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COMENTÁRIOS
PRIMEIRA PARTE – O FENÔMENO ...................................................................................................................... 1
PREFÁCIO .................................................................................................................................................................. 1 HISTÓRIA DE UM CASO VIVIDO ......................................................................................................................... 2 MENSAGENS PARTICULARES DE PIETRO UBALDI ...................................................................................... 7 MENSAGENS MEDIÚNICAS DIRIGIDAS A PIETRO UBALDI ....................................................................... 7 SOBRE DEUS E UNIVERSO DE PIETRO UBALDI ........................................................................................... 11 A VERDADEIRA E INTEGRAL REALIDADE DE PIETRO UBALDI POSTA EM EVIDÉNCIA COM O
MÉTODO PARAPSICOLÓGICO – PSICODIAGNÓSTICO “BLASI” ........................................................... 13 UM CASO DE BIOLOGIA SUPRANORMAL ..................................................................................................... 16 PIETRO UBALDI E SUA OBRA ............................................................................................................................ 24 PIETRO UBALDI, PROFETA DO ESPÍRITO ..................................................................................................... 25 A GRANDE SÍNTESE E A NOVA TEORIA DE EINSTEIN (Esclarecimentos) .............................................. 25 ENCONTROS COM EINSTEIN (I) (O Homem) ................................................................................................. 27 ENCONTROS COM EINSTEIN (II) (O Pensamento) .......................................................................................... 28
SEGUNDA PARTE – CRÍTICAS ............................................................................................................................ 30
GRANDES MENSAGENS (I) .................................................................................................................................. 30 GRANDES MENSAGENS (II) ................................................................................................................................ 31 O REGRESSO AOS DIAS CRIATIVOS DO DIVINO PENTENCOSTES ATRAVÉS DA MEDIUNIDADE
INTELECTUAL ....................................................................................................................................................... 32 A PROPÓSITO DA “MENSAGEM DO PERDÃO” DO PROF. PIETRO UBALDI ......................................... 32 PIETRO UBALDI – A GRANDE SÍNTESE .......................................................................................................... 33 A “SUA VOZ” ........................................................................................................................................................... 33 A HISTÓRIA DE UM NOVO GRANDE MOVIMENTO ESPIRITUAL .......................................................... 35 O FIM DA SÍNTESE CÓSMICA (A Grande Síntese)........................................................................................... 36 NASCIMENTO DE A GRANDE SÍNTESE ........................................................................................................... 37 O FENÔMENO UBALDI......................................................................................................................................... 38 A GRANDE SÍNTESE PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO ITALIANA ......................................................... 39 A GRANDE SÍNTESE PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO ITALIANA ......................................................... 40 A GRANDE SÍNTESE PREFÁCIO À QUARTA EDIÇÃO ITALIANA .......................................................... 43 A GRANDE SÍNTESE PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO ESPANHOLA ................................................... 45 A GRANDE SÍNTESE – MENSAGEM DE EMMANUEL .................................................................................. 45 AS NOÚRES – APRECIAÇÃO DE FERMI .......................................................................................................... 45 A GRANDE SÍNTESE – APRECIAÇÃO DE FERMI .......................................................................................... 49 ASCESE MÍSTICA – APRECIAÇÃO DE FERMI ............................................................................................... 53 A GRANDE SÍNTESE – APRECIAÇÃO DA IMPRENSA (I) ............................................................................... 56 A GRANDE SÍNTESE – APRECIAÇÃODA IMPRENSA (II) ............................................................................... 56 A GRANDE SÍNTESE – APRECIAÇÃO DA IMPRENSA (III) ............................................................................... 57 A GRANDE SÍNTESE – APRECIAÇÃO DA IMPRENSA (IV) ............................................................................... 58 A GRANDE SÍNTESE – APRECIAÇÃO DA IMPRENSA (V) ............................................................................... 59 VÁRIAS CRÍTICAS ................................................................................................................................................. 60 UM LIVRO REVELADOR ..................................................................................................................................... 61 MISTICISMO MODERNO ..................................................................................................................................... 62 HISTÓRIA DE UM HOMEM ................................................................................................................................. 64
TERCEIRA PARTE – A CONDENAÇÃO ............................................................................................................. 65
CONDENAÇÃO DO SANTO OFÍCIO .................................................................................................................. 65 UBALDI CONDENADO PELA IGREJA .............................................................................................................. 65 A GRANDE SÍNTESE NO ÍNDEX ......................................................................................................................... 65 A CONDENAÇÃO DE A GRANDE SÍNTESE ..................................................................................................... 66 AS OBRAS DE PIETRO UBALDI NO INDEX ..................................................................................................... 66 ORIENTAÇÃO ......................................................................................................................................................... 68 CONCLUSÕES SOBRE A CONDENAÇÃO ......................................................................................................... 70 PIETRO UBALDI E A IGREJA ............................................................................................................................. 73 O PONTO DE VISTA TEOLÓGICO ..................................................................................................................... 75
Vida e Obra de Pietro Ubaldi (Sinopse)....................................................................................página de fundo
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 1
COMENTÁRIOS
PRIMEIRA PARTE – O FENÔMENO
PREFÁCIO
Com o presente trabalho, Comentários, apresentamos o
1o volume da “Introdução à Segunda Obra”, que chamamos
brasileira, porque nasceu e se desenvolveu no Brasil, depois
que para cá se transferiu seu instrumento humano, em de-
zembro de 1952.
Explicaremos no princípio do 2o volume desta obra, Profe-
cias, como ela nasceu em 1955 e 1954, o seu novo estilo, sua
significação e conteúdo.
Esta nova Obra surge seguindo o esquema da primeira, de-
senvolvendo o mesmo pensamento em novos aspectos, ao
mesmo tempo em que acompanha o desenrolar-se da missão
por ela expressada e o amadurecimento do espírito de seu ins-
trumento, assim como do destino do mundo.
◘ ◘ ◘
Esta segunda obra é a continuação da primeira, com a qual
se funde, formando uma obra maior, que representa não apenas
a construção de um sistema científico-filosófico-ético, como
ainda o amadurecimento do destino de um homem que é seu
instrumento, e do destino do mundo na hora histórica atual.
Se o leitor, aqui também, não viver esta maturação, dificil-
mente poderá compreender e recolherá fruto bem mesquinho de
sua leitura. Ater-se apenas à estrutura conceptual significa per-
manecer na superfície, sem penetrar o sentido destes escritos,
que representam a ascese do homem para Deus, o progresso
cósmico do ser que evolve; observá-la sem vivê-la, não produ-
zirá fruto. Aqui, não apresentamos literatura nem erudição. Es-
tes livros foram todos vividos, foram escritos com sangue, dian-
te de Cristo, numa vida de tormento e de holocausto, numa hora
de redobrada dor para o instrumento e apocalíptica para o mun-
do, ele também pregado, por causa de seus erros, à cruz da dor,
única que o pode redimir e salvar.
Nestes novos volumes, o fenômeno intuitivo do instrumento
– primeiramente enquadrado na mediunidade, a seguir na ultra-
fania, mais tarde como inspiração livre e consciente, que se tor-
nou verdadeiro método de pesquisa filosófica e científica através
de visões – tende cada vez mais a concluir-se numa catarse bio-
lógica, em que toda a personalidade do sujeito, ao emergir do
plano normal evolutivo humano, se sublima na dor, por meio do
misticismo, que é sua fase final. Portanto a conclusão lógica de
toda a Obra que escreveremos será a ideia de Cristo, assim como
a unificação com Ele é o objetivo final da vida do instrumento.
◘ ◘ ◘
Procuremos, agora, resumir o significado e o conteúdo do
presente volume, Comentários. Divide-se ele em três partes:
O FENÔMENO – História e crítica. Nesta parte, está re-
sumida a história da primeira manifestação do fenômeno, das
mensagens mediúnicas de terceiros que acompanharam seu
nascimento, além dos estudos críticos da Sociedade Italiana de
Metapsíquica e de outros técnicos a respeito do fenômeno e do
sujeito e das relações entre A Grande Síntese e a última teoria
de Einstein.
CRÍTICAS – Nesta parte, recolhemos todo o material aces-
sório, como o prefácio às várias edições das Grandes Mensa-
gens e de A Grande Síntese, as apreciações e os principais co-
mentários da imprensa. Poderá assim o leitor conhecer o pensa-
mento dos outros a respeito destes escritos e também, em parte,
uma interpretação sua, procurando orientar-se entre os diversos
julgamentos. Reunimos tudo aqui, para não sobrecarregar A
Grande Síntese com outros textos fora de seu próprio conteúdo.
A CONDENAÇÃO – Nesta parte, é tratada a questão da
condenação ao Índex dos dois volumes: A Grande Síntese e
Ascese Mística. Não o apresentamos com espírito ou finali-
dade de polêmica, sentimentos que não existem, em absolu-
to, no ânimo do autor. Se aqui desenterramos e resumimos
esta questão espinhosa, é com o único objetivo de uma do-
cumentação exata, feita na forma mais objetiva e imparcial,
com duas finalidades:
1) Fornecer aos leitores, reunido neste volume, um comple-
to e preciso material para julgamento, porque é preciso esclare-
cer tudo. Assim poderão julgar melhor, tendo diante dos olhos
os mais variados elementos, cujo conhecimento é indispensável
para chegar a uma determinada conclusão.
2) Fixar num livro estes elementos, imparcialmente e sem
preconceitos, de modo que outros, mais tarde, não se apos-
sem deles, desvirtuando-os, para chegar em conclusões que
não existem de forma alguma no pensamento do autor. Ne-
nhuma questão que lhe diga respeito ele deixou em estado
nebuloso e à mercê de interpretações alheias. Não são poucos
os casos em que, por espírito de partidarismo, acontecimen-
tos como esses são deformados, porque usados como bandei-
ra de reações e em defesa de ideias preconcebidas. Enquanto
o mundo procura reação e polêmica, o autor busca em toda
parte compreensão e união. Com esta documentação, deseja
prevenir qualquer tentativa alheia de exploração do caso, pa-
ra fins particulares, contra esta ou aquela instituição, qual-
quer que seja ela, pois, de acordo com os seus princípios, ele
não se sente inimigo de nenhuma delas.
◘ ◘ ◘
Assim, poderá o leitor brasileiro achar neste livro uma his-
tória documentada do período incandescente da gênese e explo-
são do fenômeno inspirativo do sujeito, história muito diferente
desta no atual período brasileiro. Desenvolveu-se ela num am-
biente em que o Kardecismo era quase desconhecido e os pon-
tos de referência e de julgamento eram a ciência, a psicologia, a
metapsíquica, a filosofia, o catolicismo etc. Era esse o ambiente
europeu, e o sujeito não podia modificá-lo.
Poderemos, assim, nestas páginas documentárias, reviver
esta história, que, mesmo pertencendo ao passado, lança, no
entanto, muita luz no presente preparado por ela e o explica,
mesmo sendo este tão diverso. História útil para fazer com-
preender que outra longa e complexa história viveram estes
livros antes de entrar no ambiente brasileiro, em que outro
mundo se moveram e que outros ambientes os influenciaram.
História útil para mostrar a dificuldade que existe em incluir
e encerrar exclusivamente no espiritismo kardecista brasileiro
uma obra absolutamente universal, reduzindo esta a um sim-
ples produto mediúnico e o seu instrumento a um médium
adaptado à doutrina; história útil para demonstrar, a quantos
acreditam que o mundo todo seja igual ao seu país, o grande
esforço de adaptação que o sujeito teve de fazer para transfe-
rir-se, material e espiritualmente, para este hemisfério, que
está, na realidade, nos antípodas do setentrional, tanto física
como espiritualmente.
Por isso, no limiar desta nova e Segunda Obra, que pertence
ao período brasileiro, quisemos, antes de nela entrar, resumir e
documentar o período precedente, concluindo-o com este vo-
lume, que pode assim definir-se como o elo de união entre as
duas, a Primeira e a Segunda Obra.
Com o volume que a este se seguirá, Profecias, deixaremos
para trás esse mundo passado, a que pertence a Primeira Obra,
e entraremos decididamente no período brasileiro, que constru-
irá a Segunda em novo ambiente, com novos elementos e psi-
cologia, trabalho inédito, que, no entanto, é sempre o desen-
volvimento lógico e necessário, consequência do anterior tra-
balho já realizado.
São Vicente, Natal de 1955.
2 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
HISTÓRIA DE UM CASO VIVIDO
Nasci na terra franciscana da Úmbria, em Foligno, a 18 de
agosto de 1886, às 20:30 h. Era eu desconhecido de Mário
Guzzoni Segato, de Turim, quando, ele, baseado na data e na
hora do meu nascimento, extraiu um horóscopo, em que me re-
tratou com surpreendente exatidão. A primeira sensação de vida
humana de que me recordo (teria talvez três anos) foi de vazio e
tédio. Desde criança não me identifiquei com meu corpo físico,
que sempre explorei como veículo de minha viagem. Parecia-
me estranho e oprimente o vínculo do tempo, que liga os fenô-
menos e seu desenvolvimento em sucessão. Nasci sensitivo,
tendo no coração, por instinto, o Evangelho; nasci para amar e
perdoar. É óbvio que, no mundo humano, a vida para esses
temperamentos só pode constituir um lento martírio. Minha
personalidade era demasiadamente complexa para poder ama-
durecer rapidamente e brilhar superficialmente, seja na escola,
seja fora dela. Era medíocre, muito medíocre. Olhava para mim
mesmo, observava, refletia, e nada me escapava: eu julgava. Era
lenta a maturação espiritual, porque desde os primeiros anos
sentia confusamente subir em mim mesmo as camadas profun-
das da consciência. Na escola, estudava apenas para passar nos
exames, porque não acreditava naquilo que me ensinavam, e que
eu sentia truncado, inútil, sem base substancial. A verdade esta-
va em mim, eu a procurava dentro de mim. Rebelde a qualquer
guia, lançava-me aos conhecimentos humanos ao acaso, procu-
rando secretamente a minha verdade. Narro minha história inte-
rior, porque a exterior é insignificante. Tive sempre o instinto de
olhar o mundo e as coisas por dentro, nas causas e nos princí-
pios, e jamais nos efeitos e nas utilizações práticas. Da mesma
forma que os volitivos e práticos podem considerar-me incom-
petente na exploração utilitária da vida, posso eu considerá-los
incompetentes diante da solução dos problemas da consciência.
Minha primeira revelação interior me foi feita ao ouvir meu
professor de ciências, no Liceu, proferir a palavra “evolução”.
Meu espírito teve um sobressalto; brotara ao vivo uma centelha,
sentira uma ideia central. Tornei-me, a seguir, estudioso de
Darwin, mas só para completar seu pensamento.
Na Faculdade de Direito, em Roma, disseram-me um dia
que, antes de agir e viver, era necessário conhecer os princípios
e orientar-se, sem o que não se poderia realizar com consciên-
cia e retidão o mínimo ato. Mas, então, como agiam meus se-
melhantes sem sabê-lo? Por instinto, como os animais. Eu esta-
va, pois, sozinho e em trevas.
Defendi com louvor o doutorado, por ser de tema livre, mas
não acreditava no Direito, nas teorias jurídicas, nem na orienta-
ção filosófica e científica da época. Antes de doutorar-me,
aprendi rapidamente, como se recordasse um sonho longínquo,
o francês, o inglês e o alemão. Realizara particularmente meus
estudos de piano. Na música e nos músicos, assim como na arte
e na poesia, eu acreditava profundamente. Chopin e Wagner,
como Dante e Goethe foram revelações para mim.
Começou a vida. Fiz uma longa viagem aos Estados Uni-
dos da América do Norte, até o Pacífico. Casei-me. O turbi-
lhão das existências exteriores batia sem trégua, reclamando a
atenção de meu espírito, que, ao contrário, queria viver a vida
verdadeira. Acumularam-se as experiências humanas, quase
todas duríssimas. A dor martelava minha alma; sob seus gol-
pes, era feito o amadurecimento. Um dia, à beira-mar, em Fal-
conara, contemplando o encantamento da criação, senti com
evidência, numa revelação rápida como o raio, que tudo tinha
de ser Matéria, Energia e Conceito ou Espírito, e vi que esta
era a fórmula do universo:
( M = E = C ) = S
em que M = Matéria, E = Energia, C = Conceito ou Espírito e S
= Substância. E esta é a grande equação da substância, isto é, o
mistério da Trindade, em que se move toda A Grande Síntese.
A ideia central da revelação aparecera-me, mas eu ignorava
os pormenores: como harmonizar esse transformismo em seus
pontos extremos, como definir as passagens, preencher as
imensas lacunas, como tecer toda a trama deste conceito gigan-
tesco e afirmar tudo em termos exatos, diante de uma ciência
cega e inconcludente? No âmago da filosofia indiana, através
da teosofia, eu intuía verdades profundas, mas apareciam-me
escondidas numa terminologia exótica, que as afastavam de
mim e de meu mundo.
Comecei timidamente a expressar-me num opúsculo que
saiu em trechos na antiga revista Ultra, de Roma, de maio de
1928 a dezembro de 1929, mais tarde editado, em 1932, em
Buenos Aires pela Casa Editora Constancia: “Evolução Espiri-
tual” (Veja o volume Fragmentos de Pensamento e de Paixão).
Entretanto, sentia nascer em mim, gradativamente, A Gran-
de Síntese, através da lenta incubação de 20 anos. Entendamo-
nos. O amadurecimento não veio por meio de verdadeiros estu-
dos realizados, porque sempre li ao acaso e apenas como pre-
texto para escutar-me. A Síntese não me veio de livro algum,
mas surgiu toda do mistério de minha alma. Eu li, é verdade,
mas nada encontrei que já não existisse em mim. Reconheci nas
leituras o que já sentira ser verdadeiro, e repudiei o que já sabia
ser falso. É verdade que, durante alguns anos, escrevi várias
páginas de apontamentos, mas eram caóticos, discordantes e fo-
ram julgados uma tempestade que ameaça e nunca desaba.
Além disso, foram escritos quase sempre à noite, motivados
mais por um impulso interior invencível do que por minha von-
tade, num estado de consciência todo especial. Eram meus pri-
meiros exercícios; o impulso me submetia a uma escola de pre-
paração e treinamento, para a grande recepção, escola que devia
formar em mim o instrumento. Aquele manuscrito foi apenas
coleta de material e, quando escrevi a Síntese, senti náuseas da-
queles primeiros abortos de pensamento e que muitas vezes re-
neguei por completo. Sofrido aquele processo de maturação e
após alguns anos de inatividade, meu pensamento recomeçou
tudo desde o início, seguindo um fio seu, interior, e não outro.
Esta verdade, eu a quis dizer, mesmo arriscando-me aos que
acreditam que eu haja preparado a Síntese através de estudo.
Venho, ao contrário, demonstrar a verdadeira natureza de mi-
nha mediunidade inspirativa e intelectual. Esta, nascida comi-
go, mas mínima, se agiganta com o tempo. Mediunidade a prin-
cípio rudimentar, intermitente, a lampejos, como se vê pela nar-
ração de meus primeiros anos, porém progressiva, até tornar-se
em mim uma qualidade estável, uma segunda natureza.
Essa progressividade é a característica fundamental que de-
fine o meu fenômeno. E isto é lógico e corresponde aos princí-
pios da ascensão espiritual das religiões, assim como aos da
evolução biológica Darwiniana. Portanto a mediunidade, em
meu caso, significa não o fenômeno isolado, sem raízes e sem
razões, de manifestação do supernormal, mas de amadureci-
mento profundo e revelação de minha personalidade eterna e de
suas capacidades. Religando-me aos conceitos conhecidos e
aceitos da evolução biológica Darwiniana, eu, na Síntese, con-
tinuei essa evolução no campo espiritual – pois seria truncada e
absurda se assim não fora – harmonizando a afirmação da ciên-
cia com a afirmação da fé, sustentando a ascensão espiritual.
Esta minha progressividade de mediunidade inspirativa é, pois,
para mim, um fenômeno biológico normal, porque está coloca-
do na linha de evolução psíquica que os homens, antes ou de-
pois, percorrerão naturalmente, enquanto eu me acho percor-
rendo agora, apenas antecipando um pouco a maioria. A me-
diunidade intelectual é para mim o estado normal de um futuro
psiquismo mais sensibilizado, de uma percepção anímica direta
supersensória mais apurada, é uma fase superior de consciência
e dimensão conceptual perfeitamente normais na evolução, mas
que hoje, na Terra, constitui posição de exceção em virtude do
estado relativamente involuído da raça humana.
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 3
Portanto nada há de anormal, de extraordinário ou milagro-
so. É questão de caminho percorrido. Coloquei o problema as-
sim, porque assim o vivi e o resolvi. Caminho aberto a todos e
que se percorre através de uma purificação de espírito e de
corpo, de pensamento e de nutrição, que impõe um regime es-
piritual e dietético em que as substâncias psíquicas e físicas de
nível inferior, de vibração lenta e grave, devem ser expulsas.
Medicina e misticismo devem colaborar neste ponto. Purifica-
ção que se atinge lançando-se a própria natureza inferior ani-
mal e seus instintos e paixões no fogo lento do desapego, da
sublimação e sobretudo da dor.
A dor sempre teve uma parte importantíssima em minha vi-
da, cobrindo-a, muitas vezes, quase totalmente; e posso afirmar
que ela foi o fator mais ativo na formação de minha inspiração
e espiritualidade. Parece impossível, mas foi a dor, mais do que
a cultura, que me esclareceu a mente, que me deu ideias, justa-
mente porque tudo já estava no fundo de minha alma, e bastava
torná-la transparente para que elas aflorassem.
Foi justamente a dor que, aparecendo na forma mais intensa
e profunda, preparou e determinou a passagem desta fase ob-
servada por nós até agora, que pode chamar-se “preparatória”
de minha mediunidade, à fase de sua explosão decisiva. É atra-
vés da dor que o fenômeno entra no período de sua plenitude.
Essas relações entre sofrimento e mediunidade confirmam mi-
nha interpretação anterior: trata-se de um fenômeno evolutivo
de mediunidade progressiva, em que o espírito revela seus po-
deres interiores através da purificação de seu veículo humano, e
tanto mais claramente se manifesta quanto mais este se torna
sutil e deixa transparecer sua luz.
Estava em Assis, em 1931, quando os maiores golpes me
atingiam em cheio. Devo observar aqui que a Divina Provi-
dência é, para mim, uma força real e sábia, cujos impulsos nas
vicissitudes de minha vida senti continuamente. Se ela, para
minha evolução, deixou sempre a porta de meu destino escan-
carada à dor, no entanto sempre dosou as provas, que jamais
superaram minhas forças, e, no momento da real necessidade,
enviou a ajuda indispensável. Verifiquei que essa força não
quer ociosos; procura constranger ao progresso, mas jamais
abandona, ainda que dando o auxílio mínimo necessário, para
que este não seja um estímulo ao ócio. Minha hipersensibili-
dade toca essas forças do imponderável, que parecem inexis-
tentes para muitos que não as sabem perceber. Durante o ve-
rão, minha família transferiu-se para o campo, em Colle Um-
berto di Perugia, e eu, deixando Assis, a cidade de Francisco,
que eu tanto amava, abandonando minha casa, ninho de paz, e
afastando-me da família, de que tanto gostava e pela qual con-
tinuei sempre a velar, caí, pobre e sozinho, no fundo da Sicí-
lia, em Módica, triste, destruído. Conhecendo o inglês e di-
plomado em leis, vencera no verão um concurso e obtivera
aquela longínqua cátedra de língua inglesa. Tendo renunciado
aos bens hereditários, tive que ganhar minha vida. Caí num
quarto paupérrimo, entre pessoas ávidas, desprovido de tudo,
aturdido, acabado. Só então meu espírito pôde revelar-se. E,
debaixo do tremendo golpe, explodiu.
Era a noite Santa, Natal de 1931, e minha pena começou a
primeira Mensagem:
“No silêncio da sagrada noite, ouve-me. Deixa toda a sabe-
doria, as recordações, a ti mesmo, esquece tudo, abandona-te à
minha voz, inerte, vazio, no nada, no silêncio mais completo do
espaço e do tempo. Neste vazio ouve a minha voz que diz: le-
vanta-te e fala. Sou eu... Não temas; escreve (...)”.
Aniquilado, eu tremia. Depois levantei-me transfigurado.
Havia em mim uma força nova e eu tinha que segui-la. Final-
mente explodira minha mediunidade em sua plenitude, e desde
aquele dia eu firmei “Sua Voz”.
Chamei assim a essa fonte de pensamento, de vontade, de
ação e de afeto, que me inundava todo; chamei-a assim, com
sinceridade e simplicidade, incapaz de definir melhor, para di-
zer: a voz daquele que ouço.
Ela mesma me dizia naquela sua linguagem: “não perguntes
meu nome, não procures individualizar-me. Não o poderia, nin-
guém o poderia; não tentes hipóteses inúteis”.
Em outro lugar (volume As Noúres) estudamos o problema
da individuação da fonte e da paternidade da Síntese.
Avizinhara-se aquela voz, falando-me como falava no
Evangelho a doce voz do Cristo, aconselhando-me e guiando-
me. Mas era interior, pelo menos eu a atingia por caminhos
interiores, íntimos. Manifestava-se em mim como uma audi-
ção interior de conceitos, num contato tão direto, que estes
nem sequer eram formulados em palavras. Sem dúvida, era
distinta de mim, de minha consciência normal cotidiana, por-
que me guiava, governava, pregava, e meu eu normal seguia e
obedecia; porque surgiam também discussões e divergências
entre as duas personalidades, nas quais meu eu normal cedia
sempre, vencido e convencido por uma superioridade esma-
gadora de bondade e sabedoria. E, naquele inverno siciliano,
na solidão de minha dor, aquela voz esteve sempre perto de
mim, único amigo a sustentar-me a cada passo e a guiar-me
em todos os atos, impondo muitas vezes novas doações e re-
núncias, naqueles pontos em que minha natureza humana não
o desejaria. Uma correspondência frequente com a Senhora
Luísa Carocci Govean, de Turim, está cheia de narrações des-
sas minhas primeiras impressões virgens e maravilhosas. Esta
Senhora apresentou-me, na primavera de 1932, à escritora
Laura Lègrange Bussolin, diretora da revista Alfa, de Roma,
na qual se iniciou imediatamente a publicação das Mensagens.
Com efeito, “Sua Voz” sempre teve essa característica: ao
mesmo tempo em que ditava a mensagem, abria os caminhos
para sua divulgação. E a divulgação foi rápida, pois eu, des-
conhecido como escritor, vi essas Mensagens saírem nos prin-
cipais centros do mundo, espalhando-se por sua força intrín-
seca, sem que eu quase nada pudesse fazer para isso.
Era por certo um fenômeno já muito surpreendente para
mim, ser arrastado, sem preparação e de surpresa, por um fio de
conceitos que se desenrolavam automaticamente, como por im-
pulso próprio. Agora somava-se outro fenômeno: sua divulga-
ção rápida, abrindo-se as colunas das revistas mais longínquas e
inacessíveis. No entanto eu duvidava, temia enganar-me e pedia
conselhos; mas constantemente, de todos os lados, desde aquele
princípio, só me vinha encorajamento. Nunca uma dissonância.
Levantava-se em redor de mim um coro de vozes concordes
(veja mais adiante: “Mensagens mediúnicas dirigidas a P.
Ubaldi”). Da primeira gênese dos conceitos à sua difusão au-
tomática, até à concórdia dos aplausos, movia-se tudo numa
harmonia que parecia obedecer a um plano pré-estabelecido.
Todavia eu só tinha conhecimento disso dia a dia, no momento
da realização. O pensamento de “Sua Voz” começava a reali-
zar-se; surgiam fatos concretos em redor de mim, provas evi-
dentes, e eu me dei conta que havia passado imediatamente do
campo do pensamento ao da ação.
Foi esse o período dos mais íntimos e afetuosos contatos
com “Sua Voz”, assim como também dos maiores sofrimentos
e isolamentos do mundo. Foi também o período em que se tra-
çou a rede que me prende indissoluvelmente, há tantos anos, a
esta fonte de vida.
Mister se torna contar tudo, para esclarecer o fenômeno e
seu desenvolvimento; o fenômeno desta minha mediunidade
inspirativa e consciente, progressiva e ativa, porque aqui co-
meçam a delinear-se as características típicas que mais tarde a
definirão.
Rapidamente, eu fixava nos escritos minhas impressões, a
fim de que não se perdesse nada do que ocorria dentro e fora de
mim. Como continuação da “Evolución Espiritual”, publicada
na revista Constancia, de Buenos Aires, e a seguir em volume
4 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
separado, publiquei na mesma revista, como apêndice ao volu-
me, um artigo: “Experiências Espirituais” (veja o volume Fra-
gmentos de Pensamentos e de Paixão), em que estudava objeti-
vamente o comportamento das forças espirituais que tão decisi-
vamente intervieram, modificando a linha de meu destino. Sen-
tia com evidência que operavam em mim forças superiores e
observava, procurando compreendê-las.
Mas tinha que me apressar, porque o amadurecimento se
precipitava. Às “Experiências Espirituais”, publicadas em de-
zembro de 1931, enquanto Sua Voz já ditava sua primeira
Mensagem, seguiu-se logo um artigo em Constancia, de Bue-
nos Aires: “Como oí Su Voz” (Como ouvi Sua Voz), em feve-
reiro de 1932. O rápido suceder-se dos acontecimentos não
me dava tempo de publicar esses trabalhos, mesmo na Itália.
Nesse artigo, expus minhas primeiras impressões, fixando-
lhes as notas básicas. Dizia: “una voz interior me habla, me
dicta, me ordena de escribir. Siento que me dictará muchas
cosas que tendré de escribir”. Essa publicação era composta
de duas partes: a primeira, “Mi razón”, observava e explicava
o que acontecia; a segunda, “Su palabra”, transcrevia a pri-
meira Mensagem de Natal de 1931. Estava feita a primeira
afirmação. Não podia mais retroceder.
Desde o princípio de 1932, saía a mesma Mensagem em ita-
liano, inglês, francês, nos principais centros do mundo. Vasta
correspondência crescia em torno de mim, em que figuravam
Bozzano, Schaerer de Bruxelas, professores de Universidade,
médicos, entre os principais expoentes do mundo espiritualista.
A 1o de junho, escrevia-me Bozzano: “A Mensagem obtida com
sua mediunidade provém indubitavelmente de origem transcen-
dental, e mais ainda, de elevadíssima inspiração”. E mais tarde,
a propósito da Mensagem do Perdão: “Estupendo! Há nela tre-
chos sublimes em sua grandiosidade única, que provocam qua-
se um sentimento de sagrada surpresa”.
E Bragadin escrevia, em sua revista Ali del Pensiero, em fe-
vereiro de 1934: “Enquanto as coisas fortemente queridas e te-
nazmente preparadas, muito raramente têm no mundo o êxito
merecido, um médium desconhecido, não preparado, cético por
muito tempo de sua mediunidade, sem meios nem apoio, sem
nenhum objetivo de interesse, viu em pouco tempo suas men-
sagens, numericamente reduzidas, darem volta ao mundo e di-
fundirem-se rapidamente, automaticamente, sem nenhuma in-
tervenção sua, como que dotadas de uma força secreta própria,
emanada daqueles trabalhos”.
E verdadeiramente sentia-me cada vez mais aniquilado e
tímido, e teria voltado atrás se, ao contrário, Sua Voz não me
houvesse impelido para frente.
Mas abandonemos esta história exterior, de que a contragos-
to tive de falar, e voltemos à história interior, menos conhecida
e mais importante. A fase preparatória fora superada. Achava-
me, plenamente, no primeiro período das manifestações, que
pode chamar-se das Mensagens. Ele vai do Natal de 1931 à
Páscoa de 1933 e aqui se fecha para entrosar-se e transformar-
se no que chamaremos de A Grande Síntese.
A verdadeira história, a mais poderosa e mais trágica para
mim, é a interior. Quem a preparara? Como podia nascer assim,
do nada, um mundo novo, denso de atividades e acontecimen-
tos? Não houvera nenhuma preparação visível. Até o verão de
1931, eu estudara literatura inglesa e alemã, preparando-me pa-
ra o concurso a ser realizado. A dor que me golpeara e a pobre-
za a que me havia devotado não eram, de certo, uma preparação
cultural. Sigamos esta história íntima, em que se encontra a
fonte de tudo, das Mensagens e da Síntese; procuremos, agora,
permanecer próximos ao princípio genético do fenômeno, de-
pois que lhe observamos os efeitos.
Estava ainda em Módica, no quente inverno siciliano. Em
torno a mim, insipidez, tristeza e desolação de espíritos selva-
gens, desolação de campos verdes. Eu obedecia. Realizara a
pobreza, a renúncia, a perfeita alegria de Francisco, que tanto
amara em Assis. Eram contínuos os colóquios íntimos com Sua
Voz, agigantava-se seu poder, seu amor me sustentava. Conse-
guira descobrir, fora da cidade, numa colina, mirrada moita de
alfarrobas, que, entre gigantescas figueiras da Índia e muros
baixos divisores de campos, proporcionavam um pouco de
sombra e a ilusão de um bosque. Para lá me retirava a orar. Já
de outra vez, nos suaves campos da Úmbria, em Perúgia, depois
de uma grande promessa, sentira tão perto de mim o espírito de
Cristo e de Francisco, que fiquei sem saber se suas diáfanas
formas corpóreas caminhavam plenamente a meu lado, num
trecho de estrada do bosque. Fazia uma prece imensa, à qual
toda a criação respondia; anulava-me, para sentir-me renascer
em todas as coisas. Lá escrevi o “Canto das Criaturas”, visão
poética, publicada em Milão e Buenos Aires. A inspiração fran-
ciscana exprime bem minha alma. Hoje, na vida tão diferente
do mundo, muitos podem sorrir deste misticismo. Parece que a
sociedade trabalha depressa e com força, a fim de destruir em
seu seio estes sensitivos, dando a vitória aos volitivos imperio-
sos e egoístas. Mas é um fato: quem mais aparece, menos vale;
quem mais grita, menos pensa; quem mais se impõe, menos
sente; quem mais se afoba no campo da atividade exterior, se
acha mais vazio e arruinado no campo das construções internas
do espírito. Este período das Mensagens pode ser chamado o do
sentimento e do coração, ao passo que a Síntese representa o
período da mente e do pensamento. Primeiro calor, depois luz;
primeiro amor, e depois vontade; primeiro o coração, depois a
inteligência. Sua Voz tocou todo o meu ser humano. Admiro
também essa sua riqueza de formas, essa sua plenitude, essa to-
talidade de seu poder. Período este de profundas emoções. E eu,
enquanto me abandonava a ele, ia realizando a minha atividade,
sem perceber que desenvolvia um plano lógico.
Eu orava. Naquele refúgio campestre e solitário houve um
dia um colóquio profundo, íntimo, que não sei descrever, en-
tre Sua Voz e eu, de alma para alma, um daqueles colóquios
que não se esquecem mais por toda a eternidade. Chorei. A
vontade que está no centro do universo estava perto de mim,
fulgurante e boa; inclinava-se para mim em homenagem ao
seu princípio: liberdade e responsabilidade do ser. E pediu o
meu consentimento. Mergulhei naquele mar de resplendores e
anulei-me numa promessa incondicional, numa dedicação
completa. Respondi: Sim! Desde aquele dia, minha vontade
foi a Sua, e não mais podia desobedecer. Iniciada aquela rota,
teria que continuá-la até o fim.
Eu ressuscitara. Possuía-me a potência dessa nova persona-
lidade. O destino flagelava, impassível, com a dor. Era um ven-
to frio que me enregelava, enquanto no coração ardia um in-
cêndio. O amor dos místicos é um fato real, conhecido, tão fre-
quentemente vivido, que ninguém deve admirar-se disso. Só
uma ciência com premissas materialistas e, portanto, incompe-
tente nesse campo da espiritualidade pode contentar-se, para re-
solver o caso, com uma negação sumária. Mas também esse
amor tem um seu pudor sagrado, em que se escondem os segre-
dos mais profundos das leis da vida. E eu me calo.
Retomava a primavera. Certa noite fria, entre 9 e 10 de
maio de 1932, pelas duas da madrugada, na hora antecrepuscu-
lar dos maiores silêncios, acordei bruscamente, por causa de
uma movimentação insólita de conceitos em minha psique. Li,
maravilhado, dentro de mim. Tinha que escrever, e escrevi rá-
pido e com segurança, na sonolência, como quem copiasse um
texto, duas mensagens breves, incisivas, poderosas. Uma era
para Mussolini, outra para o Sumo Pontífice; pessoais, particu-
lares, que eu devia enviar e que diziam respeito a cada campo
de ação política e religiosa (Veja nas páginas seguintes: “Men-
sagens particulares de P. Ubaldi”). Tendo escrito, readormeci
no meu cansaço pelo trabalho do dia. Depois, no dia imediato
e, enfim, à noite, reli-as. Eram belas. Fiquei maravilhado. Co-
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 5
mo haviam nascido? No dia anterior, ocupara-me de coisas in-
teiramente diversas; à noite, até às 23 horas, ficara corrigindo
exercícios e tirando médias escolares. A coisa tomara-me de
improviso, e agora atemorizava-me a ordem: “Entrega-as”.
Mas “como posso fazê-lo?”, perguntava. “Os caminhos serão
abertos diante de ti”, respondia-me a Voz. E, o que é surpreen-
dente, por si mesmos se abriram os caminhos, e as mensagens,
estas e outras sucessivas, chegaram ao seu destino. O chefe de
governo, na Itália, a 2 de março de 1933, agradecia-me publi-
camente e comigo se congratulava por meio do Prefeito de Pe-
rúgia e do Chefe Municipal de Gúbio, onde então me achava.
Meus escritos mediúnicos, produzidos de modo tão estranho,
não eram, pois, o resultado de desequilíbrio nervoso.
Após breve intervalo, voltei ao trabalho das Mensagens pú-
blicas, nascendo então a segunda, a “Mensagem da Ressurrei-
ção”, na Páscoa de 1932. A mesma divulgação rápida. Esta che-
gou, por si mesma, até Saigon, na Indochina, onde foi publicada.
Terminado o ano escolar, deixei Módica e voltei a Perúgia
(Colle Umberto) com a família, no campo, sendo depois
transferido em setembro para Gúbio, onde ensinei durante
vinte anos.
No verão, nasceu a “Mensagem do Perdão”, no dia do per-
dão da “Porciúncula” de São Francisco de Assis, a 2 de agosto
de 1932. Fui tomado de improviso pela manhã, com tal ímpeto
de emoção, que, entre lágrimas, mal conseguia ver o papel em
que escrevia. Escrita, como as outras, de jato, completa, sem
qualquer arrependimento, nítida e segura desde a primeira có-
pia, esta é a mais bela, a mais vibrante e poderosa das Mensa-
gens, e em pouco tempo fez também a volta ao mundo (calcula-
ram que tivesse aparecido meio milhão de cópias).
Na Páscoa de 1933, XIX centenário da morte de Cristo, em
Gúbio, nasceram juntas duas Mensagens: a “Mensagem aos
Cristãos” e a “Mensagem aos Homens de Boa Vontade”.
Fechava-se, assim, o primeiro período das Mensagens. As
revistas me pediram depois outras. Mas elas correspondiam a
um plano bem diferente do que a simples colaboração de im-
prensa. Não nascem a pedido, mas quando querem.
Neste ponto, cabe falar de outra Mensagem, transmitida na
Páscoa de 1943, após dez anos de silêncio. Trata-se da “Men-
sagem da Paz”, escrita exatamente na noite de Quinta-Feira
Santa, no monte sobre o Santo Sepulcro (Arezzo), diante do
Verna1. Apareceu em plena guerra mundial, para fazer ouvir,
entre o ribombar da destruição universal, a palavra equilibrada
de paz, de orientação, de encorajamento.
Após outros dez anos de silêncio, apareceu a última, cha-
mada “Mensagem da Nova Era”, no Natal de 1953, no Brasil,
na praia de São Vicente, em Santos-SP. Com esta, fecha-se a
série das sete Mensagens.
Observemos sua harmonia. As primeiras cinco estão dispos-
tas em três anos, de 1931 a 1933, isto é, com a primeira, revela-
se Sua Voz, na noite de Natal de Cristo, em 1931, para anunciar
a ideia central da Obra; depois um grupo de duas, no ano se-
guinte, e as últimas duas, unidas como uma estrela dupla, na
Páscoa de 1933, XIX centenário da morte de Cristo. Assim, do
seu nascimento à sua morte, completou-se o primeiro grupo, em
três anos, e, pode dizer-se, em três termos.
Sobre este primeiro ritmo ternário, fundamental, desenvol-
ve-se outro ritmo ternário mais amplo; sobre este primeiro gru-
po de base, eleva-se como segundo termo, após um silêncio de
dez anos, na Páscoa de 1943, a “Mensagem da Paz”, e a seguir,
um terceiro termo, também, depois de dez anos de silêncio, pa-
ra concluir, no Natal, como no Natal começara, em 1953, com a
“Mensagem da Nova Era”. Assim, neste segundo e terceiro
termos, ecoa o primeiro grupo e se fecha e termina o ciclo sep-
1 A colina do Verna foi onde São Francisco de Assis recebeu os estig-
mas da Paixão de Cristo.
tenário das Grandes Mensagens. Essas harmonias só foram no-
tadas e compreendidas depois que tudo ficou terminado.
Nessas Mensagens – apelos supremos ao mundo – numa
linguagem que seria loucura atribuir a mim, são tratados os
pontos nevrálgicos dos mais atuais e vivos problemas religio-
sos e políticos, com conexão e desenvolvimento lógico, de
modo completo e com um conceito central diretivo que eu,
acompanhando separada e particularmente, só pude descobrir
depois de tudo terminado. As Mensagens são um apelo direto,
um toque de recolher, que, harmonizando-se em perfeito equi-
líbrio entre temporal e espiritual, culminam no problema da
salvação espiritual do mundo. Palavras inequívocas dão vivís-
sima impressão – confirmada especialmente pela imprensa da
América do Sul – de tratar-se de uma fonte que, não sabemos
por quais caminhos e de que forma, se prende ao pensamento
de Cristo. E foi isso o que senti. Afirmar algo mais seria audá-
cia; quanto a mim, seria presunção. Neste campo, devo humi-
lhar-me, calar, obedecer. Esta fase está terminada. Sobrevive
apenas o eco dos comentários da imprensa.
Não finalizara ainda esse período, mas em seu declínio
transformava-se em outro, que vinha sendo preparado desde
1932. Podemos chamá-lo período de A Grande Síntese. Não
mais sentimento, mas sabedoria; não mais apelo, mas revela-
ção. No outono de 1932, conheci a nova revista que surgia: Ali
del Pensiero (Asas do pensamento), de Milão, e seu diretor, Sr.
M. A. Bragadin. Em mim nasce um impulso gigantesco: reto-
mar a ideia base das Mensagens e desenvolvê-la em profundi-
dade. Essa ideia me domina, me entusiasma e lanço-me ao tra-
balho sem plano algum, sem refletir; ai de mim se tivesse refle-
tido e compreendido o que devia fazer: teria ficado esmagado.
Sua Voz mandava e guiava. E eu estava calado. Minha natureza
apaixonada pelo Cristo, por Seu amor, por Sua dor, por Sua
bondade, transforma-se em grande máquina de pensamento que
abarca todo o saber humano, o supera, o contém. Sucede à lin-
guagem do sentimento, às horas de emoção (Mensagem), a fria
e cortante linguagem da ciência, a hora da profunda absorção
da visão imensa do infinito. Muda o plano de ação. Falo agora
ao outro mundo, científico, filosófico, religioso, intelectual.
Preciso saber tudo, resolver tudo, mas Sua Voz me orienta, e eu
caminho seguro. De Milão, Bragadin escreve-me que conhecia
a médium Valbonesi e que ela havia recebido uma comunica-
ção de seu espírito guia, chamado “O Mestre”, dizendo que eu
devia colaborar por meio de comunicações de ordem científica.
Nossos pensamentos, encontrando-se sob um guia único, apre-
sentavam coincidência que dava o que pensar. Ainda não co-
nhecia a revista nova de Bragadin, que não me conhecia e mui-
to menos sabia da minha maturação, no entanto tudo se harmo-
nizou com coincidências de ambos os lados, que faz crer terem
sido criadas para reunir-se.
Sem dúvida, bem estranha coincidência foi esse encontro e a
série dos fatos, aparentemente casuais, que, no entanto, soube-
ram convergir para a publicação de A Grande Síntese. Para mim,
foi sempre um fato humanamente inexplicável que o diretor da
revista Ali del Pensiero, sempre tão severo e prudente para acei-
tar colaborações, tenha tido para mim, desconhecido, a mais ab-
soluta e imediata confiança e tenha aceitado um trabalho aparen-
temente utopístico, não escrito ainda, mas apenas imaginado, e
tenha empenhado, com tão poucos elementos em mãos, a si
mesmo e sua revista, numa obra que poderia ter naufragado após
poucas páginas. E sua confiança, ainda que ilógica, foi logo total
e completa, mesmo depois de lhe haver revelado eu que não sa-
bia qual o futuro desenvolvimento do trabalho. Sem essa confi-
ança, que tanto me sustentou, não teria tido a coragem de em-
preender e levar a termo uma obra de tão grande monta.
Comecei, em janeiro de 1933, na Ali dei Pensiero, a publi-
cação de A Grande Síntese, tendo em mente apenas o esquema
geral. No início, foi publicado um roteiro muito sumário, mas
6 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
abandonei-me ao fio do novo pensamento. Durante quatro anos
ocorreram regularmente a publicação e a compilação do texto.
Só pude dedicar-me ao trabalho de escrever nos dois meses de
férias de verão, único período em que a escola me deixava livre
e era possível concentrar-me em paz. Utilizei, assim, mais três
verões de férias para completar o trabalho: de 1933, 1934 e
1935. O verão de 1936 dediquei-o a escrever As Noúres.
Com A Grande Síntese verificou-se, quase automaticamen-
te, o mesmo fenômeno de divulgação que ocorrera para as
Mensagens. Concomitantemente com a edição italiana, na re-
vista de Milão, surgia a edição espanhola na revista Constancia,
de Buenos Aires, e as duas edições portuguesas do Rio de Ja-
neiro, no Correio da Manhã, diário de grande circulação, e no
Reformador, mensário da Federação Espírita Brasileira, que,
paralelamente, publicou a primeira edição da obra acima citada.
Outras edições se fizeram também na Europa.
O novo caminho de A Grande Síntese estava traçado, que se
inicia com estas palavras:
“Em outro lugar e de outra forma (v. Grandes Mensagens),
falei especialmente ao coração, usando linguagem simples,
adaptada aos humildes e aos justos, que sabem chorar e crer.
Aqui falo à inteligência, à razão cética, à ciência sem fé, a fim
de vencê-la, superando-a com suas próprias armas. Foi proferi-
da a palavra doce que prende e arrasta para si, porque comove.
Indico-vos agora a mesma meta, mas por outros caminhos, fei-
tos de ousadias e potência de pensamento, pois quem pede isso
não saberia ver de outra forma, por faltar-lhe a fé ou por inca-
pacidade de orientação para compreender”.
Estas palavras unem a Síntese às Mensagens, como continu-
ação de trabalho e de programa. Explicava-me depois, a mim
mesmo, estas orientações, em dois artigos: “Apresentação” e
“Programa”, que apareceram na “Revista Espírita do Brasil”,
do Rio de Janeiro, em maio e dezembro de 1934, e que foram
inseridos no livro Fragmentos de Pensamento e de Paixão. O
plano diretivo continuava, portanto, a desdobrar-se, guiando-me
e preparando os meios. No volume As Noúres, estudamos o fe-
nômeno e os escritos que foram por ele produzidos, olhando-os
de dentro, como os vivi, para que nos revelassem o segredo da
técnica da recepção mediúnica inspirativa. Mas, aqui, queremos
notar e afirmar a contínua correspondência entre todos estes fa-
tos interiores e exteriores, para lembrar que o subconsciente e o
patológico – se alguém quiser recorrer a semelhante explicação
do fenômeno – não podem conter a presciência de um plano ló-
gico, nem podem os fatos exteriores e a vontade alheia concor-
dar em colaborar com eles. Essas concomitâncias, também têm
seu peso científico. Não me dirijo ao público leviano dos nega-
dores fáceis; falo aos cientistas sérios que, por mil fatos objeti-
vos, são induzidos à persuasão de que nos circunda um mundo
imenso que ignoramos e de que nada se pode negar “a priori”.
Há outras concomitâncias menores, mas comprobatórias, e
que me incitaram: médiuns longínquos, desconhecidos, que
apareceram num átimo em meu horizonte, só para dizer-me pa-
lavras de confirmação e depois desaparecerem. Quem os mo-
veu? Tenho que contar tudo, ainda que a simples título de crô-
nica, deixando toda apreciação ao leitor. A médium Marjorie I.
Rowe, em junho de 1932 recebeu uma mensagem dirigida a
mim, de “Imperator” (veja-se nas páginas seguintes: “Mensa-
gens mediúnicas dirigidas a P. Ubaldi”), e a endereçou-me para
Módica. Como me achou? Nela me confirmava todo o trabalho
que tinha de fazer, acrescentando, como prova, revelações de
pormenores íntimos, que só eu sabia e que era absurdo que uma
pessoa desconhecida, em Londres, pudesse imaginá-los. Falava
do lugar acima descrito, em que eu me retirava no campo para
orar, incluía palavras em que eu reconheci meu pai, já falecido,
e me predizia: “(...) a desordem do mundo faz parte daquilo que
escreverás (...). E uma entidade mais alta concluía: Sejas aben-
çoado, meu filho, que ouviste minhas palavras”.
A médium Valbonesi, em várias mensagens, encorajava-me,
aprovando e sustentando-me. Uma mensagem de outubro de
1932, da parte do “Mestre”, dizia entre outras coisas: “Ouves... e
tu que escutas a ordem, vai e dize aos povos que Cristo ressusci-
tou. Serás o apóstolo simples, que opera a caridade em nome de
Cristo (...). Assim diz aquele que envia tua voz ao mundo”. Mé-
diuns de incorporação e médiuns psicógrafos confirmavam-me
sempre o caminho iniciado. A médium Giselda Smiles, de Ro-
ma, foi constrangida a mandar-me uma mensagem assinada:
“The Spirit of Innocence”, em que afirma uma missão minha.
Traduzo o texto inglês: “O Espírito daquele que multiplicou os
pães e os peixes está contigo, dentro de ti, em redor de ti. Estás
agora unificado com Deus, com o bem existente em toda a cria-
ção. Sê fiel à promessa que a Ele fizeste, de seguir Sua inspira-
ção. Não temas, pois que és Pedro, a rocha novamente escolhi-
da, sobre a qual Ele edificará uma nova fundação e Sua ressur-
reição, e nada prevalecerá contra ela. Sua Luz derramará Seu
resplendor em tua mente (...). Em nome do mesmo te abençôo, ó
Pedro, e através de ti Ele abençoa o mundo. (...). The Spirit of
Innocence, in the name of † (O Espírito de Inocêncio, em nome
de †)”. Que significam esses rodeios em torno de mim, com
mensagens encorajando-me, provenientes de um ambiente de
médiuns, entre os quais eu era totalmente desconhecido?
Paralelamente, Bozzano, indiscutível autoridade mundial
nessa matéria, acalmou minhas dúvidas, garantindo-me a ori-
gem transcendental dos escritos e aproximando minha mediu-
nidade da de Miss Cummins, a médium pela qual se manifesta
a famosa e extraordinária personalidade de Patience Worth. O
professor Schaerer, de Bruxelas, escrevia no Bulletin du Con-
seille des Recherches Métapsychiques que eu era “um médium
extraordinariamente dotado para recepção de comunicações de
ordem científico-filosófica”. A comunicação de A Grande Sín-
tese trata de uma concepção monista-naturalista de caráter estri-
tamente científico, cujo valor, indiscutivelmente, “é muito
grande”. No entanto, por outros, A Grande Síntese era definida
como “uma nova e completa revelação”. Em seu volume Espi-
ritismo Moderno – Os Fenômenos, Trespioli fala a meu respei-
to em várias páginas, que eram publicadas em revista especiali-
zada. O mesmo Bozzano me escreveu, em outubro de 1935: “eu
soubera com que admirável constância e a custa de quanto sa-
crifício e dispersão de energias físico-psíquicas, conseguira sua
nobre finalidade. Não se lamente, pois realizou obra meritória,
cujo valor científico, filosófico, metapsíquico aumentará com o
passar do tempo... Mas A Grande Síntese é tão densa de pen-
samento, de ciência e de sabedoria, que não é possível pronun-
ciar a respeito um julgamento sumário, enquanto não for publi-
cada em volume”. Na carta de fevereiro de 1935: “... a onda su-
pernormal inspiradora foi a que lhe ditou a mais extraordinária,
concreta e grandiosa mensagem mediúnica de ordem científica
que se conhece na casuística metapsíquica”.
Não é para engrandecer-me que recorro a estas citações,
mas para dar-me o apoio moral que necessito no meu trabalho,
em que apenas tenho fadiga; para aliviar um pouco a grande
responsabilidade moral que, sem dúvida, assumo; enfim, para
esclarecer melhor, com julgamento de quem é mais sábio do
que eu, este estranho fenômeno de mediunidade, esta vida no
imponderável, em que já agora me movo habitualmente, tão in-
tensa que entontece um homem normal.
Nestes casos, para não se perturbar, é mister tal força ner-
vosa, tal equilíbrio moral e tal objetividade científica, que nem
sempre se encontram no tipo médio. Isso porque, nesse mundo
de realidades materiais, eu tinha que permanecer objetivo. No
entanto iniciei a obra A Grande Síntese num estado de comple-
ta confiança para com o invisível, abandonando-me a um fio
condutor que também se poderia ter rompido; empenhei-me
moralmente a desenvolver um programa imenso, só sabendo
com segurança que dispunha de muito pouco tempo e de pou-
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 7
quíssimas forças. E, coisa única para um escritor ainda não co-
nhecido, quatro editores se empenhavam, de um hemisfério a
outro, na publicação em larga escala, antes que eu escrevesse o
texto, antes que eu mesmo pudesse imaginar exatamente o que
haveria de escrever. Mas esta certeza de divulgação, o empe-
nho que me prendia, a certeza de que cada palavra escrita seria
publicada sem modificações e seria ouvida no mundo, tudo is-
so só podia impelir-me ao esforço intenso, realizado enquanto
um trabalho ingrato para ganhar a vida me sufocava e atordoa-
va meu espírito com barulheira absurda. Minha fé, a fé dos
editores, a fé de quem me compreendera me sustentavam;
sempre é a fé a base da criação de tudo.
Agora, eu amo a Síntese como uma criatura que veio de
Deus, mas que pôde nascer aqui só através de minha dor e de
meu amor, a criatura pela qual daria a vida, para que triunfe.
Escrevi esse livro com meu destino, e ele jamais será cancela-
do, por toda a eternidade; essa é a produção que me valoriza to-
talmente; por sua causa, não vivi em vão; ele é o pensamento e
a paixão em que meu pensamento e minha paixão sobreviverão
à minha morte. Admiro e exalto esse livro, como se pode exal-
tar a obra de outra pessoa, apenas pela alegria de sua beleza, no
entanto há nele muito de mim, porque nele me empenhei todo
inteiro. A verdade é que ele é um penhor de aliança entre mim e
as forças superiores; ele é o sinal que permanecerá da passagem
delas por mim e de nossa união secreta, é o cadinho de fusão de
almas. No silêncio de meu gabinete, ninguém poderia traçar a
gênese da Síntese, nem saber a técnica particular de minha re-
cepção; e eu teria podido facilmente fazer passar o livro como
obra de minha sabedoria. No entanto aqui estou a humilhar-me
diante da fonte de meu pensamento, porque isto é mais verda-
deiro, é maior, é uma potência que supera toda afirmação hu-
mana. E, se deixo louvarem e se louvo a Síntese, é para oferecer
este novo tributo àquela fonte a que tudo devo, após ter-me ofe-
recido a mim mesmo por inteiro.
Só se podia realizar aquele trabalho apoiado no sentido de
missão, na força que vem apenas da pureza de intenções e no-
breza de objetivos, numa paixão pelo bem. As finalidades hu-
manas não têm o poder de manter a tensão necessária ao esfor-
ço para sustentar o espírito naquela atmosfera; as compensa-
ções humanas tornam-se irrisórias, desproporcionadas a um
trabalho em que se empenham todos os recursos da vida e se
navega no infinito. Quando somos tocados por esses aniquila-
mentos sublimes da mão de Deus, não mais se pode caminhar
pelas tortuosas estradas humanas nem mais pensar em si mes-
mo. Logicamente não tenho merecimento por isso. O ser fica
mudado após esses anos de contato com o infinito. Quem tre-
meu sozinho diante dos abismos do mistério em novos estados
de consciência, superou as dimensões de nosso universo e teve
uma visão direta da verdade, não pode novamente descer à vida
normal, mesmo se for constrangido a viver nela e a servir-se de
sua psicologia, sem dar a seus pensamentos, a seus atos e às
coisas um valor diverso. A visão foi vivida e permanecerá eter-
namente em minha retina.
Hoje, tudo isso constitui uma recordação, em que novamen-
te mergulho para vivificar-me. A grande hiperestesia superou
seu clímax. Aquela primeira fase foi vivida, mas ainda conti-
nua. Sobrevive como que um eco daquele trabalho realizado e o
desejo intenso de progredir cada vez mais no caminho iniciado.
Agora, a Síntese pertence ao mundo, a quem a ofereci. Em mim
permanece a expectativa obediente, porque do mistério do ser
continuarão a nascer ordens e auxílios para que a missão seja
desempenhada até o fim.
Neste capítulo, delineamos com sinceridade total a história
interna e externa do fenômeno, no período de sua gênese e em
seus primeiros desenvolvimentos. É a história daqueles primei-
ros anos, escrita na Itália, em ambiente tão diferente do atual
brasileiro, história que no presente volume documentamos.
MENSAGENS PARTICULARES DE PIETRO UBALDI
As duas mensagens particulares mencionadas no capítulo
“História de um caso vivido”, neste volume, dirigidas uma ao
Pontífice e outra a Mussolini, foram escritas de improviso na
noite de 9 de maio de 1932 e a eles remetidas. Esta última foi
entregue na tarde de 5 de outubro de 1932 ao destinatário, que a
leu. Seu conteúdo e estes fatos estão documentados em cartas e
pela imprensa de então. A estas seguiram-se outras. Eis algu-
mas frases mais importantes:
“(...) Trata-se de ajudar a nascer a nova humanidade que
nascerá da conturbação do mundo (...). Evita com todas as tuas
forças qualquer guerra. Não há razão humana que possa justifi-
car hoje uma guerra, que, com os meios modernos de destrui-
ção, poderá ser uma destruição tão grande, que assinalará o fim
da civilização europeia e atrairá a invasão asiática, forçando a
emigração, após tremendos cataclismos, para as Américas (...)”.
Outras continham certas frases proféticas, como estas:
“(...) O momento histórico está maduro para grandes acon-
tecimentos (...). Soou a hora histórica, porque hoje fala a dor. É
grave o momento histórico, porque a dor falará ainda tremen-
damente, como nunca (...). A civilização europeia, que é a civi-
lização cristã, ameaça ruir (...). A presente tranquilidade apa-
rente é a calma que precede as grandes tempestades (...). Hoje o
mundo joga tudo por tudo (...)”.
Estes conceitos confirmam os extraídos de outros trabalhos
e mensagens, reunidos no Capítulo XVIII, “Comentários e pre-
visões”, do volume A Nova Civilização do Terceiro Milênio.
