2012). Como o dia da semana correspondente a cada dia do mês varia de um ano para outro (em 2010, o dia primeiro de janeiro é uma sexta -feira; em 2011, um sábado; e em 2012, um domingo), a inclusão dessa informação no calendário permitiria o desenvolvimento da atividade com o calendário em apenas um dos três anos de uso do livro. Esse equívoco indica, portanto, que os avaliadores do PNLD 2010:

�� ignoram o funcionamento de um calendário (ERRO TIPO 2);�� desconhecem a natureza do Programa Nacional do Livro Didático e ignoram as exi-

gências do PNLD 2010 de que os livros destinados aos anos letivos de 2010, 2011 e 2012 sejam idênticos (ERRO TIPO 5);�� não leram com a devida atenção o encaminhamento da atividade, para constatar que,

naquele contexto, o dia da semana é irrelevante. Afinal, a atividade demanda ao aluno que localize e assinale o “mês do aniversário” e não o dia e muito menos o “dia da semana em que ele cai naquele determinado ano” (ERRO TIPO 7); e�� não leram as instruções sobre a atividade no Manual do Professor (um ERRO TIPO 1

associado ao ERRO TIPO 7).

Nesse caso, os avaliadores do PNLD 2010 parecem ser inaptos para realizar o trabalho para o qual foram contratados pela SEB. Por outro lado, caso os avaliadores tenham co-nhecimento dos fatos descritos anteriormente e leram adequadamente a Coleção Projeto ALLE, então, é necessário considerar uma hipótese ainda mais grave: omitiram e des-consideraram fatos relevantes para justificar os seus infundados argumentos. Alegar que a ausência dos dias da semana em um calendário induz o aluno a erro revela o imenso esforço dos avaliadores de, na ausência de fatos fortes e consistentes, forjar exemplificações simplórias para reprovar, a priori, a obra. Por que será que eles fariam isso?

O mais grave, porém, é que os avaliadores do PNLD 2010 sequer se deram ao trabalho de descrever a qual erro grave o calendário induz os alunos. Será que o tal erro grave é aprender errado os nomes e a ordem dos dias da semana?! Eles não dizem e o contexto da crítica nos leva a crer que sim. Ficamos realmente confusos: qual a relação entre “conhecer os dias da semana” e a “aprender a ler e escrever”? Eles não explicam. Por que o desco-nhecimento desse tema (dias da semana) compromete a alfabetização das crianças? Eles não falam. Em quais referências teóricas e documentação oficial eles buscaram apoio para referendar essa alegação? Eles não apresentam. Existem pesquisas de campo que atestam dados comprobatórios acerca da afirmação “criança que não sabe os dias da semana não aprende a ler e escrever direito”? Ah, nós finalmente compreendemos, o problema todo é que, segundo os avaliadores, o livro didático que “não apresenta os dias da semana de

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forma correta prejudica a formação dos alunos e por isso mesmo deve urgentemente ser excluído do programa”.

Se for esse o caso, então os avaliadores erraram novamente. Afinal, eles desconsidera-ram em sua análise que, nesse mesmo volume da Coleção, nas páginas 141 a 146, há uma atividade de montagem de um calendário completo, com os dias do mês, dias da semana e os meses do ano. Trata -se de um material complementar para a criança recortar, colar e utilizar conforme o dia/mês/ano em que se encontra ao utilizar o calendário. Assim, embo-ra não seja tema de estudo e objetivo de aprendizagem do nosso livro, ela poderá aprender os nomes e as sequências não apenas dos dias da semana como também dos meses do ano. Uma aprendizagem que ocorrerá sem erros ou equívocos, pois nosso livro traz informações completas e suficientes para que ela ocorra com sucesso. Por que este fato não foi men-cionado, ou pelo menos considerado, pelos avaliadores? Por que eles parecem sempre usar apenas uma única passagem do livro para desqualificar toda a obra? Logo, a alegação de que a Coleção induz o aluno a uma aprendizagem errada não passa de mera aleivosia…

Mas nossa curiosidade é inquieta e nossas mentes não nos deixam calar: por que os avaliadores do PNLD 2010 não justificaram os motivos pelos quais o suposto erro é tão grave a ponto comprometer a alfabetização dos alunos e por isso mesmo a Coleção Projeto ALLE teve de ser eliminada do PNLD? Será que eles fariam essa mesma objeção à obra se os seus interlocutores fossem colegas da universidade e não esses autores ingratos que tra-balham isolados em seus gabinetes e acham que entendem de educação? Fica aqui a dica de um bom tema para as futuras teses de mestrado ou até mesmo de doutorado: “o calendário sem os dias da semana e suas terríveis consequências na alfabetização dos alunos”.

Os avaliadores do PNLD 2010 erraram ao afirmar que a Coleção comete erro grave quando, na realidade, o que se verifica é um grave erro de leitura e interpretação cometido pelos próprios avaliadores! Essa é uma explicação possível para a ocorrência. A outra seria de que eles aproveitaram a ausência de informações sobre os dias da semana no calendário para forjar uma falsa acusação. Qual dessas explicações é a mais aceitável? A última hipó-tese levanta dúvidas acerca da imparcialidade dos avaliadores para analisar os nossos livros. O que é muito grave. A primeira hipótese também é lamentável: se não foi por má -fé mas, sim, por imperícia, foram gastos mais de 20 mil reais do erário em um trabalho de má qualidade. Vinte mil reais é muito dinheiro para se gastar à toa…

A essa altura o leitor já deve estar pensando que nós somos mesmos uns incompetentes na defesa da nossa obra. Se o erro dos avaliadores é tão óbvio e gritante e a sua demonstra-ção tão fácil, por que não contestamos de vez esse argumento de exclusão dos nossos livros? Ora, leitor, a analogia ao pobre Josef K., personagem de Kafka, simboliza apenas uma parte do calvário da nossa angústia. A outra parte é muito bem representada pelo silêncio da espera de algo que não se resolve, e parece que nunca será resolvido, nada a fazer, rien à faire… Lembrou -se de Godot? Assim como os personagens de Samuel Beckett, reclama-mos e esperamos, reclamamos e esperamos, esperamos e esperamos. Num certo sentido, a resposta da SEB até que foi rápida (nós reclamamos, sim, impaciente leitor): os avaliadores reiteraram o erro alegado no Relatório de Reprovação. E o que mais eles poderiam fazer? Admitir o seu próprio erro e pedir desculpas? Nós entendemos que a situação também é

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complicada para eles. Compreendemos, mas não aceitamos: é muito fácil criticar, sobretu-do quando a crítica permanece nos corredores dos órgãos públicos, não ganha visibilidade. Não nos iludamos: os avaliadores não pediram desculpas e ainda reiteraram o alegado erro da obra por meio de novas e extemporâneas razões: o calendário (sic) “é apresentado numa forma gráfica que pode sim induzir o aluno ao erro”. O ciclo do silêncio hiperbólico perpetua -se: qual aspecto da forma gráfica do calendário induz a erro? Os avaliadores não descrevem. Qual é o erro que será induzido? Os avaliadores não explicam. Em que medida isso compromete a formação dos alunos? Os avaliadores não justificam. Por que esse erro que não é descrito e tampouco justificado reprovou e excluiu os nossos livros? Os avaliadores não contestam. Por que um único erro localizado em toda a obra é suficiente para reprová -la e excluí -la? Silêncio. Nós? Esperamos, esperamos, esperamos…

Os argumentos da reprovação carecem de sentido e respaldo teórico

As teorias mais recentes sobre os processos de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita são vítimas recorrentes das manchetes sensacionalistas dos jornais e das revistas de todo o país. Os jornalistas (que nos desculpem os jornalistas sérios pela generalização) incentivados por editores preocupados com os números das vendas não se cansam de pro-vocar a população leitora (mas leiga e quase sempre acrítica) com frases de efeito comple-tamente infundadas e inverídicas: “agora não se ensina mais ortografia, os alunos escrevem tudo errado” ou ainda “o professor não pode ensinar, tem de deixar a criança a aprender sozinha”. A crítica à cópia se encaixa nesse jargão: “se tem cópia, o ensino é tradicional” ou “aluno que copia, não pensa; se não pensa, não aprende”. Constatar esse sensacionalismo nos periódicos é um grande aborrecimento. Encontrar o uso de jargão sensacionalista na avaliação do PNLD, um imenso desapontamento. Recorde -se, prezado leitor, esse lugar--comum dos “especialistas” da avaliação custou aos cofres públicos cerca de 20 mil reais! Todo esse montante para alegar que projeto de alfabetização ruim é aquele que tem cópia? Nem um aluno de primeiro ano do curso de Pedagogia incorreria em tal bobagem (e não receberia nada por isso, é claro!).

Foi com imensa decepção e grande espanto que recebemos a notícia de que a Coleção Projeto ALLE fora reprovada e excluída do PNLD 2010 por conter atividades de cópia. O substantivo “cópia” foi usado pelos avaliadores do PNLD 2010 na avaliação da nossa Coleção com a função de adjetivo: por si só serviu para desqualificar a nossa obra, como pode ser observado na crítica expressa no próprio Relatório de Reprovação.

[...] não são identificadas atividades que explorem diferentes habi­

lidades cognitivas ou que possibilitem a observação, análise, com­

paração, generalização e aplicação de regras e conceitos estudados.

Os exemplos das páginas 45 e 51 (v. 1) [...] ilustram como a obra

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tende a explorar apenas habilidades mecânicas de cópia e escrita de

palavras [...].39

Vamos aos fatos. Para começar, ressaltamos que essa passagem do Relatório de Repro-vação apresenta um ERRO TIPO 2. Por imperícia ou má -fé (não sabemos), os avaliadores se equivocaram em sua análise e erraram ao julgar que as páginas 45 e 51 do volume 1 são exemplos de que “a obra tende a explorar apenas habilidades mecânicas de cópia e escrita de palavras”. Essas atividades sequer trazem a palavra “cópia” em seu comando (ver Figuras 5.17 e 5.18). É falsa, portanto, a alegação de que essas páginas são prova do predomínio de atividades de cópia na Coleção. Constata -se, assim, mais um erro na avaliação, agora do TIPO 1: o fato alegado não existe, a crítica não tem fundamento e, portanto, não é válida.

A leitura cuidadosa do comando das atividades presentes nas páginas 45 e 51 do volu-me 1 da Coleção (Figuras 5.17 e 5.18) comprova o erro dos avaliadores do PNLD 2010. Além de reproduzir o comando das atividades, apresentamos na sequência esclarecimentos metodológicos e didáticos para cada um dos verbos presentes nesses comandos, desta-cando as aprendizagens promovidas em uma das ações propostas nessas atividades. Tais esclarecimentos são fornecidos no Manual do Professor nas páginas 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 29, 30, 32 e 33. Mas os avaliadores do PNLD 2010 não leram ou desconsidera-ram as informações do Manual para avaliar as atividades propostas nessas páginas. O que caracteriza um ERRO TIPO 5.

A análise dos comandos das atividades das páginas 45 e 51 do volume 1 da Coleção Projeto ALLE (Figuras 5.17 e 5.18) indica que, na realidade, o que se solicita ao aluno:

�� quando se solicita que o aluno cante ou recite um texto da tradição popular conhecido tendo como apoio sua versão escrita: ativar conhecimentos prévios, relembrar o conteúdo de um texto memorizado, tomar decisões acerca do conteúdo de um texto, comparar as suas decisões com o texto original, aplicar um procedimento de estudo já solicitado em atividades anteriores, generalizar esse procedimento;�� quando se solicita que o aluno descubra as palavras que faltam no texto impresso e,

depois, escreva essas palavras no livro: inferir e antecipar o conteúdo de um texto, mesmo quando ainda não sabe ler convencionalmente, observar um texto, relacionar a fala com o texto escrito, identificar e relacionar trechos da cantiga oralmente e por escrito, desen-volver a noção de palavra escrita, relacionar sentenças com palavras e aprender a isolar palavras de sentenças, ler palavras e sentenças, ler com crescente autonomia textos curtos, escrever com autonomia crescente palavras e frases, usar um procedimento de estudo já conhecido, generalizar esse procedimento;�� quando se solicita que o aluno faça um desenho para ilustrar o texto: apreciar estetica-

mente e afetivamente um texto, tomar decisões acerca da relação entre texto e ilustração,

39   Ibidem, p. 10. [grifos nossos].

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desenhar, apreciar a produção de desenhos dos colegas, falar sobre a sua produção plástica, comparar a sua produção com a produção dos colegas;�� quando se solicita que o aluno cante, escreva e desenhe com um colega: trabalhar em

grupo de forma cooperativa, observar, relacionar, comparar, fazer hipóteses e confirmá -las, tomar decisões, compartilhar suas decisões e confrontá -las com as do colega;�� quando se solicita que o aluno leve o texto para casa, cante -o para seus familiares,

convide os familiares para cantar também e mostre o desenho feito para ilustrar o texto: recitar um texto para um público diferente dos colegas de turma, lembrar um texto memo-rizado, ajustar a fala ao texto escrito, compartilhar sua produção textual e seus avanços no domínio da escrita com os familiares, compartilhar sua produção gráfica (desenho) e seus avanços com relação ao ato de desenhar com os familiares, favorecer o intercâmbio entre as atividades escolares e as vivências familiares, desenvolver valores relacionados ao uso do livro didático e à sua importância no processo de aprendizagem.

Como é possível constatar na análise das atividades das páginas 45 e 51 do volume 1, os seus comandos apresentam os verbos cantar, recitar, ler descobrir, escrever, desenhar, ilustrar, levar, mostrar, convidar e divertir -se. Onde estão as situações de cópia que os ava-liadores do PNLD 2010 alegam existir nessas atividades? “Bingo”: elas não existem! Logo, essas atividades não servem para exemplificar a crítica de que “a obra tende a explorar apenas habilidades mecânicas de cópia e escrita de palavras”. Como os ava-liadores se eximem da tarefa de apresentar outros exemplos e tampouco apresentam uma explicação satisfatória sobre o risco que essas atividades representariam às aprendizagens dos alunos, a crítica torna -se mera retórica – uma retórica ingênua e sensacionalista que caracteriza um ERRO TIPO 7.

A crítica, além de não se sustentar em fatos concretos, também não encontra respaldo no Edital do PNLD 2010. Em quais passagens do edital os avaliadores do PNLD 2010 se apoiaram para alegar que uma obra deve ser reprovada e excluída do PNLD por apresentar atividades que exploram “habilidades mecânicas de cópia e escrita de palavras”? Os avaliadores não citam trechos do edital para justificar a crítica. Não citam porque o edital não traz especificações sobre o assunto: habilidades mecânicas, cópia, tipos de ativi-dade de escrita que necessariamente devem ou não ser contempladas nos livros didáticos (sejam elas de cópia, escrita espontânea, produção de texto individual ou coletiva etc.). E, mais grave ainda, a palavra “cópia”, enquanto atividade de escrita, sequer aparece no edital! Logo, o julgamento dos avaliadores não tem respaldo legal e não pode servir como critério de exclusão da Coleção Projeto ALLE e também de nenhuma outra obra de alfabetização inscrita no PNLD 2010.

É preciso destacar que a crítica de que “a obra tende a explorar apenas habi­lidades mecânicas de cópia e escrita de palavras” é genérica e vazia. O que os avaliadores do PNLD 2010 querem dizer com “tende a explorar apenas”? Trata -se de uma afirmação baseada em levantamento numérico ou apenas de uma suposta tendência? Em que medida tal tendência é verdade? Em que medida tal tendência é prejudicial à aprendizagem dos alunos? Existem tratados teóricos que avaliam negativamente tal ten-dência? Quais são eles? O que são “habilidades mecânicas de cópia”? Em que medida

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as “habilidades mecânicas de cópia” prejudicam a aprendizagem do sistema de escrita? O que significa o adjetivo “mecânico” nesse contexto? Como os avaliadores do PNLD 2010 comprovam que as supostas atividades de cópia presentes na Coleção são realmente de natureza “mecânica”? Em qual bibliografia os avaliadores se apoiaram para alegar que atividades de cópia são prejudiciais à alfabetização dos alunos? Os avaliadores não expli-cam e tampouco fundamentam com bibliografia a sua crítica. O argumento torna -se, assim, pura retórica!

Muito nos desapontou o uso do termo “cópia” apenas para desqualificar a nossa obra, sem qualquer posicionamento crítico acerca do papel dessa atividade nos processos de aprendizagem da escrita. O uso de jargões ou frases de efeito não deveria fazer parte dos relatórios de reprovação. Na avaliação do PNLD, esperávamos encontrar apenas acuida-de na análise, fundamentação teórica clara e respaldo nos editais. Essas deveriam ser as premissas do trabalho dos “especialistas” contratados pela SEB para atuar na avaliação do PNLD (que nos desculpem os avaliadores sérios e comprometidos por mais uma generali-zação – sabemos que eles existem e que são a maioria). Maior surpresa ainda nos causou o fato do Relatório de Reprovação da Coleção Projeto ALLE ter sido assinado pela Professo-ra Doutora Ceris Salete Ribas da Silva, professora da UFMG e integrante do CEALE. Esse centro de estudos tem como objeto de investigação a aprendizagem da leitura e da escrita e reconhece a importância da cópia. Tanto que traz postado em seu site o depoimento da pesquisadora argentina Professora Doutora Délia Lerner em defesa da cópia enquanto situação didática eficaz de alfabetização.

Faz sentido, então, incluir a cópia nas atividades escolares?

Sim, porque a cópia é uma prática a que todos recorremos fora da escola, quando quere-mos guardar uma receita, a letra de uma música, certa idéia de um autor.

Sim, porque a cópia implica uma intensa atividade intelectual. Não é uma reprodução mecânica (por isso, o resultado nem sempre é idêntico ao modelo). Só podemos copiar aquilo que, de algum modo, conhecemos: uma coisa é copiar um parágrafo escrito em um idioma conhecido e outra é copiá -lo em um idioma desconhecido. Copiar requer saberes específicos. Quando copiam, as crianças usam tudo o que sabem para que o texto fique o mais parecido possível com o original. Copiar pode ser, então, um desafio.

A cópia pode ajudar na aprendizagem quando contribui para a aquisição de uma forma fixa que será fonte de informação para produzir outras escritas; quando o aluno está escre-vendo e busca numa palavra conhecida uma parte que serve para escrever outra palavra (para “livro”, pode procurar “li” em “limão”, por exemplo); quando elabora a ficha de um livro para a biblioteca e precisa localizar o título e o nome do autor; quando quer citar um verso de um poema ou uma frase de um personagem; quando se propõe a copiar um texto para conservá -lo ou enviá -lo a um destinatário […].40

Vale destacar que a Professora Doutora Délia Lerner foi uma das consultoras contra-tadas pelo MEC para a elaboração dos PCN e diversos outros documentos oficiais do

40   LERNER, D. O papel da cópia. Disponível em: <http://www.ceale.fae.ufmg.br/noticias_ler_coluna.php?txtId=397> (acesso: maio/2010) [grifos nossos].

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Capítulo 5 – O caso da Coleção Projeto ALLE 257

governo federal que serviram, inclusive, para a formatação do PNLD em sua versão atual. Assim, mesmo que os livros da Coleção Projeto ALLE apresentassem atividades de cópias, meras atividades de cópia (“mecânicas” e/ou “predominantes”), os avaliadores do PNLD 2010 não teriam respaldo teórico e/ou didático para condenar esse tipo de atividade de escrita na nossa Coleção ou em qualquer outra. A exclusão da Coleção por esse motivo é uma clara demonstração de afronta ao edital, desrespeito à literatura pedagógica, exacer-bação de poder discricionário em função de resguardado moral, intelectual e legal a toda e qualquer contestação.

A reprovação fundamenta -se em aleivosias

Já identificamos e demonstramos ao longo deste capítulo que o Relatório de Repro-vação da Coleção Projeto ALLE se fundamenta em fatos inexistentes para corroborar os argumentos de reprovação e exclusão da nossa obra. Já indicamos que esse ardil vale -se de fragmentos do original, isolados ou combinados, com o objetivo de forjar evidências. Já denunciamos o estratagema de se empregar um discurso conceitual difuso para disfarçar a ausência dos fatos concretos. Já comprovamos que a retórica genérica e vaga somada à lista-gem a esmo de páginas da Coleção representam, na prática, um subterfúgio dos avaliadores do PNLD 2010 que, assim, eximem-se da tarefa de comprovar suas alegações. Já fizemos tudo isso e voltaremos novamente a fazer a partir da análise de um último argumento usado pelos avaliadores para reprovar e excluir a Coleção Projeto ALLE do PNLD 2010.

Sabemos que nosso aborrecido leitor já deve estar cansado, mas o trecho em foco não apenas reitera as denúncias feitas anteriormente como revela uma gravíssima irregularida-de, tratada no desfecho deste capítulo para encerrá -lo com “chave de ouro”. Tenha só um pouco mais de paciência, prezado leitor, e repare nos termos utilizados pelos avaliadores em sua argumentação acerca da inadequação da proposta de leitura da Coleção:

No conjunto, as questões pretensamente destinadas à compreensão dos

textos lidos se concentram em:_ identificar e copiar informações contidas nos textos (v ­1: pp. 18,

22, 44, 46, 26, 77 (2, 3); 78, 80, 84, 96); (v ­2: pp. 24, 28, 66,

100, 104, 106, 112);_ antecipar conhecimentos prévios sobre o tema tratado (v ­1: pp. 22,

24, 32, 36, 44 / 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 60, 68) (v ­2: pp. 35, 66,

95, 100, 110) e_ reconhecer apenas o nome do gênero do texto (V ­1: pp. 22, 24, 32,

36, 44, 46, 50, 56, 60, 68, 74, 76, 84, 90, 94, 96, 98, 100, 102) (v­

­2: pp. 106, 108, 11).41

41   UNIVERSIDADE  FEDERAL  DE MINAS  GERAIS.  SECRETARIA  DE  EDUCAÇÃO  BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Projeto ALLE. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 10. [grifos nossos].

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Com a palavra, o autor258

É interessante destacar que o emprego de expressões como “pretensamente desti­nadas” e “reconhecer apenas” já indicam a intenção dos avaliadores do PNLD 2010 de desqualificar a obra sem uma demonstração clara e precisa de seus argumentos. É a retórica sobrepujando mais uma vez o escrutínio dos fatos. A presença do verbo “con­centrar” também comprova as limitações da análise dos avaliadores que se eximem da tarefa de realizar uma avaliação quantitativa real e desqualificam as atividades por critério quantitativo não comprovado. Em quais passagens do Edital do PNLD 2010 encontra -se a descrição dos parâmetros quantitativos que usaram para reprovar a nossa obra? Ou será que inventaram esses parâmetros?

Além da imprecisão da sua retórica, temos de denunciar que é falsa a alegação de que as páginas 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 do volume 1 são exemplos de que as atividades da Coleção Projeto ALLE servem apenas para o aluno “antecipar conhecimentos prévios sobre o tema tratado” e que a página 11 do volume 2 serve como prova de atividade de leitura voltada para “reconhecer apenas o nome do gênero do texto” (volume 1: Figuras 5.19, 5.20, 5.21, 5.22, 5.23, 5.24, 5.25, 5.1 e 5.2 – res-pectivamente; volume 2: Figura 5.10). Na falta de argumentos e fatos sólidos para fundamentar a exclusão da Coleção Projeto ALLE, os avaliadores do PNLD 2010 lançam mão de artifícios que beiram o ridículo, como demonstrado a seguir.

�� A página 1 do volume 1 corresponde à frente da folha de rosto do livro, cujo conteúdo é uma exigência do Edital do PNLD 2010 descrita em sua página 17. Não há atividade de compreensão de texto nessa página. Observa -se, assim a presença de ERRO TIPO 1 e ERRO TIPO 2 nessa exemplificação: o fato alegado inexiste e a análise dos avaliadores revela inaptidão factual e conceitual para reconhecer uma atividade destinada à leitura do aluno (ou será que os avaliadores confundiram por acaso a página de rosto do livro com uma atividade?). Constata -se também a presença do ERRO TIPO 5: os avaliadores desco-nhecem os termos do edital.�� A página 2 do volume 1 corresponde ao verso da folha de rosto, na qual se encontra o

expediente do livro, a ficha catalográfica e o número do ISBN da obra. Essas informações são exigências do Edital do PNLD 2010 descritas na página 17 e também do artigo 6º da Lei nº 10.753, de 30 de outubro de 2003 (lei que institui a Política Nacional do Livro). Não há atividade de compreensão de texto nessa página. Novamente: ERRO TIPO 1, ERRO TIPO 2 e ERRO TIPO 5.�� A página 3 do volume 1 traz a apresentação do livro. Não há atividade de compreensão

de texto nessa página. Os erros são reincidentes: ERRO TIPO 1, ERRO TIPO 2 e ERRO TIPO 5.�� As páginas 4, 5, 6 e 7 do volume 1 trazem o sumário do livro. Não há atividade de com-

preensão de texto nessas páginas. O sumário também é uma exigência do Edital do PNLD 2010 descrita na página 40 (item 14) e na página 67 (item 10). Os avaliadores persistem: ERRO TIPO 1, ERRO TIPO 2 e ERRO TIPO 5.�� As páginas 8 e 9 do volume 1 trazem uma descrição do funcionamento do livro e dos

objetivos de aprendizagem. Não há atividade de compreensão de texto nessas páginas. ERRO TIPO 1 e ERRO TIPO 2.

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�� A página 11 do volume 2 traz a descrição da iconografia utilizada na sinalização das atividades do livro. Não há atividade de compreensão de texto nessa página. Mais uma vez: ERRO TIPO 1, ERRO TIPO 2 e ERRO TIPO 5.

Como podem os avaliadores do PNLD 2010 afirmar que nessas páginas existem ati-vidades de compreensão de texto?! Ao indicar essas páginas como exemplo de erros ou inadequações da Coleção Projeto ALLE, os avaliadores do PNLD 2010 revelam, na me-lhor das hipóteses, imperícia para analisar livros didáticos e seu desconhecimento das exi-gências do Edital do PNLD 2010 e da Lei nº 10.753, de 30 de outubro de 2003, o que caracteriza ERRO TIPO 1, ERRO TIPO 2 e ERRO TIPO 5. A hipótese alternativa é a de que os avaliadores do PNLD 2010 listaram páginas desleixadamente, a esmo, apenas para desqualificar a obra, reprová -la e excluí -la do programa. A nossa categorização dos erros presentes na avaliação do PNLD 2010 não abrange possíveis atos de má -fé, embora até possamos enquadrá -la na categoria ERRO TIPO 7 com o agravante de que as acusações impedem a reformulação da Coleção. Afinal, os avaliadores do PNLD 2010 não dizem qual é o conteúdo correto da página de rosto e da página do expediente, e a alteração dos dados presentes, não temos dúvida, será uma afronta ao edital do próximo PNLD. Os avaliadores do PNLD 2010 nos garantem que não seremos reprovados novamente por não apresentar os conteúdos exigidos nos editais?

O despropósito dos exemplos dos avaliadores do PNLD 2010 comentado anterior-mente é mais do que suficiente para desqualificar sua perícia e, adicionalmente, indica falta de isenção para avaliar a Coleção Projeto ALLE. Esses fatos bastam para invalidar seu argumento pela exclusão da obra. Mesmo assim, nós vamos comentar todos os exemplos citados nessa passagem do Relatório de Reprovação.

Também é falsa a alegação de que as atividades das páginas 18, 22, 44, 46, 26, 77 (2, 3); 78, 80, 84, 96 do volume 1 e as páginas 24, 28, 66, 100, 104, 106, 112 do volume 2 pedem apenas para os alunos “identificar e copiar informações contidas nos tex­tos”. Assim como é falso que as atividades das páginas 22, 24, 32, 36, 44, 60, 68 do volu-me 1 e das páginas 35, 66, 95, 100, 110 do volume 2 solicitam apenas que os alunos “an­tecipem conhecimentos prévios sobre o tema tratado”. O erro é fácil de demonstrar.

Em primeiro lugar, porque em nenhuma das páginas pares listadas pelos avaliadores do PNLD 2010 solicita -se cópia de informação do texto! As páginas pares listadas de ambos os livros da Coleção Projeto ALLE apresentam atividades de leitura e é um ERRO TIPO 1 associado ao ERRO TIPO 2 considerá -las como exemplo de atividade de cópia (uma ati-vidade de escrita por definição)! Tal citação evidencia que os avaliadores desconsideraram o projeto gráfico da Coleção, que concentra as atividades de leitura nas páginas pares do Livro do Aluno e as atividades de escrita nas páginas ímpares. É um grave erro dos ava-liadores, portanto, criticar as páginas 18, 22, 44, 46, 26, 78, 80, 84, 96 do volume 1 e as páginas 24, 28, 66, 100, 104, 106, 112 do volume 2 como exemplos de atividades que solicitam “cópia”.

Em segundo lugar, porque em nenhuma das páginas listadas pelos avaliadores do PNLD 2010 nesse trecho do Relatório de Reprovação a atividade pede APENAS para

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o aluno identificar informações no texto ou APENAS antecipar conhecimentos prévios. Pelo contrário, a leitura dessas páginas (volume 1: 18, 22, 24, 32, 36, 44, 46, 26, 60, 68, 77 (2, 3); 78, 80, 84, 96; volume 2: 24, 28, 35, 66, 95, 100, 104, 106, 110, 112), bem como a leitura das páginas a elas correspondentes no Manual do Professor, revela um conjunto de intencionalidades didáticas voltadas para o letramento e para a alfabetização do aluno, como será demonstrado nos exemplos apresentados na sequência, cujas inten-cionalidades didáticas foram destacadas com o propósito de clarear os fatos que passaram desapercebidos ou ocultos aos nossos censores. Com o objetivo de poupar nosso estimado leitor, analisaremos apenas o caso das páginas 22 do volume 1 e 24 do volume 2 (ver Figuras 5.26 e 5.27) que, apesar das variações em termos de conteúdo e de objetivos de aprendizagem, são similares às demais páginas citadas pelos avaliadores nessa passagem do Relatório de Reprovação.

Com relação à atividade da página 22 do volume 1 (Figura 5.26), que apresenta uma sequência de atividades em torno da parlenda “A Galinha do Vizinho”, a análise cuidadosa da proposta indica que, quando o aluno é solicitado a:

�� observar um texto e a ilustração que o acompanha, ele necessariamente precisa: ativar conhecimentos prévios, apreender o sentido de textos não verbais, inferir e antecipar o conteúdo de um texto, mesmo quando o aluno ainda não sabe ler convencionalmente;�� verificar se já conhece um texto, ele tem de: ativar conhecimentos prévios, inferir e

antecipar o conteúdo de um texto, mesmo quando o aluno ainda não sabe ler conven-cionalmente, apreender o sentido global do texto, fazer extrapolações, fazer hipóteses e confirmá -las, avaliar esteticamente e afetivamente o texto;�� acompanhar a leitura do professor, ele precisa: ler e ajustar a sua leitura àquilo que está

sendo lido em voz alta, inferir e antecipar o conteúdo de um texto, mesmo quando o alu-no ainda não sabe ler convencionalmente, apreender o sentido global do texto, identificar trechos, fazer hipóteses e confirmá -las, avaliar esteticamente e afetivamente o texto;�� distinguir letras de números, ele também é convidado a: fazer hipóteses e confirmá -las,

identificar trechos, apreender o sentido global do texto;�� brincar a partir de um texto da tradição popular, ele precisa: apreender o sentido global

do texto, fazer extrapolações, avaliar esteticamente e afetivamente o texto, ampliar suas referências socioculturais.

Mas parece que os avaliadores do PNLD 2010 não compreenderam a proposta didática da sequência de atividades da página 22. Só podemos explicar esse fato por uma das seguin-tes alternativas: 1) os avaliadores exigem que as obras aprovadas no PNLD 2010 tragam todas as suas intencionalidades explícitas no Livro do Aluno e no Manual do Professor sob pena de exclusão sumária; 2) os avaliadores desconhecem as práticas voltadas para o tra-balho de letramento e alfabetização linguística, muitas das quais estão, inclusive, descritas em documentos oficiais como o PCN – Língua Portuguesa, os PCN em Ação e o PROFA, e não foram capazes de reconhecer as intencionalidades dessa sequência de atividades. Ambas as alternativas não são reconfortantes, pois revelam a imperícia dos avaliadores. Afinal, no primeiro caso, todas as obras aprovadas e incluídas no Guia de Livros Didáticos

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PNLD 2010 não preenchem esse requisito (explicitam todas as intencionalidades) e tal fato é indício de que os avaliadores erraram na avaliação de todas elas (ou será que apenas se esqueceram do princípio da isonomia?). No segundo caso, os avaliadores demonstram desconhecer a bibliografia básica oficial e as questões práticas da aprendizagem da leitura e da escrita. Ou será que eles agiram de má -fé e fingiram desconhecer, qualificando nossas atividades como “apenas” de cópia, “apenas” de levantamento do conhecimento prévio, “apenas” para reconhecer o gênero? Deixamos a conclusão para nosso estimado leitor. Por ora, insistimos em revelar as nossas intencionalidades uma vez que elas, segundo os avalia-dores dão a entender, estão “ocultas”.

A atividade da página 24 do volume 2 (Figura 5.27) traz uma sequência de atividades em torno de pesquisa acerca dos funcionários da escola, seus nomes e funções. A sequên-cia parte de uma situação ficcional apresentada por meio de uma ilustração. A análise da proposta indica que, quando o aluno é solicitado a:

�� observar uma ilustração sobre uma escola e seus funcionários e ler crachás que as figuras humanas da imagem trazem, ele necessariamente precisa: ativar conhecimentos prévios, apreender o sentido de textos não verbais, inferir e antecipar o conteúdo de um texto, fazer hipóteses e confirmá -las;�� conversar com os colegas sobre qual seria o trabalho dos funcionários mostrados na

ilustração, ele precisa: ativar conhecimentos prévios, inferir e antecipar o conteúdo de textos verbais e não verbais, fazer hipóteses e confirmá -las, avaliar esteticamente e afeti-vamente o texto, fazer extrapolações, apreender o sentido global do texto, comunicar um ponto de vista, ouvir o ponto de vista de outras pessoas, debater, relacionar as informações de textos verbais e não verbais com suas experiências cotidianas, ampliar seu conhecimen-to de mundo, ampliar seus conhecimentos sobre o espaço solar, construir novas relações de convívio social;�� conversar com os colegas acerca de questões como “quantas pessoas aparecem na ilus-

tração? Como é o nome da merendeira? E do porteiro? E o nome da diretora, qual é?”, ele tem de: localizar informações em um texto, recorrer às informações não verbais do texto para deduzir o que está escrito, apreender o sentido global do texto, identificar trechos, fazer extrapolações, fazer hipóteses e confirmá -las, avaliar esteticamente e afetivamente o texto, comunicar um ponto de vista, ouvir o ponto de vista de outras pessoas, debater, relacionar as informações de textos verbais e não verbais com suas experiências cotidianas, ampliar seu conhecimento de mundo, ampliar seus conhecimentos sobre o espaço escolar, construir novas relações de convívio social;�� conversar com os colegas sobre questões como “na sua escola tem merendeira, porteiro

e diretor? Como eles se chamam?”, ele necessariamente precisa: comunicar um ponto de vista, ouvir o ponto de vista de outras pessoas, debater, relacionar as informações de textos verbais e não verbais com suas experiências cotidianas, ampliar seu conhecimento de mundo, ampliar seus conhecimentos sobre o espaço solar, construir novas relações de convívio social.

Constata -se, portanto, que é falsa a alegação dos avaliadores do PNLD 2010. As ati-vidades propostas nas páginas mencionadas nessa passagem do Relatório de Reprovação

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não se restringem a uma solicitação mecânica de identificação de palavras ou antecipação do conhecimento prévio sobre o tema tratado – como os avaliadores fazem crer no Rela-tório. Trata -se de uma aleivosia que pode ser classificada como ERRO TIPO 2 associada a ERRO TIPO 1: os avaliadores erram em sua análise e, justamente por se confundirem factual e conceitualmente, os fatos apontados são inexistentes! Será essa a explicação? Não estamos convictos…

É importante ressaltar também que os avaliadores do PNLD 2010 não mencionam no Relatório de Reprovação da nossa obra que as intencionalidades das atividades do Livro do Aluno são explicitadas no Manual do Professor (páginas 18 e 19, no caso específico da atividade da página 22 do volume 1; páginas 19 e 20, no caso da atividade da página 24 do volume 2), no qual também são fornecidas instruções e sugestões práticas para o seu enca-minhamento em sala de aula, além de subsídios teóricos para o professor compreendê -las e incorporá -las em seu planejamento. Os mesmos equívocos dos avaliadores do PNLD 2010 repetem -se em todos os demais exemplos que citam para fundamentar seu argumento nesta passagem do Relatório de Reprovação.

Também são inverídicas as alegações dos avaliadores do PNLD 2010 de que as ativi-dades das páginas 22, 24, 32, 36, 44, 46, 50, 56, 60, 68, 74, 76, 84, 90, 94, 96, 98, 100, 102 do volume 1 e das páginas 106, 108 e 11 do volume 2 demandam “reconhecer ape­nas o nome do gênero do texto”. Na realidade, em nenhuma das páginas mencionadas solicita -se que os alunos reconheçam o nome do gênero dos textos apresentados (o que os avaliadores querem dizer com essa acusação?). Pelo contrário, em todos os casos, o texto do comando da atividade informa o gênero textual do texto trabalhado e traz questionamen-tos iniciais sobre a estrutura e a função dos mesmos, como se demonstra nos exemplos a seguir e pode ser observado na reprodução dos originais (páginas 22, 50 e 84 do volume 1: ver Figuras 5.26, 5.28 e 5.29; páginas 11, 106 e 108 do volume 2: ver Figuras 5.10, 5.30 e 5.31).

�� Livro 1, p. 22. Título da atividade: “NÚMERO OU LETRA?” Texto: “A GALINHA DO VIZINHO”

Comando da atividade: “O texto abaixo é uma cantiga de roda…” [O gênero textual é apresentado no comando da atividade.]�� Livro 1, p. 50. Título da atividade: “CUIDADO, A LÍNGUA TRAVA”

Comando da atividade: “O texto abaixo é um trava -língua…” [O gênero textual é sugerido no título e apresentado no comando

da atividade.]�� Livro 1, p. 84. Título da atividade: “UMA PARLENDA DE ARRELIAR”

[O gênero textual é apresentado no título.]�� Livro 2, p. 11. Nesta página há uma descrição dos ícones que sinalizam as ativida-

des do livro. [Trata -se de uma das páginas iniciais do livro, nas quais não há atividade de leitura. NÃO SERVE COMO EXEMPLO DE CRÍTICA À PROPOSIÇÃO DE ENSINO DA LEITURA DA OBRA]

Com a palavra o autor.indb 262 20/07/2010 19:49:30

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Capítulo 5 – O caso da Coleção Projeto ALLE 263

�� Livro 2, p. 106. Título da atividade: “A CARTEIRA DE IDENTIDADE” [A atividade não envolve um gênero textual, nem se solicita ao

aluno que identifique um gênero textual.]�� Livro 2, p. 108. Título da atividade: “OS SEUS DOCUMENTOS”

[A atividade não envolve um gênero textual, nem se solicita ao aluno que identifique um gênero textual.]

A indicação das páginas 106 e 108 do volume 2 é também mais uma evidência de que os avaliadores do PNLD 2010 não dominam o conceito de “gênero textual” ao classificar o documento de identidade (R.G.), a caderneta de vacinação e a carteira de estudante como gêneros textuais!

Os avaliadores do PNLD 2010, ao reprovarem as atividades de compreensão de texto da Coleção Projeto ALLE por julgarem -nas limitadas, equivocam -se na exemplificação da crítica. Os avaliadores:

�� apontam páginas nas quais não há atividade de leitura para o aluno;�� recortam pequenos trechos de atividades omitindo os contextos originais; �� incorrem em erro de fato e cometem erro conceitual grave; e�� incorrem em ilegalidade ao apontar as páginas 1 e 2, presentes apenas nas obras ca-

racterizadas destinadas à coordenação da avaliação, como exemplos das insuficiências da obra. Essa é, irrefutavelmente, uma prova da irregularidade do relatório de exclusão dessa Coleção!!!

Os fatos contradizem suas conclusões e indicam que os avaliadores ou foram negli-gentes ou agiram de má -fé na análise da nossa obra. Qualquer uma das hipóteses à qual o leitor aderir custou cerca de 20 mil reais para o erário. A crítica, portanto, não tem fun-damento e não pode ser utilizada como argumento para reprovar a Coleção Projeto ALLE (além de custar um valor bem acima do mercado!).

A reprovação apresenta uma gravíssima irregularidade

Já demonstramos que os avaliadores do PNLD 2010 incorreram em uma série de ir-regularidades na avaliação da Coleção Projeto ALLE. O uso de critérios inexistentes no Edital do PNLD 2010, uso de critérios que afrontam as determinações do edital, a indica-ção de exemplos inexistentes nos originais da obra, a qualificação contrária à avaliação de 2007 e o não cumprimento do princípio da isonomia já seriam suficientes para comprovar que a exclusão da Coleção não tem fundamento, portanto, não é válida. Entretanto, va-mos fechar esse capítulo com uma “chave de ouro” ainda maior (!) e apontar uma última irregularidade cometida pelos avaliadores. Uma irregularidade grave, tão grave que sequer conseguimos classificá -la em nossas categorias de erros da avaliação. Uma irregularidade que pede investigação administrativa e resolução judicial. Uma irregularidade que com-prova a falta de isenção dos avaliadores e aponta para a má -fé dessa avaliação. Acreditamos

Com a palavra o autor.indb 263 20/07/2010 19:49:30

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que o nosso caro leitor esteja acompanhando de forma criteriosa a nossa argumentação, e já deve ter desconfiado de que essa irregularidade está relacionada à citação, pelos ava-liadores do PNLD 2010, das páginas 1 e 2 do volume 1 (Figuras 5.19 e 5.20) como fatos que comprovam a alegada inadequação da sua proposta de alfabetização e de letramento.

Ora, as páginas 1 e 2 de qualquer livro do PNLD qualquer mesmo, pode pegar um ago-ra e verificar, correspondem respectivamente à página de rosto e à página do expediente. São as páginas que necessariamente apresentam a identificação da obra: dados sobre os au-tores, sobre a equipe de preparação do texto, sobre a editora… Tem de tudo, do copyright ao endereço da empresa. Quem escreveu, quem ilustrou, quem cuidou da diagramação, o responsável pela revisão ortográfica. Nome, sobrenome, telefone e até e -mail. O Edital do PNLD exige, além desses dados todos, a presença de informações, breves e precisas, sobre os autores, de modo que os leitores do livro (ou usuários, como preferem os acadêmicos) possam claramente identificar quem são, onde estudaram, o que estudaram, experiência profissional. Epa! Com tanta identificação como fica a isenção da avaliação? Bem lembra-do, esperto leitor, bem lembrado.

O Edital do PNLD 2010 estabelece que os livros a serem utilizados pela avaliação pedagógica no contexto do PNLD devem ser apresentados de forma descaracterizada, ou seja, sem elementos que permitam a identificação da obra, do autor, da editora, colabora-dor ou título da coleção. Esse procedimento é adotado no PNLD há mais de dez anos e é defendido com “unhas e dentes” pela SEB que, dessa forma, acredita garantir uma ava-liação idônea (mais informações sobre esse procedimento e a opinião que temos sobre ele estão nos Capítulos 1 e 7 deste livro). Essa norma está claramente expressa no Edital do PNLD 2010, e o artigo 17 do Decreto nº 7.084/2010 oficializa essa regulamentação. Os avaliadores do PNLD 2010, portanto, não poderiam ter reprovado a nossa Coleção pelo conteúdo das páginas 1 e 2 dos livros porque, pelas regras estabelecidas, eles não têm aces-so aos livros caracterizados. Apenas os técnicos do IPT42 e os coordenadores da avaliação recebem esses livros e têm informações sobre o nome das coleções, seus autores e editoras. Os avaliadores jamais poderiam ter acesso aos livros caracterizados. Jamais? Nunca? É fato confesso: os avaliadores do PNLD 2010 tiveram acesso aos livros caracterizados da Cole-ção Projeto ALLE. Analisaram, reprovaram e excluíram a obra com plena consciência de quem eram seus autores e sua editora. A menção às páginas 1 e 2 do volume 1 da Coleção Projeto ALLE é prova irrefutável de que os avaliadores quebraram o anonimato da avalia-ção e afrontaram todos os princípios do PNLD, incorrendo em uma grave irregularidade e ilegalidade ao analisar e reprovar livro caracterizado.

Surpreendente, não é mesmo, caro leitor?! Nós demoramos quase um ano para identifi-car essa irregularidade e ela só ocorreu porque, mediante a exorbitância das suas conclusões e dos seus argumentos estapafúrdios, tivemos de analisar dezenas, centenas, milhares de vezes as linhas e as entrelinhas de todas as páginas do Relatório de Reprovação da Coleção

42   Caso o conteúdo das páginas 1 e 2 do volume 1 da Coleção Projeto ALLE contivesse alguma irregularidade, os livros sequer teriam passado pela etapa da triagem e seriam reprovados sumariamente, antes mesmo de passar pela etapa da avaliação pedagógica. Como essas páginas, tanto na versão caracterizada como na versão descaracterizada, estavam absolutamente corretas, os livros seguiram para a avaliação pedagógica. Assim, não há como argumentar a presença de erro ou inadequação no conteúdo dessas páginas. Trata -se de evidente ilação.

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Projeto ALLE. Foi só o nosso escrutínio que permitiu a identificação dessa grave irregula-ridade. Ou achavam os avaliadores do PNLD 2010 que não estudaríamos com afinco os seus relatórios? Trata -se de uma denúncia inédita. Nosso feliz leitor é o primeiro a tomar conhecimento dela. O que devemos fazer? Qual é sua opinião, prezado leitor, acerca do encaminhamento a ser dado a essa irregularidade? Voltamos à SEB e reclamamos nova-mente? Fazemos outra representação junto ao MEC? Vamos ao Tribunal de Contas da União e denunciamos o fato?

Convidamos nosso estimado e indignado leitor para resolver esse problema para nós. Por ora, temos a complexa missão de resolver o paradoxo imposto pelos avaliadores do PNLD 2010 de reformular as páginas de rosto e do expediente dos nossos livros porque, segundo eles, o conteúdo dessas páginas compromete o desenvolvimento dos alunos e é prejudicial à sua formação enquanto leitores e escritores.

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F I G U R A 5 . 4 Reprodução da página 11 do volume 1 [ima gem reduzida]

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F I G U R A 5 . 6 Reprodução da página 13 do volume 1 [ima gem reduzida]

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Capítulo 5 – O caso da Coleção Projeto ALLE 277

F I G U R A 5 . 1 1 Reprodução da página 12 do volume 2 [ima gem reduzida]

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F I G U R A 5 . 1 5 Reprodução da página 4 do Manual do Professor, comum a ambos os volumes [ima gem reduzida]

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CAPÍTULO

6O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização

A Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetiza-ção nasceu de um duplo desafio. Por um lado, havia o desejo de estender os preceitos pedagógicos e edi-

toriais dos livros de Ciências (Coleção Ponto de Partida Ciên-cias) para as demais áreas curriculares. A ideia era apresentar se-quências didáticas claras compondo um material fácil de usar para os professores e para os alunos1. Por outro lado, queríamos trabalhar as questões do letramento e da alfabetização inicial a partir de recortes temáticos, apresentando uma proposta de en-sino baseada em princípios da pedagogia de projetos. Na nossa opinião, em sua maioria, os livros de alfabetização do PNLD apresentavam (e ainda apresentam) uma proposta de letramento pulverizada e fragmentada. Eram (e ainda são) tantos os tipos de textos presentes na maior parte das obras adquiridas pelo PNLD que a aprendizagem dos alunos poderia ficar comprometida. Além desse duplo desafio, tínhamos em mente que essa nossa se-gunda coleção destinada à alfabetização deveria resultar em uma proposta de ensino diversa daquela presente na Coleção Projeto

1   Para mais informações acerca da fundamentação pedagógica e editorial da Co-leção Ponto de Partida, ver Capítulo 4.

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ALLE. Como autores, prosseguir na produção de livros em nossas áreas de especialização de forma cada vez mais criativa é sempre um enorme prazer.

A Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização foi inscrita no PNLD 2010 como uma obra inédita. Foi inscrita e, como o leitor já sabe, reprovada na etapa da ava-liação pedagógica. Segundo os avaliadores do PNLD 2010, a nossa obra não atendeu ao critério “Coerência e adequação metodológicas” e sua proposição foi qualificada como “insuficiente” para promover a aprendizagem da leitura e da escrita. Os avaliadores do PNLD 2010 também acusaram a Coleção de conter elementos racistas. Identificaram, no Manual do Professor, uma frase composta por três palavras que, segundo eles, poderia “convocar estereótipo discriminatório e racista”.

Com relação ao critério eliminatório “Coerência e adequação metodológicas”, os avalia-dores do PNLD 2010 alegaram, no Relatório de Reprovação2 que a Coleção Ponto de Parti-da Letramento e Alfabetização Linguística foi reprovada e excluída do PNLD 2010 porque:

[...] observou ­se que a coleção analisada não apresenta propostas e

atividades capazes de propiciar o ensino ­aprendizagem escolar: a

organização de práticas pertinentes e adequadas de letramento, que

levem o aluno a conviver com diferentes funções da escrita e a reco­

nhecer e assimilar características, instrumentos e recursos próprios

da cultura da escrita; a compreensão dos princípios que regulam a es­

crita alfabética, por meio de atividades de análise e reflexão sobre

as propriedades sonoras da fala e sua relação com os recursos gráficos

da escrita; o desenvolvimento da fluência na leitura e na escrita.3

Para justificar a exclusão por não atendimento ao critério eliminatório “Coerência e adequação metodológicas”, os avaliadores do PNLD 2010 alegaram que a Coleção Ponto de Partida:

�� no eixo da leitura, apresenta pouca diversidade de textos e de autores;�� traz atividades de leitura que priorizam a localização de informações e a cópia de pala-

vras do texto;�� no eixo da apropriação do sistema de escrita, apresenta de forma reduzida atividades

que destaquem a relação entre escrita e pauta sonora; e�� apresenta problemas no enunciado de cinco atividades.

Quanto à exclusão da Coleção Ponto de Partida por infração ao critério eliminatório “Observância de preceitos éticos, legais e jurídicos”, segundo os avaliadores do PNLD 2010, é comprovada pela inadequação da referência bibliográfica e da adaptação do con-to “As Tranças de Bintou”, de autoria de Sylviane Diouf (Editora Cosac Naify) presente

2   O Relatório de Reprovação da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização Linguística foi reproduzido na íntegra, em fac -símile, na seção Anexos ao fi nal do livro.

3   UNIVERSIDADE  FEDERAL DE MINAS GERAIS.  SECRETARIA DE  EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização Linguística. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 9.

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nas páginas 143, 144, 145 do Livro do Aluno e da resposta do item c da atividade 1 da página 146 do Manual do Professor – trechos que integram o volume 1 da Coleção. En-tretanto, no Relatório de Reprovação, os avaliadores não descreveram com precisão o pre-conceito que alegaram existir em nossa obra. Pior, adulteraram os sentidos e as intenções originais do nosso livro ao utilizarem fragmentos do texto sem os seus contextos originais para sugerir suposta presença de indução a preconceito. A crítica foi elaborada a partir de termos evasivos para indicar que a obra “pode induzir preconceito”, o que revela o ca-ráter hipotético e não factual da acusação. Finalmente: recorreram a argumentos textuais e editoriais para fundamentar uma acusação de preconceito, desconsiderando o fato de que o Edital do PNLD 2010 não prevê argumentos dessa natureza no escopo do critério eliminatório “Observância de preceitos éticos, legais e jurídicos”.

No Relatório de Reprovação, o que se constata é que os avaliadores do PNLD 2010:

�� não apresentaram fatos (textos, atividades ou imagens) tanto em termos quantitativos como qualitativos que comprovem o não atendimento ao critério eliminatório “Coerência e adequação metodológicas”;�� adulteraram os sentidos e as intenções do texto original;�� valeram -se de fragmentos da obra para constituir justificativas não comprovadas;�� apresentaram juízos equivocados ao descrever falhas e erros inexistentes na Coleção;�� fundamentaram sua crítica em exemplos de páginas/atividades que não têm relação

com o conteúdo de sua argumentação, errando na exemplificação e, portanto, na compro-vação dos seus argumentos;�� reprovaram a obra a partir de critérios inexistentes no Edital do PNLD 2010;�� condenaram a obra por infringir o critério eliminatório “Observância de preceitos éticos,

legais e jurídicos” sem descrever ou tipificar os fatos concretos que o livro apresenta para com-provar a presença de preconceito que possa levar os alunos a atos de discriminação; e�� entraram em contradição ao aprovar e incluir no Guia de Livros Didáticos PNLD

2010 – Letramento e Alfabetização Linguística obras que apresentam as mesmas caracterís-ticas utilizadas como argumento para a reprovação e exclusão da Coleção Ponto de Partida, infringindo o princípio da isonomia.

Nós apresentamos esses fatos à SEB que, em sua resposta4, simplesmente ignorou as falhas por nós identificadas e não apresentou explicações para os erros dos avaliadores do PNLD 2010. Também não se posicionou quanto ao uso, pelos avaliadores, de critérios estranhos ao Edital do PNLD 2010 para excluir a Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização Linguística. Restringiu -se apenas em reafirmar, sem comprovar (novamen-te!), os erros alegados pelos avaliadores, apontando novos e extemporâneos equívocos, não corroborados com fatos concretos (de novo?!). O levantamento, a posteriori, de problemas não descritos no Relatório de Reprovação, é, no mínimo, indicativo da insuficiência do

4   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Ofício nº 1.027/2009. Brasília: Ministério da Educação,  15/jun/2009.[documento elaborado pela SEB em  resposta à  contestação da Editora Sarandi  aos argu-mentos de exclusão presentes no Relatório de Reprovação da Coleção Ponto de Partida – Letramento e Alfabetização Linguística].

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parecer dos avaliadores do PNLD 2010. Por princípio, alegações extemporâneas não po-dem ser admitidas porque o parecer inicial deve ser suficiente. Quando as insuficiências são atestadas pelos próprios avaliadores, é evidente que o parecer torna -se, no mínimo, questionável. A SEB, assim como a coordenação da avaliação, deve ter ciência desse prin-cípio. Quando um parecer de reprovação não é suficiente, então, por consequência, ele não justifica a exclusão de uma obra do PNLD. Além disso, argumentos extemporâneos não têm efeitos práticos na avaliação, uma vez que, para inscrição da obra, devem ser con-sideradas exclusivamente as críticas presentes nos relatórios de reprovação5. Mas, mesmo assim, em diversas passagens deste capítulo, destacamos trechos da resposta dos avaliadores do PNLD 2010 à nossa contestação porque eles revelam o seu posicionamento defensivo e apresentam os mesmos erros e as mesmas incongruências constatados no Relatório de Reprovação da nossa obra.

Com o objetivo de tornar a leitura deste capítulo menos enfadonha, apresentamos na sequência apenas alguns exemplos das falhas, dos erros e das distorções presentes no Re-latório de Reprovação da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização, embora tenhamos analisado de forma minuciosa todos os parágrafos e verificado detalhadamente cada um dos trechos de nossos livros citados pelos avaliadores do PNLD 2010 como argu-mento para a exclusão da nossa obra, tanto no Relatório de Reprovação como no Ofício nº 1.027/2010. O resultado desse escrutínio encontra -se registrado em um documento de contestação de quase 100 páginas, sem contar os anexos, por nós denominados de Relató-rio de Refutação6 que serviu de base para a elaboração deste livro.

Pouca diversidade de textos e sua reprodução é passível de “interpelação judicial”

Os avaliadores do PNLD 2010 alegaram que a Coleção Ponto de Partida não atende ao critério eliminatório “Coerência e adequação metodológicas” por apresentar uma pro-posta de ensino -aprendizagem de leitura “insuficiente”. Essa “insuficiência” é medida de forma quantitativa pelos avaliadores que, no Relatório de Reprovação, afirmam que:

No que se refere ao eixo da leitura, a coleção contribui de maneira

insuficiente para a formação do leitor, pois oferece pouca diversi­

dade de gêneros textuais e predominam textos didáticos elaborados pe­

los autores do livro didático para ensinar/transmitir informações aos

alunos (ver exemplos nas páginas 17, 19, 22, 25, 41, 63, 75, 85, 92,

102, 117, 119, 126, 127, 129, 140, 141, 146, 148, 151, 162, 163, 171,

173, 184, 192, 206, do volume I e nas páginas 17, 19, 21, 29, 41, 51,

5   O artigo 22 do Decreto nº 7.084/2010 estabelece que as obras reprovadas no processo de avaliação pedagógica poderão ser reapresentadas nas edições seguintes do PNLD desde que tenham sido reformuladas com base no parecer emitido pela SEB.

6   Os  leitores  interessados em conhecer a totalidade dos termos do Relatório de Refutação da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização deverão encaminhar carta à Editora Sarandi com sua identifi cação, sua afi liação profi ssional e uma breve exposição do seu interesse no assunto. 

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Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 303

66, 85, 92, 95, 117, 127, 134, 141, 163, 170, 184, 185, 195, 202, do

volume 2 [...].7

A afirmação de que a Coleção Ponto de Partida apresenta “pouca diversidade de gêneros textuais” na coletânea textual destinada ao eixo da leitura é equivocada e falsa. A Coleção apresenta, no total e desconsiderando -se as repetições, 28 gêneros textuais des-tinados ao eixo da leitura, conforme descrito na Tabela 6.1.

TA B E L A 6 . 1 Diversidade de gêneros textuais destinados à leitura do aluno

Volume 1 Volume 2

AdivinhaCantigaCapa de livroConto modernoConto tradicionalDescriçãoDica de convívioDica de segurançaEntrevistaFábulaFicha informativaLegendaListaParlendaPoemaQuestionárioResenhaSinopse de livrosTexto informativoTexto instrucionalTexto teatralTrava -línguaVerbete

AdivinhaCantigaCapa de livroConto modernoConto tradicionalDescriçãoDica de convívioDica de segurançaEntrevistaFábulaFicha informativaLegendaListaParlendaPoemaQuestionárioResenhaSinopse de livrosTexto informativoTexto instrucionalTexto teatralTrava -línguaVerbeteBiografi aCartão -postalDepoimentoEnquetePiada

Total: 23 gêneros Total: 28 gêneros

Além dos 28 gêneros textuais, a Coleção Ponto de Partida também apresenta textos não verbais em sua coletânea de textos destinados à leitura do aluno, dentre eles:

�� 106 fotografias (81 fotos no volume 1 e 35 fotos no volume 2);

7   UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização Linguística. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 9. [grifos nossos].

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Com a palavra, o autor304

�� 16 obras de arte e gráficas (8 obras no volume 1 e 8 obras no volume 2); e�� mais de 90 ilustrações cuidadosamente elaboradas para os livros da Coleção, produzi-

das por ilustradores de renome e consagrados no meio editorial (cerca de 43 ilustrações no volume 1 e 50 ilustrações no volume 2).

A Coleção Ponto de Partida, ao contrário do que alegaram os avaliadores do PNLD 2010, traz, sim, diversidade de textos. Apresentar 28 gêneros textuais para os alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental construírem conhecimentos iniciais acerca de suas características textuais é, na nossa experiência profissional como professores alfabetizado-res e formadores de professores alfabetizadores, mais do que suficiente para promover uma boa aprendizagem no eixo da leitura e favorecer os processos de letramento. Essa opção autoral não é mera opinião. Além da nossa experiência profissional, nós nos baseamos nos documentos oficiais que regeram o PNLD 2010, como os PCN Língua Portuguesa. Nesse documento, os especialistas em alfabetização do MEC indicam 33 gêneros textuais a serem trabalhados no eixo da leitura junto aos alunos dessa fase da escolaridade8. Dos 33 gêneros oficialmente indicados pelo MEC, a Coleção Ponto de Partida explora 21. Trata--se, portanto, de uma opção corroborada por documentação oficial.

Mesmo que eventualmente apresentasse uma menor quantidade de gêneros textuais, os avaliadores não poderiam reprovar a Coleção e excluí -la por este motivo porque o Edital do PNLD 2010 não apresenta parâmetros quantitativos e, portanto, não exige uma quantidade mínima de gêneros textuais que, se não for atendida, justificaria a exclusão das obras inscri-tas no PNLD. É claro que, em sua defesa, os avaliadores do PNLD 2010 poderiam alegar que faz parte do seu poder discricionário estabelecer parâmetros quantitativos mínimos para a coletânea de textos de uma obra ser aprovada no PNLD. Mas, para tanto, eles também deveriam comprovar que: 1) a quantidade mínima estabelecida por eles é fundamental na formação dos alunos, apresentando a bibliografia oficial na qual basearam suas justificativas; 2) o critério quantitativo mínimo foi aplicado a todas obras avaliadas, não apenas utilizado na reprovação de algumas delas. Teriam de justificar também porque essa quantidade míni-ma não foi estabelecida nos termos do Edital do PNLD 2010. Afinal, todos os elementos que motivam a exclusão de um produto de um programa governamental de compras devem estar expressos em seus editais. Não é preciso ser um especialista em licitação para saber que, se exclui e não foi publicado previamente, o critério é irregular. No mínimo.

Ufa, a essa altura o nosso leitor já deve estar com a sensação de déjà vu, não é mesmo? É, é isso mesmo. Isso já aconteceu. Nós já denunciamos esse estratagema dos avaliadores do PNLD 2010 no Capítulo 5 e comprovamos que eles sequer se deram ao trabalho de contar a real quantidade de textos da coletânea textual de nossas obras… No capítulo anterior, entretanto, o objeto da nossa refutação são os argumentos do Relatório de Re-provação da Coleção Projeto ALLE9. Neste capítulo, nós estamos analisando a reprovação de outra coleção, a Ponto de Partida. Esse ardil dos avaliadores – critério quantitativo es-

8   BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Ensino Fundamental, 1997, p. 111.

9   A ilegalidade do uso de critérios quantitativos na avaliação do PNLD 2010 já foi tema de análise do Capítulo 5. 

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Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 305

tranho ao edital, contradição com os documentos oficiais e acusação de insuficiência não comprovada com fatos concretos – parecia ser circunscrito à avaliação do Projeto ALLE, uma “falha” pontual cometida por um grupo particular de avaliadores à qual denomina-mos ERRO TIPO 1 (inexistência dos fatos alegados), ERRO TIPO 3 (critério estranho ao Edital e contradição com os documentos oficiais) e ERRO TIPO 5 (abuso do poder discricionário)10.

A identificação desses mesmos erros no Relatório de Reprovação da Coleção Ponto de Partida, para nós, foi uma grande surpresa. Como justificar a presença dos mesmos erros na avaliação das nossas duas coleções de Letramento e Alfabetização? Será que as coleções foram avaliadas pela mesma dupla (ou trio) de avaliadores? Será que as equipes de avaliadores são distintas, mas, por coincidência, cometeram os mesmos erros? Em sua defesa, os avaliadores do PNLD 2010 poderiam alegar que, no caso da Coleção Projeto ALLE, a insuficiência de gêneros foi observada no eixo da oralidade e, na Coleção Ponto de Partida, a insuficiência ocorre no campo da leitura. Ora, mesmo sendo eixos diferen-tes, o ardil é exatamente o mesmo. Isso pode ser facilmente constatado. Basta verificar os termos usados nos relatórios de reprovação de ambas as coleções!

Na verdade, a probabilidade de um mesmo grupo de avaliadores analisar duas ou mais coleções de uma mesma editora é bastante remota11, mas o leitor há de convir que plau-sível. As probabilidades são assim mesmo, elas simplesmente acontecem… O que não é possível acontecer é a coordenação da avaliação se omitir quando isso ocorre. Os coorde-nadores têm acesso às obras identificadas e sabem quem são os seus avaliadores. Por isso mesmo, eles não apenas podem como também devem evitar esse tipo de ocorrência. Sem dúvida, esse cuidado dos coordenadores garantiria uma avaliação mais isenta e imparcial das obras inscritas no PNLD. Essa é a nossa modesta opinião, caro leitor.

O que realmente é difícil de acreditar que possa acontecer é o fato de duas equipes compostas por avaliadores diferentes incorrerem nos mesmos erros. Nesse caso, os erros de reprovar e excluir uma obra com base em critério inexistente no edital, de exceder em seu poder discricionário e contrariar os documentos oficiais do próprio MEC. Ora, todo “es-pecialista” contratado pela SEB para atuar como avaliador do PNLD recebe treinamento e sabe que somente os critérios expressos nos editais podem legitimar a exclusão de uma obra do programa. Será uma coincidência? Em caso afirmativo, surgem novas suspeitas: será que o erro não é uma falha pontual, mas sim uma orientação geral da coordenação da avaliação? Nesse caso, a chance do nosso leitor ficar surpreso é grande! Nós ficamos. Será que a coordenação da avaliação do componente Letramento e Alfabetização Linguística desconhece as regras básicas do PNLD? Há mais de dez anos cuidando da avaliação, acha-mos difícil a UFMG incorrer em erros tão básicos. Até mesmo porque, na última década, essa instituição, com o apoio do CEALE, colaborou na definição dos critérios da avaliação

10   Para melhor compreensão dos tipos de erros cometidos pelos avaliadores do PNLD 2010 nos relatórios de repro-vação de nossas obras, é interessante retomar a classificação apresentada no Capítulo 2.

11   No Capítulo 1, são apresentadas informações sobre a estrutura e o funcionamento da avaliação pedagógica do PNLD. No Capítulo 7, descrevemos as limitações desta etapa do PNLD e apresentamos sugestões para sua melhoria.

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Com a palavra, o autor306

do livro didático de alfabetização e ajudou a SEB a elaborar os editais de pelo menos qua-tro edições do PNLD voltadas para os anos iniciais do Ensino Fundamental.

Não temos como saber sobre a composição das equipes da avaliação do PNLD 2010 e tampouco descobrir quem foram os responsáveis pelos erros aqui denunciados. Lembre -se, prezado leitor, a identificação dos avaliadores é mantida sob forte sigilo pela SEB, mesmo depois de concluída a etapa da avaliação pedagógica. Ninguém sabe e ninguém jamais saberá quem foram os avaliadores das nossas obras de Letramento e Alfabetização. Nesse sentido, a explicação da semelhança entre os erros dos relatórios de reprovação dessas nos-sas obras revela -se inútil, praticamente quixotesca.

Na realidade, o que é fundamental destacar para nosso paciente leitor é que a exclusão da Coleção Ponto de Partida com base no argumento “pouca diversidade de gêneros” é uma mera opinião dos avaliadores sem respaldo legal no Edital do PNLD 2010. Opi-nião que se agrava quando se constata que, nessa mesma edição do PNLD 2010, mais da metade das obras aprovadas apresenta menos de 28 gêneros textuais em suas coletâneas de textos destinados ao eixo da leitura. Por que, então, essas obras foram aprovadas nesse quesito e a Coleção Ponto de Partida reprovada por “insuficiência”? A situação piora quando se observa que 29 dos 38 livros aprovados apresentam quantidades inferiores de gêneros do que aquelas presentes nos livros reprovados da Coleção Ponto de Partida. Ou seja, mais de 76% das obras incluídas no Guia de Livros Didáticos PNLD 2010 – Letramen-to e Alfabetização Linguística apresentam quantitativos inferiores ao da nossa obra excluída do programa de 2010. A Tabela 6.2 sintetiza esses dados.

É claro que não estamos aqui contestando, de forma alguma, a aprovação das obras que integraram o Guia do PNLD 2010. Pelo contrário. A nossa denúncia é o fato dos avaliado-res do PNLD 2010 terem reprovado a nossa Coleção com base em critérios quantitativos inexistentes no Edital do PNLD 2010 e utilizado esses critérios a seu “bel-prazer”. Sim, essa é a verdade: usaram à revelia das regras do PNLD. As resenhas do Guia comprovam que o uso desses critérios não obedeceu a rigor nem lógica alguma. É evidente, portanto, que os avaliadores excederam em seu poder discricionário e feriram o princípio da isonomia! Trata--se de uma clara afronta ao próprio PNLD. O que eles querem com isso? Nesse sentido, é possível afirmar que os avaliadores cometeram um ERRO TIPO 5.