Citamos, enfim, alguns conceitos de A Grande Síntese, para
esclarecer àqueles que quiseram ver aqui espírito partidário,
enquanto, ao contrário, trata-se de princípios gerais da vida,
aplicáveis a todos os tempos: “São as forças biológicas, que
conferem o poder, as mesmas que o tiram logo que termine a
sua função”, Cap. XCIX – “O Chefe”. “(...) As forças biológi-
cas não garantem o homem, mas a função, e o derrubam logo
que ele não mais corresponda a ela (...). Por isso a história sem-
pre chama os seus homens (...); rejeita-os sem lamentações logo
que cesse sua função, ou então logo que caiam no abuso ou na
fraqueza (...). Só quem tenha substância de valores intrínsecos
sabe compreender e constranger as forças que o circundam, ao
invés de ser arrastado por elas (...) Assim Napoleão foi jogado
fora pelo destino como um trapo, logo que esgotou sua função”
(...), Cap. CXVI – “Concepção Biológica do Poder”.
MENSAGENS MEDIÚNICAS DIRIGIDAS
A PIETRO UBALDI
Trechos de mensagens mediúnicas recebidas pela médium
Gisela Smiles (Via Aureliana, 63 – Roma) e transmitidas a Pie-
tro Ubaldi, em Gúbio (tradução do inglês).
“Pedro, a luz do Espírito Santo te ilumina. Assim diz o
Espírito.
“Pedro, o Espírito de Cristo vive em ti, e tu te tornaste com-
pleto porque ele afastará o mal do teu centro e de tua família. O
Espírito daquele que multiplicou os pães e peixes está contigo,
dentro de ti e de tudo em redor de ti, aumentando em ti a subs-
tância e te provendo de todas as tuas necessidades. Estás agora
unificado com Deus, com o bem existente em toda a criação, e
sua vontade para ti é prosperidade e bom êxito. Pedro, tu és rico
porque teu Pai celestial é rico. Não és governado por nenhuma
lei de temor, doença, limitação ou falência. O princípio do bem
te governa, a ti e a tua vida, providenciando tuas necessidades.
Lembra-te que, para os que o amam, todas as coisas cooperam
para o bem. Sê fiel, pois, à promessa que fizeste: seguir suas
inspirações; então, e somente então, a vida será tão clara como
o meio-dia; mesmo se houver escuridão, ela será mais clara que
a manhã. Não tenhas ansiedade por coisa alguma.
8 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
“Porque és Pedro, a rocha de novo escolhida sobre a qual
Cristo construirá Seus novos fundamentos e Sua nova ressur-
reição, e nada prevalecerá contra ela. Sua luz derramará seus
raios em tua mente e está iminente em sinal exterior que te será
dado: verás com os olhos internos. Ele revelará a ti teus verda-
deiros recursos espirituais, e te alegrarás imensamente em sua
generosa bondade. Sê, pois, fiel a Ele e não temas nada.
“Eu, o Espírito Inocência, em nome de †, ao nosso amado
Pedro”.
Mensagem recebida em Roma, em julho de 1932.
“(...) Sê forte e não duvides. Foste guiado nas grandes estra-
das da luz e da justiça. Teu objetivo é olhar em frente, para a res-
plendente meta que sem dúvida atingirás (...). Lembra-te da cer-
teza de que Sua Voz te deu. Vive contente, para que não se perca,
nem te venha a faltar, ainda que seja a menor partícula da sabe-
doria que te envolve de todos os lados. Não temas, mas deixa
resplandecer toda a riqueza da coragem dos santos em teu rosto,
como um sol flamejante. Sê poderoso com a grande energia das
forças que são enviadas para tua renovação, pelo supremo amor
(...). Se foste escolhido, por que temes? E por que caminhas tre-
mendo? Acaso te abandonará ou deixará de proteger-te o Centro
da Luz Maior? (...). Tudo o que te foi dito é, e jamais será pisado
e ridicularizado pelas almas que conhecem a realidade da vida
eterna. Deixa os outros que ainda estão vivos na Terra e não nas-
ceram pelo espírito, rirem em sua ignorância e zombarem de ti. A
noite deles já passou, e está próxima a aurora do nascimento es-
piritual; então compreenderão e verão a luz que agora rejeitam,
porque não são capazes de discerni-la, e ainda não é chegado o
seu tempo. Fica tranquilo e sente a eterna presença daquele que é
nossa vida e nosso sol, a vida e o sol de tudo o que é criado. Em
nome do mesmo, eu te abençôo, Pedro, e, através de ti, ele aben-
çoa o mundo, com o poder de seu amor espiritual.
“Eu, o Espírito Inocência, em nome de †, ao nosso amado
Pedro”.
Mensagem recebida em Roma, em 26 de dezembro de 1932.
◘ ◘ ◘
Trecho de Mensagem mediúnica recebida pela Senhora
Marjorie I. Rowe (35, Lindore Road, London, S.W. II – Ingla-
terra), da entidade “Imperator”, em 12 de junho de 1932, para
Pietro Ubaldi e transmitida a ele de Londres, sem ser solicitada,
e sendo ele desconhecido da médium. Tradução do inglês.
“(...) Há uma grande luta em redor de ti (...). Deves liquidar
dúvidas nas mentes de muitas almas que necessitam de chuva es-
piritual no árido deserto de suas vidas (...). O Cristo aparecerá em
toda a Sua Majestade aos que prepararam suas vestes nupciais
(...). Amigo, o „maelstrom‟ (o vórtice) das condições mundiais
faz parte do assunto sobre que escreverás. Assim fui mandado
para dizer-te. E já registraste muitos pensamentos a esse respeito.
Desejo dar-te ulterior mensagem de amor e aproveito este ensejo
para entrar em contato contigo (...). Minhas palavras são de vida
e são a essência da Graça Divina. Sou a voz que fala das belezas
do universo, do Reino de Deus na face da Terra, ainda que os
homens a considerem uma arena de lutas. Bendito sejas, meu fi-
lho, que ouves minhas palavras. Cristo abençoe a ti e a mim”.
◘ ◘ ◘
Trechos de Mensagens mediúnicas recebidas pela médium
Bice Valbonesi, de Milão, para Pietro Ubaldi, transmitidas pela
entidade “O Mestre”.
“Ouves (...). Obra conscientemente, como homem que sabe
muito; usa a sabedoria. A fonte inspirativa que possuís te diz
tranquilidade. Eis que a voz diz: os mortos estão ressuscitados.
E tu, que ouves a ordem, vai e dize aos povos que Cristo res-
suscitou (...). Serás o apóstolo simples, o que faz a caridade em
nome de Cristo (...). Eis teu trabalho; procura os necessitados e
feridos pelo peso da vida e dá a eles o pão. Assim diz aquele
que manda a „Sua Voz‟ ao mundo”.
Mensagem recebida em 19 de outubro de 1932.
“A prova de fogo supera-a e mantém-na. As centelhas do
Eterno descem agora; apanha-as como se apresentam. Leão! Leão! Não fiques pasmado! És tomado como instrumento não
inconsciente, mas consciente da missão. Confia, porém, Naque-le que opera.
“Abraço-te”.
Mensagem recebida em 7 de abril de 1935.
“O porvir espiritual é o eterno presente que pulsa. Quando os braços eternos envolvem, só uma coisa se deve fazer: aban-
donar-se. Tu, filho do Pai, colocado no enredo do tempo, so-fres necessariamente as contorções da vida humana. E o marte-
lo “tempo” que bate, quebra as energias e quase as quer destru-
ir. Mas sabes que outro martelo poderoso bate continuamente para consolidar a estrutura de tua alma. Não perguntes: o que
farei? Já te disse: abandonas-te em Cristo. Receberás outras ordens. Repetir-se-á a ti o „vai, Francisco, (...). Restaura minha
casa‟ (...). Portanto, restaurarás o que o Eterno disser. Teu re-
fúgio é inabalável, um nicho luminoso espera-te; é a fulgura-ção de Cristo Jesus, o Ressuscitado, Aquele que está com o
Pai, Aquele que está no Pai e é Pai de amor. Podes gritar, pois: tenho uma casa que é um palácio, pois o Eterno aí colocou seu
ouro. Esse ouro chama-se a verdade!”
Mensagem recebida em 13 de outubro de 1935.
◘ ◘ ◘
“E agora digo a ti (Pietro Ubaldi): Amigo, da aspereza saíste
renovado, da fadiga saíste para entrar na obra eterna. O mundo – por necessidade humana – te reterá durante o tempo em que de-
ve ser dada tua contribuição de homem. Tomou-te o Eterno, ba-
tizou-te com Seu fogo, e a chama está acesa; chama de filho tra-balhador. Por vezes, arderás consumindo-te dentro do próprio
calor desse fogo; gritará tua carne pelas queimaduras, enquanto o espírito cantará os louvores do Eterno. Revestirás o pensamen-
to que chega a ti com a palavra que o Eterno colocar em tua mente, e daí a passarás aos homens, que são muito duros de ou-
vir. E assim, viandante amado, continuarás o teu caminho.
“(...) Não ficarás isolado; os poucos, os amados do Pai, vi-rão a ti sempre. Acharás almas compreensivas. Arderás, mas
não consumirás a parte intrínseca. Quando o mundo tiver entra-
do na fase de maior dor, mais do que nunca hás de gritar a to-dos: „néscios, não ouvistes! O aviso foi dado a tempo, lamentar
agora não adianta‟. Haverá um átimo de possibilidade de reco-meço, e tu o dirás, enviando tua palavra para cá e para lá, nos
pontos designados pelo Eterno. Envolve-me em Meu Amor de Amigo; usa de Mim, Eu te estou próximo”.
Pergunta de P. Ubaldi – “És tu a Sua Voz?”.
Resposta – “Eu Sou Aquele que Sou, amigo, e tu o sentes.
Sentir-me-ás, assim, um pouco mais materialmente, porque desço entre os homens que estão em luta. Não podes parar, tu o
sabes e o vês; a hora é intensa. Rever-nos-emos, rever-me-ás, mas não assim; ver-me-ás como luz e, quando me vires, tua al-
ma ficará queimada. Mas isto não é dor – é glória. Permanece
na humildade, na simplicidade, e deixa que o mundo espiritual em convulsão, grite. Tu permanecerás firme, lembra-te...”.
Pergunta de P. Ubaldi – “Quem sou eu?”.
Resposta – “Quem és? Donde vens? Qual é tua passagem mais intensa? Eu disse uma vez: Leão, mas és alguma coisa
mais dentro de ti mesmo. É preciso retroceder no chamado tempo, e então te recordarás de ter-me visto, de ter-me ouvido,
de ter-me amado”.
Pergunta de P. Ubaldi – “Como e quando Te vi?”.
Resposta – “Neste momento não podes orientar-te; tornarás a pensar nisso e te acharás de novo. Por que perturbar-te então,
se as pegadas são claras? Muitas coisas ignora o teu eu quando está fechado em ti mesmo. O que não sabes e não assimilaste,
desfolharás, assimilarás e então te acharás”.
Pergunta de P. Ubaldi: – “Também caí mais em baixo?”.
Resposta – “Por isso te disse: ressuscitaste. Pagaste e estás
pagando. Deves servir ao Eterno e então, servindo ao Eterno,
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 9
tornar-te-ás instrumento de eleição. Todas as vezes que titubea-
res e estiveres para precipitar-te, Eu virei ao teu encontro (...)”.
Pergunta de P. Ubaldi – “Por que fui escolhido?”.
Resposta – “Francisco dizia: „Por que eu? Por que eu? Por
que eu?‟. Repete-o também tu, com a mesma dedicação, e então
verás que o Eterno, para maior confusão dos homens, escolhe
seus instrumentos entre eles. Dá graças ao Eterno”.
Pergunta de P. Ubaldi – “Mas eu não me sinto digno”.
Resposta: – “Por que queres repeti-lo ainda? Sabes que o
Eterno vai e procura a ovelha transviada: os justos já estão sal-
vos. É o pecador que o Eterno procura, é o doente que precisa
de médico, é para ti que vem o Seu amor”.
Pergunta de P. Ubaldi – “Que acontecerá comigo?”.
Resposta: – “Não temas. Não podes vê-lo, ainda que te es-
forçasses. Não ergas um muro diante de ti, mas quando estiveres
para cair e tiveres medo de bater, então o muro cairá. Vês que
não tem limites o campo que deves arar; então trabalha (...)”.
Mensagem recebida em 5 de março de 1937.
“(...) E Pedro, que fará? Há ainda algumas perplexidades a
superar. Vencer! Vencer! Arrancar os tentáculos que refreiam
os passos, para que, quando vier o dia de prova para Pedro, ele
não venha a repetir: Senhor, não Te conheço! O selo está posto.
Ai de quem o romper antes que chegue o anjo!”.
Referindo-se a Pietro Ubaldi: “Não indagar muito sobre ti
mesmo; humilha-te. Renascerás por virtude substancial. Disse
aos maus: sois usados como instrumentos, quando o espasmo
da humanidade tiver chegado à convulsão. Assim te digo: o
nome não tem importância, é a ação que cinzelará sobre ti a fi-
gura, é a ação que fará de ti o servo do Senhor. Reedificar de
acordo com a ordem, erguer as colunas minadas na base. O
cristianismo está a descoberto, entre o céu estrelado e a Terra
ameaçada. Então, soldado de Cristo, não terás espada; terás fo-
go e o vomitarás segundo a Vontade Eterna. Enquanto aguar-
das, purifica-te; deixa falar os que estão a teu lado, mas não ve-
em nem ouvem! Aguarda! Repito-te: a rede está pronta; lançá-
la-ás onde te for indicado; não por alucinação, mas pela reali-
dade (...). Não é hora de repouso; trabalha para o Eterno, e a
mercê descerá do céu. Por isso estás vinculado àqueles que são
também os meus escolhidos. Não poderás voltar atrás, não po-
derás escapar. Para e ouve-me! A Voz continuará”.
Mensagem recebida em 25 de abril de 1937.
◘ ◘ ◘
Julgamentos a respeito de Pietro Ubaldi, tirados do horós-
copo que lhe foi enviado em abril de 1935, sem ser pedido, pelo
Senhor Mário Guzzoni Segato – Via Saluzzo 23, Turim – que
não o conhecia, nem sabia nada sobre ele.
“Pietro Ubaldi, nascido a 18 de agosto de 1886, às 20h e
30min, em Foligno, L. 42o57‟. Tipo zodiacal: Áries, com in-
fluência de Leão. Tipo Planetário: Marte-Lua. Planetas domi-
nantes: Saturno, Urano e Júpiter. Aura: vermelha brilhante.
“(...) O princípio vital da força solar que passa pelo Leão,
torna-o de bom coração e generoso. Profundas emoções e cons-
tantes procura de harmonia (...). Caráter interiormente generoso,
sincero, ardente, perseverante e muito inclinado a aperfeiçoar-
se. Há um grande amor pela justiça (...). Educado, não combati-
vo, mas persistente, será quase irremovível nas próprias opini-
ões. Tende ao ocultismo, inclina-se para o lado místico da vida,
tem os meios para descobrir o encanto do destino dos homens. O
Sol testemunha esplêndidas qualidades mediúnicas, mas estas se
resolvem através de terríveis sofrimentos, com dores e penas
verdadeiramente tantálicas. O nativo pode adjudicar-se uma co-
lossal máquina psíquica, que entra em ação através da dor. Dor
física, que pode dizer-se aparente, se bem que tremenda, mas na
realidade será um bem. Tendência ao isolamento e à solidão,
que trará grandes frutos espirituais. Sente alegria quando pode
dar felicidade a outros. Trabalha muito para desenvolver uma
missão alta. Há muita coisa que está latente e espera uma opor-
tunidade para revelar-se, porque o nativo tem mais merecimen-
tos e qualidades do que ele mesmo sabe. É um pioneiro em
qualquer coisa por que se interesse. É afirmativo, independente,
ativo. Terá fama durante a vida. Dentro de três anos, fatores físi-
cos e psíquicos se harmonizarão e Deus falará nele.
“(...) Seus companheiros são Jesus e João. Ele estará ligado
ao despertar da humanidade. Deve unificar-se com Deus através
da dor. É um espírito doente que, numa vida precedente, deso-
bedeceu ao Eterno, perturbando as leis de amor, de harmonia e
de compaixão, e que deve sofrer para recuperar o equilíbrio per-
dido e servir para regressar à luz que se tinha escurecido”.
O mesmo Senhor Mário Guzzoni Segato colocou em mãos
da Senhora Pia Reggidori uma carta de Ubaldi e teve a seguinte
resposta mediúnica (em transe), ditada ao senhor Segato e diri-
gida a Pietro Ubaldi, por uma entidade não identificada:
“Quem és tu? Vejo-te no deserto, com as mãos voltadas pa-
ra o Sol, cheio de aspiração a Deus, com uma sede insaciável
de amor divino, longe da vida e das coisas. Vestes um hábito
branco e estás desfigurado; tens imensa sede de amor. Amas o
Cristo e o invocas. És profeta da Palestina. Esta sede da tua vi-
da te persegue; aguardas, é um tormento. Mas o Deus que invo-
cas tanto está em ti e te dirá várias vezes: „estou aqui‟ (...). A
matéria te pesa porque a renegaste, mas, ao invés, Deus quer
luz através dela (...). Muitos homens voltarão a ti e tu voltarás
como profeta (...). Cristo e João são teus amigos”.
◘ ◘ ◘
Trechos da mensagem mediúnica (ultrafânica), ditada e ta-
quigrafada em presença de Pietro Ubaldi, recebida pela Senhora
M. Guidi (Via Labicana, 134, Roma), em 14 de julho de 1946,
de uma entidade não identificada:
“Irmão, que chegaste de longe, eis que te digo, em verdade,
que estas palavras não são novas para ti, que vibras sem cessar.
Acreditas, às vezes, que seja teu cérebro que as recolha; elas,
porém, são luz, a minha luz mesma que desce sobre ti e que,
através da palavra e da pena, tu transmites. Muito fizestes, mas
estás apenas no início de tua tarefa; muitas verdades foram por
ti compreendidas, muitas daquelas verdades que transcreveste
são justas e, se os homens te ouvissem totalmente, então tería-
mos o início de uma nova era de fé, que prepararia a nova alma
luminosa, que será verdadeiramente transmitida aos homens de
amanhã (...). Não temas, porque os homens não poderão fazer-
te mais mal do que já te fizeram (...). E digo-te: Pedro, tu tam-
bém és pedra milenária da nova fé que arrastará os homens de
amanhã. Escreve; receberás ainda mais profundamente, com
harmonia infinita. Lembra-te de que os acontecimentos urgem e
tu o predisseste; tu o sentes (...). Deter essa onda de ódio que
envolve a humanidade é a tarefa de teus escritos; não pares,
mas, ainda hoje, lança tuas mensagens (...). Em verdade, não
pares (...). Continua. Continua. Preciso de ti (...). Olha que, den-
tro em pouco, outra tentativa será feita, a fim de parar tua pena.
Não pares, não temas. Estou perto de ti e te darei tal força, que
teu ser físico melhorará. Estás ainda cansado e esgotado”.
◘ ◘ ◘
Mensagem transmitida, sem ser solicitada, a Pietro Ubaldi,
pelo Professor Salvato Carmicelli (Rua Prof. Gabizo 295, Rio
de Janeiro), recebida em 28 de setembro de 1946, de uma enti-
dade não identificada.
“(...) Diga a Pietro Ubaldi que sua missão é de transmitir
ao mundo os prolegomenos da Nova Era. A Grande Síntese é
obra ditada pelo alto. É realmente a voz do todo que fala. Ele
é um instrumento e, como tal, tudo deve fazer pela divulgação
de todas as outras obras. Elas constituem os novos livros da
Nova Era. Vários são os canais (...). Trata-se de erigir o edifí-
cio de um mundo novo. Pense, Pietro Ubaldi, que a Obra foi
toda ditada pelo alto e deve ser divulgada em todo o mundo e
em todas as línguas”.
◘ ◘ ◘
10 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
Trechos de mensagem mediúnica recebida pelo médium
Betti, sob a direção do Senhor Sante Crosara, em Livorno, em
23 de dezembro de 1945, de uma entidade não identificada.
“(...) A coletividade espiritual do sujeito (P. Ubaldi) é consti-
tuída por uma esfera muito elevada, onde os chamados santos
vivem em harmonia. Desta constituição entélica, partiu a perso-
nalidade de Ubaldi (...), que já conseguiu e desempenhou o pró-
prio programa (...). Aquele „quid‟ que constitui a manifestação
terrena de Ubaldi é apenas uma missão espiritual que tomou
forma e personalidade num indivíduo. Este, no entanto, parece
um ser comum e normal, mas já desempenhou determinada mis-
são, pela qual os germens disseminados em sua esfera terão pro-
lificação estupenda e tangível, para glória do Eterno (...). Quan-
do tiver desencarnado, voltará a retomar seu posto e, desta vez,
numa esfera verdadeiramente superior e digna (...). Em pouco
tempo, abandonará vosso ambiente, mas somente depois que ti-
ver desempenhado aqui, completamente, sua tarefa (...). O so-
frimento é o esporão e o principal incentivo de seu fervor ope-
rante (...). Assim a Mente Criadora prodigaliza, através de Ubal-
di, a graça do conhecimento supranormal (...). As sensações que
ele percebe são inerentes ao seu grau de consciência, que não é
mais infantil, mas adulta, e mesmo diria velha, ou seja, carrega-
da de experiência e de maiores percepções e considerações. Ora,
tratando-se de uma consciência velha, é mister que suporte essas
vibrações de perturbação e de desânimo, porque ela está às por-
tas da Luz, no limiar de nova existência, imensamente superior;
está diante de uma porta fechada, além da qual sabemos existir
uma escada luminosa que leva à extrema felicidade, isto é, à Luz
Suprema do conhecimento e da verdade. Essas sensações devem
ser aceitas com serenidade e até com alegria, porque é prenúncio
de uma promessa certa e próxima de bem supremo. Há uma cer-
teza maravilhosa, ofuscante. Aceita-se o fenômeno com sereni-
dade e com a certeza de que constitui uma promessa segura de
uma passagem sublime. Já desempenhou sua tarefa dignamente,
e quando estiver diante do dia do desencarne, sua obra e sua
missão estarão definitivamente realizadas”.
MENSAGEM DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS
Pedro,
O calvário do Mestre não se constituía tão somente de secu-
ra e aspereza...
Do monte pedregoso e triste jorravam fontes de água viva
que dessedentaram a alma dos séculos.
E as flores que desabrochavam no entendimento do ladrão e
na angústia das mulheres de Jerusalém atravessaram o tempo,
transformando-se em frutos abençoados de alegria no celeiro
das nações.
Colhe as rosas do caminho no espinheiro dos testemunhos...
Entesoura as moedas invisíveis do amor no templo do coração!...
Retempera o ânimo varonil, em contato com o rocio divino
da gratidão e da bondade!...
Entretanto, não te detenhas. Caminha!...
É necessário ascender.
Indispensável o roteiro da elevação, com o sacrifico pessoal
por norma de todos os instantes.
Lembra-te, Ele era sozinho! Sozinho anunciou e sozinho
sofreu.
Mas erguido, em plena solidão, no madeiro doloroso por
devotamento à humanidade, converteu-se em eterna ressur-
reição.
Não temos outra diretriz senão a de sempre.
Descer auxiliando, para subir com a exaltação do Senhor.
Dar tudo, para receber com abundância.
Nada pedir para nosso eu exclusivista, a fim de que possa-
mos encontrar o glorioso NÓS da vida imortal.
Ser a concórdia para a separação.
Ser luz para as sombras, fraternidade para a destruição, ter-
nura para o ódio, humildade para o orgulho, bênção para a
maldição.
Ama sempre.
É pela graça do amor que o Mestre persiste conosco, os
mendigos dos milênios, derramando a claridade sublime do
perdão celeste onde criamos o inferno do mal e do sofrimento.
Quando o silêncio se fizer mais pesado ao redor de teus pas-
sos, aguça os ouvidos e escuta!
A voz Dele ressoará de novo na acústica de tua alma, e as
grandes palavras, que os séculos não apagaram, voltarão mais
nítidas ao círculo de tua esperança, para que as tuas feridas se
convertam em rosas e para que o teu cansaço se transubstancie
em triunfo.
O rebanho aflito e atormentado clama por refúgio e segu-
rança.
Que será da antiga Jerusalém humana sem o bordão provi-
dencial do pastor que espreita os movimentos do céu, para a de-
fesa do aprisco?
É necessário que o lume da cruz se reacenda, que o clarão
da verdade fulgure novamente, que os rumos da libertação de-
cisiva sejam traçados.
A inteligência sem amor é o gênio infernal que arrasta os
povos de agora às correntes escuras e terrificantes do abismo.
O cérebro sublimado não encontra socorro no coração em-
brutecido.
A cultura transviada da época em que jornadeamos, relega-
da à aflição, ameaça todos os serviços da Boa Nova, em seus
mais íntimos fundamentos.
Pavorosas ruínas fumegarão, por certo, sobre os palácios
faustosos da humana grandeza, carente de humanidade, e o ven-
to frio da desilusão soprará, de rijo, sobre os castelos mortos da
dominação que, desvairada, se exibe, sem cogitar dos interesses
imperecíveis e supremos do espírito.
É imprescindível a ascensão.
A luz verdadeira procede do mais alto, e só aquele que se
instala no plano superior, ainda mesmo coberto de chagas e roí-
do de vermes, pode, com razão, aclarar a senda redentora que as
gerações enganadas esqueceram.
Refaze as energias exauridas e volta ao lar de nossa comu-
nhão e de nossos pensamentos.
O trabalhador fiel persevera na luta santificante até o fim.
O farol no oceano irado é sempre uma estrela em solidão.
Ilumina a estrada, buscando a lâmpada do Mestre, que ja-
mais nos faltou.
Avança... Avancemos...
Cristo em nós, conosco, por nós e em nosso favor é o cristi-
anismo que precisamos reviver à frente das tempestades, de cu-
jas trevas nascerá o esplendor do Terceiro Milênio.
Certamente, o apostolado é tudo. A tarefa transcende o qua-
dro de nossa compreensão.
Não exijamos esclarecimentos.
Procuremos servir.
Cabe-nos apenas obedecer, até que a glória Dele se entroni-
ze para sempre na alma flagelada do mundo.
Segue, pois, o amargurado caminho da paixão pelo bem di-
vino, confiando-te ao suor incessante pela vitória final.
O Evangelho é o nosso código eterno.
Jesus é o nosso mestre imperecível.
Agora é ainda a noite que se rasga em trovões e sombras,
amedrontando, vergastando, torturando, destruindo...
Todavia, Cristo reina, e, amanhã, contemplaremos o celeste
despertar.
Esta Mensagem foi psicografada por Francisco Cândido
Xavier, dirigida a Pietro Ubaldi em 17 de agosto de 1951, na
residência de Dr. Rômulo Joviano, em Pedro Leopoldo, MG,
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 11
na presença de doze pessoas, ao mesmo tempo em que, sentado
à mesma mesa, Pietro Ubaldi recebia a mensagem de SUA
VOZ. (Nota de C. T.)
MENSAGEM DE “SUA VOZ”
Pedro,
Estás sentindo aqui, nesta noite, minha presença. Aquele
que está diante de ti2 e que, ao mesmo tempo que tu, está escre-
vendo, sente neste instante o meu pensamento, e o que ele es-
creve to confirmará. Ele sente contigo a minha presença.
Pedro, não temas. Estás cansado, eu o sei, como também sei
quanto te esforças por sentir-me neste ambiente tão novo para ti
e distante de onde estás habituado a ouvir-me. Estás exausto pe-
lo muito falar e viajar. Estou contigo, porém, junto a ti e “Eu”
sou a grande força que sempre te tem sustentado. Agora me es-
tás sentindo com a mesma potência com que já me sentiste no
momento da 1a Mensagem de Natal, de 1931. E isso porque,
agora, a uma distância de vinte anos, se repete o início do
mesmo ciclo num plano mais elevado.
Já me ouviste na noite de 4 de agosto, quando, pela primeira
vez, falaste em S. Paulo e se iniciou a tua vida pública de apos-
tolado. Estavas cansado e não tinhas certeza. Mas, hoje, és por
mim impulsionado e já não podes deter-te. Já te disse, antes de
tua partida, que aonde não pudessem chegar teu conhecimento
e tuas forças, chegaria eu, e encontrarias tudo preparado. E vis-
te que tudo quanto te havia predito realmente aconteceu.
Tremes, eu o sei, diante de um plano cuja vastidão te sur-
preende. Quarenta anos de humilhações e de dores foram ne-
cessários ao teu preparo para esta missão e deixaram em tua na-
tureza humana uma sensação de desânimo e uma convicção
profunda de tua nulidade. Hoje, porém, é chegada a hora, e eu
te digo: Ergue-te! Há vinte anos eu te disse: “No silêncio da
noite sagrada, ergue-te e fala”. E agora te digo, no silêncio da
noite tranquila de Pedro Leopoldo: “Ergue-te e trabalha”. Eis
que se inicia uma nova fase da tua missão na Terra e, precisa-
mente, no Brasil. É verdadeiro tudo quanto te foi dito, eu to
confirmo, e assim sucederá.
O Brasil é verdadeiramente a terra escolhida para berço des-
ta nova e grande ideia que redimirá o mundo. Agora tua missão
é acompanhá-la com tua presença e desenvolvê-la com ação, de
forma concreta. Todos os recursos te serão proporcionados.
Ama com confiança estes novos amigos que eu te mando.
Tudo já está determinado e não pode interromper-se. As forças
do mal vos espreitam e desejariam aniquilar-vos. Sabes, porém,
que as do bem são mais poderosas e têm de vencer. Confia-te,
pois, a quem te guia e não temas. Confirmo tudo o que tens es-
crito, não o duvides.
Dentro de poucas horas se completarão 65 anos de teu nas-
cimento. O tempo assimila com o seu ritmo o desenvolvimento
dos destinos.
Pede-te a Lei, agora, esta outra fase de trabalho, diferente e
nova para ti, tão distante da precedente, que te surpreende. Acei-
ta-a, como antes, no espírito de obediência, aceitaste a outra. Não
tem sido tua vida uma contínua aceitação? Não tem sido comple-
ta tua adesão à vontade de Deus? Não recordas nosso grande co-
lóquio de Módica, na Sicília, há vinte anos? Tua própria razão
não pode deixar de reconhecer a lógica fatal de tudo isso. Segue
pois confiante o caminho assinalado. Não te admires se tudo em
torno de ti se contraverte, se a dor se transforma em alegria, se te
arranco do silêncio de Gubbio para lançar-te no mundo.
Não representa isso a realização daquilo para que nasceste e
por que tens vivido e sofrido?
Eu sei: a glória, os louvores do mundo, a notoriedade te
repugnam. Compreendo que isso te é uma nova dor. Aceita-a,
2 Referência a Francisco C. Xavier.
pois sabes que também isso é necessário, a fim de que se
cumpra tua missão. E isso bastará para transformar esta tua
nova dor em alegria.
Teu corpo cansado desejaria repousar. Quão grande o cami-
nho já percorrido e quão grande a distância ainda a percorrer! A
vida, porém, é uma caminhada contínua. Tens sobre os ombros
não só tua vida, mas também a de muitos outros, que amas e de
cuja salvação quiseste assumir a responsabilidade. Aceita, pois,
tudo por amor de mim. Aceita-o, ainda que os três votos de re-
núncia e de dor agora se transformem, tomando posições opos-
tas, isto é, não mais de renúncia, porém de afirmação.
Pedro, confio-te esta nova terra, o Brasil, a terra que deves
cultivar. Trabalho imenso, mas terás imensos auxílios.
Estou contigo e as forças do mal não prevalecerão.
Agora, uma palavra também para os teus amigos, uma pala-
vra de gratidão e agradecimento, uma palavra de bênção por
sua cooperação, com que eles, ajudando-te, tornam possível a
realização de tua missão. Falo neste momento ao coração de
cada um deles, sem que lho digas por escrito.
Una-vos a todos minha bênção, no mesmo amor, para vossa
salvação e a salvação do mundo.
Esta Mensagem foi recebida por Pietro Ubaldi, a ele mes-
mo dirigida, em 17 de agosto de 1951, na residência de Dr.
Rômulo Joviano, em Pedro Leopoldo, na presença de doze pes-
soas, ao mesmo tempo em que, sentado à mesma mesa, o mé-
dium Francisco Cândido Xavier psicografava a mensagem de
São Francisco de Assis. (Nota de C. T.)
SOBRE DEUS E UNIVERSO DE PIETRO UBALDI
Introdução
É meu primeiro impulso. Sinto-me devedor a DEUS, antes
de tudo, do inestimável prêmio de ser contemporâneo de Pietro
Ubaldi e, mais ainda, de haver sido o primeiro brasileiro, tal-
vez, a conhecê-lo pessoalmente em Gubbio, onde fui para lhe
apertar a mão e lhe ouvir a palavra.
Alguns espíritas compreenderão de pronto o motivo desta
ufania mística.
Para os homens amadurecidos de nossa geração, Pietro
Ubaldi não é só um homem que toda a gente pode conhecer. É
também o gênio que teve a missão de sintetizar a filosofia re-
ligiosa do porvir, cujos primeiros fundamentos foram lança-
dos de 1857 a 1869 em Paris, por outro gênio missionário, Al-
lan Kardec. O gênio só alguns espíritas podem conhecer, pois
isso não depende de vontade, mas de amadurecimento. Não
basta, de fato, ser chamado à crença espírita para conhecer o
nosso missionário, mas ser escolhido. Sei de muitos que tei-
mam em ignorar o valor da obra de Pietro Ubaldi e o refutam.
Esses, naturalmente, ignorando o assunto, não compreenderão
o motivo de minha ufania. Nem lerão estas linhas, aguardando
o seu ensejo. É para estes que escrevo, dizendo-lhes quem é o
autor e a obra ainda marginada.
O autor
Principiou a ser conhecido de nome nos meios literários íta-
lo-brasileiros em 1914, quando editou A Expansão colonial e
Comercial da Itália para o Brasil, desenvolvimento da tese de
doutor em Direito que ele defendeu com distinção em 1910 na
Universidade de Roma.
No mundo filosófico apareceu em 1928, com L'Evoluzione
Spirituale, ensaio publicado em série na revista romana Ultra.
Conquanto os espíritas experimentados já pudessem aí perce-
ber o “médium” e a sua “crença espirítica” – pois o articulista
afirmava ser “tangido a escrever em virtude dum impulso inte-
12 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
rior misterioso e indefinível”, e sentir ao escrever que “as idei-
as lhe acudiam como a revelação duma recôndita entidade”
existente dentro “dele”, como revelação dum “arcano íntimo”,
conservado na memória subconsciente ou anterior à vida atual
– a explicação do seu fenômeno e da sua crença podia encon-
trar-se, conforme o próprio autor do ensaio, dentro da filosofia
clássica, da psicologia comum ou, se mais, do misticismo reli-
gioso. Sua vocação missionária de médium revelador só se
tornou positiva três anos depois. Antes e primeiramente, ele
teve de fazer duas renúncias. Renunciou aos bens da fortuna,
que passavam de uma centena de milhões de liras, bem conso-
lidados, abrindo mão de seus direitos de coerdeiro, entregando
seu quinhão de herança à família, a fim de ficar, ele só, fran-
ciscanamente pobre e cristãmente livre para seguir a Jesus.
Renuncia ao múnus de advogado, que seu título de doutor em
Direito lhe assegurava em qualquer foro italiano, a fim de me-
lhor servir ao Mestre, sem outros clientes. E, assim, pobre, so-
zinho, sem profissão privilegiada, confiando em sua intuição,
partiu certa manhã como um apóstolo, levando apenas a túnica
e a sandália. Partiu no mesmo dia em que deliberou a dúplice
renúncia. Subiu para o seu misterioso destino, em que só ele na
Terra acreditava. E o mundo o julgou a seu modo, segundo a
aparência. E, como simples peregrino penitente, ganhou ao en-
tardecer a estrada de Colle Umberto, destinada a entrar para a
história do espiritismo com o mesmo signo de luz da Estrada
de Damasco na história do cristianismo.
Pela madrugada, exausto de forças físicas, sentou-se numa
pedra do caminho. E orou. Estava só, dentro da noite estrelada
e do silêncio ambiental, e sem rumo. Abrindo depois os olhos
úmidos, para contemplar o céu imensamente distante, viu des-
cerem duas estrelas que, ao pousar no chão, tomaram a forma
humana, transcendente e luminosa. As duas entidades celestes
caminharam em direção a ele. Não tardou a reconhecê-las,
graças à memória espiritual. Foi a sua primeira visão na série
missionária. Convidado, caminhou entre elas, tendo à direita
Jesus e à esquerda Francisco de Assis. E, caminhando, ouviu
bem nítida e inconfundível a voz do Cristo, que, daí por dian-
te, em seus escritos, passou a designar “Voz Dele” ou “Sua
Voz”. Ficou desde então garantido quanto ao alimento do es-
pírito. Para ganhar o pão diário do corpo “em trabalho materi-
al”, obteve em concurso a cátedra de inglês, em ensino secun-
dário. E foi designado para o Liceu de Módica, no sul da Sicí-
lia. Ali, sozinho, completamente desconhecido por fora e sem
se dar a conhecer interiormente a ninguém, era para todos
uma figura apagada, um simples mestre-escola ginasial. Um
modesto “Chico Xavier” italiano.
E ali esperou ordens do Mestre, para iniciar a missão esbo-
çada na estrada de Colle Umberto. Nas horas vagas, afastava-se
do centro para um horto distante, onde se quedava, pensando em
Jesus e nos grandes problemas teológicos ainda a resolver. Um
dia, quando ali orava a Ave Maria, o Mestre lhe apareceu e lhe
falou. Conversaram. Selaram uma aliança. Trabalhariam em so-
lidariedade, um no Céu, outro na Terra, visando ao preparo da
humanidade “espiritualizada” e destinada a ingressar no Tercei-
ro Milênio Cristão. Na noite de Natal de 1931, Ubaldi recolheu-
se a seu quartinho de pensão familiar; no qual havia apenas uma
cama, uma cadeira e uma pequena mesa. O frio era forte, e a ce-
la não tinha lareira. Pensou em deitar-se para desprender-se.
Mas veio-lhe o impulso irresistível para escrever. Sentou-se à
mesinha e orou. E suas ideias se foram dissipando como trevas
espantadas suavemente por uma luz que se aproxima. De repen-
te, ouviu aquela voz inconfundível, a “Voz Dele”.
“No silêncio da Noite Sacrossanta,
Escuta-me! Relaxa tudo o mais,
O saber, as lembranças, a ti próprio.
Esquece tudo! Entrega-te vazio,
Sem nada, inerte, à voz que é minha,
No mais completo silêncio do tempo e do espaço.
E assim, vazio, escuta a minha voz,
Ela te fala: “Surge! E diz: sou eu”.
Foi assim que principiou o seu mandato. “Surge”. E ele sur-
giu de fato nessa obra. Esta primeira e outras Mensagens Espi-
rituais lançaram Pietro Ubaldi à missão reveladora. E isso se
deu – como estava previsto na história oculta e ainda inédita do
espiritismo kardecista – ao fim da terceira geração espírita. Pu-
blicada em março de 1932, na revista Alfa de Roma, essa en-
cantadora comunicação, cujas primeiras linhas traduzimos aci-
ma, assegurou desde logo a Pietro Ubaldi lugar de destaque na
vanguarda do movimento espírita mundial. Analisada especi-
almente pelos dois mais abalizados e doutos espiritualistas da
Itália – Bozzano e Trespioli – foi considerada, pelo conteúdo e
pela forma, de pura origem espirítica e de elevada procedência
espiritual, acima da fonte comum. Daí por diante, a fama do
médium foi de “crescendo em crescendo”. A segunda mensa-
gem, na Páscoa de 1932, e sobretudo a terceira, no dia do “Per-
dão da Porciúncula” (2 de agosto de 1932), ressoaram de ma-
neira inusitada. Jornais e revistas profanos e folhas espíritas e
espiritualistas de vários pontos da Europa transcreveram essas
comunicações superiores, atribuindo-as sem a menor reserva à
inspiração de Jesus. A própria Igreja Católica, por seus mais al-
tos dignitários italianos, as aprovou. No Brasil – onde se dará a
eclosão da Reforma – tiveram ampla e profunda repercussão.
Essas três Mensagens, depois de transcritas no Correio da Ma-
nhã, em A Pátria, noutros diários estaduais e em quase todas as
folhas espíritas do país, apareceram em livro em 1934, editado
pela Federação Espírita Brasileira e espalhado gratuitamente.
Na Itália, a exemplo do Brasil, também se enfeixaram num fo-
lheto em 1935. Mas, a par das Mensagens, que falavam ao co-
ração, começou Pietro Ubaldi, em janeiro de 1932 (início da
quarta geração espírita), a receber e a publicar em série, na re-
vista milanesa Ali del Pensiero (Asas do Pensamento), a obra
monumental e inigualável intitulada A Grande Síntese, com a
qual ingressou brilhantemente no rol dos grandes filósofos da
atualidade e dilatou as bases científicas do espiritismo. A pri-
meira edição italiana, em 1937, esgotou-se rapidamente e cons-
titui hoje preciosidade de colecionadores. Vieram em seguida
outros livros, outras mensagens, outros escritos, tudo visando à
exegese e à complementação dos diversos tratados existentes
em gênero ou em germe em A Grande Síntese. E agora foi im-
presso no Brasil, em primeira mão, a obra marginada, Deus e
Universo, décimo livro da série, que acabo de ler em original,
por finíssima gentileza e alta deferência do autor.
O que veio a lume com o título Deus e Universo, é uma
grande “síntese teológica”, cuidando das causas primeiras e fi-
nais. A meu ver, constituirá o “elo central” que ligará A Gran-
de Síntese ao livro prometido, ainda não escrito e intitulado
Cristo. Esses três livros monumentais – A Grande Síntese,
Deus e Universo e Cristo – serão, penso eu, os vértices do tri-
ângulo religioso da III Revelação, que será simultaneamente
científica, teológica e cristã.
De tal livro, minha estultícia não me leva sequer ao ponto
de tentá-la.
A Crítica
Deus e Universo é obra acima de minha capacidade de
compreensão. Cada homem tem seu limite de entendimento. E
o meu limite é demasiado estreito para apreender em espírito e
verdade as lições profundas desse trabalho transcendental. Li-o
com emoção crescente. Li-o mais com o coração que com os
olhos. Reli-o mesmo em parte; continuarei a lê-lo na tradução.
Mas (ai de mim) como o transeunte pobre que para extasiado
diante duma vitrina de joalheiro, não sabendo sequer avaliar o
preço das preciosidades, namora-as por fascinação; cobiça-as
por ambição; pode até pensar em furtá-las. E afasta-se pesaroso,
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 13
com a mente cheia de fantasias, ciente de que não tem a moeda
necessária para a aquisição. Sinto, porém, que todas as lições
são da mais pura qualidade.
E sei, por intuição e pela história oculta, que vieram uma a
uma, diretamente do Céu, trazidas ao mundo pela própria “Voz
Dele”, destinadas a enfeitar um dia o templo espiritual que o
Cristo erguerá no Terceiro Milênio. Templo onde “Sua Voz”
será ouvida por muitos, e não, como hoje, apenas escutada por
Pietro Ubaldi. E, ao ouvi-la, muitos crentes ficarão em dúvida
se escutarão a voz do “Eu sou” – ego central do universo, ou o
“Sou Eu” – ego do Cristo. Pois um e outro serão talvez a mes-
ma pessoa para a humanidade espiritualista e remida do porvir.
(a) Canuto De Abreu
A VERDADEIRA E INTEGRAL
REALIDADE DE PIETRO UBALDI
POSTA EM EVIDÉNCIA COM O MÉTODO
PARAPSICOLÓGICO – PSICODIAGNÓSTICO “BLASI”
Dr. Gaetano Blasi, médico cirurgião e parapsicólogo. Ex-
sócio fundador da S. I. M. (Sociedade Italiana de Metapsíquica)
e Diretor do Centro Experimental de Roma. Sócio correspon-
dente da Associação Médica Metapsíquica Argentina. “Láurea
d'onore”, em medicina cirúrgica, Universidade de Roma, 1915.
Professor do Curso Internacional de Parapsicologia da Funda-
ção Científica Romana Humiastowska. Professor do Curso Bi-
enal de Parapsicologia da Universidade Popular Romana.
Preâmbulo
Dados sobre o Método Comparado “Blasi” de Psicodiagnose
Paranormal.
O problema gnoseológico e psicológico do descobrimento
objetivo da personalidade humana integral (consciente, social e
o eu subconsciente profundo) não se resolve com os métodos da
psicologia normal (testes e similares), nem com os psicoanalíti-
cos, já que ambos se limitam aos extratos superficiais do eu, ou
são condicionados pela boa vontade do sujeito e pela interpreta-
ção subjetiva dos dados por parte deste ou daquele investigador.
Para obviar tais inconvenientes, idealizamos e experimen-
tamos em muitos casos e durante vários anos um novo método
parapsicológico, que nos permite o estudo objetivo da persona-
lidade humana e não requer o concurso direto do sujeito, a ela-
boração subjetiva dos dados e, portanto, não está sujeito à inse-
gurança aleatória dos mesmos. Os dados que nos proporciona o
nosso método são positivos, objetivos e controláveis. O pro-
blema gnoseológico assinalado permanece dentro daquele co-
nhecimento intuitivo paranormal ou metapsíquico mais geral,
que postula a existência potencial na psique humana subconsci-
ente de novas funções de E. S. P. (percepção extrasensorial) pe-
la qual todo o real (psicológico e físico) pode ser conhecido in-
tuitivamente. O nosso método dá ótimos resultados, seja nos
casos normais de personalidades ordinárias, seja naqueles mui-
to mais difíceis, paranormais, de personalidades complexas ou
múltiplas histéricas-sensitivas-médiuns.
O método pode definir-se: “Psicodiagnose Paranormal” do
tipo metodológico-qualitativo-comparativo-múltiplo de E. S. P,
em contraposição ao quantitativo Rhüne. Este se vale precisa-
mente daquelas funções de E. S. P. (intuitiva – metagnômica –
telepática – criptestésica – pragmática – psicométrica) que hoje
muitos indivíduos sensitivos ou médiuns apresentam de modo
mais ou menos destacado e especializado, utilizáveis facilmente
por um perito parapsicólogo, quando tenham sido dirigidas e
oportunamente fundadas ou especializadas na descrição da per-
sonalidade, seja isto diretamente, colocando o sujeito na sua
presença, seja indiretamente, através de um objeto “testemu-
nho” que haja pertencido à pessoa – método psicométrico ou de
“leitura” dos objetos (criptestesia pragmática). E isto se realiza
de vários modos: com objetos pessoais, com fotografias e com
textos manuscritos. Vários indivíduos, incluindo quiromantes,
radioestesistas ou grafólogos, são verdadeiros sensitivos, capa-
zes de descrever as personalidades alheias integralmente, ainda
que as modalidades técnicas com as quais se explicam as suas
faculdades divinatórias sejam diversíssimas. Citemos o caso do
grande e bem conhecido grafólogo Padre A. M. Moretti, do
qual nos servimos com resultados brilhantes em muitos casos.
Naturalmente, é necessário proceder com muita cautela e
experiência, para evitar fáceis erros, fugas sensoriais, param-
nésia, truques etc., bem conhecidos de quem experimenta no
terreno parapsicológico. Consultando mais indivíduos sensiti-
vos, observo uma determinada pessoa. Ao registrar as diversas
respostas com o magnetofone ou estenograficamente, obtém-se
um quadro poliédrico dessa pessoa no seu ambiente habitual e
nos seus aspectos mais diversos (cada indivíduo revela de pre-
ferência um aspecto ou vários lados da personalidade consci-
ente e subconsciente). Portanto, comparando os vários dados
obtidos e confrontando-os entre si e com a realidade, podemos
estabelecer um juízo positivo do valor objetivo deles e possuir
um quadro completo da personalidade sob exame, integral tan-
to do aspecto consciente e subconsciente como das caracterís-
ticas da eventual qualidade de mediunidade que ela possui.
A ninguém pode escapar a importância que assume tal mé-
todo, seja do ponto de vista científico, teórico, pragmático ou
empírico. Informamos acerca de algumas das experiências re-
alizadas diretamente por nós em Roma, no centro experimen-
tal da S. I. M. (Sociedade Italiana de Metapsíquica), com a as-
sistência e colaboração de distintas e qualificadas personali-
dades: Profs. Pende, Ponzo, Mendicini, Cantelli, do Ateneo
Romano; Leleza da Universidade Polaca; Canavesio da Uni-
versidade da Argentina; P. Alighiero Tendi S. J., Vice presi-
dente da Universidade Gregoriana.
A Personalidade Integral Do Professor Pietro Ubaldi.
Nota: Peço licença ao ilustre amigo por me ver obrigado a
referir o seu caso detalhadamente, porque comprova, fora de
toda a possibilidade de dúvida, a eficácia do meu método, dado
a prova testemunhal que nos proporciona.
A experiência iniciou-se há vários anos, isto é, 1948, em
forma inopinada. Não conhecia pessoalmente Ubaldi. Ignora-
va tudo acerca dele ou da sua vida privada. Por meio de pes-
soas conhecidas em comum, entrei em relações epistolares
com ele, oportunidade em que me solicitou que lhe desse, a tí-
tulo de prova, os resultados de um exame metagnômico de
seus escritos e de uma fotografia sua da juventude (os dados
que forneço são essenciais – por razões de brevidade omito os
de menor importância).
a) Minha resposta grafológica a um escrito autógrafo de
Ubaldi, quando ainda não o conhecia pessoalmente:
“Profundidade de intelecto que penetra minuciosamente nos
problemas, quase cinzelando o pensamento, que se destaca pela
pulcritude e comunicabilidade, com equilíbrio, equanimidade e
objetividade nos juízos sobre os demais. Tendência à especula-
ção com poder inventivo e construção lógica; muita memória,
não apenas conceptual, mas também verbal, o que o torna apto
aos estudos de idiomas (ignorava que ensinava o inglês, sabia
apenas que era um literato).
“Muita sensibilidade e delicadeza de sentimento, com ten-
dência à sensualidade, corrigida e sublimada com a tenacidade
de uma vontade superior. Pode haver mudanças e ceder até a
um certo ponto a sugestões alheias mais fortes. Preponderân-
cia dos fatores psíquicos do inconsciente, com introversão de
tipo místico”.
Com relação à fotografia da juventude, a minha resposta foi
a seguinte:
14 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
“Personalidade dupla, olhar penetrante. Forte vitalidade,
através das oposições! Mas quanta tristeza! Nota dolorosa.
Fronte alta, espaçosa, que fala por si mesma; há nela uma luz;
contraste com a firme acentuação labio-mental, índice de forte
vontade e energia vital também em sentido físico”.
b) Resposta da sensitiva (curandeira) M. Lombardi, tendo
presente Ubaldi, mas sendo-lhe este absolutamente desconheci-
do. Encontrava-se por casualidade de passagem e tinha vindo
pela primeira vez à minha casa.
“É uma pessoa que lutou e sofreu muito por injustiças pade-
cidas; aos 9 anos salvou-se por milagre de morrer afogado em
água não corrente, num lago ou no mar; tiraram-no pelas per-
nas; vejo sua mãe que lhe queria muitíssimo. Em 1941 grande
susto, e luta por acusações injustas. Em 1942, fora de sua casa,
teve uma desgraça que o fez sofrer muito. Todos os anos tra-
zem vicissitudes e desgraças que sobreleva; sofrimentos com
um pouco de luz. Também agora está em luta espiritual; não
sabe o que fazer; muitos projetos para realizar. Por agora silen-
cia, depois virá a luz. Há uma entidade do além que o ajuda.
“É são e viverá muito tempo. Conduziu-se sempre bem, mas
foi mal recompensado. Encontra-se no caminho justo, mas terá
que lutar muito. Encontra-se entre a bigorna e o martelo, que
golpeia sobre a bigorna abrasadora. Tem uma força de espírito
excepcional, com uma luz que desce do alto e o guia. Luz den-
tro da cabeça que sairá como uma auréola; mas não de santo.
Esforça-se por despojar-se da materialidade e elevar-se espiri-
tualmente sempre mais. Vejo-o subir por uma escada que chega
ao Céu, conduzido por um anjo. No alto espera-o Jesus com os
braços abertos, que lhe diz: “Vem, cumpriste bem a tua mis-
são”. Como os eleitos, traz a imagem de Cristo no peito. A for-
ça espiritual o sustém, mas teve que se adaptar a penitências”.
c) Resposta psicométrica do sensitivo C. Menozzi, sobre um
manuscrito de Ubaldi:
“A letra é corrente, e isto me diz pouco. Escrita de noite,
numa grande mesa, com lâmpada portátil que dá pouca luz, pelo
que distingo pouco o ambiente, uma grande sala com móveis cor
de mogno. Enquanto escreve, respira fatigosamente. Chamam-
no, levanta-se e sai. Escreve com facilidade, pessoa culta. En-
quanto escreve, tem um gesto habitual característico: volta a ca-
beça de lado, para o lado direito e para cima, como para ver algo
que não distingue e que chama a sua atenção (Imagem de Cristo
que crê o acompanha como seu guia). Vejo a figura de um mor-
to, de cuja morte se entristeceu pouco por crer que passou a me-
lhor vida. Vejo um lago, não sei a que se refere. A sua mãe está
aqui, não é alta, tem ainda muito cabelo, muito ligada ao filho”.
d) Segunda Resposta de Menozzi, sobre um escrito de
Ubaldi, mas desta vez compilado em estado inspirativo:
“Grande transformação na personalidade do escritor, o que
o faz parecer outra pessoa. É uma mudança que não foi devida
à diferença do tempo, mas ao modo de encarar a vida. A do
primeiro escrito é mais dura, menos elevada do que esta, que
trata, dentro dos limites do possível, de fazer o bem. A primei-
ra apresenta-o como mais nervoso, devido às preocupações,
fastios e quebra-cabeças que o fazem descontente. De caráter
fechado, não ri mais; sempre desgostoso, encontra-se desloca-
do; perdeu a fé em si mesmo, está à espera de um aconteci-
mento, de uma mudança.
“Agora encontra-se no seu estado de ânimo atual. Tornou-se
muito mais sensível do que antes, até ao paradoxismo, quase
mórbido, e sofre tremendamente; mas não é um neuropático;
todo espiritualidade, cada vez mais complexa. Só por momen-
tos é assim tão sensível. Então tem duas personalidades: a ver-
dadeira, íntima, é como uma personalidade de sonho, da qual é
muito zeloso e que não quer de maneira alguma dar a conhecer.
Uma pessoa que já não é jovem, mas de características juvenis.
Creio que esta seja a sua verdadeira personalidade: requintada-
mente boa, altruísta, generosa, espírito apaixonado realmente,
enquanto a outra personalidade, a social, a que ele mostra, é
fria, e ele sofre porque não pode conduzir-se e viver conforme a
sua personalidade verdadeira, mais bela, que – fato estranho –
tem megalomania, mas apenas com finalidade benéfica; queria
ser grande somente para fazer muito bem à humanidade. Tem
muito discernimento. Agora parece ter-se tornado mais inteli-
gente e refinado espiritualmente”.
O presente ensaio foi publicado pela Revista Le Vie Dello
Spírito, (ano IV No
1, 2, 3, 1947, Roma), com o título: “O co-
nhecimento metapsíquico e o método comparado de psicodiag-
nose da personalidade”, onde se referem mais detalhadamente
às particularidades relacionadas com a luta espiritual de Ubaldi
e com as autoridades eclesiásticas, individualizadas com exati-
dão pela Senhora Lombardi.
Análise Comparada Das Várias Respostas Parapsicológicas.
As várias respostas parapsicológicas – as minhas, as de
Lombardi e de Menozzi – concordam nos dados em muitos
pontos, o que, mesmo prescindindo das declarações do próprio
Ubaldi de que resultam verdadeiras quase em 100%, comprova
que elas não são somente o resultado de uma indução conscien-
te do plano racional, mas também um conhecimento paranor-
mal, intuitivo, diapsíquico e, caso se queira, telepático, metag-
nômico, por parte dos sujeitos sensitivos, pelos quais o “livro
da vida”, a constelação pessoal e a personalidade integral de
Ubaldi são revelados na sua realidade vivida, independente-
mente das limitações cronotópicas espaço-temporais do conhe-
cimento normal racional. A afirmação de que não se pode reba-
ter não é válida, muito embora as condições em que se desen-
volveram as experiências com os diversos sensitivos (ignoran-
tes por completo de qualquer dado sobre a personalidade de
Ubaldi e independentes uns aos outros) não se possa contestar,
porque tem sua validez paranormal indiscutível. Outra é a ques-
tão da fonte da qual os sujeitos extraíram as suas informações
paranormais, que entra no caso geral ontológico do conheci-
mento metapsíquico. Perguntamos: trata-se de uma fonte trans-
cendente da entidade sobre-humana ou de uma visão “in specu-
lum Dei”, segundo a explicação espírita ou teológica (de místi-
cos-profetas)? Ou vem do plano natural do “psiquismo coleti-
vo”? Ou como é nossa tendência, da comunicação interpsíquica
humana, conforme a qual a “Mônada Leibniziana” não é mais
incomunicável, mas tem no plano do inconsciente as suas boas
janelas do subconsciente? Os fatos tornam mais atendível a ex-
plicação da “comunhão dos vivos”, destacada no campo religi-
oso pelo conceito do “corpo místico de Jesus”. Esta vai integra-
da com a doutrina do subconsciente e com a da “Imago”3 psi-
canalítica de Jung, completada por mim com a “memória cós-
mica”, gonzos, da ordem cósmica e do mecanismo do universo.
É um dado positivo e comprovado experimentalmente que
todo acontecimento, em cada fato físico ou psíquico, em deter-
minado ambiente, através de um ato ou um gesto, num estado
de consciência, pensamento ou imagem, não se anula; pelo con-
trário, deixa uma marca perene no tempo, suscetível de ser cap-
tada ou reevocada, vivida ou vista e percebida paranormalmen-
te pelo sujeito humano sensível.
Nos estados hipnóticos, no sono normal, no transe e nos
êxtases místicos, o psiquismo humano subconsciente entra, por
uma parte, em relação com o psiquismo subconsciente dos ou-
tros indivíduos da coletividade humana e, por outra, em certos
casos de indivíduos particularmente dotados, que chamamos
3 O termo “Imago”, que se refere ao conceito psicanalítico introduzido
por Jung, daquela representação ou complexo psíquico “dominante im-
presso no inconsciente”, altamente dinâmico e auto-sugestivo que, com
meios paranormais, trata a todo o custo de realizar-se e se realiza em
muitos casos forjando o nosso destino, que de certo modo vem “pré-
estabelecido por tal determinismo interior” (Allendy). A imago de Ubal-
di é a Missão Crística”. (N. do A.)
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 15
sensitivos ou médiuns, com o plano transcendente no campo
psíquico interindividual e memória cósmica. Daí toda a reali-
dade fenomênica, presente, passada e, em alguns casos, futura
(para esta há outra explicação exposta por nós noutro lugar) es-
tá impressa, e o sensitivo é capaz de revelá-la, assim como pa-
ra a memória mecânica ou cibernética ocorre com a fita mag-
nética dos magnetofone ou na máquina eletrônica. As vibra-
ções etéreas luminosas, radiantes, viajam no espaço intereste-
lar milhões de anos-luz, praticamente um tempo infinito, e são
suscetíveis de serem reveladas por um detector adequado; cha-
pas fotográficas, radiotelescópios etc., com os quais nós, os
terrestres, alcançamos a imagem viva e real de uma estrela
longínqua dos confins do universo quando esta talvez não exis-
ta mais. Assim pode ocorrer com o sensitivo que se colocou,
com o seu psiquismo inconsciente, em relação ao plano psíqui-
co cósmico, com as vibrações registradas nele pela personali-
dade vivente (longínqua ou morta) – psicofísicas – e deixadas
em tal plano da memória cósmica; é como se estivera ainda vi-
va e, por conseguinte, susceptível de uma quase contingente
ressurreição integrada pelos elementos psicológicos do sensiti-
vo que a captou, personalizando-a.