Há que se destacar ainda a presença do ERRO TIPO 7. Afinal, não foram fornecidas informações suficientes para que a obra seja reformulada de modo a atender as quantida-des mínimas exigidas na avaliação de 2010. Os avaliadores do PNLD 2010 não informa-ram quais são os parâmetros quantitativos mínimos por eles utilizados para excluir a nossa obra e também não descreveram os documentos oficiais que balizaram as suas opções. O Edital do PNLD 2010 não apresenta parâmetros quantitativos. Como saber qual é essa quantidade? Impossível. Logo, não é possível também reformular a nossa obra e, conse-quentemente, reinscrevê -la nos programas subsequentes. Se aumentarmos o número de gêneros textuais da coletânea de textos destinada ao eixo da leitura, corremos o risco de ser reprovados por excesso, não é mesmo?

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Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 307

TA B E L A 6 . 2 Quantidade de gêneros textuais destinados à leitura do aluno das coleções aprovadas no PNLD 2010

Código da coleção

Total de gêneros apresentados no volume 1

Total de gêneros apresentados no volume 2

Total de gêneros da coleção

15605 COL31 20 14 29

15614 COL31 25 25 33

15618 COL31 21 31 40

15629 COL31 21 37 46

15635 COL 31 08 08 12

15714 COL31 16 12 21

15781 COL31 14 16 21

15788 COL31 24 21 34

15791 COL31 13 13 20

15803 COL31 19 32 40

15804 COL31 12 16 21

15816 COL31 14 13 19

15847 COL31 13 14 19

15852 COL01 15 15 20

15877 COL31 15 13 20

15889 COL31 23 24 24

15894 COL31 17 18 29

24788 COL31 19 19 34

24789 COL31 19 27 33

Fonte: BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Guia de Livros Didáticos PNLD 2010: letramento e alfabetização/língua portuguesa. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2009, p. 39 a 140. Na contagem total dos gêneros apresentados por coleção, foram desconsiderados os gêneros repetidos entre um volume e outro.

Denunciamos esses erros do Relatório de Reprovação junto à SEB, que ignorou a in-consistência do parecer dos avaliadores do PNLD 2010 e também o não cumprimento ao princípio de isonomia. Os avaliadores do PNLD 2010 aproveitaram a ocasião para, com anuência da SEB, reiterar seu posicionamento inicial e fazer novas e extemporâne-as acusações, todas suposições não comprovadas (mais uma vez!). Cientes da debilidade dos argumentos que forneceram no Relatório de Reprovação, os avaliadores procuraram reforçá -los incluindo uma nova acusação: agora, o problema da coletânea textual destinada ao eixo da leitura da Coleção Ponto de Partida passou a ser a reprodução desses textos que,

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Com a palavra, o autor308

segundo os avaliadores, revela “uso indevido de obra e é passível de interpelação judicial”. No Ofício nº 1.027/2010, eles alegaram que:

As inadequações metodológicas específicas aparecem já na composição da

coletânea e na reprodução dos textos de referência para leitura. O caso

do texto acima referido [“As Tranças de Bintou”] é exemplar; portanto

merece ser retomado. [...] Não há, portanto, como não concluir que o

tratamento dado ao original [“As Tranças de Bintou”] se configura, como

diz muito acertadamente o parecer, como um uso indevido da obra _ a

nosso ver, passível, inclusive, de interpelação judicial.12

Foi com grande estranhamento que recebemos a acusação de que a Coleção Ponto de Partida é “passível de interpelação judicial” por “uso indevido da obra”. Foi com imenso espanto que, mediante a denúncia de que não foram comprovadas as insu-ficiências da coletânea textual destinada ao eixo da leitura, os avaliadores estenderam a crítica de “uso indevido da obra” a todo o conjunto de textos citados em nossos livros (inicialmente, no Relatório de Reprovação, tal crítica restringia -se ao conto “As Tranças de Bintou”, de autoria de Sylviane A. Diouf, publicado pela Editora Cosac Naify), ignoran-do o fato da crítica não ter sido comprovada, como claramente demonstrado em nossas contestações13. O fato é que, ao invés de averiguar os erros do Relatório de Reprovação e a procedência de nossas denúncias, os avaliadores buscaram refúgio em um verdadeiro “em-buste judicial”: alegaram que suas críticas extrapolariam o âmbito da avaliação pedagógica do PNLD e mereceriam parecer de instância jurídica (?!!).

A essa altura, nosso prezado leitor pode querer nos corrigir: não seria um “embuste retórico”? Por que “embuste judicial”? Temos de concordar: o embuste também é retórico, como demonstraremos a seguir. Mas é preciso lembrar quem são os interlocutores desse imbróglio: de um lado, estão os avaliadores do PNLD. O seu parecer tem caráter oficial. Trata -se, portanto, de um posicionamento de autoridades do Governo Federal. O MEC, por meio do relatório elaborado pela coordenação da avaliação, julgou que nossos livros são “passíveis de interpelação judicial por uso indevido de obra”. Do outro lado, estamos nós, simples professores e “meros autores de livros didáticos”. Imagine, caro leitor, qual foi a nossa reação quando recebemos a acusação de que nossa obra deveria sofrer “interpelação judicial”! Por ingenuidade, fomos verificar sua procedência. Será que teríamos infringido a Lei dos Direitos Autorais? Será que teríamos usado indevida-mente os textos de outros autores em nossos livros? Somos ingênuos, amigo leitor, mas não tão bobos como imaginavam os avaliadores do PNLD 2010. Todos os textos de outros au-tores citados em nossos livros aparecem com sua autoria claramente identificada. Não há

12   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Ofício nº 1.027/2009. Brasília: Ministé-rio da Educação, 15/jun/2009, p. 5. [grifos nossos].

13   Mais adiante, neste capítulo, discorremos sobre as críticas de “uso indevido de obra” e “indução a preconceito” feitas à sequência didática que tem como base o conto “As Tranças de Bintou”. Por ora, é importante ressaltar que os avaliadores do PNLD 2010 não comprovaram o tal “uso indevido de obra” uma vez que o texto original apresenta a referência completa à autoria da obra, inclusive com uma breve biografi a de sua autora.

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Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 309

nenhum “uso indevido” do trabalho autoral alheio. Obviamente, trata -se de um embuste dos avaliadores do PNLD 2010; algo que pode ser interpretado como “ahh, vocês não con-cordaram conosco?! Então vamos até um juiz para que ele dê o parecer final”. Mas, é essa a atitude que “especialistas” das universidades contratados pela SEB devem ter quando se deparam com fatos concretos que contrariam as suas opiniões? Enquanto autoridades, eles não deveriam fazer ameaças por meio de documentos oficiais do PNLD, sobretudo quan-do se escondem sob o manto da proteção que o sigilo de suas identidades lhes garante. Como autoridades, eles também deveriam saber que uma interpelação judicial não serve para avaliar se fizemos ou não “uso indevido” da obra de outros autores. Por isso mesmo, blefaram conosco, utilizando jargão judicial para sugerir apuração de crime.

A grande dúvida que surge é se de fato os “interpelantes”, ou melhor, os avaliadores do PNLD 2010 foram contratados e autorizados pelo MEC para emitir parecer dessa natureza. Qual é a qualificação dos mesmos para tanto? Causou -nos surpresa também o fato da SEB permitir o uso dos documentos produzidos no contexto da avaliação do PNLD – necessa-riamente de natureza didático -pedagógica – para fomentar interpelações judiciais. Quais são os interesses do MEC, da SEB e também do próprio PNLD no pleito do ato jurídico que os avaliadores pretendem promover com essa nova, infundada e extemporânea acusação? Não conseguimos imaginar qual possa ser o interesse por parte dos órgãos públicos. Trata -se de algo privado: os avaliadores do PNLD 2010 utilizaram documentos públicos para fazer sua própria defesa.

A afirmação dos avaliadores do PNLD 2010 de que devemos ser interpelados judicial-mente por uso indevido de textos de terceiros é um grande “embuste judicial” utilizado para nos silenciar. Um “embuste retórico” revestido de ameaça. Para nós, só comprova a estratégia dos avaliadores de recorrer a subterfúgios para esconder as insuficiências, as dis-torções, as imperícias e a falta de base legal dos argumentos que utilizaram para reprovar e excluir a Coleção Ponto de Partida do PNLD 2010. Corrobora também as nossas firmes convicções de que a análise da contestação dos relatórios de reprovação não pode ser feita pelos mesmos coordenadores e avaliadores que assinam o parecer das obras reprovadas. Os integrantes da equipe de Letramento e Alfabetização participam há mais dez anos do PNLD. Deveriam conhecer profundamente o seu funcionamento. Mesmo assim, quan-do solicitados a dar explicações sobre a avaliação que fizeram de nossa obra, reagiram de forma defensiva e agressiva como se a querela fosse de ordem pessoal. Como esperar uma análise imparcial desses coordenadores e desses avaliadores na etapa do recurso? A nossa experiência permite -nos afirmar que a imparcialidade, nesse caso, é um engodo!

Predomínio de textos didáticos elaborados pelas próprias autoras

Os avaliadores do PNLD 2010 alegaram que a Coleção Ponto de Partida também não atende ao critério eliminatório “Coerência e adequação metodológicas” por apresentar, de

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Com a palavra, o autor310

forma predominante, textos das próprias autoras da Coleção em sua coletânea de textos destinada ao eixo da leitura. Eles afirmam que:

No que se refere ao eixo da leitura, a coleção contribui de maneira

insuficiente para a formação do leitor, pois oferece pouca diversi­

dade de gêneros textuais e predominam textos didáticos elaborados pe­

los autores do livro didático para ensinar/transmitir informações aos

alunos (ver exemplos nas páginas 17, 19, 22, 25, 41, 63, 75, 85, 92,

102, 117, 119, 126, 127, 129, 140, 141, 146, 148, 151, 162, 163, 171,

173, 184, 192, 206 do volume I e nas páginas 17, 19, 21, 29, 41, 51,

66, 85, 92, 95, 117, 127, 134, 141, 163, 170, 184, 185, 195, 202 do

volume 2).14

A suposta “predominância de textos elaborados pelas próprias autoras da Coleção Ponto de Partida”, entretanto, não existe. Afinal, os avaliadores não apresen-taram provas para corroborar a tese de predomínio e erraram na análise do conteúdo das páginas por eles listadas no Relatório de Reprovação. Essas falhas foram comunicadas à coordenação da avaliação que, mais uma vez, ignorou as nossas denúncias e tratou de fazer novas acusações, sem comprová -las (de novo?!). Os fatos detalhados no recurso enviado à SEB são retomados na sequência.

Os avaliadores erraram na exemplifi cação

Os avaliadores do PNLD 2010 erram ao apontar os textos das páginas 17, 19, 25, 41, 63, 75, 85, 92, 102, 117, 119, 126, 127, 140, 141, 146, 148, 162, 163, 171, 184, 192 e 206 do volume 1 e os textos das páginas 17, 19, 21, 41, 85, 92, 117, 127, 134, 141, 163, 170, 184, 185, 195 e 202 do volume 2 como exemplos que corroboram o argumento de que a Coleção Ponto de Partida apresenta de forma predominante, na coletânea de textos destinada ao eixo da leitura, textos produzidos pelas próprias autoras. Os textos mencio-nados pelos próprios avaliadores não fazem parte dessa coletânea textual e não servem, portanto, como prova de que a Coleção apresenta de forma predominante textos das pró-prias autoras na coletânea textual destinada ao eixo da leitura! Trata -se de um típico ERRO TIPO 1: os fatos alegados inexistem na obra. O que os textos15 citados pelos avaliadores de fato apresentam é:

�� os textos das páginas 17 e 117 do volume 1 e do volume 2 são aberturas de unidade e apresentam uma descrição do que será trabalhado. São textos para o professor ler com os alunos e compartilhar com eles os objetivos de aprendizagem que a Coleção apresenta. Trata -se de uma estratégia de aprendizagem e de avaliação dos alunos, conforme explici-

14   UNIVERSIDADE  FEDERAL  DE MINAS  GERAIS.  SECRETARIA  DE  EDUCAÇÃO  BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização Linguística.  Brasília:  Ministério  da  Educação, maio/2009, p. 9. [grifos nossos].

15   Caso o leitor tenha interesse em conhecer, na íntegra, os livros da Coleção Ponto de Partida Letramento e Al-fabetização Linguística poderá consultar o PDF dos  livros no site da Editora Sarandi: <www.editorasarandi.com.br> (acesso: jul/2010).

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Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 311

tado na página 6 do Livro do Aluno de ambos os volumes e na página 21 do Manual do Professor (comum aos dois volumes da Coleção). O conteúdo dessas páginas foi elaborado com o objetivo de atender a duas demandas explícitas do Edital do PNLD 2010: o livro didático deve “descrever com funcionalidade e precisão, do ponto de vista dos usuários visados, a organização geral da proposta” e “apresentar subsídios para a avaliação dos resultados de ensino”16;�� os textos das páginas 19, 41, 63, 85, 92, 119, 126, 141, 148, 163 e 192 e do volume 1

e os textos das páginas 19, 41, 85, 92, 141, 163, 170 e 185 do volume 2 referem -se a enunciados das atividades de comunicação oral. São comandos de atividades e, portanto, não fazem parte da coletânea de textos destinada ao eixo da leitura e não exemplificam e tampouco corroboram a crítica dos avaliadores do PNLD 2010;�� os textos das páginas 25, 75, 102, 127, 140, 146, 162, 171, 184 e 206 do volume 1 e

das páginas 21, 127 e 195 do volume 2 apresentam informações adicionais apresentadas na forma de boxes complementares que tratam de temas de relevância social. Refletem a preocupação da Coleção de trabalhar a aprendizagem da leitura e da escrita em contextos mais amplos, favorecendo a consolidação do jovem aluno enquanto cidadão. Apresen-tam também sugestão de pesquisas em outras fontes, livros e sites na Internet. Não são, portanto, textos que integram a coletânea de textos destinada ao eixo da leitura, como os avaliadores fazem entender no Relatório de Reprovação da Coleção, embora sejam essen-ciais para a compreensão das estratégias didáticas que fundamentam a obra, conforme justificativa apresentada nas páginas 18 e 19 do Manual do Professor de ambos os volumes (ver Figuras 6.1 e 6.2, ao final do capítulo);�� os textos das páginas 134 e 184 do volume 2 são boxes que apresentam informações adi-

cionais sobre o tema estudado. Não são textos que integram a coletânea textual destinada ao eixo da leitura e, portanto, não corroboram a crítica dos avaliadores do PNLD 2010 de predomínio de textos das autoras na coletânea textual destinada ao eixo da leitura; e�� o texto da página 202 do volume 2 não faz parte da coletânea de textos destinada ao

eixo da leitura. Trata -se de um texto elaborado pelas autoras com o objetivo de favorecer a análise e reflexão sobre a língua escrita.

Observa -se, assim, que os avaliadores do PNLD 2010 erraram na análise de quase todos os exemplos selecionados de nossos livros para corroborar a crítica de que a maior parte dos textos da coletânea textual destinada ao eixo da leitura é de autoria das próprias autoras da Coleção Ponto de Partida. Por imperícia ou má -fé, os enunciados das ativida-des e as explicações e as informações fornecidas para abordar os temas tratados nos livros foram qualificados como textos da coletânea textual destinada ao eixo da leitura. O que não corresponde aos fatos concretos, pois:

�� do ponto de vista técnico e conceitual, enunciados, explicações e informações têm uma natureza específica (correspondem à narrativa didática dos autores de livros didáticos constituída com o objetivo de desenvolver, em um suporte escrito e limitado, a sua propo-

16   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Edital de convocação para inscrição no processo de avaliação e seleção de obras didáticas a serem incluídas no Guia de Livros Didáticos de 1º ao 5º ano do PNLD 2010. Brasília: Diário Oficial da União, 27/abr/2009, pp. 62 e 67. [grifos nossos]. Disponível em: <www.observatoriolivrodidatico.com.br> (acesso: jul/2010).

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Com a palavra, o autor312

sição de ensino) e não podem, portanto, ser classificados como textos da coletânea textual destinada ao eixo da leitura; e�� em termos quantitativos, como sintetizado nas Tabelas 6.3 e 6.4 apresentadas mais

adiante nesse capítulo, não há predominância de textos produzidos pelas próprias autoras na coletânea textual da Coleção Ponto de Partida.

Caso os avaliadores do PNLD 2010 insistam que os enunciados, as explicações e as informações presentes nos livros da Coleção Ponto de Partida corroboram o argumento de exclusão por predominância de textos das autoras da obra na coletânea textual destinada ao eixo da leitura, abre -se um precedente nunca visto na história do livro didático, segun-do o qual: os livros didáticos não devem apresentar comandos de atividades e informações e/ou explicações de seus autores, pois, do contrário, serão excluídos do PNLD! Precedente que, obviamente, não tem o menor sentido e que dificilmente poderá ser sustentado pelos avaliadores e pelos coordenadores contratados para atuar no PNLD 2010 e até mesmo pelos técnicos do MEC envolvidos na avaliação dos livros didáticos.

Os avaliadores do PNLD 2010, particularmente, sabem que TODO livro didático apresenta, necessariamente, textos dos próprios autores do livro expressos, sobretudo, na forma de enunciados, explicações e informações. Os avaliadores sabem também que em TODO livro didático são esses os textos que aparecem em maior quantidade. Isso pode ser facilmente comprovado. Afinal, TODAS as 19 coleções aprovadas pelos avaliadores do PNLD 2010 e incluídas no Guia de Livros Didáticos PNLD 2010 – Letramento e Alfa-betização Linguística apresentam comandos de atividades e informações e/ou explicações feitas pelos próprios autores e esses textos são apresentados em maior quantidade do que os textos da coletânea textual destinada ao eixo da leitura!

Como explicar, então, que a presença de enunciados de atividades, explicações e infor-mações seja um motivo para excluir a Coleção Ponto de Partida, mas não as 19 coleções aprovadas e incluídas no Guia do PNLD 2010?

A partir das informações apresentadas no Relatório de Reprovação da Coleção e no Guia de Livros Didáticos PNLD 2010, é possível concluir que os avaliadores do PNLD 2010 simplesmente não classificaram os enunciados, as explicações e as informações elabo-radas pelos próprios autores das 19 obras aprovadas como textos integrantes da coletânea textual destinada ao eixo da leitura! Mas optaram por classificar esses mesmos textos da Coleção Ponto de Partida como integrantes da tal coletânea!

O que se verifica, mais uma vez e de forma estarrecedora, é que os avaliadores do PNLD 2010 feriram o princípio da isonomia utilizando um mesmo critério para aprovar e, ao mes-mo tempo, reprovar obras no PNLD! Um ERRO TIPO 6 em nossa classificação de erros.

É fundamental recordar que o livro didático, por definição, não é uma mera compila-ção de textos de autores consagrados, mas sim uma proposta de ensino coerente e coesa. Por sua natureza escrita, a explicitação dessa proposta de ensino necessariamente ocorre por meio de textos produzidos pelos autores de modo a considerar os diversos leitores/usuá rios da obra (alunos e professores, principalmente), tais como: comandos de ativida-des, informações, explicações, orientações etc. A aquisição de compilações e/ou de coletâ-

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neas de obras de autores consagrados é realizada pelo Programa Nacional de Biblioteca na Escola (PNBE) e não pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Tal confusão revela o desconhecimento (será mesmo?) dos avaliadores do PNLD 2010 do objeto dessa avaliação: o livro didático! Este erro poderia ser classificado como um ERRO TIPO 2: erro conceitual associado à desatualização dos avaliadores. Entretanto, como o tema em foco é o próprio livro didático, soa -nos muito estranho imaginar que os “especialistas” contratados pela UFMG para analisar os livros didáticos de Letramento e Alfabetização do PNLD 2010 desconheçam o objeto do seu próprio trabalho. O estranhamento intensifica--se quando se verifica, no Currículo Lattes dos integrantes da equipe de avaliação e de coordenação dessa área, que boa parte desses “especialistas” fazem parte de pesquisas de-senvolvidas pelo CEALE cujo tema é, “bingo”, o livro didático!

Esse imenso equívoco dos avaliadores do PNLD 2010 foi comunicado à SEB. Também foi informado que a tese de “predomínio de textos das próprias autoras” da Coleção Ponto de Partida na coletânea textual destinada ao eixo da leitura não é válida por falta de comprovação. Mas essas informações foram simplesmente ignoradas e nós não obtivemos resposta alguma às nossas contestações.

Além de fundamentarem seus argumentos em prol da “predominância de textos das autoras” em exemplos equivocados e errarem na análise quantitativa da coletânea de textos destinada ao eixo da leitura, os avaliadores do PNLD 2010 também extrapolaram suas funções ao utilizar critério inexistente no Edital do PNLD 2010 para excluir a Co-leção Ponto de Partida. Afinal, o escopo do critério fundamental e eliminatório “Coerên-cia e adequação metodológicas” não apresenta referências quantitativas para as coletâneas textuais, tanto para a coletânea referente ao eixo da leitura como para aquela do eixo da escrita. Trata -se de um ERRO TIPO 5, no qual os avaliadores usam critérios inexistentes e excedem seu poder discricionário.

A indicação de parâmetros quantitativos no Edital do PNLD 2010 de fato permitiria aos avaliadores julgar com imparcialidade e objetividade a maior ou menor presença de textos de outros autores na coletânea destinada ao eixo da leitura. A avaliação poderia versar também sobre outros temas quaisquer passíveis (ou de interesse) de análises quan-titativas. Entretanto, como o edital não apresenta dados quantitativos, na ausência desses parâmetros, os avaliadores não têm como justificar a exclusão de uma obra por “predomi-nância”. Predominância em relação a quê? Qual o mínimo ou o máximo para poder qua-lificar determinada característica da obra como predominante? Os avaliadores não dizem e não apresentam explicações sobre o assunto no Relatório de Reprovação. E não o fazem porque não têm embasamento legal para excluir a Coleção em função de critérios quanti-tativos que não fazem parte do Edital do PNLD 2010.

O Edital do PNLD 2010 demanda, no item “5. Critérios relativos à natureza do mate-rial textual”, que:

5. Critérios relativos à natureza do material textual

O conjunto de textos que um LDP apresenta deve constituir -se como um instrumento eficaz de acesso ao mundo da escrita. Portanto, é imprescindível que a coletânea, respei-

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Com a palavra, o autor314

tando o nível de ensino a que se destina, ofereça ao aprendiz uma amostra o mais possível representativa desse universo. Logo:

– a seleção de textos deve justificar -se pela qualidade da experiência de leitura que pos-sa propiciar ao leitor e não pela possibilidade de exploração de conteúdos curriculares. Portanto, a presença de pseudo -textos, criados única e exclusivamente com objetivos di-dáticos, é inaceitável;

– respeitado o nível de ensino em jogo, os gêneros discursivos presentes no LDP devem ser representativos da heterogeneidade do mundo da escrita. Devem, portanto, ser variados, inclusive no que diz respeito a registros, estilos e variedades (sociais e regionais) do Portu-guês, de forma a permitir ao aluno a percepção de semelhanças e diferenças;

– em virtude das experiências singulares que podem oferecer ao leitor, inclusive no que diz respeito aos procedimentos estéticos, os textos da tradição literária de língua portu-guesa são imprescindíveis, especialmente os da literatura brasileira;

– no caso dos textos literários, os autores contemplados devem ser representativos da produção literária e não precisam restringir -se aos de língua portuguesa; boas traduções, apresentando adequadamente ao aluno realidades diversificadas, são bem -vindas;

– no caso dos dois livros de alfabetização, a presença de textos da tradição e da literatura oral é imprescindível;

– também é imprescindível a presença de textos pertencentes a esferas socialmente mais significativas de uso da linguagem (como a jornalística, a científica etc.), que, respeitada a pertinência ao nível de ensino em foco, exijam capacidades como a de compreender criticamente os procedimentos argumentativos dos textos lidos ou ouvidos; a de expor coerentemente os conhecimentos sistematizados; a de compreender eficazmente uma ex-posição; a de compreender e elaborar instruções e prescrições etc.;

– entre os textos selecionados, os integrais são preferíveis aos fragmentos; no caso desses últimos, é de fundamental importância, para um trabalho adequado de leitura, e mesmo de redação, que a unidade do texto esteja preservada e que as fontes completas do texto ou trecho estejam claramente indicadas;

– textos originais e autênticos são preferíveis a paráfrases e adaptações; estas últimas, entretanto, podem ser aceitas, quando bem feitas e quando não chegarem a restringir, no próprio LDP, a presença necessária dos primeiros;

– o LDP deve incentivar professores e alunos a buscarem textos e informações fora dos limites do próprio livro didático.17

Constata -se, assim, que o Edital do PNLD 2010 não apresenta parâmetros quanti-tativos para a coletânea textual destinada ao eixo da leitura. No Edital, sequer é possível localizar o termo “predomínio”! A atitude dos avaliadores do PNLD 2010 de reprovar a Coleção Ponto de Partida por critério inexistente no Edital é, no mínimo, questionável!

Interessante destacar que os avaliadores do PNLD 2010 reprovaram e excluíram a Co-leção Ponto de Partida a partir de informação publicada apenas a posteriori, ou seja, após

17   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Edital de convocação para inscrição no processo de avaliação e seleção de obras didáticas a serem incluídas no Guia de Livros Didáticos de 1º ao 5º ano do PNLD 2010. Brasília: Diário Oficial da União, 27/abr/2009, pp. 64 -65. [grifos nossos].

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as etapas de inscrição e de avaliação. Afinal, somente no Guia de Livros Didáticos PNLD 2010 é que os avaliadores utilizam o termo “predomínio” como critério fundamental na análise da coletânea textual destinada ao eixo da leitura18.

Assim, além da impossibilidade de ter ciência desse critério no ato de inscrição da nossa obra no PNLD 2010, reclamamos o uso de termos genéricos por parte dos avaliadores do PNLD 2010. O que eles compreendem por “textos autênticos”19? São textos de dife-rentes gêneros textuais? São “textos de outros autores”? São textos de autores consagrados publicados pelas grandes editoras? Os editais não dizem nada sobre o assunto e, portanto, dão ampla liberdade aos autores de livros didáticos para fazer suas interpretações20. A avaliação, assim, carece de especificações técnicas e objetivas. Essa falha, sem dúvida, possibilita aos avaliadores a formulação de análises subjetivas, inconsistentes e sem respaldo legal. Trata -se de uma falha que gera desvios irreparáveis que necessitam urgentemente ser corrigidos pelo MEC e pelo FNDE.

A análise é fragmentada e parcial

Embora seja falsa a alegação dos avaliadores do PNLD 2010 de que a coletânea textual destinada ao eixo da leitura da Coleção Ponto de Partida apresenta predominantemente textos das próprias autoras, é fato que a coletânea textual da Coleção apresenta textos das próprias autoras de forma minoritária. Os textos das páginas 22, 45, 129, 151 e 173 do volume 1 e das páginas 29, 66 e 95 do volume 2 – citados pelos avaliadores nesse mesmo trecho do Relatório de Reprovação – são, de fato, textos informativos produzidos pelas próprias autoras. São textos autênticos e inéditos que integram a coletânea de textos des-tinada ao eixo da leitura.

E qual seria o problema da Coleção apresentar textos das próprias autoras em sua co-letânea textual destinada ao eixo da leitura? Como já demonstramos, o Edital do PNLD 2010 não faz restrições ao assunto. Além disso, as autoras da Coleção Ponto de Partida têm ampla experiência profissional na produção de textos e forte conhecimento na área de linguística para também atuarem em sua própria obra didática como autoras dos textos que fazem parte da coletânea textual destinada ao eixo da leitura. Duas autoras, inclusive, têm livros de natureza variada (literatura, meio ambiente, poesia etc.) destinados a crian-

18   O uso de critérios quantitativos não especificados no Edital do PNLD 2010 já foi denunciado nos Capítulos 3, 4 e 5. Na prática, o uso de critérios que não constam nos termos dos editais transforma -se em um estratagema dos avaliado-res do PNLD 2010 que, dessa forma, extrapolam seu poder discricionário. Conforme já detalhado no Capítulo 2, trata -se de um ERRO TIPO 7 em nossa classificação.

19   Os avaliadores do PNLD 2010 só tornaram pública a exigência de “textos autênticos” na página 147 do Guia de Livros Didáticos do PNLD 2010. Ou seja, só apresentaram essa exigência e outras cinco novas exigências relacionadas ao material textual dos livros didáticos aprovados no PNLD quinze meses após a publicação do Edital do PNLD 2010 e onze meses após a entrega dos originais no IPT. A irregularidade está aí, documentada pelos próprios avaliadores. A apro-vação das obras é feita com base em critérios desconhecidos que só vêm a público após o encerramento da avaliação pedagógica. Isso inviabiliza o trabalho de qualquer autor e editora. Até quando os livros serão avaliados com base em critérios que não estão nos editais?

20   Consultamos o Dicionário Eletrônico Houaiss e em nenhuma de suas acepções encontramos a informação de que o termo “autêntico” se refere a algo que necessariamente deva ser autoria de outrem. Disponível em: <http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=aut> (acesso: jun/2010). 

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Com a palavra, o autor316

ças, jovens e adultos publicados por diversas editoras. Uma rápida consulta ao currículo de cada uma delas comprova a sua experiência como escritoras.

Por outro lado, é fundamental destacar que o Relatório de Reprovação da Coleção Ponto de Partida apresenta uma lista das páginas nas quais os avaliadores do PNLD 2010 supõem apresentar apenas “textos didáticos elaborados pelas autoras”. Os avaliadores, po-rém, não apresentam dados quantitativos sobre os textos de outros autores que não os textos das próprias autoras da Coleção destinados à composição da coletânea relacionada ao eixo da leitura. Os avaliadores, assim, não fazem uma análise objetiva e imparcial da obra, mas, sim, uma análise parcial e fragmentada.

Como indicam os dados das Tabelas 6.3 e 6.4, é possível constatar que em ambos os volumes da Coleção os textos destinados ao eixo da leitura elaborados por outros autores são apresentados em maior quantidade do que os textos elaborados pelas próprias autoras!

Outro aspecto importante que as Tabelas 6.3 e 6.4 apontam é o fato do percentual de páginas da Coleção destinadas aos textos produzidos por outros autores ser maior do que o percentual de páginas dedicado aos textos escritos pelas autoras da obra. Tal percentual é relevante, uma vez que o tratamento gráfico dado aos primeiros é superior aos demais tex-tos presentes na Coleção (comando das atividades, explicações, orientações, informações complementares etc.). De forma geral, os primeiros são acompanhados por ilustrações e distribuídos ao longo de duas ou mais páginas, destacando -se a importância dos mesmos no contexto da obra.

TA B E L A 6 . 3 Volume 1: textos de outros autores x textos das autoras da Coleção

Textos de outros autores

Páginas ocupadas no livro pelos textos de outros autores

Textos das autoras da Coleção

Páginas ocupadas pelos textos das autoras da Coleção

16 p. 29p. 31p. 44 e 45p. 51p. 59p. 66 e 67p. 73p. 81p. 88 e 89p. 95p. 103p. 121, 122 e 123p. 137p. 144, 145 e 146p. 165, 166 e 167p. 187, 188 e 189

12 p. 22 e 23p. 43p. 65p. 87p. 114 e 115p. 116 e 117p. 129p. 151p. 175p. 195p. 212 e 213p. 214 e 215

Total 16 27 (61,3%) 12 17 (38,7%)

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Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 317

TA B E L A 6 . 4 Volume 2: textos de outros autores x textos das autoras da Coleção

Textos de outros autores

Páginas ocupadas no livro pelos textos de outros autores

Textos das autoras da Coleção

Páginas ocupadas pelos textos das autoras da Coleção

17 p. 22 e 23p. 43, 44 e 45p. 51p. 66 e 67p. 73 e 74p. 80p. 88 e 89p. 121p. 128 e 129p. 143p. 150 e 151p. 166 e 167p. 173p. 178p. 180p. 188 e 189p. 196 e 197p. 213

10 p. 21p. 29p. 65p. 95p. 112 e 113p. 114 e 115p. 127p. 195p. 214 e 215p. 216 e 217

Total 17 29 (67,4%) 10 14 (32,5%)

Conclui -se, assim, que os avaliadores erraram na quantificação dos textos da coletânea textual destinada ao eixo da leitura. A suposta “predominância” de textos produzidos pe-las próprias autoras não é verificada nos nossos livros reprovados. Logo, a alegação é falsa e não serve como argumento de exclusão da Coleção!

O trabalho de leitura pouco contribuipara a formação do leitor

Os avaliadores do PNLD 2010, no Relatório de Reprovação, alegaram que a Coleção Ponto de Partida também não atende ao critério “Coerência e adequação metodológicas” por apresentar um trabalho de leitura que pouco contribui para a formação do leitor. No Relatório de Reprovação, os avaliadores afirmaram que:

Quanto às atividades de compreensão textual, também pouco contribuem

para a formação do leitor, uma vez que priorizam a localização de in­

formações (páginas 124, 130, 148, 152, 168, 170, 174, 190, 196, do

volume I e páginas 24, 46, 52, 68, 75, 90, 96, 122, 123, 130, 144,

145, 152, 168, 174, 190, 198, 199, do volume 2) e a exploração dos co­

nhecimentos prévios dos alunos sobre as temáticas dos textos (páginas

19, 41, 63, 85, 119, 141, 163, 185, em ambos os volumes). Há que se

ressaltar que, no volume 1, as atividades da primeira unidade explo­

Com a palavra o autor.indb 317 20/07/2010 19:50:30

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Com a palavra, o autor318

ram apenas a leitura e a cópia de palavras dos textos, como demonstram

os exemplos das páginas 24, 25, 30, 31, 43, 46, 47, 52, 53, 65, 68,

69, 74, 87, 90, 91 e 96. Dessa forma, nos dois volumes, as atividades

deixam de explorar habilidades importantes para a formação do leitor,

tais como: a exploração das características ou finalidades dos gêne­

ros textuais, a identificação do significado de palavras no texto, a

apreensão do sentido global de textos, a inferência, o estabeleci­

mento de relações lógicas entre as partes do texto, a extrapolação.21

No recurso apresentado à SEB, foi comunicado o fato dos avaliadores do PNLD 2010, no Relatório de Reprovação, terem errado na análise das atividades de leitura da Coleção Ponto de Partida, pois:

�� mais de 25% das páginas citadas pelos avaliadores como exemplos das insuficiências da proposta do eixo da leitura da Coleção não apresentam atividade de leitura e, portanto, não corroboram o argumento de exclusão. Logo, o argumento não tem fundamentação concreta; e�� os avaliadores do PNLD 2010 selecionaram fragmentos da Coleção, omitindo e/ou

ignorando as sequências de atividades e os contextos nos quais eles foram originalmente elaborados para forjar fatos que exemplifiquem a sua crítica. Entretanto, quando esses fragmentos são confrontados com o original, revelam -se falsos e não servem como fato concreto para corroborar a argumentação dos avaliadores do PNLD 2010.