O mistério do conhecimento paranormal com o meio cha-
mado impropriamente “psicométrico” ou da leitura do objeto
“testemunha” (criptestesia pragmática), que, de algum modo,
registra ou facilita a comunicação paranormal com as citadas
vibrações da realidade psicofísica fenomênica passada, não po-
de interpretar-se senão mediante esse mecanismo das marcas ou
vibrações mnemônicas cósmicas, que implicam um “campo
psíquico” transcendente, uma influência direta do psiquismo
sobre a matéria, assimilada por Panghestecher e outros, a uma
impregnação psíquica da matéria.
A nossa interpretação natural do fenômeno metagnômico,
compartilhada pela grande maioria dos parapsicólogos, encontra
confirmação no caso de Ubaldi, quando Menozzi, na sua respos-
ta, afirma: “(...) Não vejo a cor da gola da pelica que veste a mãe
de Ubaldi, porque a sua mente não está nela”. E assim são todos
os numerosos dados positivos, reais, concordantes nas várias
respostas. O aspecto físico juvenil (como aparece na fotografia
de há mais de 20 anos), observado em visão pelos sensitivos no
momento da experiência, se exprime por uma “leitura” quase
mecânica, como se, perante a visão de cada um deles, visão inte-
rior ou “espelho” anímico subconsciente, fosse exibido um filme
eletrônico registrador da individualidade psicológica de Ubaldi,
da qual, no entanto, eles não percebiam senão fragmentos de ân-
gulos visuais diversos a cada um, conforme as suas equações
pessoais, especializações e afinidades psicológicas.
Daí que a Senhora Lombardi, sujeita de tendências místicas,
haja posto bem em relevo o lado místico da personalidade de
Ubaldi, a sua luta interna de ascetismo espiritual e a luta externa
num período particularmente crítico nas suas relações com o
ambiente hostil, principalmente religioso oficial, e não destacou,
como o fez Menozzi, as características psicológicas da dupla
personalidade de Ubaldi. A descrição exata das particularidades
do ambiente – gabinete de estudo, gesto, aspecto físico de Ubal-
di e da mãe – feita por Menozzi é devida à sua particular sensi-
bilidade perceptiva e à instrução que lhe dei de permanecer o
mais possível no terreno dos detalhes positivos controláveis. A
senhora Lombardi precisou que, quando Ubaldi tinha 9 anos,
ocorreu o perigo de afogar-se num lago, sendo salvo pela mãe,
enquanto que Menozzi viu apenas a imagem mental de um lago
e da mãe, sem compreender a relação e o acontecido. Tudo isto
não será talvez uma prova evidente de que, em ambos os casos,
tratou-se de uma visão paranormal da mesma imagem virtual,
vista parcialmente, com “lentes” diferentes, por dois sensitivos?
Particularmente instrutivo e importante do lado teórico é a
concordância através da visão da senhora Lombardi, da escada
mística (escada de Jacob) com Jesus no Alto, que espera por
Ubaldi, que sobe e leva a “Imago” crística no peito, com a par-
ticularidade percebida em visão – exatamente por Menozzi – do
gesto habitual de Ubaldi de olhar de lado para contemplar uma
“Imago” que o acompanha sempre. Ubaldi precisou que tem a
sensação de uma “presença mística” que o acompanha e que ele
atribui a Cristo, motivo por que tem esse gesto habitual, feito
por ele e sendo zelosamente escondido e, por conseguinte, ig-
norado de todos. Também a visão simbólica da Senhora Lom-
bardi, do martelo que golpeia sobre a bigorna candente, está
certamente em relação, conforme referiu o próprio Ubaldi, com
uma mensagem da famosa médium Valbonesi, que, no distante
ano de 1935, lhe falou do martelo que golpeia a bigorna para
consolidar a estrutura de sua alma. A concordância de palavras
e significado são, portanto, características para excluir a coinci-
dência fortuita entre as duas mensagens, e surge da visão atual
de uma realidade mnemônica passada, registrada no subconsci-
ente de Ubaldi. O mesmo pode dizer-se sobre o dado particular
e significativo acerca da “Luz” mística que ilumina a mente de
Ubaldi, estabelecido por mim e pela senhora Lombardi, que
pode vincular-se, como depois me afirmou Ubaldi, a uma men-
sagem mediúnica recebida em 1932 – “A Luz do Espírito Santo
te ilumina – A sua Luz espalhará os seus raios na tua mente”.
Confirmando a nossa teoria “psicométrica”, está o fato de
que Menozzi individualizou exatamente a influência diversa
que tem o objeto testemunha, em nosso caso os escritos de
Ubaldi, sobre as qualidades das informações paranormais que
proporciona. O primeiro escrito, corrente, sem alma, diz pouco
à sua intuição; ao passo que o segundo, carregado de espiritua-
lidade, revela-lhe plenamente a dupla personalidade de Ubaldi.
Julgamos, então, que nosso estudo é merecedor de medita-
ção. Será justo, ou pelo menos oportuno, que uma personalida-
de “delicadamente boa, espiritualmente elevada, que traz em si
a imagem de Cristo” – coisa que se não poderia afirmar, com
tanta segurança, de muitos religiosos – deva ser rejeitada da
comunhão dos fiéis? Isto somente porque, obedecendo ao seu
impulso interior, que vem de tão expressiva “Imago”, expande
sua alma em obras que ele mesmo não atribui a seu merecimen-
to pessoal. “O Espírito do Senhor sopra quando quer e onde
quer”, e este é o caso de Ubaldi. Ubaldi também, em sua opini-
ão e na dos sujeitos, tem missão a cumprir no curso de sua vida,
missão apostólica que lhe foi confiada pelo Alto. Os céticos
podem considerá-la como autossugestão, mas a personalidade
fundamental de Ubaldi, como nos foi provado pela pesquisa
metapsíquica, é de nível ético-religioso tão superior, que nos
deixa perfeitamente tranquilos quanto às consequências de seu
apostolado, mesmo se ontologicamente não transcendente. O
mesmo não se pode dizer quanto ao que se refere indubitavel-
mente à mediunidade profissional, quando estamos diante de
“sujeitos” que escondem personalidade muito equivoca e peri-
gosa, coisa que ocorre com grande maioria dos médiuns de
efeitos físicos e mesmo com alguns “ultrafanos” (...).
Conclusões
Concluímos nosso trabalho julgando haver demonstrado que
o método de psicodiagnose comparada metapsíquica, proposto
por nós, dá resultados satisfatórios e de alto valor técnico psico-
lógico, susceptíveis de aplicação prática em todo campo que
requeira o exame da personalidade humana, através de exame
por sensitivo e por médium, bem como de qualquer outra per-
sonalidade que também interesse do ponto de vista teológico,
jurídico e social, e não apenas científico.
No caso específico de Ubaldi, já que não se pode conside-
rar definitiva a condenação ao Índex de dois livros seus, pois
a autoridade eclesiástica não possui os dados suficientes para
fazer um julgamento de toda a sua personalidade como nós a
possuímos, convidamos os que têm autoridade na matéria a
16 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
exprimir seu julgamento sobre nosso trabalho e a respeito das
conclusões que dele tiramos.
Baseados na pesquisa científica metapsíquica que referimos,
concluímos que Ubaldi possui duas personalidades, das quais a
mais importante, a verdadeira, tem alta espiritualidade e mora-
lidade comparável à dos maiores místicos e ascetas. Concluí-
mos que ele não é um médium no sentido comum; antes, suas
manifestações exteriores e sua constituição psíquica mais pro-
funda diferem totalmente, mesmo no inconsciente, daquela que
costumamos encontrar nos médiuns.
Não há automatismos nem privação de vontade para subme-
ter-se a influências psíquicas extrínsecas perniciosas, com subs-
tituição de personalidade: a personalidade mediúnica e de transe.
Mesmo no estado inspirativo-criador, ele permanece sem-
pre consciente, em relação com o ambiente que o cerca, e, se
sua personalidade aparece transformada, não é nova personali-
dade que se impõe de fora, mas a sua própria, que ordinaria-
mente está encoberta pela personalidade fictícia e social. Não
se exclui uma influência transcendente que se exerça às vezes
nele, mas, de qualquer modo, dados os frutos que lhe advêm,
não pode ser de natureza perniciosa e “vitanda”. Admitida essa
influência, pode ser considerado um verdadeiro asceta-místico,
ou então um místico natural.
(a) Gaetano Biasi
UM CASO DE BIOLOGIA SUPRANORMAL
A personalidade de Pietro Ubaldi
Este artigo foi publicado nas revistas: Constancia – Buenos
Aires, de 1o de junho a 16 de novembro de 1949; La Idea – Bu-
enos Aires, outubro e novembro de 1948, e Estudos Psíquicos –
Lisboa, de março a julho de 1948.
Certo dia de outubro de 1945, num modesto restaurante de
Gúbio, encontramos pela primeira vez Pietro Ubaldi. Foi um
dia inesquecível, um daqueles que parecem amadurecer o desti-
no de um homem. Acháramos o amigo da alma, a luz procurada
por toda a existência.
Com a mente educada na ciência e na filosofia, dotados de
temperamento racional e místico ao mesmo tempo, rebeldes a
qualquer imposição ideológica, não podíamos aceitar uma fé re-
ligiosa dogmática, porque a isto se rebelava nossa consciência.
Pedíamos inutilmente à ciência e à filosofia que nos dissessem
a verdade, mas nosso grito perdia-se em infinitos labirintos e
becos sem saída; sangrava a alma em estrada sem objetivo.
Aproximava-se o desespero. Tínhamos vago pressentimento de
que um dia acharíamos a luz da verdade, mas não sabíamos
quando nem de onde viria. Sentíamos, no entanto, que só a ci-
ência poderia dar-nos resposta e não nos enganamos. Através
da ciência, Pietro Ubaldi guiou nossa mente à verdade, lançou
um raio de luz nas trevas, e nossos olhos extasiados enxerga-
ram. Entrava em nossa mente aquela luz que tanto buscáramos,
descia em nosso coração a paz para a qual dolorosamente es-
tendíamos os braços há longos anos.
◘ ◘ ◘
Feita esta premissa, seja-nos permitido dizer algo sobre Pie-
tro Ubaldi. Perdoe-nos ele se nossa palavra não for adequada, e
perdoe-nos o leitor se nossa linguagem for insuficiente para sua
mente e seu coração. Particularmente difícil é o assunto que nos
propomos tratar, sobretudo porque rebelde às palavras comuns.
De qualquer forma, pode o leitor ficar certo de que tudo o que
diremos deriva de profunda convicção pessoal, que, portanto,
ainda que não seja aceita, ao menos deve ser respeitada. Neste
trabalho, falaremos da personalidade de Pietro Ubaldi, diremos
tudo o que sabemos e pensamos dele. Cremos útil para conhe-
cimento objetivo deste homem, que é pouco compreendido. Jul-
gamos poucos terem colocado Ubaldi, até aqui, na posição que
lhe cabe. Esperamos fazer-nos compreendidos por quem deseja
ver a personalidade de Pietro Ubaldi em sua verdadeira luz.
Com essa expectativa e esse propósito, entramos no assunto.
Quem é Pietro Ubaldi? Há quem o defina um santo, outros
um médium, alguns um gênio, outros ainda um visionário. Fisi-
camente é alto, fronte muito desenvolvida, algo encurvado, ati-
tude humilde e austera, expressão doce e triste, olhar vivo e pe-
netrante. Homem que, para seguir o ideal evangélico nas pega-
das de Cristo, renunciou a todos os bens econômicos, que a sorte
lhe concedera abundantes, e vive de modesta renda proveniente
do ensino da língua inglesa no ginásio de Gúbio. Passa os dias
no trabalho e na meditação, na renúncia quase completa a todas
as alegrias terrenas. Escreve muito. Prova-o sua copiosa produ-
ção literária. Temperamento profundamente místico desde tenra
idade, dos místicos se diferencia pelo caráter próprio de raciona-
lista sem preconceitos, rigorosamente objetivo. Pode afirmar-se
ser sua exaltação mística do mesmo grau de sua potência racio-
nal. Nele, misticismo e racionalismo, ao invés de se excluírem,
completam-se e se vivificam mutuamente. Tem poucos amigos,
vive vida prevalentemente solitária, mas não chega a ser misan-
tropo. Alma doce e tempestuosa a um tempo, temperamento ir-
requieto e voltado constantemente para Deus; passa entre os
homens sofrendo, dando-se todo a eles, na forma permitida por
sua natureza, para realizar o que julga ser sua missão.
Com isto, pouco dele se diz. Notável contribuição para seu
conhecimento é-nos dada por sua obra História De Um Ho-
mem, cujo protagonista é ele mesmo. Mas essa obra é pouco
romanceada para podermos avaliá-lo bem. Não porque aí seja
velada a personalidade do autor ou, menos ainda, alterada, mas
unicamente porque descreve o fenômeno biológico da criatura
sem subir às causas do próprio fenômeno; e, sem elas, este não
pode explicar-se. As Noúres, A Grande Síntese e Ascese Místi-
ca, todas obras suas, lançam, porém, muita luz sobre as causas
e permitem individualizar muitos aspectos da personalidade do
autor. Mas o leitor dessas obras ver-se-á logo a braços com no-
va e embaraçante dificuldade. A concepção científica e filosófi-
ca, tal como é delineada, por exemplo, em A Grande Síntese,
que, sem dúvida, é a obra mais importante, é de tão grande al-
cance, que torna difícil o enquadramento nela do autor e a in-
terpretação do mesmo.
Tendo como base essas obras e servindo-nos de nosso co-
nhecimento pessoal com o autor, proporcionado por longa e
profunda amizade e simbiose espiritual mútua, esperamos tê-lo
bem compreendido, e ele nos confortou respeitando nossas
convicções a seu respeito. É óbvio que, para interpretar a per-
sonalidade de alguém, mister se torna enquadrá-la dentro de
uma concepção ideológica séria e aceitável, a fim de que sua in-
terpretação seja lógica. Tudo isso tem importância fundamental,
porque a personalidade estudada adquire valor muito diverso de
acordo com o sistema ideal em que seja enquadrada. Já que as
concepções humanas da verdade são infelizmente disparatadas
e mais ou menos limitadas, as definições que do estudado se
podem dar, podem ser várias. A concepção dos ignorantes e
presunçosos pode defini-lo um louco; a concepção cristã-
católica, um herege condenável; a ciência experimental, um in-
divíduo interessante para estudos de psicanálise; e outras final-
mente, um gênio, um santo, ou um visionário.
Estudá-lo-emos à luz da concepção geral de A Grande Sín-
tese e dos poucos mas seguros bruxuleios que nos oferece a ci-
ência. Como toda a ciência moderna experimental é acolhida
em A Grande Síntese, o julgamento mais amplo e cabal será
dado com base na concepção ideológica dessa obra. À luz da
ciência, diremos apenas o que nos for dado dizer, pois nessa es-
trada não se pode necessariamente esgotar o assunto. Julgamos
razoável caminhar nessas duas estradas, porque estamos persu-
adidos de que são as mais seguras, por estarem iluminadas pela
mais viva luz, e porque abertas para horizontes sem limites.
Rapidamente mostraremos as razões, persuadidos de que o lei-
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 17
tor só poderá compreendê-las por si quando, para além da letra,
tiver penetrado o espírito de A Grande Síntese. Dela não fala-
remos, por ser de natureza que não se pode explicar e, muito
menos, resumir. Diremos apenas que nela achamos uma con-
cepção da verdade que satisfaz plenamente a razão e o coração,
concepção que, na Terra, nem a ciência, nem a filosofia, nem a
religião destroem. Nela, cada aspecto do pensamento humano
acha seu lugar no plano que lhe compete. O conjunto resulta
harmônico, lógico, perfeito, indestrutível. Se fosse possível cri-
ar uma linguagem em que cada conceito correspondesse a uma
palavra apenas e vice-versa, se compreendêssemos que só no
absoluto existe uma verdade absoluta – enquanto no relativo,
em que necessariamente vivemos, só existem verdades relativas
e progressivas – se, com segurança, compreendêssemos tudo is-
so, seria fácil perceber que o erro é uma verdade parcial, muito
frequentemente um equívoco. Se cada palavra contida em A
Grande Síntese fosse interpretada em seu verdadeiro sentido,
todos ficariam persuadidos, como nós. Os homens não se en-
tendem, especialmente porque falam linguagens diferentes, ou
seja, conceitos muitas vezes diversos são expressos com a
mesma palavra. Todos sabemos pronunciar a palavra DEUS;
mas o conceito é diversíssimo, conforme saia da boca de um
místico ou de um involuído. O que deste conceito dissemos,
pode aplicar-se a todos os outros, que constituem os tijolos com
que se constroem os edifícios filosóficos, religiosos e mesmo
científicos. Infelizmente, não é possível realizar universal inter-
pretação de todos os conceitos, dada a impossibilidade de todos
os homens realizarem os conceitos em si mesmos, já que alguns
só podem ser compreendidos à proporção que o indivíduo for
evoluindo. Por exemplo, o conceito de Deus, para um santo, só
pode ser compreendido por outro santo. Poderíamos continuar a
discorrer, mas talvez não seja necessário.
Voltando ao livro A Grande Síntese, acrescentaremos que
não é difícil experimentar essa concepção, achá-la resistente e
totalmente satisfatória, quer através da análise como da síntese,
seja pelas infinitas provas de dedução como de indução. Muitos
não se persuadirão, mas isso não admira; admiraria o contrário.
Nela não faltam lacunas e incertezas, mas de valor não substan-
cial, que não infirmam, pois, as linhas mestras da própria con-
cepção e, muito menos, as destroem. É uma concepção vital
que traz luz à mente e paz ao coração e que nada destrói, mas
tudo vivifica, porque é universal. De qualquer forma, no fim
deste estudo, trataremos da personalidade de Ubaldi à luz da ci-
ência, embora pouco seja possível dizer, porque as conquistas
da ciência são muito limitadas.
◘ ◘ ◘
Dito isso, procuremos interpretar a personalidade de Ubaldi
à luz da concepção geral de A Grande Síntese. Mas antes é mis-
ter distinguir bem a personalidade do escritor e a daquele “Eu”
que fala em A Grande Síntese. A voz que troveja e repreende em
A Grande Síntese não é a voz de Pietro Ubaldi, mas a voz im-
pessoal da verdade. Desta voz, o escritor foi apenas o receptor e
o tradutor fiel e eficaz. Em outras palavras, Ubaldi escreveu A
Grande Síntese por força inspirativa. Nas fases de máxima ex-
pansão de consciência, ele viu (intuiu) a verdade em suas linhas
mestras, perlustrou horizontes imensamente vastos e traduziu no
papel e com linguagem humana, conforme a dialética da razão
também humana, a verdade que vira. Traçou o quadro geral após
a visão direta do mesmo, assim como o artista reproduz e mate-
rializa a própria visão estética e a torna acessível aos outros
através de estímulos aptos a impressioná-los pelos sentidos. As-
sim como a visão estética, se não fosse materializada na obra de
arte, desapareceria secretamente na mente do artista e nada dela
se escoaria para fora, igualmente a visão da verdade se teria
apagado na mente de Ubaldi, nada dela saberíamos, se ele mes-
mo a não tivesse materializado e exteriorizado de tal maneira
que a tornasse acessível à nossa mente. Esforçou-se ele em achar
a linguagem humana mais adequada à finalidade, e julgou opor-
tuno empregar a linguagem científica, por ser a mais séria e evo-
luída. Falou nessa linguagem e foi compreendido por muitos.
Teve o mérito de tornar acessível a muitos o que era privilégio
de poucos iniciados, revelou o que o ocultismo de todas as épo-
cas e lugares conhecia, mas escondia. Nada de novo disse, por-
que a verdade é una e indivisível. Compreendeu que a mente
humana saiu da menoridade e está em grau de olhar o mistério e
estudá-lo. Com efeito, a ciência bate à porta dos mistérios, e
Ubaldi, com sua obra, apresenta a chave à ciência.
Portanto a função biológica do escritor é muito importante.
Mas, do mesmo modo e pela mesma razão que os grandes artis-
tas são compreendidos por poucos, assim Ubaldi, até agora, foi
insuficientemente e, sobretudo, mal compreendido. Claros e in-
dividualizáveis são os motivos. Sua concepção ou é compreen-
dida em suas linhas essenciais, ou não é absolutamente com-
preendida. Para compreender suas linhas essenciais, é necessá-
rio ter o preparo do homem de ciência e, ao mesmo tempo, as
faculdades psíquicas do místico. Sabem todos quão difícil é en-
contrar em igual medida e de forma acentuada as duas qualida-
des. O místico desconhece a ciência, e o cientista não compre-
ende e não aprecia o misticismo. Pode dizer-se que os dois se
repelem. Há entre eles o mesmo contraste que existe entre ma-
terialismo e espiritualismo, de que tanto se fala hoje com con-
vicção ou má fé, ou seja, o contraste entre matéria e espírito.
Considerando-se bem, esse contraste, que cria entre os homens
ódios e lutas por vezes ferozes, deriva apenas da ignorância do
próprio homem ou de seus equívocos. Que matéria é essa que
se dissolve nos laboratórios da ciência, e que espírito é esse,
inimigo da matéria? Cremos que esse contraste nasce apenas da
insuficiência da mente humana. Fala-se com efeito de matéria e
de espírito sem que se tenha o justo conceito de matéria e de
espírito. É uma luta absurda, porque nem existe a matéria nem
o espírito, mas apenas a substância, sobre cuja natureza nin-
guém sabe dizer a última palavra. Infelizmente, porém, na men-
te dos homens, se agita essa luta absurda, que leva à divisão
também absurda dos ânimos, de que derivam as lutas visíveis,
sobretudo em nossos tempos, com o que lucram apenas a deso-
nestidade e a ignorância. É mister destruir esse dualismo absur-
do, só então o cientista poderá levantar seu olhar para o céu do
misticismo e crer, e o místico poderá olhar para a ciência com
olhos fraternos, e ambos, abraçados, poderão suscitar com esse
abraço de amor a centelha divina que iluminará o mundo e en-
sinará aos homens seu grande destino.
Só então poderá o pensamento de Ubaldi ser compreendido
em sua natureza íntima. Tem muitos admiradores em todas as
partes do mundo. Mas quantos o admiram porque o compreen-
deram verdadeiramente? Ubaldi mesmo reconhece que pou-
quíssimos o compreenderam de fato. Muitos fizeram dele uma
ideia contrastante com a realidade. Imaginam-no um semideus,
enquanto é apenas um homem. Estes provavelmente ficariam
muito surpreendidos se o conhecessem pessoalmente, não por-
que ele seja um homem de pouca valia, nada disso, mas porque
incorreram no erro de formarem dele um conceito fantástico e
irreal. Tem períodos de depressão psíquica, durante os quais so-
fre de modo inaudito. Toca a beatitude do êxtase místico e o
abismo da dor mais atroz, sai dos excelsos cumes da especula-
ção da mente e desce ao abismo da sufocação de consciência.
Observamos nele o homem dotado de poder psíquico gigantes-
co e o homem fraco. Jamais, porém, se observa vulgaridade e,
muito menos, imoralidade. Notamos que apresenta dúvidas e
incertezas que, no entanto, são resolvidas com absoluta clareza
em A Grande Síntese. Mais de uma vez convidamo-lo a escla-
recer as próprias dúvidas lendo suas obras, e muitas vezes o
confortamos com o conforto que dele recebêramos.
Mas, bem considerado, isso não deveria admirar. Ele, como
qualquer de nós, embora em planos diferentes, não é nunca
18 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
igual a si mesmo. Seu dinamismo biopsíquico é cíclico e, por-
tanto, sujeito a fases espetaculares de subida e descida. Segue-
se daí que o mesmo acontece com suas faculdades conscientes,
ou seja, intelectivas e sentimentais. É um homem cuja persona-
lidade está ligada à terra e ao céu ao mesmo tempo. Sua perso-
nalidade biopsíquica oscila, vibra, segundo um movimento cí-
clico ondulatório irregular, mas não casual. Em seu eterno di-
namismo, sobe e desce de acordo com uma trajetória cujo vérti-
ce positivo está no plano místico e o negativo no plano huma-
no. Sobe e desce de um a outro plano, passando, naturalmente,
através de planos intermédios de que falaremos.
Esse fenômeno não deveria maravilhar ninguém, porque é
comum à psique humana. Todos nós temos estados de ânimo
diferentes, períodos de sensibilidade e insensibilidade, de oti-
mismo e pessimismo, de expansão e compressão de consciên-
cia; não obstante, estamos em ato ou em potência sempre
iguais a nós mesmos. Ele difere de nós unicamente por maior
acentuação do fenômeno. A potencialidade biopsíquica dele
viveu, naturalmente, momentos diversos mesmo no passado, e
os viverá no futuro. Em sua presente vida, conheceu momentos
psíquicos diferentes. Começou com a inconsciência da vida
embrional, passando daí à fase de consciência média normal e
aos poucos à mediúnica, à ultrafânica e enfim à fase mística.
No atual período de sua vida, seu dinamismo biopsíquico osci-
la da fase de consciência normal à de consciência mística.
Concluindo, a evolução biopsíquica de Ubaldi é caracterizada
por uma trajetória progressiva ondulatória. Trajetória análoga,
ainda que em proporção diversa, caracteriza o dinamismo bi-
opsíquico da generalidade dos homens.
Dissemos que Ubaldi, em seu dinamismo biopsíquico, osci-
la entre o plano biopsíquico humano normal e o plano biopsí-
quico místico, atravessando os planos intermédios. Agora dire-
mos que sensações ele experimenta nos diversos planos de
consciência e quais são suas manifestações externas. Comece-
mos da fase mística. É a fase de máxima expansão da consciên-
cia. Dura pouco, porque se durasse muito tempo, o mataria fisi-
camente. É um estado de suprema beatitude, de suprema cons-
ciência e de supremo amor. O organismo físico permanece au-
sente da consciência dele, mas sofre as consequências do for-
midável desequilíbrio que se produz em tais momentos entre
ele e o organismo psíquico. É como se fora imerso numa chama
que o queima sem dor, mas que o consome. Segue-se daí que,
atingido o esforço limite, ele rui e, em seu desmoronamento, ar-
rasta consigo o organismo psíquico, porque o organismo psíqui-
co e o organismo físico representam respectivamente o polo po-
sitivo e o polo negativo do organismo humano, os quais devem
coexistir em complementaridade harmônica. Na fase mística, o
organismo físico sofre e se adapta, em virtude de sua notável
elasticidade, à extrema tensão psíquica. Mas, atingidos seus li-
mites extremos de elasticidade, reage violentamente e rui, arras-
tando consigo o organismo psíquico. Portanto os momentos mís-
ticos são breves, mas de intensidade máxima. Esses momentos
são possíveis apenas em condições de quietude, de recolhimento
e isolamento. Deles, ele sai fisicamente esgotado e se precipita
nos planos mais baixos de consciência. Não pudemos observar
pessoalmente o escritor em seus momentos místicos e, portanto,
não estamos em condições de dizer mais do que isso.
Na fase de ultrafania, Ubaldi apresenta excepcional sensibi-
lidade e potência de gênio. Tem a visão direta e consciente da
verdade, participa intimamente da vida do universo, e sua cons-
ciência dilata-se em horizontes sem limites. Desses momentos
inspirativos saiu, de jato, A Grande Síntese. Nos momentos de
inspiração ou de ultrafania e sobretudo nos místicos, a natureza
humana de Ubaldi acha-se superada. De humano, sobrevivem
apenas as funções reduzidas do organismo físico, que, obvia-
mente, não pode subtrair-se de todo às leis que o governam. O
organismo físico acompanha dolorosamente o organismo psí-
quico e, em certos momentos de esforço máximo, parece esfa-
celar-se. Isto não ocorre nem pode ocorrer, pela razão que,
atingidos os limites extremos de resistência, ele reage automati-
camente e cede, arrastando consigo o organismo psíquico, ana-
logamente ao que ocorre na fase mística.
Nestas fases realiza-se a maior e mais elevada produção li-
terária ubaldiana. Nestas fases, o organismo físico sofre esfor-
ços e conturbações verdadeiramente apocalípticos, e, em certos
momentos, tudo parece desmoronar e incinerar-se. Isso não
ocorre pela automática autorregulação de que falamos. A sua
produção literária nasce prevalentemente nesses momentos e
representa um parto muito doloroso. As páginas de seus livros
são pedaços de carne, são escritos com seu sangue, são momen-
tos de vida vivida em grandeza e dor excepcionais. Nem sem-
pre ele escreve nesses momentos particulares, porque às vezes
suas condições psíquicas não lhe permitem escrever. Frequen-
temente confia à pena a lembrança fiel de uma visão preceden-
te. Indispensável acrescentar que, no âmbito dessa fase, sua
consciência não se mantém estática, mas está sujeita a flutua-
ções mais ou menos intensas, pelo que ele vê em lampejos, e
não continuamente. Atravessa momentos de máxima exaltação
e momentos de repouso. Nem poderia ser diversamente, por
que a economia biológica o impõe. Naturalmente, ele também
não pode subtrair-se de todo à influência do ambiente, que age
sobre ele, embora em medida e com efeitos mais limitados do
que normalmente. Basta então um momento ocasional, ainda
que mínimo, para suscitar ou para acelerar nele um determina-
do estado de consciência, pois, às vezes, basta uma leve força
externa para completar maturações íntimas adiantadas.
Da fase de ultrafania, por processo natural de compressão
de consciência, Ubaldi desce à fase “de mediunidade”, onde
adquire as faculdades próprias do médium. Não tivemos ocasi-
ão de observar pessoalmente nele essa fase e, por isso, não es-
tamos em condições de ilustrar convenientemente suas manifes-
tações específicas mediúnicas. Não obstante, cremos poder
afirmar que pertencem à ordem dos fenômenos mediúnicos
normais, a respeito dos quais está à disposição do leitor uma li-
teratura copiosa e com os quais se ocupa seriamente uma nova
ciência, a metapsíquica. Resta-nos apenas salientar que as fa-
culdades mediúnicas são contidas e disciplinadas pelo equilí-
brio e pela superioridade moral do próprio Ubaldi e que, de
qualquer forma, elas são um estado biopsíquico de breve dura-
ção e estranho, como veremos, à característica biológica pre-
dominante de Ubaldi. Não nos delongaremos neste argumento,
mesmo que pareça a muitos leitores ser o mais sugestivo, pri-
meiro porque nada temos que acrescentar de novo ao que já se
conhece dos fenômenos de mediunidade, e também porque,
como dissemos, não tivemos a possibilidade de fazer observa-
ções pessoais e particularizadas neste assunto. A gigantesca
personalidade psíquica e o superior equilíbrio intelectual e mo-
ral de Ubaldi não o consentem. De outra parte, exibir essas fa-
culdades seria atrair a vulgar e patológica curiosidade do públi-
co. Tudo isso pode adaptar-se a um médium de salão, mas não
se adequa certamente à figura gigantesca de Ubaldi.
Do estado de mediunidade, por ulterior compressão de
consciência, decorrente da diminuição do potencial biopsíqui-
co, ele desce ao estado próprio à generalidade dos homens.
Nesse estado, personifica sucessivamente os tipos biopsíquicos
humanos que, em progressão regressiva, unem o plano biológi-
co mediúnico ao biológico médio normal humano. Adquire, por
isso, primeiro as características e manifestações do homem de
gênio, ou seja, notável poder racional puramente humano, viva-
cidade de inteligência, a que se seguem características menos
pronunciadas, isto é, menor potência racional e intelectiva. E,
assim, gradativamente descendo, chega a adquirir as capacida-
des intelectivas do homem médio normal. Não nos consta tenha
ele jamais descido abaixo desta última.
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 19
Importa acrescentar que tudo o que dissemos refere-se uni-
camente ao potencial biopsíquico ou de consciência. No que diz
respeito ao estado afetivo e sentimental, ou seja, a seu estado de
felicidade ou de dor, a coisa se passa diferentemente. Com efei-
to, ao dizermos que, no plano humano, Ubaldi apresenta facul-
dades racionais e intelectivas puramente humanas, não significa
que experimente estado de ânimo próprio da generalidade dos
homens normais. Grave erro seria supô-lo, erro que impossibili-
taria uma avaliação realística do mesmo. Quem compreende
perfeitamente o fenômeno biológico que ele vive, chegaria por
si às mesmas conclusões. O estado de felicidade e infelicidade,
de alegria e dor, próprio a cada ser humano, tem causa em sua
relatividade. É universalmente sabido que a dor deriva de ne-
cessidade insatisfeita, bem como a necessidade só surge da ex-
periência. Quando uma experiência agradável falta em nosso
ânimo, nasce a necessidade de repetição da mesma. Essa neces-
sidade insatisfeita é, por sua vez, causa de sofrimento. Por
exemplo, quem experimentou o prazer de vida cômoda e abas-
tada, sofre quando perde a comodidade e a abastança. Muito
menos sofre quem não fez essas experiências, ou mesmo nada
sofre. Igualmente, quem experimentou as alegrias do afeto hu-
mano sofre quando este lhe falta. Menos ou nada sofre quem
nunca as experimentou. Citamos dois exemplos, mas podería-
mos continuar indefinidamente.
Dito isto, que dizer de quem experimentou a felicidade su-
prema, isto é, o êxtase místico? Evidentemente, nenhuma outra
experiência pode proporcionar felicidade tão grande, e daí se
deduz que quem experimentou essa suprema felicidade está
condenado a não mais achar felicidade em coisa alguma. Quem
viu, por um instante sequer, o Paraíso, jamais poderá esquecê-
lo e procurará sempre revê-lo. Compreende-se, portanto, que
Ubaldi jamais poderá saborear as alegrias desta Terra. Só é feliz
quando vive no plano místico. No plano ultrafânico é parcial-
mente infeliz; aumenta sua infelicidade no plano mediúnico e
se torna máxima no plano humano normal. E, como os momen-
tos místicos, únicos capazes de fazê-lo feliz, são de duração
breve, segue-se que ele vive prevalentemente na dor. Ele paga a
visão fugaz do paraíso com longas e persistentes fases de pro-
funda dor, que mantém em ebulição todo o seu ser. Esta sua dor
imensa é, por sua vez, causa de sua progressiva catarse espiri-
tual, catarse que o leva cada vez mais para ulterior superação de
si mesmo. Está, pois, destinado à dor, cortou as pontes atrás de
si, e não mais pode tornar a viver nesta Terra nem obedecer às
leis biológicas que a governam. Está suspenso entre o céu e a
terra. O paraíso apresenta-se-lhe só por instantes fugazes, a Ter-
ra lhe é inóspita. Drama tremendo e grandioso ao mesmo tem-
po. Ele vive sua suprema ventura biológica.
Atingindo a profundidade da fase humana, após período
mais ou menos longo de dor, a onda biológica de Ubaldi se in-
verte e retoma seu ciclo ascendente. Ele regressa aos primeiros
planos de onde descera, reproduzindo o fenômeno biológico
idêntico e inverso ao descrito. Qual a íntima razão biológica de
tudo isso? Não a conhecemos. Indubitavelmente, isto se relaci-
ona com as leis que governam a evolução nos planos biológicos
supranormais, e difícil é percebê-las com clareza. Julgamos que
as fases de depressão de seu dinamismo biológico sejam um êx-
tase; após a expansão, uma contração necessária para a consoli-
dação de seu organismo físico e psíquico, em novo equilíbrio
de forças, através das íntimas reações biológicas, ligadas às
funções de trocas, portanto fenômeno comparável ao cansaço
que se segue a um estado de intenso trabalho, que impõe ao or-
ganismo o estado de repouso e que, ao mesmo tempo, determi-
na o refazimento dos órgãos que trabalharam. Tratar-se-ia então
de um trabalho involuntário, que se desenrola na intimidade do
organismo físico-psíquico para consolidar um equilíbrio bioló-
gico mais elevado. O organismo psíquico se consolidaria numa
fase biológica mais adiantada, e o organismo físico se harmoni-
zaria com este, desmaterializando-se e fixando-se em estado
evoluído mais avançado. Parece que fenômeno semelhante nos
seja dado observar nas funções físicas e psíquicas da biologia
do homem normal. Nem de outro modo poderia ser, pois a lei
que governa a vida dos homens é una, universal e necessária.
É mister observar ainda que, superado o vértice negativo da
onda biológica, Ubaldi sobe mais forte e mais seguro, conquista
mais luminoso estado de consciência e volta novamente à visão
da verdade. Retoma o dinamismo biológico que lhe é próprio,
atingindo com menor esforço possibilidades superiores às que
antes alcançara. Indispensável agora precisar o que entendemos
por visão da verdade. O vidente não vê a verdade com os senti-
dos humanos normais, mas com a percepção extrasensorial, ou
seja, a vê dentro de si, sintonizando o próprio EU psíquico com
a própria verdade, mediante um sexto sentido que a evolução ne-
le criou. Considerando o organismo humano um aparelho recep-
tor, pode dizer-se que o organismo de Ubaldi é um aparelho
mais aperfeiçoado, mais sensível, isto é, apto a perceber sensa-
ções que, por sua natureza, um aparelho normal não pode perce-
ber. O aperfeiçoamento dos sentidos humanos está em relação
com as necessidades biológicas correspondentes ao plano evolu-
tivo e ao ambiente próprio de cada plano. Sabe-se que o ambien-
te e a função criam o órgão; é lei universal e, portanto, vale tam-
bém para o ser que estudamos. Resulta que, exercitando ele uma
atividade biológica precipuamente psíquica, própria dos planos
biológicos supranormais, e tendo-se subtraído à influência do
ambiente propriamente humano, participando de um ambiente
super-humano, conquistou diversas características e possibilida-
des biológicas diversas das nossas. As suas características bioló-
gicas harmonizam-se, portanto, com as leis da natureza e nelas
têm sua justificação e explicação. Então, durante a fase de ex-
pansão da consciência, quando os centros psíquicos estão em
função, ele tem percepções extra-sensoriais da verdade, nela se
funde em simbiose mútua, que se vai tornando aos poucos de fa-
cultativa em obrigatória. Vive em harmonia com a lei universal,
isto é, com o pensamento de Deus; supera a própria natureza
humana e realiza uma natureza super-humana. Vive uma reali-
dade que não pode ser compreendida por homens normais, nem
expressa pela linguagem comum. Análogo a isto é o que ocorre
aos cegos de nascença, que não podem compreender a natureza
das diversas cores, por mais que lhes sejam descritas.
O fenômeno biológico vivido pelo nosso estudado é indubi-
tavelmente muito interessante e revela-nos até que ponto pode
avançar o poder psíquico. A Grande Síntese foi escrita de jato,
sem que o autor possuísse adequada preparação científica. Pode
parecer um prodígio, mas é apenas um fenômeno natural, ainda
que raro; é a realização de uma possibilidade humana normal.
Não há prodígios na natureza, mas existe uma lei biológica de
que apenas conhecemos pequena parte. Ilimitadas são as possi-
bilidades da ascensão humana, a força que as gera é aquela cen-
telha divina que arde em cada um de nós, os motores são a dor
e o amor. É necessária a força corrosiva da dor para quebrar o
invólucro que nos mantém prisioneiros, assim como o fogo do
amor para fundir a enorme couraça que nos separa da verdade.
Rasgam-se os véus do mistério só pelo mágico toque do amor,
e vão seria agir diversamente. Característica peculiar dos pro-
dutos mais elevados da evolução humana é, com efeito, a nota
dominante do amor, de um amor sobre-humano e ilimitado. Es-
sa é a característica fundamental de nosso estudado. Amor e dor
são a inesgotável fonte de sua grandeza
Dito isso, compreende-se que seu poder intelectivo e vital
está caracterizado por notáveis variações e que as experiências
que o interessam são de natureza diversa e contrastam entre si
vivamente. É fácil imaginar que desse contraste se origina um
complexo de ações e reações psíquicas e físicas que o mantêm
em estado de perene dinamismo, motivo de evolução e razão de
alegrias sobre-humanas e de sobre-humanos sofrimentos. Com-
20 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
preende-se ainda quanto sofre ele no plano humano, quando sua
consciência experimenta participações medonhas. Não admira
que, em tal estado de consciência, ele duvide, que considere es-
tranha a verdade vista e descrita; não admira que seja atormen-
tado por incertezas, incorra em erros e despreze a si mesmo.
Tudo isso pode parecer desequilíbrio patológico. Na realidade,
é desequilíbrio, mas criativo, porque sua personalidade o com-
preende, o enquadra e o domina, e dele se serve para a própria
subida. Demonstra-o sua autocrítica, serena e sincera.
Percebe-se ainda que, dada a particular excepcionalidade do
drama, bem dificilmente pode Ubaldi receber válido auxílio dos
homens. Estes não o compreendem nem o podem, porque a
compreensão só é possível entre os semelhantes, e ele é muito
diferente de todos. Ubaldi vive uma vida que os outros desco-
nhecem e deve amadurecer sozinho sua grande aventura. En-
trou só nesse atalho árduo, cujo objetivo é uma vida maior.
Cortou as pontes atrás de si e não pode voltar. Seu único con-
forto são entidades superiores, e a elas estende dolorosamente
os braços. A visão de Cristo sustenta-o no esforço sobre-
humano. Poucos homens o compreendem, ainda que muitos o
exaltem, e só os primeiros podem trazer-lhe um pouco de refri-
gério à sua grande paixão. Os segundos, com sua exaltação in-
considerada, muito frequentemente lhe fazem mal.
Ilustrado o fenômeno cíclico da vida de Ubaldi, aparecem
lógicas e justificadas todas as manifestações de sua personalida-
de. Erros, dúvidas, incertezas, gênio, mediunidade, ultrafania,
vertiginosas ascensões místicas, santidade, tudo isso constitui o
conteúdo do caso biológico de Ubaldi, assim como sentimentos,
possibilidades intelectuais e volitivas diversas, constituem a per-
sonalidade de cada um de nós. Se observarmos objetivamente e
de perto a vida dos grandes homens que a humanidade venera e
coloca nos altares, mesmo neles achamos também grandes e pe-
quenas coisas. Segue-se que, por causa das múltiplas e contras-
tantes manifestações de sua personalidade, nosso estudado pode
parecer, conforme o aspecto em que seja considerado, um santo,
um gênio, um médium, um homem normal ou um doente men-
tal. Pode, pois, inspirar admiração, amor ou compaixão. Essas
definições estarão certas se as olharmos em seu conjunto. Então,
quando quisermos fazer um juízo sintético e realístico de Ubal-
di, precisamos considerar suas múltiplas e contrastantes mani-
festações, sem considerar o tempo de cada uma delas. Só assim
teremos uma visão objetiva e sintética dele. Fora disso, nos per-
deríamos num labirinto do qual seria muito difícil sair. Julgá-lo-
emos, pois, em função de todos os seus atributos, ou melhor, se-
gundo a soma algébrica, se assim podemos dizê-lo, de seus valo-
res positivos e negativos. Não é fácil esse cômputo, inútil dizê-
lo, sobretudo porque é extremamente difícil estimar o valor bio-
lógico de cada qualidade, tratando-se de avaliações muito incer-
tas e totalmente subjetivas. Não obstante, tentaremos uma apre-
ciação desse gênero; ainda que não seja exata, será pelo menos
suficiente para orientar o julgamento num plano que se afaste o
menos possível da realidade. Esclareçamos que nossa apreciação
se refere à sua personalidade tal qual se apresenta no momento,
sem nenhuma relação com o passado.
Dissemos que a personalidade de Ubaldi oscila entre o pla-
no normal e o plano místico. Acerca deste, fazem prova as vi-
sões e estados de êxtase. Convenhamos que não existe um pla-
no místico do qual se possa tratar em sentido bem definido e ao
qual nos possamos referir, pois, como ensinam as doutrinas
esotéricas, existem muitos planos místicos, sendo eles mesmos
planos biológicos. Não estamos em grau de estabelecer até que
plano místico tenha Ubaldi subido e portanto, prudentemente,
queremos supor que seu potencial biopsíquico possa erguer-se
até ao primeiro plano místico. Aceita essa suposição, segue-se
que sua personalidade pode considerar-se oscilante entre o pla-
no normal humano e o primeiro plano místico. A distância entre
esses dois planos, mesmo se não podemos apreciá-la com segu-
rança, é sem dúvida notável. Sabemos, além disso, que ele
permanece no plano ultrafânico durante metade de seu tempo,
ou seja, em um ano, permanece seis meses em estado ultrafâni-
co. Na outra metade de seu tempo, está em condições normais,
mediúnicas e místicas. Não podemos precisar quanto tempo
permanece em cada uma dessas três fases. De qualquer forma, é
certo que as experiências místicas são de duração breve e de in-
tensidade excepcional. Com esses poucos elementos, é sem dú-
vida impossível deduzir conclusões precisas. Aliás, esta ativi-
dade biológica particular de Ubaldi não se presta a medidas e
análises mais minuciosas, pois, embora possíveis, de pouco
serviriam ao nosso objetivo, desde que os momentos biológicos
têm valor próprio intrínseco, que não pode ser apreciado pela
medida do tempo. Poucos minutos de suprema tensão mística
têm um significado biológico que transcende qualquer aprecia-
ção humana e não podem ser avaliados em confronto com os
momentos de atividade biológica normal.
Tudo considerado, cremos poder concluir que a atividade
biológica do “sujet” transcende a atividade biológica do homem
normal. Além disso, julgamos não ser arriscado afirmar que a
evolução biológica da personalidade estudada superou de modo
notável o plano biológico próprio do homem normal e que, por-
tanto, nos achamos diante de um caso interessante de homem
supranormal. Não estamos em condições de dizer com precisão
até que ponto supera ele o plano normal, mesmo porque não
conhecemos a unidade relativa de medida, nem sabemos – co-
mo talvez nem ele mesmo o saiba – a que grau de amadureci-
mento esteja ele chegando. Para não incorrer em erros prová-
veis de avaliação, limitamo-nos, pois, a definir Pietro Ubaldi
como um tipo biológico super-humano.
Pietro Ubaldi é um super-homem. Definir Pietro Ubaldi um
super-homem talvez pareça arriscado. Talvez alguns se escan-
dalizem. Não é razoável, porém, que isso aconteça, como não o
seria se disséssemos que o homem civilizado é um super-
homem comparado ao troglodita, ou que fulano é mais evoluído
que sicrano. O super-homem não é um ser privilegiado que sur-
giu prodigiosamente neste mundo, dotado de qualidades e me-
recimentos excepcionais por concessão do Alto. É um homem,
apenas um homem, que, em sua evolução, precedeu os seus
semelhantes, porque, mais que eles, soube lutar e sofrer, pelas
mesmas razões que nos fizeram seres mais evoluídos que os
selvagens. Ele pagou e paga duramente o preço de sua superio-
ridade. No altar da Divindade, sacrificou sua personalidade
humana, para realizar a super-humana. Tem o que deu, nada
mais, porque a Lei é justa. Qualquer um de nós pode chegar
aonde ele chegou e superá-lo no curso da evolução individual.
Todos podemos transformar-nos gradualmente em santos e an-
jos, todos podemos realizar nossa natureza divina. Todos a rea-
lizaremos, e então terá descido à Terra o Reino de Deus.
Tudo o que até agora dissemos de P. Ubaldi só tem valor,
naturalmente, enquanto não sejam falsas suas manifestações ex-
ternas. Se mentido houvera, tudo quanto dele dissemos automa-
ticamente cairia, e quem julgamos um super-homem seria, ao
invés, o mais miserável dos homens. É possível que P. Ubaldi
nos tenha mentido? Decididamente o recusamos. Tudo dele se
poderá pensar, menos que tenha mentido toda a sua vida. Para
atingir um ideal de vida evangélica, voluntária e consciente-
mente abraçou uma vida que seria rejeitada por qualquer ho-
mem normal nesta Terra. Aceitou uma vida de dor e sacrifício,
consumiu sua vida em nome de um ideal. Que aspiração pura-
mente humana teria podido impeli-lo até este ponto? Cremos
que, qualquer coisa que dele se pense, não se pode pôr em dú-
vida que ele seja um homem inteligente. Ora, como poderia um
homem inteligente abraçar uma vida de dor, só pelo gosto de
mentir? Poderia ter escrito tudo o que escreveu, se verdadeira-
mente não o tivesse sentido? A dor arranca do rosto qualquer
máscara; quem sofre não sabe mentir. De qualquer modo, não
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 21
seria racional levar a desconfiança até este ponto, mesmo por-
que não há provas que autorizem uma suspeita, e ainda porque
não basta negar uma verdade para destruí-la.
◘ ◘ ◘
Passemos, agora, a examinar sua personalidade à luz da ra-
zão normal e da ciência. Este é um método de pesquisa particu-
larmente seguro, mas de possibilidades muito limitadas. Admi-
tindo que a ciência aceita a evolução biológica de todos os seres
vivos, é mister, para avaliar o valor biológico de P. Ubaldi, es-
tabelecer se ele pode ser considerado um tipo biológico desti-
nado a ser esmagado pela evolução, ou para triunfar com ela.
Tem isto importância fundamental. Aliás, nisto reside todo o
problema. Não é fácil apresentar uma resposta aceitável, por
muitas e óbvias razões, mas sobretudo porque atualmente é di-
fícil, senão impossível, conhecer as características biológicas
do homem que será criado pela evolução. De fato, não se pode
saber a priori como será o homem do futuro, como há séculos
atrás não teria sido possível imaginar as características do ho-
mem do século vinte. Tão pouco conhecido é o homem, tão
obscuras as leis e causas da evolução, que qualquer previsão te-
ria sempre sabor pessoal e seria, portanto, muito incerta. Nos
organismos humanos há caracteres recônditos e forças poten-
ciais de que nenhuma pesquisa poderia hoje fazer o levanta-
mento e a interpretação. Possui a ciência formidável método de
pesquisas, conquistou posições soberbas, mas – mister é reco-
nhecê-lo – ainda é criança, tem as possibilidades de um infante,
a quem pertence o futuro, mas que ainda está relativamente
inexperiente e mesmo, às vezes, teimosa. Defeitos da juventude
que o tempo liquidará, mas defeitos notáveis, especialmente
quando se lhe pede a explicação de problemas da natureza do
que estamos estudando.
Dito isso, conclui-se que existem raças e indivíduos que es-
tão destinados a ser eliminados pela seleção da evolução, por-
que são fracos, e outras raças e outros indivíduos que, ao con-
trário, estão destinados a sobreviver, porque são dotados de su-
periores possibilidades biológicas. Desde que as novas raças
dominantes, lentamente, surgem das raças pré-existentes e do
seio destas saem triunfantes, por fenômeno natural da seleção, é
claro que em cada raça existem indivíduos de possibilidade bio-
lógica superior e outros de potencialidade biológica inferior, ou
seja, que existem exemplares destinados a propagar-se no futu-
ro e outros destinados a desaparecer. A potencialidade biológi-
ca dos indivíduos que constituem qualquer raça é, pois, muito
diversa, e os próprios indivíduos, a esse respeito, são distribuí-
dos na raça de acordo com uma gama de valores biológicos
progressiva ou regressiva, como se queira chamá-la. Estudando
estatisticamente o fenômeno, pode observar-se, além disso, que
em cada raça existe um grupo muito numeroso de indivíduos
dotados de características biológicas médias e dois outros pe-
quenos grupos com caracteres opostos, porque de qualidade su-
perior ou inferior aos do grupo biológico médio. Os indivíduos
pertencentes ao primeiro grupo são os chamados normais, os
componentes dos outros dois grupos, anormais.
O que ficou dito vale para as características morfológicas e
as funcionais. Cremos, pois, razoável estender a apreciação
também pelo que diz respeito à potencialidade biológica dos
indivíduos. Mesmo sendo dificilmente apreciável e cognoscível
a potencialidade biológica dos exemplares de uma raça, acredi-
tamos que, analogamente ao que se observa nos caracteres mor-
fológicos e funcionais, possa afirmar-se que em cada raça exis-
te um grupo muito numeroso de indivíduos de potencialidade
biológica normal e dois pequenos grupos de potencialidade bio-
lógica anormal, de valor oposto. Tudo isso teria de verificar-se
necessariamente, dada a relação de estreita interdependência
que parece existir entre os caracteres morfológicos e funcionais
e os caracteres biológicos mais profundos, que individuam cada
personalidade. Sabemos todos que os indivíduos não sujeitos às
doenças e os em perene estado patológico são em pequeníssimo
número, ao passo que a grande maioria é constituída de pessoas
que adoecem irregularmente. Sabemos mais, que os indivíduos
fortíssimos e os fraquíssimos são exígua minoria, enquanto a
grande maioria se compõe de indivíduos medianamente robus-
tos. Poucos são os gênios, os santos, os imbecis, e os delinquen-
tes, numerosíssimos os medianamente bons e medianamente in-
teligentes. Análogo fenômeno estatístico deve ser necessaria-
mente encontrado também em relação com a potencialidade bi-
ológica, na qual se exercita o trabalho seletivo que realiza a
evolução. A expressão gráfica do fenômeno é uma curva em
forma de sino, também chamada Curva de Gauss.
Daí se deduz que, em cada raça, existem três grupos de in-
divíduos, entre os quais um pequeno, constituído por indivíduos
dotados de baixo potencial biológico, destinados a serem esma-
gados pela evolução e a extinguirem-se; um segundo grande
grupo, constituído por indivíduos dotados de potencialidade bi-
ológica média, destinados à conservação da raça; e, enfim, um
terceiro pequeno grupo, dotado de potencialidade biológica su-
perior, destinado a criar lentamente uma raça superior, isto é, o
produto da evolução. Verificado isso, deduz-se que os pioneiros
da evolução pertencem à anormalidade, ou seja, são anormais.
Visto que existe uma anormalidade positiva e uma negativa,
resta-nos examinar quais são as manifestações biológicas que
caracterizam as duas anormalidades opostas. Uma descrição de
caráter geral seria quase impossível e não adiantaria nem à cla-
reza, nem à exatidão. Seria mister então descer à particularida-
de de cada raça e de cada indivíduo, e aí fazer as próprias ob-
servações e apreciações. No estado atual de conhecimento da
matéria, cremos não seja possível agir de outra forma.
Feita esta necessária digressão de caráter geral, retomemos o
estudo de nosso “sujet”. Não há dúvida de que as manifestações
biológicas deste, e de modo particular as psíquicas, pertencem à
mais nítida anormalidade. Achamo-nos, então, diante de uma cri-
atura que representa o produto ou o refugo da evolução. A qual
das categorias pertence ele? Não é possível dar uma resposta
aceitável se antes não o analisarmos em todas as suas peculiares
manifestações biológicas. É o que agora tentamos fazer, por meio
de um exame atento de suas características físicas e psíquicas.
O funcionamento do organismo físico de P. Ubaldi não se di-
ferencia de forma acentuada dos homens normais. No entanto
existe uma diferenciação, mas de caráter positivo: ele é particu-
larmente resistente aos agentes patógenos e aos esforços físicos.
Tem sessenta anos completos e goza de ótimas condições de saú-
de. Prova-o o fato de que, normalmente, jamais se utiliza de mé-
dico. Seu aspecto exterior não denota nenhum depauperamento,
mas, ao contrário, tem características relativamente juvenis. E is-
to, não obstante o regime dietético extremamente parco e o maior
descuido com que trata seu organismo. É fora de dúvida que
qualquer organismo humano normal sofreria inevitável depaupe-
ramento orgânico se fosse explorado tanto e tão sumariamente
alimentado e tão mal guardado. Surpreende em verdade, como,
nessas condições, possa seu organismo manter ótimo seu funcio-
namento. Normalmente, alimenta-se apenas uma vez por dia. Sua
alimentação é muito frugal, e podemos testemunhá-lo, porque,
durante vários meses, sentamos com ele à mesma mesa. Trata-se
de uma refeição rigorosamente racional, segundo as leis dietéti-
cas e a preço fixo. Às vezes toma, à noite, uma xícara de leite ou
pouco mais, às vezes nada. A quantidade de calorias que fornece
a seu organismo é, indubitavelmente, uma fração exígua do mí-
nimo necessário para o homem normal. Isto não o impede de ser
dinâmico mesmo fisicamente, e de suportar esforços materiais,
como o de ir visitar sua família, pedalando setenta quilômetros de
bicicleta, de Gúbio a Santo Sepulcro.
Desenvolve concomitantemente três profissões, cada uma
das quais poderia bastar para um homem: 1o) o ensino; 2
o) a
produção literária e o cuidado da impressão de seus trabalhos
22 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
no mundo, com uma correspondência epistolar em seis línguas
diferentes, em média com cinquenta cartas por semana; 3o) o
trabalho doméstico para si mesmo, pois vive só, sem emprega-
dos. Desprovido de todo auxílio, de toda assistência, tem que
fazer tudo por si mesmo. Quando tem febre ou qualquer indis-
posição, suporta seu mal sem ir à cama, em plena atividade.
Muito raramente, e só em casos graves, resigna-se a ir para o
leito. Suporta indiferentemente calor ou frio. No inverno, ja-
mais aquece sua casa, apesar do excepcional rigor da localidade
em que habita, particularmente fria e sujeita a neves. Vive em
pobreza voluntária, abolindo até as mais elementares comodi-
dades, não só para atingir seu ideal de vida evangélica, como
pela satisfação de vencer todas as dificuldades. Seu caráter é
indubitavelmente forte, e seu organismo também. É evidente,
pois, que possui qualidades intrínsecas que o diferenciam da
normalidade no sentido positivo.
Sobretudo, porém, surpreende como seu sistema nervoso
possa manter, sem quebrar, o ingente trabalho a que está sem-
pre submetido. Bastará recordar que só conhece o repouso das
horas de sono, muito pouco aliás, pois, durante todo o tempo
restante, fica submetido a incessante tensão, que enfraqueceria
qualquer sistema nervoso normal. Trabalha durante várias horas
à noite, que para ele são as melhores, porque todos dormem e
estão em silêncio. Só de vez em quando lhe aparecem pequenos
períodos de cansaço, dos quais prontamente sai sem chegar a
ter verdadeiro esgotamento nervoso. Esses momentos de de-
pressão verificam-se após períodos de trabalho intelectual ex-
cessivamente intenso; às vezes os precedem, como se a vida se
preparasse por si mesma, ao esforço que depois terá de fazer.
Tudo considerado, pode verificar-se que nele prevalece o traba-
lho intelectual e espiritual, sustentado por um sistema nervoso
particularmente poderoso, resistente e hipersensível. Lembre-
mo-nos também que, durante os períodos de atividade mística,
seu sistema nervoso é obrigado a suportar fortes comoções, em
virtude dos grandes deslocamentos em seu potencial, em con-
sequência do que, ao sair deles, se encontra parcialmente per-
turbado e alterado, tal como sucede a qualquer sistema nervoso
normal submetido à ação de poderosas comoções emotivas.
Após longas e intensas experiências místicas, o sistema nervoso
apresenta anomalias e alterações particulares, as quais, entre-
tanto, desaparecem em pouco tempo.
Falou-se de neurose. Mas que é neurose e, sobretudo, a neu-
rose de nosso estudado? Julgamos que qualquer neurológico
capaz e honesto, em semelhante caso, seria ao menos prudente
antes de exprimir um diagnóstico conclusivo e uma apreciação
do mérito. Cremos que seja mister muita cautela ao sentenciar a
respeito desta matéria, porque podemos incorrer no erro de
considerar patológico o que seja natural manifestação biológica
supranormal. Do que dissemos, conclui-se que o organismo fí-
sico de P. Ubaldi pode ser considerado, por motivos óbvios,
mais do que normal e dotado de qualidades intrínsecas que o di-
ferenciam de modo positivo do homem normal.
Feito este breve exame das qualidades físicas, passemos a
observar suas qualidades psíquicas. Diga-se de início que as ca-
pacidades intelectuais do mesmo podem considerar-se, sem
sombra de dúvida, superiores às que são próprias do homem
normal médio. A esse respeito, racionalmente não se pode duvi-
dar. Por exemplo, a concepção geral de A Grande Síntese, qual-
quer que seja o juízo que dela se faça, é sem dúvida o produto de
uma mente incomum. Já que universalmente é conhecido e acei-
to que o poder do gênio é um fator de importância primordial e
ao mesmo tempo índice do valor intrínseco do homem, segue-se
daí que, mesmo sob este aspecto, ele apresenta uma nítida supe-
rioridade em comparação com o homem normal.
Reconheçamos que não basta alguém saber escrever um li-
vro ou livros diversos e geniais, para que se possa considerar
superior aos outros. O valor de um homem não é constituído só
por isso, aliás de pouco valeria se esse homem não soubesse
viver as ideias que professa e se elas não fossem capazes de in-
fluenciar outros homens. Vive Ubaldi suas ideias e são elas
compreendidas e vividas por outros homens? Sem dúvida. To-
da sua vida é a exteriorização prática das mesmas, o plebiscito
de concórdia e amor que a ele chega de homens de todas as
partes do mundo, demonstra que essas ideias já tiveram sua
grande função biológica. Denota isso que elas não são apenas
literatura ou força potencial de possibilidades problemáticas,
mas já são uma força real em ato. Sem dúvida, elas caíram em
quem, por sua natureza psicológica, estava preparado para per-
cebê-las; mas isso não impede que uma ação específica possa
igualmente a elas atribuir-se, ainda que como função comple-
mentar. É suficiente um lampejo nas trevas para nos indicar o
caminho, e isso tem grande importância, mesmo se o resto do
caminho tiver que ser percorrido com nosso esforço. As quali-
dades morais de Ubaldi são certamente muito diferentes das do
homem normal de hoje e de ontem. A vida que exterioriza na
substância dos atos é a vida segundo a moral evangélica, a prá-
tica cotidiana e inteligente das bem-aventuranças anunciadas
por Cristo na montanha. Pode mesmo dizer-se que a concepção
ideológica e moral de Ubaldi é a concepção profunda e subs-
tancial do cristianismo, do cristianismo bebido em suas fontes
mais puras, livre das mortais dentadas dos dogmas, das tradi-
ções e dos formalismos, que, através da letra, matam o espírito.
Essa concepção não contrasta aliás, antes, harmonizam-no, em
suas linhas essenciais, com as profundas concepções esotéricas
de todas as religiões da Terra. Caminha na esteira moral dei-
xada pelos santos e iniciados de todas as crenças do mundo.
Com esta afirmação, permanece bem afastado de nós a inten-
ção de enquadrá-lo em qualquer grande organismo religioso, a
fim de valorizar-lhe a personalidade a preço baixo. Pensamos
em fazer apreciações críticas dessa forma de moral, para pes-
quisar se ela é a moral dos homens superiores ou a dos homens
fracos, que vivem à margem da coletividade como refugo pato-
lógico. Observemos de perto esses homens, chamados santos,
estudemo-los no ambiente biológico humano, tal como a nós
se apresenta neste ambiente em que vivemos.
O “modus vivendi”, o hábito moral, as aspirações e as idei-
as desses homens excepcionais, são totalmente opostos aos dos
homens normais. Ao egoísmo, à violência, ao ódio, à busca
dos prazeres materiais, eles contrapõem o altruísmo, a mansi-
dão, o amor, a busca das alegrias espirituais. É uma verdadeira
e própria inversão de valores, é a revolução moral, cujo conte-
údo está substancialmente traçado nas bem-aventuranças
anunciadas por Cristo. Eles, voluntariamente, renunciam aos
prazeres que outros, com ingentes sacrifícios, buscam, e, acima
desta renúncia, procuram e encontram alegrias espirituais co-
nhecidas só por eles. São homens dotados de grande força de
caráter, de máxima sensibilidade, bondade e poder de intuição.
E já que esses homens têm necessidades, desejos, aspirações e
finalidades opostas aos da generalidade dos homens, segue-se
daí que entre as duas partes não há razões para luta e hostilida-
des. O santo apresenta-se à sociedade como ser inócuo; pode
despertar incompreensão ou desprezo, mas, materialmente, não
é combatido. Esta é uma forma de incolumidade que represen-
ta privilégio de grande valor. Como seria possível combater
um homem que passa entre nós amando e beneficiando, que
nos ama quando o odiamos, que faz o bem mesmo quando lhe
fazemos mal, que tudo dá sem nada pedir para ele? Poderemos
considerá-lo um louco, mas não teremos motivos para comba-
tê-lo e, muito menos, para liquidá-lo.
Só em circunstâncias particulares pode ocorrer que eles se-
jam combatidos ou até liquidados. Isso aconteceu no passado e
poderá ocorrer no futuro. Diz-nos a história que alguns desses
homens extraordinários sofreram o martírio, e as razões são evi-
dentes. Santos particularmente dinâmicos, com imenso amor aos
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 23
oprimidos, encontraram-se com os opressores e pagaram com a
vida. Outros suscitaram sentimentos novos na massa, de equida-
de e justiça, contrastando com privilégios de organizações soci-
ais particulares, que reagiram suprimindo ou perseguindo o ad-
versário. Sucedeu ainda que esses homens colidiram contra os
privilégios ou a corrupção de comunidades eclesiásticas e foram
por estas direta ou indiretamente suprimidos, perseguidos, ou de
qualquer forma impedidos de agir. Mas que ocorreu quando eles
subiram ao patíbulo ou foram perseguidos? Nesse momento,
eles conquistaram a coroa do martírio, que, com sua ressonância
sentimental nas massas, assinalou a condenação dos opressores.
Portanto, ou não são perseguidos e gozam do privilégio da imu-
nidade, ou são combatidos e, então, conquistam os louros do
martírio, fator psicológico de poder inimaginável. Temos que
considerar, de fato, que os princípios morais encarnados nesses
homens são, consciente ou inconscientemente, sentidos pela
consciência das massas, que intuem neles a presença de um
“quid” imponderável, que as sugestiona poderosamente. A his-
tória ensina que, quando um santo sobe ao palco do martírio, as-
sinala esse dia o seu triunfo e a derrota dos carrascos.
Tais seres, portanto, não podem ser golpeados eficaz e im-
punemente. Isso representa para eles uma vantagem digna de
nota. Os homens normais não a têm. A moral praticada por es-
tes os leva ao ódio, à luta, à supressão e à neutralização recí-
proca estéril. Poderão objetar que as massas sentem o fascínio
desses homens porque são ignorantes ou supersticiosas; mas is-
so é falso e não subsiste diante da realidade evidente de que o
progresso da civilização humana conduz a um aperfeiçoamento
moral que faz apreciar cada vez mais o amor, a bondade, o al-
truísmo, características predominantes nos santos, em propor-
ções excepcionais e heroicas.
Mas há mais ainda! Só entre esses homens achamos os tau-
maturgos, ou seja, os homens que conquistaram o poder de fazer
os chamados milagres. Convenhamos que esses poderes perten-
cem à biologia natural, mas precisamos convir que também eles
são o índice de um poder biológico extraordinariamente superi-
or, que a generalidade dos homens ainda não possui. Notemos,
ainda, que só esses homens têm, por vezes, possibilidades profé-
ticas e outras manifestações de clarividência. São manifestações
que maravilham profundamente e que, por sua vez, são o índice
de possibilidades intelectivas verdadeiramente superiores. Esses
poderes ultrafânicos não podem ser apreendidos através da cul-
tura, e isto também demonstra que eles pertencem à ordem das
características biológicas intrínsecas, próprias apenas desses
homens extraordinários. E a pessoa que estudamos é dotada de
poderes ultrafânicos. A produção de A Grande Síntese, escrita
de jato, sem adequada preparação científica, as previsões da
guerra recente, contidas nessa mesma obra e na Ascese Mística,
são prova disso. A avultada anormalidade que encontramos em
Ubaldi pertence, por suas características específicas, à natureza
própria dos homens de que vimos falando. Julgamos, pois, que
possa considerar-se uma anormalidade de caráter positivo, ou
seja, uma anormalidade que se tornará normalidade, quando a
evolução humana tiver caminhado mais um pouco.
Concluindo: considerando-se que Ubaldi apresenta qualida-
des físicas mais do que normais, poder intelectual superior ao
normal, qualidades psíquicas e morais de natureza tal que o
subtraem quase completamente das influências negativas do
ambiente e o fazem dominar sobre elas; considerando-se que
ele não pode ser eficazmente golpeado, mas, ao contrário, pode
exercitar sobre os homens uma profunda função biológica, que
interessa à parte mais importante da natureza humana, ou seja,
a psique, pode-se racionalmente concluir que nos achamos di-
ante de um caso de anormalidade positiva, isto é, de verdadeira
e própria superioridade biológica.
Ocorre agora perguntarmos se uma sociedade de homens
desse gênero seria compatível com o progresso e a civiliza-
ção. É óbvio que se o não fora, estaria errado tudo quanto
acima afirmamos. Preciso é notar, antes de tudo, que homens
desta espécie não podem ser considerados parasitas da socie-
dade, pois que trabalham e, com seu trabalho, ganham o pró-
prio sustento. São homens que trabalham com inteligência e
abnegação, que dão de si mesmo, contentes por ter apenas o
quanto lhes basta para viver modestamente. Não são, portanto,
contemplativos estéreis, mas ótimos trabalhadores, voltados
para o progresso. Estamos também persuadidos de que uma
sociedade constituída por homens que trabalham com muita
vontade e inteligência, em que cada um ama seu próximo co-
mo a si mesmo; em que cada um dá tudo aos outros, só pre-
tendendo o estritamente necessário; onde se ama e ajuda a
quem sofre; onde não se mata nem se rouba; onde existe li-
berdade e fraternidade; onde o pensamento é livre; onde a dor
é recebida como instrumento de libertação e de evolução; on-
de se sofre com o sorriso nos lábios; onde se desconhece a vi-
olência e se ignora o arbítrio, estamos persuadidos de que só
essa seja a sociedade perfeita; a sociedade que todos os ho-
mens bons e inteligentes da Terra queriam realizar para si e
para seus filhos. Estamos persuadidos de que uma sociedade
assim constituída seja aquele paraíso perdido, para o qual se
voltam todas as ânsias da humanidade atormentada desta Ter-
ra. Considerado tudo isso, parece-nos razoável concluir que o
tipo biológico representado por P. Ubaldi seja um tipo que a
evolução não pode destruir, mas terá de conservar.
De outra parte, não será difícil observar que a humanidade,
mesmo através de seus erros e torpezas, tende a envolver para
este tipo biológico. Pode observar-se, com efeito, que, no cora-
ção das massas humanas, surge consciente ou inconscientemen-
te uma necessidade cada vez mais sentida de bondade, de bele-
za, de verdade. Sob as agitações da superfície, as grandes leis
biológicas exercitam um trabalho subterrâneo preparatório e de
maturação e, cada vez mais, exteriorizam a necessidade de
bondade, de amor, de altruísmo. Hoje, mais do que nunca, po-
demos constatá-lo, se, sobrepujando as aparências, penetrarmos
na realidade mais profunda que agita o coração das massas. Os
políticos, os demagogos, os agitadores, só acham eco duradouro
entre as multidões quando fazem brilhar uma miragem de amor,
de bondade, de liberdade, de altruísmo, de fraternidade. Os ho-
mens bons, altruístas, sábios, gozam de respeito e da veneração
universal. O homem hipócrita veste-se com esses atributos para
ocultar suas misérias morais e tornar-se agradável a seus seme-
lhantes. As multidões anônimas e silenciosas trazem essa ne-
cessidade no coração. E elas compreendem a quase totalidade
dos homens. Comovei-as com a palavra que vem do coração e
da alma, falai-lhes de amor e fraternidade, agi de modo a so-
brepujar sua instintiva desconfiança, fruto de seculares enga-
nos, e as vereis chorar comovidas.
No entanto estes são os tempos em que triunfam os assassi-
nos, os prepotentes, os ladrões, os hipócritas, os astutos, os de-
sonestos de todas as formas e cores, em que se troca por dinhei-
ro tudo o que é sagrado, em que nada mais parece ser respeita-
do. Mas este, como dissemos, é um fenômeno visível de super-
fície; a realidade profunda é diferente. Do atual espasmo surgi-
rá a reação, e a última palavra será dita pela alma coletiva. Os
maus serão destruídos por seus próprios delitos. O ódio e a
maldade geram ódio e maldade, que se destroem mutuamente; a
bondade e o amor são por sua vez a gênese de mais elevado
amor e de mais generosa e iluminada bondade. Pode-se dizer
perfeitamente que o mal tem uma função biológica negativa e
destruidora, e que o bem tem uma função biológica positiva e
criadora. É por isso que estamos persuadidos de que o trabalho
da evolução conservará as qualidades biológicas do santo e des-
truirá as opostas. Concluamos, portanto, que nosso estudado
pode considerar-se um pioneiro da evolução.
◘ ◘ ◘
24 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
Estamos no fim deste estudo, e só falta dizer o que pensa
Ubaldi dele mesmo. Substancialmente, ele tem consciência de
representar o que até agora dissemos dele. Ele se aprecia ou de-
precia, de acordo com o termo de sua comparação: o homem ou
Deus. Diante do homem normal, ele se considera superior; di-
ante de Deus, uma coisa bem miserável. Não deve surpreender-
nos, pois, que ele fale aos homens com a linguagem do mestre
e, ao mesmo tempo, se humilhe e aniquile diante de Deus. Tudo
isso é profundo conhecimento e autocrítica serena e objetiva.
Que função biológica julga ele ter? Ajudar aos homens em
sua evolução para uma vida superior. Ele vive para cumprir es-
se seu extraordinário dever que as leis da vida, o pensamento de
Deus, lhe teriam confiado. Consome-se nessa função, que, com
sua linguagem mística, chama de missão. Crê firmemente nesta
sua missão e nela empenha todas as suas forças. Com o exem-
plo de sua vida, dá testemunho de tudo quanto diz; fala pela
imprensa e raramente de viva voz aos amigos e discípulos. Ao
conversar, jamais assume o tom de pregador. Sua linguagem é
dialética. Discute com muita seriedade e paixão; gosta mais de
ouvir do que de falar. Sua dialética é serena e persuasiva, seu
pensamento é límpido, sem preconceitos e profundo; capta o
pensamento do interlocutor com perspicácia e intuição surpre-
endentes. Dir-se-ia que sabe compreender até o pensamento que
não foi expresso. Gosta de ouvir o opositor, jamais se detém em
posições preconcebidas, é verdadeiramente um livre-pensador.
Às vezes, mostra-se feliz por haver achado algo que aprendeu e
toma notas. Interessa-se com grande paixão pelas questões ci-
entíficas, que ele interpreta e enquadra com máxima precisão na
vasta visão da verdade que nele está presente por visão intuiti-
va. Confia à imprensa toda sua personalidade, seus pensamen-
tos, suas visões, seus dramas. Com a copiosa literatura, dá sua
alma à humanidade e a projeta no futuro. Seus escritos estão, já
agora, lançados em todas as partes do mundo, traduzidos nas
línguas mais difundidas, são acolhidos e compreendidos por
homens de todas as raças. Um plebiscito de amor e de gratidão
levantou-se para ele. Muitos foram os beneficiados, e quem es-
creve isto, está entre eles. Arrastado por esta sua tarefa de bem,
que se tornou a finalidade de sua vida, movido por este ideal de
bem e de amor, dá-se todo com ardor. Sua pessoa humana se
consome queimada nessa chama de amor, e só sobrevive a al-
ma, que encontramos palpitante em todos os seus escritos. Ele
se dá a si mesmo por um ideal grande; sua alma pertence à hu-
manidade e a Deus. E caminha dolorosamente entre os homens,
amando e beneficiando, criatura celestial mais do que humana,
com o olhar dirigido às estrelas.
Verona – Itália, Páscoa de 1947.
(a) Paolo Soster
PIETRO UBALDI E SUA OBRA
Da Revista Light – Londres (Inglaterra), 27 de janeiro de
1938.
Em modesta casa, às margens de um desfiladeiro, logo às
portas da cidadezinha medieval de Gubbio, vive Pietro Ubaldi,
o médium cuja obra inspirada vem suscitando grande interesse
na Itália e no estrangeiro, nestes últimos seis anos – e não só
nos círculos psíquicos, mas também entre os cientistas, por cau-
sa do livro A Grande Síntese (recentemente publicado num vo-
lume, após ter aparecido em série em Ali dei Pensiero). É pro-
dução deveras notável, tratando de modo científico de assuntos
de que o autor pouco ou nada conhece em sua vida normal.
O conteúdo desse livro não pode ser resumido em poucas
palavras, pois oferece solução plausível a todos os problemas
do universo: desde a estrutura do átomo e a composição quími-
ca da vida, até aos métodos de ascensão mística; desde o pro-
blema matemático da relatividade e a gênese do cosmos, até às
mais novas questões religiosas e sociais e os mistérios da psi-
que humana. Muitas de suas partes parecem dirigir-se mais aos
homens do futuro do que aos de hoje. Mas as profundas verda-
des expostas pertencem a todos os tempos. A nota chave do li-
vro é a ascensão espiritual.
O Professor Bozzano, que vem acompanhando a mediuni-
dade de Ubaldi desde seus primórdios, tem a mais elevada opi-
nião do homem e de sua obra. Escreveu ele: “Está redigida em
termos rigorosamente científicos, estando de completo acordo
com as atuais concepções filosóficas, matemáticas e geométri-
cas sobre o mesmo assunto”.
O Dr. Estoppoloni, professor de Anatomia da Universidade
de Camerino, escreveu: “Essa publicação feita por quem pouco
ou nada sabe de química, é verdadeiramente espantosa, porque
as ideias são realmente científicas, tais como podiam ser formu-
ladas por competente estudioso de química”.
O Professor Schaerer, filósofo belga, confirmou: “Conside-
ro-o utilíssima demonstração de que as comunicações mediúni-
cas podem produzir obras de alto valor científico e racional”.
Grande foi o esforço para receber as comunicações, tendo
Ubaldi a princípio duvidado de seus poderes; mas diversos mé-
diuns dele desconhecidos recebiam espontaneamente mensa-
gens incitando-o e encorajando-o a continuar a todo custo a
obra para a qual havia sido chamado; e ele prosseguiu, a des-
peito das dificuldades de toda ordem; vivendo com simplicida-
de franciscana, ganhando seu pão cotidiano como mestre-
escola, passando longas horas sozinho nas fraldas da montanha,
escrevendo à noite e nas férias estivais. Assim foi produzida A
Grande Síntese, volume de cem capítulos e quase quatrocentas
páginas. Sempre muito consciente, Ubaldi teve a capacidade de
observar minuciosamente e analisar sua própria mediunidade,
tendo já publicado outro volume, As Noúres, no qual relata
pormenorizadamente como A Grande Síntese foi escrita.
Julga que seu tipo de inspiração muda de acordo com sua
própria evolução espiritual. Afirma que as faculdades intuiti-
vas, cujo uso em criações artísticas e poéticas é um fato acei-
to, também devem ser usadas em estudos científicos, pois só
por meio delas podem ser resolvidos os maiores problemas
da filosofia científica. O espírito humano deve sintonizar-se
com as correntes mais altas (noúres), sendo indispensável a
fusão da fé com a ciência.
Para receber e transmitir ao papel as mensagens das esfe-
ras mais altas, o médium deve sensibilizar-se até ao mais alto
grau, viver uma vida de renúncia e purificar-se de toda man-
cha de materialismo. Ubaldi crê que o sofrimento é o grande
elemento purificador, e ele mesmo muito tem sofrido ao per-
seguir seu ideal.
Quanto à entidade inspiradora, que assina com “Sua
Voz”, foi dito ao médium: “não pergunte meu nome nem
procure identificar-me. Nem você nem ninguém poderia fazê-
lo”. Acredita que as mensagens se originam de esferas muito
elevadas e são transmitidas não por um só comunicante, mas
por um grupo. Sua participação na obra é manter o canal
aberto, com a elevação de suas próprias vibrações, de modo
que possa encontrar seus comunicantes. Diz ele: “É ousadia
pensar na normalização desses métodos, mas estou convenci-
do de que a cultura, no futuro, consistirá numa sensibilização
da psique, a fim de receber ondas de pensamento”, ou seja, os
fenômenos inspirativos, experimentados hoje por poucos mé-
diuns altamente desenvolvidos, como ele próprio, será um dia
o método normal de obter conhecimento. “A nova filosofia
da ciência está ligada tanto ao pensamento religioso como ao
científico – tanto com a Gênese Mosaica quanto com a Evo-
lução Darwiniana. É uma verdade; unificação, a ascensão é
progressiva. O mineral se orienta; a planta sente; o animal
percebe; o homem raciocina. Podíamos continuar com as hie-
rarquias dos seres mais elevados”.
(a) Isabel Emerson
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 25
PIETRO UBALDI, PROFETA DO ESPÍRITO
Da Revista La Fraternidad, Buenos Aires – Argentina,
maio de 1949.
Nos campos da filosofia universal apareceu, aproximada-
mente há duas décadas, a inconfundível figura de Pietro Ubaldi,
que provocou verdadeira revolução na teoria do conhecimento.
Segundo o parecer de eminentes críticos, entretanto, esse pensa-
dor não pode ser comparado ao homem que filosofa, atendo-se
unicamente às essências racionais das coisas. Mais do que filó-
sofo, Ubaldi é um profeta que revela o conhecimento, e não um
forjador de conceitos e dilemas metafísicos. Nisto consiste a
original característica que tanto o distingue dos pensadores con-
temporâneos, que muito poucas vezes se arriscaram ao que po-
deríamos chamar Filosofia da Revelação. A obra filosófica sem-
pre foi considerada puro fruto da inteligência racional ou do es-
forço pensante. E, se alguma vez aparecesse um pensador que
pudesse refletir formas de conhecimento que ultrapassassem os
métodos comuns, imediatamente o colocavam no campo da ilu-
minação mística. Deste modo, a filosofia da revelação era quase
sempre excluída dos quadros clássicos da metafísica, porque se
julgava que a obra filosófica pertencia apenas ao mundo do ra-
cional, que era considerado a única fonte de saber humano. En-
tretanto, como uma faísca de fogo, Ubaldi incide nas formas
conceptuais, transfigura a natureza em puro espírito e se lança a
um trabalho que reúne num só feixe os instrumentos do conhe-
cimento, até ao ponto de unificar definitivamente as duas gnose-
ologias fundamentais da humanidade: a ciência e a religião. Seu
trabalho profético, entrosado com os planos divinos da história,
torna-se uma prolongação do Logos, ou Verbo Encarnado, rea-
firmando dessa forma, com heroica habilidade, o mesmo traba-
lho de São Tomás de Aquino, que, da mesma forma que ele, re-
conciliou para todos os tempos a fé com a razão.
Mas a originalidade de Ubaldi consiste no fato de que ele
“possui outro mundo sobre seus ombros”, do qual está totalmen-
te consciente. Sabe que sua natureza metafísica não opera com
elementos racionais apenas, mas que há, em sua criação filosófi-
ca, uma poderosa intervenção do espírito, que faz sua pena dizer
verdades não comuns para a inteligência racional do homem.
Creio firmemente que Ubaldi representa em nosso século
uma ressurreição dos antigos profetas de Israel, que tiveram a
missão de preparar o terreno para a chegada do Cristo encarna-
do. O filosofo de Gúbio executa, em nosso tempo, trabalho si-
milar: prepara as inteligências para a recepção do Cristo invisí-
vel, que há de reunir em um só rebanho e um só pastor a huma-
nidade da Terra, já que o fim dos tempos, isto é, o fim da histó-
ria, se aproxima apocalipticamente.
Em nosso tempo, Ubaldi representa uma demonstração real
da unidade que deverá existir entre a religião e a ciência e, ao
mesmo tempo, uma antecipação dos novos caminhos que serão
seguidos pelo espiritualismo moderno. Em sua correspondên-
cia, manifesta-me sempre que seu espiritualismo é cristão e que
toda a sua produção filosófica desemboca na sabedoria cristã.
Com efeito, Ubaldi não lega apenas um saber filosófico às ge-
rações atuais; ele entrega ao espírito contemporâneo uma sabe-
doria, isto é, a sabedoria da revelação. Por isso Ubaldi “não é só
um fato ou processo científico, mas um verdadeiro ato místico e
religioso”, fundamentado nas eternas realidades do espírito.
Buenos Aires, maio de 1949.
(a) Humberto Mariotti
A GRANDE SÍNTESE E
A NOVA TEORIA DE EINSTEIN (Esclarecimentos)
Tenho diante de mim vários jornais italianos, de 1950,
abordando “Il Caso La Grande Síntese e la nuova teoria di
Einstein”. La Nazione, de Florença (26 e 31 de janeiro); L'Um-
bria, de Perúgia (31 de janeiro); La Setímana, de Piacenza (13
de março); a revista Quaderni dei 2000, de Milão (mês de ju-
lho); na revista Estudos Psíquicos, de Lisboa, Portugal (mar-
ço/abril de 1950), apareceram “De Ubaldi a Einstein” e “O Ca-
so A Grande Síntese e a nova teoria de Einstein”; o jornal Diá-
rio de São Paulo (2 de julho de 1950) publicou: “Antecipação
mediúnica da descoberta da chave do universo por Einstein”; a
revista La Idea, de Buenos Aires, Argentina (maio de 1950),
apresentou: “El Caso La Gran Síntesis”; a revista Constancia,
também de Buenos Aires, e outras dos Estados Unidos, deram
amplo destaque ao fato. Este caso foi intitulado “A Grande Sín-
tese e a Nova Teoria de Einstein”. Vou resumi-lo, apoiado nas
revistas e jornais acima, além de A Grande Síntese.
Uma notícia sensacional percorreu os jornais nestas últimas
semanas: o grande matemático Einstein formulou uma teoria,
pela qual se teria descoberto o elo que faltava para a concep-
ção unitária do universo. Com sua famosa teoria da relativida-
de, só mais tarde experimentalmente confirmada, Einstein já
demonstrara, por meio da matemática, a estreita relação qua-
dridimensional entre as duas dimensões: espaço e tempo. Fal-
tava ainda, entretanto, a demonstração matemática da relação
entre todas as forças cósmicas e, portanto, de sua unidade. Isto
foi conseguido com a nova teoria que Einstein definiu: “teoria
generalizada da gravitação e teoria do campo unificado”, que
conclui com quatro equações todas iguais a zero. Com ela,
quer explicar a origem de todo o movimento do universo.
Achou-se, dessa forma, uma relação íntima entre a eletricidade
e a gravitação, que assume então um conceito completamente
novo, que não é mais o da física mecanicista Newtoniana, ad-
mitida por todos até ontem. Essa afinidade faz da eletricidade e
da gravitação duas forças afins, irmãs, derivadas de um único
princípio unitário. Eis o elo que faltava para poder demonstrar
a concepção monística e unitária do cosmos.
Em nosso caso, o fato é simplesmente o seguinte: o que os
jornais anunciam ter sido descoberto agora pelos caminhos da
matemática, já fora descoberto pelos caminhos da metapsíqui-
ca há 18 anos, e publicado pela primeira vez na revista Ali del
Pensiero, de Milão, em 1932, na obra que depois apareceu em
volume, A Grande Síntese, e que agora está editado em Roma,
em terceira edição, além de em Buenos Aires, no Rio de Janei-
ro e outros lugares.
Ora, qualquer pessoa pode verificar que lá está desenvolvi-
da não só a teoria da evolução das dimensões, que filosofica-
mente completa e enquadra, em toda a escala das dimensões, a
concepção matemática de Einstein, do “contínuo” espaço-
tempo, mas também a própria afinidade entre eletricidade e
gravitação; desta última até a íntima natureza já havia sido ex-
plicada. No capítulo XXXVIII de A Grande Síntese – “Gênese
da gravitação”, vamos encontrar:
“Eis-nos às primeiras afirmações, novas em vosso mundo
científico. A gravitação, mais exatamente a energia gravífica, é
a protoforma do universo dinâmico. Sendo energia, é radiante e
se transmite por ondas. Tem uma velocidade sua de propagação
(...), máxima no sistema. Aqui são completados os conceitos da
teoria de Einstein. A gravitação é relativa à velocidade de trans-
lação dos corpos. A massa varia com a velocidade, de que é
função. O peso aumenta por novas transmissões de energia e
vice-versa. O conceito de transmissão instantânea cai para todas
as forças. A gravitação emprega tempo, ainda que mínimo, para
transmitir-se; ela tem, como todas as formas dinâmicas, um
comprimento típico de onda, que lhe é próprio.
“A lei de Newton, da gravitação universal, apenas indica o
princípio que mede a difusão da energia gravífica, o qual é ape-
nas um aspecto do princípio que regula a difusão de qualquer
forma de energia e que demonstra sua origem comum: o princí-
pio da onda e de sua transmissão esférica. As radiações conser-
vam todas as suas características fundamentais de energia ciné-
26 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
tica, da qual nasceram, e é essa identidade de origem que esta-
belece entre elas essa afinidade de parentesco. Outra prova des-
sa afinidade entre as formas dinâmicas reside na qualidade da
luz, próxima derivação, por evolução, da energia gravífica.
Nesta forma de energia radiante luminosa, achais, em parte, as
características da forma originária da energia radiante gravífica
(...). Poder-se-á dizer que a luz pesa, ou seja, a luz sofre o in-
fluxo dos impulsos atrativos e repulsivos de ordem gravífica; e
que existe uma pressão das radiações luminosas. Direi mais:
todas as radiações exercitam, ao propagar-se, uma pressão de
natureza gravífica e apresentam fenômenos de atração e repul-
são em relação direta com sua proximidade genética, na suces-
são evolutiva, com sua protoforma dinâmica, a gravitação”.
Esse capítulo assim concluía: “dirigi as pesquisas neste sen-
tido, analisai com o cálculo estes princípios (...)”, quase pre-
vendo que, só com o cálculo, seria possível iniciar a demons-
tração, como agora ocorreu.
Neste ponto, a imprensa que se ocupou com o caso pergun-
tava-se como tinha sido possível uma tal antecipação de con-
clusões, mas não pôde dar uma resposta satisfatória. Senti-me,
por isso, no dever de expor diretamente meu ponto de vista.
Disseram: como é possível que um homem desprovido de cul-
tura específica matemática e científica, que não estava ao cor-
rente dos processos einsteinianos, pôde antecipar dessa forma
suas conclusões? Falou-se de intuição filosófica. Que podemos
entender com isso?
Aqui há dois problemas a esclarecer: o matemático e o psi-
cológico. Quanto ao primeiro, para evitar equívocos e exageros
reclamísticos, digamos logo que ninguém pretende que A Gran-
de Síntese tenha dado a fórmula matemática expressa por Eins-
tein, em sua “Teoria generalizada da gravitação e teoria do cam-
po unificado”. Nossa atitude nada tem de polêmica, nem preten-
de reivindicar prioridades neste campo. Cabe a A Grande Sínte-
se, ao invés, a formulação filosófica dos mesmos princípios, e é
nesse sentido que se deve compreender sua prioridade. Trata-se
da descoberta e exposição das mesmas verdades, mas de forma
diversa, o que pode ter alcance e consequências diversos, até
maiores, não, de certo, no campo físico-matemático, mas no fi-
losófico. Aqui não é possível aprofundar isto, mesmo porque a
imprensa não deu a conhecer as particularidades das novas teo-
rias einsteinianas. No entanto é certo que a formulação que elas
realizaram é muito mais profunda nos particulares e está de-
monstrada, ao menos como processo lógico-matemático. Em
compensação, só a formulação de A Grande Síntese está enqua-
drada num sistema filosófico universal, que está preso aos fe-
nômenos, justifica e prova aquela formulação filosófica, mesmo
do ponto de vista racional e científico e, assim, indiretamente,
prova também a formulação matemática de Einstein. Isto até ao
ponto em que, enquanto esta espera sua confirmação experimen-
tal para ser provada, a nós ela já aparece perfeitamente verdadei-
ra, tanto que pode desde agora ter a segurança de que os fatos
com que entrará em contato só poderão demonstrá-la.
Esclareçamos agora o outro problema, o psicológico, que
mais de perto diz respeito ao caso atual e à gênese. O fato é
que ambas as formulações são devidas a um processo de intui-
ção. Na profundidade das operações da lógica matemática de
Einstein, há um ato de intuição que sustentou e guiou o racio-
cínio dele até o fim. O mesmo ato de intuição, levado até ao
método super-racional, foi usado regularmente ao ser concebi-
do e exposto o sistema filosófico-científico de A Grande Sínte-
se. Só com a lógica racional, demonstra-se, mas não se cria. Se
há alguma diferença entre os dois casos, é que, nos processos
einsteinianos aparece a lógica matemática, mais do que a intui-
ção; ao passo que, em A Grande Síntese, dominam os proces-
sos intuitivos, usando-se a demonstração racional como uma
descida necessária para fazer-se compreender numa dimensão
conceptual inferior, que é a do homem atual. É por isso que se
explica porque A Grande Síntese pôde atingir as mesmas con-
clusões 18 anos antes, pois, pela rapidez, a intuição está para o
raciocínio como a luz está para o som. Mas é inegável que as
teorias de A Grande Síntese tiveram uma confirmação podero-
sa com o raciocínio einsteniano, ainda que esse raciocínio es-
pere, agora, a confirmação experimental, que, para ambas as
formulações, que agora estão emparelhadas, será decisiva. Isto
pode forçar à reflexão quem, a princípio, julgou A Grande Sín-
tese cheia de erros. Enquanto isso, a formulação filosófica
prova a formulação matemática, porque a enquadra num siste-
ma universal, em que achamos posta, orgânica e logicamente,
a explicação de todos os fenômenos conhecidos; em contrapar-
tida, a formulação matemática, rigidamente conduzida pela ló-
gica do grande cientista, prova a formulação filosófica. Ambas
parecem completar-se e complementar-se.
Devo agora focalizar outro ponto, o mais complexo. Como
cheguei a esta formulação filosófica sem possuir os meios cul-
turais de Einstein? Que se entende por método de intuição? A
Grande Síntese apareceu, em seu tempo, como devida a um fe-
nômeno inspirativo, super-racional. Apareceu como um produ-
to de estados de consciência supernormais, enquanto, por mi-
nha conta, eu continuava indagando e controlando com a mais
severa crítica psicológica e científica, para ver se explicava o
fenômeno. Percebi de imediato não só que este fenômeno era
mais complexo do que parecia mas também que a concepção
espírita de uma entidade que transmitia e de um indivíduo que
recebia, mais ou menos em transe, era por demais elementar pa-
ra poder explicá-la. Eu mesmo iniciei o estudo deste meu caso
no volume As Noúres e, desde então, muito tenho progredido,
seja pela evolução do próprio fenômeno inspirativo, que, no
meu caso, está em contínua ascensão, seja pelos meios cada vez
mais completos de pesquisa que esse fato me dava. Hoje, a so-
lução corrente de mediunidade não se adapta mais, nem é sufi-
ciente. Precisamos, aqui, não de uma solução isolada do pro-
blema, mas sim em função da solução do problema cósmico,
em que todos os outros se equacionam e se resolvem. E isto,
muito mais para o problema do espírito, que resume em si tan-
tos outros, como numa síntese. Nenhum problema se resolve
isoladamente, e, para compreender este, tive antes, em sete vo-
lumes até hoje, que resolver muitos outros. Procuremos pois,
hoje, superado o simplismo do conceito mediúnico, resumir em
poucas palavras a complexidade do fenômeno.
A mais avançada ciência moderna leva-me, de todos os la-
dos, à mesma conclusão (veja-se Problemas do Futuro, “a úl-
tima substância do universo é de natureza abstrata, é um pen-
samento, aquilo que as religiões chamam Deus”). Este pensa-
mento, que agora a ciência, pesquisando cada vez mais no fun-
do, foi obrigada a encontrar, está escrito em todos os fenôme-
nos, está no âmago das coisas, é o princípio vital que tudo ani-
ma, é a consciência do universo, é o Deus transcendente que,
no ato em que Ele tudo rege e guia, assume o aspecto imanente.
Ora, a pequena consciência individual é um pequeno círculo
que, como “eu”, evolui e se distingue de todos os “eus” dos ou-
tros seres, neste “todo” pensante. Por isso ele se dilata e extra-
vasa cada vez mais na consciência universal, que normalmente,
para ele, está fora de seu consciente, ou seja, é para ele uma zo-
na de inconsciente, embora manifestando-se através dele por
sínteses e comandos, como os instintos, as intuições etc.
Que é então a inspiração? É um extravasamento da consci-
ência individual em expansão, por evolução, nos campos do
consciente universal, Deus. Evolução implica sensibilização.
Esta implica em novos olhos, que se abrem para ver mais longe.
E olha-se não em transe, mas de forma altamente consciente e
duplamente atento. O pensamento desta consciência universal
já está escrito em todos os fenômenos, que, com seu funciona-
mento, mostram-no a quem saiba abrir esses novos olhos do es-
pírito. As descobertas já estão todas feitas e se encontram em
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 27
ação no universo, os problemas estão todos resolvidos, porque
tudo está funcionando como consequência. As descobertas apa-
recem concomitantemente, nos pontos mais diferentes do glo-
bo, porque são o resultado de intuições dadas pela maturação
biológica. O mistério existe apenas em nossos olhos míopes. Às
vezes, não é raciocinando nem estudando nos livros, mas abrin-
do esses novos olhos, por evolução – muitas vezes feita apenas
de dor e maceração – que se pode chegar a ver. Então, é por ca-
tarse do “eu” que se fazem descobertas. Eis a intuição.
É este o meu caso. Estudando-o, vi como funciona a evolu-
ção e os processos intuitivos que com ela estão conexos. A
princípio, utilizei-os instintivamente, ou seja, sendo eu mano-
brado como instrumento do consciente universal, sem que eu
soubesse exatamente como. Mas, observando e examinando
cuidadosamente, consegui perceber a técnica do fenômeno.
Tendo-a assim analisado, formulei o que hoje chamo o “método
da intuição”, que, ao menos para mim, constitui hoje um ins-
trumento regular de pesquisa e produziu um original sistema
orgânico que já está em seu nono volume. Achei com isto a
chave de todos os problemas do universo.
Só assim posso explicar-me como minha pesquisa científi-
ca caminha ao lado da espiritual e como os problemas einstei-
nianos estejam, para mim, conexos e coordenados com os do
misticismo. Goste-se ou não da palavra “monismo”, o fato é
que o pensamento de Deus é uno. Goste-se ou não das palavras
“mediunidade”, “ultrafania”, “inspiração” etc. (as palavras são
palavras), o fato é que a maceração evolutiva está operando
neste caso a catarse biológica que leva minha consciência in-
dividual a realizar um ainda que mínimo extravasamento além
da média normal, na consciência universal. Assim, sem estudo
específico nem processos racionais, nasce no indivíduo um re-
lance de visões que ele, simplesmente olhando com esses no-
vos olhos espirituais de sensibilizado, registra com rapidez.
Nascem assim os meus volumes em continuação, um depois do
outro, sem preparação e sem pausas. Nesses, não sou eu que
falo, mas é a vida, é essa consciência universal, como acontece
todas as vezes em que o homem cria na Terra coisas novas,
porque elas só podem provir daquela fonte. É natural, então,
que a ciência que daí nasce esteja saturada de sentido religioso
e místico e dos estados de consciência a ele inerentes, e que a
exposição possa chegar a todos os campos e resolver todos os
problemas sempre orientada dentro do todo. Eis a síntese, por-
que o pensamento parte do Uno. Trata-se de um pensamento
que está nos antípodas da ciência atual e que poderá ajudá-la a
salvar-se da especialização, que, tendendo a dispersá-la nos
particulares e nos múltiplos, constitui o reino satânico da pul-
verização do Uno e está em seu antípoda.
Concluo. Eu tinha o dever de dizer isso, já que, na imprensa
e numa multidão de cartas, muitos vão admirando em mim –
quem sabe – algum engenho. Porém nada há de engenho. A
única coisa que faço é ler no livro da vida, e sou apenas um po-
bre amanuense que procura transcrevê-lo fielmente. Isto será
supernormal, mas apenas em relação ao normal humano. Dian-
te, porém, do consciente universal, do infinito pensamento de
Deus, o que é um infinitésimo a mais?
Estas minhas conclusões, provenientes da infinita miséria
que, naturalmente, todo ser deve sentir de si mesmo quando se
avizinha do pensamento diretivo do universo, podem ser uma
prova da genuína realidade do fenômeno. Trata-se, se assim
possa chamar-se, de um caso natural de evolução, que, como é
lógico, é lei igual para todos e a todos espera amanhã, pois a
evolução significa justamente expansão da consciência indivi-
dual na universal, ou seja, ascese da alma para Deus.
Quem quiser sorrir ceticamente destas coisas, que lhe pode-
rão parecer loucuras segundo a psicologia materialista hoje em
voga, experimente antes ler as 3.000 páginas dos nove volumes
já publicados, compreendendo-as. Depois experimente escrever
outros nove volumes – o décimo está em preparação e outros a
eles se seguirão. Experimente lançá-los em 18 anos, por entre
uma guerra como a última, nos dois hemisférios, em várias lín-
guas e edições, que, para alguns escritos, atingiram meio milhão
de cópias. Faça isso sozinho, sem preparação e sem meios, des-
conhecido e estorvado, sem representar nenhum interesse nem
grupo humano que o lance e sustente como seu expoente. Expe-
rimente conceber um plano do universo, em que os problemas
do espírito estejam resolvidos ao lado das últimas concepções fí-
sico-matemáticas e, mais tarde, se enquadrem também, de per si,
nas teorias de Einstein. Experimente fazer tudo isso e poderá en-
tão, somente se tiver êxito, rir destas coisas. Porque os fatos são
fatos e não são destruídos pela psicologia materialista com um
sorriso cético. E, excluindo a intervenção de forças super-
humanas, como explica isso a psicologia materialista?
Gúbio, março de 1950
Pietro Ubaldi
ENCONTROS COM EINSTEIN (I)
(O Homem)
Estava no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, de saída
para o interior, quando os jornais trouxeram a notícia da morte
de Einstein.
Até a chegada do avião, foi uma contínua tempestade em
minha mente. Quantas lembranças! Ele tinha tido a paciência de
ler alguns de meus livros e de manifestar, nas suas cartas, o seu
julgamento a respeito. Pensei nesse meu grande amigo que, no
século da ciência experimental, tinha ido além do telescópio e
do microscópio, tendo por único laboratório o seu cérebro. Com
ele, o homem havia voltado a vencer no terreno do pensamento
puro, na forma da lógica matemática, que é sempre lógica como
aquela dos maiores pensadores, filósofos ou teólogos do mundo.
E isto aconteceu em nosso mundo moderno, para esclarecer a ci-
ência positiva, demonstrando-nos que se pode chegar ao conhe-
cimento não somente pelo caminho da observação e experimen-
tação, mas também pelas abstrações do pensamento puro.
Além disso, Einstein lançou a ideia da relatividade. Só ele
demonstrou matematicamente que não há uma medida absoluta
de tempo e espaço, porque os corpos no espaço estão em mo-
vimentos relativos uns aos outros; e este princípio veio conta-
giar os princípios afins e se espalhou até atingir um sentido
mais universal a respeito de todos os nossos conhecimentos. A
ideia, que já aparecera com Bergson, acabou por nos fazer, as-
sim, admitir que não podemos conceber senão verdades relati-
vas em evolução.
Demonstrando-nos que as leis que regem os mínimos elétrons
são as mesmas que regem os sistemas planetários e galácticos,
ele nos guiou à ideia da unidade do todo, unidade conclusiva e
substancial, decorrente de ser a matéria, nas suas próprias con-
clusões, apenas uma forma de energia. A sua Teoria Geral da Re-
latividade constitui o maior triunfo da mente humana até hoje.
E esse homem teve a paciência de ler alguns dos meus li-
vros e a humilde bondade de me escrever. Eis como aconteceu,
porque ele não costumava, nem o poderia, responder às cente-
nas de cartas que lhe chegavam pelo correio.
Um dia – era 12 de março de 1951 – estava escrevendo no
meu quarto solitário de Gúbio, na Itália, quando um rapaz bateu
à porta para me informar que no hotel da cidade havia chegado
um casal norte-americano à minha procura. Fui para lá, pensan-
do que precisassem de um intérprete. Mas não era isso. Eles
haviam lido alguns artigos meus numa revista de Londres e em
outra de New York, e quiseram ver a cidade de Gúbio. Tratava-
se de Mr. Gerold M. Lauk, de New York, que tinha outro apar-
tamento em Nassau Street, Princeton, New Jersey.
Assim fomos, no carro dele, visitando as antiguidades da
cidade de Gúbio e logo nos tornamos amigos. O que mais me
28 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
interessou nele foi vir a saber que vivia na cidade de Princeton,
nos EUA, onde morava o prof. Albert Einstein. Era seu amigo e
tomava chá na casa dele e da filha, Margot Einstein, na Mercer
Street. Começou, assim, a relatar-me uma porção de pormeno-
res da vida de Einstein, dizendo-me que este não pensava em
dinheiro e ficava sempre abstrato, na maior simplicidade de há-
bitos e de roupas, parecendo por fora um homem qualquer. Ein-
stein, que Mr. Lauck chamava “o professor”, lecionava na
“School of Mathematics of the Institute for Advanced Study”.
Pouco a pouco eu ia, assim, conhecendo mais de perto, pe-
las palavras de um seu amigo, esse homem extraordinário e,
cada vez mais, alimentava maior simpatia para com ele e maior
admiração pela sua simplicidade, pelo seu gênio. Se eu fosse a
Princeton, Mr. Lauck ter-me-ia apresentado ao Prof. Albert
Einstein. Assim me prometera.
Embora, no terreno puramente matemático, eu nada enten-
desse de suas teorias, só acessíveis a cientistas especializados,
eu percebia que concordávamos plenamente no terreno filosófi-
co, filosofia da ciência, não obstante ele não chegasse ao plano
espiritual, que estava além de suas pesquisas.
É assim que se explica como Einstein tivesse gostado dos
meus livros nas partes em que eu ficara no terreno positivo da
ciência e como os julgasse, no mais, qual obra de arte, leve e
estranha, quando se tratava de problemas espirituais.
Explica-se, pois, perfeitamente, a sua primeira carta, de 2 de
maio de 1951, que aqui reproduzimos, traduzida do inglês, no
final deste capítulo. Nela, ele me agradece um livro meu que
Mr. Lauck lhe havia entregado em mãos, dizendo-me que havia
estudado parte dos meus livros e ficara admirado pelo poder da
linguagem e a vasta extensão dos assuntos tratados (ele era mais
analítico que sintético). Mas, quando não se refere mais, como
aqui, à parte puramente científica, porém à outra, filosófica e es-
piritual, concluiu na mesma carta que não sabe se concorda ou
não com ela, porque, tratando-se de um trabalho filosófico, me
afastava do mundo do controle da experiência, de modo que o
assunto parecia-lhe um trabalho independente, de arte.
Esta ideia está confirmada na outra carta, de 2 de julho de
1952, também aqui traduzida do inglês e publicada no final des-
te capítulo. Os dois livros de que ele fala não tratavam de as-
suntos científicos, mas principalmente filosóficos, morais, reli-
giosos e espirituais. E ele conclui com estas palavras: “Para o
meu velho cérebro, treinado no racionalismo, tudo isto me pa-
rece estranho, porém agradável”.
Falei de tudo isto, dando provas, para explicar a mentalida-
de dele, incrivelmente poderosa no terreno positivo, racional
matemático; verdadeiro gênio aí, mas homem comum fora dis-
so. Ele foi assim um verdadeiro filho de nosso século, isto é, o
cientista profundo e especializado, mas primeiramente analítico
e só depois sintético; grande matemático, cuja maior grandeza é
de ter a honestidade e sinceridade de reconhecer que o seu cé-
rebro está treinado pelo racionalismo, campo além do qual, ele
não se acha num terreno que possa aceitar como positivo. Mas
isto não nos deve surpreender, porque esta é a forma mental de
nosso pensamento científico moderno.
Apesar disto, a matemática é tão alta, que se poderia chamar
também filosofia, porque ela se dirige no fim a alcançar a solu-
ção de problemas filosóficos. A Teoria dos Quanta, de Planck,
havia ensinado que o universo físico seria feito de pequenas
porções (quanta) governadas não por uma causa feita de ordem,
mas pelo acaso. Einstein reagiu dizendo: “Eu não posso acredi-
tar que Deus esteja jogando dados com o universo”. E sempre
procurou demonstrar a unidade do todo e, com isso, a presença
de um único princípio central dirigente.
Ele penetrou na profundidade dos maiores mistérios do ser
com olhos de matemático. Mas os mistérios são os mesmos para
todos. Mr. Lauck dizia-me que Einstein, muitas vezes, dava a
impressão de não poder aceitar a doutrina da imortalidade da al-
ma. Também perante as maiores verdades do espírito, ele perma-
necia um matemático, um grande matemático que não podia re-
solver as grandes equações do espírito. Assim explicam-se as su-
as duas cartas. Mas, de outro lado, ele respeitou e admirou as re-
ligiões como a coisa mais nobre. E quem respeita, como verda-
deiro cientista, que não pode aceitar o que não é demonstrado po-
sitivamente, merece, pelo fato de respeitar, todo o nosso respeito.
Assim, sem procurar, tive a sorte de conhecer o Prof. Eins-
tein. Visitei depois, novamente, em Roma, Mr. Lauck, estrei-
tando sempre maior amizade. Entregava-lhe os meus livros e
cartas para o Professor Einstein, e ele entregava tudo nas mãos
dele, ou colocava-as sobre a sua mesa de trabalho. Eu ficava ar-
repiado, especialmente pensando que meu inglês, talvez, fosse
errado; se teria ele colocado o seu cachimbo para marcar as pá-
ginas, como era de seu hábito, perto do quadro negro cheio de
fórmulas matemáticas, sobre a grande desordem dos papéis es-
palhados na mesa de seu escritório. Penso com tristeza nesse
grande desaparecido, que teve tanta bondade e humildade, a
ponto de se interessar pelo meu trabalho tão pobre.
Pietro Ubaldi
◘ ◘ ◘
Cartas de Albert Einstein a Pietro Ubaldi
The Institute for Advanced Study
Princeton, New Jersey – May 2nd, 1951
School of Mathematics
Prof. Dr. Pietro Ubaldi
Gubbio, Italy
Caro Professor Ubaldi,
O senhor Lauck foi muito gentil trazendo-me seu livro e
sua carta. Estudei parte dele e admirei a força da linguagem e a
vastidão dos assuntos ali tratados. Inicialmente, achei uma es-
pécie de pessimismo em relação à filosofia de Herbert Spencer
e uma ênfase bastante acentuada na evolução do homem atra-
vés do esforço individual. Creio que este tipo de apresentação
não faz justiça ao fato de que o homem é, predominantemente,
um animal social. Com seu empenho para encontrar uma solu-
ção geral, em um nível mais abrangente, não me é fácil con-
cordar ou discordar. O perigo de tais tentativas filosóficas está
em que as palavras se tornam dissociadas do campo experi-
mental. Toda a estrutura me impressiona mais como um traba-
lho de arte independente, como uma interpretação intelectual
de alguma coisa a mais. Cordialmente seu
(a) Albert Einstein
The Institute for Advanced Study
Princeton, New Jersey – July 2nd, 1952
School of Mathematics
Professor Dr. Pietro Ubaldi
Gubbio, Italy
Caro Professor Ubaldi,
Muito obrigado pelos dois livros que o senhor Lauck, gen-
tilmente, me entregou. Tentei ler seu livro sobre filosofia da vi-
da. Para meu velho cérebro, treinado no racionalismo, tudo isto
me parece estranho, porém agradável.
Com minhas recomendações. Cordialmente seu,
(a) Albert Einstein.
ENCONTROS COM EINSTEIN (II)
(O Pensamento)
Aproximando-me do Prof. Einstein e de seu pensamento,
compreendi uma coisa: a alta matemática está muito próxima
das especulações filosóficas. Isto, para mim, estabeleceu uma
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 29
ponte entre a ciência e o espiritualismo. Desde então encarei os
problemas do espírito não somente como biológicos, sociais,
artísticos, místicos, espirituais, filosóficos, religiosos etc., mas
também como problemas estritamente científicos.
Comparando os resultados atingidos por Einstein com os
atingidos pelos outros cientistas modernos, cheguei à conclusão
de que, de tanto aprofundar as suas pesquisas, a mais adiantada
ciência materialista haveria de encontrar o espírito. Achei que a
ciência, estudando sempre mais a fundo o nosso mundo psico-
dinâmico, não poderá deixar de descobrir nele o pensamento
que o dirige, a inteligência que a lei dos fenômenos nos revela.
Einstein ensinou-me que a nova física deve confiar sempre
mais nos matemáticos, que elaboram sobre abstrações, afastan-
do-se do velho conceito do materialismo científico. A ciência
atual, de fato, abstrai-se cada vez mais da realidade sensória,
numa constante diminuição de contatos, construindo numa es-
pécie de vácuo, feito de uma realidade mais verdadeira, porque
mais profunda, na forma da lógica matemática. Este progressi-
vo afirmar-se do pensamento puro, denota uma efetiva elevação
em direção ao espírito; quer isto dizer que a ciência está che-
gando, por si só, sem intervenção espiritualista, a admitir que a
última realidade do universo é o pensamento, um pensamento
cósmico, em que o homem está mergulhado, de que faz parte,
mas que existe independentemente dele.
Esta é a revolução que se está operando no próprio seio do
materialismo; este é o maior valor das descobertas modernas,
porque nelas se encontra completa a semente de um futuro de-
senvolvimento da ciência no espiritualismo. Este não se apoi-
ará mais apenas sobre a fé e a revelação, mas alicerçar-se-á
em provas positivas, racionalmente demonstradas. Hoje, che-
gamos a um ponto que não oferece outra saída; eis que o últi-
mo elemento da matéria, o elétron, é reconhecido como um
aglomerado de ondas, provando que a última substância da re-
alidade é mera concentração de energia ondulatória. Qualquer
substrato material desaparece, e a solidez sensória do mundo
físico fica assim reduzida, por puro processo lógico, a uma
simples representação relativa à possibilidade de nossa per-
cepção, também relativa. Hoje se compreende que a última
essência da matéria é abstrata, um imponderável, puro pensa-
mento da mente diretiva do universo, o pensamento que pode
criar, como sua expressão, o universo físico.
Assim a concepção materialista ficou reduzida a quase na-
da, por obra do próprio realismo, e não do idealismo. Pene-
trando em maior profundidade, o materialismo acabou por se
confundir com o espiritualismo. No fundo, há apenas um
“quid” que, quando assume a forma sensória, chama-se maté-
ria. E, um dia, a ciência verá que esse “quid” é o puro pensa-
mento, que constitui o elemento genético da criação da matéria
de nosso universo físico.
Foi Einstein que me mostrou essa ponte lançada pela Física
no campo do espírito. Daí nasceu a possibilidade de uma con-
cordância entre as conclusões dele e as do sistema explanado
nos meus livros.
◘ ◘ ◘
No começo do ano de 1950, os jornais publicaram uma no-
tícia sensacional: O grande matemático Einstein descobriu
uma nova teoria, pela qual teria sido encontrado o elo que fal-
tava para a concepção unitária do universo. Com a célebre teo-
ria restrita da relatividade, Einstein já havia demonstrado, por
meios matemáticos, mais tarde confirmados experimentalmen-
te, a estreita relação quadridimensional entre as duas dimen-
sões – espaço e tempo. No entanto, faltava ainda a demonstra-
ção matemática da relação entre todas as forças cósmicas e,
por conseguinte, da sua unidade. Isto se conseguiu com a nova
teoria, que Einstein chamou “Teoria generalizada da Gravita-
ção” e “Teoria do Campo Unificado”, que termina com quatro
equações todas iguais a zero. Essa teoria explica a origem de
todas as forças do universo. Encontrou-se, assim, íntima rela-
ção entre a eletricidade e a gravitação, que, dessa forma, assu-
me um conceito completamente novo, muito diferente daquele
dado pela física mecânica Newtoniana, que, até hoje, havia si-
do aceita por todos. Essa afinidade faz da eletricidade e da
gravitação duas forças afins, irmãs, derivadas do mesmo prin-
cípio unitário. Eis o elo que faltava para demonstrar a concep-
ção monística e unitária do cosmos.
Em nosso caso, o fato é simplesmente este: aquilo que os
jornais disseram ter sido então descoberto pelos meios matemá-
ticos, já havia sido afirmado pelo caminho metapsíquico, dezoi-
to anos antes, sendo publicada a descoberta em 1932, pela pri-
meira vez, na Revista Ali del Pensiero de Milão e, depois, inse-
rida no volume A Grande Síntese, bem difundido na Europa e
nas Américas do Norte e do Sul.
Todos podem verificar que ali estão desenvolvidas não só a
teoria da evolução das dimensões, que, filosoficamente, comple-
ta e enquadra em toda a escala das dimensões a concepção ma-
temática de Einstein do “continuo” espaço-tempo, mas também
a própria afinidade entre a eletricidade e a gravitação, que, com
a íntima natureza desta última, já tinham sido explicadas no
Cap. XXXVIII de A Grande Síntese: “Gênese da Gravitação”.
Ali, entre outras coisas, diz-se: “As radiações conservam
todas as características fundamentais da energia cinética que
lhes deu movimento e é essa comunidade de origem que estabe-
lece entre elas afinidade de parentesco. Outra prova do paren-
tesco das forças dinâmicas está na qualidade da luz, derivação
próxima, por evolução, da energia gravífica (...). Poder-se-ia
dizer que a luz pesa, isto é, que a luz sofre o influxo dos impul-
sos atrativos e repulsivos de ordem gravífica; existe uma pres-
são das radiações luminosas. Direi mais: todas as radiações
exercem, em sua propagação, uma pressão de ordem gravífica;
apresentam fenômenos de atração e repulsão, em relação direta
com as suas proximidades genéticas, na sucessão evolutiva,
com a sua protoforma dinâmica, a gravitação”.
E conclui assim: “Orientai as vossas pesquisas neste senti-
do; analisai por meio do cálculo estes princípios, e a ciência
chegará a descobertas que a revolucionarão”. Isto como se pre-
visse que só pelo cálculo se poderia iniciar a demonstração,
como depois aconteceu.
O controle experimental, realizado com as medidas tomadas
e nas fotografias batidas em vários eclipses do Sol, confirmaram
tudo isso, junto com a teoria de Einstein, isto é, que os raios lu-
minosos ficam curvados pela atração gravitacional. Embora hoje
o Dr. Freundlick, já colaborador de Einstein no observatório de
Potsdam, ache que a curvatura dos raios luminosos supera de
30% a previsão teórica, o principio geral fica sempre o mesmo.
Também, embora hoje pareça que a luz emitida em campos
gravitacionais intensos seja deslocada na direção do vermelho
do espectro, e o valor da derivação seja diferente daquele pre-
visto pelas fórmulas de Einstein, o princípio geral permanece
também sempre o mesmo.
E, embora a teoria da relatividade generalizada esteja adqui-
rindo maiores desenvolvimentos com os retoques dos novos ci-
entistas, a primeira grande descoberta de Einstein nunca perde-
rá o seu valor fundamental.
Aqui, por amor à verdade, preciso esclarecer, para evitar
equívocos, que ninguém afirma que A Grande Síntese houves-
se antecipado a fórmula matemática expressa por Einstein na
sua Teoria Generalizada. Ninguém quer reivindicar a priorida-
de nesse campo. A Grande Síntese só focalizou os conceitos fi-
losóficos dos mesmos princípios e, tão só nesse sentido se en-
tende a sua antecipação. Trata-se da descoberta e enunciação
da mesma verdade, mas por forma diferente, uma no campo fí-
sico-matemático, outra no campo filosófico. A primeira é um
produto particular de uma profundíssima especialização, a se-
gunda faz parte de um sistema e fica enquadrada numa filoso-
30 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
fia universal. Assim as duas conclusões se apoiam e demons-
tram uma à outra, a analítica de Einstein e a sintética de A
Grande Síntese. Assim concordaram, chegando ao mesmo
ponto, quem seguiu o caminho do raciocínio e aquele que es-
colheu o caminho da intuição inspirativa. Dessa forma, a lógi-
ca matemática concordou com os processos intuitivos, e ambos
se compreenderam reciprocamente.