Os nossos avisos, entretanto, foram ignorados. Ao invés de justificar o uso de atividades de escrita e de conversação para reprovar a proposta de ensino da leitura da Coleção, os avaliadores do PNLD 2010 aproveitaram para fazer novas supostas acusações. Constata--se, mais uma vez, a clara intenção de esconder as falhas e as imperícias do Relatório de Reprovação ao buscar refúgio em argumentos extemporâneos. O problema da proposta relacionada ao eixo da leitura da Coleção passou a ser, na resposta às nossas contestações, a alegação de que ela, supostamente, apresenta “atividades [que] apostam na explora­ção de conhecimentos prévios e na localização de informações explícitas no

texto, em detrimento de capacidades básicas como o reconhecimento de carac­

terísticas e/ou finalidades dos gêneros implicados, a apreensão do sentido

global, a inferência”22. Para justificar essa nova crítica, os avaliadores alegaram existir “inúmeros exemplos comprovadores”. Os avaliadores, porém, mencionaram apenas dois únicos exemplos…

21   UNIVERSIDADE  FEDERAL  DE MINAS  GERAIS.  SECRETARIA  DE  EDUCAÇÃO  BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização Linguística.  Brasília:  Ministério  da  Educação, maio/2009, p. 9. [grifos nossos].

22   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Ofício nº 1.027/2009. Brasília: Ministé-rio da Educação, 15/jun/2009, p. 7. [grifos nossos].

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Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 319

Além de extemporâneos e sem comprovação factual, os novos argumentos apresentados pelos avaliadores do PNLD 2010, novamente, não têm respaldo legal no Edital do PNLD 2010. No trecho relativo ao trabalho de leitura (item “6.1 Leitura”, p. 65), o edital:

�� não apresenta os parâmetros quantitativos necessários para que os avaliadores possam justificar a qualificação da proposta de leitura da Coleção como “pouca”. “Pouca” em re-lação ao quê? Com base em quais parâmetros quantitativos? Os avaliadores não explicam ou justificam essa crítica e não o fazem porque o Edital do PNLD 2010 não apresenta parâmetros quantitativos e, além disso, não define como as atividades de leitura devem ser organizadas e quais devem ser necessariamente seus conteúdos, conferindo ampla liberda-de aos autores para fazerem suas opções e proposições;�� não traz, no escopo do item “6.1 Leitura”, referências sobre quais estratégias de leitura

devem necessariamente ser contempladas nos livros de alfabetização inscritos no PNLD sob pena dos mesmos serem excluídos do programa e tampouco traz dados sobre qual o percentual que cada uma dessas estratégias de leitura deve ocupar no total das atividades de leitura e compreensão de texto. Como o edital não aponta quais devem ser obrigato-riamente os conteúdos das atividades de leitura (as estratégias de leitura) e os percentuais de participação desses conteúdos no total das atividades do eixo da leitura, confere ampla liberdade de escolha para os autores dos livros de alfabetização.

Importante destacar que termos e expressões como “inferência”, “extrapolação”, “sentido global” ou “reconhecimento das características e/ou finalidades

básicas dos gêneros implicados” sequer fazem parte do edital e, portanto, não inte-gram os critérios de avaliação e de exclusão do PNLD 2010! A indicação das estratégias de leitura solicitadas pelos avaliadores só foi publicada a posteriori à inscrição e à avaliação, no Guia de Livros Didáticos PNLD 2010. Questiona -se, mais uma vez, a validade e a legi-timidade da exclusão de uma obra no PNLD com base em critérios cujo teor só é tornado público após o encerramento da etapa da avaliação.

Os exemplos não corroboram o argumento de exclusão

As páginas 19, 41, 63, 85, 119, 141, 163 e 185 de ambos os volumes da Coleção citadas pelos avaliadores no Relatório de Reprovação correspondem às aberturas de capítulo e tra-zem atividades de comunicação oral organizadas em um boxe intitulado “Para Começar”. Não são, portanto, atividades de leitura e não servem como fato concreto para corroborar o argumento de exclusão da Coleção no eixo da leitura. Os avaliadores equivocaram -se na exemplificação e também ignoraram (ou omitiram do Relatório de Reprovação) o fato de nós termos, em diversas passagens da obra, explicitado e explicado a natureza das ativida-des contidas nessas páginas por meio do:

�� enunciado das atividades mencionadas pelos avaliadores, que traz de forma explícita a informação de que a atividade é para conversar;�� ícone que acompanha o boxe das atividades de conversação. O significado do ícone

encontra -se na página 11 de ambos os volumes, na qual é destacado para o aluno e para

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Com a palavra, o autor320

o professor que esse ícone é um sinal que indica que o assunto deve ser discutido com os colegas;�� texto da parte específica do Manual do Professor, de ambos os volumes, conforme

destacado a seguir.

Expressão oral

Essas atividades têm como objetivo promover o desenvolvimento das competências dos alunos para expressarem ideias, sentimentos e opiniões. Elas foram elaboradas tendo como base dois suportes principais: os textos e as imagens dos livros. As fotografias, as ilustrações e as obras de arte foram selecionadas para promover o intercâmbio entre os alunos. Por isso, todo capítulo abre com uma fotografia e uma situação de conversação roteirizada no questionário da seção “Para começar” […].23

As atividades das páginas 31, 53, 96, 148 e 170 do volume 1 também não são ativi-dades de interpretação de texto e tampouco apresentam meras “situações de leitura e cópia de palavras”.

As páginas 31 e 53 do volume 1 trazem propostas de produção textual, ou seja, de escri-ta. Logo, não servem para corroborar um argumento que avalia negativamente a proposta de trabalho de leitura da Coleção. Destaca -se que as atividades propostas nessas páginas envolvem, como determina o Edital do PNLD na página 64, textos da tradição popular (parlenda e adivinha) e da literatura oral (poema). São textos que permitem “a análise e a reflexão sobre as propriedades sonoras da fala e sua relação com os recursos gráficos da escrita”24. Já a página 96 apresenta, na primeira atividade, uma situação de retomada do conteúdo das adivinhas trabalhadas na página anterior e, na segunda atividade, uma nova adivinha para leitura do aluno25.

Por outro lado, muito nos surpreendeu a menção às páginas 148 e 170 do volume 1 como exemplos de atividades de leitura de textos! Está certo que as mesmas envolvem tex-tos não verbais, mas de modo algum os avaliadores do PNLD 2010 poderiam analisá -las com base nos mesmos critérios referentes aos textos que integram a coletânea de textos destinada ao eixo da leitura. Até mesmo porque, o escopo do critério fundamental e elimi-natório “Coerência e adequação metodológicas” não faz referência sobre o assunto (páginas

23   CARVALHO, A. F.; JAFFE, N.; MELO, M. M. Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização Linguística – Livro do Aluno. São Paulo: Editora Sarandi, 2008, v. 1 e 2, p. 15.

24   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Edital de convocação para inscrição no processo de avaliação e seleção de obras didáticas a serem incluídas no Guia de Livros Didáticos de 1º ao 5º ano do PNLD 2010. Brasília: Diário Oficial da União, 27/abr/2009, p. 63.

25   A acusação recorrente e sem fundamentação bibliográfica de que as atividades de leitura e/ou de escrita envol-vem apenas a escrita de letras e palavras e/ou cópia de palavras ou sentenças parece ser uma estratégia dos avaliadores do PNLD 2010 para desqualificar a priori a Coleção Ponto de Partida. Afinal, a acusação não tem sentido do ponto de vista didático e metodológico, sobretudo quando eles relacionam essa acusação às atividades que envolvem listas e/ou textos da tradição popular. Esse assunto já foi comprovado no Capítulo 5. Além disso, TODAS as coleções aprovadas e incluídas no Guia de Livros Didáticos PNLD 2010 – Letramento e Alfabetização Linguística também apresentam situações que envolvem leitura/escrita de letras, palavras em situações de interpretação de texto, de escrita espontânea ou de cópia. Os avaliadores do PNLD 2010 excedem seu poder discricionário, usam critério inexistente nos termos do Edital do PNLD 2010 e ferem o princípio da isonomia!

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Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 321

61, 62 e 63 do Edital do PNLD 2010). Tampouco o item “6.1 Leitura” traz informações sobre o trabalho com os textos não verbais!

A seleção das páginas 148 e 170 do volume 1 como fatos que corroborariam a crítica dos avaliadores de que na Coleção predominam as atividades de localização de informa-ções e de levantamento de conhecimentos prévios só se justifica por imperícia na análise. Como é possível constatar nos próprios livros reprovados, a página 148 apresenta uma fotografia e a página 170 traz um exemplo da arte gráfica aborígine australiana. As ativi-dades propostas nessas páginas envolvem situações de análise e apreciação estética, além de situação de conversação.

As conclusões dos avaliadores estão baseadas em fragmentos da obra

Os avaliadores do PNLD 2010 recorreram a fragmentos das páginas 24, 25, 30, 43, 46, 47, 52, 65, 68, 69, 74, 87, 90, 91, 96, 124, 130, 152, 168, 174, 190 e 196 do volume 1 e das páginas 24, 46, 52, 68, 75, 90, 96, 122, 123, 130, 144, 145, 152, 168, 174, 190, 198, 199 do volume 2 para forjar exemplos que justificassem a crítica eliminatória segunda a qual as atividades de compreensão textual da Coleção Ponto de Partida “pouco contri­buem para a formação do leitor”. Com isso, os avaliadores omitiram ou ignoraram em seu Relatório de Reprovação o fato das atividades presentes nas páginas supracitadas:

�� apresentarem um trabalho com textos informativos organizados na forma de “fichas técnicas” de países e animais ou, então, com listas de palavras (no caso do volume 1). São atividades que demandam localização de informações, interpretação e/ou re apresentação das mesmas em sequência coerente que exige a reconstrução das relações lógicas e hierár-quicas do texto, recuperando os sentidos globais dos mesmos. Não são, portanto, meras atividades de “localização de informações” ou de “leitura e cópia de palavras”. O apoio de palavras e expressões nas respostas dessas atividades é uma estratégia didática elaborada com o objetivo de auxiliar os alunos a registrarem por escrito as suas respostas, principalmente no volume 1, quando os mesmos ainda não sabem escrever (afinal, trata--se de uma coleção voltada para a alfabetização!). Vale destacar que TODAS as coleções aprovadas e incluídas no Guia de Livros Didáticos PNLD 2010 – Letramento e Alfabetização Linguística apresentam estratégia semelhante (incluindo, além de palavras, também frases) para facilitar o registro dos alunos; e/ou�� serem desenvolvidas ao longo de duplas de páginas organizadas em uma seção deno-

minada “Trabalho com o texto”, nas quais o trabalho de leitura e de interpretação de texto envolve momentos de localização de informação, recuperação, interpretação, busca de sentidos globais, extrapolação. Mas os avaliadores ignoraram as sequências de trabalho propostas ao longo de cada volume da Coleção, selecionando apenas os trechos que lhes interessavam para forjar exemplos que corroborassem a sua crítica sem se preocupar, en-tretanto, com as eventuais adulterações de seus sentidos originais.

A Tabela 6.5 apresentada a seguir sintetiza o conteúdo das páginas listadas pelos avalia-dores nessa passagem do Relatório de Reprovação e, dessa forma, apresenta os elementos necessários para refutar a crítica eliminatória de que “as atividades de compreensão

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textual pouco contribuem para a formação do leitor”. O argumento, portanto, não é válido e não serve como justificativa para excluir a Coleção Ponto de Partida.

TA B E L A 6 . 5 Descrição das atividades presentes nas páginas listadas pelos avaliadores do PNLD 2010 como exemplos de que a Coleção prioriza apenas a localização de informações e/ou leitura e cópia de palavras no eixo da leitura

Volume 1 – páginas Descrição do conteúdo do livro

24, 25, 30, 43, 46, 47, 65, 68, 69, 74, 87, 90, 91, 96, 130, 152, 174 e 196

Trabalho com listas de palavras e fi cha técnica de países: trabalho específi co com texto informativo que demanda localização de informações. Os alunos têm apoio de palavras e frases justamente porque não dominam plenamente a escrita. Além disso, o trabalho com a estabilização da escrita de repertórios de palavras favorece o processo de apropriação do sistema alfabético.

52 O trabalho de interpretação de texto envolve estratégias de localização e também de inferência e extrapolação.

124, 168 e 190 As atividades dessas páginas fazem parte de uma sequência intitulada “Trabalho com o texto”, desenvolvida ao longo de uma dupla de páginas. A atividade 1 da sequência geralmente apresenta de três a cinco itens que pedem a localização de informações no texto e outros cinco (ou três) que demandam interpretação e construção de sentidos globais. A sequência apresenta uma segunda atividade, na página  seguinte, e boxes com questões amplas que demandam estabelecimento de relações lógicas e extrapolação.

Volume 2 – páginas Descrição do conteúdo do livro

24, 46, 52, 68, 90, 122, 123, 130, 144, 145, 152, 168, 174, 198 e 199

As atividades dessas páginas fazem parte de uma sequência intitulada “Trabalho com o texto”. Essa sequência é desenvolvida ao longo de uma dupla de páginas. As atividades alternam, de forma equilibrada, atividades de localização de informações no texto, que demandam interpretação e construção de sentidos globais, e outras que solicitam estabelecimento de relações lógicas e extrapolação.

75, 96 e 190 Ficha técnica de países ou animais: trabalho específi co com texto informativo que demanda localização de informações, interpretação e reapresentação das mesmas em sequência coerente que exige a reconstrução das relações lógicas e hierárquicas do texto.

Problemas no enunciado das atividades e indução a erro

Os avaliadores do PNLD 2010 alegaram, no Relatório de Reprovação, que a Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização também não atendeu ao critério eliminató-rio “Coerência e adequação metodológicas” por apresentar problemas no enunciado das atividades, o que poderia induzir os alunos a erro. Eles alegaram que:

Além dos problemas analisados ao longo deste parecer, foram obser­

vados, ainda, alguns referentes à formulação de alguns enunciados e

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Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 323

atividades. No volume 1, tais problemas se encontram nas páginas 43,

79 e 178. Na página 43, o enunciado está redigido de forma incorre­

ta, deveria ser “(...) marque com um X apenas o nome daqueles cujo

nome você consegue ler” e não “(...) marque com um X apenas o nome

daqueles cujo nome você conseguir ler”. Na página 79, o quadrinho à

direita da atividade, denominado “Vamos refletir?”, apresenta a se­

guinte instrução: “Mostre para os colegas os nomes que você escreveu

na atividade ao lado. Juntos, discutam a escrita de cada um deles.

Compare o jeito como você escreveu com o jeito que os seus colegas

escreveram. Se houver diferenças, conversem sobre elas e procurem

chegar a um acordo sobre a escrita das palavras”. Entretanto, na pá­

gina 78, a referida atividade solicita apenas que o aluno copie as

palavras do quadro, o que não justifica a necessidade de comparar a

escrita entre os colegas.

No volume 2, na página 37, no quadro da atividade 3, a grafia da pa­

lavra da primeira coluna, na primeira linha, está incorreta: deveria

ser “a corrida” e não “acorrida”. Ainda no volume 2, na página 36, no

quadrinho denominado “Tome nota!” há um texto à esquerda da atividade,

cujas informações podem induzir o aluno a uma compreensão equivocada

sobre a noção de palavra. No referido texto, afirma ­se que: “Algumas

palavras começam com a letra A. Isso você já sabe. Outras parecem

começar com a letra A, mas na realidade são apenas acompanhadas por

ela. Veja: a menina, a bola. Essas palavras começam com a letra M, com

a letra B, respectivamente. Entretanto, não se trata apenas de uma

letra (vogal) que “acompanha as palavras”, mas de um artigo defini­

do, ou seja, uma palavra que antecede os substantivos, servindo para

classificá ­los quando ao gênero e ao número (a, o, as, os).26

O uso de pronome indefinido “alguns” nesta passagem do Relatório de Reprovação atesta que a quantidade de “problemas” encontrados nos livros da Coleção Ponto de Partida não é, de fato, relevante. Vale lembrar que o volume 1 da Coleção apresenta mais de 220 atividades que envolvem situações de leitura, escrita e comunicação oral. Já o volu-me 2 apresenta cerca de 260 atividades. Os avaliadores do PNLD 2010 encerram a crítica que reprova a Coleção apontando “problemas” no enunciado de apenas TRÊS atividades do volume 1 e DUAS atividades do volume 2. Mas vale a pena antecipar os erros dos ava-liadores que serão tratados, mais adiante, com a profundidade que merecem.

O suposto erro do enunciado da página 43 do volume 1 não existe (ver Figura 6.3). Os avaliadores trabalharam com fragmento do enunciado original para alegar suposto erro de concordância verbal e, assim, forjar “erro de enunciado”. Como será demonstrado, o enunciado é claro e a atividade foi elaborada com amplo respaldo teórico. Além disso, é importante destacar que problemas de concordância verbal não são problemas de enun-ciado!

26   UNIVERSIDADE  FEDERAL  DE MINAS  GERAIS.  SECRETARIA  DE  EDUCAÇÃO  BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização Linguística.  Brasília:  Ministério  da  Educação, maio/2009, p. 10. [grifos nossos].

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O suposto erro do enunciado da atividade apresentada no segundo boxe lateral da pági-na 79 do volume 1 também não existe (ver Figura 6.4). Trata -se de um erro dos avaliadores do PNLD 2010 que não souberam ler e interpretar corretamente o que realmente estava escrito.

Os avaliadores não identificaram, não descreveram e tampouco explicaram o alegado erro da página 178 do volume 1. Logo, conclui -se que o erro de fato não existe, embora ele tenha sido utilizado para reprovar e excluir a nossa obra do PNLD 2010. A ausência da identificação do erro da página 178 pode facilmente ser constatada na página 10 do Relatório de Reprovação reproduzida logo no início deste item e também na seção Anexos ao final do livro, em versão fac -símile para que não surjam suspeitas de supressões ao texto original dos avaliadores.

Quanto ao erro presente na página 37 do volume 2, os avaliadores não explicaram por que classificaram um “erro de grafia” como “erro de enunciado” (ver Figura 6.5). Pior ain-da: mesmo sabendo que a palavra condenada não tem erro de grafia algum, os avaliadores optaram por utilizá -la como argumento de reprovação da nossa obra. Já a indução a erro alegada na página 36 também não foi comprovada. Nesse caso, o estratagema de recortar fragmentos e desconsiderar a totalidade da obra é evidente.

Na sequência, serão retomados os erros que os avaliadores do PNLD 2010 cometeram nessa passagem do Relatório de Reprovação, caso a caso (exceto o alegado, mas não iden-tificado, erro da página 178 do volume 1 que, por motivos óbvios, não tivemos condições de analisar e, portanto, comentar). Dessa forma, apresentaremos provas contundentes de que os avaliadores erraram na avaliação da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfa-betização e que a gravidade de seus erros é grande. Impede, inclusive, que essa nossa obra seja inscrita em PNLD futuros.

Importante destacar que os avaliadores não localizaram “erros de enunciado” na Co-leção Ponto de Partida. Eles mesmos afirmam que identificaram erros de conjugação ver-bal e de grafia, além de dois erros de interpretação do texto cometidos por eles próprios. Mesmo que a obra realmente apresentasse esses alegados erros de natureza gramatical, é fundamental que o leitor saiba que um erro dessa natureza não é um “erro de enun-ciado”. Para ser qualificado como “errado”, um enunciado deve ter problemas em sua formulação que prejudiquem a realização da atividade. Isso os avaliadores não identifi-caram. E mesmo que tivessem identificado, teriam que explicar por que a formulação do comando da atividade compromete o seu desenvolvimento em sala de aula. Isso seria o mínimo. Mas nada disso foi apontado no Relatório de Reprovação e, sendo assim, os próprios avaliadores do PNLD 2010 são testemunhas de que não há “erros de enuncia-dos” em nossos livros.

Erro gramatical inexistente × erro de enunciado – episódio 1

Os avaliadores do PNLD 2010 reprovaram e excluíram a Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização por apresentar erro no enunciado da atividade da página 43 do volume 1 (Figura 6.3). Entretanto, os avaliadores não identificaram qual é exatamente

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Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 325

o erro que o enunciado apresenta e tampouco descreveram as incompreensões e confu-sões que esse suposto erro poderia causar nos professores e nos alunos antes ou durante o desenvolvimento da atividade, impedindo ou dificultando a realização da mesma. Isso é o mínimo que os avaliadores deveriam ter feito para incluir um erro de enunciado de atividade dentre os seus argumentos que reprovam e excluem uma coleção do PNLD!

Na verdade, no Relatório de Reprovação, os avaliadores apenas manifestaram incômo-do quanto à conjugação do verbo “conseguir” presente em um trecho da frase que forma o enunciado da atividade presente na página 43 do volume 1, como pode ser constatado a seguir.

Na página 43, o enunciado está redigido de forma incorreta, deveria

ser “(...) marque com um X apenas o nome daqueles cujo nome você con­

segue ler” e não “(...) marque com um X apenas o nome daqueles cujo

nome você conseguir ler”.27

Ora, se a incorreção do enunciado é apenas a conjugação do verbo “conseguir”, constata -se que os avaliadores do PNLD 2010 erraram ao classificar um aspecto gramati-cal como “erro de enunciado”. Logo, a conjugação do verbo “conseguir” no enunciado da atividade da página 43 do volume 1 não serve como exemplo para justificar a exclusão da Coleção por apresentar “erro de enunciado”. O argumento, portanto, não é corrobora-do com fato concreto. Logo, não é válido. Trata -se, em nossa classificação, de um típico ERRO TIPO 1: o fato alegado não existe na obra, mas os avaliadores insistem em utilizá -lo para forjar argumentos e exemplos falsos!

Além disso, o enunciado da atividade condenada é claro e compreensível, como pode ser facilmente constatado no enunciado reprovado (Figura 6.3). Temos certeza de que tan-to os professores como os alunos conseguem, com facilidade, realizar os desafios propostos nessa atividade independentemente do tempo verbal do verbo “conseguir”. A reprovação da nossa obra por causa da conjugação de um verbo é prova incontestável que os avalia-dores do PNLD 2010 excederam seu poder discricionário fazendo exigências excessivas e abusivas ao atribuir status de “erro de enunciado” a um aspecto gramatical que não interfere na clareza do enunciado. Um clássico ERRO TIPO 5.

Mas os erros dos avaliadores do PNLD 2010 não param por aqui. Eles também omiti-ram o fato de sua crítica recair em apenas um fragmento do enunciado condenado. Como é possível verificar no texto condenado (Figura 6.3), o enunciado completo é “Antes de ler o texto, observe a lista de animais e marque com um X apenas o nome daqueles cujo nome você conseguir ler”. O trecho fragmentado, quando lido de forma isolada, altera as inten-ções da atividade. Trata -se de uma atividade que demanda duas ações distintas por parte dos alunos: a ação de observar as palavras de uma lista com nomes de animais e a ação de assinalar palavras dessa lista cuja escrita eles conseguem reconhecer. A segunda ação está condicionada à primeira. Afinal, os alunos muito provavelmente ainda não dominam o

27   Ibidem, p. 10. [grifos nossos].

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código escrito, pois estão em uma fase inicial da aprendizagem da leitura e da escrita. Ou seja, é bastante provável que eles ainda não saibam ler convencionalmente. Entretanto, a atividade visa problematizar aquilo que eles já sabem sobre o sistema de escrita – partindo do princípio construtivista de aprendizagem segundo o qual, mesmo com pouco contato com o universo letrado, a criança é capaz de pensar e construir conhecimentos próprios sobre as características e o funcionamento da escrita. Desafiar os alunos a reconhecer o conteúdo de um texto mesmo quando ainda não sabem ler é, portanto, uma importante estratégia de ensino da leitura e da escrita, defendida por inúmeros especialistas e, inclu-sive, por diversos documentos oficiais do próprio Ministério da Educação (como, por exemplo, o volume de Língua Portuguesa dos Parâmetros Curriculares Nacionais e os do-cumentos do PROFA – Programa de Formação de Professores Alfabetizadores). No item “Alfabetização”, dos PCN, encontra -se a fundamentação teórica e didática na qual nos baseamos para elaborar a atividade reprovada:

Para aprender a ler e a escrever é preciso pensar sobre a escrita, pensar sobre o que a escrita representa e como ela representa graficamente a linguagem.

Algumas situações didáticas favorecem especialmente a análise e a reflexão sobre o siste-ma alfabético de escrita e correspondência fonográfica. São atividades que exigem uma atenção à análise – tanto quantitativa como qualitativa – da correspondência entre segmentos falados e escritos. São situações privilegiadas de atividade epilinguística, em que, basicamente, o aluno precisa:

– ler, embora ainda não saiba ler; e

– escrever, apesar de ainda não saber escrever.

Em ambas é necessário que ele ponha em jogo tudo o que sabe sobre a escrita para poder realizá -las.

Nas atividades de “leitura” o aluno precisa analisar todos os indicadores disponíveis para descobrir o significado do escrito e poder realizar a “leitura” de duas formas:

– pelo ajuste da “leitura” do texto, que conhece de cor, aos segmentos escritos; e

– pela combinação de estratégias de antecipação (a partir de informações obtidas no contexto, por meio de pistas) com índices providos pelo próprio texto, em especial os rela-cionados à correspondência fonográfica.28

É incontestável o nosso cuidado ao propor uma atividade de leitura na qual os alunos que ainda não dominam o sistema de escrita possam “ler sem saber ler”. Afinal, o tema da unidade (“Animais”), as informações trabalhadas no capítulo anterior (“Animais de Esti-mação”), as informações trabalhadas no capítulo do qual a atividade faz parte (“Animais de Criação”), a atividade de conversação inicial sobre o tema do capítulo (presente na pági-na 41), as orientações para leitura presentes nas páginas 42 e, finalmente, a ilustração que acompanha o texto da página 43 servem como apoio para que os alunos possam combinar “estratégias de antecipação (a partir de informações obtidas no contexto, por meio de pistas) com índices providos pelo próprio texto”.

28   BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Ensino Fundamental, 1997, pp. 82 -83. [grifos nossos].

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Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 327

Logo, o emprego do verbo “conseguir” no condicional foi intencional e serve justamen-te para destacar a condição entre as duas ações propostas na atividade reprovada. O trecho do enunciado apontado pelos avaliadores do PNLD 2010 como incorreto, portanto, está correto. O argumento de exclusão, por consequência, está errado e não é válido.

O erro e a omissão cometidos pelos avaliadores na análise do enunciado da atividade da página 43 do volume 1 da Coleção Ponto de Partida foram comunicados à SEB que, en-tretanto, não se pronunciou sobre o assunto. Nesse caso, a falta de manifestação contrária corrobora o acerto dos nossos livros e o erro e a omissão dos avaliadores do PNLD 2010.

Os avaliadores “erraram” na leitura e na interpretação da Coleção!

Erro ainda mais grosseiro cometido pelos avaliadores do PNLD 2010 encontra -se na acusação de que a atividade proposta no boxe lateral da página 79 demanda dos alunos a comparação com a produção escrita proposta na página 78. Para os avaliadores, tal ativida-de é impossível de ser realizada uma vez que a atividade da página 78 não demanda escrita espontânea por parte dos alunos (escrita de nomes). Logo, conforme a interpretação equi-vocada dos avaliadores, o enunciado da atividade estaria errado e justificaria a exclusão da Coleção Ponto de Partida do PNLD 2010!

Na página 79, o quadrinho à direita da atividade, denominado “Vamos

refletir?”, apresenta a seguinte instrução: “Mostre para os colegas

os nomes que você escreveu na atividade ao lado. Juntos, discutam a

escrita de cada um deles. Compare o jeito como você escreveu com o

jeito que os seus colegas escreveram. Se houver diferenças, conversem

sobre elas e procurem chegar a um acordo sobre a escrita das pala­

vras”. Entretanto, na página 78, a referida atividade solicita apenas

que o aluno copie as palavras do quadro, o que não justifica a neces­

sidade de comparar a escrita entre os colegas.29

Ora, sem dificuldades é possível perceber que, na verdade, o erro é dos avaliadores do PNLD 2010 e não do enunciado da atividade proposta no segundo boxe lateral da página 79 do volume 1. A atividade em foco não pede comparação com a atividade da página 78, a “página ao lado”. O enunciado faz menção à atividade ao lado do boxe, no corpo central da página. Os avaliadores confundem “atividade ao lado” com “página ao lado”! O erro dos avaliadores pode ser facilmente verificado na reprodução da página 79 apresentada ao final do capítulo (Figura 6.4).

Interessante destacar que os próprios avaliadores do PNLD 2010 registraram no Re-latório de Reprovação da obra o fato da atividade do boxe lateral da página 79 referir -se à “atividade ao lado”, mas ignoram este fato em sua análise. Por que será? Será que eles esqueceram? Será que não perceberam? Isso seria forte indício de displicência e de inépcia.

29   UNIVERSIDADE  FEDERAL  DE MINAS  GERAIS.  SECRETARIA  DE  EDUCAÇÃO  BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização Linguística.  Brasília:  Ministério  da  Educação, maio/2009, p. 10. [grifos nossos].

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Com a palavra, o autor328

Ou será que foi por outro motivo: no afã de encontrar justificativas para excluir essa nossa obra, eles forjaram fatos mentirosos? Isso seria forte indício de má -fé. Deixamos para nosso leitor chegar às suas próprias conclusões.

A verdade é que a atividade reprovada não apresenta enunciado incorreto e, portanto, não serve como exemplo para corroborar o argumento dos avaliadores de que a Coleção foi excluída do PNLD 2010 por apresentar “erros de enunciado”. A crítica não tem fundamentação concreta e o fato alegado inexiste, o que caracteriza ERRO TIPO 1! A Coleção, portanto, não poderia jamais ter sido excluída por erros que não existem!

Cabe, então, questionar: essa e as demais incorreções dos avaliadores do PNLD 2010 identificadas no Relatório de Reprovação da Coleção Ponto de Partida podem ser aceitas sem contestação? Como a coordenação da avaliação, com tantos anos de experiência, não identificou esses erros tão grosseiros e primários? A Professora Doutora Ceris Salete Ribas da Silva não verificou o erro antes de assinar o Relatório? Nós somos obrigados a aceitar esse e os demais erros presentes na avaliação de nossas obras e nos calarmos diante do imenso prejuízo emocional e profissional provocados por esses erros?

Apesar das nossas contestações, a SEB não se pronunciou sobre o assunto. Sim, é ver-dade. A senhora Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva, Secretária da Educação Básica, não verificou a procedência da nossa contestação. Caso tenha identificado o erro, preferiu calar-se para não contrariar o parecer dos avaliadores do PNLD 2010. A ausência de co-mentários e/ou explicações adicionais por parte da SEB apenas reforça e reafirma o erro dos avaliadores do PNLD 2010. Em nossa opinião, essa omissão reitera também o pro-blema ético que a etapa recursal, oficializada pelo Decreto nº 7.084/201030, enfrentará em um futuro próximo. Nossa experiência no PNLD 2010, sem dúvida, é um belo exemplo da reação defensiva que os avaliadores podem assumir quando confrontados com as falhas e os erros que incorrem, por imperícia ou má -fé, no processo de avaliação.

Erro gramatical inexistente × erro de enunciado – episódio 2

Já demonstramos que um erro de gramática não faz parte do escopo “erro de enuncia-do”, sobretudo quando o suposto erro não compromete a compreensão do enunciado e a atividade pode ser realizada com tranquilidade tanto pelos professores como pelos alunos. Trata -se de um ardil dos avaliadores que excedem seu poder discricionário, um ERRO TIPO 5. Podemos até levantar suspeitas de que se trata também de um ERRO TIPO 6. Afinal, embora não tenhamos feito um levantamento concreto, o leitor há de concordar que é grande a chance de serem encontradas obras com erros de ortografia ou de gramá-tica aprovadas e incluídas no Guia de Livros Didáticos PNLD 2010. Mas os avaliadores

30   Esse assunto é apresentado no Capítulo 1 e retomado de forma crítica no Capítulo 7.

Com a palavra o autor.indb 328 20/07/2010 19:50:34

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Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 329

do PNLD 2010 insistem nesse estratagema e o aplicam novamente a nossos livros, agora condenando a atividade 3 da página 37 do volume 2. Eles alegaram que:

No volume 2, na página 37, no quadro da atividade 3, a grafia da pa­

lavra da primeira coluna, na primeira linha, está incorreta: deveria

ser “a corrida” e não “acorrida”.31

Como é possível verificar no original (Figura 6.5), o suposto erro de grafia que compro-varia a presença de “erro de enunciado” e justificaria a exclusão da nossa obra pelos avalia-dores do PNLD 2010 não existe. Ora, é fácil verificar o erro dos avaliadores e o acerto da atividade condenada, não apenas no que se refere à correção da escrita da palavra “corrida” como, também, à clareza do enunciado condenado. Afinal:

�� a palavra “corrida” não está escrita de forma incorreta nessa atividade. A leitura atenta da atividade revela que a junção do artigo “a” ao substantivo “corrida” é intencional: o objetivo da atividade é discutir a questão da separabilidade, tema de fundamental impor-tância no processo de alfabetização;�� outras palavras dessa mesma atividade foram escritas sem a devida separação dos arti-

gos: bola, lua, laranja, menina, mesa, loja, pessoa. Os avaliadores do PNLD 2010, porém, só indicaram erro na grafia da palavra “corrida”. A ausência de menção às demais palavras dessa atividade que também foram grafadas em conjunção com os artigos indica clara-mente que os avaliadores compreenderam a intenção da atividade e que concordaram que, nesse contexto, não há erro de grafia na junção dos artigos com os substantivos das palavras que fazem parte da problematização dessa atividade;�� a atividade da página 37 faz parte de uma sequência de atividades e, na página 36, são

apresentadas informações para o aluno e para o professor compreenderem o contexto da discussão em foco (Figura 6.6). Mas, os avaliadores omitiram a sequência de atividades do Relatório de Reprovação e trataram como erro de grafia apenas a escrita de uma das palavras que faz parte da atividade.