Por dois caminhos diferentes, a alma humana procurou
atingir o mesmo centro da unidade do todo, seja por meio da
formulação filosófica, seja por via matemática. Isto quer dizer
que todo pensamento provém do “uno” e que não pode ficar
orientado senão numa direção: a do “uno”.
Assim, antes de ler A Grande Síntese, (1951), o Prof. Einstein
confirmava com a demonstração matemática um dos conceitos
fundamentais do sistema filosófico desse livro. Quando, no ano
de 1950, Einstein deu a conhecer a sua nova “Teoria Generaliza-
da”, numerosos jornais trataram do caso. O agora falecido Enrico
Fermi, da Universidade de Chicago, “Institute for Nuclear Studi-
es”, numa carta pessoal, deu confirmação da demonstração ma-
temática, reportando-se à supra citada antecipação filosófica.
Mas o ponto final, para ambos os pensamentos, era a ideia
central da unidade do todo. A ideia última, alvo tanto de Einstein
como de A Grande Síntese (permito-me essa aproximação, uma
vez que esse livro não é obra minha), é a mesma, embora expres-
sa em fórmulas diferentes. Pelo desenvolvimento dos conceitos
de A Grande Síntese no volume Deus e Universo, também foi
possível chegar até uma fórmula matemática que é sintética e
conclusiva de todo o sistema filosófico universal de A Grande
Síntese. De modo que podemos confrontar, uma perto da outra,
estas duas fórmulas matemáticas que, num espaço mínimo, ex-
pressam, concentrados, os mais vastos e poderosos conceitos que
sintetizam os maiores processos fenomênicos do cosmos.
Einstein concentrou as conclusões da sua teoria generaliza-
da com as quatro equações seguintes, todas iguais a zero:
Encontrando-se, assim, íntima relação entre a eletricidade e
a gravitação, explica-se a origem comum de todas as forças.
Desse modo, eletricidade e gravitação são dois fenômenos co-
nexos, filhos do mesmo princípio único, sustentando assim a
concepção unitária do universo. Aqui está a chave dos segredos
da constituição da matéria e da descoberta da energia nuclear.
Mas não podemos explicar mais em um só artigo.
De outro lado, a fórmula conclusiva do sistema do cosmos é
expressa em duas expressões limitadas, que sintetizam em fór-
mula matemática o processo involutivo e evolutivo, que consti-
tuem as duas metades do ciclo do universo. Esta fórmula se
acha no livro Deus e Universo, Cap. VIII, “Conceituação do
problema do ser”. Quem quiser conhecer o processo matemáti-
co usado para chegar a essa conclusão sintética, leia aquele li-
vro, no capítulo acima.
Eis as duas expressões limites que, na fórmula simbólica da
linguagem matemática, sintetizam o ciclo de todo ser.
A primeira expressão representa o universo, que, no extre-
mo limite da primeira metade do ciclo, involutiva, chegou ao
polo negativo da destruição no mal e do esmagamento do espí-
rito nas trevas da matéria. Esta pode ser chamada a fórmula da
descida ou da derrocada.
A segunda expressão representa o mesmo universo, que, no
extremo limite da segunda metade do ciclo, evolutiva, chegou
ao polo positivo (que foi ponto de partida e agora é de chega-
da), o polo da reconstrução cumprida no bem e da libertação do
espírito das trevas da matéria, na luz da verdade, no seio de
Deus. Esta pode ser chamada a fórmula da subida ou reconstru-
tiva. Ela é também a fórmula resolutiva do universo, porque, no
final, o fim e o princípio coincidem no mesmo ponto, reunindo-
se em um ciclo só, que se fecha sobre si mesmo.
A primeira fórmula pode-se ler assim: no limite do universo
ou organismo de universos () a substância, pelo vir-a-ser, ou
transformismo fenomênico, chegou no instante máximo final
do semiciclo involutivo (inicial do semiciclo evolutivo), onde
ela se acha toda no estado de infinito negativo.
A segunda fórmula pode-se ler assim: no limite do universo
ou organismo de universos () a substância, pelo vir-a-ser, ou
transformismo fenomênico, chegou no instante máximo final
do semiciclo evolutivo (final também de todo o ciclo, instante
em que tudo retorna ao estado inicial), onde ela se acha toda no
estado de infinito positivo.
Assim as duas fórmulas, a primeira, da destruição, e a se-
gunda, da reconstrução, completam-se num só ciclo, feito de
duas metades inversas e complementares.
Desse modo, a pesquisa científica do grande matemático da
teoria restrita e da teoria geral da relatividade, aprofundando o
seu olhar racionalista nos abismos do mistério, alcançou a
mesma unidade e percebeu um lampejo da Verdade, pela mes-
ma presença da inteligência de Deus, quando ele concluiu com
este pensamento: “A minha religião consiste numa humilde
admiração pelo ilimitado Espírito Superior, que se revela nos
mínimos pormenores, que nós podemos perceber com as nossas
frágeis e fracas mentes”.
São Vicente – abril de 1955
Pietro Ubaldi
SEGUNDA PARTE – CRÍTICAS
GRANDES MENSAGENS (I)
Prefácio da segunda e terceira edições italianas, publicado
na revista Ali del Pensiero – Milão (Itália), 1935 e 1958.
A mediunidade de Pietro Ubaldi explodiu no outono de
1931, como coroação de provações e grandes dores. Em de-
zembro do mesmo ano foi recebida a “Mensagem de Natal”,
que pode considerar-se como introdução à obra subsequente, e
que, de imediato, foi traduzida em cinco idiomas: na Alfa, de
Roma – (Itália), no International Psychic Gazette, de Londres
(Inglaterra), na Revue Spirite Belge, de Liége (Bélgica), e em
Constancia, de Buenos Aires (Argentina). Apareceu a seguir,
com as outras mensagens, no Reformador e no diário Correio
da Manhã, no Rio de Janeiro, e nas primeiras revistas e jornais
do Brasil e também em opúsculos separados.
Na Páscoa de 1932, “Sua Voz” transmitiu a Mensagem da
Ressurreição, verdadeiro e poderoso apelo ao mundo, que,
além de em todas as revistas e jornais citados, foi publicado na
Revue Caodaiste, de Saigon (Indochina).
A 2 de agosto de 1932, no dia do “Perdão da Porciúncula”
de São Francisco de Assis, o médium (que se encontrava perto
de Perúgia), foi improvisadamente forçado, por uma força fe-
bril e irresistível, a escrever rapidissimamente, em breves minu-
tos, aquela sublime “Mensagem do Perdão”, que teve notabilís-
sima e totalmente espontânea difusão em todo o mundo, quer
aparecendo em inúmeras revistas e mesmo em jornais diários
estrangeiros, quer nas edições especiais, feitas por numerosís-
Gik,s = 0 Ti = 0
Rik,l + Rkl,i + Rli,k = 0
Rik = 0
lim = S+
t max e
lim = S+
t max e
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 31
simas associações sul-americanas. Calcula-se que tenha apare-
cido em todo o mundo cerca de meio milhão de cópias. Esta
mensagem é verdadeiramente um grande toque de reunir, vibra-
ção possante de majestosa autoridade.
Finalmente, aa Páscoa de 1933, comemoração do 19o cente-
nário da morte de Cristo, foram divulgadas as duas mensagens,
ou melhor, a dupla mensagem “Aos Cristãos” e “Aos Homens
de Boa Vontade”, de conteúdo essencialmente religioso.
Todas essas “mensagens” são dirigidas “ao coração”, ou
melhor, ao coração das massas. Mas, desde o fim de 1932, “Sua Voz” transmite uma obra orgânica, de concepção grandiosa e
de desenvolvimento concatenado, com bases e fins racionais e científicos: A Grande Síntese, cuja publicação foi imediatamen-
te iniciada (e continua ainda) em Milão, na revista Ali del Pen-
siero; em Buenos Aires, na revista Constancia, e no Rio de Ja-neiro, na revista Reformador e no Correio da Manhã, o maior
diário do Brasil. Como que irradiando-se no mundo, partindo de dois polos diversos, sobre os dois hemisférios. Outras edi-
ções estrangeiras estão sendo preparadas.
Concomitantemente às mensagens que aqui publicamos,
uma série de comunicações particulares era transmitida e che-
gava às mãos de Mussolini e do Pontífice, nos respectivos cam-pos político e religioso.
Raramente obtêm tão rápido e espontâneo êxito, no mun-do, outras coisas fortemente queridas e habilmente prepara-
das. Neste caso, ao invés, um médium desconhecido – sem preparação, durante muito tempo hesitante a respeito da opor-
tunidade de divulgar sua produção, sem meios e sem apoio, modestíssimo e fugindo da notoriedade, sem nenhum fim inte-
resseiro, antes até constrangido a uma vida de martírio para
exteriorizar seus invulgares dotes mediúnicos – viu sua pro-dução, oferecida timidamente, fazer com rapidez a volta do
mundo e difundir-se em pouco tempo, automaticamente, co-mo por uma prodigiosa força própria . Neste fato, muitos po-
derão descobrir uma prova.
Quem é a “Sua Voz”, essa anônima “entidade” que transmi-
te escritos tão elevados e poderosos? Fizeram-se muitas conje-
turas inúteis e absurdas a esse respeito, mas não é aqui que de-veremos discutir. Diremos porém: a verdade é una, e pouco
importa, a quem tem sede, de que fonte se tenha haurido a água. O que interessa é que a água seja límpida e pura e possa
abrandar a sede das afogueadas almas de hoje.
Milão, junho de 1935
OM-AR
GRANDES MENSAGENS (II)
(Prefácio da quarta edição italiana)
Edição aprovada pela autoridade eclesiástica, lançada pela
casa editora “Cultura Religiosa Populare” – Viterbo, 1945.
Estas mensagens, escritas em 1931–1933, sem nenhuma
preparação nem premeditação organizada, apresentam-se, toda-via, com sucessão lógica, pois cada parte aparece a seu tempo e
lugar, enquadrada num organismo conceptual. Embora seu es-critor, então, não o pudesse ter sabido nem sequer presumido,
estas mensagens estão em plena coerência com o desenvolvi-
mento sucessivo da atual hora histórica, que se desenrolou exa-tamente no sentido previsto. Os motivos dominantes nestas
mensagens são a expectativa de nova civilização do espírito, a aproximação de grandes mudanças em todos os campos e de
um cataclismo mundial, que agora se realiza. É um fato que, depois de dez anos, cumpriu-se aquela nítida previsão, em
acontecimentos que hoje dominam o momento histórico. Trata-
se de previsões nas grandes linhas, passando por cima dos por-menores da realização. Isso tudo faz prever que o vaticínio con-
tinuará a verificar-se. Esta visão da hora atual e de seus pro-blemas mais profundos é um anúncio de nova era e preparação
para a sua chegada.
Estas mensagens foram escritas sem preparação alguma,
em etapas sucessivas, que são datas significativas e importan-
tes, ou seja, o Natal de 1931, a Páscoa de 1932, 2 de agosto de
1932, até culminar na Páscoa de 1933, XIX Centenário da
morte de Cristo, e continuam como um eco, dez anos depois,
na Páscoa de 1943. São como um toque de reunir, um primei-
ro clangor de trombeta, um supremo apelo ao mundo na vés-
pera de acontecimentos apocalípticos. Cada uma dessas men-
sagens, afinando-se com a data em que foi escrita, possui um
conteúdo próprio e particular. Quem os compilou, só pôde ve-
rificá-lo após terminar o trabalho.
Essas mensagens tiveram larga difusão, traduzidas no exteri-
or, da Europa à Indochina, mas sobretudo na América do Sul.
Calcula-se que só a “Mensagem do Perdão” (escrita perto de
Assis, no dia do Perdão da Porciúncula de São Francisco de As-
sis) tenha tido cerca de meio milhão de cópias, em divulgação
espontânea. Certa revista comentava assim este caso: “Raramen-
te obtêm tão rápido e espontâneo êxito, no mundo, outras coisas
fortemente queridas e habilmente preparadas. Neste caso, ao in-
vés, um homem desconhecido, sem preparação, durante muito
tempo hesitante a respeito da oportunidade de divulgar sua pro-
dução, sem meios e sem apoio, modestíssimo e fugindo da noto-
riedade, sem qualquer fim interesseiro – viu sua produção, ofe-
recida timidamente, fazer com rapidez a volta ao mundo e di-
fundir-se em pouco tempo, automaticamente, como por uma
força própria. Neste fato, muitos poderão descobrir uma prova”.
Aqui se torna necessário um esclarecimento. Pietro Ubaldi,
em Gúbio, que escreveu estas mensagens, não quis colocar seu
nome no fascículo, desejando que sua pessoa desapareça no si-
lêncio e que só o fruto de seu trabalho permaneça para consola-
ção do próximo. Existirá, então, um autor mais alto, que fala
aqui às inteligências e aos corações, na atual hora histórica,
apocalíptica e solene? Se a imensa divulgação prodigiosa, já
rapidamente conseguida, sem pressão de ninguém, pode consti-
tuir uma prova de que a ação da Providência e da vontade de
Deus esteve presente a tudo isto, a maior prova a sentirá, em si
mesma, cada alma ao ler e ouvir a poderosa vibração, irresistí-
vel porém doce, profunda de pensamento mas palpitante de
sentimento e de bondade, que parece emanar das palavras das
mensagens. A verdadeira prova das origens desta inspiração
que ditou as presentes mensagens, cada um a achará em si, na
resposta, na emoção, na convicção que sentirá nascer espontâ-
nea no profundo de sua consciência.
Mas o leitor perguntará: Quem fala, dizendo “Eu”, num tom
tão alto? A inspiração não é coisa nova, especialmente na reli-
gião. É possível, portanto, neste caso, e não podemos negá-la a
priori. Mas sabe-se, também, que Deus costuma manifestar-se,
mais frequentemente, indiretamente, por meio de instrumentos;
e não é novidade que, em semelhantes casos, não costuma dar de
imediato provas tangíveis, porque parece querer exigir a nossa
fé e preferir fiar-se e confiar-se apenas a quem segue seus cami-
nhos. E que direito temos de pedir a Deus, a cada passo, a exce-
ção e o prodígio, para acreditar em suas palavras? Não nos deu
Ele o sentido da verdade na consciência, para reconhecê-las?
Aproximemo-nos, portanto, delas com alma pura e reconhece-
remos se são falsas ou verdadeiras. Esta é a prova de fogo.
O instrumento inspirado que as escreveu, no-las oferece
sinceramente com a fé de quem as sentiu, deixando a cada um o
julgamento. Nada mais sabe ele dizer-nos senão isto: sentiu que
essas mensagens descem da direção de Cristo, chegando às ve-
zes a uma relação tão imediata e transparente, que lhe dá a sen-
sação da presença, num contato de alma, do próprio Cristo. De
acordo com sua potencialidade ou pureza, cada consciência in-
dagará de si esse mistério e, de acordo com sua capacidade, há
de vibrar e de sentir, encontrando em si mesmo uma resposta,
especialmente em relação a Cristo.
A Editora
32 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
O REGRESSO AOS DIAS CRIATIVOS DO
DIVINO PENTENCOSTES ATRAVÉS DA
MEDIUNIDADE INTELECTUAL
Das revistas: Il Mistero – ano III, no 24, setembro 1935, e
Mondo Occulto – ano XVI, no 2, março – abril 1936.
Ao ler as presentes obras, conseguidas pela mediunidade
do sincero e grande “médium” Prof. Pietro Ubaldi, mereci-
damente já célebre e amado, durante muito tempo permaneci
pensativo e fascinado. Meditei que isto é um belo regresso ao
proto-cristianismo, quando, após o sacrifício do Divino Jesus
sobre o Gólgota, durante três séculos, as multidões viveram
de forma perfeita e heroica a doutrina de Cristo, com os dou-
tores e profetas em contínua e alta comunicação “mediúnica”
com o “além” espiritual, com os sacerdotes e pastores, de vi-
da sublimemente místico-ascética, a ajudar, com as santas
comunidades crentes, a “sacrossanta” mediunidade dos profe-
tas e dos doutores, no pleno domínio da “liberdade” de pen-
samento e de consciência trazida pelo cristianismo, que ainda
não degenerara.
Mais tarde, com a chegada do cristão Constantino, as multi-
dões pagãs profanas entraram em massa na Igreja Cristã; os sa-
cerdotes dos deuses e o vulgo idólatra, transplantando para a
nova Igreja as antigas dignidades e a velha mentalidade, paga-
nizaram o sagrado ambiente cristão, afastando o verdadeiro
“Reino de Deus”, anunciado no Evangelho;
Depois, com a descida dos bárbaros, a queda do Império
Romano e a destruição da gloriosíssima civilização greco-
romana, terminou na Igreja e na sociedade a diretriz evangélica,
cessaram as “mediunidades” e o “profetismo”; durante séculos,
o “espírito” de Cristo e o “verdadeiro espírito” da Igreja per-
maneceram na sombra; ausente das consciências das pseudo-
cristãs nações do mundo.
Ao ressurgir a Europa na Idade Média, a Igreja ressurgiu,
Cristo voltou e a humanidade se tornou grande, recomeçando a
comunicação direta entre o mundo terreno de provas e lutas e o
além celeste, nossa verdadeira e eterna Pátria...
Sim, voltou o Cristo e ressurgiu a Igreja, porque Cristo reina
e a Igreja vive e governa apenas onde a liberdade e civilização
são a vida das nações e do povo.
Isto prova que Cristo é o enviado de Deus, que a Igreja é di-
vina e santa como seu Fundador. Com efeito, olhai as nações e
os homens da Terra: onde Cristo menos reina e onde a Igreja
menos vive e menos dirige, a liberdade e a civilização não po-
dem subsistir para elevar povos e indivíduos.
Considerei isso e o disse para demonstrar que o espiritua-
lismo experimental, base positiva da religião e prova científica
do além celeste, nasceu em período de liberdade e de civiliza-
ção, quando Cristo e a Igreja tinham achado no mundo civiliza-
do sua estrada mestra e suas funções mais elevadas.
A mediunidade intelectual, além disso, é a alma do espiritu-
alismo experimental, é a prova do ignóbil engano das hipóteses
naturalistas contra o espiritualismo experimental e “o divino”
do espiritualismo moderno.
As presentes obras, fruto da mediunidade intelectual, obti-
das por intermédio do médium Ubaldi, são a manifestação mais
importante que a história antiga e moderna registra.
Para achar dignos confrontos, para fazer crítica adequada,
para compreender seu “pathos” criador, é mister recuar nos
séculos até a era proto-cristã, até à gloriosíssima grandiosida-
de da era apostólica, permeada de suprema mediunidade inte-
lectual criadora.
Observe-se que, também para a teologia católica, desde a
mais inovadora até à mais reacionária escolástica, admite-se
que a mediunidade intelectual pode existir, comunicando-se o
homem com o bom anjo, de modo diferente da física, que é
atribuída a natureza desconhecida ou ao demônio, de acordo
com a mentalidade do teólogo. “Por isso”, mesmo catolica-
mente, podem atribuir-se as obras presentes ao bom anjo, ou
seja, ao espírito superior, tanto mais que elas nenhuma heresia
contém, nem diante do cristianismo católico-romano, nem di-
ante do protestante e evangélico. Portanto o espiritualista pie-
doso conserva, depois de sua Bíblia cristã, em sua estante, com
estima, as supracitadas obras.
Quem é o autor?
Não nos importa: basta-nos seu divino e eterno verbo que
nos conduz, a nós modernos, a Deus e à santificação...
Luciano Giuseppe Chiareilo
A PROPÓSITO DA “MENSAGEM DO PERDÃO”
DO PROF. PIETRO UBALDI
Da Revista Constancia – Buenos Aires, ano LV, no 2368, 3
de novembro de 1932.
Senhor Prof. Dr. Pietro Ubaldi.
Querido Ubaldi,
Pede-me você um julgamento sobre a “Mensagem do Per-
dão”. Ei-lo em poucas palavras: “Estupendo! Contém passa-
gens tão sublimes em sua cósmica grandiosidade, que infundem
quase uma sensação de sagrado temor”.
Pergunta-me também se, pelo texto, será possível identificar
a entidade comunicante. Parece-me que dela transparece clara-
mente quem é que se manifesta: “Deus, perdoa-os, não sabem o
que fazem (...)”; “Por vós me deixaria crucificar outra vez (...)”;
“Não queirais renovar-me as angústias do Getsêmani (...)”.
Infere-se que deve tratar-se nada menos que de Jesus Naza-
reno. E, do ponto de vista da investigação científica, isto consti-
tui o ponto crítico da natureza destas mensagens, que deixam
perplexo o ânimo do leitor, porque se revestem de sublimidade
semelhante às que você recebeu.
Tratando-se de investigadores que, como eu, já estão con-
vencidos experimentalmente da verdade irrefutável das comu-
nicações mediúnicas com entidades de desencarnados, é possí-
vel convencer-se com facilidade da veracidade da fonte de onde
emanam as mensagens, todavia isto ocorrerá sempre por força
de um “ato de fé”, embora, neste caso, esta se baseie na experi-
ência adquirida nas investigações mediúnicas.
Infelizmente, todavia, se desejamos convencer o mundo,
mormente os homens de ciência, a respeito do importantíssi-
mo fato da existência e da sobrevivência do espírito humano,
fazem falta fatos, induções e deduções verdadeiras. Foi a este
último sistema de investigação positiva sobre o mistério do
ser, que eu me dediquei invariavelmente. Isto não impede, no
entanto, que esse sistema possa aperfeiçoar-se e completar-se
com o acréscimo dos ensinamentos e da luz espiritual, que
podem trazer-nos mensagens mediúnicas de tão grande eleva-
ção, que se impõem à razão. É este, precisamente, o caso das
mensagens recebidas por você.
Você me pede um conselho sobre se deve continuar ou, ao
invés, suspender o exercício de sua mediunidade, orientada
nesse sentido. Respondo: “Cada um tem sua própria missão.
A minha era contribuir, na medida das minhas forças, para
convencer os homens de ciência, com base nos fatos; a sua
parece ser a de trazer à humanidade pensante mensagens ele-
vadíssimas, de ordem moral e espiritual, e que estão destina-
das a tornar-se um dia, as únicas importantes para a evolução
espiritual dos povos”.
Prossiga, portanto, em sua missão.
Afetuosas saudações,
Savona, 14 de outubro de 1932
(a) E. Bozzano
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 33
PIETRO UBALDI – A GRANDE SÍNTESE
Querido Ubaldi.
Você deseja um parecer global sobre A Grande Síntese. Ta-
refa difícil, porque se trata de uma obra demasiado densa de
pensamento e demasiado variada em seus temas, para que se
possa sintetizá-la num parágrafo global.
Apesar de tudo, eis o parágrafo:
Pedem-me um parecer confidencial sobre A Grande Síntese
de Pietro Ubaldi. Respondo: sumamente favorável sob todos
os aspectos. Trata-se, realmente, de uma grande síntese de todo
o saber humano, considerado do ponto de vista positivamente
transcendental, em que se estudam todos os ramos do saber,
sendo esclarecidos e resolvidos numerosos problemas até hoje
insolúveis, com o acréscimo de novas orientações científicas,
além de considerações filosóficas, científicas, religiosas, mo-
rais e sociais a tal ponto elevadas, que induzem a reverente as-
sombro. É uma obra que fará época na história das revelações
mediúnicas, tanto mais que esta é a primeira vez que é ditado à
humanidade um grande tratado realmente original, de ordem
rigorosamente científica.
Cordiais saudações,
Savona, 12 de outubro de 1937
(a) Ernesto Bozzano
A “SUA VOZ”
Da revista Ali del Pensiero – Milão, ano III, no 2, fevereiro
de 1934.
Há mais de um ano, vêm os leitores de Ali del Pensiero usu-
fruindo a apurada e profunda palavra que emana de A Grande
Síntese, transmitida ao mundo pela peculiar mediunidade de Pi-
etro Ubaldi e proveniente de uma entidade que se faz chamar
anonimamente como “Sua Voz”. Chegou agora o momento em
que os leitores, tendo tido a prova irrefutável da importância
dessa comunicação (embora não esteja ela ainda nem na meta-
de), tanto sob o ponto de vista científico como moral, conhe-
çam um pouco da história humana dessa “Voz” sublime e de
sua surpreendente difusão em todos os recantos da Terra.
A “Sua Voz” (e o próprio fato de que a entidade não declina
nenhum nome “humano” prova sua elevadíssima origem e po-
sição espiritual) começou a manifestar-se por meio de Ubaldi
apenas no outono de 1931. Em dezembro daquele ano, transmi-
tiu sua primeira mensagem geral, “A Mensagem de Natal”, que
foi imediatamente publicada em quatro línguas, na Itália, na In-
glaterra, na Bélgica e na Argentina. Era uma espécie de intro-
dução ou advertência, em estilo ainda tímido, devido talvez ao
ceticismo que (note-se bem) o próprio médium recebedor tinha
sobre suas próprias qualidades mediúnicas, e à reação que, por
isso, ele opunha ao livre afluxo da recepção ultrafânica.
O médium era, então, completamente desconhecido no mun-
do espírita e espiritualista, italiano e estrangeiro; não tinha ne-
nhum apoio e vivia, material e espiritualmente, quase isolado
num pequeno centro da Sicília. Somos obrigados a ver uma in-
tervenção superior no “caso”, raríssimo, de que o médium tenha
podido fazer publicar imediatamente aquela mensagem em cin-
co revistas de cinco nações diferentes, Alfa, de Roma; Internati-
onal Psychic Gazette, de Londres; Constancia, de Buenos Aires;
La Revue Caödaiste, de Saigon; Revue Spirite Belge, Liège.
Não obstante isso, Ubaldi foi então torturado pelas dúvidas;
sozinho como estava, seu pensamento e sua consciência se re-
moíam na perplexidade; sente em si o impulso irrefreável que o
arrasta, no entanto ele mesmo procura opor-se com toda a sua
força, com todo o seu ceticismo, com toda a sua racionalidade.
Não quer convencer-se de que seja médium, tem medo de se es-
tar iludindo e, puro de coração como é, sente calafrios só ao
pensar que talvez esteja ludibriando os outros.
Mas “Sua Voz” o arrasta ainda, e ele é obrigado a escrever
(estamos na Páscoa de 1932) a “Mensagem da Ressurreição”.
Verdadeiro e próprio apelo ao mundo, a palavra é mais definida
e mais poderosa. A mediunidade de Ubaldi se está evidente-
mente desenvolvendo e fortificando, e o próprio médium come-
ça a adquirir maior segurança em seus dons de receptividade. E
agora, quase por encanto, esta mesma mensagem é imediata-
mente traduzida e publicada pelo mundo: Inglaterra, Argentina,
Bélgica, Itália e Indochina.
Eis então que Ubaldi começa a ver suas dúvidas atenuadas
ou dissipadas. Vários médiuns, que ele desconhecia, recebem
espontaneamente mensagens espirituais endereçadas a ele, nas
quais ele é instigado, aconselhado, encaminhado, e onde tam-
bém se lhe prediz qual é o caminho que está traçado para ele.
Também o Prof. Ernesto Bozzano – sem dúvida a mais alta
e indiscutível autoridade mundial nesta matéria – o alenta e as-
segura; a 1o de junho escreve-lhe: “ (...) a mensagem recebida
por sua mediunidade é indubitavelmente de origem transcen-
dental e, mais ainda, de elevadíssima inspiração. Provem, pa-
tentemente, de um grande mestre espiritual (...). Observo que a
forma de sua mediunidade – que consiste numa voz subjetiva
que lhe dita a mensagem – é idêntica à de Miss Cummins, a
médium por meio de quem se manifesta a famosa e extraordi-
nária personalidade espiritual de Patience Worth. Termino en-
corajando-o a perseverar em suas experiências, das quais espero
algo de análogo aos Spirit Teachings, de Moses”.
Eis que a 2 de agosto de 1932, no dia do famoso perdão da
Porciúncula de Francisco de Assis, o médium (que se achava
perto de Perúgia), é como que arrastado por uma força superi-
or, febril e irresistível, e, em poucos minutos, escreve de jato
aquela sublime “Mensagem do Perdão”, que já fez a volta ao
mundo. Aqui temos, verdadeiramente, o grande toque de reu-
nir, a palavra vibrante e poderosa, envolvida em majestosa au-
toridade. O pensamento está permeado de puríssimo sentimen-
to e desce para comover as cordas mais delicadas do coração.
É a explosão de uma personalidade espiritual que se revela e
anuncia com toda segurança o objetivo de sua intervenção e de
sua missão. Essa mensagem foi imediatamente publicada na
Argentina, na Bélgica, na Itália; mas seu caminho não termi-
nou aí, porque passa, por incrível força própria, de mão em
mão, de cidade em cidade, e mesmo recentemente soube-se
que, sem que o próprio médium disso tivesse conhecimento, a
“Mensagem do Perdão” está circulando em milhares de cópias
por todos os recantos do Brasil, por iniciativa quer da Federa-
ção Espírita Brasileira, quer de sociedades espíritas do Paraná,
de Porto Alegre e da cidade de Itu, tendo ainda sido publicada
num grande matutino do Rio de Janeiro!
Milhares de pessoas ficaram fascinadas e comovidas com
aquela palavra sublime. O próprio Bozzano escreve: “Estupen-
do! Há trechos tão sublimes em sua cósmica grandiosidade, que
incutem quase uma sensação de sagrado temor (...). Foi ao sis-
tema de investigação positiva sobre o mistério do ser que me
dediquei invariavelmente. Isto não impede, no entanto, que esse
sistema possa aperfeiçoar-se e completar-se com o acréscimo
dos ensinamentos e da luz espiritual que podem trazer-nos estas
mensagens mediúnicas, dotadas de tão grande elevação, que se
impõem à razão. É este, precisamente, o caso das mensagens
recebidas por você (...)”.
Entretanto, Ubaldi, consciencioso até ao extremo, ainda du-
vida de si mesmo e de sua mediunidade, e pede também, além
do parecer do Diretor desta Revista, que o tranquiliza totalmen-
te, um conselho a Bozzano, que lhe responde: “Você me pede
conselho sobre se deve continuar ou, ao invés, suspender o
exercício de sua mediunidade, orientada nesse sentido. Respon-
do: cada um tem sua própria missão. A minha era a de contribu-
ir, na medida de minhas forças, para convencer os homens de
ciência, com base nos fatos; a sua parece ser a de trazer à hu-
34 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
manidade pensante mensagens elevadíssimas, de ordem moral
espiritual, que estão destinadas a tornar-se, um dia, as únicas
importantes para a evolução espiritual dos povos. Prossiga, por-
tanto, em sua missão”.
Quase concomitantemente nasce A Grande Síntese, cuja pu-
blicação foi imediatamente iniciada (janeiro de 1933) em Ali
dei Pensiero e em Constancia (Buenos Aires), como de dois
polos que, nos hemisférios opostos, deveriam irradiá-la em tor-
no de si. Já falamos nesta revista deste maravilhoso e surpreen-
dente tratado, mas agora, quando está em pleno desenvolvimen-
to a publicação da parte mais propriamente científica – que, por
sua profundidade e importância, é necessariamente menos aces-
sível à generalidade dos leitores – seja-nos permitido recordar
que a finalidade deste tratado é justamente a de falar em parti-
cular à ciência, antes resumindo e depois superando o estado
atual do cognoscível humano. É uma “nova e mais completa
revelação”, em que se lançam as bases científicas, filosóficas e
conceptuais de uma nova sociedade, no entanto, em sua potên-
cia dominadora, o escrito é frio, objetivo, cientificamente exato.
O próprio Bozzano, autoridade máxima, escrevia a Ubaldi:
“(...) o conteúdo de A Grande Síntese já aparece e promete tor-
nar-se grandioso, de vez que está de pleno acordo com tudo
quanto ensina ou intui a ciência humana”; “(...) está concebida
em termos rigorosamente científicos e encontra-se perfeitamente
concorde com as hodiernas concepções filosóficas, matemáticas
e geométricas a respeito do mesmo assunto (...). Esperando reler
e comentar à altura a poderosa mensagem transcendental, quan-
do tiver a possibilidade de fazê-lo com a obra terminada”.
Por volta da Páscoa de 1933 aparece, enfim, a dupla e subli-
me “Mensagem aos Homens de Boa Vontade” – “Mensagem
aos Cristãos”. Lendo-as, não se pode evitar um temor quase sa-
grado; tão elevado é o pensamento, poderosa a expressão, gran-
diosa a forma. Desta vez, o conteúdo é exclusivamente religioso.
Esta é uma simples exposição cronológica da afirmação de
“Sua Voz” no mundo; mas não a transcrevemos apenas a título
de crônica, e sim para que, por ela, o leitor possa tirar todas as
conclusões evidentes e altamente instrutivas.
Enquanto as coisas buscadas com mais força e mais tenaz-
mente preparadas, rarissimamente conseguem no mundo o êxi-
to merecido, um médium desconhecido, sem preparação, cético
por muito tempo de sua própria mediunidade, sem meios e sem
apoio, modestíssimo e fugindo de todo desejo de notoriedade,
sem nenhum fim interesseiro, conseguiu ver, em curto tempo,
suas mensagens, numericamente poucas, fazerem a volta ao
mundo e, mesmo sem nenhuma intervenção sua, difundirem-se
rápida e automaticamente, assim como se o fizesse por uma
força secreta própria, que emanava dos próprios escritos.
Deste mesmo médium, rebelde no cumprimento da missão
para a qual era impulsionado, saiu aos poucos uma produção
em que já se verifica hoje, olhando-se para trás, um programa
orgânico definido, perfeitamente lógico, e isto sem que o pró-
prio médium o percebesse, pois ele sempre ignorou e ainda ig-
nora o objetivo a que tende sua produção. Devemos até ser-lhe
muito gratos pela vida de rígida severidade espiritual a que se
submeteu Ubaldi, em seu foro íntimo, para a exteriorização de
seu particular dom mediúnico.
Esse mesmo homem, de cultura e capacidade comum, pro-
duz uma obra mediúnica da mais profunda competência em to-
dos os campos, de tal forma que ela se dirige, e os faz pensar,
aos mais competentes de cada matéria, embora, ao mesmo tem-
po, seja vibrante, apaixonada, quase poética. Nessa produção,
os cientistas acham a solução para os mais árduos problemas
científicos e os humildes choram de sublime comoção.
Não é tudo isso, já em si mesmo, uma prova, uma grande
prova. Pode ser somente o homem Ubaldi que tenha em suas
mãos os fios de tão emaranhada tessitura? Ou não será preciso
reconhecer – disto estamos convencidos – que uma força exter-
na e superior o guia, usando-o como instrumento, dele se ser-
vindo para a realização de admirável missão, de que agora só
podemos ver o início?
Os próprios cientistas, sempre prontos à crítica depreciativa
contra o transcendente, não puderam opor-lhe uma só palavra,
porque “Sua Voz”, usando suas mesmas armas, desceu ao nível
deles, perfeitamente dentro da lógica e da racionalidade. Muitos
mesmo ficaram intimamente impressionados, talvez atordoa-
dos, pelas afirmações e revelações que “Sua Voz” soube fazer
com autoridade seguríssima, resumindo suas próprias conquis-
tas e delas partindo. E alguns, os mais sinceros e sem precon-
ceitos, o quiseram mesmo reconhecer e testemunhar. Sem falar
de Bozzano, de quem já falamos e cuja capacidade de julga-
mento nesta matéria é irrefutável, basta-nos citar o cientista e
filósofo belga Prof. Schaerer, que nos escreveu: “(...) A Grande
Síntese continua a interessar-me apaixonadamente (...). Julgo
muito útil demonstrar que as comunicações mediúnicas podem
proporcionar trabalhos de tão alto valor racional e científico
(...)”; e, no Bulletin du Conseil de Recherches Métapsychiques,
ele mesmo escreveria: “(...) a interessantíssima comunicação
mediúnica recebida por Ubaldi, que é um médium excepcio-
nalmente dotado para receber comunicações de ordem científi-
co-filosófica (...), A Grande Síntese trata de uma concepção
monista naturalista de estrutura estritamente científica, cujo va-
lor é indiscutivelmente enorme”.
E ainda o Prof. Dr. Stoppoloni, catedrático de Anatomia
Descritiva, Histologia e Embriologia na Universidade de Came-
rino, que escreveu a Ubaldi: “(...) Sua magnífica mediunidade
terá seguramente importância no campo científico e poderá fa-
zer revelações científicas da maior importância para nós, espe-
cialmente num campo tão obscuro (...). Tudo o que foi publica-
do em Ali del Pensiero, por você, que pouco ou nada sabe de
química, é verdadeiramente surpreendente, porque os conceitos
emitidos são realmente científicos e, portanto, de profundo co-
nhecedor de química (...). Em sua série estequiogenética, é dito,
com clareza, que o número atômico 43, ocupado pelo tecnécio,
com peso atômico 99, deveria ter os caracteres dos corpos aló-
genos, ou seja do bromo e do iodo, que ocupam o número VII
do sistema, e também do flúor e do cloro, do primeiro e do se-
gundo setenário. Florêncio e rênio, ainda não conhecidos em
seu peso, volume atômico e valência, deveriam ser parentes
próximos dos alógenos, não excluindo o número 85, que ainda
permanece vazio (...). Esta parte está muito bem feita, clara e
extraordinária porque escrita por um leigo (...)”.
O leitor cético ou curioso perguntará então: Mas quem é
“Sua Voz”? Há alguns que, através dos textos das próprias
mensagens, acreditam poder atribuir a proveniência direta nada
menos que à mais alta das personalidades espirituais, o que pa-
ra outros é um absurdo espiritual e racional, por razões que não
cabe discutir neste artigo. Bastará, também aqui, trazer a pala-
vra autorizada de Bozzano, que escreveu muito bem: “(...) é
melhor, portanto, concluir com as palavras do Prof. Mead a
respeito das manifestações de Confúcio, através do médium
Margery Crandon: é mesmo indispensável admitir a interven-
ção direta de Confúcio? Qualquer que tenha sido o espírito
comunicante, provou que é um profundo orientalista e um au-
têntico literato chinês. Repetirei o mesmo conceito a propósito
deste outro caso, em que se fala de um nome muito mais ex-
celso que o de Confúcio; lembrando, a este propósito, que a
personalidade mediúnica de “Imperator” explicara ao Reve-
rendo W. Stainton Moses que, quando se manifestavam perso-
nalidades espirituais que forneciam os nomes dos grandes filó-
sofos ou de outras eminentes personagens vividas em épocas
remotas, devia entender-se quase sempre que se tratava de dis-
cípulos que, não sendo conhecidos e não podendo fornecer da-
dos de identificação pessoal, mas querendo assim mesmo con-
correr para dar aos viventes provas positivas da existência de
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 35
um mundo espiritual, manifestavam-se em nome e com o con-
sentimento de seu grande Mestre, com o qual estavam espiritu-
almente em relação por lei de afinidade”.
E nós acrescentaremos: a verdade é uma só. Por que, en-
tão, personalidades espirituais indubitavelmente e comprova-
damente elevadíssimas como “Sua Voz”, por Ubaldi, ou
mesmo o “Mestre”, pela Sra. Valbonesi, deveriam (ou poderi-
am) falar uma linguagem diferente daquela usada pelos mé-
diuns, se eles estão muito próximos de nós? Mas daí, para de-
duzir a identidade, seria como dizer que cada pessoa que repe-
te a palavra de Cristo, fosse o próprio Cristo! Além disso, que
necessidade há de tal identificação? Muito bem escreve Ali
del Pensiero, quando disse que “ao sequioso, não importava
saber a fonte donde proviera a água”; o que importava é que
ela fosse pura e cristalina.
Entretanto, “Sua Voz” prosseguirá em sua missão mundial,
que agora já está seguramente provada como da mais alta im-
portância. Que cada um de nós queira cooperar no trabalho be-
néfico de sua difusão.
“Assim é mister, onde quer que se possa”.
Marc'antonio Bragadin
Diretor da Revista Ali del Pensiero, de Milão.
Nota da Redação – Este artigo já estava na tipografia,
quando soubemos que a Revue Spirite Belge publicará breve
um estudo sobre A Grande Síntese e sobre a mediunidade de
Ubaldi. Outro estudo, sobre o mesmo tema, foi anunciado pe-
lo Prof. Schaerer, no Bulletin du Conseil de Recherches Mé-
tapsychiques e no periódico Pour lá Vérité; todos os periódi-
cos são belgas.
Além disso, uma análise laudatória e penetrante do mesmo
assunto, com breve resumo de alguns capítulos da Síntese, foi
feita pelo Prof. Trespioli em seu livro Os Fenômenos, aparecido
por estes dias. Entre outras coisas, afirma Trespioli: “Esta obra
profunda e cheia de conceitos, que produz certa sensação de
surpresa e de verdadeiro atordoamento, escrita por Ubaldi sem
o saber e sem que o soubesse, pode ser submetida à crítica e à
admiração do mundo dos doutos; estes aí acharão, sem dúvida,
„coisas conhecidas‟, mas que Ubaldi ignorava, e das coisas co-
nhecidas verão deduções e conclusões „desconhecidas‟, talvez
jamais, nem sequer imaginadas pelos competentes... Não co-
mento e muito menos julgo seu mérito; não saberia fazer. Mas
o fato derrota indiscutivelmente as tolas afirmações de todos
aqueles que, querendo rabiscar sobre fenomenologia, tomam
como „modelos‟ as ingenuidades e tolices desfraldadas pela
pseudo-mediunidade de neuróticos. Pode ser que a transmissão
por meio de Ubaldi nem sempre seja perfeita, o que não impede
que abundem as boas qualidades em A Grande Síntese, de tal
forma que lhe conferem real valor científico”.
Chega-nos também um artigo de D'Aragona, “Os cantos de
um cisne”, que brevemente publicaremos, a respeito da difusão
de “Sua Voz” na América do Sul, artigo que apareceu a 12 de
janeiro, no Correio da Manhã, o maior diário do Brasil.
Julgamos que era nosso dever acrescentar todas estas notí-
cias ao artigo acima, mostrando ao leitor que todos estes fatos
novos e inesperados, acontecidos enquanto a revista estava no
prelo, no breve espaço de uma semana, não podem deixar de
surpreender-nos como esse movimento se desenvolve e cami-
nha com a regularidade e a segurança das coisas poderosamente
predispostas e predestinadas. O que vem confirmar o que foi di-
to no artigo precedente.
Enquanto no prelo, soube-se ainda que saíram no Correio
da Manhã, em 2 de fevereiro, outros dois artigos: “O ciclo me-
diúnico” e “Ruit Hora”, e que, sobre o mesmo assunto, aparece-
rá longa série de artigos, não só no Correio da Manhã, como no
Reformador – Revista de Espiritismo Cristão, no Mundo Espíri-
ta e nos melhores órgãos da imprensa brasileira.
A HISTÓRIA DE UM NOVO GRANDE
MOVIMENTO ESPIRITUAL
(Como “Sua Voz” se espalhou por todo o mundo)
Da Revista The International Psychic Gazette – Londres,
NQ 247, vol. 22, abril 1934.
Sinto o dever de informar aos espiritualistas britânicos a
respeito da difusão pelo mundo das produções mediúnicas da
entidade “Sua Voz” durante os dois últimos anos. Já os leitores
da International Psychic Gazette estão familiarizados com “Sua
Voz”, porque publiquei em suas páginas as duas primeiras
mensagens que recebi, ou seja: a primeira, “Mensagem sobre o
progresso do mundo” (março, 1932) e a segunda, “A Aurora
do Novo Milênio” (junho 1934).
Outras mensagens chegaram, ainda não publicadas na Ingla-
terra. Todavia são muito importantes, porque falaram ao mun-
do, e o mundo as escutou. Foram publicadas em quatro idiomas
e divulgadas em muitas cidades, de Roma a Buenos Aires, de
Liège (Bélgica) a Saigon (Indochina). Enviadas a altas persona-
lidades, como sua Santidade o Papa e o líder do fascismo italia-
no Sr. Mussolini, foram lidas por eles.
A terceira mensagem, “Mensagem do Perdão”, escrita em
2 de agosto de 1932, aniversário do famoso “Perdão” de São
Francisco de Assis, espalhou-se pelo mundo por sua própria
força, sem qualquer interferência de minha parte. Milhares de
exemplares foram impressos e distribuídos gratuitamente no
Brasil e reproduzidos nos grandes jornais do Rio de Janeiro.
Tenho que assinalar que minha mediunidade irrompeu subi-
tamente, em fins de 1931. Na época da “Mensagem do Perdão”,
tinha sobre ela muitas incertezas e dúvidas. Pensei de início que
estivesse louco e estivesse sendo obrigado por desconhecida
força, a que não podia resistir, a dizer mentiras.
Devo citar o fato de que o médium inglês, Miss Marjorie I
Rowe, de Londres, enviou-me na primavera de 1932 – embora
não me conhecesse nem se relacionasse comigo, nem mesmo
por correspondência – uma maravilhosa mensagem de “Impera-
tor”, descrevendo pormenorizadamente minha vida e coisas que
só eu conhecia, predizendo uma missão mundial que me cabia
executar, em obediência à “Sua Voz”; tudo confirmado, embora
naquela época parecesse impossível.
Quase ao mesmo tempo, o Sr. Bozzano escrevia-me da
Itália, dizendo que minha mediunidade era semelhante à de
Miss Cummins (médium de Patience Worth) e que eu devia
prosseguir, porque ele esperava de minha obra algo assim
como os “Spirit Teachings”, de Stainton Moses (carta de 1o
de junho de 1932).
Outras mensagens mediúnicas (inclusive uma de Mrs.
Smiles, de Roma), todas espontâneas e provenientes de pes-
soas a mim desconhecidas, falavam da grande missão dessa
entidade “Sua Voz”.
Após a publicação da “Mensagem do Perdão”, pedi a opini-
ão sobre ela do Sr. Bozzano, que me respondeu: “Estupendo!
Há trechos tão sublimes em sua grandeza cósmica, que infun-
dem quase uma sensação de sagrado temor”. Esta mensagem eu
a escrevera desprevenido e sob profunda emoção.
As duas últimas mensagens – “Mensagens aos cristãos” e
“Mensagem aos homens de boa vontade” – são de caráter reli-
gioso e apareceram na Páscoa de 1933, XIX Centenário da
Morte de Cristo.
Termina aqui o ciclo destas mensagens, fortes alertas ao
mundo. Só mais tarde compreendi seu plano de desenvolvimen-
to, que antes não conhecia. É muito lógico e toca a fé, a políti-
ca, a religião, o coração e a inteligência. Foram lançadas as ba-
ses de um grande movimento sem que eu nada percebesse. Es-
tas mensagens fazem parte da Obra.
36 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
A GRANDE SÍNTESE
Em 1932 principiei um novo livro. Intitula-se A Grande Sín-
tese e foi classificado pelo Sr. Bozzano como “poderosa men-
sagem mediúnica (...), concebida rigorosamente de acordo com
a ciência e as modernas concepções filosóficas, matemáticas e
geométricas”. É realmente um tratado de aproximadamente 300
páginas, das quais cem já foram publicadas em italiano, na Re-
vista Ali del Pensiero, e em espanhol, em Buenos Aires, na Re-
vista Constancia. Está sendo preparada uma edição em portu-
guês e em outras línguas.
Constitui esta obra não só a síntese de toda a ciência e co-
nhecimento humano, mas também uma “Revelação” mais com-
pleta, cujo objetivo é assentar os alicerces de uma nova socie-
dade – a Nova Civilização do Terceiro Milênio. A Entidade fala
com profundo conhecimento de tudo e resolve harmonicamen-
te, por um único princípio, todos os problemas existentes, desde
a constituição da matéria até a formação da personalidade hu-
mana; desde a evolução dos sistemas siderais até a evolução
das formas da vida e da alma humana; desde a origem da gravi-
tação e derivação de todas as forças, até os problemas psicoló-
gicos, religiosos, sociais e econômicos.
Citarei pouquíssimos fatos. O Sr. Maurice Schaerer, o tão
conhecido cientista e filósofo belga, disse em seu Bulletin de
Recherches Métapsychiques del Belgique (Bruxelas, outubro,
1933): “A Grande Síntese é uma concepção monística naturalis-
ta, rigorosamente científica, cuja importância é muito grande”;
dizendo-me também, numa carta endereçada a mim, que a lê
apaixonadamente. Brevemente ele publicará um estudo crítico
de A Grande Síntese e da minha mediunidade, em seu “Bulle-
tin” e na Revista Pour la Vérité. O Sr. Lhomme fará o mesmo
em sua Revue Spirite Belge, de Liège.
As revistas espiritualistas italianas escreveram ultimamente
sobre A Grande Síntese, e o novo livro de Trespioli sobre Espi-
ritismo Moderno trata dela em minúcia. A Síntese será breve-
mente publicada em português, no Brasil, e está sendo publica-
da em espanhol, em Buenos Aires. A imprensa espiritualista do
mundo está tomando conhecimento desta nova produção.
Não escrevo isto para fazer propaganda minha, que não me
interessa, mas porque é meu dever divulgar “Sua Voz” e infor-
mar aos espiritualistas britânicos um fato muito importante no
mundo espiritual e também no científico, religioso e social. Se
qualquer editor inglês quiser interessar-se na publicação desta
obra na Inglaterra, eu mesmo poderia traduzi-la, o que lhe traria
bom proveito, pois disso jamais pedirei pagamento.
Não me posso deter aqui na descrição deste único fenômeno
mediúnico. Direi apenas que não entro em transe e que sinto es-
se pensamento diferente, com uma espécie de novo sentido, co-
mo dizem, uma espécie de sensibilização e recepção de ondas-
pensamento, vindas do espaço. Recebo, em geral, somente à noi-
te, mais ou menos de 21 horas às 2 da manhã, quando, embora
não esteja dormindo, sinto que minha consciência normal é
abandonada e sou arrastado por força desconhecida. Não a vejo
nem toco, mas a sinto assim como um pensamento que está em
minha mente, sentindo-a no meu coração à semelhança de força
e energia, através de todo o meu sistema nervoso. Sei que ela
tem todas as características de uma personalidade humana.
Nesta estrutura mental, outro “eu” (another self) desperta
em mim para sentir esta entidade, e compreendendo as coisas
não através da razão, mas da intuição. Ou seja, vejo a verdade
diretamente; tenho a sensação da verdade. Por outro lado, mi-
nha personalidade humana é hesitante, tímida e desalentada.
O estudo do fenômeno é outra parte de minha Obra. Escrevi
um artigo sobre ele para a revista Zeitschrft fur Metapsychische
Forschung, de Berlim.
O fato novo, que surge no estudo deste tipo de mediunida-
de exclusivamente inspirativa e intelectual, é que ela pode ser
utilizada como novo e poderoso meio de investigação científi-
ca e, assim, este novo método de intuição, usado por mim,
pode conduzir a descobertas surpreendentes, que permanece-
riam ocultas para sempre se só usássemos nossos atuais méto-
dos científicos. É talvez esse estudo que se propõem fazer os
Professores Dr. Schroder, de Berlim; Richet, de Paris; e Scha-
erer, de Bruxelas. Tenho muita satisfação em dar toda e qual-
quer informação aos cientistas ingleses ou de outros países, e
me coloco à sua disposição.
Tudo isso nos leva a crer que este movimento está, realmen-
te, ascendendo do nível dos fenômenos materiais ou testes a um
plano espiritual mais alto, em que a mediunidade pode signifi-
car descobertas, revelações de novas verdades para o progresso
da humanidade, tanto no campo moral como no científico.
Terminarei este artigo traçando o significado do desenvol-
vimento de “Sua Voz” no mundo. Temos de admitir que, embo-
ra eu, como médium, tudo desconheça de antemão e simples-
mente siga uma inspiração de momento a momento, todas as
coisas se desenvolveram como uma construção na qual cada
pedra está em seu lugar exato, em um movimento mundial con-
creto de grande importância científica e social, durante os dois
últimos anos, em que minha mediunidade está em ação.
Se eu não o compreendo é porque a causa deste efeito inte-
ligente deve estar alhures, em outro mundo, que não vemos,
diferente do nosso. E esse movimento caminha por si só; nada
sei sobre seu futuro e devo confessar que, querendo ou não,
duvidando ou não, esta força me arrasta e me arrastará aonde
ela bem quiser. Tudo vem a seu tempo próprio e em seu devido
lugar, independente de minha vontade e de minha compreen-
são, e o mais admirável é que todas as estradas estão abertas
para o avanço de “Sua Voz”. Não posso deixar de me pergun-
tar aonde conduzirá o mundo e a mim, se continuar assim.
Diz a Entidade, em A Grande Síntese, que esse tratado é
uma nova revelação, que conduz à fundação da Nova Civiliza-
ção do Terceiro Milênio. Se eu dissesse isso por mim mesmo,
eu me consideraria louco. Mas as melhores revistas e os cientis-
tas do mundo o dizem e os povos nisso acreditam.
Estes são os fatos. Em cada semana ocorrem novos aconte-
cimentos. Nos últimos dois meses, o Brasil inteiro repentina-
mente se entusiasmou, e sabemos que, lá, 40 por cento da popu-
lação é espiritualista. Artigos vêm sendo publicados agora no
maior jornal do Rio de Janeiro, o Correio da Manhã, onde di-
zem que “Sua Voz” está ligada ao Cristo e que o Brasil é o país
escolhido para a primeira divulgação da nova revelação ao
mundo. Muitas são as revistas espiritualistas da América do Sul
que o repetem. As mensagens são impressas aos milhares e dis-
tribuídas gratuitamente.
Tenho que admitir estes fatos e que o movimento, tanto
quanto o posso compreender, é muito mais do que um simples
fenômeno de mediunidade e significa mais do que qualquer
conjunto de literatura mediúnica. Seu objetivo é salvar o mundo
de sua atual crise moral, religiosa, social e econômica.
Pietro Ubaldi
O FIM DA SÍNTESE CÓSMICA (A Grande Síntese)
Da Revista Constancia – Buenos Aires, ano LX, no
2495,
setembro de 1937.
No próximo número terminará a publicação desta monu-
mental obra que, durante vários anos, vem aguçando a mente
dos estudiosos e espiritualistas do mundo.
Obra de esforço gigantesco. O homem comum, e mesmo a
generalidade dos espiritualistas, não pode chegar a compreen-
der, entretanto, o tormento que representa uma recepção medi-
única dessa natureza, tão extensa, tão densa de pensamentos e
conceitos novos. Mister se torna um constante e fatigante traba-
lho de contenção e de tensão ao mesmo tempo. De contenção,
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 37
para impedir que forças materiais, demolidoras do ambiente, al-
terem o sistema neuro-receptor do médium, e de tensão, para
manter sem desvio o fio através do qual desliza a corrente
transmissora, de sutilíssima potência, dolorosamente incitante.
Obra monumental de revelação, de ensinamento insuspeito,
profundamente científico e eminentemente moral – essencial-
mente moral – porque do conteúdo de sua inesgotável sabedoria
transluz a pureza de uma elevação que assombra, aguça e incita
a alcançá-la, impele a ascender, obriga a superar-se, emergindo
da imperfeição humana.
Não há assunto que não seja tratado, nem tema que não seja
elucidado, nem fenômeno que não mereça ser analisado desde
sua origem e fase íntima, recôndita, até à evidência das conse-
quências derivantes.
Certamente não iremos comentar o conteúdo científico des-
sa obra, por nos faltar tempo e preparação – para isso seria mis-
ter um homem equivalente à grandeza e profundidade da mes-
ma – mas temos que nos arriscar a confessar que a quantidade
de novos e estranhos conhecimentos que expõe e abarca, difi-
cilmente será compreendida pelo nível mental atual dos ho-
mens, pois os conceitos que encerra não se acham ainda ao al-
cance da compreensão geral, nem mesmo dos cientistas, que fi-
carão perplexos e desorientados e, portanto, preferirão rechaçá-
los como insustentáveis diante do que já constataram.
Isto porque o saber humano se acha num estado crepuscular
por enquanto, todavia isto não deve constituir motivo para re-
traimento e muito menos para recusa de tudo o que é novo, pois
se algo de novo chega até nós – como é o caso desta Mensagem
– é porque já há princípios mais evoluídos, que tornam aptos os
seres para maiores e mais elevadas compressões.
Então será apenas questão de tempo compreender o que é
novo na obra de Ubaldi; questão de longas horas de meditação,
de dias ansiosos de espera, até que o substrato espiritual de nos-
sa mente abra suas portas para as ressonâncias extraterrenas e
aqueles conhecimentos se identifiquem com nosso sentimento e
se encrostem em nosso entendimento.
Essa obra, portanto, é uma antecipação em nossa evolução,
antecipação que prepara desde já uma modificação total do es-
tado ainda materializado demais do saber humano.
Como espiritistas, devemos sentir-nos enaltecidos pelo fato
de que esses conhecimentos tenham chegado através de um dos
fenômenos mais discutidos e mais combatidos da atualidade,
porque ele dará, afinal, por ser incontestável, carta de cidadania
ao processo espírita.
Chegue, portanto, nossa gratidão ao abnegado receptor que,
“através de seu amor e de seu martírio” (como diz Sua Voz)
tem sabido derramar, por antecipação, muitos benefícios e deu
novo impulso ao saber humano, apressando sua ascensão.
Buenos Aires, 16 de setembro de 1937
(a) F. Villa
NASCIMENTO DE A GRANDE SÍNTESE
Da revista Ali del Pensiero – Milão, outubro e novembro de
1937.
Saíra o primeiro fascículo de Ali del Pensiero há poucos di-
as apenas, quando – a 15 de agosto de 1932 – chegou-me uma
carta de um senhor desconhecido, de uma pequena cidade da
Úmbria, o qual se declarava dotado de uma forma de mediuni-
dade inspirativa que começara a afirmar-se justamente naqueles
meses, com algumas “mensagens” de conteúdo espiritual. Essas
“mensagens” tinham sido imediatamente apreciadas no exterior
e publicadas em várias revistas estrangeiras, enquanto que na
Itália eram quase desconhecidas, pela falta de um periódico que
se interessasse por publicações dessa ordem. Mas, justamente
naquele tempo – coincidência ou acaso? – nascera Ali dei Pen-
siero, que em seu programa incluía também a divulgação de
trabalhos mediúnicos, e o Prof. Bozzano sugeriu ao desconhe-
cido médium que se dirigisse a mim.
Foi assim que os invisíveis fios do “acaso” me puseram em
contato com Pietro Ubaldi e assinalaram o início de uma cola-
boração que, sem dúvida, trouxe frutos notáveis.
Li algumas das “mensagens” enviadas por Ubaldi e fiquei
impressionado com o conteúdo profundo delas, e mais ainda com
a poderosa “nota” que, mesmo através das incertezas daqueles
primeiros escritos, vibrava inconfundível e majestosa. Enquanto
organizava alguns trechos daquelas “mensagens” para publicá-
los na data de 28 de outubro de 1932, Ubaldi me acenou, pela
primeira vez, com um tratado mais importante que se sentia im-
pelido a escrever. Em sua carta, dizia-me textualmente: “Será um
verdadeiro e grande tratado dos mais profundos problemas da ci-
ência, da origem e evolução da matéria e da vida. Será um estudo
do processo genético do cosmos, uma síntese completa do co-
nhecimento, desde a matéria até às mais altas formas de consci-
ência. Aí estará resumido o cognoscível humano e o que a huma-
nidade possui mediante revelação, para que este edifício seja, no
momento atual de desenvolvimento científico, integrado e orga-
nicamente fundido numa síntese completa. Aí estarão expostas
várias teorias, como a dos movimentos vorticosos, da estequio-
gênese, do físio-dínamo-psiquismo e outras, com técnica e estilo
científico. Haverá um estudo sobre a quarta dimensão aplicada ao
tempo e à consciência humana. Tratar-se-á de umas cem páginas,
e haverá alguns esquemas para imprimir (...)”.