Os fatos são incontestáveis e os próprios avaliadores do PNLD 2010 admitem que a junção do artigo “a” a um determinado grupo de palavras é intencional e faz parte da atividade. Se não admitissem isso, teriam apontado as demais palavras da atividade que apresentam essa mesma junção, não é mesmo?

A verdade é que os avaliadores do PNLD 2010 não identificaram problemas no enun-ciado da atividade condenada que eventualmente pudessem gerar incompreensões por parte dos alunos e dos professores, impedindo -os de realizá -la. E não o fizeram porque a atividade está bem formulada e seu enunciado é bastante claro – o que pode ser facilmente constatado no texto condenado (Figura 6.5).

31   UNIVERSIDADE  FEDERAL  DE MINAS  GERAIS.  SECRETARIA  DE  EDUCAÇÃO  BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização Linguística.  Brasília:  Ministério  da  Educação, maio/2009, p. 10. [grifos nossos].

Com a palavra o autor.indb 329 20/07/2010 19:50:35

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Com a palavra, o autor330

Vale lembrar, mais uma vez, que o erro no enunciado de uma atividade em um livro didático deve se caracterizar, necessariamente, por comprometer o desenvolvimento da atividade proposta e por dificultar o uso do livro em sala de aula, tanto pelo aluno como pelo professor.

Quando contestada, a SEB não explicou as falhas dos avaliadores do PNLD 2010 ao apontar um erro de grafia (inexistente) e ao qualificar (de forma incorreta e infundada) um “erro de grafia” como “erro de enunciado” e excluir a Coleção Ponto de Partida do PNLD 2010. A SEB não fez nenhum pronunciamento sobre o assunto e os avaliadores do PNLD 2010 não admitiram seus erros. Pelo contrário, os avaliadores aproveitaram a resposta à contestação para desviar o assunto: o problema da atividade 3 da página 37 do volume 2 da Coleção deixou de ser “de grafia” ou “de enunciado”, e passou a ser a sua qualificação como “mecânica” ou “irrealizável”32. Não é essa crítica que consta no Relatório de Reprova-ção. Trata -se de uma nova acusação, também não comprovada (apenas alegada). Além de extemporânea, a nova crítica, ao invés de confirmar o argumento inicial dos avaliadores do PNLD, só corrobora a correção do texto. Ou seja, os avaliadores reconhecem que não existe erro de grafia e tampouco erro de enunciado na referida atividade – confirmando o acerto da atividade e da obra e, consequentemente, o erro do parecer dos avaliadores do PNLD 2010.

Indução a erro

Os avaliadores do PNLD 2010 afirmam no Relatório de Reprovação que, na página 36 do volume 2 da Coleção Ponto de Partida, as informações apresentadas podem induzir os alunos a compreenderem, de forma equivocada, a noção de artigo.

[...] no volume 2, na página 36, no quadrinho denominado “Tome nota!”

há um texto à esquerda da atividade, cujas informações podem induzir

o aluno a uma compreensão equivocada sobre a noção de palavra. No

referido texto, afirma ­se que: “Algumas palavras começam com a letra

A. Isso você já sabe. Outras parecem começar com a letra A, mas na

realidade são apenas acompanhadas por ela. Veja: a menina, a bola.

Essas palavras começam com a letra M, com a letra B, respectivamente.

Entretanto, não se trata apenas de uma letra (vogal) que “acompanha

as palavras”, mas de um artigo definido, ou seja, uma palavra que an­

tecede os substantivos, servindo para classificá ­los quanto ao gênero

e ao número (a, o, as, os).33

A qual erro conceitual os avaliadores do PNLD 2010 acreditam que o texto da pági-na 36 do volume 2 da Coleção Ponto de Partida pode induzir? Eles não dizem qual é esse erro e tampouco explicam porque os alunos construiriam uma noção equivocada a partir

32   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Ofício nº 1.027/2009. Brasília: Ministé-rio da Educação, 15/jun/2009, pp. 8 -9. [grifos nossos].

33   UNIVERSIDADE  FEDERAL  DE MINAS  GERAIS.  SECRETARIA  DE  EDUCAÇÃO  BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização Linguística.  Brasília:  Ministério  da  Educação, maio/2009, p. 10.

Com a palavra o autor.indb 330 20/07/2010 19:50:36

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Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 331

das informações contidas nesse texto. Eles não fazem isso por um motivo bastante simples e óbvio: não é verdade que o texto induz a erro. Assim, resta ao leitor “deduzir” qual é esse erro. Aparentemente, conforme pode ser subentendido do parecer dos avaliadores, os alunos formariam noções equivocadas em torno do conceito gramatical “artigo”, confun-dindo as noções de letra e palavra. Isso, nós leitores do Relatório de Reprovação, estamos inferindo. Mas, inferências à parte, o fato é que os avaliadores do PNLD 2010 fazem uma série de omissões do livro reprovado em sua análise. O que os avaliadores desconsideraram (inépcia?) ou omitiram (má -fé?) de seu parecer é o fato da nossa obra apresentar a noção de artigo em dois momentos:

�� um primeiro momento no qual o aluno é convidado a fazer uma primeira aproximação no contexto da reflexão da separabilidade entre as palavras e da construção inicial da noção de palavra (sequência de atividades apresentada nas páginas 36 e 37 reproduzidas neste capítulo como Figuras 6.5 e 6.6); e�� um segundo momento no qual, uma vez construída a noção de palavra (e que, inclu-

sive, o “a” e o “o” – até então considerados pelas próprias crianças como “letras” – podem ser palavras), a classificação das palavras em substantivos, adjetivos e artigos é apresentada (sequência de atividades apresentada nas páginas 200 e 201 do volume 2 reproduzidas como Figuras 6.7 e 6.8).

Nas páginas 200 e 201, é possível constatar que a Coleção Ponto de Partida explica que o “a” e o “o” são palavras e apresentam uma noção mais formal do conteúdo gramatical “ar-tigo”. Logo, a afirmação dos avaliadores do PNLD 2010 de que o boxe lateral da página 36 do volume 2 apresenta informações que podem induzir os alunos a erros é, no mínimo, uma aleivosia. Trata -se de uma opção metodológica autorizada pelo Edital do PNLD 2010, que não faz restrições quanto às metodologias utilizadas pelos autores dos livros de alfa-betização. Nós optamos por trabalhar, em um primeiro momento, com as representações das próprias crianças segundo as quais “a” e “o” parecem letras, mas são, em determinados contextos, palavras; e, em uma segunda etapa, apresentar uma definição formal de artigo.

Em sua resposta, os avaliadores do PNLD 2010, mais uma vez, não admitem os erros do Relatório de Reprovação. Novamente, para desviar a atenção das fragilidades de seus argumentos e das falhas de suas análises, passam a fazer novas e extemporâneas acusações, alegando, sem comprovar, que as atividades do volume 2 “sonegam informação funda­mental” e propõem “atividade mecânica e irrealizável”34. Essa nova e extemporâ-nea acusação, porém, é desmentida pelo próprio livro condenado. No texto reprovado, como pode ser facilmente constatado nas páginas 36, 37, 200 e 201, nós fornecemos sim informações suficientes para que os alunos se aproximem da noção de artigo e para que compreendam que os artigos “o”, “a”, “os” e “as” são palavras. De onde os avaliadores tira-ram os fatos para justificar a nova e grave acusação de “sonegação”? Trata -se, sem dúvida, de mais uma aleivosia!

34   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Ofício nº 1.027/2009. Brasília: Ministé-rio da Educação, 15/jun/2009, p. 9. [grifos nossos].

Com a palavra o autor.indb 331 20/07/2010 19:50:36

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Com a palavra, o autor332

O que se constata, na realidade, é que os avaliadores do PNLD 2010 acusaram a Co-leção de “indução a erro” e a excluíram do Programa com base em apenas um exemplo, cuja análise foi feita sem levar em consideração o contexto da atividade e a totalidade da obra. Pior, quando o trecho destacado é analisado no seu contexto e quando se considera a totalidade da obra, constata -se exatamente o oposto: nosso livro apresenta corretamente a informação e não há “indução a erro”!

Para nós, o silêncio da coordenação quanto à “indução a erro” não comprovada só ates-ta novamente o acerto da nossa obra e reitera o erro dos avaliadores do PNLD 2010. Essa é a nossa modesta opinião. O mais importante, porém, é que esse silêncio corrobora a nossa firme convicção de que os recursos apresentados contra o Relatório de Reprovação não podem ser julgados pela própria equipe de avaliação. Está mais do que comprovado que, no nosso caso, os avaliadores do PNLD 2010 saíram em sua própria defesa e reagiram de forma agressiva frente às denúncias dos erros do parecer de exclusão da nossa obra, igno-rando os fatos e alegando novas acusações sem comprová -las. Isso sem contar as ameaças…

Racismo e uso indevido de obra literária

Retomamos a acusação de “uso indevido de obra” porque os avaliadores do PNLD 2010 não apenas a utilizaram para desqualificar a proposta de ensino da leitura da Cole-ção Ponto de Partida como também valeram -se desse mesmo argumento para justificar a infração ao critério eliminatório “Observância de preceitos éticos, legais e jurídicos”. No Relatório de Reprovação, os avaliadores alegaram que foi feito “uso indevido da obra” literária “As Tranças de Bintou”, de autoria de Sylviane Diouf, publicado pela Editora Cosac Naify. O Relatório de Reprovação afirma que:

O volume I da coleção apresenta, nas páginas 143 a 145, um texto

adaptado e fragmentado _ extraído do livro As tranças de Bintou, de

Silviane A. Diouf, publicado pela editora Cosac & Naif _ cuja refe­

rência não indica nem a fragmentação nem a adaptação do mesmo, o que

caracteriza uso indevido da referida obra.35

A exclusão da Coleção Ponto de Partida por não conter na referência de um dos textos que fazem parte da sua coletânea a indicação de fragmentação ou adaptação, entretanto, não tem respaldo no Edital do PNLD 2010. Os avaliadores do PNLD 2010, nesse caso, excederam seu poder discricionário incorrendo no ERRO TIPO 5 da nossa classificação. As referências dos textos que integram a coletânea textual do livro didático não são des-critas dentre os critérios fundamentais de avaliação e, portanto, eliminatórios. Os avalia-dores, assim, extrapolaram suas funções ao introduzir critério não descrito previamente

35   UNIVERSIDADE  FEDERAL  DE MINAS  GERAIS.  SECRETARIA  DE  EDUCAÇÃO  BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização Linguística.  Brasília:  Ministério  da  Educação, maio/2009, p. 6. [grifos nossos].

Com a palavra o autor.indb 332 20/07/2010 19:50:36

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Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 333

no Edital do PNLD 201036, qual seja, a exigência do termo “adaptado” na referência dos textos e a reprovação do termo “extraído”, excluindo uma obra do PNLD por critérios inexistentes. O edital solicita, de maneira bastante clara, que:

5. Critérios relativos à natureza do material textual

[…] entre os textos selecionados, os integrais são preferíveis aos fragmentos; no caso desses últimos, é de fundamental importância, para um trabalho adequado de leitura, e mesmo de redação, que a unidade do texto esteja preservada e que as fontes completas do texto ou trecho estejam claramente indicadas […].37

Com o objetivo de cumprir a demanda claramente expressa no Edital do PNLD 2010, os livros da Coleção Ponto de Partida fornecem a fonte completa do conto “As Tranças de Bintou” tanto no Livro do Aluno como no Manual do Professor. Além disso, houve o cuidado de se reproduzir a capa do livro original e oferecer dados biográficos da autora do conto, o que pode ser facilmente verificado nas páginas 142, 143, 144 e 145 do volume 1 (Figuras 6.9, 6.10, 6.11 e 6.12).

Assim, é possível afirmar que os avaliadores do PNLD 2010 se equivocaram na análise desse trecho da Coleção Ponto de Partida ao não observar a clara menção das referências bibliográficas do conto em foco, reprovando erroneamente a Coleção por “uso indevido de obra”. Os avaliadores do PNLD erraram. Em nossa classificação, eles incorreram no ERRO TIPO 1: o fato alegado inexiste. Ou melhor, brincadeiras à parte, o fato alegado como inexistente existe, sim!

Foi comunicado à SEB que não houve qualquer omissão às referências bibliográficas do texto reprovado. Em resposta à nossa contestação, os avaliadores do PNLD 2010 não se posicionaram sobre o assunto. Nesse contexto, a omissão corrobora o acerto da nossa obra e o erro dos avaliadores do PNLD 2010.

Importante ressaltar ainda que os avaliadores do PNLD 2010 se equivocaram ao uti-lizar argumentos editoriais para justificar a exclusão da Coleção por infringir o critério “Observância de preceitos éticos, legais e jurídicos”. O Edital do PNLD 2010 é bastante claro nesse quesito e, como pode ser constatado na sequência, não contempla o tema “uso indevido da obra”, obrigação de uso de termo “adaptado” nas referências etc.

Observância aos preceitos legais e jurídicos, no que diz respeito aos princípios éticos e de cidadania

36   A estratégia de introduzir critérios estranhos ao Edital pode ser verificada nas seções “Anexo 1” e “Anexo 2” do Guia de Livros Didáticos PNLD 2010 – Letramento e Alfabetização Linguística. Nos Anexos 1 e 2 do Guia, os avaliadores do PNLD 2010 apresentam os “principais critérios considerados pela avaliação oficial” (sic – p. 145). Entretanto, quando se confronta o texto integral do Edital do PNLD 2010 com os critérios apresentados nos Anexos 1 e 2, verifica -se a presença de novos itens, não previstos no Edital. A exigência do termo “adaptado”, por exemplo, é feita pelos avalia-dores somente nos Anexos 1 e 2 do Guia. Logo, é impossível para os autores e para as editoras atender a uma exigência feita a posteriori, ou seja, publicada após as etapas de inscrição e da avaliação pedagógica. 

37   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Edital de convocação para inscrição no processo de avaliação e seleção de obras didáticas a serem incluídas no Guia de Livros Didáticos de 1º ao 5º ano do PNLD 2010. Brasília: Diário Oficial da União, 27/abr/2009, p. 64. [grifos nossos].

Com a palavra o autor.indb 333 20/07/2010 19:50:36

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Com a palavra, o autor334

Em respeito à Constituição do Brasil, e com objetivo de contribuir efetivamente para a construção da ética necessária ao convívio social e à construção da cidadania, as obras não poderão:

(i) veicular preconceitos de condição região, econômico -social, étnico -racial, gênero, lin-guagem e qualquer outra forma de discriminação;

(ii) fazer doutrinação religiosa ou política, desrespeitando o caráter laico e autônomo do ensino público;

(iii) utilizar o material escolar como veículo de publicidade e difusão de marcas, produ-tos ou serviços comerciais.

[…]

3. Critérios relativos à construção da cidadania

Contribuir para a construção escolar das condições necessárias ao convívio democrático com a diversidade humana e para o pleno exercício da cidadania significa, no LDP:

– estimular, sempre que pertinente e oportuno, o convívio social e a tolerância, abordan-do a diversidade da experiência humana com respeito e interesse;

– colaborar para a construção de valores e atitudes compatíveis, quando questões éticas envolvidas em textos e ilustrações forem pertinentes e oportunas para a compreensão e/ou produção de textos.

Nessa perspectiva, é expressamente vedado ao LDP [livro didático de português ou alfa-betização]:

– manifestar, nos seus próprios textos e ilustrações, – ou, ainda, reproduzir, em textos e imagens de terceiros e sem qualquer discussão crítica – preconceitos que levem a discri-minações de qualquer tipo, incluindo -se aí preconceitos contra variedades linguísticas não -dominantes, dialetos, registros etc.);

– constituir -se como um instrumento de propaganda e/ou doutrinação, religiosa, política ou de qualquer outro tipo;

– configurar -se como um veículo de publicidade e difusão de marcas, produtos ou servi-ços comerciais.38

Assim, no Relatório de Reprovação, os avaliadores do PNLD 2010 inovam mais uma vez ao introduzir termos estranhos ao escopo do critério “Observância de preceitos éticos, legais e jurídicos” para reprovar e excluir a Coleção Ponto de Partida. A alegação de que a Coleção apresenta “atividade que pode induzir a preconceito” por conter o termo “extraído” e não o termo “adaptado” na nota de referência de um único texto39 não pode ser considerada como um argumento válido na avaliação e tampouco na reprovação

38   Ibidem, p. 39 e 63.

39   Vale destacar que, como mostram as Tabelas 6.3 e 6.4 deste capítulo, a Coleção Ponto de Partida apresenta cerca de 55 textos destinados à leitura do aluno, todos eles identificados claramente por seu título, sua autoria e sempre que necessário pelas fontes das quais foram extraídos e/ou adaptados. Até mesmo os textos da tradição popular trazem referência quanto à sua origem, mencionando -se inclusive o local de sua procedência (sempre que possível, é claro). Todos os textos produzidos por outros autores são acompanhados por uma breve descrição da obra (inclusive com reprodução da capa dos livros nos quais foram publicados originalmente) e breve biografia de seus autores. Todas as obras de outrem utilizadas na Coleção têm a sua referência completa, inclusive com data de publicação da edição utili-zada, apresentada na seção “Obras consultadas” na parte específica do Manual do Professor.

Com a palavra o autor.indb 334 20/07/2010 19:50:36

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Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 335

e exclusão de uma obra no quesito “Observância de preceitos éticos, legais e jurídicos” e, podemos afirmar, em qualquer outro quesito!

Agora, mediante os erros presentes nessa passagem do Relatório de Reprovação, muitas dúvidas surgiram. O leitor terá de ter certa paciência, mas como prosseguir o trabalho com a Coleção se os avaliadores do PNLD 2010 não nos deram resposta alguma? Acompanhe--nos, caro leitor, e considere a hipótese de reinscrição da Coleção Ponto de Partida no PNLD 2013. Será exigido o uso do termo “adaptado” na nota de referência dos textos que integram a coletânea textual destinada ao eixo da leitura ou estamos autorizados a reins-crever a obra com as referências bibliográficas tal como se encontram na edição inscrita no PNLD 2010 (referência completa no Manual do Professor, no livro do aluno ao final de cada texto, reprodução da capa e dados biográficos do autor)? O termo “adaptado” deverá necessariamente ser utilizado na nota de referência dos textos da coletânea textual destinada ao eixo da leitura pois, caso contrário, a obra poderá ser novamente excluída por infringir o critério “Observância de preceitos éticos, legais e jurídicos”? O leitor há de con-vir que não nos foram dadas informações suficientes para prosseguir com nosso trabalho. Além de reprovados, estamos paralisados…

Racismo e manutenção de sentido do texto

Além do “uso indevido de obra”, os avaliadores do PNLD 2010 alegaram, no Relatório de Reprovação, que o volume 1 da Coleção Ponto de Partida apresenta adaptação de texto literário que compromete a manutenção de sentido, infringindo, assim, o critério elimi-natório “Observância de preceitos éticos, legais e jurídicos”. No Relatório de Reprovação, os avaliadores afirmaram que:

Comparando ­se a versão original do texto e a versão publicada na co­

leção, como se comprova no quadro a seguir, observam ­se que os recor­

tes e adaptações feitos comprometem, em muito, a manutenção da unidade

de sentido e a qualidade do texto, o que pode levar os alunos a cons­

truírem compreensões equivocadas sobre o conteúdo do mesmo.40

Mais uma vez, comunicamos à SEB que os avaliadores do PNLD 2010 não justifica-ram com argumentos claros e exemplos concretos a sua opinião de que “os recortes e adaptações feitos comprometem, em muito, a manutenção da unidade de sentido

e a qualidade do texto”. Informamos também que os avaliadores não descreveram a quais “compreensões equivocadas” os alunos poderiam chegar a partir do texto apresen-tado nas páginas 143, 144 e 145 do volume 1 da Coleção Ponto de Partida e tampouco justificaram sua argumentação com fundamentos didáticos apoiado em ampla bibliogra-

40   UNIVERSIDADE  FEDERAL  DE MINAS  GERAIS.  SECRETARIA  DE  EDUCAÇÃO  BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização Linguística.  Brasília:  Ministério  da  Educação, maio/2009, p. 6. [grifos nossos].

Com a palavra o autor.indb 335 20/07/2010 19:50:37

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Com a palavra, o autor336

fia. Demonstramos, ainda, que o texto ofertado para leitura do aluno apresenta unidade e é coerente e consistente, mesmo sem apresentar a totalidade do original, o que atende plenamente às demandas expressas no Edital do PNLD 2010 à página 64.

Os avaliadores do PNLD 2010, porém, não se manifestaram sobre a ausência de argu-mentos claros e de exemplos concretos no Relatório de Reprovação. Tampouco se posicio-naram sobre o fato do texto presente nas páginas 143, 144 e 145 ter unidade e ser coerente e consistente (ver Figuras 6.10, 6.11 e 6.12). Nesse caso, a omissão, por parte dos respon-sáveis pela avaliação, quanto às ausências denunciadas e a falta de contra -argumentos que comprovem o suposto comprometimento da unidade do texto em questão corroboram o acerto da nossa obra e as falhas e omissões dos avaliadores do PNLD 2010.

Finalmente: os avaliadores do PNLD 2010 não justificaram por que, no Relatório de Reprovação, relacionaram um suposto comprometimento da unidade do texto ao crité-rio “Observância de preceitos éticos, legais e jurídicos”. E não o fizeram porque o Edital do PNLD 2010 não apresenta o tema, “unidade de sentido”, no escopo desse critério (como já demonstrado). O edital também não apresenta o item “unidade do texto” como critério fundamental de avaliação e, portanto, de eliminação! Assim, mais uma vez, constata -se que os avaliadores recorrem a critérios próprios, estranhos ao edital, para ava-liar e excluir obras do PNLD.

Presença de atividade que “pode” induzir preconceito

No Relatório de Reprovação, os avaliadores do PNLD 2010 apontavam a presença de páginas e atividades da Coleção Ponto de Partida que, na opinião deles, poderia justificar a exclusão da Coleção por infringir o critério eliminatório “Observância de preceitos éticos, legais e jurídicos”. No Relatório de Reprovação, os avaliadores alegaram que:

Além da adaptação inadequada da obra literária comprometer a coerência

e a consistência do texto original, a forma adotada para a sua ex­

ploração pode trazer problemas mais sérios para a formação do aluno.

Nas páginas seguintes ao texto, as atividades de compreensão textual

apresentam duas questões que podem induzir ao preconceito. Na pági­

na 146, o item C da atividade 1 apresenta uma pergunta, cuja resposta

explicitada pelos autores no Manual do Professor revela uma atitu­

de preconceituosa. A pergunta é: ‘Bintou gostava dele? Por quê?’ (a

pergunta se refere ao cabelo de Bintou) e a resposta, que aparece em

vermelho é: ‘Não, achava feio’. No entanto, o texto não afirma, nem

na versão fragmentada nem na versão original, que a personagem acha­

va seu cabelo feio, mas apenas sugere que ela queria usar tranças,

pois não gostava do seu penteado. Assim, a resposta apresentada no

livro do professor pode induzir o aprendiz à construção da ideia de

que as crianças que têm cabelo ‘curto e crespo’ não gostam dele e o

acham feio, o que não condiz com as afirmações do texto e pode levar

os alunos a construírem opiniões e sentimentos étnicos desfavoráveis

e preconceituosos.

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Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 337

Deixa de ser atendido, portanto, um requisito expressamente vedado às

coleções: manifestar, nos próprios textos e ilustrações _ ou, ainda,

reproduzir em textos e imagens de terceiros e sem discussão crítica _

preconceitos que levem a discriminações de qualquer tipo, incluindo­

­se aí preconceitos contra variedades linguísticas não ­dominantes

(dialetos, registros etc.).41

Na verdade, os avaliadores do PNLD 2010 não localizaram as páginas e tampouco descreveram, no Relatório de Reprovação, o preconceito que o livro do aluno do volume 1 da Coleção apresenta e que, na opinião deles, poderia “induzir os alunos a discrimi­nação”. Embora os avaliadores mencionem que “nas páginas seguintes ao texto, as atividades de compreensão textual apresentam duas questões que podem induzir

ao preconceito” eles não identificaram quais são exatamente as páginas e as atividades que supostamente apresentariam preconceito que poderia gerar atitudes discriminatórias por parte dos alunos!

É possível constatar, portanto, que a afirmação dos avaliadores de que o preconceito “existe nas páginas seguintes ao texto” é falsa. Um clássico ERRO TIPO 1: o fato alegado inexiste. São os próprios avaliadores que indicam a falta de veracidade dessa afir-mação ao apontar apenas a página 146 do Manual do Professor como fato concreto que corroboraria a tese da exclusão por preconceito (portanto: não há “páginas com precon­ceito”). Verifica -se também que a alegação de que “as atividades de interpretação de texto apresentam questões que poderiam induzir a preconceito” também é falsa. Novamente são os próprios avaliadores que comprovam essa falsidade, pois não apontam uma única atividade do livro do aluno que poderia provocar tal indução a pre-conceito. Ou seja, os avaliadores entram em contradição, o que é um claro indício de que eles não identificaram, efetivamente, preconceito na Coleção Ponto de Partida.

Vale lembrar que o Edital do PNLD 2010 é bastante claro: a obra precisa apresentar “preconceitos que levem a discriminações de qualquer tipo” para ser reprovada por infringir o critério eliminatório “Observância de preceitos éticos, legais e jurídicos”. Em seus ar-gumentos, os avaliadores do PNLD 2010 não localizaram e tampouco descreveram os alegados preconceitos que determinaram a exclusão da obra, apenas mencionaram suposta presença de atividades que “podem induzir ao preconceito”. Verifica -se, assim, o ca-ráter hipotético de seus argumentos. A exclusão da obra nesse quesito, portanto, não é justificada e tampouco corroborada com fatos concretos.

Na falta de exemplos concretos do Livro do Aluno, os avaliadores apelaram para o Manual do Professor, alegando que a “resposta do item c da atividade 1 da pá­gina 146” do Manual do Professor poderia “induzir os alunos a preconceitos”. Importante destacar que os avaliadores erraram ao apontar a resposta ao item c da ativi-

41   UNIVERSIDADE  FEDERAL  DE MINAS  GERAIS.  SECRETARIA  DE  EDUCAÇÃO  BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD 2010 – Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização Linguística.  Brasília:  Ministério  da  Educação, maio/2009, p. 8. [grifos nossos]. 

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Com a palavra, o autor338

dade 1, pois toda a sua argumentação sobre o suposto preconceito é relativa à resposta do item d dessa mesma atividade. Mas, prezado leitor, vamos dar uma chance aos avaliadores do PNLD 2010 e desconsideremos esse erro. Afinal, eles poderiam alegar que se trata de um “erro de edição”. Por descuido, o redator, o revisor ou até mesmo o editor do texto do Relatório de Reprovação “trocou” a letra “d” pela letra “c”. É claro que, quando eles avaliam, o seu escrutínio não admite esse e nenhum outro tipo de erro. Basta verificar a veemência com que nossa obra foi reprovada e excluída. Mas não queremos ser intransi-gentes e vamos desconsiderar esse erro dos avaliadores, mesmo sabendo que por causa dele fomos excluídos do PNLD 2010, nossa obra não vendeu e nosso trabalho está completa-mente “engessado” por essa avaliação. Não, deixemos isso de lado. Eles erraram. Paciência. Erraram a letra do exercício e erraram, coitados, na análise do conteúdo do item d. Incrível como eles erram. Incrível como esses erros custaram, no mínimo, 10 mil reais ao erário. Prezado leitor, mesmo considerando o item d, os avaliadores do PNLD 2010:

�� não descreveram qual é o preconceito que a resposta do item d da atividade 1 da pági-na 146 do Manual do Professor, composta apenas por três palavras, manifesta explicita-mente – o que, mais uma vez, indica e reitera o caráter hipotético e não factual da acu-sação. Afinal, são os próprios avaliadores que afirmam que “a resposta apresentada no livro do professor pode induzir o aprendiz à construção da ideia de que

as crianças” sem, contudo, indicar e/ou descrever o preconceito real que o texto da res-posta ao exercício, segundo eles, apresenta. A suposição de que a resposta do Manual do Professor “pode induzir à construção de uma ideia” é, portanto, uma aleivosia dos avaliadores que, assim, acusam -nos de preconceito por meio de argumento hipotético não comprovado; e�� não justificaram por que acusaram o livro do aluno de infringir o critério eliminatório

“Observância de preceitos éticos, legais e jurídicos” por uma frase de três palavras presente apenas no Manual do Professor, ao qual os alunos não têm acesso!

Para piorar, é preciso que o leitor saiba que os avaliadores do PNLD 2010 basearam sua acusação em uma frase de apenas três palavras recortada do Manual do Professor. Com isso, os avaliadores desconsideraram o contexto no qual a resposta do item d da atividade 1 da página 146 é apresentada ao professor, adulterando o significado original do texto.

No Manual do Professor, nós alertamos que a frase “não, achava feio” é apenas um apoio para o professor e que as respostas dos alunos podem variar (Figura 6.13). A afir-mação de que a resposta de apoio do Manual do Professor “pode levar os alunos a construírem opiniões e sentimentos étnicos desfavoráveis e preconceituosos” é, também nesse contexto, uma aleivosia. O texto original entregue para avaliação refuta a tese dos avaliadores e, portanto, demonstra que a mesma não tem sustentação.

Além de utilizarem fragmentos do Manual do Professor para tentar esconder a fragi-lidade de seus argumentos adulterando o significado original do texto, ignoraram na sua análise e omitiram do Relatório de Reprovação toda a sequência de atividades proposta no livro do aluno que contextualiza e confere sentido ao trabalho com o conto literário em foco, “As Tranças de Bintou”. Nessa sequência, a relação da personagem do conto com o

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próprio cabelo é evidenciada de forma explícita, como indicam os trechos a seguir, extraí-dos da página 142 do volume 1 (Figura 6.9).

O texto que você vai ler é a história de Bintou, uma menina africana que se achava sem graça porque não podia trançar seu cabelo. Na sua aldeia, as meninas só podiam usar birotes; somente as moças é que se penteavam com tranças […]

Para conversar antes de ler

Você gosta do seu cabelo como ele é ou gostaria que ele fosse diferente? Tente explicar as razões que fazem você gostar ou não do seu cabelo. Você conhece alguém cujo cabelo você acha bonito? Como é o cabelo dessa pessoa? Converse com os colegas sobre o assunto. […]

Sobre o texto

[…] Nele (texto) a autora busca destacar o valor de uma beleza tipicamente africana, mas que também pode ser brasileira: o cabelo crespo trançado e enfeitado com contas e conchas.

Os trechos citados acima também contradizem a afirmação dos avaliadores do PNLD 2010 de que a obra manifesta “nos seus próprios textos e ilustrações _ ou, ain­da, reproduz, em textos e imagens de terceiros e sem discussão crítica

_

preconceitos que levem a discriminações”. Os avaliadores omitiram do relatório os trechos dessa sequência de atividades que promovem uma ampla discussão crítica a respei-to do tema “gostar ou não do próprio cabelo”. Logo, a acusação de que a obra apresenta um tema sem discussão crítica também é falsa!

Finalmente, vale destacar que a crítica dos avaliadores do PNLD 2010 de que “o texto não afirma, nem na versão fragmentada nem na versão original, que a per­

sonagem achava seu cabelo feio, mas apenas sugere que ela não queria usar

tranças, pois não gostava do seu penteado” não se sustenta. Afinal, a questão d da atividade 1 da página 146 é uma questão “aberta” e demanda do aluno estratégias de leitu-ra variadas, como a inferência, a interpretação e a extrapolação. Não se trata, portanto, de uma simples questão de localização de informação no texto.

As questões “abertas” relacionadas às estratégias de inferência e/ou de extrapolação são uma exigência do próprio Edital do PNLD 2010 no qual é solicitado que o livro de alfa-betização contemple atividades de exploração do texto que:

[…] colaborem para a reconstrução dos sentidos do texto pelo leitor, não se restringindo à localização de informações […]42

As inferências acerca da opinião da personagem Bintou sobre o próprio cabelo podem ser muitas e variadas, sem dúvida. A multiplicidade de respostas por parte dos alunos foi, como demonstrado anteriormente, destacada no Manual do Professor. Tivemos também

42   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Edital de convocação para inscrição no processo de avaliação e seleção de obras didáticas a serem incluídas no Guia de Livros Didáticos de 1º ao 5º ano do PNLD 2010. Brasília: Diário Oficial da União, 27/abr/2009, p. 65.

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o cuidado de apresentar orientações para o professor sobre o assunto. E, embora o conto literário presente nas páginas 143, 144 e 145 do volume 1 da Coleção não apresente a frase “acho ele feio” (por exemplo), a inferência implícita de que a personagem não gosta da aparência do próprio cabelo é autorizada pelas informações contidas no próprio texto disponibilizado para leitura do aluno e também nas ilustrações que o acompanham. É uma inferência possível, não única. Entretanto, o fato de ser uma inferência possível não justifica a afirmação dos avaliadores de que tal inferência não está autorizada pelo texto original. Tal acusação, por parte dos avaliadores, é falsa.

Além disso, como reproduzido na íntegra no Relatório de Reprovação pelos próprios avaliadores do PNLD 2010, o conto “As Tranças de Bintou” apresenta a seguinte frase: “meu cabelo é bobo e sem graça”. Essa frase, sem dúvida alguma, autoriza a inferência de que a personagem julga o próprio cabelo como feio. Assim, a crítica dos avaliadores de que o texto apresentado na Coleção e o conto original não permitem a interpretação de que a personagem acha o cabelo feio é comprovadamente falsa. Isso pode ser facilmente verifica-do no conto original, reproduzido pelos próprios avaliadores no Relatório de Reprovação.

Nós denunciamos esses erros e essas falhas do Relatório de Reprovação à SEB, alertando--a para a falta de fundamentos e fatos concretos do argumento de exclusão da obra por apresentar preconceito. Indicamos também que a estratégia dos avaliadores de utilizar fragmentos do texto gerou adulterações da obra original que, quando confrontadas com os textos entregues para avaliação, revelam -se falsas. A mesma observação, como se de-monstrará mais adiante, também cabe ao texto original do conto “As Tranças de Bintou”.

Em resposta, não houve qualquer menção às distorções, adulterações e falhas por nós apontadas. Pelo contrário. Os avaliadores do PNLD 2010 aproveitaram para reafirmar, de forma extemporânea e não comprovada (novamente!), que a Coleção apresenta, sim, uma atividade que “induz ao preconceito”. Os avaliadores alegaram:

Ora, a coleção traz uma atividade de leitura que induz ao precon­

ceito. Tomando como referência um texto que narra a história de uma

menina africana, Bintou, insatisfeita com seu penteado “em birotes” e

ansiosa por poder usar as tranças que, em função de interditos cultu­

rais, só a puberdade lhe garantiria, o volume 1, p. 146, traz, entre

as perguntas de compreensão de texto, as seguintes: c) Como era seu

cabelo?; d) Bintou gostava dele? Por quê?

No Manual do Professor, a resposta esperada para a primeira é “Curto

e crespo”; e para a segunda, “Não, achava feio”. No texto de referên­

cia, no entanto, seja o original, seja a adaptação não declarada que

consta da coleção, o fato de o cabelo de Bintou ser crespo não aparece

como problema, e sim o penteado em birote. Assim, antes de mais nada,

deve ­se dizer que as duas questões implicam, por parte das autoras

da obra didática, uma interpretação que, no entanto, é explicitamente

desautorizada pelo texto. Além disso, a interpretação atribui a in­

satisfação de Bintou a um julgamento pessoal que não só desconsidera

o que o texto efetivamente diz (“Meu cabelo é negro e brilhante. Meu

cabelo é macio e bonito”) como induz o leitor a supor que a menina não

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Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 341

gostava do seu cabelo, curto e crespo, por achá ­lo feio. Portanto, à

revelia do texto, a atividade convoca um estereótipo discriminatório

e racista, de acordo com o qual o cabelo crespo dos negros é feio.43

Embora extemporânea, a arguição da nova e não comprovada acusação dos avaliadores do PNLD 2010 merece ser analisada e comentada. A primeira observação a ser feita recai sobre o fato dos avaliadores do PNLD 2010 manterem o mesmo caráter hipotético das acusações presentes no Relatório de Reprovação da obra. Os avaliadores, na suposta e ex-temporânea alegação, afirmam que a atividade 1 da página 146 do volume 1:

�� pode induzir a preconceito (mas não identificam e/ou descrevem o preconceito concre-to que o texto de fato apresenta); e�� convoca estereótipo discriminatório e racista (mas não identificam e/ou descrevem qual

é o estereótipo discriminatório e racista convocado).

Constata -se, assim, que os avaliadores do PNLD 2010 esquivam -se novamente da tarefa de identificar e descrever o preconceito que, de fato, a obra apresenta. Afinal, os avaliadores não identificam o preconceito que a atividade 1 da página 146 apresenta. Verifica -se, con-sequentemente, que os avaliadores não se constrangem, mais uma vez, em contrariar o Edi-tal do PNLD 2010. Vale lembrar que o edital afirma que a exclusão de uma obra didática deve ocorrer caso ela apresente “preconceitos que levem a discriminações”. Os avaliadores do PNLD 2010 insistem, portanto, em afrontar o edital, sustentando o principal argumento em prol da exclusão da Coleção Ponto de Partida com base em uma acusação hipotética.

O segundo comentário a ser feito é que, embora os avaliadores do PNLD 2010 afirmem que a obra apresenta duas atividades que infringem o critério fundamental e eliminatório “Observância de preceitos éticos, legais e jurídicos”, a sua argumentação volta -se, assim como no Relatório de Reprovação, para duas respostas fornecidas apenas no Manual do Professor. Ou seja, os avaliadores não agregaram ao Ofício nenhum novo fato concreto do livro do alu-no e insistiram em alegar que duas frases do Manual do Professor podem “induzir os alu­nos a discriminações”. Vale ressaltar, mais uma vez, que os alunos não têm acesso ao Ma-nual do Professor e que essa alegação é, no mínimo, uma aleivosia por parte dos avaliadores!

O terceiro ponto que merece destaque é o fato dos avaliadores do PNLD 2010 não se constrangerem em utilizar, mais uma vez, a estratégia de basear seus argumentos em exem-plos constituídos a partir de fragmentos do texto original. Embora no recurso apresentado à SEB nós tenhamos claramente demonstrado que esse estratagema resulta em adulte-rações e distorções do original, os avaliadores recorrem a ele, novamente, para compor “fatos” que corroborem suas alegações. Curiosamente, o principal original fragmentado e adulterado não é mais o texto da Coleção Ponto de Partida, mas, sim, o conto literário “As Tranças de Bintou”. Vamos aos “fatos”.

43   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Ofício nº 1.027/2009. Brasília: Ministé-rio da Educação, 15/jun/2009, p. 4.

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Com a palavra, o autor342

Os avaliadores do PNLD 2010 argumentaram que a atividade condenada extrapola na interpretação do texto “As Tranças de Bintou”, pois a resposta ao item d da atividade 1 não é autorizada pelo conto original. Os avaliadores afirmaram que:

Assim, antes de mais nada, deve ­se dizer que as duas questões impli­

cam, por parte das autoras da obra didática, uma interpretação que, no

entanto, é explicitamente desautorizada pelo texto. Além disso, a in­

terpretação atribui a insatisfação de Bintou a um julgamento pessoal

que não só desconsidera o que o texto efetivamente diz (“Meu cabelo é

negro e brilhante. Meu cabelo é macio e bonito”) [...].44

Os avaliadores afirmam veementemente que a resposta de apoio fornecida no Manual do Professor ao item d da atividade 1 da página 146:

�� não é autorizada pelo texto literário original, pois o “texto efetivamente diz ‘meu cabelo é negro e brilhante. Meu cabelo é macio e bonito’”; e�� é uma interpretação baseada em “julgamento pessoal”.

Ora, o que os avaliadores do PNLD 2010 não dizem é que a frase na qual eles basearam a denúncia da suposta desautorização da interpretação da atividade condenada consta ape-nas na página 30 do conto literário em foco. Os avaliadores omitem que essa obra tem, no total, 32 páginas. Eles omitem também que a referida frase é um pequeno trecho da obra, o último parágrafo do livro, com o qual a autora a autora Sylviane Diouf encerra a história. Ou seja, no contexto original da obra literária a afirmação da personagem “Meu cabelo é negro e brilhante. Meu cabelo é macio e bonito” é resultado de uma sucessão de eventos da narrativa que culminam na mudança da impressão da personagem sobre o próprio cabelo. Mas os avaliadores omitem esse fato, impingindo à frase “Meu cabelo é negro e brilhante. Meu cabelo é macio e bonito” status de prova de que nós erramos na interpretação do texto, pois o conto original, na opinião dos avaliadores, só permite a interpretação de que a opi-nião da personagem sobre o próprio cabelo é a de que “cabelo negro é macio e brilhante”.

Importante ressaltar que a afirmação “cabelo negro é macio e brilhante” não faz parte do conto original. Trata -se de uma interpretação dos avaliadores do PNLD 2010. Da mesma forma, como comprovaremos mais adiante, a frase “cabelo crespo dos negros é feio” não in-tegra a atividade reprovada e nenhum outro trecho da Coleção Ponto de Partida e não pode ser localizada em nenhuma das páginas dos nossos livros! Trata -se, novamente, de uma interpretação dos avaliadores do PNLD 2010, uma falsa atribuição feita pelos avalia-dores que, além disso, sequer integra as acusações originais do Relatório de Reprovação. Da mesma forma, também é falsa a alegação dos avaliadores do PNLD 2010 de que o conto literário traz a afirmação de que “cabelo de negro é macio e brilhante”. Essa frase não existe no conto original e é uma invenção dos avaliadores que, na falta de fatos concretos, valem -se de interpretações pessoais para tentar comprovar seus argumentos pela reprova-ção e exclusão da Coleção.

44   Ibidem, p. 4. [grifos nossos].

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Os avaliadores do PNLD 2010 omitem também que, na página 3 da obra literária em foco, a personagem Bintou expressa a opinião inicial que tem sobre seu cabelo. Ela diz no segundo parágrafo do livro: “Meu cabelo é curto e crespo. Meu cabelo é bobo e sem graça. Tudo o que eu tenho são quatro birotes na cabeça” (ver o texto integral reproduzido pelos próprios avaliadores no Relatório de Reprovação na seção Anexos, ao final do livro).

Evidencia -se, assim, a estratégia dos avaliadores do PNLD 2010 de utilizar fragmentos do nosso livro condenado e do conto literário em foco para forjar as justificativas de seus argumentos. É falsa a alegação de que a nossa interpretação do conto “As Tranças de Bin-tou” expressa na resposta do item d da atividade 1 da página 146 não é autorizada pelo original! Trata -se de uma falácia forjada pelos avaliadores para desqualificar e excluir a Coleção Ponto de Partida com base em critérios não fundamentados e não comprovados.

Finalmente: um último comentário. Os avaliadores criticam e repudiam a Coleção Ponto de Partida por suposta “interpretação não autorizada pelo original” feita pelas autoras com relação ao conto “As Tranças de Bintou”. Entretanto, os próprios ava-liadores fazem uma interpretação não fundamentada da Coleção (e, portanto, não autori-zada) ao alegar que a exclusão da obra se deu porque a mesma “convoca um estereótipo discriminatório e racista, de acordo com o qual o cabelo crespo dos negros

é feio”. Em quais páginas do livro do aluno ou do Manual do Professor encontra -se a afirmação “cabelo crespo dos negros é feio”? Os avaliadores do PNLD 2010 não localizam essa frase na Coleção simplesmente porque ela não faz parte do texto original e sequer é de nossa autoria!

Na realidade, a afirmação “cabelo crespo dos negros é feio” é uma interpreta-ção dos avaliadores do PNLD 2010 que expressa única e exclusivamente a opinião deles. Na tentativa de expressar essa opinião de forma mais “objetiva” e, assim, garantir maior credibilidade aos seus argumentos, os avaliadores recortaram o original e reuniram dois fragmentos descontextualizados do Manual do Professor com a intenção explícita de “au-torizar” uma determinada inferência: a do preconceito. Com isso, eles atribuem a nós a tentativa de incitar discriminação. Mas os fatos os desmentem. Quando se observa toda a sequência de atividades presente no livro do aluno e as respostas de apoio sugeridas no Manual do Professor, é possível constatar claramente que nós destacamos a transformação pela qual passa a personagem no conto em foco, que passa a valorizar seu cabelo em função do novo penteado. Nós ressaltamos também que, ao final do conto, a mesma menina, de cabelos curtos e crespos, sente -se contente com o seu próprio cabelo e passa a achar o seu próprio cabelo macio e bonito. As atividades propostas nas páginas 146 e 147 do volume 1 atestam nossas afirmações e desmentem as acusações dos avaliadores do PNLD 2010 (ver Figuras 6.13 e 6.14).

Nas páginas 146 e 147, relativas ao trabalho de interpretação de texto, são propostas atividades de discussão oral e também de produção de desenho sobre o conto literário em foco, atividades adequadas para a faixa etária para a qual o livro se destina e à condição de alfabetizandos dos alunos do 1º ano do Ensino Fundamental.

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Com a palavra, o autor344

A análise dessas atividades permite constatar que não existe a afirmação de que “ca­belo crespo dos negros é feio” alegada pelos avaliadores como prova de indução a discriminação e preconceito. Destaca -se também que o Manual do Professor não traz essa afirmação. Nessas atividades é colocado em discussão os sentimentos da personagem com relação ao próprio cabelo e à sua condição de criança propondo que os alunos troquem ideias sobre o assunto e façam desenhos para representar a sua própria opinião sobre as transformações da personagem Bintou.

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Page 345: Com a palavra o autor

Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 345

F I G U R A 6 . 1 Reprodução da página 18 do Manual do Professor, comum a ambos os volumes [imagem reduzida]

Com a palavra o autor.indb 345 20/07/2010 19:50:43

Page 346: Com a palavra o autor

Com a palavra, o autor346

F I G U R A 6 . 2 Reprodução da página 19 do Manual do Professor, comum a ambos os volumes [imagem reduzida]

Com a palavra o autor.indb 346 20/07/2010 19:50:44

Page 347: Com a palavra o autor

Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 347

F I G U R A 6 . 3 Reprodução da página 43 do volume 1 [imagem reduzida]

Com a palavra o autor.indb 347 20/07/2010 19:50:46

Page 348: Com a palavra o autor

Com a palavra, o autor348

F I G U R A 6 . 4 Reprodução da página 79 do volume 1 [imagem reduzida]

Com a palavra o autor.indb 348 20/07/2010 19:50:47

Page 349: Com a palavra o autor

Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 349

F I G U R A 6 . 5 Reprodução da página 37 do volume 2 [imagem reduzida]

Com a palavra o autor.indb 349 20/07/2010 19:50:49

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Com a palavra, o autor350

F I G U R A 6 . 6 Reprodução da página 36 do volume 2 [imagem reduzida]

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Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 351

F I G U R A 6 . 7 Reprodução da página 200 do volume 2 [imagem reduzida]

Com a palavra o autor.indb 351 20/07/2010 19:50:52

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F I G U R A 6 . 8 Reprodução da página 201 do volume 2 [imagem reduzida]

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Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 353

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Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 355

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Capítulo 6 – O caso da Coleção Ponto de Partida Letramento e Alfabetização 357

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CAPÍTULO

7Sugestões para o aprimoramento do atual modelo do PNLD

A pesar da enorme injustiça da qual foram vítimas as nossas obras e do festival de problemas apontados nos Capítulos 3, 4, 5 e 6, nós nos mantemos otimistas e

firmes na convicção de que o PNLD é um programa socialmente importante e que encerra uma concepção democrática indispensá-vel para a construção de uma sociedade mais justa, plural.

É socialmente relevante porque garante o acesso ao livro di-dático a todos os alunos das escolas públicas brasileiras. Também porque a qualidade do livro didático que o governo distribui é igual ou superior à qualidade dos livros utilizados pelos alunos de escolas particulares, inclusive aquelas frequentadas pelas clas-ses mais abastadas. Nós temos plena consciência de que a dis-tribuição de livros de qualidade não é suficiente para garantir o sucesso das aprendizagens dos alunos, mas não temos dúvida de que é um importante instrumento para o professor desenvolver propostas de ensino de qualidade.

Embora o valor absoluto das aquisições de livros pelo PNLD seja muito grande (da ordem de centenas de milhões de reais por ano), temos de considerar que o número de alunos benefi-ciados é enorme e que o preço pago pelo FNDE por exemplar

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é pequeno, cerca de 10 vezes menor do que o preço de capa dos mesmos livros nas livrarias, geralmente adquiridos pelos alunos das escolas particulares.

Outro ponto de destaque no PNLD é a diversidade de livros disponíveis para cada área do conhecimento. Isso significa que escolas públicas e sistemas públicos de ensino têm a opção de escolher uma entre várias propostas de organização curricular e abordagem didático -pedagógica. O leque de opções é muito mais interessante tanto do ponto de vista educacional como da construção de sociedades democráticas e plurais do que os progra-mas de material didático de livro único produzidos pelo governo central (seja na esfera federal ou estadual). Ou seja, embora envolva muito dinheiro, o PNLD tem boa relação custo/benefício.

A verdade é que o PNLD se consolidou como uma política de Estado que certamente renderá frutos a médio e longo prazos na melhoria da qualidade do ensino no Brasil. Essas qualidades, entretanto, não podem servir de escudo para seus defeitos e deficiências. O objetivo central deste capítulo é indicar alguns dos seus principais problemas (além daque-les denunciados nos capítulos anteriores) e compartilhar com o leitor as nossas sugestões para a sua solução. Fazemos este esforço com muita confiança, em vista da disposição que o MEC tem demonstrado em promover o aperfeiçoamento do PNLD, com destaque para ações importantes como a ampliação do programa do livro didático para o Ensino Médio, o estabelecimento de normas de conduta para a divulgação dos livros, a escolha do livro pela Internet, o registro da escolha em uma ata, além de outros avanços consolidados com a publicação do Decreto nº 7.084/20101.

Este decreto reafirma diretrizes importantes como o respeito ao pluralismo de ideias e concepções pedagógicas e a garantia da autonomia pedagógica para os estabelecimentos de ensino. Logo, a diversidade de livros e abordagens pedagógicas que caracterizam o PNLD o diferenciam de programas de livros didáticos de outros países que optam pelo livro úni-co e, consequentemente, pela imposição de um currículo hermético e de uma abordagem pedagógica “oficial”.

Infelizmente essas diretrizes, na prática, têm sido vítimas dos especialistas contratados para realizar a etapa da avaliação pedagógica, como demonstramos nos Capítulos 3 a 6. A inconsistência entre os pareceres de equipes de diferentes edições do PNLD, e até mesmo dentro de uma mesma equipe, é forte indicativo de que a avaliação do livro didático no PNLD necessita urgentemente de uma revisão profunda e deve ser submetida a meca-nismos de controle de qualidade ainda inexistentes. Estes assuntos são, a nosso ver, tão importantes que serão discutidos detalhadamente mais adiante, ainda neste capítulo. Por ora, gostaríamos de comentar outros aspectos do atual modelo do PNLD.

1   O Decreto nº 7.084/2010 pode ser obtido no site do FNDE. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/index.php/pnld -legislacao> (acesso: jun/2010).

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Capítulo 7 – Sugestões para o aprimoramento do atual modelo do PNLD 361

Periodicidade trienal e a descontinuidade pedagógica e curricular2

Uma das características do PNLD que merece ser reavaliada é o seu ciclo trienal, man-tido desde a primeira edição do atual modelo, em 1997. A realização de todo o processo a cada três anos é onerosa, redundante e, com assustadora frequência, implica descontinui-dade da proposta pedagógica e curricular de grande parcela das escolas e sistemas públicos de ensino que participam do PNLD.

Qual o sentido de submeter todos os livros à avaliação pedagógica a cada três anos? As mudanças no conhecimento e nas práticas didático -pedagógicas alteram -se de modo tão rápido para justificar uma periodicidade tão reduzida? Em nossa opinião, não.

Ao custo de R$ 10 mil por livro avaliado3, a avaliação é cara, caríssima. A impressão e a distribuição do Guia de Livros Didáticos também. Logo, o comprometimento de recursos da educação com estes gastos deve ser bem dimensionado e justificado. Na nossa opi-nião, eles poderiam ser significativamente reduzidos sem qualquer prejuízo para o PNLD. Uma medida imediata viável é a alteração da periodicidade do programa, de trienal para quadrienal. Não haveria prejuízo algum para o programa, os livros adquiridos no PNLD atendem a padrões de qualidade gráfica rigorosos e certamente resistem muito bem a um ciclo de quatro anos. A periodicidade trienal é vantajosa apenas para as editoras, que fazem uma venda integral todos os anos4.

O ciclo quadrienal tem a vantagem adicional de garantir às escolas a oportunidade de implementar, em pelo menos uma das turmas, um ciclo completo da proposta didático--pedagógica e curricular das obras que escolheram numa determinada edição do PNLD. Este aspecto é particularmente importante, quando se considera o impacto da inconsis-tência dos resultados da avaliação pedagógica. No PNLD 2010, por exemplo, 11 das 12 coleções do componente Ciências aprovadas no PNLD 2007 foram reprovadas pelos ava-liadores do PNLD 2010. Isto significa que a grande maioria das escolas públicas brasileiras foi obrigada a abandonar a proposta para o ensino de Ciências que adotaram no período de 2007 a 2009! Este é um fato particularmente grave, pois as diferenças entre as coleções aprovadas no PNLD não se restringem à abordagem metodológica, mas também à orga-nização dos conteúdos. Consequentemente, a mudança forçada da coleção adotada por uma escola poderá resultar em trabalho duplicado de certos conteúdos e na ausência de suporte do livro no trabalho de outros. Não existem estudos para dimensionar os impactos negativos de mudanças bruscas como essa na aprendizagem dos alunos, mas o bom -senso nos faz desconfiar que eles são significativos.

2   Decreto nº 7.084/2010, artigo 6º, parágrafo 2º: “O processo de avaliação, escolha e aquisição das obras dar ‑se ‑á de forma periódica, de modo a garantir ciclos regulares trienais alternados […]”.

3   Lembramos ao nosso leitor que uma coleção de livros didáticos é formada por 2, 3 ou 4 volumes. Portanto, o custo da avaliação pedagógica pode variar entre R$ 20 mil e R$ 40 mil por coleção.

4   No modelo trienal, todos os anos há uma venda integral para um dos níveis de ensino e reposição para os demais níveis, exceto, é claro, no caso das obras consumíveis, que são repostas integralmente todos os anos (para mais deta-lhes, consultar o Capítulo 2).

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A adoção de um ciclo quadrienal atenua, mas não soluciona, o problema de descon-tinuidade curricular e metodológica. A nosso ver o problema principal é a inconsistência e a incoerência da avaliação pedagógica. Em nossa opinião, o MEC deveria dar início a estudos de novas maneiras de renovação das coleções adquiridas no PNLD com o objetivo de promover o desenvolvimento integral de propostas didático -pedagógicas e curriculares. Uma outra alternativa que nos parece promissora é a possibilidade da escolha de uma co-leção ser feita por turma no primeiro ano de cada etapa da escolaridade (1º ano, no caso do Ensino Fundamental 1; 6º ano, do Fundamental 2; 1º ano, do Ensino Médio). Isto é, todos os anos, as escolas teriam a oportunidade de escolher a coleção que adotariam para a turma que estivesse ingressando em uma das etapas da escolaridade. As coleções escolhi-das seriam mantidas para aquelas turmas durante o ciclo inteiro, garantindo a adequada cobertura curricular e a continuidade da abordagem didático -pedagógica. Nesse modelo, a adoção de uma nova coleção pela escola não resultaria numa interrupção brusca, pois a mudança teria efeito apenas para as novas turmas. Nesse caso, a avaliação pedagógica cer-tificaria a qualidade dos livros por um período maior do que os atuais três anos.

O edital5

O edital é o documento que detalha as exigências e as regras de cada edição do PNLD. Os editais são independentes uns dos outros, isto é, a presença de determinadas exigências em um certo edital não implica que as mesmas exigências constarão do edital seguinte. Ao longo dos anos, os editais do PNLD refletiram as mudanças decorrentes das inova-ções introduzidas no PNLD (novos componentes curriculares, nova ortografia, normas de condutas etc.). Todavia, os critérios da avaliação pedagógica mantiveram -se praticamente inalterados na sua essência, em particular os critérios eliminatórios.

As deficiências dos editais concentram -se justamente na parte que trata do seu conteú do didático -pedagógico (sobretudo na parte específica de cada componente curricular6) e, consequentemente, da avaliação pedagógica. A maioria dos critérios de avaliação é apre-sentada de modo vago – o que tem dado margem a interpretações muito divergentes tanto entre as equipes de avaliação de diferentes edições do PNLD como dentro de uma mesma equipe de avaliação. Essa discrepância é agravada pela omissão dos editais em definir a atuação das equipes de avaliação, os limites do poder discricionário dos avaliadores e os mecanismos de controle de qualidade do processo avaliativo. Embora os editais citem

5   Decreto nº 7.084/2010, artigo 10º, parágrafo 1º: “As regras para inscrição, os parâmetros e critérios para triagem, pré ‑análise e avaliação pedagógica das obras, bem como os procedimentos aplicáveis às demais etapas serão estabelecidos em edital, publicado pelo FNDE.” 

6   Para elaborar os critérios específicos de cada componente curricular, a SEB conta com o apoio das universidades contratadas para  realizar  a  avaliação pedagógica. No  caso do  componente  curricular de Alfabetização e de Língua Portuguesa, há mais de dez anos a UFMG, por meio do CEALE, realiza essa assessoria para a SEB. Ou seja, há dez anos a mesma instituição composta basicamente pelos mesmos especialistas elabora os critérios e faz a avaliação dos livros dessa área. No caso de Ciências, embora a avaliação do PNLD 2010 tenha sido realizada pela UFSCar, os critérios utiliza-dos foram os mesmos critérios elaborados pela USP que, nas edições do PNLD no período de 1998 -2005, foi responsá-vel pela avaliação pedagógica.

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Capítulo 7 – Sugestões para o aprimoramento do atual modelo do PNLD 363

que a avaliação deve ser feita considerando -se as avaliações anteriores, o que se observa na prática é que frequentemente o avaliador utiliza critérios próprios, baseados em uma interpretação pessoal dos critérios definidos no edital, ferindo o princípio da transparência e da isonomia exigidos pelo Decreto nº 7.084/20107, pela legislação que regulamenta as licitações e pelos próprios termos dos editais. O resultado é um número assustador de casos de gritante inconsistência na avaliação de uma mesma obra em diferentes edições do PNLD (que chamamos de ERRO TIPO 4) e, como demonstramos exaustivamente nos capítulos anteriores, dentro de uma mesma edição do PNLD (classificado como ERRO TIPO 5 ou ERRO TIPO 6).

Compete à SEB elaborar critérios de avaliação mais claros e, com base na experiên-cia de várias edições do PNLD, resolver os casos em que se verifica um maior número de inconsistências e dificuldades de interpretação. Para evitar que o edital se torne um documento excessivamente longo, as definições poderiam constar de documentos am-plamente divulgados. Nesse caso, o edital apenas citaria os documentos de referência que devem ser considerados pelos autores ao escreverem suas obras e pelos avaliadores ao julgar os livros.

A avaliação pedagógica

Neste livro, apontamos uma longa série de exemplos de erros na avaliação de nossas obras. Na nossa opinião, tais problemas são decorrências do despreparo de parte dos es-pecialistas contratados pelas universidades para avaliar livros didáticos, agravado por uma visão preconceituosa e distorcida do papel do livro didático no ensino, por critérios de avaliação vagos e, principalmente, pela inexistência de mecanismos de controle do proces-so de avaliação (em particular, pela impossibilidade dos autores contestarem os pareceres na defesa de suas obras).

A postura de uma parcela dos avaliadores em relação aos livros didáticos é um reflexo da visão distorcida e preconceituosa muito frequente nas universidades do Brasil. É fácil encontrar em publicações acadêmicas brasileiras trabalhos que atacam genericamente o livro didático, mas carecem de levantamentos, pesquisa de campo e principalmente de propostas claras de alternativas. A bem da verdade, boa parte dos artigos, dissertações e teses sobre livros didáticos apresenta um discurso vazio, repleto de chavões, e oferece uma análise superficial baseada em generalizações infundadas que, na prática, caracteriza-se por um tratamento agressivo e desrespeitoso com o trabalho intelectual dos autores de livro didático.

7   Decreto nº 7.084/2010, artigo 3º: “São diretrizes dos programas de material didático: […] V – garantia de isonomia, transparência e publicidade nos processos de avaliação, seleção e aquisição das obras.” 

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Um bom exemplo deste tipo de “produção acadêmica” é o artigo “Livro didático: do ritual de passagem à ultrapassagem”8, do Professor Ezequiel T. da Silva, da UNICAMP, no qual são feitos diversos ataques aos livros didáticos precedidos por riminhas “espertas”, verdadeiras “pérolas”. Acreditamos que o nosso leitor se deleitará com a qualidade poética e com a força e a profundidade do texto do Professor Silva9. Reproduzimos a seguir alguns desses versinhos e uma parte do texto imediatamente subsequente a eles.

À fina força dos costumesAntes de adotar um livro didático,pergunte criticamentese não vais ser um professor apático!

Costumo dizer que, para uma boa parcela dos professores brasileiros, o livro didático se apresenta como uma insubstituível muleta. Na sua falta ou ausência, não se caminha cognitivamente na medida em que não há substância para ensinar 10. Coxos por forma-ção e/ou mutilados pelo ingrato dia -a -dia do magistério, resta a esses professores engolir e reproduzir a idéia de que sem a adoção do livro didático não há como orientar a apren-dizagem. Muletadas e muleteiros se misturam no processo. […]

À viva força da formaDe um lado, o aluno sorumbático.De outro, maquiavelicamente,as doses de desânimo do livro didático.

O vigor do livro didático advém da anemia cognitiva do professor11. Enquanto este perde peso e importância no processo de ensino, aquele ganha proeminência e atinge a esfera da imprescindibilidade. De meio (que deveria ser), o livro didático passa a ser visto e usado como um fim em si mesmo. […]

Cobrando força para fugir da forcaDo sistema nervoso simpático12

faz parte, sutilmente,a sujeição ao livro didático.

As determinações que levam o professor à dependência do livro didático estão diretamen-te relacionadas à questão da identidade e dignidade do magistério.

8   SILVA, E. T. Livro didático: do ritual de passagem à ultrapassagem. In: LAJOLO, Marisa (Org.). 1996. Livro didáti-co: um (quase) manual de usuário. Em aberto. INEP. v. 16. nº 69. Disponível em: http://antigo.inep.gov.br/download/cibec/1996/periodicos/em_aberto_69.doc> (acesso: nov/2009). [grifos nossos].

9   O texto do Professor Silva é um entre os inúmeros textos de outros autores cujas análises são igualmente vazias e panfletárias. A escolha recaiu sobre este texto em função do seu aspecto pitoresco e por ser um legítimo representante dos mais radicais acusadores do livro didático.

10   Confessamos, caro leitor, que temos dificuldade para compreender o que o Professor Silva quis dizer com (sic) “caminha cognitivamente”.

11   O leitor consegue decifrar o que o autor quer dizer por “anemia cognitiva”? Por acaso o Professor Silva sugere que os professores têm deficiências cognitivas, isto é, que são débeis mentais?

12   O sistema nervoso simpático é parte do sistema nervoso autônomo que, por sua vez, recebe esse nome porque está relacionado ao controle de funções autônomas como, por exemplo, a respiração, a circulação sanguínea, a tempe-ratura corporal e a digestão. Entretanto, se a intenção do Professor Silva foi relacionar o sistema nervoso simpático à adoção automática do livro didático, a escolha foi péssima. O sistema nervoso simpático está relacionado com as rea-ções autônomas de luta e fuga e de resposta a stress, em geral. Pelo jeito, o domínio do Professor Silva sobre questões de neurofisiologia equivale ao seu domínio da arte poética.

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O magistério, enquanto trabalho e profissão, vem sendo desfigurado e desvalorizado ininterruptamente. A escravidão ao livro didático faz parte de um conjunto maior de fatores que empobrecem as condições para a produção de um ensino de qualidade.13

Pouparemos o nosso leitor de mais exemplos da contribuição acadêmica do Professor Silva para a educação brasileira. Não temos a intenção de generalizar e insinuar que a postura do Professor Silva se estende a todos os pesquisadores do livro didático no Brasil, mas podemos afirmar, sem medo de cometer uma injustiça, que o Professor Silva é um representante extremado de uma postura frequente no meio acadêmico. Muitos trabalhos, supostamente acadêmicos, demonizam os livros didáticos e o fazem por meio de uma re-tórica que recorre inclusive a alguns argumentos que lembram os utilizados por William J. Bryan14 para demonstrar o perigo do livro escolar no famoso “julgamento do macaco”, caso judicial emblemático no qual John T. Scopes, professor de uma escola pública do es-tado do Tennessee (EUA), foi condenado por adotar um livro didático que ensinava evolu-ção15. O “julgamento do macaco” ocorreu em 1925 e os livros didáticos norte -americanos sentem seus efeitos deletérios até hoje16.

A “demonização” do livro didático e a avaliação pedagógica

Nós não temos dúvidas de que muitos dos problemas da avaliação pedagógica do livro didático são resultado da influência da visão distorcida que o meio acadêmico no Brasil, em geral, manifesta. É paradoxal, mas até mesmo na comissão Técnica do PNLD é possível perceber a influência desta linha de pensamento. O Professor Antonio Carlos Pavão17, por exemplo, afirma:

Existe uma corrente de pensamento conservadora que não permite à criança o direito de fazer ciência. Na verdade, é uma concepção preconceituosa e típica do dominador. Pensamento semelhante acaba por mistificar a ciência e considerar que ela é européia ou norte -americana, branca, masculina…, e que aqui meramente vivemos de cópias.18

A denúncia é grave, o leitor não concorda? Então porque o Professor Pavão não dá “nome aos bois”? Qual é essa corrente de pensamento? Quem são os educadores con-servadores que não permitem à criança o direito de fazer ciência? Como essa concepção

13   Excertos de SILVA, opus cit. [grifos nossos].

14   W. J. Bryan foi um importante político do Partido Democrata norte -americano pelo qual disputou a Presidência da República em três eleições. Principal  liderança da ala  liberal do Partido Democrático, era muito conservador em assuntos religiosos e destacou -se como militante antievolucionista. Foi representante do estado de Nebraska no Con-gresso e Secretário de Estado.

15   Existem vários livros interessantes sobre este caso entre os quais destacamos o relato de E. J. Larson (LARSON, E. J. Summer for the Gods – The Scopes Trial and the American Debate over Science and Religion. Cambridge: Harvard University Press, 1998).

16   LARSON (opus cit., pp. 230 -231 e 249 -250).

17   O Professor Doutor Antonio Carlos Pavão (UFPE) foi o responsável pela comissão técnica do componente curri-cular Ciências dos PNLD de 2007, 2008, 2010 e 2011.

18   PAVÃO, A. C. Ensinar Ciências fazendo ciência. In: PAVÃO, A. C.; FREITAS, D. (Org.). Quanta ciência há no ensino de ciências. São Carlos: EdUFSCar, 2008, p. 15. [grifos nossos].