Nas palavras dessa longínqua carta, os leitores reconhece-
rão o resumo de uma parte da obra hoje terminada. Mas, na-
quela época, a proposta representou para mim uma grave preo-
cupação. O programa era, sem dúvida, atraente, mas quem o
representava era uma pessoa desconhecida, de longe, com a
qual eu apenas trocara algumas cartas. Da obra só estavam es-
critas, por enquanto, algumas páginas de introdução, nem o
manuscrito estaria pronto tão cedo, porque Ubaldi, sendo pro-
fessor de língua inglesa no Ginásio de Gúbio, não tinha nem
tempo nem possibilidade de pôr-se nas condições especiais de
ambiente e de espírito requeridas por sua mediunidade especi-
al, a não ser no período das férias de verão. E mesmo que o
início fosse de fato promissor, teria Ubaldi a força e a capaci-
dade? Perduraria sua faculdade inspirativa, para levar a cabo
um programa que se anunciava tão grandioso? (Aliás, esse
programa, como o podem verificar os leitores, teve desenvol-
vimentos muito mais amplos e imprevistos). Aceitar, nessas
condições, entre tantas dúvidas, significava assumir uma grave
responsabilidade diante dos leitores de Ali del Pensiero.
No entanto aceitei... Assim nasceu A Grande Síntese. Acei-
tei porque senti enraizar-se em mim, de modo inexplicável e
providencial, a certeza de que a obra superaria todas as dificul-
dades e chegaria a um termo feliz, e que Ali del Pensiero tinha
a tarefa de publicá-la.
Não é com indiferença que hoje recordo todas as ânsias e
preocupações, as dificuldades de toda espécie, as incertezas, os
esforços defrontados e superados, durante quase cinco anos de
ininterrupta publicação em série de A Grande Síntese. As “cem
páginas” previstas inicialmente, tornaram-se, ao caminhar, qua-
trocentas. O manuscrito, que deveria estar todo pronto no verão
de 1933, ocupou, ao invés, três verões inteiros, e só foi termina-
do no outono de 1935. Durante esses anos, além disso, o próprio
Ubaldi atravessou violentas crises espirituais, ligadas com o de-
senvolvimento intrínseco de sua sensibilidade pessoal, mística e
inspirativa, que descontrolaram seu sistema psicológico com
profundos desencorajamentos e desorientações. E mais, o esta-
fante trabalho psíquico e físico – efeito e condição, ao mesmo
tempo, daquele estado de ânimo necessário para a “audição”
inspirativa – provocaram várias vezes nele o terror de não poder
mais resistir, com as consequentes e agudíssimas crises nervosas
e o esgotamento físico, até o ponto de despertar sérios cuidados.
38 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
A correspondência bastante volumosa que troquei com
Ubaldi naqueles períodos atormentados, lança muita luz sobre a
excepcional psicologia do homem, sobre as modalidades intrín-
secas através das quais ele pôde tornar-se instrumento para a
produção de uma obra tão vasta, e sobre as “fontes” reais desta.
Mas talvez seja interessante que isto constitua o objeto de um
exame especial, em próximo artigo.
Por estes breves relances, compreenderão os leitores o
grande alívio que experimentei – e o próprio Ubaldi comigo –
quando me chegou às mãos o último capítulo de A Grande Sín-
tese, obra de tão admirável organicidade e complexidade e, no
entanto – pareceria impossível – composta com tantas interrup-
ções, em condições de espírito e de tempo tão diferentes, sem
que seu “autor” soubesse com segurança qual seria o conteúdo
de cada capítulo que iria escrever. Bastaria conhecer de perto a
atmosfera particular em que nasceu essa obra, para convencer-
se, ou ao menos para suscitar a dúvida, de que em redor dela
houve algo de incomum, algo que verdadeiramente transcende
os habituais métodos, concepções e obras humanas.
Hoje que A Grande Síntese terminou a publicação em série e
aparece reunida num volume, lançado por Ali dei Pensiero sob
os auspícios do editor Hoepli, seja-me permitido agradecer a
Ubaldi pela ingente prova que ele superou, tendo por único fim
a esperança de fazer um trabalho útil aos ânimos sofredores de
nosso tempo. Ainda hoje, Ubaldi pede para ser esquecido como
“autor”, para ficar na sombra, a fim de que só a ideia, só a obra,
de que ele deu testemunho, atraiam a atenção dos leitores.
A palavra “Fim” apareceu sob a última frase da obra. Mas
esta não “terminou”. Terminou sua impressão, não a missão. A
grande síntese que o livro quer realizar só agora é que começa.
A semente foi apenas lançada no sulco e brotará e se multipli-
cará. Abre-se agora a fase de elaboração, de difusão e de dis-
cussões, mesmo entre o público profano. Muitos se preocupa-
rão só com o “fenômeno” através do qual A Grande Síntese foi
produzida. Outros deter-se-ão na letra da obra e pôr-se-ão a ca-
çar supostas falhas ou lacunas. Outros, ainda, descuidarão tudo
isso e procurarão penetrar a essência mais escondida, unica-
mente onde reside o valor real da obra.
Muitas partes dela, aliás, parecem mais dirigidas aos ho-
mens do futuro que aos de hoje. Mas as verdades profundas que
lá estão elaboradas, esclarecidas, reveladas, não podem ter me-
didas de tempo. O caminho evolutivo traçado por elas está todo
estendido para o futuro. Cabe ao leitor saber segui-las até ao
ponto mais avançado possível.
O tempo, inexorável demolidor de obras superficiais, poupa
de exaltar aquelas que têm verdadeiro valor substancial.
(a) Marc'antonio Bragadin
O FENÔMENO UBALDI
(Examinado segundo a ciência do aparelho divino)
Da revista Ali del Pensiero – Milão, dezembro de 1937.
A voz corrente é unânime e não podia deixar de sê-lo: as
obras de Ubaldi são estupendas. E queremos acrescentar uma
pedra à coroa de louvores oferecida pelo mundo a Ubaldi, di-
zendo que o valor real do fenômeno consiste no próprio Ubal-
di, que soube elevar toda a sua vibração interna à realeza da-
quelas captações.
O fenômeno Ubaldi é – pelo que nos consta – uma das mai-
ores conquistas no fato de percepção hiperfísica, porque Ubal-
di, mesmo não conhecendo a “ciência do além”, conseguiu to-
davia libertar-se das encruzilhadas da passividade mediúnica e
manter-se bastante desperto no oceano das noúres.
Estabelecendo um paralelo, embora banal, Ubaldi pode ser
comparado a uma criança prodígio que faz arte mesmo sem sa-
ber o que seja arte; Ubaldi conseguiu magnífica conquista no
campo da ciência, mesmo sem conhecer a ciência do além.
A palavra “bastante”, usada acima, não pareça irreverência
contra esse estudioso, que despertou toda a nossa admiração.
Com a palavra “bastante” queremos, em nosso ponto de vista,
sublinhar as seguintes observações: no oceano das noúres,
Ubaldi se abandona, ao passo que nós ousamos afirmar que,
no oceano das noúres, é indispensável saber escolher o pró-
prio roteiro. Ele se entrega confiante às correntes que sente
serem benéficas, enquanto acrescentamos a advertência de
que é mister, ao invés, saber avaliá-las bem, pesá-las, escolhê-
las, antes de seguir essas correntes. Ele, atingindo o inefável,
sem dar-se conta de “como” o atinge, nele mergulha, dele “re-
cebe” conceitos, ao passo que nos permitimos dizer que é ne-
cessário, às vezes, saber manter-se no inefável, saber mergu-
lhar “à vontade” no ambiente pré-escolhido, saber discernir
entre domínio e domínio de conceitos. Eis a diferença: não
“receber”, mas ir buscar. É isso: faz-se necessário justamente
saber ir ao inefável, com o propósito definido de colher aí ora
esta flor, ora aquela, e de colher voluntariamente os arcanos
que ele encerra para as idades vindouras.
Dissemos “é preciso” não só porque Ubaldi, no oceano das
noúres, é um indefeso, mas também para ajudar o encaminha-
mento das faculdades de percepção do hiperfísico para o co-
nhecimento da natureza, dos objetivos, do poder do próprio hi-
perfísico, e colocar muitos estudiosos em grau de não só perce-
ber as noúres, mas também saber defender-se do acaso, ou va-
ler-se delas, ou subjugá-las se não forem dignas.
Estamos verdadeiramente satisfeitos de que nossos conhe-
cimentos a respeito do aparelho divino possam oferecer aos es-
tudiosos não só a explicação do magnífico fenômeno Ubaldi,
mas também os conhecimentos necessários para superar a me-
diunidade passiva e chegar à conquista do hiperfísico em plena
consciência.
A purificação que Ubaldi compreendeu ser indispensável e
que fortemente impõe a si mesmo, é sem dúvida fundamental
para alcançar a percepção de escalas vibratórias mais sutis,
mas, como o organismo humano é bem mais importante em su-
as partes hiperfísicas do que nas físicas, já foi formulada com-
pletamente uma doutrina de treinamentos para colocar o estudi-
oso na possibilidade de fazer vibrar suas partes hiperfísicas em
escalas cada vez mais puras, mais transubstanciadas, de modo
que possam vibrar por afinidade, por harmonização, limpida-
mente, em sintonia com aquelas que o inefável cósmico emana
continuamente.
A ciência da percepção do hiperfísico já está formulada, já
lançou suas bases, e sobre elas ergueu uma primeira e esquemá-
tica formulação de leis.
Um dos campos que os estudiosos de biosofia se esforçam
por iluminar já foi plenamente aprofundado pelo que escreve-
mos e que estamos sempre prontos a esclarecer, com os conhe-
cimentos relativos ao “aparelho divino”. Damos, pois, à nova
“ciência do além” a licença de exprimir-se.
O homem está unido ao cosmos todo mediante um filtro,
um verdadeiro “transformador” hiperfísico, que tem a função
de captar primeiro e depois transformar as forças cósmicas em
forças de alcance humano.
Esse transformador – o “aparelho divino” – está colocado
ao alto da cabeça de todo homem e é o produto de turbilhão de
forças hiperfísicas individuais e de outras naturezas.
Como o descobrimos, isto dissemos alhures; mas, para evi-
tar mal-entendido àqueles estudiosos que confundem o “apare-
lho divino” com os “Chacras” aos quais ele está ligado, aqui
acrescentamos que a glândula pineal do cérebro – que muitas
vezes é indicada como o órgão receptor das noúres – é a con-
traparte física do Chacra que está colocado no alto da cabeça, e
não a contraparte física do aparelho divino; o órgão receptor
das noúres é pois o aparelho divino, e não a glândula pineal;
esta tem uma função auxiliar, útil quando as forças já estão no
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 39
corpo físico, mas não tem a função especial de “receber”, pois
esse trabalho é apenas hiperfísico, no aparelho divino, que é
também hiperfísico.
O aparelho divino não tem – repetimo-lo – contraparte físi-
ca; ele é um verdadeiro e próprio órgão todo hiperfísico, é um
vórtice turbilhonante de matérias hiperfísicas, dúplice em sua
função: com uma de suas partes transmite ao hiperfísico as
emanações humanas, com a outra transmite ao organismo hu-
mano as emanações do hiperfísico. O turbilhonar destas forças
produz como efeito dois vórtices, cuja energia cinética lhe
agrega as matérias, produzindo a impressão de duas formas
cônicas, com vértices opostos, compenetrados e coexistentes,
fundidos, irradiantes.
Cada homem tem no alto da cabeça um Chacra (classificado
em nossas obras com “N. I”) e cada homem tem, ligado a ele,
uma antena turbilhonante cônica, que se lança ao hiperfísico.
Em Ubaldi, esse “cone” deve ser, por certo, resplandecente
e rutilante, dotado de maravilhosa potência de expansão. Mas
nem todas as pessoas o tem assim; apenas os fatores evolutivos
dão esse caráter ao aparelho divino. Quanto mais adiantada é a
evolução humana, tanto mais permite ao cone aberto para o al-
to, o do aparelho divino, que funcione em todas as sucessivas
dimensões, ainda ignoradas pela massa.
As forças que partem do Chacra colocado ao alto da cabeça
de Ubaldi, lançadas, sem que ele o saiba, ao incógnito hiperfísi-
co, produzem o “cone” aberto em direção ao alto, do seu divino
aparelho, o seu “cone” pessoal. Sem dúvida, esse cone lança
para o desconhecido belíssimas e elevadas vibrações, de natu-
reza nobre e de exímia finura. Mesmo não conhecendo os mei-
os científicos para produzir conscientemente o fenômeno,
Ubaldi sabe colocar esta parte de seu aparelho divino, ainda
desconhecido a ele, em sintonia com escalas vibratórias que
não têm atributos pessoais, porque não provêm de instrumentos
pessoais; estas escalas vibratórias lhe chegam de um vórtice de
forças hiperfísicas, quase sempre de natureza cósmica ou de na-
tureza super-humana (mesmo que ele não as perceba como pro-
venientes de seres super-humanos).
No elemento superior do aparelho divino (o que se abre para
baixo) de todos os homens, giram vorticosamente correntes hi-
perfísicas de natureza gloriosa; mas, como o outro elemento, o
que se abre para o alto, não está nem sabe colocar-se em sinto-
nia com elas, o ser humano não as percebe. Em Ubaldi, ao in-
vés, com a luz da “ciência do além”, vemos um ser humano cu-
jo elemento inferior do aparelho divino – o que se abre para o
alto – está dotado da possibilidade de colocar-se em sintonia
com as vibrações do elemento superior, que continuamente ir-
radia emanações cósmicas.
As grandes inspirações chegam todas por esse caminho e
assim sempre chegaram e sempre chegarão, mas os homens não
conheceram, antes da “Dispensação”, o órgão hiperfísico recep-
tor e sua respectiva técnica; o apogeu que todas as escolas eso-
téricas atingiram foi a ciência dos Chacras, ao passo que a ciên-
cia do aparelho divino representa a sabedoria sucessiva, a “do-
se” seguinte do arcano revelado, oferecido pelas forças evoluti-
vas ao mundo, a fim de que este penetre as ciências de amanhã:
as ciências do hiperfísico.
Só conhecendo esta prodigiosa ciência do aparelho divino
podemos responder à pergunta insolúvel sobre o que sejam as
noúres que Ubaldi percebe. As noúres são as forças vorticosas
que lhe provêm do elemento superior de seu aparelho divino, e
lhe podem chegar porque ele, com o trabalho de purificação
que se impôs, coloca, sem o saber, o próprio aparelho divino
naqueles “planos”, onde a vibração é impessoal, gloriosa, ine-
fável. E aqui podemos dizer mais: a percepção de uma corrente
hiperfísica pode ocorrer quer seguindo-lhe a corrente, penetran-
do em seu centro, quer separando uma seção. Ambos os modos
são possíveis com o uso consciente do aparelho divino, no en-
tanto, entre os dois, é preferível o primeiro, porque permite al-
cançar a fonte mergulhados na própria corrente. Isto dá ao ex-
perimentador uma colheita mais completa de conhecimentos, e
asseveramos que, quando Ubaldi se acha naquela zona de con-
ceitos, da qual descreve a poderosa vastidão, ele aí chegou –
mesmo não conhecendo sua técnica – por meio da primeira des-
tas possibilidades; quando, ao contrário, seu coração mergulha,
perdendo-se a si mesmo, nas sublimes bondades do reino ilimi-
tado de Deus, ele – mesmo não conhecendo sua técnica – va-
leu-se da segunda de suas possibilidades.
Exorbita do âmbito de um artigo dizer como seja possível
atingir a conquista e o conhecimento das correntes hiperfísicas,
aliás isto seria apenas repetir o que dizem nossas obras; o im-
portante é apenas apontar hoje aos estudiosos o caso de Ubaldi
como caso-tipo para ser tomado como modelo de uma liberta-
ção natural do jugo da mediunidade, por maturidade evolutiva
conquistada, e prender a atenção dos estudiosos de biosofia na
ciência do aparelho divino, mediante a qual, além da libertação
consciente da mediunidade, podem ser feitas tantas conquistas
maravilhosas no campo do hiperfísico.
(a) Emma Tedeschi e Mário Brandi
A GRANDE SÍNTESE
PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO ITALIANA
A Grande Síntese, 1a edição, Editor Ulrico Hoepli – Milão,
1937.
A Grande Síntese é hoje oferecida ao público italiano reu-
nida em volume, depois de haver aparecido em fascículos em
Ali del Pensiero, revista de Biosofia, de Milão, e de ter susci-
tado vivo interesse, não só na Itália, mas de modo notável
também no estrangeiro. Tanto assim que, desde o início, as re-
vistas Constancia de Buenos Aires e Reformador do Rio de
Janeiro empreenderam sua tradução e publicação, enquanto o
Correio da Manhã, o mais importante diário do Brasil, divul-
gou grande parte numa seção especial. Agora estão para apare-
cer em volume, também, a edição espanhola em Buenos Aires
e a portuguesa no Rio de Janeiro, enquanto se está fazendo a
tradução para outras línguas.
Portanto querer apresentar esta obra seria fora de propósito,
uma vez que sua primeira edição é lançada – caso bem raro –
depois de já haver ela percorrido muitas estradas pelo mundo, e
de seu eco já se ter feito ouvir em todos os principais centros
europeus e sul-americanos, ultrapassando, por sua própria for-
ça, fronteiras e oceanos. Além disso, a vastidão e profundidade
dos conceitos abarcados em A Grande Síntese se tornam impos-
sível de abordá-los em uma breve introdução, que só tem por
objetivo a sintetização do conteúdo daquela obra.
Este livro quase não é filho de nosso tempo, não só por sua
ousada e avançada concepção, como também porque não se
dobra ao apressado e míope hábito hodierno, que julga as obras
pelo estilo e pela forma, em vista da incapacidade de penetrar
sua essência. Não é apenas uma síntese doutrinária de ciência
humana, nem um simples sistema filosófico. Sua substância su-
pera todas essas aparências, das quais emerge em todo o seu
eterno esplendor, de suprema realidade vital.
Não é possível, pois, analisar esta obra com os métodos ha-
bituais da crítica douta, nem trazê-la para as tradicionais cate-
gorias do saber, já que ela transcende e completa os conheci-
mentos atuais. É uma vibração do pensamento irradiado pelos
superiores planos conceptuais, embora necessariamente cons-
trangido nos limitados esquemas das palavras; é força viva, que
opera no profundo da alma humana. É doutrina em seus ele-
mentos, é fé em seu conjunto.
Por isso A Grande Síntese tem uma força própria, que a
fez e a fará caminhar por si mesma no mundo, espontanea-
mente. Força que transparece através de um estilo e de uma
40 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
entonação desusados, que talvez poderão desconcertar o leitor
novo. Que ele não pare, todavia. Penetre seu texto como cons-
trução conceptual racional e objetiva do todo. Depois, se qui-
ser, poderá indagar a respeito do “fenômeno” e de sua gênese.
Por que A Grande Síntese, independente da substância que a
anima e dos objetivos visados, é também o “fenômeno Sínte-
se”. Mas isto é uma questão à parte, colateral e de natureza
muito diferente, independente – é bom repetir – do tratado
considerado como objetivo e racional.
O “fenômeno” implica, ao invés, a transferência a pontos de
vista supernormais, obriga a enfrentar problemas psicológicos
que nossa ciência – confessemo-lo – não sabe resolver. Por isso
o próprio Ubaldi fez disso o objeto de um especial e separado
exame, no volume As Noúres (edições Hoepli, 1937), ao qual
enviamos o leitor que deseja, após tê-la lido, conhecer a técnica
genética e formativa a que se deve A Grande Síntese.
Baste ainda observar, aqui, que este livro se coloca na linha
das grandes correntes mundiais que operam em nosso tempo
para a salvação dos valores espirituais da humanidade. E que
ele assume o peso e a responsabilidade dessa luta – fato que é
também um vaticínio – no momento em que o mundo oscila de-
sorientado, entre o fim de uma civilização já decrépita e o nas-
cimento de outra nova e maior.
A palavra da ciência, por vezes fria, é apenas o meio sen-
sível, adaptado à psique raciocinante de nossa época, de uma
realidade vibrante e viva, que opera e vence para o bem dos
homens.
Marc'antonio Bragadin
A GRANDE SÍNTESE
PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO ITALIANA
A Grande Síntese, 2a edição italiana, Editor Ulrico Hoepli –
Milão, 1939.
Não se trata de apresentar este volume, já agora conhecido
no mundo, mas de resumir aquilo que poderíamos chamar sua
história. Permanecemos, pois, no campo das comprovações ob-
jetivas, dos fatos, que não são uma opinião. Não se pode deixar
de reconhecer a coisa concreta, que se toca com as mãos. As
palavras proféticas que acompanharam a publicação dos fascí-
culos desta obra, desde seu princípio, verificaram-se totalmen-
te, e isto ocorreu segundo um plano lógico e orgânico de de-
senvolvimento, que não foi preparado nem previsto pelo autor.
Por isso, tal como ele mesmo expressamente declarou (veja As-
cese Mística, Cap. XIII – segunda parte) jamais atribuiu a si –
apesar das acusações de orgulho que lhe foram feitas – nada do
que de bom possa ter conseguido fazer.
Hoje, no princípio de 1939, achamo-nos diante de uma obra
completa de cerca de 1000 páginas (que precisamos ler inte-
gralmente para serem compreendidas), um ciclo de quatro mo-
mentos, uma tetralogia, ou seja:
1) As Mensagens Espirituais, conciso e vibrante apelo ao
mundo, um clangor de trombeta, uma chamada à sabedoria.
2) A Grande Síntese, ou seja, a doutrina, o pensamento cien-
tífico-objetivo e ao mesmo tempo filosófico-ético, para explicar
a fenomenologia universal e para guiar a conduta individual e
social. Este volume é o ponto mais alto da tetralogia.
3) As Noúres, introspecção reflexiva, escrito como comentá-
rio sobre A Grande Síntese; explicação da técnica intuitiva ins-
pirativa, a que se deve a gênese dessa obra.
4) Ascese Mística, estudo da evolução dessa técnica e desse
fenômeno até à fase mística. Estas duas últimas, obras de in-
trospecção e autocrítica, de íntima e objetiva indagação psico-
lógica, em que o autor quis oferecer todos os elementos de jul-
gamento para os numerosos pontos de vista, segundo os quais
possa ser considerada sua obra. Com isto, todo o seu pensamen-
to é claramente exposto, e ele julga fechado o atual ciclo de seu
trabalho, que foi sintético e analítico, universal e individual,
concepção abstrata e vivida, obra de pensamento e de amor, tu-
do sustentado e fundido numa finalidade de bem.
A primeira “Mensagem de Natal” nasceu no Natal de 1931.
Este prefácio escrito no Natal de 1938 celebra o sétimo aniver-
sário dessa data.
Hoje, as Mensagens Espirituais estão na terceira edição ita-
liana e já deram a volta ao mundo. Algumas atingiram meio mi-
lhão de exemplares.
A Grande Síntese, já teve uma edição em Buenos Aires e
outra no Rio de Janeiro. Estão sendo preparadas as edições in-
glesa, francesa e indiana (Marathi). Na Itália, estamos na se-
gunda edição, pois em poucos meses esgotou-se a primeira.
As Noúres já está sendo publicada em fascículos em Buenos
Aires, e está sendo preparado o mesmo ciclo de divulgação com
a recentíssima Ascese Mística.
Estes são os fatos. “Raramente, no mundo” – diz o primei-
ro prefácio das Mensagens, em 1935 – “obtêm tão rápido e
espontâneo êxito outras coisas mesmo fortemente queridas e
habilmente preparadas. Neste caso, ao invés, um médium des-
conhecido, sem preparação, durante muito tempo hesitante a
respeito da oportunidade de divulgar sua produção, sem meios
e sem apoio, modestíssimo e fugindo da notoriedade, sem fim
algum interesseiro, mas até constrangido a uma vida de martí-
rio para exteriorizar seus invulgares dotes mediúnicos – viu
sua produção oferecida timidamente, fazer com rapidez a vol-
ta ao mundo, e difundir-se em pouco tempo, automaticamente,
como por força própria prodigiosa. Neste fato, muitos poderão
descobrir uma prova”.
Pode forçar-nos à meditação, também, o fato de que estes
sete anos foram os mais dolorosos da vida do autor, que foi es-
magado por sofrimentos, por trabalho, por tempestades, por re-
núncias, por preocupações bem graves. Isto indica que o espíri-
to, muitas vezes, sabe manifestar-se apesar disso, e até nas con-
dições mais adversas; prova isto que verdadeiramente a fé re-
move montanhas, ou seja, sozinha pode realizar muitas coisas,
independentemente dos meios humanos, nos quais todos colo-
cam sua confiança absoluta.
Não é possível analisar aqui esta obra, nem o fenômeno es-
piritual de que nasceu. De A Grande Síntese ocupou-se ampla-
mente a imprensa italiana e estrangeira, mesmo nos países em
cuja língua não foi traduzida ainda. Do fenômeno, o próprio au-
tor fez a mais cabal análise, e o podia fazer melhor do que nin-
guém, porque o vivera. Para esta análise, remetemos o leitor
aos dois volumes: As Noúres e Ascese Mística. Esse fenômeno,
que temos de renunciar a definir aqui, é muito complexo e tão
pluridimensional, que não se pode facilmente enquadrar e en-
feixar, como alguns o quiseram, em dada terminologia e em
dada escola. Caminhou sozinho, individuado como todas as
formas de vida, acima das artificiais distinções humanas. O
próprio autor usou as palavras que achou no plano linguístico
atual. Infelizmente não existe um material de expressões vir-
gens, que não tenham sido usadas e abusadas no passado. Mas
esperamos que o leitor inteligente se detenha só no pensamento
substancial, sem preocupar-se com a forma relativa que o re-
veste. Diga-se o mesmo para alguns termos filosóficos usados
em A Grande Síntese, que já induziram alguns, que mais se
atêm à letra do que ao conceito, a observações que o tempo
demonstrará terem valor relativo.
Entretanto, para fazer-se mais bem compreendido pelos fi-
lósofos e teólogos, que estão mais presos à forma, o autor, no
seu desejo claramente expresso nas Noúres e ainda mais na As-
cese Mística, de permanecer fiel à verdade da igreja católica,
gostaria de retocar alguns termos e expressões que, nas psico-
logias que têm outra orientação, podem gerar confusão; gosta-
ria, mesmo não modificando em nada o conceito, de esclarecer
mais extensamente algum ponto expresso por demais sintetica-
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 41
mente. Mas o autor está sobrecarregado de demasiado trabalho,
mesmo para executar esse, que ele julga um dever, ou seja, ga-
nhar o pão de cada dia. Não dispõe de tempo, de paz e de ener-
gia, o que alguns críticos parecem poder usufruir largamente.
Na urgente pressão do tempo, ele não pode hoje tornar a mer-
gulhar na profundidade dos complexos problemas tratados nes-
tes volumes. Para isso, seria mister que Deus lhe concedesse
menos pesadas condições de vida e lhe tornasse a dar as forças
gastas com o trabalho excessivo.
A crítica de Fermi, em Gerarchia, em abril de 1938, assim
conclui: “No caso Ubaldi, resta explicar um fato singular. Um
homem que, após ter feito o curso de Direito com má vontade,
após ter viajado para ver o mundo e aprender línguas, dedica-
se a ensinar inglês num pequeno ginásio da província e não se
ocupa nem de estudos nem de leituras científicas – pois bem,
esse homem, de improviso, toma a pena e escreve Mensagens
impressionantes, que ele afirma lhe terem sido sugeridas por
Seres Superiores. Passados dois anos, e sempre atribuindo à
mesma proveniência, escreve um volume de 400 páginas – que
foi por mim criticado – perfeitamente organizado e coerente,
que, pode dizer-se, enfrenta todos os problemas mais delicados
que dizem respeito à ciência e à vida, mostra-se informado
(mas por caminhos extraordinários) dos últimos resultados,
acha conexões inéditas e antecipa descobertas teóricas. Tudo
isso, numa forma literária irrepreensível, lúcida e elegante;
com um tom elevadíssimo, uma espiritualidade ardorosa e pu-
ra, uma humanidade palpitante.
“É claro que ele, com esta e outras publicações que se en-
contram no prelo, esclarecerá melhor seu pensamento religioso
e dissipará dúvidas, ao exercer seu nobre apostolado, chamando
seus contemporâneos a um gênero de vida mais racional e dig-
no. Abstenho-me de entrar neste campo, para não ultrapassar os
limites dentro dos quais se mantém Gerarchia. De outro lado,
não hesito em convidar os homens de pensamento e boa vonta-
de, sobre os quais pesa a responsabilidade do bem público, a
tomarem em muito séria consideração, ao menos teoricamente,
as mensagens que há oito anos Pietro Ubaldi não se cansa de
lançar ao velho e ao novo mundo, com um resultado imprevisto
na América do Sul. Enquanto vai exercendo essa missão, não
espera nem deseja nenhuma vantagem. Ao contrário, está pron-
to a sacrificar sua pessoa. Pois ele sabe que não é digno de tra-
balhar por uma grande causa quem não esteja pronto a suportar
por ela – se necessário – até o martírio”.
O próprio Fermi, torna a tocar no mesmo argumento em re-
centíssima crítica, a propósito do volume Ascese Mística, em
Gerarchia, de fevereiro de 1939:
“Em A Grande Síntese, que aqui foi comentada, confiando
justamente no seu grande poder intuitivo, o autor traçou um
quadro de filosofia científica e de antropologia ético-social que
deixa muito atrás experiências semelhantes do último século,
pela amplitude da contextura e pela particular novidade do mé-
todo que utilizou na obra e no plano que seguiu: a intuição, co-
mo disse. Esta não veio ao mundo com ele, pois existe desde
tempos imemoriais, entre artistas, sábios e videntes; mas jamais
foi empregada com uma técnica tão rigorosa, clara e consciente.
E ele a descreveu com análise precisa, objetiva, indubitavel-
mente científica, em outro volume, As Noúres.
“Quem é iniciado na filosofia da história e atentamente ob-
serva os fatos que se desenrolam sob seus olhos, não duvida de
que entramos num “período orgânico”. Uma lei superior, cujo
ritmo foi acelerado pela insipiência de quase todos os intelectu-
ais, está concluindo seu período crítico. Este, útil e até necessá-
rio quando surgiu, acabou desencadeando-se loucamente sobre
os bens mais preciosos que a humanidade recolhera e entesoura
com mil esforços e heroísmos.
“Pois bem, a concepção biológica e, portanto, orgânica de
Pietro Ubaldi vem ao encontro da comprovada exigência do
tempo em que ocorre. E mostra até à evidência as razões do
comando e as razões da obediência, ambas subordinadas à vi-
são das unidades parciais que se agrupam harmonicamente no
caminho da unidade definitiva, meta gloriosa de nossa viagem.
“Os que verdadeiramente compreenderem essa verdade, es-
tes, e não os outros, serão dignos de constituir as aristocracias
do amanhã. Ao lado dos autênticos chefes, ao lado e quase invi-
síveis, mas seguros conselheiros, estarão os outros nobres, para
os quais foram ditadas obras do gênero de Ascese Mística”.
Fizeram críticas, com especial amplitude e autonomia de
pensamento, a Revista Internacional de Filosofia do Direito, de
Roma, julho/outubro de 1938, a revista Light, de Londres; a Set-
timana Cattolica, de Adria; a Ricerca Psichica, de Milão; Libro
e Moschetto, de Milão; The Observer, de Filadélfia (USA); Pro-
blemi Mediterranei, de Palermo; Ali del Pensiero, de Milão; Re-
ligio, de Roma; IL Resto dei Carlino, de Bolonha; La Chimica,
de Roma; L'Ala d'Italia, de Roma; Lliustrowanego Kuryera Co-
dziennego, de Cracóvia; IL Loto, de Florença; O Reformador, do
Rio de Janeiro; Constancia, de Buenos Aires; La Revue Spirite,
de Paris. O volume do Ministro Plenipotenciário D'Alia, Máxi-
mas de Arte e de Ciência Política, cita A Grande Síntese quase
cem vezes; o volume Espiritismo Moderno, de Trespioli, co-
menta aquela obra amplamente. E enquanto estamos em curso
de impressão, essas mesmas revistas tornam a tratar do assunto,
a propósito do último volume Ascese Mística.
Não é possível aqui citar a série de mais de cem jornais e
revistas que, nos dois hemisférios, fizeram a crítica ou falaram
de A Grande Síntese, como também de As Noúres, nem publi-
car as apreciações feitas em cartas ou a viva voz, por pessoas
particulares, sobre estes volumes. O fato é que A Grande Sínte-
se despertou interesse nos campos mais disparatados (vejam-se
as revistas supracitadas), obtendo de todos os lados um apoio
unânime. Algumas raras exceções secundárias, devidas a in-
compreensões, mais tarde corrigidas, confirmam a regra. Tan-
tos espíritos já se agruparam em redor deste autor, que o vaticí-
nio da afirmação já se pode considerar cumprido. Poder-se-á
discutir algum termo, algum pormenor, poder-se-á levantar a
acusação de alguma inexatidão, mas já não se pode mais duvi-
dar do conjunto, da profundidade da visão universal, de sua or-
ganicidade, que corresponde à realidade do fenômeno, da since-
ridade das intuições, da força da paixão, da bondade dos fins.
Se, para os ânimos fechados na própria moldura psicológica, é
falso tudo o que estiver fora dela, para os ânimos honestos e
abertos há em tudo isso algo que comove a consciência e induz
a refletir seriamente; há, num quadro organizado e universal, a
solução de muitos problemas até agora insolúveis; há uma ade-
rência evidente à realidade dos fenômenos, mesmo que alguma
filosofia particular possa por vezes negá-lo. E, no confronto en-
tre a voz divina da natureza e a voz humana da filosofia, temos
de acreditar que a primeira seja a mais verdadeira. É esta voz
divina que o autor não poderá corrigir, porque é uma só, e cada
vez que procurasse sondá-la, só poderia ouvi-la idêntica a si
mesma, mais clara e mais forte.
A todos aqueles que quiserem reduzir exclusivamente a um
plano racional este volume – que é sobretudo um ato de fé, e de
fé cristã, tendente à exaltação do espírito através do sacrifício –
recordamos que sempre foi mais fácil discutir uma doutrina do
que decidir-se a sacrificar-se pelo bem. A discussão não é so-
frimento nem exemplo e pode ser vontade de afirmar uma ban-
deira em que nos colocamos a nós mesmos. Hoje, o mundo ne-
cessita de doação e amor, não de sabedoria filosófica; necessita
do Evangelho de Cristo. Os caminhos são diversos; felizes os
que já acharam as estradas dirigidas pela fé. Mas, para os racio-
cinadores, atacados pela doença analítica do século, era neces-
sário usar a linguagem científica, para atingi-los, pois eles tam-
bém são filhos de Deus; era indispensável dar à ciência o
exemplo da síntese, nobilitando-a mediante sua elevação a fina-
42 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
lidades éticas, e, ao mesmo tempo, oferecer à fé a contribuição
da ciência, para aprofundar e resolver problemas aonde a reli-
gião ainda não penetra; era necessário, para arrancar as almas
do materialismo – que é a grande ameaça do século, porque re-
nega o espírito, base da civilização – falar uma linguagem dife-
rente da teológica, que já agora as mentes não mais estão habi-
tuadas a compreender. Poderá a Igreja condenar uma obra as-
sim toda voltada para um fim de bem, tão aderente ao espírito
do Evangelho, desenvolvida tão sinceramente e com tanta pai-
xão, fruto, enfim, de tanto sacrifício, mesmo sendo esta obra
modelada pelas diversas vias psicológicas requeridas pela hora
e por alguns espíritos? Poderá a Igreja fazer isso, sem negar-se
a si mesma e sem agravar a crise de tantas consciências hones-
tamente necessitadas de conhecer algo mais? Talvez alguns es-
perem, justamente, que a Igreja a condene, para fazer desta obra
uma bandeira de rebelião. Não é isto que o autor deseja. Ao in-
vés, devemos perguntar que prejuízo ou que imenso bem ad-
viria à sociedade, se fossem aplicadas as conclusões deste es-
crito? E qual a culpa de ter dado a elas uma base racional e ci-
entífica, de tal forma que se tornem obrigatórias mesmo aos
incapazes de fé, ao menos para que deem o primeiro passo que
os arrancará do materialismo? Pergunto: se os fatos não esti-
vessem de acordo com a filosofia e a teologia, como se faria
para modificar a voz dos fenômenos, a fim de conciliá-los à
força com as construções do intelecto humano? Num simples
prefácio, não é possível ir além destas razões mais rudimenta-
res. Mas que nos sirva de esclarecimento o caminho percorrido
pelo autor, que rapidamente superou a estrada da razão, segui-
da por necessidade e quase a contragosto; e tomou imediata-
mente – não por merecimento seu, mas guiado por Deus – as
estradas profícuas da dor (veja Ascese Mística), demonstrando
com os fatos que, após haver estudado e compreendido, é pre-
ciso pôr-se a caminho, porque certas verdades só são plena-
mente alcançadas com o sacrifício, e não com o raciocínio. E,
na verdade, muitas vezes a discussão é orgulho. Cristo não dis-
cutiu, mas carregou a cruz e amou.
Este é o espírito da presente obra, esta a sua substância, que
quer ser a substância do Evangelho, que é fé, mais do que sabe-
doria erudita; paixão, mais do que demonstração racional; ato
de amor, mais do que ato de inteligência. É impossível que o
leitor dotado de sensibilidade não descubra, por trás do esforço
da redução da verdade ao plano racional, como o requer a psi-
cologia do homem atual, quanto existe desse espírito de amor e
de fé nesta obra e que é esta, justamente, a vibração que a ani-
ma e a sustenta totalmente. Quem quer que a enfrente com cri-
térios puramente teológicos e escolásticos, demonstrará que não
sente o espírito do Evangelho, que está bem longe de tudo isso.
Não nos detenhamos na letra, mas subamos ao espírito. A hora
é por demais grave para nos demorarmos em eruditas discus-
sões. A Grande Síntese evitou qualquer referência a teorias filo-
sóficas humanas e não citou o pensamento de quem quer que
seja, para não agredir, para não entrar em discussão, para não
demolir ninguém, reservando para si apenas a tarefa de criar,
dando o exemplo de paz. Quer manifestar apenas harmonia, que
é a lei dos planos mais elevados em que ela se movimenta. Por
isso limita-se a expor, como que narrando, o estado dos fatos:
voz sincera, natural, simples, evidente. Repetimo-lo: a descida
ao plano racional e demonstrativo foi uma necessidade triste,
mas indispensável. Terá a Igreja, que é feita de fé, a tal ponto se
afastado da luz, reduzindo-se à função raciocinante, que não te-
nha mais o espírito do Evangelho? Se assim fora, seria terrível.
Quando não se conhece mais o timbre da voz de Cristo, é mis-
ter recomeçar tudo. A autorização solene do “Tu es Petrus”,
não é incondicional, mas implica a manutenção constante do
espírito, da chama acesa do Evangelho. O autor não condena,
nem jamais condenará; mas se tudo isso acontecer, chorará
amargamente. E, infelizmente, não vai chorar sozinho.
Na hora atual, que os videntes sabem ser terrivelmente in-
tensa, ele quis olhar para Cristo com maior intensidade, o que
não acontece hoje em dia, entre cristãos e não cristãos. Can-
sado de todas as lutas no plano humano, transferiu para outro
campo sua vida e seu esforço, e mostrou esse outro mundo tão
distante daqui. Entretanto soube resistir à tentação de voltar-
lhe as costas, renunciando o repouso de seu sonho no paraíso,
e retornou a imergir-se na dor do mundo. Agora, os críticos
analisarão; a cega psicologia racional procurará compreender
sua visão com os meios do tato. Trabalho lento. O autor, en-
tretanto, pode morrer tranquilamente. Pois isto é derrota só
para os que têm objetivos humanos.
De seu lado, a ciência julgou ver em A Grande Síntese cer-
to desprezo por ela e por seus métodos, e ausência de novas
revelações com relação às soluções de problemas técnicos par-
ticulares. Ora, o objetivo desta obra é totalmente diferente: é
objetivo de síntese, de unificação, de orientação; o escopo é a
elevação moral, que sobrepuja qualquer finalidade utilitária, e
até mesmo prescinde dela. E o desprezo, ou digamo-lo melhor,
a reprovação, não é pela ciência, mas só por sua forma materi-
alista, agnóstica, amoral, que ela assumiu, demolidora do espí-
rito. Esta reprovação está unida a um grande respeito, admira-
ção e até veneração por quem tenaz e sinceramente trabalha
em seus setores para chegar à visão das leis da natureza, nas
quais fala o pensamento de Deus. A ciência não é combatida,
mas apenas o materialismo, sua premissa dogmática. Isto se dá
com a finalidade de elevá-la a mais altos planos, para profun-
dos campos de compreensão. O mal-entendido é fundamental.
Achamo-nos sempre diante do intelectual utilitário, que procu-
ra uma ideia ou vantagem a mais, sem nunca pensar em colo-
car-se na estrada cansativa que pratica o bem.
A quem pense que esta obra poderia ficar limitada ao cam-
po biosófico ou em outro semelhante, só pelo fato de que aí
surgiu, verá que era indispensável que ela, que exorbita das di-
visões comuns do pensamento, daí emigrasse para levar fruto a
campos mais vastos e, assim, teria que necessariamente de-
sembocar nas vastidões dos horizontes morais e filosóficos
próprios do cristianismo, que constitui, mesmo para quem ig-
nora seu lado divino, sempre um colosso de pensamento bimi-
lenário e a base da civilização europeia.
Outros, ao invés, sentados em outros compartimentos do
pensamento e da imprensa (ah! Parece que todos estão irreme-
diavelmente divididos!) se escandalizarão de um espírito real-
mente cristão ter atravessado certos campos mais ou menos
proibidos. A estes dizemos que a verdade não é monopólio de
classe, que o sol resplandece para todos e sobre todos e que as
obras de fé e de bem são necessárias e obrigatórias em qualquer
parte e sob qualquer forma.
A quem se admirar do “novo”, lembremos que nesta obra há
o esforço de fixar um pensamento, confiado apenas como depósi-
to, à geração presente, mas destinado a outras mais evoluídas e
civilizadas; recordemos que esta obra é uma antecipação de uma
corrente de pensamento que, aliás, já se vem delineando, e bem o
demonstra a divulgação que o livro encontrou em todos os cam-
pos. Em acordo com ele acharam-se médicos e economistas, filó-
sofos e psiquiatras, sociólogos e espiritualistas, homens de ciên-
cia e homens de fé. Todos sentiram que é a voz da nova hora.
Algumas ousadias nas soluções não devem surpreender; a hipóte-
se mística de hoje é, com frequência, a tese científica de amanhã.
O conhecimento tem limites que são continuamente ultrapassa-
dos; a verdade é um contínuo desenvolvimento. A própria Igreja
não utilizou largamente os filósofos gregos? E o paganismo não
pode ser considerado uma propedêutica sua? Não soube tornar
seu o que de melhor a intuição do gênio foi arrebatando aos pou-
cos, só mediante seu sofrimento, ao mistério do infinito?
A palavra “revelação” não deve surpreender assim como as
referências a ela, especialmente no volume As Noúres. O mártir
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 43
São Justino e o próprio Clemente Alexandrino não afirmaram
que a primitiva revelação jamais cessou, ainda que aqui ou ali
tenha sido abalada ou diminuída?
Nem devem surpreender certas palavras de A Grande Sínte-
se, como “monismo”, desde que elas são aí usadas em sentido
próprio, e não no sentido materialista, como outros o fizeram no
passado. Há tanta coisa que se herda do passado! Não era possí-
vel fazer aqui um dicionário novo. É por demais evidente a
crença firme do autor no dogma de que a conservação do uni-
verso é uma contínua criação. E um ato conservativo-criativo,
continuamente novo e sempre presente, tem que conferir, forço-
samente, e confere, às coisas, um grau mais elevado e profundo
de ser, uma aproximação mais imediata e atual da ideia de Deus,
uma presença Dele mais viva, mais real e contínua. Portanto só
os espíritos superficiais, que se apegam à letra, poderão fazer
acusações de materialismo. Ao contrário, nesta obra, o conceito
de Deus – agente sempre ativo, realmente presente todos os
momentos em todos os lugares, como alma de Sua criação – é
algo de verdadeiramente digno e imenso. E os fenômenos falam,
de fato, neste sentido, ou seja, de um espírito ou pensamento que
os anima de dentro deles mesmos, e não de um Deus que obra
em determinado momento e depois abandona a criação a si
mesma. Só assim poderemos compreender um Deus onipresente
no espaço e no tempo. Sabe-se que Deus é um infinito e que a
ideia que Dele podemos fazer continuamente se dilata, progre-
dindo de acordo com o progresso de nossas capacidades espiri-
tuais. Por que será que certos espíritos têm tanto medo que a
ideia de Deus se agigante em formas cada vez mais vastas e dig-
nas? Por que se rebelam contra as concepções que superam seu
limite conceptual? Por que temem que Deus se aproxime, numa
presença cada vez mais imediata e atual? Será tão frágil a posi-
ção das verdades reconhecidas, que teme qualquer sussurro? Ou
estamos tão pouco convencidos, que só sabemos confiar no
apoio do número, base da supremacia material?
Quanto à fácil e superficial acusação de panteísmo (seria
mais exato dizer, em nosso caso, panateísmo) pode responder-se
com as palavras de São Paulo: “Nele mesmo (Deus) nós vive-
mos, nos movemos e existimos” (atos dos apóstolos, discurso no
Areópago); ou de santo Agostinho: “Deus é superior ao mais al-
to e é interior ao mais íntimo”; ou do Venerável Cardeal Cusa-
no: “Que é o mundo, senão uma invisível aparição de Deus; e
quem é Deus, senão a invisibilidade das coisas visíveis?”; ou
com as palavras dos místicos cristãos, que dizem que “Deus é a
nossa superessência”.
O equilíbrio é uma posição média do caminho. É unilatera-
lidade isolar-se na atitude exclusiva da transcendência, tanto
quanto na da imanência; é necessário, portanto, juntar os dois
princípios, ambos indispensáveis, porque complementares: o
absoluto do conceito e o relativo da aspiração. Só esta harmonia
pode permitir o reequilíbrio dos dois extremos, que são dois pe-
rigos: a descrença religiosa e a fé cega.
Neste ponto delicado, temos de penetrar em todo o pensa-
mento do autor, que, verdadeiramente inspirado por Deus, pro-
cura reerguer a fé, mesmo contra aqueles que a queiram destru-
ir. Se à razão foi dado este tratado, foi apenas por necessidade
imposta pela psicologia corrente. Mas o autor esforçou-se em
fugir dela e, no próprio tratado, anseia a todo momento atingir
outros planos bem diferentes. Como no Evangelho, ele se colo-
ca contra a doutrina, que mata a verdade, para torná-la racional.
Hoje, que está terminada sua última obra, a Ascese Mística,
transparece a evidência disso. Escreve M. Zbdiechowski, a pro-
pósito de Mickiwicz: “A verdade deve ser procurada com toda
a alma, e só é achada a troco de esforços e dores, elevando-se
além do mundo das aparências. Toda verdade é filha da dor.
Mas, uma vez atingida a verdade, surge de imediato a doutrina,
que diz não mais ser necessário nenhum trabalho, que tudo está
em nossas mãos, que a humanidade só precisa abrir um manual.
Ao invés, o elemento fundamental nas ascensões do espírito é o
próprio esforço, justamente o que se quer evitar. O esforço mo-
ral é o único itinerário da alma para Deus. Temos de reconhecer
a superioridade do espírito sobre o pensamento, da intuição so-
bre a lógica, da fé sobre a razão. Só penetrando em si mesmo
pode o homem aproximar-se daquele ponto pelo qual se comu-
nica com Deus”. (Muito sofri, procurando-Te fora de mim, e Tu
habitas em mim – Santo Agostinho).
Concluindo, A Grande Síntese propõe duas coisas: unificar
os ânimos, concordando a ciência com a fé – elevando a pri-
meira ao anseio filosófico sintético e à finalidade ética da se-
gunda; oferecendo à fé, contra os negadores, a sólida contri-
buição da ciência, assimilada em contato com os fenômenos,
que, sem dúvida, exprimem o pensamento de Deus, para obter
assim uma explicação mais cabal dos “porquês” que existem
em todas as consciências (quando a ciência e a fé falarem a
mesma linguagem, cairão por terra muitas discórdias vãs e in-
cômodas) – e, finalmente, reavivar a fé, recordando à teologia
suas originárias formas intuitivas.
É justamente nessa intuição, a que tanto volta o autor, que
achamos as origens do cristianismo. Em Ascese Mística especi-
almente, mas também em muitos outros pontos, ele mostra pre-
ferir – sempre que o permita o trabalho racional executado – em
vez da razão as vias do coração e o esforço imposto pela dor.
Por isso A Grande Síntese não aspira a ser um tratado doutriná-
rio, isolado num campo de discussões áridas, que se fecha e es-
gota em si mesmo, mas pretende ser férvida semente de matu-
rações do espírito, uma ideia acesa a progredir, uma propedêu-
tica à ação e à vida. É fácil condenar um homem, mas nele se
condena um princípio vital, uma orientação hoje necessária,
deixando-se insolúvel o problema do espírito, que predomina
sobre todos, iminente e amedrontador, na hora atual, que é uma
encruzilhada crucial na história. É fácil condenar um homem.
E, se uma autoridade obrigasse o autor a calar-se, ele talvez –
se por um só momento pudesse esquecer sua missão, lembran-
do-se apenas de sua maior necessidade, que é o repouso – pode-
ria ter neste fato um motivo de desculpa diante de Deus para
desertar do campo, no momento de maior cansaço. E, na verda-
de, o egoísmo não pediria nada melhor. Mas, se não o quisesse
e fosse forçado pelo dever da obediência, poderia achar paz,
talvez, em sua consciência? Do mesmo modo, poderia achá-la
aquele que fosse a causa e que, portanto, deveria assumir diante
de Deus a terrível responsabilidade?
Este é o significado mais profundo que eu quis extrair de A
Grande Síntese, que já agora está lançada e seguirá por impulso
próprio, como força viva em ação. Estes aspectos mais profun-
dos só podem ser confiados à intuição do leitor. Trata-se de
madureza, de contatos de alma, de choques interiores, nas
grandes vias que conduzem a Deus e que só podem ser seguidas
através do supremo esforço e do próprio martírio.
Pietro Ubaldi
A GRANDE SÍNTESE
PREFÁCIO À QUARTA EDIÇÃO ITALIANA
A Grande Síntese, 4a edição italiana, Editor Ergo – Roma,
1951.
A Grande Síntese, publicada pela primeira vez em série
numa revista, de janeiro de 1933 a setembro de 1937, teve sua
primeira edição Hoepli, em 1937; depois também a segunda
Hoepli, em 1939; e a terceira edição Ergo, Roma, em 1948.
Agora apresenta-se na quarta edição italiana, pela mesma edi-
tora Ergo.
Estas duas últimas edições não apresentam prefácio, a fim
de não perturbar com comentários humanos a atmosfera do tex-
to. Por isso este prefácio à quarta edição é publicado com os
demais neste volume, Comentários.
44 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
Entre a primeira e as últimas duas edições, muitas coisas
aconteceram. Primeiro, a condenação ao Índex. O autor falou
disso no Capítulo XVIII, “Condenado”, em História de um
Homem, e voltará a falar no fim deste volume, resumindo obje-
tivamente toda a questão. Depois veio a guerra mundial. Parece
que a história quis sublinhar o supremo apelo das “Mensagens
Espirituais” e preparar, com a dor e a destruição, renovando
coisas e espíritos, uma compreensão e uma divulgação maiores
para A Grande Síntese.
Em todas estas suas edições, o texto do volume permane-
ceu intacto. Como foi possível que o autor, tão respeitoso em
relação a qualquer autoridade, não só não tivesse corrigido os
erros teológicos que lhe foram imputados, mas ainda tornasse
a publicar o texto sem modificações? Essa questão será trata-
da na terceira parte, no capítulo: “Condenação ao Índex”.
Aqui, falamos disso para esclarecer melhor. Além dessa con-
denação, ocorreu também outro fato novo entre as duas pri-
meiras e as duas últimas edições. O autor esclareceu e preci-
sou melhor o pensamento que ele registrara somente em gran-
des linhas na Síntese. Isso o fez em volumes posteriores, onde
pôde aprofundar a questão, porque não lhe fora possível num
quadro sintético unitário. Julga, assim, ter feito tudo o que
podia para esclarecer o mal-entendido e ter com isso realizado
tudo quanto lhe permitiam sua consciência e seus deveres di-
ante de Deus. A autoridade que condenou talvez leve em con-
ta esta tentativa, que não sabemos se alcançou seu objetivo,
mas que indubitavelmente é um sinal de boa vontade de obe-
decer sem violar deveres maiores de consciência.
Mas houve outros fatos. Os tempos se tornam tão graves, a
solução dos grandes problemas do ser revela-se tão urgente,
os ânimos têm tal necessidade de soluções definitivas e de
orientação racional diante dos últimos “porquês”, sob o flage-
lo da dor que acossa, que não é mais possível repousar tran-
quilamente no leito das tradicionais concepções da verdade.
Elas não bastam mais à mente moderna. Os velhos edifícios
do pensamento humano são inadequados diante das vertigino-
sas maturações novas. E a vida acelera seus tempos com tal
pressa de concluir a atual hora apocalíptica, que as acusações
de doutrina heterodoxa passam para segunda linha diante de
tais necessidades. Assim, A Grande Síntese, que a elas satis-
faz, embora não perfeitamente ortodoxa, não pode ser impedi-
da de realizar a função para que nasceu, como supremo apelo
aos homens para que voltem a seu juízo, na orla da destruição
universal. Quando a casa está ardendo, qualquer pessoa que o
possa tem o dever de tentar apagar o incêndio, mesmo que não
o saiba fazer com as regras usuais, e isto é o que parece hete-
rodoxia. Como calar, quando pode ser culpa ficar calado?
Muitos estão de acordo em dizer que este livro faz bem, orien-
ta na dor, volta a dar esperança e fé, e com isso traz para mui-
tos a coragem de viver. Como recusar-se a isso?
Novas e imensas destruições parecem inevitáveis para o
mundo, porque o homem só pode compreender por experiên-
cia própria. Esta, para cada um como para os povos, tem que
ser pessoal. É, pois, inevitável e necessário o cataclismo mun-
dial. Ora, se este livro não o pode evitar, ao menos ajudará a
compreendê-lo, de modo que, ao sair dele, o homem, aterrori-
zado por aquilo que fez, já encontrará escrito um novo modo
de viver e as bases da demonstração lógica da utilidade dele,
que só então – e não hoje – poderá ser compreendido. O ho-
mem só poderá deixar de acreditar nas miragens que agora o
iludem, de felicidade egoísta e materialista, se quebrar a cabe-
ça com elas. Urge, portanto, preparar desde hoje, para o mun-
do, o pão do Evangelho, não um pão convencional, mas vivo
pela evidência da demonstração, alimento adaptado à nova
forma mental moderna. A doutrina de Cristo deve penetrar na
vida de forma universal, pois, após a destruição de tantos va-
lores materiais, só ela poderá salvar-nos, com a chegada dos
valores espirituais. O homem precisa do alimento eterno, da
verdade que não muda no tempo e no espaço; que não muda
como partido ou nação que vence; que existe não em função,
mas além dos interesses humanos. A hora que urge não nos
permite negar uma contribuição de salvação, para ficar olhan-
do sutilezas, que não escandalizam ninguém, porque poucos
as compreendem. Há outra imprensa bem diferente, de uma
baixeza bem acessível, e que triunfa sempre.
Quando a besta, hoje dominando o mundo, tiver assassina-
do tudo, que vida lhe poderá restar, se não souber caminhar
sofrendo, mas arrependida – pela estrada da redenção que
Cristo lhe mostrou de sua cruz? Que fará o homem, quando se
achar diante da catástrofe que ele quis e realizou, se não esti-
vermos em condições de fazê-lo compreender, com a sua lin-
guagem moderna, a subversão evangélica, isto é, que o triun-
fador não é quem vence na Terra – pois assim cada vez mais
se encadeia a este inferno – mas é o que se liberta, superando
esta fase biológica, numa vida mais alta? É evidente que bem
cedo não sobrará para o homem outra grandeza senão a de
Cristo pregado na cruz, que é a dor que redime. Sabemos que
hoje, como ocorreu para os próprios apóstolos, a cruz signifi-
ca escândalo e vergonha, que a dor que redime é julgada der-
rota. No entanto que fará o homem após o desastre, se não
souber ressurgir na loucura da cruz, aprendendo, com a dura
realidade, que a única salvação consiste na ascensão através
da dor? O homem atual não compreendeu nada de Cristo. Ou
compreende e O segue, ou será seu fim. Hoje, no dealbar do
Terceiro Milênio, a história prega a humanidade toda sobre a
cruz de Cristo, de acordo com o exemplo que Ele deu. Esta-
mos na noite profunda, justamente porque a aurora está pró-
xima, a aurora da manhã de ressurreição. Repete-se para o
mundo, em milênios, o mesmo ritmo da vida, antecipado e
concentrado em três dias por Cristo, que, depois da segunda
noite no sepulcro, ressuscitou na alvorada do terceiro dia. E a
humanidade, em dores, deve ressurgir, como Ele no seu ter-
ceiro dia, que é para ela o Terceiro Milênio.
Tudo hoje está arrastado pelo impulso da hora que amadu-
rece. Este volume, com toda a obra que o acompanha, a está
acompanhando. Por que julgar? Não se podem tirar as conclu-
sões do que seja, enquanto tudo não se tiver realizado, en-
quanto não tiver terminado a vida do autor e a história não ti-
ver falado, para confirmar. No entanto um fato pode tornar-
nos perplexos. Este livro é divulgado como por força própria
no mundo. Quem lhe dá essa força? E se esta viesse do Alto,
exprimindo a vontade de Deus? Quem então quererá assumir a
responsabilidade moral para detê-la? O autor não se sente com
força bastante. Pode perfeitamente surgir a dúvida de que se
queira obstaculizar uma obra de Deus. Na incerteza, é ao me-
nos prudente deixar as coisas tomarem o curso que elas pare-
cem querer. Quem pode conhecer os desígnios de Deus? En-
treguemo-nos à Sua vontade, para segui-la sempre, seja ela
hoje se manifestando nesta direção ou, amanhã, em sentido
evidentemente oposto. Deus não tem boca, mas fala; não tem
mãos, mas trabalha; não lhe faltam meios de se fazer compre-
ender quanto ao que Ele quer de nós.
Permanece assim esta Grande Síntese como a pedra fun-
damental de toda a obra de 12 volumes, como a expressão
mais imediata da fonte inspiradora. Todos os outros volumes a
confirmam. O edifício, paulatinamente, levanta-se, como se
obedecesse a um plano pré-estabelecido, que o autor antes ig-
norava, para culminar nos céus, até Cristo, vértice da pirâmide.
Embora ainda não ultimada a obra, todo o seu plano já está ho-
je traçado, num sistema unitário que se ergue como um bloco,
em trilogias sobrepostas, num edifício harmônico, em que o
autor sobe com o mundo, seguindo o mesmo processo da ca-
tarse biológica que quer levar todos, com o novo milênio, ao
limiar da Nova Civilização do Espírito.
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 45
Para o leitor a quem tudo isto possa parecer orgulho, o autor
conclui: “Ajuda-me a desprezar-me, peço-lhe; porque a ne-
nhum ser na Terra desprezo tanto quanto a mim mesmo. Isto,
não por humildade, mas pela própria lógica de todo o sistema,
porque é coisa natural para quem o compreendeu, porque esta é
minha convicção diante de Deus. Mas que o leitor saiba, tam-
bém, que, por trás de mim, está Cristo, que é extremamente sá-
bio e poderoso, embora eu, pobre instrumento, seja extrema-
mente ignorante, fraco e falaz; está Cristo, mesmo se eu, que,
por irresistível paixão, tenho a presunção de querer imitá-lo,
não o consiga de modo algum. Procure, então, esse leitor, an-
dando mais além do que este pobre instrumento, alcançar
Aquele que realmente fala nesta Grande Síntese; procure racio-
cinar com Ele, e não comigo, sem dar a mim valor maior do
que o que pode merecer um pobre amanuense”.
Pietro Ubaldi
A GRANDE SÍNTESE
PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO ESPANHOLA
A Grande Síntese, 1a edição espanhola, Editora Constancia
– Buenos Aires, 1937.
Ao apresentar aos leitores de língua espanhola uma tradu-
ção, em volume, da obra Síntesis Cósmica, do Professor Pietro
Ubaldi, a Editorial Constancia está convencida de cumprir um
dever moral para com todos os que se interessam pela explica-
ção do grande problema da vida e do conhecimento.
Seus capítulos, densos de profunda filosofia, já foram apre-
ciados em todo o seu valor pelos numerosos leitores da revista
Constancia, órgão oficial da Editorial Constancia, veterana da
imprensa de caráter espiritualista da República Argentina, em
cujas páginas foi publicada em série, num período longo de se-
manas e meses. O interesse que esta obra transcendental do
ilustre pensador italiano despertou, quer nesta parte do conti-
nente americano, quer nos países europeus, foi enorme. Hoje, o
nome de Ubaldi é tão amplamente conhecido nos ambientes in-
telectuais, científicos e espiritualistas, que seria supérflua uma
apresentação de sua personalidade, particularmente para os po-
vos de língua espanhola, que já puderam apreciar a profundida-
de de seu pensamento, a elevação de seus conceitos e a origina-
lidade de sua inspiração, através da bela monografia que, com o
título de “Evolução Espiritual”, publicamos com grande satis-
fação como absoluta novidade.
Obra destinada a revolucionar o pensamento moderno, sob
seus múltiplos aspectos de filosofia, de ciência e de ética, a Sín-
tesis Cósmica reveste-se de excepcional importância, por causa
de sua gênese, da fonte misteriosa de sua inspiração, que com o
nome sugestivo de “Sua Voz”, parece guiar o esforço intelecti-
vo deste grande místico moderníssimo, que é Pietro Ubaldi,
iluminando sua mente e abrindo diante de seus olhos o maravi-
lhoso panorama do universo e das leis que o regem, panorama
fechado para a enorme maioria dos homens, cujos olhos estão
velados sob o peso da matéria, que nos toma escravos e cujo
jugo tanto nos custa sacudir.
Pode bem afirmar-se que Ubaldi adquire assim a figura de
um iluminado ou de um apóstolo da humanidade futura, à qual
procura fazer compreender a grandeza de seu destino, falando
ao seu coração com a linguagem doce do sentimento e conven-
cendo a razão com a linguagem autorizada da ciência.
Dita sua palavra num momento de grande crise mundial, em
que todos os velhos valores estão se precipitando, enquanto os
homens invocam uma âncora de salvação, este livro de Ubaldi
parece cair do céu como o maná no deserto, para os errantes fi-
lhos de Israel.
Que suas páginas possam orientar todos os seres do mundo
para o caminho da verdade e da salvação
(Editorial Constancia)
A GRANDE SÍNTESE – MENSAGEM DE EMMANUEL
(Inserida em todas as edições brasileiras)
Quando todos os valores da civilização do Ocidente desfa-
lecem numa decadência dolorosa, é justo que saudemos uma
luz como esta, que se desprende da grande voz silenciosa de A
Grande Síntese.
Na mesma Itália, que vulgarizou o sacerdócio romano, eli-
minando as mais belas florações do sentimento cristão no mun-
do, em virtude do mecanismo convencional da igreja católica,
aparelhos existem da grande verdade, restaurando o messianis-
mo, no caminho sublime das revelações grandiosas da fé.
A palavra do Cristo projeta nesta hora as suas irradiações
enérgicas e suaves, movimentando todo um exército poderoso
de mensageiros seus dentro da oficina da evolução universal. O
momento é psicológico. As nossas afirmativas abstraem do
tempo e do espaço, em contraposição às vossas inquietudes;
mas, o século que passa deve assinalar-se por maravilhosas re-
novações da vida terrestre.
As contribuições exigidas serão bem pesadas. Todavia uma
alvorada radiosa sucederá às angústias deste crepúsculo.
Aqui fala “Sua Voz”, divina e doce, austera e compassiva.
No aparelhamento destas teses, que muitas vezes transcendem o
idealismo contemporâneo, há o reflexo soberano da sua magna-
nimidade, da sua misericórdia e da sua sabedoria. Todos os de-
partamentos da atividade humana são lembrados na sua exposi-
ção de inconcebível maravilha!
É que, sendo de origem humana a razão, a intuição é de ori-
gem divina, preludiando todas as realizações da humanidade. A
grande lição desta obra é que o Senhor não despreza o vosso
racionalismo científico, não obstante a roupagem enganadora
do seu negativismo impenitente.
Na sua misericordiosa sabedoria, Ele aproveita todos os
vossos esforços, ainda os mais inferiores e misérrimos. Toma-
vos de encontro ao seu coração augusto e compassivo, unge-
vos com o Seu amor sem limites, renovando os Seus ensina-
mentos do Mar da Galileia.
Vede, pois, que todos os vossos progressos e todos os vos-
sos surtos evolutivos estão previstos no Evangelho. Todas as
vossas ciências e valores, no quadro das civilizações passadas e
no mecanismo das que hão de vir, estão consubstanciados na
sua palavra divina e redentora.
A Grande Síntese é o evangelho da ciência, renovando todas
as capacidades da religião e da filosofia, reunindo-as à revela-
ção espiritual e restaurando o messianismo do Cristo, institutos
da evolução terrestre.
Curvemo-nos diante da misericórdia do Mestre e agradeça-
mos de coração genuflexo a sua bondade. Acerquemo-nos deste
altar da esperança e da sabedoria, onde a ciência e a fé irma-
nam-se para Deus.
E, enquanto o mundo velho se prepara para as grandes
provações coletivas, meditemos no campo infinito das revela-
ções da Providência Divina, colocando acima de todas as pre-
ocupações transitórias, as glórias sublimes e imperecíveis do
espírito imortal.
Pedro Leopoldo, outubro de 1938
(Mensagem recebida por Francisco Cândido Xavier).
AS NOÚRES – APRECIAÇÃO DE FERMI
(Videntes, Filósofos, Cientistas)
Da Revista Gerarchia – Milão (Itália), janeiro de 1938.
Dizem as pessoas superficiais que, ao menos a partir de
1500, está desaparecendo da atmosfera italiana aquela especial
condição de espírito que dá origem aos místicos e videntes. Ao
se falar de um tipo nebuloso e fantasioso, que se retempera no
indeterminado e no indefinido, podemos dizer que isso sempre
46 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
repugnou aos italianos. A luminosidade clara, apesar de não ve-
emente, de nosso céu, a limpidez de nossos horizontes não o
permitiriam. De outro lado, porém, esse tipo pertence mais a
um misticismo deteriorado e turvo, para não chamar espúrio,
mas, em todos os tempos e países, podemos encontrar modelos
fulgidamente serenos do autêntico misticismo.
Temos que incluir na nobre fileira destes últimos um mo-
desto professor da Úmbria, mais conhecido já na América Lati-
na do que entre nós: Pietro Ubaldi.
Ocupar-me-ei, nestas publicações, de A Grande Síntese, As
Noúres e Ascese Mística. Mas antes, como é de meu hábito,
desejo falar do duplo fato, cognoscitivo e psicológico, coloca-
do perante nós, tal como se nos apresenta na história dos últi-
mos dois séculos.
Anteponho, com as palavras de Marc Mario, uma rápida re-
ferência a uma doutrina e um método que se aproximam dos uti-
lizados pelo autor: “A doutrina espírita, embora recente na for-
ma que lhe deu seu fundador (Allan Kardec), se liga por alguns
de seus princípios às religiões mais antigas. A velha doutrina da
Índia, dos magos do Egito, Caldéia e Pérsia, conhecia a arte de
evocar a alma dos desencarnados e admitia que a parte espiritual
do ser – o espírito – agia sobre a matéria por meio de um fluido
sideral. Professava a existência de um corpo astral, composto de
elementos fluídicos cósmicos, invólucro do espírito, que é jus-
tamente o perispírito. As reencarnações sucessivas, até ao dia
em que o espírito tenha atingido a perfeição definitiva, faziam
parte de seus dogmas. Aquela doutrina defende a existência de
guias espirituais, que são chamados no espiritismo de espíritos
tutelares. As diversas moradas ou etapas das almas, necessárias
para purificá-las, existem em todas as religiões”.
Veremos em seguida onde e como Ubaldi se afasta de certas
escolas teosóficas, que têm pontos de contato, em geral, com a
Índia e com as doutrinas e práticas medievais ocultistas, rosa-
crucianas, cabalistas, “sufis” etc. e que, nos últimos séculos,
depois que muitos teólogos da contrarreforma tinham desacre-
ditado o misticismo (como perigoso à crença ortodoxa e à dis-
ciplina), aos poucos tomaram pé entre os heterodoxos, especi-
almente no Norte. Paracelso, o modelo mais ilustre da sabedo-
ria oculta na época do Renascimento, teve famosos seguidores:
por exemplo, Boëhme na Alemanha e Swedenborg na Escandi-
návia. Deste último, muito aprenderam Goethe, quando jovem
e, ainda mais, Saint Martin, o mestre dos românticos, de Schel-
ling e do próprio Baader, que procurou adaptar a doutrina de tal
forma que ela pudesse concordar com a Igreja Católica. (Deve
recordar-se aqui que, para Newman, haverá sempre elementos
esotéricos no ensinamento católico).
Estes, é lógico, acreditavam num mundo supersensível, po-
voado de seres mais elevados e poderosos do que nós, e na pos-
sibilidade de comunicar-se com eles, em certas condições.
Depois de 1870, prevaleceu na Europa uma teosofia de cará-
ter indiano e tibetano, e quem deu o impulso inicial foi a russa
Blavatsky. Unindo-se a ela em 1889 (Blavatsky morreu em
1891), outra mulher rica de fantasia e de entusiasmo, Annie Be-
sant, continuou sua obra, tendendo ainda mais para as doutrinas
dos mestres da Ásia. Besant não cessou de escrever e de propa-
gar seus pontos de vista até 1933, ano de sua morte. O afasta-
mento de Krishnamurti, que, segundo ela, é a última reencarna-
ção de Buda, entristeceu-lhe os últimos anos, diminuindo-lhe o
longo prestígio, quase oracular. Trabalhara a seu lado, por al-
gum tempo, Rudolph Steiner, que depois bruscamente se afas-
tou, seguindo suas concepções particulares, acreditando corres-
ponderem a um cristianismo católico esotérico. A “antroposo-
fia” de Steiner, que aparece como um sincretismo indo-gnóstico-
neoplatônico, é orientada na direção da teologia cristã. A antro-
posofia, que enfrentou nos últimos anos as questões sociais e po-
líticas, buscava a purificação do homem, obtida prevalentemente
com o exercício da meditação e dirigida ao esclarecimento do
pensamento, que se ergueria, assim, a uma visão superior das re-
alidades últimas. Uma moral elevada, mas ainda não cristã.
No caso de Ubaldi, os autores precedentes que analisei po-
deriam, abstratamente, ter exercido uma influência metapsíqui-
ca e quase telepática, ou então relegada ao subconsciente. En-
tretanto, eu a excluo. Não porque ele tinha lido poucas páginas
de Blavatsky, da qual difere totalmente por temperamento, gos-
tos, senso ético etc., mas pelo fato de que se move em outro
plano, muito diverso. Além disso, sua preparação literária, filo-
sófica e teológica era e é limitadíssima.
Ele confessa: “quando jovem não acreditava no que ensi-
navam, sentindo-o falho, inútil, sem bases substanciais. A ver-
dade estava em mim; eu a procurava dentro de mim (como
admitia Santo Agostinho). Rebelde a toda direção, lançava-me
sobre o cognoscível humano ao acaso, procurando secretamen-
te a minha verdade. Olhava o mundo e as coisas por dentro,
nas causas e nos princípios, e não nos efeitos e em sua utiliza-
ção prática. Assim como os positivos e os práticos podem con-
siderar-me um incompetente na exploração utilitária da vida,
eu também posso considerá-los incompetentes diante da solu-
ção dos problemas do conhecimento”. E ainda: “o turbilhão
das exigências exteriores batia sem tréguas, impondo-se à
atenção de meu espírito, que queria viver sua vida. Acumula-
vam-se as experiências humanas, quase todas bem amargas. A
dor martelava minha alma com seus golpes. Apressava-se a
maturação. Um dia, nas praias de Falconara, olhando as mara-
vilhas da criação, senti com evidência a revelação, rápida co-
mo um raio: o todo só podia ser Matéria, Energia e Conceito
ou Espírito (M = E = C) = S (isto é, Espírito)”.
Ubaldi chama à sua doutrina “monismo”. É necessário ter
cuidado para não atribuir o sentido usual a essa palavra. Nem
Spinoza, nem Hegel, nem Haeckel têm que ver com a sua filo-
sofia. Quem atentamente o lê e não tem a mente ofuscada por
prevenções e preconceitos; quem com ele se relaciona e o co-
nhece bem, fica convencido de que ele não professa de modo
algum o materialismo nem o panteísmo, sendo esta primeira
acusação especialmente ridícula. Além disso, sem sabê-lo, ele
tem a mesma concepção dos grandes místicos cristãos e católi-
cos, que definem Deus como a “superessência” de todas as coi-
sas e o declaram “mais intimo em nós que nós mesmos”.
Quanto a uma visão escatológica, na qual Ubaldi se aproxi-
ma de São Gregório Nisseno, falaremos em seguida.
◘ ◘ ◘
Qual é o “organon” subjetivo que o autor põe em prática na
busca da verdade? É a intuição. Como esta pode ser entendida
de muitos modos, é necessário precisá-la, isolando este caso das
várias noções correntes, através do próprio fato que lhe deter-
mina a inequívoca noção.
Dizem os filósofos:
“A intuição é a concepção evidente dum espírito são e aten-
to, que nasce apenas da luz da razão e é mais pura (porque sim-
ples) do que a derivada do raciocínio” (Descartes e, com ele,
Spinoza e Locke).
“Todas as verdades primordiais, de razão e de fato, são in-
tuitivas” (Leibnitz).
“A intuição é um ato da reflexão interna, da qual o indiví-
duo colhe uma realidade livremente produzida, em que o inteli-
gente e a coisa intuída coincidem plenamente” (Schelling).
“É a visão imediata da mente que, fixando como ato origi-
nário, simples, imediato, o ente (possível – real) assume a po-
tência ou forma do intelecto, que torna possível o conhecimento
das coisas” (Rosmmi – Gioberti).
“Oposta ao intelecto, por sua natureza abstrata e descontí-
nua e, portanto, não adaptada à originalidade absoluta e à con-
tinuidade do real, está a intuição, que é a síntese do instinto
orgânico e da reflexão consciente; por ela o espírito se trans-
fere ao âmago do objeto, para coincidir com o que este tem de
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 47
único e, portanto, inexprimível. E, desde que o objeto é a rea-
lidade absoluta, o ato da intuição se eleva a órgão da Metafí-
sica” (Bergson).
“A intuição é a forma teorética primeira, mais ingênua ou
auroral do espírito. Distingue-se seja do sentimento bruto e do
conhecimento lógico, que procede por conceitos universais, se-
ja da percepção e do juízo histórico – porque permanece aquém
da discriminação do verdadeiro e do falso” (Croce).
Das famosas lições na Ecole de France, de 1840 a 1844, tiro
alguns pensamentos que a ela se referem:
“Donde lhe derivam (a Carlos Magno) o saber e o poder,
mediante os quais estendia sua atividade a uma esfera tão am-
pla? Descia profundamente nele mesmo e de lá tirava força pa-
ra elevar-se mais acima. Napoleão, quando se lhe perguntava
de que circunstâncias dependia uma vitória, respondia que
nasce de uma centelha moral, ou seja, de um momento particu-
lar de intuição.
“Assim, todas as coisas belas e grandes da história nos le-
vam àquelas regiões que chamamos intuição, ou seja, para a re-
gião interior da alma.
“O sentimento de admiração pela arte, pela natureza, pelo
heroísmo, parte de uma mesma e única fonte: a intuição. E a fi-
losofia está hoje no dever de atingi-la.
“Se, para produzir esses efeitos (ardor, arrebatamento, en-
tusiasmo), é mister ser inspirado; para senti-los necessita-se
uma alma elevada, capaz de seguir os homens inspirados em
seu voo para o futuro. É preciso o que Schelling chamava „um
órgão especial‟.
“Para compreender a arte e a filosofia e para adivinhar o fu-
turo, é indispensável extrair no âmago de nós mesmos aquela
nota divina que aí está oculta.
“Uma Nação que esteja pronta a captar os altos pensamen-
tos, a tornar-se com eles fervorosa e pô-los em prática, deve es-
tas qualidades a uma longa tradição de lutas, sacrifícios e abne-
gação. E não poderia conservá-las em si e aperfeiçoá-las sem
reconduzi-las continuamente às emoções fundamentais, sem en-
trar a cada momento no lar tradicional, para colher a centelha
que daí salta e comunicar-se com ela de longe.
“Só colocando-nos neste ponto de vista, estaremos aptos a
distinguir os homens do passado dos homens do porvir. O indi-
víduo incapaz de comover-se com a ideia das coisas grandes e
divinas não é dos nossos.
“O homem que sofre, o homem que aspira, o homem livre
de espírito, o homem que não procede por pequenos sistemas já
feitos: este é o povo.
“Eis porque o povo, em certos momentos decisivos, apanha
tão depressa e com um infalível sentido a verdade.
“Até agora, dado que ninguém o ajudava a assimilá-la, para
ele era dificílimo pôr-se naquele estado de espiritualidade em que
a verdade se revela pronta e clara. Era necessário que o povo
vencesse as resistências de sua organização física, rompesse os
hábitos de sua vida diária; e só conseguia isso em raros momen-
tos, ajudado por circunstâncias excepcionais; foram os seus mo-
mentos de liberdade. Estrondos de trovão, tiros de canhão, cla-
mores de assembleias públicas, eram necessários para arrancar a
alma do povo de seu letargo, pois os doutores da lei, os mestres
oficiais, esquecidos de sua missão, o haviam abandonado etc.
“Uma luz nova só auxilia àqueles que se acham prontos a
recebê-la.
“Chegou o tempo, diz Emerson, de dar uma base mais larga
e profunda aos nossos conhecimentos, mas para isso impõe-se
ampliar-nos e reformar-nos interiormente. É preciso começar
nova vida, fazer-se uma consciência nova, aspirando novas
energias daquele espírito universal que anima e reanima tudo.
“Que é uma quantidade de nova luz, de novo calor? É o
Verbo da época, o Verbo que cria, depois que a dor, inteligente
e moralmente, tenha quebrado os laços da alma.
“O que é verdadeiramente admirável no homem simples,
que ainda não se destacou da natureza e que, portanto, não in-
terrompeu ainda os fios misteriosos que o enlaçam à Divindade,
é aquele sentimento de amor que penetra tão bem no presente e
que é tão rico de adivinhação. Esse amor leva a alma que o nu-
tre acima dos lugares e tempos, eleva-o àquela região aonde
vão terminar todas as comunhões. Tudo o que aí se sente é atu-
al: é a única atualidade verdadeira, porque imediatamente sen-
tida... Mas que tem de comum esta segunda vista com os pro-
blemas que hoje pesam sobre a humanidade? Em que, porven-
tura, esse dom, esse espírito de intuição nos poderia ajudar a
orientar-nos na Terra? Como consegui-lo?
“Aquele dom é apenas um dos momentos mais conhecidos
aos artistas, aos soldados, aos intuitivos por pureza; momentos
de inspiração em que nos sentimos repentinamente mais fortes
e mais perspicazes, mais videntes que de costume, mais seguros
de todos os meios que possuímos, mais confiantes em usá-los.
“E qual é esse momento de inspiração? É o arrebatamento
da alma a uma região superior. Porque, se nos sentimos repen-
tinamente cheios de uma força desconhecida, que não deriva
absolutamente de nossos hábitos e supera nossos meios ordiná-
rios, ela só pode ter vindo a nós de uma região invisível e im-
palpável. A inspiração provará sempre, a um homem de boa fé,
a existência desse mundo invisível e misterioso, que o cristão
aceita como um dogma e ao qual um filósofo de boa fé é inven-
civelmente conduzido pela própria lógica”.
◘ ◘ ◘
Passemos, agora, a examinar As Noúres de Pietro Ubaldi.
Aqui – o veremos em seguida – projeta-se um novo método
de pesquisa científica por intuição e “uma nova técnica de pen-
samento, que circunda os problemas por tipos concêntricos,
aperta-os por ângulos visuais progressivos, enfrenta-os em vi-
sões e concepções poliédricas, até desnudá-los em sua essên-
cia” (Noúres, Cap. I: “Premissas”).
Revelando assim seu método próprio, Ubaldi não ignora o
efeito de escândalo que vai suscitar. “Conheço esse método (o
racional e objetivo da ciência moderna); conheço a psicologia
sufocante dos chamados intelectuais de profissão, da cultura
que eternamente reproduz o passado, que comenta e analisa,
que nada cria, que pesa, que mata o espírito. Eu estou nos antí-
podas” (idem).
Entretanto, Ubaldi está bem longe de tomar a atitude de re-
velador de uma fé incontrolável, que se impõe a intelectos dó-
ceis, satisfeitos com o “Ipse dixit” (Assim se diz). Com uma
análise introspectiva – cândida, perspicaz e perfeita até na for-
ma – introduz o leitor nos seus segredos mais íntimos, segredos
pessoais e técnicos. Assim, não só ele dá valor à sua filosofia,
revelando-nos suas raízes ocultas e vivas, não só acrescenta um
capítulo inédito à Psicologia e à Metapsíquica, posterior e me-
lhor do que W. James, Richet, O. Lodge, Osty, Bozzano etc.,
mas se oferece para iniciar quem quer que o deseje, desde que
seja idôneo, a basear-se numa forma novíssima de alpinismo in-
telectual, ou melhor, espiritual.
No segundo capítulo de As Noúres, o autor disseca o “fe-
nômeno” de que ele é objeto, ao mesmo tempo que se faz críti-
co atentíssimo e incorruptível, além de espectador. Por que ca-
minhos se provoca e estimula a tão falada intuição? Antes de
tudo, encontrar um ambiente propicio: “Eis-me em meu peque-
no escritório, ambiente de paz, em que os objetos têm algo de
mim mesmo, em que a atmosfera ressoa com as minhas vibra-
ções, e tudo, por causa da vida em comum, está sintonizado
com o meu temperamento. Eu mesmo, aí permanecendo duran-
te muito tempo para pensar e escrever, embebi as paredes, a
mobília e os objetos de um tipo particular de vibrações, que
agora voltam a mim, como uma música que harmoniza meu
pensamento. O primeiro problema é este, da harmonização, que
me permite a seleção das correntes (ou noúres) e a imersão ne-
48 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
las; delicadíssimos estados de consciência que não posso atingir
senão num oásis de paz, por meio de um primeiro processo de
isolamento vibratório do barulho violento do mundo”.
A HORA – “É noite, cerca das vinte e duas horas, a melhor
hora, em que se intensificam minhas capacidades receptivas,
até cerca de uma hora da madrugada. Gosto das luzes suaves,
coloridas, que deixam vagar os objetos nos contornos indefini-
dos da penumbra (...). Aqui, o público está materialmente lon-
ge, mas espiritualmente está presente e próximo, e eu o sinto
imenso, num burburinho de mil vozes: a alma do mundo. Mi-
nha solidão está cheia dela (...). Em minha sensibilidade, o pen-
samento adquire a potência do relâmpago, as correntes espiritu-
ais do mundo são tangíveis, essas forças sutis são reais, e entre
elas caminho manobrando minha embarcação (...)”.
A COR INTERNA – “Não se pode imaginar que poder de
harmonização emana de um ato de bondade; esta é uma música
que eu respiro e que docemente me impele à corrente. Esta vi-
bração de bondade, e não só de sabedoria, é perfeição moral.
Para conquistar o conhecimento, tenho de atingir um estado de
purificação que é leveza espiritual (...). Basta imergir nas noú-
res para poder alcançar todo elemento energético e conseguir o
isolamento das correntes inferiores (...)”.
A MÚSICA – “Procuro ajudar-me com um processo de
progressiva harmonização, que opera de fora para dentro (...).
Utilizo a música como primeiro degrau no caminho do bem e
da ascensão do espírito. Então, lentamente (...), as harmonias
musicais do ouvido se transformam nas mais profundas harmo-
nias de conceitos. Luzes brandas, em tons menores, tudo em
torno, trevas. Minha alma é uma chama que arde na noite (...).
Minha consciência adormece externamente, meu eu morre às
coisas do dia, mas renasce numa realidade mais profunda (...)”.
A EPOPÉIA – “Adormecidos e quase anulados os sentidos,
a vida e a personalidade ressurgem num plano novo. O pensa-
mento volta, mas com uma sensação titânica, com uma lucidez
cortante de visão, com uma rapidez vertiginosa de concepções,
sentido despido de palavras, em sua essência. Tenho então a
sensação de leveza e de libertação de véus e limites, sinto possu-
ir em mim o poder da intuição e o domínio de uma nova dimen-
são conceitual (...). Então, eu vejo o que está além da realidade
sensória do mundo exterior, isto é, as forças que o movem e
mantêm seu funcionamento orgânico. Estas forças tornam-se vi-
vas (...), cada forma reveste um hálito divino de conceito, que eu
respiro; então sinto verdadeiramente que o universo é um grande
organismo regido pelo pensamento de Deus (...). Desenvolve-se
nesse momento o colóquio interior que eu registro, porque des-
pertaram todas as criaturas irmãs e me olham dizendo: “mas
quem és tu, que ouves? Escuta-nos, nós te falamos”. Então o co-
lóquio torna-se um imenso amplexo, um perder-se por aniquila-
ção dentro de uma luz refulgente, a ciência é um canto e uma
oração, e nesse instante abre-se o abismo do mistério, e eu olho:
é uma visão, um êxtase. Não sei dizer outra coisa”.
Observa ainda o autor: “É um fato que gerou um efeito, que
deve ter uma causa, um organismo conceitual lógico e profun-
do (...). Se o efeito revela a natureza da causa, se é uma cons-
trução racional completa (veja-se A Grande Síntese), não se
pode colocar como sua origem o acaso ou a anormalidade psi-
cológica e patológica; se a obra transcende o poder cultural e
intelectual do escritor (estranho realmente à cultura acadêmi-
ca) deve haver em algum lugar uma fonte de onde provenha
tudo isto (...). Esses meus estados psicológicos representam
uma nova técnica do pensamento, novo método da indagação
filosófica e científica (...). Eu o chamo método da intuição e o
proponho, tal como o adotei, como método mais poderoso do
que o indutivo-experimental. Julgo que esse já deu o seu maior
rendimento e que uma mudança de sistema seja necessária, se
a ciência quiser progredir em profundidade, se quiser tornar a
achar sua unidade, que ameaça agora pulverizar-se no porme-
nor e na especialização (...). Urge dar de novo a dignidade à
ciência, que decaiu no utilitarismo, reerguendo-a às descober-
tas no campo do espírito (...). Urge erguer a ciência ao nível da
fé, para que com ela se funda e unifique o pensamento humano
(...). O método da intuição é o método da síntese, dos princí-
pios, do absoluto, é o método interior da visão e da revelação.
O método indutivo, experimental, é o método da análise, do re-
lativo, o método exterior da observação. Este é prático, utilitá-
rio, mas dispersa o conhecimento; aquele é abstrato, teórico,
mas atinge a verdade absoluta, os princípios universais que di-
rigem os desenvolvimentos fenomênicos”.
O caso Ubaldi (estranho à vulgar mediunidade física e psí-
quica) é por ele compreendido como “uma sublimação normal
de todo o ser”. Não é um simples caso pessoal. “Demonstra que
a verdadeira ciência, a ciência profunda que atinge a verdade,
não pode ser alcançada senão pelos caminhos interiores, através
de um processo de harmonização da consciência com as leis da
vida e com o princípio divino que tudo dirige; demonstra que os
caminhos do conhecimento só podem ser os caminhos do bem,
que a sabedoria é um equilíbrio do espírito, que a revelação do
mistério só ocorre de acordo com a fase de relativa perfeição
moral que se alcançou (...). Demonstra enfim que a ciência só
pode ser uma ascensão cultural e espiritual, tendente à unifica-
ção de tudo: arte, filosofia, religião, na sabedoria em Deus, pois
a lei de evolução é também lei de purificação”. No entanto é
natural que “a individualidade, subindo a superiores dimensões
conceituais, seja reabsorvida na unidade. Chegando a esses pla-
nos, sinto apagar-se a distinção entre o eu e o não-eu, sinto-me
desfazer e fundir, para ressurgir numa unidade mais alta e pode-
rosa; sinto realizar-se a unificação entre mim e o princípio ani-
mador dos fenômenos (...). Meu ser, então, de tal modo já se
harmonizou no funcionamento orgânico do universo, que não
se sente mais distinto dele e nele se unifica; funde-se e perde-se
no grande incêndio de luz da Divindade”.
Isto não priva o inspirado de sua individualidade nem de sua
responsabilidade de cooperador, ao menos nesta causa. “Há,
pois, não apenas dois centros, um irradiante, transmissor, e um
que registra ao receber; mas há também duas atividades, porque
aqueles estão laboriosamente estendidos em direção um ao ou-
tro, para alcançar a unificação”.
Que são as noúres em si mesmo? São correntes conscien-
tes, que conservam as qualidades típicas e, neste caso, consci-
entes do centro genético (...). Seu campo é vasto como o uni-
verso, que se torna todo noúres. Então, realmente, tudo o que
existe emana pensamento, e é assim que eu sinto o universo
nestes estados mediúnicos, como um poderoso organismo
conceitual; a verdadeira grande noúre que eu capto e registro
é a emanação harmônica e orgânica do pensamento infinito de
Deus (...). Nestas minhas superelevações de dimensão de
consciência, tenho a visão, no fundo de um abismo infinito,
deste centro conceitual (...). Chego assim a saltar em um
mundo maravilhoso. Possuo, então, uma nova vista, todo um
feixe de novos sentidos, sem órgãos físicos, um poder de per-
cepção anímica direta, supersensória (...). Então, não vejo
mais o fenômeno em seu aspecto exterior, mas sinto o princí-
pio que o move; não vejo, por exemplo, a semente em suas ca-
racterísticas morfológicas, mas vejo-a na íntima estrutura de
seu ser, como vontade de desenvolvimento, como presciência
do ambiente (instinto) e do objetivo a atingir; vejo, mais pro-
fundamente, o ritmo das infinitas formas do passado e a von-
tade de fazê-las evolver e, mais longe, sinto o grande princí-
pio da vida que naquele tipo palpita e se exprime (...). Minha
ascensão de dimensão conceptual permite-me subir da proje-
ção concreta à substância espiritual (...), derrubar os véus e
superar os símbolos para trazer à luz da compreensão aquela
verdade que, por motivos pedagógicos, neles era obrigada a
permanecer escondida (...). No mundo dos fenômenos históri-
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 49
co-sociais vejo, atrás dos acontecimentos, a trama sutil em
que se entrosa a causalidade, projetada para o efeito; vejo o
progresso de um conceito para seu objetivo; vejo o fio que
une, como um colar, a série de episódios e o desenvolvimento
lógico que guia o desenrolar-se do fenômeno histórico. No
mundo da matéria orgânica, sinto o turbilhonar interior dos
átomos, sua atração e repulsão, seus amplexos por afinidade,
o dinamismo de suas correntes elétricas, o combinar-se e o
apertar-se de seus movimentos planetários, em fusões que dão
os diversos tipos das individuações químicas (...). Cada fenô-
meno, para não multiplicar os exemplos, traz escrito em si to-
da a sua lei, e basta escutá-la. O método experimental me dá a
impressão da cegueira, que tem de recorrer ao tato. No âmago
das coisas há indiscutivelmente um princípio que dirige; este
princípio eu (...) o atinjo pela percepção, dirigida através de
um sentido meu da verdade (...). O uso deste método, inicial-
mente intuitivo, depois dedutivo, é necessário hoje (...) para
contrabalançar a dispersão do conhecimento (...) senão cada
vez mais se acentuará o isolamento do cognoscível na espe-
cialização e na desorientação diante das causas”.
Seguem-se declarações e confissões pessoais, que explicam
a extrema delicadeza de sua tarefa, as precauções que se devem
tomar, os perigos que se devem evitar; numa palavra, a deonto-
logia do intuitivo que queira conduzir a bom termo seu empre-
endimento. Pois ele deve, antes de tudo, purificar e enobrecer a
si mesmo, corpo e alma – na dieta física e espiritual, na vigilân-
cia dos sentidos, na escolha dos ambientes e das companhias –
para que o delicadíssimo instrumento do conhecimento intuiti-
vo se mantenha idôneo. Plotino fazia, em substância, a mesma
recomendação. Em todos, sem exceção de nenhum, os grandes
místicos e contemplativos – genuínos e máximos intuitivos –
puseram isso em prática.
Os Capítulos II e III ligam-se ao V, que exemplifica autobi-
ograficamente a técnica noúrica, ao passo que o IV é prevalen-
temente histórico, todo consagrado aos “grandes inspirados”
(...). Essas páginas, não muito numerosas, são mais ricas de
compreensão e mais verdadeiras do que os volumes de Biotot e
de E. Schuré, que trazem título semelhante. O autor, após des-
crever o fenômeno inspirativo observado na pessoa dos profetas
máximos do Velho e do Novo Testamento e na história da Igre-
ja, em particular São Francisco de Assis, passa a demonstrar aí,
como a sua própria teoria recebe precisa ilustração e confirma-
ção inequívoca na história de Joana D‟Arc, a partir do momento
em que ouviu, adolescente, as primeiras vozes, que lhe foram
inspiração e guia no breve mas condenadíssimo período em que
se desenrolaram suas façanhas épicas e trágicas.
Deste capítulo e de todo o livro, aconselho vivamente a lei-
tura a todos os que não sejam hipercríticos e grosseirões, na
certeza de que encontrarão prazer e aproveitamento, que não se
encontram com facilidade juntos, num livro moderno.
◘ ◘ ◘
No próximo número de Gerarchia apresentarei uma apreci-
ação clara da obra capital A Grande Síntese, comparando-a
com os dados fundamentais da ciência moderna, tal como é cul-
tivada em todo o mundo civilizado, com métodos e resultados
convergentes; é um empreendimento temerário, muito superior
às minhas forças, mas do qual não posso fugir. Enfim, direi
candidamente minhas impressões.
Desde já, faço votos que outros, muito mais competentes
e melhores que eu, apresentem-se para julgar uma tentativa
tão grandiosa, indo atrás das minhas pobres pegadas, para
apagá-las.
Uma coisa me parece certa: a história humana do pensa-
mento, de acordo com a história civil, está voltando sua proa
para outros portos, seguindo caminhos diversos dos que até
aqui percorreu.
(a) Fermi
A GRANDE SÍNTESE – APRECIAÇÃO DE FERMI
(Videntes, filósofos, cientistas)
Da revista Gerarchia – Milão, abril de 1938.
A trajetória percorrida pelos seres criados – segundo Ubal-
di – é de essência biológica; de um indício, de um germe, de
um princípio de vida, sobe-se até à plena elaboração, à cele-bração da vida. Esta é movimento que parte de dentro e cami-
nha para fora, para o alto, para depois regredir um pouco. Não segue em sua caminhada a linha vertical, mas a espiral, como
em A Grande Síntese. A natureza dessa espiral implica breve
retorno do ser sobre si mesmo, como parada, pausa, a fim de retomar o impulso para uma corrida mais rápida.
Eis novas implicações da vida. Se, nos organismos inferio-
res, o impulso vital, centrípeto ou centrífugo, é favorecido ou movido pelo prazer (ao passo que a dor é a sanção dos atos an-
tivitais), acrescenta-se no homem o motivo ético, ou sentimento do dever, ligado com a noção do bem, do mal e da liberdade.
Surge aqui, necessariamente, uma complicação, causa de
graves conflitos. O prazer (maquinismo biológico importantís-simo) para os indivíduos espiritualmente não evoluídos, ao in-
vés de meio, torna-se um fim em si mesmo, e em si mesmo
procurado; por exemplo, a nutrição (centrípeta), a sexualidade (centrífuga). Uma perversão, como se vê, que frustra os fins su-
periores, nos quais está colocado o bem de cada um e de todos.
Neste caso, os que colocam o prazer como bem e dele cons-tituem um ídolo, sofrem suas consequências, mais ou menos
voluntariamente. “Pois do próprio seio do prazer, surge o remé-dio, que por outro lado é muito amargo” (Lucrécio).
Ubaldi, que bem a experimentou, eleva à dor – remédio
providencial – hinos triunfais. Ele sente, em medida consenti-da a poucos, o “Beati qui lugent” (jamais será adulador dos
que gozam).
Os hedonistas, que odeiam o cristianismo como qualquer outra filosofia austera, opõem que a dor (portanto, logicamente,
o dever, o esforço, o sacrifício) é antiorgânico, antivital, mortí-
fero. Isto é verdade no sentido de que o elemento inferior se de-teriora para permitir o desenvolvimento do superior: do eu mais
alto. Da mesma forma, e pela mesma razão biológica, a maté-ria, depois que atingiu a maior potência nuclear e eletrônica, se
desagrega, irradiando-se.
O progresso evolutivo implica uma degradação progressiva de potencial. Na natureza do transformismo evolutivo está a ra-
zão profunda destes fenômenos. O próprio enfraquecimento ci-nético progressivo, na fase “energia para vida”, como na de
“vida para espírito”, é apenas a constante e substancial caracte-
rística do fenômeno evolutivo.
Isto porque a evolução, reduzida à sua substância funda-
mental, é movimento, ou seja, um processo de descentralização
cinética, uma expansão do princípio que se dilata para a perife-ria, uma subida que se opera através do esgotamento de um im-
pulso, filho de outro precedente e contrário impulso involutivo de concentração cinética e condensação dinâmica, de centrali-
zação de potencial da substância, a que agora se contrapõe o
processo inverso de subida. Com efeito, a “degradação biológi-ca é parte integrante do fenômeno evolutivo e existe como con-
dição do processo genético do psiquismo”.
A lei aplica-se maravilhosamente à vida ética – constituindo mesmo a sua substância – no indivíduo e na sociedade.
Observe-se a atividade fisiológica (nutritiva e sexual), eco-
nômica e social. Os excessos e os vícios que a moral e a reli-gião condenam são, para quem os considere bem, fatos involu-
tivos e antissociais. A dor que produzem terá, de qualquer mo-do, a força de emendá-los.
Segue-se daí que a dor e toda forma de castigo se transfor-
mam em redenção e se tornam preciosos instrumentos de pro-gresso social; mas aparecem aos olhos do vulgo como pouco
menos do que escórias e refugos.
50 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
Portanto é necessário aceitar a dor (se incurável) e conside-
rar o trabalho como dever e missão. Eis uma atitude razoável;
seria irracional e absurda a rebelião contra a natureza das coi-
sas. Esta favorece os voluntariosos e esmaga os renitentes.
Então, se a evolução significa conquista de consciência, de
liberdade, de felicidade, e a involução significa o contrário, na
baixeza de nossa natureza está a causa de todos os males, e na
ascensão espiritual está todo o remédio. É justa a aspiração à
alegria, e a felicidade pode existir, mas é indispensável subme-
ter-se ao trabalho de conquistá-las. O Evangelho é uma estrada
espinhosa, mas só por ela se pode seriamente alcançar o paraí-
so sobre a Terra.
“Toda concepção hodierna da vida está aqui deslocada, e
sois obrigados, por vossa ciência, cuja linguagem sempre falei,
a compreender e efetuar por coerência esta deslocação.
“Na verdade, o homem só pode existir imerso na grande lei
divina. Isto faz tornar-se absurda qualquer culpa, qualquer bai-
xeza: torna utilitária a estrada da virtude”.
Portanto, ao conceito limitadíssimo de uma força nossa in-
dividual, que guia os acontecimentos, precisamos substituir o
conceito vastíssimo de uma justiça que impõe seu equilíbrio e
suas compensações no destino.
A Providência, compreendida assim, é um momento da
grande lei, permeada de equilíbrio, que adere ao mérito, susten-
tada por compensações contínuas – é a justiça em ato.
Mas a Providência não justifica uma espera inerte e passiva;
age sobretudo no justo que quer o bem e que, lutando, o impõe
com seu esforço.
Quando passamos ao campo social, apresenta-se o proble-
ma da força, que a história parece identificar com a justiça. A
primeira é necessária tensão da vida, imperial e tirana, mas de-
grau de ascensão. O caótico choque das forças, ainda à procura
dos equilíbrios superiores do direito, expandindo seus impul-
sos interiores, prepara o amadurecimento da unidade coletiva.
Enquanto reina a força bruta, o melhor é o mais forte (Áries =
Marte, donde Aristos). É uma justiça proporcional à baixeza
do nível e não pode ir além da seleção natural. A vida é uma
expansão de egoísmo e é só dilatando-o que o coordena com os
egoísmos limítrofes, para que possam fundir-se. O indivíduo,
impelido a elevar-se pelo impulso biológico, descobre metas
cada vez mais altas, trata de alcançá-las melhor na coletivida-
de, e então o ciclo infeliz, que se chama ignorância, egoísmo,
força, luta, dor, mal, tende a despedaçar-se. É a gênese da
guerra. Dadas as condições atuais (não futuras) a guerra é ne-
cessária. No entanto esse mal de transição já se inverte num re-
florescimento de bem, porque ensinou ao homem feroz a matar
também por uma ideia, a dilatar o próprio egoísmo até à cole-
tividade, a sacrificar-se pela pátria.
Então, seguindo o mesmo impulso, passa-se da força ao di-
reito, do egoísmo ao altruísmo, da guerra à paz.
Foi assim que nasceu o direito: primeira centelha de coor-
denação e de força social, do centro à periferia, do indivíduo à
coletividade, em suas expressões cada vez mais vastas de direi-
to privado, público, internacional.
Neste sentido, direito é uma ideia mais exata da justiça, o
mal é o passado, o bem é o futuro. Pois culpa é todo regresso
voluntário, que a lei corrige reconstruindo o equilíbrio por meio
da reação da dor; virtude é tudo o que acelera o progresso, e
portanto é premiado.
O homem de pensamento deduz daí que “a evolução provo-
ca a demolição progressiva do egoísmo, após havê-lo sitiado e
obrigado a render-se”.
O ser moralmente elementar, mesmo se inteligentíssimo, vê
apenas o pequeno “eu” (o “eu” superficial!) e se fecha, como o
primeiro Fausto, no átimo que foge. Ele não se sente como vi-
vendo no tempo e na humanidade; em sua miopia psíquica, iso-
la-se no próprio bem mesquinho, fora do grande bem coletivo. É
totalmente inepto a viver num regime de colaboração, em que a
consciência mais evoluída sente necessidade de multiplicar-se.
Pois bem, essa consciência civilizada é gigantesca força,
justamente a força do homem civilizado. Aqui o autor condensa
a ideia que circula em toda a sua obra.
“Vimos (Desenvolvimento do Princípio Cinético da Subs-
tância) a lei guiar a energia e redobrar-se sobre a matéria, para
animá-la com seu impulso e elevá-la ao nível da vida; depois
impor à vida, filha da energia, que elabore a matéria até ao psi-
quismo. Essa mesma lei de coesão, que impõe um recomeço de
movimentos inferiores, para que revivam em oitavas mais altas,
e faz dobrar o alto para o baixo, para que este seja retomado pe-
lo ciclo evolutivo e jamais possa ser abandonado fora do círcu-
lo e apodrecer no fundo, fora da grande caminhada progressiva,
essa lei, que quer assim, é a mesma que impõe ao super-homem
(santo, herói, gênio) que se sacrifique pelos irmãos menores, é
o movente de seu instinto irresistível, de altruísmo e martírio”.
Por esse caminho, superadas as fronteiras e deitadas no chão
as barreiras de toda espécie, o super-homem pratica uma ética
internacional e prepara um direito internacional.
Não se creia que Ubaldi reduza a virtude a um egoísmo refi-
nado. Cristão até à medula, aponta o Evangelho como o código
supremo da moral e a moralidade social definitiva na lei: “ama
teu próximo como a ti mesmo”. Esta forma uma unidade com o
amor de Deus, e só ele pode ordenar o amor aos inimigos.
As relações sociais são grandemente econômicas. Ora, a ci-
ência oficial cometeu um erro duplo: 1) forjou um “homo eco-
nomicus”, isolando-o dos outros aspectos e funções de humani-
dade: um ente que não existe na natureza; 2) codificou o ego-
ísmo, reconhecendo a legitimidade do princípio hedonístico,
anticolaboração por excelência, isto é, antissocial. Os dois erros
justificam todo o egoísmo de indivíduos, grupos, classes, na-
ções, interesse de todo o gênero. Será uma guerra geral, da qual
só pode derivar a destruição.
Ao contrário disso, a evolução tende, como sempre, a redu-
zir, sitiar, eliminar os impulsos egoísticos. Ao passo que o
mundo econômico, edificado sobre a santidade do egoísmo, es-
tá cheio de crises inevitáveis, sem remédio. A solução dos con-
flitos não está na criação de um rebanho de irresponsáveis,
mantidos pelo Estado (bolchevismo), mas, ao invés, de respon-
sáveis, que saibam manejar conscientemente as grandes forças
econômicas, não com mutilação, mas com acréscimo de cons-
ciência, liberdade, confiança, responsabilidade: uma revolução
ética em grande estilo.
“Na direção dessa renovação só pode estar o órgão máximo
da consciência coletiva: o Estado. O fenômeno econômico es-
pera da autoridade central do Estado – como personificação
concreta da ética humana – cada vez mais enérgicas infusões
de fator moral, com obrigações e retoques que purifiquem a
atividade econômica e a riqueza, dirigindo-a para fins mais
elevados. Cabe ao Estado intervir e corrigir, introduzindo um
mínimo de ética cada vez mais alta no fenômeno econômico,
guiando por dentro e por fora o cruel equilíbrio das trocas, para
um regime de colaboração, que não é apenas compensação,
mas compressão de egoísmo; não só coordenação, mas fusão
num organismo econômico universal. Uma ciência econômica
consciente da Lei não deve surgir sobre bases hedonísticas,
mas colaboracionistas, pois numa sociedade adiantada, a fase
ética e utilitária é cooperação”.
Esta função econômica não é certamente nem a única nem a
mais delicada função do Estado. Qual é então a essência filosó-
fica do Estado? “É o organismo, situado no centro do organismo
social, centralizador do poder diretivo de todas as funções de um
povo. Compreendido assim como poder, ele é o órgão psíquico
promotor e coadjuvador das maturações biológicas individuais e
sociais. Sua função é construir o homem, impulsionar as ascen-
sões humanas; seu mais alto objetivo é criar no campo do espíri-
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 51
to”. Visto assim, do alto, o comando supremo é apenas o traba-
lho e a função suprema, a capacidade psíquica e volitiva supre-
ma, a responsabilidade, o perigo, o peso supremo. Esta é posição
de dever, posição de obediência aos princípios da Lei.
“Em cada idade, tem o Estado sua tarefa precisa. A Idade
Média, em suas condições sociais involuídas, só podia oferecer
ao indivíduo um sonho de libertação individual pelo caminho
da renúncia mística. Titânica ebulição de almas, mesmo assim a
Idade Média lançava no campo da arte, da política, da ciência, a
semente das maiores construções espirituais. Amanhã, a grande
revolução da humanidade (agora iniciada), filha de um amadu-
recimento biológico substancial, trará à luz o advento político
da intelectualidade consciente, amadurecida na raça, construto-
ra de instintos mais altos, que tornem o homem um ser escolhi-
do por seleção para o ofício social do mando – uma escolha in-
substituível por qualidades próprias e eminentes – como o sis-
tema nervoso nos organismos animais superiores. Então, será
mais nítida e orgânica a divisão do trabalho, por especificação
de capacidade, base do corporativismo moderno.
“Hoje, por obra do Estado, retoma-se o ciclo romano das
construções e conquistas coletivas; não se pode mais conceber
o indivíduo isolado dele, mesmo se santo, na fuga mística do
consórcio humano, mas apenas o indivíduo com ele fundido em
colaboração fecunda. Agora podemos mais exatamente definir
o poder como a central psíquica e volitiva de uma nação.
“Hoje, ao retomarem-se as tentativas de 1600 – grandiosas,
mas desviadas por ambições dinásticas e parasitismos de corte-
sãos – o Estado se torna cada vez mais orgânico, progredindo
em profundidade, não para sitiar o indivíduo, mas para valori-
zá-lo e levantar-lhe a consciência e, deste modo, enriquecer ca-
da vez mais as suas funções... Agora, o Estado já não é mais
apenas um poder central sobreposto a um povo... Hoje, não
mais se admitem essas superposições. E não sendo mais o Esta-
do um poder central dominador, ele é o cérebro de seu povo, e
só pode ser a expressão de uma consciência nacional, de uma
unidade de espíritos, baseada numa unidade étnica.
“O Estado hodierno, democrático e aristocrático ao mesmo
tempo, representa a fusão de dois princípios de centralização,
ambos necessários. Em sua função totalitária, ele cria uma co-
letividade mais compacta, em cujo seio o indivíduo não é mais
o membro desordenado de um rebanho também desordenado,
mas é o soldado de um exército em marcha, em que vibra a
alma do chefe. Pela primeira vez, na história, o Estado faz do
povo um organismo, em cujo centro, fundido com ele, faz-se a
síntese de vontades e de poderes. No Estado moderno, o povo
não é mais o rebanho governado, que deve apenas dar e obede-
cer, mas é o corpo do cérebro central (o governo), o organismo
daquela alma dirigente, que o penetra por todos os lados e o
vivifica com seus tentáculos e ramificações nervosas. Não
mais um chefe ou uma maioria que governa para si, mas uma
doação de deveres na cooperação, uma fusão completa, num
trabalho e num objetivo comuns.
“Entre as funções do Estado, a primordial é a de ser instru-
mento de ascensões humanas. Pela altura e intensidade com que
tiver sabido educar, mede-se o valor de um governo. Nas ativi-
dades individuais e sociais realiza-se o princípio da Lei que diz:
ordem. Move-se tudo ao longo de uma linha de coordenações e
de harmonizações (...). Por esse caminho, o centro, atingida a
periferia, volta ao centro; este se reforça pela aderência do indi-
víduo, o indivíduo se valoriza na coletividade, acentuando seu
rendimento. O Estado entoa a música da cooperação, prevê e
une no espaço e no tempo, antecipa e providencia, garante e pro-
tege. Só ele pode criar uma atmosfera ética em que podem flo-
rescer as delicadas produções do espírito; só ele pode elevar as
superiores atividades intelectuais, que de outra forma escapam à
consciência coletiva, sendo condenadas à extinção pelo princí-
pio hedonístico. Nele nada se perde, cada um tem sua função.
Nesse organismo, obedecer não é servir, mas valorizar-se. O no-
vo Estado terá o monopólio da força, na medida em que o impé-
rio da força se torne necessário pela animalidade não subjugada.
Não será agnóstico; deverá ter uma concepção sua, ampla, da
vida, e fazê-la compreender, para que se realize. Deve conhecer
o homem. No princípio, o centro se deterá num puro enquadra-
mento das massas, mas o futuro consistirá na penetração das al-
mas. Neste novo Estado, o indivíduo realiza sua maturação bio-
lógica para a fase do super-homem, todas as forças sociais são
disciplinadas para um objetivo de elevação coletiva. Os instintos
inferiores atrofiam-se por não serem usados, os elementos mais
involuídos são domesticados, porque absorvidos na corrente que
os orienta para metas espirituais superiores.
“Valorizadas as atitudes, eliminadas as rivalidades, impedi-
dos os desperdícios de riquezas e energias, o povo realiza len-
tamente as grandes assimilações espirituais e, compacto, avança
para a conquista de seus ideais. O trabalho, iluminado por fina-
lidades superiores, não é mais uma condenação, mas é triunfo
cotidiano sobre a matéria, triunfo da vontade e do espírito, viril
ato de domínio. O Estado impelirá os cidadãos através da célula
corporativa, num fecundo amplexo produtivo.
“No novo Estado, as anarquias econômicas devem ser eli-
minadas, o individualismo não é admitido, por ser desordem.
O homem futuro que ele quer construir, não será uma simples
máquina de fabricar dinheiro, apenas uma hipertrofia volitiva,
mas um homem completo mesmo em seu lado espiritual, no
desenvolvimento harmônico de todas as suas faculdades (...).
O Estado aspira e emana, centraliza e descentraliza, é o cora-
ção que a cada instante lança todo o seu sangue, para que cir-
cule em seu organismo.
“Gravíssimo erro do marxismo foi o de ver só os aspectos
obscuros e deteriorados da convivência humana; uma concep-
ção negativa e aniquiladora, semente de destruição, e não de
construção. Hoje, o Estado sente o dever de anular a luta de
classe, antieconômica e imoral, que domina os antagonismos
econômicos.
“Mas estava nas leis da vida a ascensão e uma fusão e soli-
dariedade de todas as forças da produção, sem opressões e su-
pressões, dando lugar a todos, para que todos dessem sua con-
tribuição. E todas as classes encontram, no colaboracionismo,
reconhecimento e proteção; o agricultor, o soldado e o operá-
rio. Colaboração, e não luta de classes. A propriedade é base
natural do edifício econômico, como a família o é do edifício
social; é, como esta, uma lei da natureza, própria ao mundo
animal. Destruir estas unidades primordiais insubstituíveis é
demolir a natureza humana.
“Às revoluções destruidoras, sucedeu uma revolução cons-
trutiva, que enquadra todas as forças e delas forma uma unida-
de; às revoluções que sobem – de baixo – para demolir, suce-
deu uma revolução que desce – do alto – para construir; descida
das aristocracias do pensamento para erguer os humildes, subi-
da dos humildes para compreender. A tarefa das classes não é
eliminar-se, mas dividir entre si os frutos da própria civilização,
dirigindo-se à compreensão recíproca. O papel da classe diri-
gente não é dominar, mas educar a plebe tumultuosa, velho ins-
trumento de vinganças, muitas vezes vítimas das repressões,
sempre massa ignorante, amorfa e cega; para transformá-la em
povo que ascende para mais alta consciência coletiva”.
Um leitor apressado, versado na história das religiões, se-
ria induzido a acreditar que em A Grande Síntese revivem as
tendências gnósticas, tão insidiosas contra o cristianismo que
nascia e, por isso, condenadas desde o primeiro instante pela
Igreja, tanto quanto pelo bom senso. Já São Paulo se insurgi-
ra imediatamente, e não só ele, contra estas “aniles fabulae”
(velhas histórias).
Para quem não tem as ideias claras sobre a matéria, traduzo
uma página de A. Lulicher (um douto racionalista): “Não exis-
52 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
te um ensinamento gnóstico fundamental. Os gnósticos autên-
ticos só têm em comum o fato de quererem alcançar os objeti-
vos da religião, isto é, a liberação do espírito da servidão da
matéria mediante o ensinamento de uma ciência oculta, que,
antes de tudo, consiste em especulações cosmogônicas e, de-
pois, em preceitos e normas para facilitar o processo de divini-
zação. Os gnósticos cristãos, em particular, não se apresentam
como filósofos que esperam demonstrar racionalmente sua
doutrina. Ao contrário, dão-se o ar de apóstolos ou profetas de
uma nova sabedoria revelada, que eles, conforme os gostos,
receberam, ora de iluminados contemporâneos, ora de desco-
nhecidos discípulos dos apóstolos, ora de uma literatura anti-
quíssima que estava escondida (o último processo ainda está
em uso em certas igrejolas). Quase sempre se descobre aí uma
marca forte das concepções babilônico-persas, que, nos cultos
misteriosos daquele tempo em que florescia o sincretismo reli-
gioso, se haviam misturado singularmente às ideias gregas. Por
isso, na base das doutrinas, encontra-se um grosseiro dualismo,
mas dissimulado por arabescos politeísticos, pelo qual o espíri-
to é matéria, Deus e o mundo aparecem como antíteses absolu-
tas, o processo esotérico apresenta-se ligado à devastação das
forças morais, os indivíduos surgem como meros espectadores
passivos do drama das forças que movem o mundo”. (Die Rel.
lesu und die Anfange des Shristentums).
Ora, compare-se a gnose com o fundo doutrinal de Ubaldi:
“Eis o mecanismo secreto da Lei: o psiquismo animador das
formas, sede da centralização dínamo-cinética da substância no
nível α, exprime – no instinto fundamental da vida, que é a insa-
ciabilidade do desejo de evoluir – o impulso irresistível para a
descentralização. O desejo nascido dos movimentos íntimos da
alma, cria a função, a função cria o órgão, que por sua vez con-
solida a função. Tudo no universo grita a paixão de exprimir sua
potência interior, a paixão do “Eu” que luta para aparecer à luz e
revelar-se. É o cotidiano esforço da evolução que fixa em órgãos
a expressão de um desejo tenaz e vitorioso, órgãos que fazem o
psiquismo tornar-se motor, dando-lhe a possibilidade de mover
os corpos. Este, uma vez estabilizados seus meios, serve-se de-
les para exprimir-se ainda, cada vez mais longe, aperfeiçoando-
os e multiplicando-os. Acossando os órgãos está sempre este
impulso, esta indomável necessidade do desejo da alma, que não
se deterá jamais na evolução, porque não tem confins”.
Aqui não há segredos, não há fantasias, nem misturas sincre-
tistas. Ao contrário dos gnósticos, longe de todo dualismo, Ubal-
di retoma, dando-lhe outro sentido, a palavra desacreditada “mo-
nismo” e, em consequência, reconhece na natureza, na matéria, a
mente e a mão de Deus. Dessa certeza se desprende um otimismo
são e iluminado, que induz a uma luta viril até a morte.
O método, não obstante insólito, é conhecido pelos filósofos
e psicólogos e está ao alcance de todos, desde que sejam apli-
cadas as condições pedidas pela própria natureza das coisas,
pois a “intuição” é uma faculdade concedida a todos, mas, sen-
do poder eminentemente espiritual, requer necessariamente
uma disciplina interior, um treinamento, uma catarse e uma ten-
são, acessíveis a pouquíssimas pessoas. É o método que cele-
braram e praticaram não só os iogues, os neoplatônicos e os
“sufis”, assim como os maiores santos e místicos cristãos.
A Igreja, que repeliu em todos os tempos tudo o que aparece
como fantasioso, ocultista, histérico, tudo o que separa os indi-
víduos e os grupos da comunidade, inspirando aos primeiros o
orgulho de uma superioridade insubsistente, não me parece ter
motivos para condenar Pietro Ubaldi. E o silêncio que ela vem
mantendo há cinco anos (A Grande Síntese saiu em série desde
1932), dá bem a medida de sua grande prudência, tão diversa da
atitude dos fanáticos, que gritam escandalosamente, logo que
lhes chegue aos ouvidos uma frase que soe diversamente do
que decoraram, sem compreendê-lo. Aliás, não há necessidade
de recorrer a interpretações benévolas de amigos; temos as de-
clarações repetidas e decisivas de Ubaldi – de quem ninguém
pode contestar a sinceridade e o desinteresse – nas quais afirma
sua plena e filial adesão ao cristianismo. Essa necessidade de
pertencer a uma sociedade visível que, no decurso de uma his-
tória bimilenária, desenvolveu o drama único da espiritualidade
cristã, é característico (não digo exclusivo) dos italianos.