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preconceituosa, típica do dominador, se faz presente no ensino de ciência no Brasil? Falar por falar é apenas discurso. A acusação genérica atinge a todos os envolvidos na questão, exceto, é claro, o autor do discurso. No mesmo artigo, veja só, caro leitor, o Professor Pa-vão discorre sobre o papel do livro didático e afirma:

O livro didático é um suporte de conhecimentos e de métodos para o ensino, e serve como orientação para as atividades de produção e reprodução do conhecimento. Mas não podemos nos transformar em reféns do livro, imaginando encontrar ali todo saber verdadeiro e a narrativa ideal (Guia do Livro Didático, 2007). Sim, pois o livro é tam-bém instrumento de transmissão de valores ideológicos e culturais, que pretende garantir o discurso supostamente verdadeiro dos autores. Em um processo pouco dinâmico como o que se estabelece no sistema tradicional de ensino de ciências, cria -se um círculo vicioso: o professor torna -se um reprodutor desses mitos e imagens errôneas e passa ele também, a acreditar neles. O resultado desse processo é que, para os alunos, a ciência na escola acaba sendo chata, pouco útil e muito difícil.19

Enquanto reproduz as recomendações do Guia de Livros Didáticos, o Professor Pavão vai bem. De repente, volta ao discurso para reafirmação do seu alinhamento político e, de modo genérico, acusa o livro didático de ser um instrumento de doutrinação ideológica que (sic) “pretende garantir o discurso supostamente verdadeiro dos autores”. Novamente o discurso é vazio. Todos os livros, não só o livro didático, transmitem valores. Não há nessa afirmação nenhuma novidade. Todavia, entre este fato e a afirmação de que todo livro (didático ou não) é instrumento de doutrinação existe uma grande distância. Generaliza-ções simplistas como esta são forte indício de que a visão do seu autor é preconceituosa e de que seus textos, no fundo, são panfletários, sem valor acadêmico e, em nossa opinião, inadmissíveis para um representante da Comissão Técnica do PNLD.

Caro leitor, em apenas dois parágrafos o Professor Pavão acusa (implícita ou explicita-mente) os livros didáticos e seus autores de:

�� veicular ideias de “uma corrente de pensamento conservadora que não permite à criança o direito de fazer ciência”;�� ter uma “concepção preconceituosa e típica do dominador”; �� “mistificar a ciência e considerar que ela é européia ou norte -americana, branca, masculina”;�� pretender “garantir o discurso supostamente verdadeiro dos autores”; e�� contribuir para que o professor se torne “um reprodutor” de “mitos e imagens errôneas”

e para tornar a ciência na escola “chata, pouco útil e muito difícil”.

O texto do Professor Pavão sugere que o livro didático não passa de uma arma do arse-nal de uma conspiração internacional que visa manter o Brasil numa posição subserviente e subalterna aos interesses das oligarquias, do grande capital e das nações ricas.

Caro leitor, é incrível, mas com exceção do trecho em que cita o Guia de Livros Didá-ticos do PNLD, o texto do Professor Pavão não menciona nenhuma característica positiva dos livros didáticos! Nem mesmo aqueles aprovados e recomendados em avaliações do

19   PAVÃO, opus cit., p. 20 -21. [grifos nossos].

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PNLD. Como é possível que um pesquisador, intelectual e acadêmico que tem aversão ao livro didático seja membro da Comissão Técnica do PNLD e participe da coordenação da avaliação20?

Ora, convenhamos… Se existem livros didáticos doutrinários, preconceituosos, sub-servientes e os demais defeitos apontados pelo Professor Pavão, então eles devem ser iden-tificados e denunciados. Na nossa opinião quem tem conhecimento de livros assim e não os denuncia é cúmplice e corresponsável pelos seus efeitos maléficos. A denúncia genérica não separa o joio do trigo. Nós somos autores de livros didáticos e não aceitamos as ge-neralizações do Professor Pavão. Ela nos ofende. W. Bryan pelo menos teve o cuidado de indicar claramente a identidade dos mensageiros do mal. O pior, caro leitor, é que o texto do Professor Pavão foi publicado em um livro que (sic):

Destina -se principalmente a professores dos ensinos fundamental e médio, alunos de gra-duação e pós -graduação e demais interessados no tema, sendo um importante material de apoio aos cursos de formação inicial e continuada de professores. É resultado de um esforço coletivo de professores e pesquisadores de várias áreas de conhecimentos […], de vários estados brasileiros […], que fizeram parte do processo de avaliação do Programa Nacional do Livro Didático.21

Acreditamos que tal postura preconceituosa contra o livro didático é um dos principais motivos pelos quais os responsáveis pela avaliação tanto resistem ao direito dos autores re-correrem dos pareceres de reprovação de suas obras: os sacrossantos censores não admitem serem contestados pelos demoníacos e mercenários autores de livros didáticos. Entretanto, eles não se importam de usar o nosso trabalho para fomentar suas pesquisas, prestar as-sessorias, escrever livros (não didáticos, obviamente) e, é claro, ganhar dinheiro com isso tudo.

Por que se nega aos autores o direito de defesa das suas obras?

Julgar como julgam os avaliadores do PNLD é fácil. Os pareceres individuais não são divulgados. O nome dos avaliadores não é divulgado. Os relatórios de reprovação não admitem contestação. Assim é fácil mesmo.

Embora deva ser difícil para os cardeais da avaliação aceitarem que seus pareceres sejam contestados por reles autores de livros didáticos, na nossa opinião, o motivo principal para a resistência deles em aceitar o direito de defesa dos autores é inconfesso e inconfessável: os responsáveis pela avaliação temem revelar suas deficiências conceituais e a fragilidade dos argumentos dos seus pareceres. Reafirma-se o que dissemos anteriormente: os responsáveis pela avaliação promovem, nos meios acadêmicos e na mídia, uma imagem de seriedade

20   A postura do Professor Pavão frente aos livros didáticos talvez ajude a explicar o fato de que 11 das 12 coleções aprovadas no PNLD 2007, com o aval do Professor Pavão, foram reprovadas no PNLD 2010, também com o aval do Professor Pavão. Aparentemente, o Professor Pavão considera todos os livros didáticos ruins e, para ele, não importam quais são aprovados ou reprovados no PNLD e tampouco quais são adotados ou não nas escolas públicas brasileiras.

21   PAVÃO, A. C.; FREITAS, D. (Org.). Quanta ciência há no ensino de ciências. São Carlos: EdUFSCar, 2008. [texto de descrição apresentado na “orelha” da capa do livro].

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e de competência baseada exclusivamente em autoavaliações indulgentes e complacentes. Mas, enquanto passam a imagem de guardiões dos valores mais altos da sociedade e do co-nhecimento, de vanguarda na “guerra contra o terror” dos livros didáticos, eles escondem os seus pareceres e buscam, por outras vias, a aliança no seu meio profissional. Isto fica claro no artigo do Professor Pavão, quando ele recomenda efusivamente aos professores e aos estudiosos do livro e do ensino de Ciências:

Não deixe de usar a revista “Ciência Hoje das Crianças”. Esta é uma coleção preciosa. Qualquer volume é muito bom. O MEC distribui esta coleção para as escolas.22

As publicações da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência destinadas ao pú-blico infanto juvenil (Revista Ciência Hoje das Crianças e os livros da coleção Ciência Hoje na Escola) são mesmo uma ótima fonte adicional para professores e alunos, tanto é que nós as recomendamos em nossos livros. Entretanto, o que o Professor Pavão não esclarece é que essas publicações devem ser objeto das mesmas advertências que ele faz apenas para os livros didáticos:

Todos os livros apresentam problemas e o professor deve estar sempre atento para traba-lhar com eventuais incorreções.23

Afinal, também é possível encontrar erros e inadequações em artigos das publicações da SBPC. Um bom exemplo é o artigo “Um vôo muito especial”24, sobre o primeiro voo do 14 -Bis, de autoria do Professor Nelson Studart Filho, Coordenador de Área de Ciências na avaliação do PNLD 2010.

Ao longo de todo o artigo, o Professor Studart refere -se ao 14 -Bis como “um aparelho mais pesado do que o ar”. Caro leitor, a inadequação é evidente: a excepcionalidade do pri-meiro voo do 14 -Bis nada tinha a ver com o peso da invenção de Santos Dumont ou com o peso do ar. O 14 -Bis foi o primeiro aparelho mais denso do que o ar a realizar um voo autopropulsado testemunhado e documentado. Usar o termo “peso” para se referir ao conceito de “densidade” é um erro conceitual muito grave, pois reforça uma concepção errada de que “peso” e “densidade” são a mesma coisa. Densidade é a quantidade de massa por unidade de volume25, enquanto o peso de um corpo é a força de atração gravitacional exercida pela Terra sobre esse corpo26, dado pela equação:

p = mg

onde, p = peso, m = massa do corpo e g = aceleração da gravidade.

22   PAVÃO, opus cit., p. 22.

23   PAVÃO, opus cit., p. 21.

24   STUDART FILHO, N. Um vôo muito especial. Revista Ciência Hoje das Crianças, ano 19, nº 172, set -2006, p. 14 -17.

25   YOUNG, H. D., FREEDMAN, R. A. Física II. São Paulo: Addison Wesley, 2008, v. 1, p. 69. 

26   YOUNG, H. D., FREEDMAN, R. A. Física I. São Paulo: Addison Wesley, 2008, v. 1, p. 119.

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O erro conceitual, reforçado pelo texto do Professor Studart, é explorado na clássica pegadinha: “o que pesa mais, um quilo de algodão ou um quilo de chumbo?” A resposta mais comum das crianças (e de muitos adultos) é: “um quilo de chumbo”. Quando se solicita uma explicação da resposta, ela é sempre a mesma: “porque o chumbo é mais pesado do que algodão”. Nosso leitor sabe que um quilo de algodão e um quilo de chumbo têm o mesmo peso, isto é, 9,8 Newton ou 1 quilograma -força27.

Quanto pesava o 14 -Bis? A página na Internet da Força Aérea Brasileira (FAB) informa que a massa do 14 -Bis (sem o piloto) era de 160 kg28, portanto, seu peso era algo próximo de 1570 N ou 160 kg -f. Por sua vez, a massa média do ar atmosférico é de 5,1 x 1018 kg (mais de cinco quintiliões de quilos)29. Ou seja, o 14 -Bis certamente não era “mais pesado do que o ar”. Pelo contrário, o 14 -Bis era muito mais leve do que o ar, muito mais leve mesmo.

Em sua defesa, o Professor Studart poderia alegar que a expressão “mais pesado do que o ar” é um jargão do cotidiano e que nós estamos aplicando ao artigo dele o mesmo excesso de rigor que condenamos quando nos censuraram pelo uso dos termos “calor” e “onda” em nossos livros reprovados no PNLD 2010. Todavia, caro leitor, as situações são com-pletamente diferentes. O artigo do Professor Studart discute assuntos específicos da Física e, portanto, deve ficar restrito à terminologia desta área do conhecimento. O Professor Studart não teve sequer o cuidado de colocar a expressão entre aspas e, muito menos, de explicar aos seus leitores a inadequação. Como o nosso leitor deve se recordar, nós usamos os termos “calor” e “onda” em contextos da fisiologia humana e da geologia, com signi-ficados idênticos aos significados que esses termos são utilizados nos tratados daquelas disciplinas. Bem diferente, não?

Reproduzimos a seguir, um trecho do artigo o Professor Studart no qual ele comete mais dois erros conceituais graves. O Professor Studart afirma:

Daí, aliás, vem o nome 14 Bis: o aparelho mais pesado do que o ar era anexo no [balão] nº 14. Unindo as duas invenções, Santos -Dumont conseguiu que a força que o balão fazia para cima diminuísse o peso do conjunto, mas logo […].30

O primeiro erro está em afirmar que “o balão fazia uma força para cima”. Ora, caro leitor, o balão não fazia força alguma. Há mais de 2 mil anos Arquimedes de Siracusa

27   Na Terra, ao nível do mar.

28   Fonte: FAB. Disponível em: <http://www.fab.mil.br/portal/aeronaves/htm/historia.htm> (acesso: nov/2009). 

29   Fonte: Wikipedia, citando o National Center for Atmospheric Research (Centro Nacional para Pesquisa Atmosférica dos Estados Unidos). Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Air#Density_and_mass> (acesso: abr/2010). 

30   STUDART FILHO, N. Um vôo muito especial. Revista Ciência Hoje das Crianças, ano 19, nº 172, set/2006, p. 16. [grifos nossos]. 

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estabelecia os fundamentos da hidrostática e do que seria, mais tarde, conhecido como o Princípio de Arquimedes:

[..] quando um corpo está parcial ou completamente imerso em um fluido, este exerce sobre o corpo uma força de baixo para cima igual ao peso do volume do fluído deslocado pelo corpo […].31

A “força” a que se referiu o Professor Studart é denominada “empuxo” e corresponde à força de baixo para cima, exercida pelo ar no conjunto de aparelhos (balão nº 14 + 14 -Bis) e ao peso do volume do ar deslocado pelos dois aparelhos.

O segundo erro consiste em afirmar que o peso do conjunto diminuiu. O peso de um corpo só diminui: a) se o corpo perde massa ou b) se ele se distancia da Terra resultando numa diminuição da força de atração gravitacional. Como a massa do balão nº 14 e do 14 -Bis não mudou, nem a atração gravitacional da Terra foi afetada, o peso do conjunto permaneceu inalterado. O fato do empuxo contrabalançar o peso do conjunto, não torna o conjunto mais leve! Em termos mais técnicos: a soma vetorial das forças (peso dos apa-relhos e empuxo) resultou num valor menor do que a soma dos pesos do balão nº 14 e do 14 -Bis, mas o peso do conjunto permaneceu inalterado. A bem da verdade, o conjunto balão nº 14 e 14 -Bis é mais pesado do que cada um deles isoladamente!

Este caso é muito emblemático por dois motivos. O primeiro porque ilustra bem os desafios intelectuais que o autor de livro didático enfrenta ao planejar e escrever os seus textos. Temos certeza de que o Professor Studart tem domínio conceitual sobre os assuntos tratados no seu artigo, mas certamente ele também tem dificuldade de transpor os con-ceitos mais elementares da Física para uma linguagem simples e agradável. Daí a salada conceitual que o seu texto encerra. Ao contrário do que afirmam os detratores do livro didático, escrever livros escolares não é uma atividade meramente comercial, restrita a au-tores mercenários e inescrupulosos, preocupados apenas em manter o Brasil numa condi-ção de ignorância e subserviência. Como bem ilustra este exemplo, nem os títulos (Mestre, Doutor e Pós -doc), nem a atuação em programas de formação continuada de professores ou a condição de editor da Revista Brasileira de Ensino de Física e de editor -fundador da publicação Física na Escola foram suficientes para que o Professor Studart produzisse um texto de sua área do conhecimento sem erros conceituais grosseiros. Os erros no artigo do Professor Studart seriam inaceitáveis em um livro didático. Pelos critérios do PNLD, erros conceituais como os cometidos pelo Coordenador de Área da avaliação de Ciências no PNLD 2010 seriam suficientes para a reprovação de uma coleção no PNLD. Em nossos livros não há erros como esses. Nem um sequer32.

O caso também é emblemático porque é uma prova incontestável do descaso, do des-prezo e da desconsideração dos responsáveis pela avaliação para com os livros didáticos e com os seus autores e, simultaneamente, ilustra a tolerância e a indulgência que eles têm

31   YOUNG, H. D.; FREEDMAN, R. A. Física II. São Paulo: Addison Wesley, 2008, v. 1, p. 74. 

32   O leitor interessado em conhecer os nossos livros na íntegra poderá consultá -los em versão PDF no site da Edito-ra Sarandi: <www.editorasarandi.com.br> (acesso: jul/2010).

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para consigo mesmos. Logo, não surpreende que sejam tão avessos a críticas e relutem tan-to em permitir o direito de defesa dos autores. Também não é de se estranhar que façam oposição a mecanismos independentes de controle de qualidade da avaliação. Na verdade, os fatos que acabamos de relatar são um forte indicador de que pelo menos uma parcela dos avaliadores não é adequadamente capacitada para avaliar livros didáticos, entre eles o Professor Studart, justamente o Coordenador de Área de Ciências da avaliação do PNLD 2010. Devemos confessar que o artigo do Professor Studart na Revista Ciência Hoje das Crianças nos deixa muito preocupados com os efeitos potencialmente deletérios de sua participação em programas de formação de professores e no corpo editorial de publicações sobre ensino de Física.

Para finalizar este assunto, é indispensável esclarecer ao nosso leitor que a visão distor-cida e preconceituosa do livro didático não é unânime nem uniforme nos meios univer-sitários e até mesmo entre os avaliadores. Felizmente, existem pesquisadores na área de ensino e avaliadores sérios, comprometidos e dedicados a procurar soluções para a edu-cação brasileira. Desta parcela da academia, podemos até discordar em algumas questões, mas nunca duvidar da qualidade do seu trabalho e da honestidade dos seus propósitos. Em nossa opinião, merecem elogios os autores oriundos da academia que corajosamente enfrentam o duro desafio intelectual de transpor para o livro didático os conceitos de sua área de atuação científica e de pesquisa. É oportuno, portanto, destacar a produção didá-tica da Professora Magda Soares, que há muitos anos escreve livros didáticos e os submete à avaliação. Também gostaríamos de fazer um elogio especial ao Professor Nélio Bizzo, primeiro coordenador da avaliação de Ciências no PNLD que, ao deixar a equipe de ava-liação, dedicou -se a escrever livros didáticos. Foi um ato corajoso porque, agora, ele está sujeito tanto à avaliação do PNLD como à crítica de autores dos quais foi juiz implacável e inclemente, mas leal.

O “direito de defesa” no Decreto nº 7.084/2010

Como já cansamos de alertar ao nosso leitor, a maior e mais grave distorção do PNLD é a impossibilidade dos autores defenderem suas obras. Esta aberração foi regra em todos os PNLD realizados até esta data e só será abolida a partir do PNLD 201333, quando entra em efeito o parágrafo 3º do artigo 20 do Decreto nº 7.084/2010, que estabelece:

O parecer indicativo de reprovação da obra poderá ser objeto de recurso fundamentado por parte do titular de direito autoral ou de edição, no prazo de dez dias a contar da publicação do resultado da avaliação pedagógica, vedados pedidos genéricos de revisão da avaliação.

Esta inovação é um avanço e constitui um esforço do Ministério da Educação para evitar problemas como aqueles que nós denunciamos neste livro. Infelizmente o novo dispositivo legal contém falhas que podem comprometer e até mesmo anular os efeitos

33   O Edital do PNLD 2013 será o primeiro a ser publicado sob as regras estabelecidas pelo Decreto nº 7.084/2010. Os editais dos PNLD 2011 e 2012 foram publicados antes da nova regulamentação.

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pretendidos. O decreto, por exemplo, assegura o direito de recurso apenas às editoras (detentores de direitos autorais ou de edição) e não aos autores. Isto é muito ruim, pois, como já dissemos antes, nem todas as editoras estão dispostas a defender seus autores, pois temem se indispor com os responsáveis pelo PNLD, o seu “maior cliente”.

A falha mais grave do Decreto nº 7.084/2010, porém, está na maneira como será feita a análise dos recursos contra os pareceres indicativos de reprovação, definida entre os pa-rágrafos 4º e 6º do artigo 20 [grifos nossos], a saber:

Parágrafo 4º. O recurso deverá ser dirigido à Secretaria de Educação Básica do Ministé-rio da Educação, que proferirá decisão no prazo de trinta dias.

Parágrafo 5º. Para análise dos recursos, a Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação poderá contar com auxílio de equipes revisoras formadas por três avalia-dores integrantes das equipes técnicas de que trata o parágrafo 1º do artigo 14, que não tenham participado da avaliação inicial da obra.

Parágrafo 6º. A equipe revisora ficará encarregada de analisar o recurso e emitir ma-nifestação exclusivamente sobre a procedência ou improcedência do recurso, vedada a reavaliação integral da obra.

Certamente as partes que grifamos foram exigências dos coordenadores da avaliação para se protegerem. Repare a assimetria, caro leitor. O decreto estabelece um prazo de 10 dias para a entrega do recurso, no qual os autores terão que demonstrar e fundamentar sua contestação (isso se as editoras que publicam seus livros permitirem a elaboração da contestação). Por outro lado, a equipe revisora terá 30 dias para apenas se manifestar sobre a procedência ou improcedência do recurso!

Como se não bastasse, o decreto estabelece que os recursos deverão ser dirigidos à SEB. Mas não podemos deixar de ressaltar que a SEB é responsável pela avaliação e, inclusive, participa da coordenação da avaliação de todas as áreas de conhecimento por meio do representante da Comissão Técnica do PNLD. Em última instância, os erros na avaliação são de responsabilidade da coordenação da avaliação, uma vez que:

�� a coordenação é responsável pela escolha dos avaliadores e seu treinamento;�� a coordenação é responsável pela distribuição das obras para os avaliadores;�� os coordenadores são os únicos que têm acesso às obras identificadas; e�� os coordenadores são os únicos que têm acesso aos pareceres individuais e, com base

neles, redigem e assinam o parecer final.

Em suma, os erros na avaliação significam que a coordenação:

�� falhou ao chamar avaliadores sem competência para avaliar livros didáticos; �� falhou ao treiná -los; e�� falhou ao não identificar os erros quando recebeu os pareceres individuais e ao redigir

o parecer final.

Ora, caro leitor, como assegurar um julgamento isento? Ao aprovar ou reprovar os recursos, a SEB analisará a procedência de pareceres que são de sua própria responsabi-

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lidade. Isto não caracteriza impedimento ou conflito de interesse? Certamente, sim. Os responsáveis pela avaliação terão a humildade de reconhecerem seus erros? Certamente, não. Em mais de 13 edições do PNLD, não há sequer um caso no qual os responsáveis pela avaliação admitiram ter errado.

Mas as distorções no mecanismo recursal são ainda mais profundas. O Decreto nº  7.084/2010 também prevê que a SEB poderá contar com o auxílio de equipes re-visoras formadas por integrantes da equipe de avaliação. Ora, caro leitor, mesmo que os membros da equipe revisora não tenham participado diretamente da avaliação da coleção sob recurso, os vínculos dos avaliadores com a coordenação são muito fortes. Os membros da equipe de avaliação são convidados pelos coordenadores para participar do PNLD. Estão envolvidas, portanto, questões de amizade, confiança, prestígio, espírito de corpo e também interesses econômicos consideráveis. Ex -avaliadores nos informaram que eles recebem R$ 5 mil por coleção avaliada34. Na avaliação de Ciências no PNLD 2010, por exemplo, foram convidados 44 avaliadores para avaliar 44 coleções, portanto, em média, cada avaliador recebeu duas coleções para analisar35. Como o salário de um Professor Dou-tor Titular nas universidades federais é R$ 11.755,0036, o nosso leitor pode dimensionar bem a importância da remuneração auferida na avaliação do PNLD no orçamento de um avaliador. Qual seria a disposição do avaliador em declarar improcedente um parecer assi-nado pelos responsáveis pela sua “boca” na avaliação do PNLD? Isso também não constitui impedimento ou conflito de interesse?

Como se já não bastasse, temos de considerar também que somente a coordenação conhece a identidade dos avaliadores, consequentemente, somente eles são capazes de nomear os membros da equipe revisora que irá julgar o parecer que eles próprios assi-naram! Pior ainda, não há sequer um mecanismo para verificar a lisura da atuação dos coordenadores também na etapa recursal!

Infelizmente, caro leitor, temos justificado receio de que a análise do recurso se torne um mecanismo meramente protocolar, formal. Não temos dúvidas que estas aberrações comprometem os avanços pretendidos no Decreto nº 7.084/2010. O mecanismo estabe-lecido pelo decreto não garante o direito de defesa.

A solução para o problema é relativamente simples:

�� os recursos deveriam ser entregues para o FNDE, o executor do PNLD;�� o FNDE constituiria uma comissão revisora sem vínculos com autores, com editoras,

com os responsáveis pela avaliação ou com a equipe avaliadora; e�� os nomes dos membros da equipe revisora e os seus pareceres seriam divulgados ao final

do processo, junto com o resultado dos recursos.

34   Valor da remuneração para coleções compostas por quatro livros, o que resulta em R$ 1.250,00 por livro avaliado.

35   Lembre -se, caro leitor, que cada coleção é avaliada por dois avaliadores, pelo menos.

36   Valor informado pelo Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior. Disponível em <www.andes.org.br/tabela -salarial -ES -2009.htm> (acesso: abr/2010).

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Obras descaracterizadas e a isonomia na avaliação. Por que tanto segredo?

Uma das diretrizes do PNLD é a garantia da isonomia entre as coleções didáticas parti-cipantes37. Segundo os responsáveis pela avaliação, a isonomia e a imparcialidade da avalia-ção é assegurada pela exigência de exemplares descaracterizados, isto é, sem identificação de editora, autor e colaborador. Argumentam que a medida impede o reconhecimento das coleções didáticas pelos avaliadores, garantindo assim uma avaliação isenta, imparcial e isonômica.

Em nossa opinião, essa exigência é uma grande bobagem, pois, como demonstraremos, não garante a isonomia e representa um desperdício de tempo e verbas públicas, uma vez que aumenta significativamente o custo e o tempo da fase de triagem, realizada no IPT, além de constituir um complicador de toda a logística da avaliação.

A exigência faria algum sentido somente se todas as obras inscritas fossem inéditas e os avaliadores não tivessem qualquer tipo de relacionamento (direto ou indireto) com os autores e as editoras participantes. Mas a realidade passa bem longe disso.

A maioria das coleções inscritas no PNLD é formada por obras que são comerciali-zadas há muitos anos e já participaram de mais de um programa do livro. Muitas delas já venderam milhões de exemplares tanto no mercado de escolas particulares como nos programas do Governo Federal. Toda coleção de livros didáticos tem um projeto gráfico e uma iconografia própria, muito característicos. Portanto, qualquer pessoa ligada aos livros didáticos identificará essas obras que já estão no mercado ou já foram avaliadas sem qualquer dificuldade, até mesmo “sem querer”. Considerando que a equipe de avaliação é supostamente formada por especialistas em educação, é evidente que os avaliadores não têm dificuldade para reconhecer as obras mais antigas ou as mais vendidas. Ou seja, a su-posta “identidade secreta” das obras “descaracterizadas” é uma falácia, que nem mesmo o mais fanático leitor do Batman acreditaria.

Somos obrigados a destacar também que o avaliador que não conhece as obras mais vendidas ou inscritas em vários programas não tem experiência com livros didáticos e, portanto, é provável que ele não tenha a experiência necessária para atuar como avaliador. A verdade é que, apesar do discurso dos responsáveis pela avaliação, as coleções didáticas são, inevitavelmente, avaliadas com base em opiniões preconcebidas (favoráveis ou não) e o argumento de que a descaracterização das obras visa a imparcialidade e a isonomia é necessariamente falso.

Após um encontro em Brasília, em 2005, oficiamos a SEB sobre o assunto e obtivemos uma resposta reveladora. O motivo principal da descaracterização nada tem a ver com

37   Decreto nº 7.084/2010, artigo 3º, item V.

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imparcialidade na avaliação ou isonomia entre as obras. Com surpreendente sinceridade, a SEB nos respondeu:

Entendemos que o processo ganharia em agilidade se essa exigência [exemplares desca-racterizados] fosse desconsiderada. No entanto, é importante salientar que, apesar do fato de alguns especialistas já conhecerem o conteúdo de algumas obras independente-mente de identificação, a descaracterização dos exemplares é extremamente necessária, pois preserva a própria editora, este Ministério, as universidades e os pareceristas envol-vidos no processo.38

Ora, se a descaracterização é insuficiente para impedir a identificação das obras e, ain-da por cima, deixa o processo mais lento e mais caro, então por que manter o sistema? O ofício da SEB esclarece: (sic) “a descaracterização dos exemplares é extremamente necessária, pois preserva a própria editora, este Ministério, as universidades e os pareceristas envolvidos no processo”.

Como autores e editores não conseguimos vislumbrar como a descaracterização das obras “preserva” a editora. Tampouco percebemos qualquer proteção ao Ministério da Educação ou às universidades. Os únicos que poderiam ter algum interesse em todo o segredo são os avaliadores. Mas, nesse caso, o segredo só os protege quando eles erram, o leitor não concorda?

Para garantir a isonomia entre as obras avaliadas, o Decreto nº 7.084/2010, artigo 14, parágrafo 2º [grifos nossos], exige:

Os integrantes das equipes avaliadoras firmarão termo declarando não prestarem pesso-almente serviço ou consultoria e, ainda, não possuírem cônjuge ou parente até o terceiro grau entre os titulares de direito autoral ou de edição inscritos no processo, ou qualquer outra situação que configure impedimento ou conflito de interesse.

Ora, caro leitor, uma parcela dos autores tem origem acadêmica e as relações de afeto e desafeto são frequentes nas universidades. Com todo o segredo que caracteriza a atual avaliação, como verificar se a obra de um autor foi avaliada por um colega de pesquisa ou por um desafeto? Ambas as situações configuram impedimento e conflito de interesse.

Os avaliadores são professores universitários e publicam livros. Publicar livros por uma editora e avaliar os livros dessa editora não constitui conflito de interesse? Como poderiam os avaliadores se declarar impedidos, se as obras não estão caracterizadas? Mais grave ainda é que o segredo que envolve a identidade dos avaliadores e o teor dos seus pareceres im-possibilita a fiscalização do processo, medida indispensável para coibir eventuais desvios de conduta.

Atualmente, ninguém duvida da inutilidade da descaracterização das obras para ga-rantir uma avaliação isonômica. Este fato, e todo o segredo que envolve o processo da avaliação, só contribui para gerar um enorme desconforto entre os autores e fomentar a

38   COGEAM/DPE/SEB/MEC. Oficio nº 07, 30/dez/2005.

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impressão de que a avaliação protege alguns autores e editoras enquanto persegue outros. Um bom exemplo disso é a polêmica que surgiu no final de 2009 em função das decla-rações do Professor Marcos Araújo Bagno, Coordenador Adjunto da avaliação de Língua Portuguesa, divulgadas pela ABRALE:

Abrale tem recebido várias manifestações de desconforto por parte dos autores de Língua Portuguesa ante certos posicionamentos do Professor Doutor Marcos Araújo Bagno, membro da coordenação adjunta de LP, que manifesta sua opinião so-bre determinadas obras do PNLD/PNLEM. Tal situação pode ser constatada, por exemplo, no livro de sua autoria “Nada na língua é por acaso” (Editora Parábola, 3. ed, 2009), em que explicita sua condição de avaliador do PNLD (p. 18), decla-ra seus laços de amizade com Magda Soares e Carlos Alberto Faraco (p. 23), para finalmente comentar três obras (de Magda Soares, Carlos Alberto Faraco e H. H. Takazaki), com afirmações tais como “sua coleção representa o que há de melhor hoje em dia no mercado editorial em termos de livro didático”; “esse excelente livro didático”; “esse livro didático é uma excelente opção” (p. 236 e 238). Ora, desta-car apenas três obras em detrimento de todas as demais obras aprovadas coloca em suspeição o próprio processo de avaliação. No mais, lembramos que o conceito de ‘excelente’ para um livro didático deve ser sempre relativizado, já que, como nos lembra o senhor Ministro da Educação de forma muito oportuna na Portaria Nor-mativa n° 7, de 5 de abril de 2007, “em função das diversidades sociais e culturais que caracterizam a sociedade brasileira, bem como do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, a escolha dos livros deve ter como base o conhecimento da realidade do aluno e da proposta pedagógica que norteia o trabalho da escola”.39

No seu livro, o Professor Bagno revela que ele conhece bem a obra de pelo menos três autores que participaram do PNLD 2010, tanto é que as recomenda com ênfase. O Cur-rículo Lattes do Professor Bagno informa que ele:

�� é coautor em obra acadêmica de um autor de coleção de Língua Portuguesa que parti-cipa do PNLD; �� é coautor de pesquisadores do CEALE que, por sua vez, têm relacionamento direto

com autores de coleções aprovadas no PNLD; e�� é autor de livros publicados por editoras que participam do PNLD.

Não há nestas constatações qualquer acusação ou insinuação de irregularidade ou má--fé, seja do CEALE, do Professor Bagno, dos autores, dos avaliadores ou das editoras, mas o nosso caro leitor há de convir que a manifestação da ABRALE é procedente. Pois:

�� é evidente que a seleção de avaliadores pareceristas privilegia especialistas alinhados com as abordagens do CEALE -UFMG;�� é pouco provável que os avaliadores pareceristas não reconheçam obras alinhadas com

os pontos de vista defendidos pelo CEALE -UFMFG; e�� é pouco provável que uma obra de autor oriundo ou com relações com o CEALE -UFMG

seja reprovada na avaliação.

39   ABRALE. Informativo nº 34, nov/2009, p. 4.

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Na nossa opinião, os autores de livros didáticos com alguma ligação com o CEALE -UFMG têm todo o direito de participar dos programas do livro. Entretanto, para garantir a isonomia entre as obras participantes, é indispensável que os avaliadores pareceristas não tenham qualquer vínculo com os autores ou editoras. Pois, mesmo no caso do avaliador não reconhecer a obra ou os seus autores, é difícil imaginar que ele não julgue com “bons olhos” uma obra afinada com sua escola de pensamento em detrimento das obras oriundas de outros centros de pesquisa ou linhas acadêmicas.

A questão é que, mesmo sem qualquer irregularidade ou má -fé, a avaliação de obras descaracterizadas não contribui para uma avaliação isenta e isonômica. Pelo contrário, abre caminho para avaliações baseadas em opiniões preconcebidas (positivas ou negati-vas) sobre algumas obras em contraste com as obras em primeira edição de autores sem relacionamento com os avaliadores ou de obras alinhadas com concepções de ensino que, embora sejam legítimas e permitidas pelas regras do PNLD, são diferentes da concepção que predomina na equipe de avaliação.

Para concluir este assunto, gostaríamos de chamar a atenção para uma questão crucial. Com todo o segredo que envolve a escolha dos avaliadores pareceristas, a distribuição das coleções entre eles e o teor dos seus pareceres, inexistem mecanismos de controle sobre as equipes de avaliação. Isto é inadmissível numa sociedade democrática e num programa que movimenta quase R$ 1 bilhão por ano, o nosso leitor não concorda?

Este problema seria facilmente resolvido caso os avaliadores recebessem as obras ca-racterizadas, dando oportunidade para eles se declararem impedidos sempre que tiverem algum tipo de relacionamento com os autores e/ou a editora de uma obra. É claro que esta medida deve ser complementada pela ampla divulgação do nome dos avaliadores de cada coleção, bem como do teor do seu parecer individual. Pois, somente assim, será possível identificar eventuais desvios de conduta.

Por que o PNLD não divulga todos os pareceres e o nome dos avaliadores responsáveis pelos pareceres ao final da avaliação?

É óbvio e indiscutível que durante todo o processo de avaliação os avaliadores devem ser protegidos pelo sigilo para não sofrerem qualquer tipo de pressão de indivíduos e/ou empresas interessados nos resultados. Mas, por que não divulgar a identidade dos avalia-dores pareceristas de cada obra, bem como o teor dos seus pareceres ao final do processo? A quem interessa o sigilo pós -avaliação?

O argumento dos responsáveis pela avaliação é que o sigilo visa proteger os avaliado-res. Mas, proteger do quê? Devemos presumir que os pareceres são feitos com isenção e competência, não é mesmo, caro leitor? Se os pareceres são bem feitos, corretos, coerentes e competentes, por que não divulgá -los? Por que não divulgar o nome dos seus autores?

O sistema atual protege apenas o avaliador incompetente ou negligente, pois não divul-ga o seu parecer, impedindo, assim, que se tome conhecimento de suas asneiras. Também protege a coordenação na eventualidade de falta de isenção ou outros desvios de conduta.

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As vítimas, como sempre, são os elos frágeis da cadeia, pela ordem: os alunos, os professo-res, a educação e os autores.

Na nossa opinião, os bons avaliadores e os bons coordenadores também sofrem com o atual sistema, pois qualquer suspeita é estendida a todos eles. Temos certeza de que a maioria dos avaliadores é séria e realiza seu trabalho com esmero e dedicação. Mas, no sistema atual, cristalizado pelo Decreto nº 7.084/2010, o trabalho do bom avaliador é maculado pelas aberrações do mau avaliador, bem como pela omissão ou cumplicidade da coordenação, que esconde e protege a “maçã podre”.

A verdade é que não existe justificativa para a manutenção do sigilo após a divulgação do resultado da avaliação. Pelo contrário, o teor dos pareceres deve ser público para que o processo ganhe em transparência e também para que a avaliação contribua para o apri-moramento dos livros didáticos. O segredo não acrescenta nada à qualidade do livro, à qualidade da avaliação, à isenção da avaliação e aos mecanismos de controle necessários em compras públicas de grande vulto. A qualidade e a lisura da avaliação só podem ser garantidas pela total transparência do processo e pela publicidade de todos os pareceres (favoráveis ou desfavoráveis).

É possível manipular os resultados da avaliação?

É claro que é possível manipular os resultados da avaliação. Até hoje nenhuma socie-dade conseguiu desenvolver mecanismos infalíveis para coibir a corrupção. A pergunta do título pode até parecer ingênua, mas é pertinente. O fato de não existirem soluções defi-nitivas para eliminar desvios de conduta não significa que o Estado não deva adotar meca-nismos para inibi -los e torná -los menos frequentes. A melhor maneira de fazer isso é criar condições para que os processos sejam cada vez mais transparentes e sujeitos a críticas.

A avaliação do livro didático no PNLD é coberta por segredo. Esse segredo é justifica-do pelos responsáveis pela avaliação como necessário para garantir a lisura do processo. O argumento seria razoável se, ao final dele, fossem revelados todos os detalhes, permitindo aos participantes do programa e aos órgãos de fiscalização do poder público constatar o que de fato aconteceu. Mas isso não acontece. A verdade é que a avaliação do livro didático no PNLD é um processo muito obscuro. Somente a coordenação da avaliação tem acesso às obras identificadas. A coordenação é que distribui as coleções para os avaliadores pare-ceristas e os critérios ou mecanismos desta distribuição são desconhecidos. Apenas os coor-denadores têm conhecimento da identidade dos avaliadores pareceristas que opinam sobre cada coleção inscrita no programa. Só a coordenação tem acesso aos pareceres individuais. É muito poder na mão de poucos. E, pior ainda, não existem mecanismos de controle para o exercício desse poder. Com tanto segredo e com a inexistência de controle externo da avaliação, a possibilidade de manipulação dos resultados é real. É, portanto, muito fácil para a coordenação manipular os resultados. Mesmo que um avaliador parecerista conteste uma decisão da coordenação, os coordenadores poderão alegar que outros dois avaliadores da obra deram parecer diferente ao seu. Como os pareceres e os seus autores são desconhe-cidos, não há como verificar a verdade. A coordenação tem até a possibilidade de decidir

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como bem entende. No nosso entender, o princípio da transparência a que se referem os editais e a lei das licitações é inteiramente desprezado pelo atual sistema de avaliação do PNLD.

Como tornar as avaliações mais coerentes?

É inadmissível que mais de 90% das obras aprovadas em um PNLD sejam reprovadas na edição seguinte do programa, como aconteceu com as coleções de Ciências no PNLD 2010. Este percentual é uma forte evidência de inconsistência do programa, em particular quando se considera que os critérios de avaliação estabelecidos nos editais de 2007 e 2010 são praticamente idênticos e pouco mudaram desde 2001. Também é de se estranhar o fato de que apenas 12 das 47 coleções de Alfabetização aprovadas no PNLD 2007 tenham sido aprovadas no PNLD 2010…

É dever do Poder Público sinalizar claramente suas orientações e suas metas para o Ensino Básico e essa metas e orientações devem balizar a avaliação do livro didático para, assim, refletir -se nos materiais didáticos comprados no âmbito do PNLD. Consequen-temente, as distorções verificadas em 2010 indicam que as experiências dos programas anteriores foram totalmente desconsideradas, o que, em si, já é uma aberração. Mais grave ainda é constatar que o Edital do PNLD 2010 não sinalizou nenhuma nova orientação significativa, logo, qualquer mudança indica ilegalidade ou desorientação.

Esta distorção pode ser corrigida por medidas simples, tais como: a) redação clara dos critérios de avaliação nos editais; b) exigir que os avaliadores se restrinjam aos critérios estabelecidos no edital; c) exigir que os avaliadores consultem as avaliações anteriores das obras e justifiquem detalhadamente seu parecer em caso de divergência; d) a divulgação dos pareceres e da identidade dos seus autores ao final do processo de avaliação.

O sistema atual de duas avaliações independentes, convocando -se um terceiro ava-liador em caso de divergência, é falho e gera grandes distorções. Talvez a principal fonte de distorção seja o fato do avaliador realizar seu trabalho isolado, emitindo um parecer muito pessoal, com forte viés na sua área de especialização acadêmica. Essa distorção é claramente verificada na avaliação de Ciências, pois envolve diversas disciplinas distintas. Mas também pode ser verificada na avaliação dos nossos livros de Alfabetização, pois em diversas passagens os avaliadores condenaram atividades e estratégias de ensino com as quais parecem não concordar (ou simplesmente desconhecem porque são alinhados a ou-tras correntes de pensamento).

Mais uma fonte de distorção da avaliação (e desperdício de recursos públicos) está re-lacionada ao fato dos avaliadores não tomarem conhecimento dos pareceres de avaliações anteriores. Este caso é o mais fácil de comprovar: assim como aconteceu com três de nossas quatro coleções, existem inúmeros outros exemplos de obras aprovadas em uma avaliação (inclusive recomendadas com distinção) que são reprovadas na avaliação seguinte.

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Embora existam encontros entre a coordenação da avaliação e os avaliadores, o que se constata é que estes encontros são, na melhor das hipóteses, ineficazes para garantir coerência entre os pareceres das diferentes coleções (aprovadas ou excluídas). Os inúmeros exemplos que apresentamos nos Capítulos 3 a 6 são provas incontestáveis da heterogeneidade e da incoerência entre os pareceres de uma mesma avaliação.

Fizemos uma análise rápida de dez coleções aprovadas nas áreas de Ciências e Letra-mento e Alfabetização Linguística e encontramos nelas mais de 30 casos de supostos erros apontados nas obras reprovadas! Ou seja, o que foi considerado erro e justificou a exclusão das nossas coleções, não foi apontado como erro nas coleções incluídas no Guia de Livros Didáticos PNLD 2010! Estas constatações, além de indicarem a incoerência na avaliação, constituem também uma afronta ao princípio da isonomia. É imprescindível esclarecer para o nosso leitor que não estamos tentando justificar a presença de erros nos nossos livros pela presença dos mesmos erros em obras aprovadas. Não é isso. O que verificamos é que conteúdos corretos presentes em nossas obras também constam em obras aprovadas. Entretanto, na avaliação de nossos livros o conteúdo foi condenado e nas outras obras não!

Os efeitos deletérios da inconsistência da avaliação não se restringem aos prejuízos econômicos que causam aos autores e às editoras. Muito mais graves são os impactos negativos no ensino público brasileiro. O que significa a reprovação de uma coleção di-dática após ela ter sido aprovada e até recomendada com distinção? A incoerência entre avaliações sucessivas desorienta e confunde os professores e os responsáveis pelos sistemas públicos de ensino. Os professores de uma escola ou de uma rede pública de ensino es-colhem as coleções com base nas resenhas do Guia e na análise dos livros, optando pela coleção que melhor se adapte à abordagem pedagógica e ao desenvolvimento curricular que consideram adequados. Quando a coleção escolhida é reprovada na avaliação seguin-te, a escola ou a rede não têm a opção de dar continuidade ao trabalho que desenvolvia. Será, portanto, forçada a, no mínimo, adequar ou reformular a sua proposta pedagógica e o seu currículo em função da adoção de uma nova coleção.

No PNLD 2010, por exemplo, das 11 coleções aprovadas na área de Ciências, apenas uma constava do catálogo do PNLD 2007! Isso significa que a grande maioria das escolas públicas brasileiras não terá como dar prosseguimento ao ensino de Ciências desenvolvido nos últimos três anos com o apoio da coleção que escolheu em 2007. Essas escolas serão forçadas a alterar ou adaptar sua proposta pedagógica e curricular!

Os responsáveis pelos programas do livro justificam as discrepâncias entre as avaliações afirmando que os critérios de avaliação evoluem e ficam “mais rigorosos” ao longo do tempo. Mas, como já cansamos de demonstrar ao nosso paciente leitor, os fatos desmen-tem essa alegação. Os critérios de avaliação permanecem praticamente os mesmos desde o primeiro edital do PNLD. A desculpa nada mais é do que uma justificativa esfarrapada para encobrir a verdade: a avaliação é inconsistente, incoerente, onerosa e demanda uma urgente reformulação.

Uma das falhas mais graves da avaliação é desconsiderar as avaliações de programas precedentes. Trata -se de um enorme desperdício de tempo e de recursos públicos. Caso

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os avaliadores utilizassem os pareceres de avaliações anteriores das obras reinscritas como ponto de partida para a sua análise, o processo de avaliação poderia ser muito mais célere e menos oneroso, além de resultar em avaliações mais consistentes. Em caso de divergência com as equipes precedentes, os avaliadores deveriam fundamentar seu ponto de vista e, desta forma, contribuir para o aprimoramento dos parâmetros e critérios de avaliação nas questões em que não existe consenso. Essas definições deveriam ser divulgadas em documen-tos oficiais e referidas nos editais, para atender à diretriz de ampla publicidade exigida pela lei das licitações e pelo Decreto nº 7.084/2010.

A “síndrome Josef K”: erros de avaliação e a reinscrição de obras reprovadas

Pelas atuais regras do PNLD, consolidadas no Decreto nº 7.084/2010, os autores cujas obras foram reprovadas com base em erros de avaliação são obrigados a enfrentar uma si-tuação surrealista, digna do pobre Josef K. O artigo 22 do Decreto nº 7.084/2010 [grifos nossos] estabelece que:

Artigo 22° – Os livros didáticos reprovados poderão ser reapresentados nas edições subse-qüentes do PNLD, desde que tenham sido reformulados com base nos pareceres emitidos.

Não temos nenhuma objeção a essa regra do PNLD. Não faz mesmo sentido permitir a inscrição de uma coleção que, sabidamente, contém erros graves. Logo, a exigência de comprovação da correção dos erros conhecidos é perfeitamente justificada. Entretanto, esta regra só faz sentido se a avaliação dos livros for competente e der aos autores a possibi-lidade de contestar o parecer de reprovação para apontar eventuais falhas dos avaliadores. Como o PNLD até hoje negou este direito constitucional, os erros dos avaliadores deixam os autores de obras injustamente reprovadas em uma verdadeira “sinuca de bico”. Como reformular as obras, se os pareceres contém inverdades, erros, são vagos e utilizam critérios que não estão previstos no Edital?

O artigo 18 do Decreto nº 7.084/2010 [grifos nossos] estabelece:

Artigo 18° – As obras eliminadas nas etapas de triagem e pré -análise serão desclassifica-das por não atendimento aos requisitos de admissibilidade estipulados no edital.

Parágrafo 2º – A pré -análise das obras inscritas no PNLD terá caráter eliminatório e consistirá no exame do atendimento do objeto e da documentação definidos no edital de convocação, bem como da adequada reformulação das obras excluídas das seleções ante-riores, nos termos do artigo 22.

Parágrafo 3º – Não caberá recurso nas etapas de triagem e pré -análise das obras inscritas no PNLD.

Para ilustrar a questão, analisemos o problema que enfrentaremos ao inscrevermos nossas quatro coleções no PNLD 2013. Pelos termos do decreto, seremos obrigados a

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comprovar que os livros foram “reformulados com base nos pareceres emitidos”. Ora, já can-samos de demonstrar ao nosso incansável leitor que isto é impossível porque os “pareceres emitidos” contêm erros gravíssimos.

Como mudar a representação da órbita da Terra, se ela foi corretamente representa-da no nosso livro? Como justificar ética e legalmente apresentar os indígenas brasileiros somente quando trajados com a indumentária da sociedade majoritária para não (sic) “acentuar o caráter ‘exótico’ dessas pessoas”? Como incluir uma atividade de lei-tura adequada na página de rosto e no seu verso, quando os conteúdos destas páginas são definidos pelo edital? Como afirmar, no livro, que a fermentação do leite não é resultado de reações químicas?

Para reformular nossos livros “com base nos pareceres emitidos” seremos obrigados a incluir um grande número de informações equivocadas, violar a constituição brasileira, negar práticas de ensino já estabelecidas, além de inúmeras outras aberrações. Isto nós não faremos. Seria uma afronta à nossa dignidade, uma violação dos nossos princípios éticos.

O pior de tudo, é que, se não comprovarmos a reformulação “com base nos pareceres emitidos”, nossos livros serão eliminados do PNLD 2013 na fase de pré -análise, sem di-reito a recurso! Caso o MEC não altere as regras, na prática, os erros dos avaliadores do PNLD 2010 condenaram nossas coleções à morte.

Os problemas que relatamos neste livro foram comunicados ao Ministro da Educação. Em março de 2010 protocolamos uma representação contra a SEB e os responsáveis pela avaliação, para formalizar as denúncias e a solicitação de providências. Por meio do Chefe de Gabinete do Ministério da Educação, fomos informados que o MEC estudaria alter-nativas para resolver o caso. Entretanto, passados mais de três meses, nada de concreto chegou ao nosso conhecimento. Continuamos esperando. Continuamos esperançosos…

É possível diminuir os custos do PNLD?

Ao longo deste livro fizemos algumas sugestões que podem resultar em uma redução significativa dos custos do PNLD. A mais simples e óbvia é o aumento da periodicidade de trienal para quadrienal. Esta mudança pode representar uma diminuição de até 25% nos gastos com a avaliação e com a publicação do Guia de Livros Didáticos e 10% nas aquisi-ções do livro, independentemente de qualquer outra medida.

Em nossa opinião, a impressão e a distribuição do Guia de Livros Didáticos é um gasto desnecessário. Parece -nos muito mais razoável que a divulgação do Guia seja feita apenas pela Internet, utilizando -se os recursos tecnológicos atuais (inclusive com a postagem em PDF dos livros aprovados para ampla consulta dos professores, democratizando o acesso aos materiais que irão escolher e evitando -se, assim, os mecanismos desleais que ainda obscurecem a etapa de divulgação do PNLD). A universalização do acesso das escolas pú-blicas à Internet já é um fato, tanto é que a escolha dos livros é feita apenas por esse meio. A economia que esta medida traria para o PNLD não é desprezível.

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Temos certeza também que o custo com a avaliação pedagógica pode ser significativa-mente reduzido. Como já destacamos, o valor pago pelo MEC pela avaliação pedagógica é altíssimo (cerca de R$ 10 mil por livro avaliado), várias vezes maior do que o valor de mercado. O curioso é que o valor efetivamente pago aos avaliadores pareceristas (algo em torno de R$ 1.250,00 por livro avaliado) é próximo do valor pago por editoras a especia-listas com título de doutor para análise crítica de suas obras. Como cada livro é avaliado por dois ou, no máximo, três avaliadores, o custo máximo por livro que a universidade terá com estes profissionais não ultrapassa R$ 3.750,00. Como nem todos os livros são avaliados por três avaliadores, é razoável estimar um gasto médio com os avaliadores pare-ceristas de R$ 3 mil por livro avaliado ou seja, menos de 1/3 do valor pago pelo MEC às universidades contratadas para realizar a avaliação.

É claro que sabemos que os coordenadores e outros profissionais envolvidos na avalia-ção também são remunerados e que existem custos administrativos, de armazenamento, correio etc. Mesmo assim, é muito difícil imaginar que isso atinja a soma de R$ 7 mil por livro. Quanto isso significa na prática? Vamos considerar os gastos com a avaliação dos livros de Ciências no PNLD 2010. A equipe de avaliação era composta por 52 pessoas, sendo 44 delas avaliadores pareceristas. Pelo trabalho de avaliação, o MEC transferiu R$ 1.688.105,50 para a Universidade Federal de São Carlos. O custo por livro avaliado foi de R$ 9.174,49, o mais baixo dentre todos convênios daquela edição do PNLD40. Como não encontramos o detalhamento dos custos no Portal da Transparência, seremos obrigados a recorrer a estimativas:

�� remuneração do avaliador = R$ 5 mil por coleção avaliada (estimativa baseada no relato de ex -avaliadores);�� coleções avaliadas = 4441; e�� número de avaliadores por coleção = 2,5 (as coleções são avaliadas por, no mínimo

dois avaliadores; para não corrermos o risco de subestimarmos o custo, consideramos que metade das coleções foram submetidas a um terceiro parecer).

Com base nesses números, o gasto com a remuneração dos avaliadores pareceristas foi de R$ 550.000,00 (R$ 5.000,00 x 44 x 2,5 = R$ 550.000,00). A esse valor é necessário acrescentar os recolhimentos sociais. Como não encontramos em lugar algum qualquer informação a respeito de como são feitos os pagamentos para os avaliadores, continua-remos o cálculo considerando que eles receberam como autônomos e firmaram Recibo de Pagamento a Autônomo (RPA). Nesta modalidade de pagamento, o contratante deve recolher para o INSS um valor correspondente a 20% do valor pago. Nesse caso, o valor total gasto com os avaliadores pareceristas seria de:

R$ 550.000,00 + 20% = R$ 550.000,00 + R$ 110.000,00 = R$ 660.000,00

40   BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Gestão (Orçamentário e Financeiro) – Exercício 2008, p. 58.

41   Ibidem, p. 58.

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Portanto, pelas nossas estimativas, o MEC transferiu R$ 1.688.105,50 para a UFSCar realizar a avaliação, mas o gasto principal que corresponde à remuneração dos 44 avalia-dores pareceristas dificilmente atingiu R$ 660.000,00. Ora, sobram mais de R$ 1 milhão para remunerar os outros oito integrantes da equipe de avaliação e cobrir os gastos admi-nistrativos. Sobra muito dinheiro, o nosso leitor não concorda?

Sobra tanto dinheiro que decidimos investigar melhor o assunto, e descobrimos que as universidades não pagam os avaliadores diretamente, mas repassam os recursos para fun-dações de direito privado, formada por professores do seu quadro docente. Pasmem, caros leitores, são essas fundações que se incumbem de toda a gestão da avaliação.

Ora, nos perguntamos, por que a universidade deve transferir os recursos para funda-ções privadas? Como é feito isso? Quanto elas cobram pela “gestão” da avaliação? Como é feita a prestação de contas? Como são feitos os pagamentos?

Essas perguntas são pertinentes, pois trata -se de verba pública e a discrepância entre os valores pagos pelo MEC (via universidade) e os valores pagos aos avaliadores pareceristas é enorme. Não conseguimos descobrir nada. Quando chegamos às fundações, as informa-ções sumiram.

Conforme procurávamos as respostas, descobrimos artigos publicados na grande im-prensa informando que algumas destas fundações universitárias estão sob investigação do Tribunal de Contas da União42,43. As denúncias que mais chamaram a nossa atenção foram as que relatam possíveis irregularidades na FUNDEP44,45 contratada pela UFMG para a avaliação do PNLD 2010. Segundo esses relatos, o TCU investiga indícios de diversas irregularidades, em particular:

�� convênios e contratos com problemas como: definição imprecisa do objeto de contra-to, falta de pesquisa de mercado comprovando a viabilidade de contratação da fundação, não obrigação de prestação de contas, falta de controle interno, ausência de orçamento detalhado, plano de trabalho incompleto, não repasse à instituição dos bens adquiridos, terceirização de atividades permanentes da universidade;�� falta de publicidade e transparência dos contratos;�� pagamentos desvinculados da finalidade do contrato;�� falta de fiscalização da fundação por parte do Ministério Público;�� alocação permanente de professores em projetos com a fundação, o que desconfigura o

caráter esporádico das bolsas;

42   As fundações universitárias. O Estado de São Paulo, 29/ago/2009. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090830/not_imp426799,0.php> (acesso: mar/2010).

43   HERDY, T.; TUPINAMBÁS. G.  Investigação do TCU revela  indícios de  fraude na UFMG.  In: O Estado de Minas, 6/jan/2009. Disponível em: <http://wwo.uai.com.br/UAI/html/sessao_2/2009/01/06/em_noticia_interna,id_sessao=2&id_ noticia=94465/em_noticia_interna.shtml> (acesso: mar/2010).

44   HERDY, T.; TUPINAMBÁS. G. UFMG terá que explicar gastos de R$ 190 milhões. O Estado de Minas, 7/jan/2009. Dispo-nível em: <http://wwo.uai.com.br/UAI/html/sessao_2/2009/01/07/em_noticia_interna,id_sessao=2&id_noticia=94591/em_noti-cia_interna.shtml> (acesso: mar/2010).

45   HERDY, T.; TUPINAMBÁS. G. UFMG desafia STF e continua obras da FUNDEP. O Estado de Minas, 7/jan/2009. Disponí-vel em: <http://wwo.uai.com.br/UAI/html/sessao_2/2009/01/07/em_noticia_interna,id_sessao=2&id_ noticia=94591/em_no-ticia_interna.shtml> (acesso: mar/2010).

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�� pagamento de bolsas com valores exorbitantes;�� uso de bolsas como manobra para evitar o pagamento de impostos e contribuição pre-

videnciária; e�� terceirização irregular de atividade permanente da universidade pela fundação de

apoio46.

É importante destacar que a gestão da avaliação não consta entre os projetos investiga-dos e que a presunção de inocência é um princípio fundamental do estado de direito. As supostas irregularidades da FUNDEP foram denunciadas, mas o processo ainda estava em andamento no STJ enquanto escrevíamos este livro. Ninguém é culpado antes da decisão final da Justiça.

Mesmo que a FUNDEP e as demais fundações sejam absolvidas, como sinceramente esperamos que sejam, nós temos convicção de que os gastos com a avaliação precisam ser divulgados pormenorizadamente, com muita transparência. Não temos dúvidas que eles podem ser sensivelmente reduzidos sem prejuízo para a qualidade e lisura do processo. Vale a pena estudar alternativas ao procedimento atual. O nosso leitor concorda?

Referências BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Guia de Livros Didáticos PNLD 2010: letramento e alfabetização/língua portuguesa. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2009.

BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Guia de Livros Didáticos PNLD 2010: ciências. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2009.

BRASIL. Decreto n° 7.084, de 27 de janeiro de 2010. Diário O�cial da União, 27/jan/2010. Seção 1 – Edição Extra.

KAFKA, Franz. O processo. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

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YOUNG, H. D.; FREEDMAN, R. A. Física I. São Paulo: Addison Wesley, 2008, v. 1.

YOUNG, H. D.; FREEDMAN, R. A. Física II. São Paulo: Addison Wesley, 2008, v. 1.

46   Extraído de: HERDY, T.; TUPINAMBÁS. G. Veja as Irregularidades detectadas pelo TCU na UFMG e na UFOP. Dispo-nível  em:  <http://wwo.uai.com.br/UAI/html/sessao_2/2009/01/06/em_noticia_interna,id_sessao=2&id_noticia=94465/em_noticia_interna.shtml> (acesso: mar/2010).

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Epílogo

Escrever este livro foi uma tarefa árdua, solitária e dolorosa. Nós a enfrentamos com muita tristeza, mas com um forte senso de dever. Nossos objetivos não se restringem à defesa dos nossos livros, mas do PNLD como um todo.

Embora este livro contenha várias denúncias, ele não tem conotação vingativa. Todas as denúncias foram fundamentadas em fatos, na literatura técnica e científica, bem como nos princípios e nos critérios estabelecidos no PNLD, nas diretrizes para a educação, na legislação e na Constituição Federal. Fizemos questão de criticar os erros, mas também de elogiar os pontos positivos do PNLD e oferecer soluções.

Diversos autores e professores universitários e até alguns ex -avaliadores para quem re-velamos a nossa intenção de publicar este livro nos alertaram para o perigo de estarmos cometendo um “suicídio autoral”. Acreditam que tanto nossas obras como as obras da Editora Sarandi serão sistematicamente perseguidas em avaliações futuras e que nunca mais seremos aprovados no PNLD. É possível1, mas uma questão ética se impôs: não po-deríamos, por medo de retaliação, deixar de externar nossa opinião e apontar os defeitos e desvios que verificamos. Muito menos quando se trata de um programa social tão impor-tante quanto o PNLD.

Depois das denúncias que fizemos neste livro, qual é a possibilidade de análise isenta das nossas obras na avaliação do PNLD 2013? Não temos como saber, mas somos oti-mistas. Entre os anos de 1997 e 1998 fizemos críticas justas e duras à coordenação da avaliação de Ciências do PNLD e não sofremos retaliação alguma. Temos certeza de que existem muitas pessoas de boa índole com poder de decisão no PNLD. Temos confiança na intenção do Ministério da Educação em aprimorar o PNLD e encontrar mecanismos que inibam desvios na avaliação pedagógica. Temos convicção de que a divulgação dos no-mes dos avaliadores e do teor dos seus pareceres individuais ao final da avaliação seria uma medida importante nesse sentido. Principalmente se o MEC introduzir um mecanismo recursal independente da equipe de avaliação. Este livro é um risco que decidimos correr.

1   No PNLD 2011, a Editora Sarandi inscreveu apenas uma coleção de Matemática. Coincidência ou não, a coleção foi reprovada com base em um parecer no qual já identificamos inúmeros problemas. É relevante destacar que esta obra foi aprovada e muito bem avaliada no PNLD 2005 (por ocasião da mudança de editora, a obra não foi inscrita no PNLD 2008).

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Sobre os autores

Francisco Azevedo de Arruda SampaioBrasileiro de São Paulo, capital. Viveu a maior parte da infância fora do Brasil em virtude

do exílio de seu pai. Foi aceito pela Universidade de Maryland (EUA) para cursar Biologia, mas preferiu retornar ao Brasil. Ingressou na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), onde obteve diplomas de Bacharel em Ciências Biológicas pelo Instituto de Biologia e de Licenciado em Ciências Biológicas pela Faculdade de Educação. Antes mesmo de se formar, começou a lecionar Biologia no Ensino Médio e em cursos pré -vestibulares.

Foi aluno no Primeiro Curso Internacional de Sistemática Zoológica oferecido pelo CNPq e pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Em seguida, iniciou seus estudos de pós-graduação em Ecologia e Recursos Naturais na UFSCar e foi contratado pela Universidade Mackenzie, onde lecionou na Faculdade de Ciências Exatas e Experimentais, sendo o professor responsável pela disciplina Zoologia dos Invertebrados. Das oito turmas para as quais lecionou, quatro o honraram como seu paraninfo e as demais como professor homenageado.

Ao deixar a Universidade Mackenzie, foi convidado para chefiar a equipe de Áreas Naturais do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Artístico Arquitetônico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAAT), onde atuou como coordenador técnico do Plano Sistematizador do Tom-bamento da Serra do Mar, além de autor dos pareceres técnicos que fundamentaram o tombamento do Vale do Rio Quilombo e do Parque da Aclimação.

Ao deixar o CONDEPHAAT, realizou diversos trabalhos de consultoria ambiental, avalia-ção de impactos ambientais, planejamento ambiental e manejo de áreas naturais, prestando serviço para empresas privadas e órgãos públicos nacionais e estrangeiros, tais como a Agência Brasileira de Cooperação (Ministério das Relações Exteriores), o CONDEPHAAT, a Supe-rintendência de Recursos Hídricos e Meio Ambiente do Estado do Paraná (SUREHMA) e a Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit (GTZ) do governo federal da Alemanha.

Fundou, com pesquisadores e professores da USP e da PUC-SP, o Instituto de Antropologia e Meio Ambiente (IAMÁ), onde coordenou estudos de viabilidade de uma reserva extrativista no Vale do Guaporé, o Primeiro Encontro das Nações Indígenas de Rondônia e o Primeiro Encontro de Seringueiros do Vale do Guaporé, projetos financiados pela Fundação Ford e pela Norwegian Agency for Development Cooperation (NORAD – Agência Norueguesa para Cooperação no Desenvolvi-mento).

Ao deixar o IAMÁ, fundou o Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA), novamente com pro-fessores da USP e da PUC-SP. No IPA, coordenou duas grandes pesquisas encomendadas pelo United Nations Research Institute for Social Development (Instituto de Pesquisa para o Desenvolvi-mento Social das Nações Unidas). A primeira delas, denominada “Agricultura, Políticas Públicas e Desmatamento no Brasil” e a segunda, intitulada “Impactos Sociais e Ambientais de Unidades de Conservação”. É frequentemente convidado como professor palestrante em cursos de ensino superior e de pós-graduação.

Em 1996, recebeu um convite para escrever uma coleção de livros didáticos de Ciências, desti-nada aos alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental em coautoria com a Professora Aloma Fernandes de Carvalho. Desse trabalho, surgiu a Coleção Caminhos da Ciência, a única coleção de Ciências recomendada com distinção em toda a história do PNLD. Na condição de autor, já viajou para quase todos os estados do Brasil e manteve contato com mais de 6 mil professores da rede pública de ensino, inclusive professores de aldeias indígenas. Em 2003, fundou a Editora Sarandi com o objetivo de dar voz e vez aos autores de livros didáticos.

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Aloma Fernandes de CarvalhoPedagoga formada pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Iniciou -se na

carreira do magistério como professora alfabetizadora em projetos sociais junto a populações caren-tes da favela da Vila Nova Jaguaré, uma das maiores favelas da cidade de São Paulo. Na instituição escolar, atuou como professora de Educação Infantil e também dos primeiros anos do Ensino Fun-damental. Como formadora de professores, coordenou e ministrou cursos, palestras e seminários, assessorando escolas e prefeituras de várias partes do Brasil. Fez parte da equipe do MEC para a elaboração dos PCN. Elabora materiais didáticos e paradidáticos há mais de 15 anos.

Em 1991, passou a fazer parte do corpo docente da Escola da Vila (SP) como professora al-fabetizadora. Participou ativamente das palestras, dos cursos e dos seminários promovidos pelo Centro de Estudos daquela instituição (CEEV), aprimorando e atualizando sua formação como educadora.

Em 1993, participou como formadora de professores do 1º Encontro de Professores Indígenas de Rondônia, promovido pelo Instituto de Antropologia e Meio Ambiente (IAMÁ). Nessa ocasião, ministrou curso nas áreas de Alfabetização e de Língua Portuguesa junto a professores indígenas de diversas etnias. Durante três anos, atuou como assessora pedagógica do IAMÁ, orientando essa instituição na concepção e no desenvolvimento de seus cursos de formação voltados para profes-sores indígenas. Colaborou também na elaboração de materiais didáticos bilíngues para alunos das escolas indígenas.

A experiência com Educação Indígena estendeu-se para outras instituições, além do IAMÁ. Em 1999, assessorou a Faculdade Paulista de Medicina (SP) no desenvolvimento do curso e na elabo-ração do material didático para o Projeto de Formação de Auxiliares de Enfermagem do Polo Xingu/MT; entre os anos de 2000 e 2001, foi contratada pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI) para desenvolver material didático para alunos de escolas indígenas, colaborando também na concepção dos cursos de formação de professores promovidos por essa instituição nos Estados do Maranhão, Pará e Mato Grosso. Atuou como parecerista do Referencial Nacional Curricular para as Escolas Indígenas (RNCEI), elaborado pelo MEC, fazendo a análise crítica do seu conteúdo e de suas proposições de ensino.

Em 1995, foi convidada para assessorar o MEC na elaboração dos Parâmetros Curriculares Na-cionais (PCN) e do Referencial Nacional Curricular de Educação Infantil (RNCEI). Foi coautora, junto com professores da USP e da PUC-SP, dos documentos de Geografia e de História dos PCN e do documento Natureza e Sociedade do RNCEI, tendo colaborado também nas discussões para a elaboração dos documentos dos demais componentes curriculares.

Entre os anos de 1995 a 2000, prestou diversas assessorias para o MEC para elaboração de ações voltadas para a formação de professores, dentre elas: PCN em Ação (SEF/MEC), Programa PCN na Escola (TVEscola/Fundação Padre Anchieta) e Programa Salto para o Futuro (TVEscola/TVE-Rio de Janeiro). Nesse mesmo período, atuou como formadora de professores das redes de ensino de municípios como São Paulo (SP), São Bernardo do Campo (SP), Taubaté (SP), Campos do Jordão (SP), Itapetininga (SP) e Rio Branco (AC).

Entre os anos de 1999 e 2004, fez parte da equipe de formadores do Centro de Educação e Documentação para a Ação Educativa (CEDAC-SP), atuando em diversos projetos, dentre eles o Programa Escola que Vale (em parceria com a Fundação Vale do Rio Doce) e E-mails Pedagógicos (em parceria com a Telemar).

Escreve materiais didáticos e paradidáticos desde 1998 e tem 22 títulos publicados.

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Anexos

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A N E X O 1 Relatório de Reprovação da Coleção Caminhos da Ciência.

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