Ele, portanto, nem sonha pregar uma nova religião, nem
fundar igrejolas, nem deixar sem freio seu enorme poder de in-
tuição, de forma a tirar-lhe qualquer controle. Esta a relação de
Ubaldi com a religião católica.
Passemos à ciência. Na questão particular da física atômica,
temos uma confissão recentíssima do ilustre Heisenberg. Diz
ele: “Pelo que diz respeito às forças que mantém as partículas
elementares, prótons e nêutrons, no núcleo, sobre sua espécie e
origem, nós ignoramos quase tudo; mas aqui se apresentam os
problemas mais importantes para a física hodierna (...). Não
poderemos conhecer de nenhum modo a natureza do ferro, se
não chegarmos a compreender a relação com outros fenômenos
da física atômica etc.”. (Veja Scientia, 1o fevereiro 1938).
Então, é útil pôr em confronto fenômenos e fenômenos,
próximos e remotos, mentais e físicos etc. Não basta, pois, a
simples observação dos fatos físicos, nem o cálculo matemáti-
co, que invadiu tudo e se tornou arrogante como a velha meta-
física – pois o número não é tudo, graças a Deus. Aliás, sabe-
mos as lacunas, as incertezas, as hipóteses contraditórias e ge-
ralmente efêmeras que ofuscam a face da ciência, especialmen-
te quando se passa do inorgânico ao orgânico, da mecânica à
biologia, e desta à psicologia e à moral; do homem indivíduo
aos fatos sociais, econômicos, étnicos, políticos, estéticos. A
pretensão de uma continuidade ininterrupta entre os fenôme-
nos faliu miseravelmente.
Já mostrei as incongruências, os delírios, a confusão que tor-
nam o campo das ciências sociais desagradável, quase sempre
estéril, quando não infestado por ervas maléficas. O que mais
impressiona, e dolorosamente, é a desorganização que impera
não só nas relações entre grupo e grupo de ciências afins, (me-
nos a astro-físico-química), mas também entre disciplinas diver-
sas e até nas partes contíguas de uma mesma disciplina. A filo-
sofia, que, depois da teologia, reinava soberanamente sobre as
ciências subordinadas, condenando-as, agora, pela força das coi-
sas, deixa que estas sigam imperturbáveis em seus caminhos.
Teremos, então, de resignar-nos a uma anarquia, que, por
agravar-se com o progresso em cada campo, aumentará for-
çosamente.
As condições da filosofia não são mais alegres. A imagem
hierática quase do antigo sábio (Pitágoras, Heráclito, Empédo-
cles) que passa pela multidão, ou se ergue no meio de uma elite
de discípulos, venerado quase como um revelador descido do
céu, já foi feita em pedaços. Deixando de lado epigramas dos
escarnecedores e o sacudir dos ombros dos céticos vulgares,
achamos que, agora, o valor intrínseco da filosofia parece quase
reduzido a zero a não ser para os escolares ingênuos. Para Win-
delband “os valores pessoais de criação, expressos em Platão,
em Descartes ou em Hegel são (...) vivas entidades espirituais,
que atuaram na fórmula dada por eles para o problema do uni-
verso e do homem”. Para Bréhier, “as doutrinas filosóficas va-
lem em razão do impulso espiritual que as criou; não são coi-
sas, mas pensamentos, temas de meditação propostos ao futuro
etc.” (de Z. Zini). Estes são filósofos autênticos e, além disso,
otimistas. Imaginemos os outros.
As tentativas, feitas desde 1860, para ressuscitar os quatro
Chefes de Escolas alemães, para fazer frente ao positivismo,
obtiveram fracos resultados e contribuíram para aumentar as
divisões.
Os neoescolásticos, no louvável propósito de reivindicar o
“objeto” – que a idiossincrasia dos alemães, inclinados a absor-
ver tudo no “sujeito”, havia rejeitado – não deveriam esquecer a
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 53
sábia exortação de Leão XIII: “Fazei vós também o que São
Tomás de Aquino faria se vivesse em vosso tempo”. Se não,
sua influência não sairá dos próprios claustros.
É boa a teoria de Rickert: a verdadeira realidade é a que as
ciências do espírito nos revelam, ao passo que a natureza é ape-
nas uma imagem abstrata e abreviada dela, criada pela necessi-
dade que tem o homem de dominar, classificando e tornando
uniforme a infinita variedade dos “indivíduos” de que consta
sua experiência.
Entretanto, é muito mais cômodo ter à disposição arquivos
mentais bons, do que lançar ao cérebro um monte de conceitos,
ainda que sejam vazios. E são muito incômodas as “filosofias
dos valores”, quando impõem a coerência entre os atos e as teo-
rias. Há cerca de um século os filósofos e literatos se lançam
contra toda ideia de obrigação moral, que é condição “sine qua
non” de toda vida associativa.
Bergson e Blonde deram séria atenção ao fenômeno “vida”,
“energia”, que quase escapou aos velhos filósofos (excluindo
Leibnitz, Vico e pouquíssimos outros) e reuniram em redor de
si certo número de discípulos, como aconteceu na Itália com
Groce e Gentile, ligados ainda, especialmente o primeiro, a um
subjetivismo nórdico, no qual, entretanto, não é fácil achar o
“subjectum inhaesionis” do Absoluto, se não é Deus vivo e
verdadeiro. Mas as quatro escolas, mesmo que se unissem às
estrangeiras e não estivessem, além disso, ferozmente dividi-
das entre si, constituiriam, ainda assim, uma minoria de pouca
eficácia no público.
Com efeito, os cientistas, por exemplo, não querem saber de
tantas filosofias em voga. E, quando têm veleidades metafísi-
cas, então muitos se formam num pan-matesismo ou panaritmi-
smo (peço perdão pelos feios neologismos) cósmico, que supe-
ra o panlogismo de Hegel.
Estamos, portanto, como nota Külpe “num período patoló-
gico de transição, em meio a uma verdadeira anarquia filosófi-
ca”. E isto tem de levar a efeitos catastróficos, especialmente de
ordem moral e social, pois o bacilo do ceticismo acha aqui a
cultura mais favorável e os efeitos são os mais desastrosos.
Qual é a culpa? Primeiramente, as divisões, as rivalidades
religiosas, que dilaceraram a unidade espiritual da Europa; de-
pois, a vitória dos interesses materiais, que desviaram o ho-
mem dos superiores interesses espirituais, criando filosofias
sem interioridade, superficiais, efêmeras, conhecidas hoje e
esquecidas amanhã.
Além disso, voltando à Idade Média, encontramos a tendên-
cia racionalística inerente a um aristotelismo mais ou menos
sensista, mais ou menos ligado a Averroes. E, enfim, o indivi-
dualismo endêmico, desenfreado, que o regime burguês-
capitalista glorificou.
Necessitar-se-á, pois – ai de mim! – mudar de vida e mudar
de rumo.
Para mudar as vidas, só a religião. O rumo (do pensamento),
cada um pode escolher por si, até certo ponto. Pietro Ubaldi si-
tuou-se no caminho da intuição, quase abandonada há séculos,
com intransigente resolução. E recusou para si qualquer outro
meio de conhecimento.
Agora não me proponho mostrar os benefícios do método.
Mas faço observar que um cuidadoso exame do “senso íntimo”
(o “sensus abditus” de Campanella) provoca o aparecimento na
consciência de uma série de elementos heterogêneos, que trans-
cendem os ordinários meios de aquisição, e desvenda as raízes
irracionais da chamada razão.
No caso de Ubaldi, resta explicar um fato estranho. Um ho-
mem que, depois de haver estudado leis, de má vontade, de ter
viajado para ver o mundo e aprender línguas, dedica-se a ensinar
inglês num pequeno ginásio de província, e deixa de ocupar-se
com estudos e leituras científicas; este homem, de improviso,
toma a pena e escreve mensagens impressionantes, que ele asse-
vera lhe terem sido sugeridas por seres superiores. Dois anos
depois, e sempre acusando a mesma proveniência, escreve um
volume de 400 páginas – do qual fiz a apreciação – perfeitamen-
te orgânico e coerente, que, pode dizer-se, enfrenta todos os
problemas mais delicados pertinentes à vida e à ciência, mostra-
se bem informado (mas por caminhos extraordinários) dos últi-
mos resultados desta, achando conexões inéditas e antecipando
descobertas teóricas. Tudo isso, numa forma literária irrepreen-
sível, lúcida e elegante; com um tom elevadíssimo, uma espiri-
tualidade cálida e pura, e uma humanidade palpitante.
É claro que ele, com esta e outras publicações (a que melhor
esclarecerá seu pensamento religioso e dissipará equívocos está
no prelo) pensa exercer um nobre apostolado, conclamando os
contemporâneos a um gênero de vida mais razoável e digno.
Abstenho-me de entrar neste campo, para não ultrapassar os li-
mites dentro dos quais se move Gerarchia. Mas, de resto, não
titubeio em convidar os homens de pensamento e de boa vonta-
de, aqueles sobre os quais pesa a responsabilidade do bem pú-
blico, para que tomem em seríssima consideração, ao menos te-
oricamente, a mensagem que há oito anos Pietro Ubaldi não se
cansa de lançar ao Velho e Novo Mundo, com um resultado
imprevisto na América Meridional. Enquanto ele vai cumprin-
do esta sua missão, não espera nem deseja vantagens de qual-
quer espécie. Até está pronto a pagar a missão com a sua pró-
pria pessoa. Pois sabe bem que não é digno de trabalhar para
uma grande causa quem não está pronto a suportar por ela – se
necessário – até o martírio.
Com isto, disse implicitamente meu pensamento (firmemen-
te orientado para uma filosofia que usa a intuição para construir
a personalidade), se isso pode por ventura interessar a alguém.
(a) Fermi
ASCESE MÍSTICA – APRECIAÇÃO DE FERMI
(Videntes, Filósofos, Cientistas)
Da revista Gerarchia – fevereiro de 1939.
R. C. Adhikary, da Universidade de Calcutá, escreveu para
Scientia (1939) um quadro da filosofia indiana, donde extraiu
algumas afirmações: “Eles (os autores dos Upanishad) tinham
chegado a esta explicação do mundo (como derivado de Deus);
em parte, como consequência de observações empíricas, con-
duzidas durante muitos séculos, e, em parte, como resultado de
iluminações intuitivas, fruto também de um modo santo de vi-
da”. Depois, enumerados os principais sistemas, diz do 2o, ou
seja, do Yoga: “Ele é, do princípio ao fim, um sistema prático
de disciplina mental, com uma metafísica reduzida ao mínimo.
Objetiva a disciplinar o corpo, o espírito e a alma, controlando
a dieta, o regime do pensamento e o modo de meditar, com o
que se cria a atmosfera mais apta para que o espírito finito pos-
sa complementar o Infinito, o Eterno, o Divino. Embora o sis-
tema Yoga se ocupe essencialmente de disciplina, esta é aplica-
da como elemento comum (note-se bem) em todos os sistemas
ortodoxos de pensamento entre os indianos. Isto distingue a Ín-
dia do Ocidente. No Ocidente, a filosofia é um gênero acadê-
mico de especulação. Na Índia é uma questão de vida e de mor-
te, pelo que são tomados em consideração os meios práticos de
ensinar aos homens a evasão das escravidões materiais, das ilu-
sões dos sentidos, da obscuridade, das incertezas, da dúvida”.
Se Adhikary quer referir-se ao ocidente moderno, tem ra-
zão. De outra forma, não. Na Antiguidade, Pitágoras e Platão,
os estoicos, os cínicos e os próprios epicuristas, sobretudo os
neoplatônicos, com Plotino à frente, não fizeram especulações
acadêmicas e, portanto, não fecharam os olhos aos problemas
práticos: éticos, pedagógicos, políticos. Enfrentaram também o
aspecto prático deles.
Torna-se mais decisiva minha reserva quanto aos filósofos
cristãos, a partir de Orígenes e Justino; aliás, desde São Paulo,
54 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
que a seu tempo e lugar enfrentou e resolveu problemas especu-
lativos altíssimos, sem jamais separá-los da vida vivida.
Subestimaria os meus leitores se me pusesse a expor as qua-lidades do filosofar de Santo Agostinho, platônico, mas ainda
mais cristão. Este nada recebeu dos pais orientais (os dois Gre-górios, Basilio etc.), já tão elevados, mas também práticos. E ob-
jetivou, não menos que estes, uma sabedoria inteira e coerente.
Depois, nos primeiros albores da Europa civilizada, nosso Anselmo de Aosta (1033–1109) acendeu a primeira chama do
pensamento refletido no Monastério de Bec, na França e, mais tarde, na Inglaterra, com a autoridade que lhe vinha da santi-
dade, da inteligência, da posição elevadíssima de Primaz, na sede de Cantuária. Seguiram-no os Vitorinos, na França (ao
tempo de Pedro Lombardo, arcebispo de Paris), os seguidores
de São Francisco, especialmente na Inglaterra (R. Bacon, Duns Scott etc.) e na Itália (São Boaventura). Todos estes fo-
ram filósofos e místicos, para os quais o “affectus” era mais importante do que a “cognitio”. Este era apenas o primeiro
dos três graus: “cogitatio, meditatio, contemplatio”, que ti-
nham por objeto a matéria, a alma, e Deus (Fiorentino). Mas, até na Alemanha, aquele misticismo especulativo não se fe-
chou numa torre de marfim; objetivou, ao contrário, assidua-mente a própria elevação e a melhoria do povo (Eccard,
Tauler, Suso, foram eminentes e incansáveis pregadores).
Entre os Dominicanos, tal como os últimos citados, Alberto Magno e Tomás de Aquino foram sumos pensadores e ao
mesmo tempo dedicados ao ministério sagrado. Nem ocorreu isto só com os homens, pois algumas mulheres, eleitas do sé-
culo XII ao XVI cultivaram um misticismo elevado, rico de
calor e também de graça, muitas vezes viril: Gertrudes e Mati-lde, Ângela de Foligno e Margarida de Cortona, Catarina de
Sena e Teresa de Ávila.
Pode dizer-se, em geral, que semelhantes testemunhas ja-
mais decaíram, especialmente entre os católicos. Malebranche e Fenelon, Gratry e Newman, que floresceram nos últimos sé-
culos, têm fama mundial. De outra escola, mas respeitáveis e
igualmente conhecidos, foram Boehme e Swedenborg, Law e Buniam, Hamann e Saint Martin, Emerson e Carlyle. Nem de-
ve ser esquecido o grande poeta católico F. Thompson, mais sublime que R. Browning e mais cálido que Shelley. O misti-
cismo de Verlaine, Schuré, Meterlink e de Russos, dá lugar a
não poucas reservas.
Entretanto, se nos referirmos aos filósofos de profissão, e a
partir do século XV, depois da morte de Nicolau Cusano e com
raras exceções, (Campanella em sua outra fase e Malebranche),
Adhikary tem toda a razão. E assinala uma lacuna que deveria
fazer pensar a nós europeus, pois as consequências da incúria das coisas espirituais são desastrosas.
A censura não se dirige, felizmente, a Pietro Ubaldi, que re-toma de sua Úmbria a luminosa tradição interrompida por cinco
séculos. E aqui me convém novamente falar dele, em vista de
sua publicação, por estes dias, da Ascese Mística (edição, Hoe-pli); um volume não muito grande, mas de imensa significação.
Esquivo e familiarizado consigo mesmo, de leitura fácil. Indife-rente àquelas coisas de pouco ou nenhum valor que costumam
excitar sem tréguas os homens de sua condição social, ele, há cerca de oito anos, dá ouvidos às suas “vozes” ou, se preferi-
rem, ao seu “gênio”, do qual espera revelações verídicas.
Em A Grande Síntese, que já apreciamos, confiando justa-mente em seu enorme poder intuitivo, traçou um quadro de fi-
losofia científica e de antropologia ético-social, que deixa para trás as tentativas semelhantes experimentadas no último século
pela amplidão da trama e pela singular novidade do método que
seguiu, a intuição, como já disse. Esta não veio ao mundo com ele, tendo agido ab immemorabili entre artistas, sábios e viden-
tes; mas jamais foi empregada com técnica tão rigorosa, clara e consciente. Ele a descreveu com análise precisa, objetiva, indu-
bitavelmente cientifica, no outro volume, As Noúres.
Para fazer cessar as usuais caretas das pessoas sabidas,
Ubaldi faz suas as palavras de Goethe: “Nenhuma produção de
ordem superior, nenhuma invenção, foi jamais devida ao ho-
mem, mas todas provieram de fonte ultraterrena. O homem,
portanto, deveria olhá-la como um dom inesperado do Alto e
deveria aceitá-la com gratidão e veneração. Nestas circunstân-
cias, o homem é apenas o instrumento de uma potência superi-
or, como um vaso, que foi achado digno de receber um conteú-
do divino” (Conversa com Eckermann).
É o pensamento dos profetas, dito quase com as mesmas pa-
lavras. Entretanto, se para Goethe a inspiração (artística, cientí-
fica, filosófica) era um lampejo repentino que o homem sofre
passivamente, sem poder preveni-lo nem solicitá-lo de modo
algum, para Ubaldi, ao invés, há uma disciplina superior, uma
verdadeira “ars regia”, que, mediante prévio conhecimento das
leis cósmicas e da estrutura do espírito humano, ajuda a sinto-
nizar este com as primeiras, para alcançar e exprimir muitas
verdades inauditas ou então, caso se tratasse de verdades co-
nhecidas, circundá-las de deslumbrante luz, geradora de evi-
dência e inefável consolo.
Aqui reproduzo, uma relação graduada, em forma algébrica,
dos modos sucessivos de conhecimento, que bem interpretam
sua gnoseologia nas várias articulações:
x² = plano de consciência sensória
x³ = plano de consciência racional-analítica
x4 = plano de consciência intuitivo-sintética
x5 = plano de consciência místico-unitária
x6 =
plano inexplorado etc.
O plano x² pertence à humanidade global, que ainda não
saiu da fase animal; ao passo que x³, que é a fase da ciência
atual – empírica, hipotética, analítica – é puramente racional,
exterior, de superfície.
Entre este e o plano sucessivo da tabela, não poucos filóso-
fos achariam um hiato, pois, para eles, o plano racional implica
síntese. Ao passo que, para Ubaldi, a razão limita-se a traçar
esquemas, desenhos lineares, diagramas. É uma geometria pla-
na. A síntese, ao invés, é (para ele) ato vital, cálido e palpitan-
te. É obra de arte pessoal, ainda que não seja arbitrária nem in-
dividualista. Desenvolve-se em determinada linha, para objeti-
vos que são comuns a todos os espíritos, de acordo com nor-
mas gerais e leis cósmicas.
O plano x4
é uma zona evolutiva já supranormal e excepcio-
nal para a média humana de hoje, que ainda se acha na fase x³.
Neste ponto e em dadas condições, o espírito emancipado da
animalidade torna-se apto a “perceber, por ressonância, as ema-
nações de zonas de consciência ou planos psíquicos evolutiva-
mente mais altos”. Aqui, por introspecção, atinge-se a verdade
por dentro, fora das ilusões: toca-se a realidade. Com este uso
da “intuição” surgiu A Grande Síntese, que é “verificação (no-
te-se bem) por visão interior e sintonização (como acima) da
realidade ultrassensória da verdade fenomênica”.
Experiências e tentativas ulteriores levaram Ubaldi ainda
mais acima, onde o mundo cognoscitivo passa para segunda li-
nha, para ceder lugar à penetração, à posse íntima, por comu-
nhão profunda e inefável com a realidade, unificando-se com
ela por meio do amor; um amor supersensível, transcendental,
mas de uma transcendência que assalta, conquista e possui os
recursos inexprimíveis da imanência.
O plano do conhecimento foi superado; não o conhecimen-
to em si mesmo, que, pelo contrário, subindo para esfera mais
alta – verdadeiramente empírea – transforma-se em chama lu-
minosíssima.
Assim, Ubaldi, “ainda que arrastado como por um turbi-
lhão”, mostra que “sabe dominar e descrever analiticamente”,
com precisão técnica e linguagem comum, os fatos extraordiná-
rios que se desenrolam em sua alma.
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 55
O conhecimento – sabemo-lo – pretende introduzir-nos tanto
quanto é humanamente possível na essência, na realidade da
coisa conhecida, mais do que nos caracteres. Explica-nos este
anelo o mito platônico das ideias eternas, o racionalismo aristo-
télico retomado pelos escolásticos, as disputas medievais acerca
das “species rerum” e a engenhosa “haecceitas” de “Duns
Scott”; a dúvida de Descartes e Hume, que desemboca numa su-
peração subjetiva para o primeiro, e na mais subjetiva e coerente
síntese a priori de Kant para o segundo. Finalmente, a elimina-
ção hegeliana da coisa e a reabsorção do número por parte do
ser pensante. Mais atilados e profundos, os místicos – e agora
Ubaldi com mais consciência científica – firmados na intuição
(excepcional) de uma realidade-amor, transcendente e imanente,
não se limitaram a explorar à distância a chamada essência das
coisas, do não-eu. Com ímpeto corajoso e sublime, arrojaram-se
ao “Sancta Sanctorum”, ajoelharam-se e, depois, levantando-se,
abraçaram o divino simulacro, apertaram-no ao coração, fundi-
ram-no com o calor íntimo e o tornaram translúcido. Operada
assim a admirável compenetração e transmutação, o eu tornou-
se tu-eu – como dizia Ângela de Foligno, repetindo, sem sabê-
lo, a mais alta expressão da sabedoria indiana.
As páginas que refletem as efusões da Extática de Foligno
e de Rysbrock, o Admirável, são o que de mais excelso produ-
ziu talvez a mística medieval. E não temem comparação com
as mais luminosas páginas do Upanishad, de Platão, dos “su-
fis” e dos maiores poetas modernos (veja Le Trésor des Hum-
bles, de M. Meterlink).
Dante está separado pela amplitude do conteúdo humano e
divino, que os literatos recusam reconhecer, talvez pelo medo
legítimo de ficarem ofuscados.
Mas, que ensinaram aos homens os antigos videntes?
Nada aos materialistas, aos hedonistas. Mas tudo, ou quase,
aos homens desejosos de lançar o olhar, o coração e a vontade
para fora da caverna platônica (República – I. VII).
Visões ofuscantes de verdades eternas para uns; sonhos de
enfermo, quimeras, para outros.
Ubaldi renovou em parte as afirmações dos testemunhos
que citei no curso deste artigo, mas de modo original e pessoal.
Aproximou-se deles, muito pouco e tarde, de maneira a não
comprometer sua espontaneidade; mas até (o que mais importa)
acrescentou novo peso às antigas testemunhas, que concorda-
vam, ou quase, no essencial metafísico, de forma independente,
o mais das vezes, um do outro.
Muito acrescentou ele de seu.
Recolho o ensinamento de Ubaldi de alguns capítulos, onde
existe a novidade, nem sempre nas partes, mas nos motivos, nas
concordâncias e na estrutura geral:
a) O universo, como o concebemos, tem uma constituição
trifásica, que se desenvolve em três planos de existência: Maté-
ria (), Energia (), Espírito (). O infinito ascendendo ao mé-
dio e este ao supremo pelo intensificar-se da ação conservadora
divina, que é uma criação incessante.
Portanto o perene suceder-se da vida, que se transforma da
primordial cegueira rude e passiva em consciência e liberdade,
fazendo seus e traduzindo-os em norma espontânea, porque
consciente e aceita, os motivos do desenvolvimento, que é rit-
micamente encaminhado para a unitotalidade.
b) O seguro avançar dos seres para a unidade, por meio de
encontros, contatos, comunicações e comunhões crescentes em
intensidade, constituindo harmonias cada vez mais vastas, mu-
sicais, etéreas, libertando-se aos poucos das prisões do espaço e
do tempo. A lei moral coincide, como os Gregos haviam adivi-
nhado, com a elevação, o aperfeiçoamento e a felicidade pesso-
al (o paraíso terrestre nos últimos cantos do Purgatório).
c) Segue-se daí que o conhecimento da grande lei cósmica se converte em moralidade, comando que se aceita sem hesitar,
com alegria, porque é interiorizado e ditado pela própria cons-
ciência. A consequência disso é uma tarefa excelsa confiada ao
saber científico e filosófico.
d) O bem privado e o bem público coincidem. Esclarece-se aqui: 1) a natureza do dever em quem manda e em quem obe-
dece; 2) a gênese do poder nos chefes e nas aristocracias.
e) A psicologia da introspecção convenientemente treinada (Índia antiga, Europa medieval, Tibet) descobre não apenas
abismos medonhos (no subconsciente) mas rotas excelsas e lu-minosíssimas (superconsciente), ou seja, aqueles mundos que
trazemos em nós mesmos, ignorando-os: a consciência subli-
minal e a superliminal. Mas, além disso, revela contatos e inter-ferências com correntes arcanas, que formam uma espécie de
troposfera espiritual, que nos circunda de todos os lados, nos exalta e deprime, perturba e arrasta os imprevidentes, mas traz
auxílio de primeira ordem aos que o querem, para acelerar as
ascensões que lhe são destinadas ou permitidas (Noúres).
f) O último degrau que Ubaldi atingiu é a experiência mís-
tica, à qual está dedicado mais especialmente o volume que es-
tou examinando. Aqui se cala a astrofísica do macrocosmo e a química do átomo, pois o espaço e o tempo foram transcendi-
dos. Fala e canta, exulta e se perde, no “miro gurge”, o espírito recebido, por graça, temporariamente, na Esfera que só tem
por limite Amor e Luz.
Aqui, a experiência dos sentidos, do intelecto raciocinante
(discursivo) e da própria intuição deixou apenas traços na lin-guagem, que adquire graça de arte e vigor dialético, mas perten-
ce à forma. A substância de tão rara experiência está no dina-mismo incendiário e vulcânico do espírito que, chamando à reu-
nião seus poderes e apertando-os num feixe, os dirige com orgu-lhosa alegria para a realidade eterna, para que os acenda e quase
os destrua, a fim de que renasçam mais puros, belos de fulguran-
te beleza, tal como o poeta os viu em Matilde e Beatriz:
Não se poderia dizer com palavras a transumanização.
Pietro Ubaldi empenha-se com frequência numa luta titânica para superar esse limite fatal. Deve reconhecer-se que não é raro
que vença. A prosa deste volume é mais colorida; se não mais cá-lida, mais variada de tonalidades e matizes, que não se encontram
nas páginas às vezes ofuscantes, mas um pouco monótonas e monocrômicas, dos maiores místicos medievais. Essa vantagem é
devida à maior messe de experiência que Ubaldi pôde recolher
nas viagens, em sua vida civil e doméstica, em campos variadís-simos de observação, que faltaram àqueles antigos reclusos.
◘ ◘ ◘
Demonstrar a utilidade excepcional de publicações como
esta a pessoas inteligentes e cultas, não perdidas na noite dos sentidos, é ingênuo, mais do que supérfluo.
Faço apenas uma observação.
Quem é iniciado na filosofia da história, que A. Comte teve
a sorte de deduzir de Vico, e observa atentamente (o que não faz Roosevelt) os fatos que se desenrolam sob seus olhos, não
duvida que tenhamos entrado num período orgânico. Uma lei
superior – de que a insipiência de quase todos os intelectuais acelerou o ritmo – está concluindo o período da crítica. Esta,
útil e mesmo necessária, quando surgiu, terminou por desenca-dear-se estultamente sobre os mais preciosos bens que a huma-
nidade recolhera, entesourara com mil esforços e heroísmos.
Pois bem, a concepção biológica e, portanto, orgânica de Pietro Ubaldi vem ao encontro da comprovada exigência do
tempo que ocorre. E demonstra, até à evidência, as razões do
comando e as razões da obediência, ambas subordinadas à vi-são das unidades parciais que se reagrupam harmonicamente na
estrada da unidade definitiva, meta gloriosa de nossa viagem.
Os que verdadeiramente compreenderam esta verdade, es-ses, e mais ninguém, serão dignos de constituir as aristocracias
de amanhã. Ao lado dos autênticos dirigentes, afastados e quase invisíveis, mas inspiradores seguros, estarão os outros nobres,
para os quais são escritas obras semelhantes à Ascese Mística.
(a) Fermi
56 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
A GRANDE SÍNTESE – APRECIAÇÃO DA IMPRENSA (I)
Da revista La Ricerca Psichica – Milão, ano XXXVII, fase.
II, novembro, 1937.
Pietro Ubaldi – A Grande Síntese (Síntese e solução dos
problemas da ciência e do espírito) – primeira edição, 1937 –
Ulrico Hoepli, Editor Milão.
Não é fácil criticar um volume de tanta amplitude conceptu-
al, de tamanha vastidão e profundidade de argumentos, de tão
nova técnica de pensamento e tendo sido escrito em processo
tão original. Por sua séria mas rica apresentação tipográfica, pe-
la sobriedade de seu prefácio, não se supõe, à primeira vista, o
imenso mundo interior e o profundo fenômeno espiritual de que
ele saiu. Mas seu estilo sempre límpido, simples, acessível –
embora com uma tonalidade desusada hoje – revelam imedia-
tamente ao ouvido que bem distingue, um sabor de supranor-
mal, atrás do qual se sente o fenômeno metapsíquico.
O prefácio não entra, nem podia fazê-lo, em pormenores
para explicar o gênero; estes são dados em outro volume, As
Noúres – Técnica e Recepção das Correntes de Pensamento,
do mesmo autor. O fenômeno da gênese de A Grande Síntese
foi tão complexo e tão minuciosa e analiticamente vivido pelo
próprio indivíduo que o viveu, que pôde oferecer material e
argumento para um volume inteiro. E o próprio autor nos
anuncia que continuou o estudo do fenômeno inspirativo em
evolução em outro volume terminado há pouco. Sem falar,
pois, do conteúdo ideológico de A Grande Síntese, ela se apre-
senta como o produto de um fenômeno que foi amplamente es-
tudado; aparece com linhas originalíssimas; é apresentado pelo
autor como uma nova técnica de pensamento e método de in-
vestigação filosófico-científica, e trata, sobretudo, do campo
das ciências psicológicas e, em particular, de nosso campo da
metapsíquica. O próprio ilustre Prof. Bozzano acompanhou
com admiração esta obra, que durante cinco anos encheu as
páginas da revista Ali del Pensiero, de Milão; Constancia, de
Buenos Aires; Reformador, do Rio de Janeiro; e as colunas do
maior diário do Brasil, o Correio da Manhã.
A Grande Síntese é, portanto, um sistema de filosofia cientí-
fica e assim aparece em sua mais simples expressão. Todo o
cognoscível humano é aqui recolhido numa síntese orgânica
unitária, completado nas lacunas deixadas pela ciência, recon-
duzido ao mais compacto monismo e elevado das divergências
analíticas a uma síntese universal, até tocar a essência dos prin-
cípios que estão no absoluto. Fica assim plenamente justificado
o subtítulo do volume: “Síntese e solução dos problemas da ci-
ência e do espírito”. Esta obra colossal e universal tem, pois,
vários aspectos e significados e pode ser lida em diversas pro-
fundidades. Interessa, antes de tudo, à ciência moderna e à filo-
sofia, porque soube reconduzir à unidade a ciência e dela fez
um sistema filosófico. Mas este sistema é uma concepção pro-
fundamente espiritual; está, pois, no centro de nossa fé espiritu-
alista, como de qualquer fé no espírito, e de todas as religiões,
que se baseiam justamente nisso. O espiritualismo moderno re-
cebe hoje, com esta obra, um novo endereço científico; adquire
uma plataforma racional e objetiva, que lhe faltava, e não só de
casuística analítica, que ainda não chegou à sua definitiva fase
sintética. A fé no espírito é aqui fato demonstrado, e a ciência
materialista, que o negava, é levada, por sua evolução e com
seus próprios meios e métodos, a este plano mais elevado, em
que o espírito aparece evidente. Tudo isso é uma concepção,
um estilo, um endereço novo, que nos leva imensamente mais
alto. Desta nova orientação já se encontram traços nas revistas,
fatos que nos demonstram que isso já foi sentido e assimilado.
Mas A Grande Síntese tem também um conteúdo ético. É
uma obra benéfica em larga escala, equaciona e resolve a tarefa
de iluminar as consciências num momento histórico decisivo de
grandes amadurecimentos em todos os campos. Tem, pois, um
alcance também social e se insere como força viva na renova-
ção espiritual para a qual o mundo se prepara laboriosamente.
Quem ler esta obra, nessa profundidade, ouvirá ecoar aí as
grandes correntes de pensamento, as titânicas forças cósmicas
do imponderável que circunda o mundo e é ativo na preparação
de seu futuro próximo e remoto.
Não é possível entrar aqui, em breve nota, no pormenor do
tratado. É mister lê-lo, e cada alma responderá à leitura segun-
do sua capacidade de vibrar e de responder, de sentir e de entrar
em sintonia, com aquele mundo imenso que se abre, nessa obra,
ao nosso olhar. Os problemas tratados são muitos e vão da es-
trutura do átomo ao problema da dor; das questões astronômi-
cas, químicas e matemáticas às sociais da hora presente; da re-
latividade einsteiniana ao corporativismo; dos complexos pro-
blemas da gênese da vida aos fenômenos econômicos; da ori-
gem dos universos ao homem, ao gênio, à arte, ao amor, a
Deus. O universo aparece aqui em seu funcionamento orgânico
e na lei suprema que o guia.
Cada leitor sairá desta leitura iluminado por uma nova cer-
teza, melhor para si, para sua família, para sua pátria.
(a) L. F.
A GRANDE SÍNTESE – APRECIAÇÃODA IMPRENSA (II)
Da revista Il Loto – Florença, ano VIII, no 6, novem-
bro/dezembro de 1937.
Esta obra, verdadeiramente excepcional, tanto pelo valor ci-
entífico quanto pelas novas concepções ultramodernas que nela
são expostas, com um estilo elevado e ao mesmo tempo claro e
convincente, é sem dúvida uma das mais importantes que te-
nham aparecido nestes últimos anos.
Explicar seu conteúdo em poucas linhas não é possível, da-
da a importância do argumento e a absoluta novidade do con-
ceito. Limitar-me-ei a algumas indicações de caráter geral e a
todos aconselharei a leitura ou, melhor ainda, o estudo, para
que possam todos aí haurir precioso ensinamento. É certamente
um livro de ciência, mas não de ciência fria e temerosa, de
olhar muito distante, como estamos habituados a ver.
Esta é uma ciência cálida, dinâmica, entusiástica e viva, que
se arrisca sem medo o mais alto e mais longe que pode, voando
com asas seguras além do convencionalismo e dos horizontes
apertados; reconduz todo o criado a uma unidade grandíssima,
que é Deus. É aceita qualquer fé, desde que sincera, e procura-
se seja ela reconciliada com a ciência.
Fala como cientista a cientistas, para conduzi-los à espiritu-
alidade, servindo-se de seus próprios métodos.
Fala aos intelectuais, para fazê-los achar o caminho do co-
ração, servindo-se do intelecto, e abre para todos a estrada para
o infinito, despertando neles a intuição.
É vivificada e reforçada, com os mesmos materiais de cons-
ciência humana comum, a nossa consciência latente, que é a al-
ma eterna, que preside ao nascimento e à morte do corpo físico.
Quer o autor que a nova civilização do Terceiro Milênio se
erga do materialismo, para conduzi-la à espiritualidade; ob-
serva que as próprias religiões esconderam a originária cente-
lha divina e que hoje nenhuma fé sincera sustenta as massas,
até mesmo aquela de Cristo – que ele julga a mais completa e
perfeita – não conseguiu comovê-las nem arrastá-las. Hoje o
espírito caiu na indiferença, e o autor tenta neste volume,
cheio de entusiasmo e paixão, reerguê-lo e endereçá-lo para a
espiritualidade. Julga que agora os tempos estão maduros e
novas descobertas da ciência comum levam a novas orienta-
ções, a novas concepções.
Em sua exposição, parte do exterior para atingir o interior,
da superfície para entrar no âmago, da multiplicidade fenomê-
nica para descobrir o princípio fundamental que é “Uno” e que
“dirige tudo”. Esta seria A Grande Síntese.
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 57
Estes ensinamentos servem para dar ao homem uma nova
consciência cósmica, mais vasta e mais universal, que lhe será
útil, não só para aprender, mas sobretudo para agir.
Diz-nos como a Lei regula o universo, que é ordem e equi-
líbrio.
Analisa detalhadamente Matéria, Energia e Espírito, e a
passagem de um a outro estado; explica-nos os motos fenomê-
nicos, que, com ritmo cada vez mais acelerado, conduzem ao
super-homem, glorioso resultado de um trabalho gigantesco,
para o qual todos – querendo ou não – temos de contribuir. O
homem, então, guiado pela intuição, poderá, diz ele, atingir
verdadeiramente a felicidade. Este objetivo radiante da vida –
esta conquista maravilhosa – exalta de tal forma o autor, que
ele consegue exprimir-se em estilo verdadeiramente inspirado e
poderoso, e se arrisca até a indicar-nos as realizações que deve-
rão ocorrer no próximo milênio, para evitar o perigo da destrui-
ção da civilização atual.
Mesmo que estas não se realizem inteiramente, permane-
cem, contudo, baseadas na lei eterna, que dirige a evolução,
portanto mesmo as que então se realizarem terão de derivar da
mesma lei suprema, à qual as coisas e os homens jamais pode-
rão subtrair-se.
(a) C. A. S.
A GRANDE SÍNTESE – APRECIAÇÃO DA IMPRENSA (III)
Da Revista Religio – Roma, vol. XIV, no 4, de julho de
1938.
A Grande Síntese – Sabemos que não é costume de Religio
apreciar livros de inspiração mediúnica, nem ocupar-se daquele
conjunto de doutrinas conhecido com o nome de “ciências ocul-
tas”. Até a orientação da revista é absolutamente contrária à
mediunidade e às ciências ocultas. Mas A Grande Síntese de
Pietro Ubaldi (livro devido à mediunidade inspirativa), repre-
senta um tão imponente volume de pensamento e de fé, equaci-
ona e resolve – no âmbito de suas premissas – um conjunto tão
grandioso de problemas, que pode perfeitamente justificar uma
exceção à regra. O embaraço talvez – embaraço enorme – para
o crítico, é que, nutrido por essas doutrinas, dificilmente poderá
conservar rígida objetividade Mas a crítica não é quase sempre,
ou sempre, de caráter subjetivo? Não se julga, porventura, uma
obra de acordo com os próprios conhecimentos, as próprias ori-
entações intelectuais e com grau de espiritualidade que atingi-
mos? E, ademais, poder-se-á chamar “crítica”, no sentido vul-
gar do termo, quando se trata de um livro que procura dar um
objetivo a tudo o que a nossa vida contém – arte, direito, ética,
luta, conhecimento, dor – encadeando e fundindo tudo na mes-
ma estrada das ascensões humanas?
Do outro lado, muitos dos assuntos tratados em A Grande
Síntese, por quanto sejam interessantes e atraentes, escapam da
competência de uma revista de estudos religiosos. Não podemos
descer, por exemplo, com o autor ao âmago profundo da maté-
ria, para aí buscar a organização atômica, eletrônica e nuclear.
Limitar-nos-emos a projetar os principais aspectos de um
problema que é a razão de ser de nossa revista: o problema reli-
gioso. Digamos de imediato que a posição de A Grande Síntese
diante deste problema – como, aliás, em todos os que equaciona
e resolve – é nitidamente revolucionária, e isto, parece-me, de-
veria bastar para assegurar ao autor e ao livro nossa fraternal
simpatia de homens que se esforçam, humildes mas fervorosa-
mente, por arrancar as estranhas e tenebrosas “vendas que co-
brem os olhos humanos de manhã à noite” da visão radiante do
verdadeiro rosto de Deus.
Trata-se, pois, de nova revelação? Sim, se entendemos co-
mo revelação não só aquela que lança fundamentos de uma re-
ligião, mas também “todo contato da alma humana com o ínti-
mo pensamento que está na criação, contato que revela ao ho-
mem um novo mistério do ser”. E não é a revelação deste novo
mistério do ser que esperam tantos corações atentos, sentinelas
vigilantes dispersas na solidão espiritual de nosso pobre mundo
em luta? Seremos nós preconcebidamente hostis à Grande Sín-
tese, tornando-nos rígidos nas velhas categorias conceituais,
que, no entanto, sentimos serem insustentáveis, mas às quais
nos apegamos por um senso de “fidelidade” mal compreendido,
que, no final das contas, é um simples e pobre conservadoris-
mo? Penso que A Grande Síntese deve ser lida e meditada com
o coração puro e a mente pura. Coisa verdadeiramente rara nos
livros desse gênero, ela não se mantém nas esferas inacessíveis
da intuição pura, mas fala à inteligência, à razão cética e – traço
de grande originalidade, que é como o selo das obras verdadei-
ramente geniais – apresenta seus argumentos com critérios ci-
entíficos, e até põe a ciência e suas conquistas ao serviço de
uma grande obra de espiritualidade.
Porque a finalidade primeira e última de A Grande Síntese
é justamente esta: instaurar no mundo o Reino do Espírito, re-
velar ao homem ignaro ou obstinado na negação, afogado no
materialismo científico, destruidor de toda fé, que tudo, em
nosso mundo, tudo nos vastos universos, é obra do espírito, do
qual procedemos e ao qual todos, consciente ou inconsciente-
mente, tendemos. Mas este espírito e seu reino, que progride,
não são abstrações impalpáveis, etéreas, ondulando nos im-
ponderáveis e às vezes incompreensíveis paraísos da fé. Não: o
espírito é uma realidade. Mais até: “depois das descobertas da
desintegração do átomo e da transmutação da individualidade
química por explosão atômica, a descoberta da realidade do
espírito é a maior descoberta científica que se espera, a desco-
berta que revolucionará o mundo, iniciando uma nova era”. Eis
a mensagem confortadora. E é evidente que, orientada por ob-
jetivos tão elevados e ousados, A Grande Síntese não pode
deixar intactos os valores religiosos e as categorias teológicas,
tais como o homem os forjou. Ela olha para a vida e a vê como
uma troca ininterrupta, como uma corrente que não se detém,
um turbilhão maravilhoso em que nasce o pensamento, a cons-
ciência, o espírito, e avisa que todas as formas de vida são ir-
mãs da nossa e, como nós, elas também lutam por ascender pa-
ra a mesma meta espiritual, que é a finalidade de nossa vida
humana. E, na base de toda vida, coloca a evolução e esclarece
que a evolução é palingênese, é libertação, afirmando que o
progresso da espécie orgânica não é retilíneo, como o viu
Darwin, mas é alternado, por contínuos retornos involutivos.
Lei cíclica, portanto, que se repete no campo da consciência
individual e coletiva, que regula o desenvolvimento e o pro-
gresso das civilizações. Mas esta evolução não poderia verifi-
car-se sem a reencarnação, pois a reencarnação é uma necessi-
dade para a evolução; ela corresponde ao princípio de expan-
são e de contração dos ciclos evolutivos, é uma condição da lei
de equilíbrio e consequência do princípio de indestrutibilidade
e transformismo da Substância. Evolução é libertação. Frase
felicíssima. E eu acrescento: evolução é resgate, é redenção, é
posse. Não o disse Cristo. Eu sou o caminho?
Olha para Deus e o aponta como a direção, a tendência, a as-
piração a meta; mas avisa – a propósito da criação do homem
segundo a Gênese – “não deis um corpo e sopro à Divindade,
compreendei que, nessas palavras, só pode haver uma humani-
zação simbólica de uma realidade mais profunda”. E qual é essa
realidade profunda? “Deus não é uma potência exterior a nós,
mas íntima a nós, como é íntimo a todas as coisas, e é no íntimo
que Ele opera profundamente, expandindo-se até dominar, sobe-
rano e sem oposição”. E explica: “Deus não é e não pode ser al-
go a mais e externo, algo distinto da criação. A concepção hu-
mana de Deus, que cria fora e além de si, acrescentando algo a
si, é uma concepção antropomórfica absurda, que acaba redu-
zindo o absoluto ao relativo(...). Não vos façais centro do uni-
verso; aplicai a vós os conceitos de espaço, quantidade, medida,
58 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
movimento, perfectibilidade; não deveis medir a Divindade co-
mo vos medis a vós mesmos, não tenteis defini-la, tanto menos
com aquilo que só é próprio para definir a vós mesmos, por mul-
tiplicação e expansão de vosso concebível”. Deus é, pois, para A
Grande Síntese, a infinita alma que está no centro do universo;
não centro espacial, mas centro de irradiação e de atração.
“Não vos façais centro do universo”. Eis o sapientíssimo
aviso. Afinal, que temos nós feito de Deus? Reduzimo-Lo a
conceitos feitos à nossa imagem e semelhança, pretendendo fa-
zer de nossa razão a medida de todas as coisas. Mas separamos
todas as coisas totalmente de nós. Erro gravíssimo. Porque a
alma do homem e a alma das coisas são como diversas expres-
sões de Deus, em planos diversos de evolução, e ambas tendem
para Deus, obedecendo à única lei, aquela lei que é a ideia cen-
tral do universo, o sopro divino que o anima, o dirige, o move.
E que é essa lei? A Lei é Deus. Ela manifesta-se em mil aspec-
tos diferentes, mas permanece sempre uma lei de bondade e de
justiça. E qual é a mais alta expressão da Lei que podemos con-
ceber? “O Evangelho de Cristo, cuja compreensão significará a
realização do Reino de Deus”.
A primeira impressão, perante esta resposta, é perguntar
que tem a ver o Evangelho de Cristo diante desta nova revela-
ção monística, que procura dar ao homem uma consciência
cósmica. No entanto, por estranho que pareça, A Grande Sín-
tese faz do Evangelho uma afirmação de humanidade mais al-
ta no divino, e o alcança pelas próprias estradas do materia-
lismo, demonstrando que não há caminho que não conduza ao
Evangelho, para impô-lo a todo ser racional, tornando-o obri-
gatório, como o é todo processo lógico. E o Cristo? Para saber
exatamente o que é o Cristo para o autor, é preciso referir-se a
outra publicação, As Noúres, que ilustra e torna compreensí-
vel a gênese de A Grande Síntese. Mas, mesmo sem As Noú-
res, percebe-se logo que também o Cristo – e é natural – perde
aqui toda característica antropomórfica, para aparecer como
um “espírito radiante, centro de atração espiritual, em torno
ao qual giram os mundos”. Portanto, um Cristo cósmico.
Ubaldi (e aqui entramos no verdadeiro lado ocultístico da
obra) apresenta sua mensagem tal como se lhe revelou. Mas,
ao mesmo tempo, “Sua Voz” avisa: “A nova revelação não
vem para destruir a verdade que possuís, mas para repeti-la
numa forma mais persuasiva, mais evidente, mais adequada às
necessidades da mente humana que progrediu”, e traça o
grande caminho da conciliação entre ciência e fé. Compreen-
de-se que uma conciliação só se realiza com renúncias de am-
bas as partes. Portanto, se, de um lado, a fé tem de renunciar
àquele seu caráter de irrealidade, que ela mostra diante da ob-
jetividade do positivismo científico, a ciência precisa, de ou-
tro lado, deixar de fazer uma autoapresentação de soberba, à
procura da utilidade e da especulação, únicos ideais de suas
pesquisas. E, como a ciência não deve permanecer um produ-
to árido do intelecto, assim a fé não deve permanecer unica-
mente produto do coração, que não sabe dar as razões profun-
das à mente que quer ver. Mas a ciência não deve mais igno-
rar um fator, que agora de propósito ignora: o fator moral e
espiritual; e o cientista não deve ser apenas um paciente cole-
cionador de observações, mas também, e sobretudo, uma
grande alma que saiba olhar na profundidade de si mesmo e
na profundidade dos fenômenos, ou seja, que saiba sentir,
através da forma, a substância que nela se esconde. Assim,
espiritualizando a ciência, e reconduzindo a fé ao campo raci-
onal, é possível reconciliar essas duas forças invencíveis de
evolução, estes dois aspectos de uma só verdade.
Numa palavra, A Grande Síntese pretende, como o disse eu
de início, dar ao mundo a ciência do espírito, a fim de que o
homem seja digno de penetrar o mistério da vida, superar a dor,
vencer a morte.
Gluseppe Vingiano
O amigo Vingiano deu-se conta perfeitamente da delicade-
za de sua tarefa, de falar de obras ocultistas, como as de Pietro
Ubaldi, em Religio, revista por definição histórica e positiva.
Mas, com elegância e tato, de que lhe somos gratos, executou
sua tarefa, exprimindo, como convinha, a sua admiração, que é
também a nossa, pela profunda espiritualidade que vivifica as
páginas de Ubaldi, sem com isso ferir, de nenhum modo, os
métodos críticos e realísticos em que se inspira a compilação
deste periódico.
E. B.
A GRANDE SÍNTESE – APRECIAÇÃO DA IMPRENSA (IV)
Da revista La Veritá – Roma, ano 39, no 9, setembro de
1938.
Para compreender A Grande Síntese de Pietro Ubaldi não
bastam os argumentos ordinários de uma crítica benévola; é
mister alargar-se, com elementos científicos, dentro e fora da
vida que vivemos neste microscópico ponto do universo, que
chamamos Terra. É necessário elevar-se e manter-se em contato
imediato com a natureza e com todas as suas leis férreas.
Já o insigne Heráclito, cinco ou quatro séculos antes de
Cristo, intuiu que, na natureza, tudo se desenvolve segundo
leis taxativas, e concebeu as coisas e os seres como um jogo
de forças da própria natureza, jogo que compreenderia tam-
bém o espírito e a alma, só existindo entre mundo inorgânico
e orgânico uma diferença de estrutura, e não de essência. Hi-
pócrates também viu que a natureza é de tal forma, que basta
por si mesma aos animais, e que sabe tudo o que lhes é neces-
sário, sem necessidade de ninguém para ensinar-lhe, tanto que
a pôde chamar de justa, como se fora provida de razão e de
senso moral. Para Aristóteles, nada é produzido contra a natu-
reza, eterna e necessária; e para seu contemporâneo Mêncio, a
lei moral é paralela à lei universal, que governa todas as coi-
sas; donde viver segundo a virtude significa viver conforme a
natureza. A Plínio, o velho, tampouco escapou que a natureza
nada produz e nada faz sem grandes motivos. Para Leonardo
da Vinci também, a natureza jamais rompe sua lei, e toda ação
natural é feita pela natureza do modo mais breve e no menor
tempo possível, sem prolongamentos nem abreviaturas, con-
trários às suas leis. Segundo Galileu, enfim, para terminarmos
neste grande italiano, a natureza é a única mestra, necessária,
imutável, eterna, inexorável, não ligando a mínima importân-
cia que suas recônditas razões e suas manifestações sejam ex-
postas ou não à capacidade dos homens.
A natureza, pois, é realmente tudo. É tal, que as descobertas
científicas mais recentes nos demonstram e confirmam que na-
da há na natureza que não seja matéria, que matéria e energia
são sinônimos. E a matéria tem uma alma, um coração, uma
sensibilidade, vivendo, vibrando e palpitando sempre, desde
suas maiores concentrações até ao átomo, os prótons, os nêu-
trons e os elétrons, positivos e negativos, que acabam dissipan-
do-se todos no elemento cósmico primordial: o Éter difuso que
enche todo o espaço, a energia em sua forma originária, a es-
sência final de todas as coisas. Dissipando-se, e não morrendo,
porque a vida jamais morre no universo, nada morre nunca, e
tudo é matéria em incessante movimento e transformação con-
tínua, ora agregando-se ora desintegrando-se, para depois agre-
gar-se de novo, e assim sempre, eternamente, com uma conca-
tenação que não tem lacunas, nem paradas, nem descontinuida-
de, nem princípio, nem fim, nem tempo.
Sendo esta a natureza, ignara de repouso, de mentiras, de
subterfúgios, e sempre, como diz Bruno, essencialmente igual a
si mesma, deduz-se que ouvi-la, senti-la e conformar-se às suas
leis, jamais violando-as nem violentando-as, é o único meio
possível de vida para a humanidade. E o autor desse volume
não só o sente, mas também é constrangido a ouvi-lo.
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 59
Ubaldi, em sua A Grande Síntese, aparece-nos como um
ser que permanece continuamente aderente à natureza; um ser
a quem a natureza manda suas ondas eletromagnéticas, suas
mensagens, para serem captadas pelo organismo ultrassensí-
vel que possui e, depois, comunicadas a nós, por meio de suas
publicações.
A origem destas mensagens, porém, pode ser considerada
dúplice: ou diretamente do elemento cósmico primordial, ou de
outros organismos humanos, mesmo se colocados a milhares de
quilômetros de distância. Dúplice origem que nos leva à con-
cepção única do universo.
Se as mensagens chegam a Ubaldi diretamente do elemento
cósmico primordial, ele é sem dúvida um dos mais singulares
intérpretes da natureza, que o escolheu para dizer-lhe suas leis,
seus axiomas, suas máximas, e assim fazê-lo receber a vontade
dela e os seus pensamentos, como poderia e deveria um patrão
ou rei fazê-lo a um dependente ou súdito, e, portanto, às vezes
com calma e sem esforço, às vezes com sobressaltos e esgota-
mento de todo seu organismo.
Se as mensagens chegam a Ubaldi de outros organismos
humanos, sempre através do Éter cósmico, achamo-nos igual-
mente diante de um ser dotado de um sistema nervoso excepci-
onal, comparável a uma verdadeira central radioelétrica, que re-
cebe e transmite ondas eletromagnéticas com a mesma frequên-
cia e comprimento.
É sabido, com efeito, que o homem, por meio do sistema
nervoso, recolhe os estímulos que lhe chegam do ambiente ex-
terno e a eles responde de modo adequado, com os músculos e
todos os órgãos.
É sabido ainda que o cérebro, a parte mais importante do
sistema nervoso, está provido de bilhões de células, constituí-
das por uma floresta de filamentos, que se comportam como an-
tenas da telegrafia Marconi.
Os fios nervosos, condutores de rádio-ondas nos dois senti-
dos, estendem-se e se alongam, com papilas microscópicas,
quase além da superfície do corpo, para captar as sensações ex-
ternas e canalizá-las ao cérebro ou para lançar as sensações e
vibrações do cérebro fora dele. O sincronismo entre dois cére-
bros e organismos humanos é fulmíneo, tal como acontece para
as radiações do gênero e da velocidade das ondas eletromagné-
ticas e da luz, iguais a 300.000 Km por segundo (sete vezes a
volta na Terra na mesma fração de tempo).
Tudo o que o cérebro recebe, sente, vê e irradia é, pois, o
resultado das vibrações das pequenas antenas cervicais. E, co-
mo sabemos que as vibrações se propagam ao infinito no uni-
verso, elas formam assim, logo que saem de nosso cérebro, um
complexo de irradiações que continuam a vibrar no tempo e no
espaço, de tal maneira que podem perfeitamente ser recolhidas
por outro cérebro que tenha o mesmo comprimento de onda e
com o qual se ache em perfeita sintonia e ressonância.
Ora, quer Ubaldi receba as mensagens diretamente do Éter
cósmico primordial, quer as receba de poucos ou de uma multi-
dão de cientistas e de especialistas, o fato é que ele não sabe o
que a natureza quer precisamente dele, mas sabe que lhe não
pode escapar e que deve ouvi-la, como a ouve, escrevendo e fa-
zendo-se ler na Europa e nas Américas.
O autor desse volume diz justamente que o homem crê go-
vernar, mas, ao invés, obedece sempre, constrangido pelo ins-
tinto à vontade da natureza.
O instinto, com efeito, não é, como nos dizem todos os filó-
sofos que não sabem fazer entender-se, o sentimento interior, o
movente interno, o impulso natural que dirige os animais em
sua conduta para fazer as coisas sem que haja intervenção da
reflexão etc. (o que seria muito pouco e muito vago). O instinto
é de fato a própria natureza, que se revela nos animais e especi-
almente nos indivíduos e nas sociedades humanas, em sua nua
virgindade e realidade. O instinto é a energia cósmica, que, es-
tando presente e operando em toda a parte no universo, com
precisão matemática, certamente também está presente e opera
nas células vivas dos organismos humanos. O instinto é sinto-
nia psicofísica universal, que se torna força positiva criadora no
homem, diante da razão, que seria uma força discriminadora.
É graças a esse instinto e é com ele que Ubaldi pode tratar
os mais variados argumentos e fenômenos do universo sem per-
turbar-se, sem confundir-se, ao mesmo tempo em que, de sua
ermida de Gúbio, em que é professor, tudo quanto ele sente e
diz é quase sempre cientificamente exato.
O valor e a importância de A Grande Síntese de Ubaldi – à
parte as evidentes erudições do autor do volume – está justa-
mente na estreita correlação e harmonia entre a natureza e seu
instinto, isto é, entre a natureza e a constituição de sua indivi-
dualidade psicofísica, a tal ponto que nos faz desejar (para que
nos dê novas provas dessa harmonia) que perdurem nele, o
maior tempo possível, as condições favoráveis que essa har-
monia determinou.
Nesse ínterim, mostramo-nos gratos a Ubaldi pelo que ofe-
rece aos leitores dos dois mundos, mesmo por vezes parecendo
que a natureza não se lhe tenha revelado o bastante, ou que ele
não tenha podido captar bem as ondas eletromagnéticas e o
pensamento dela.
A Grande Síntese deve, pois, penetrar o espírito e a alma de
quem a ler, mesmo nas traduções, tanto quanto penetrou nossa
alma e nosso espírito, que várias vezes relemos aquela Síntese,
não tanto para estudos de caráter retórico ou filosófico, mas de
absoluto neopositivismo, mesmo político.
Roma, setembro de 1938
(a) Antonio D'alia- Ministro Plenipotenciário da Itália
O autor deste artigo, Antônio D'Alia, Ministro Plenipotenci-
ário da Itália, é conhecido no mundo cultural por suas múltiplas
obras, poderosas por seus pensamentos profundos e originais.
Sua competência reconhecida em ciência política torna autori-
zadas estas impressões e julgamentos, nascidos de uma afinida-
de de seu pensamento com o de Ubaldi, especialmente no cam-
po político, histórico, econômico e social, por uma orientação
filosófica comum, que ascende às mais profundas raízes bioló-
gicas e cósmicas daqueles fenômenos.
Por isso D'Alia quis citar Ubaldi, bem umas cem vezes, em
seu alentado volume “Máximas de Arte e de Ciência Política”,
publicado em Roma.
A Redação
A GRANDE SÍNTESE – APRECIAÇÃO DA IMPRENSA (V)
Da revista La Verità – de Roma, agosto, 1939.
A Grande Síntese, obra filosófica de nosso culto colabora-
dor Pietro Ubaldi, publicada em língua italiana pelo editor Ho-
epli, foi recentemente traduzida em língua espanhola e publica-
da pelo Editorial Constancia – Buenos Aires (Argentina), com
o título de Síntesis Cósmica.
Do prefácio da editora extraímos com alegria o seguinte tre-
cho: “O interesse despertado por esta obra transcendental, do
ilustre pensador italiano, tanto nesta parte do continente ameri-
cano como nos países europeus, foi enorme. Hoje, o nome de
Ubaldi é tão amplamente conhecido nos ambientes intelectuais,
científicos e espiritualistas, que seria supérflua uma apresenta-
ção de sua personalidade. Obra destinada a revolucionar o pen-
samento moderno, sob os múltiplos aspectos de filosofia, ciên-
cia e ética, a Síntesis Cósmica se reveste de capital importância
por causa de sua gênese”.
Do livro de Ubaldi apareceu também a tradução em portu-
guês, A Grande Síntese, num belo volume encadernado em pre-
to e dourado (5.000 cópias), publicado pela Federação Espírita
Brasileira – Rio de Janeiro.
60 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
Os leitores que de perto conhecem o pensamento do autor,
através de apreciados artigos por ele publicados nesta revista –
e estamos certos de que, conosco, compreenderam de imediato
achar-se diante de um pensador original, de um italiano que
honra seu país, e de um escritor militante e combatente, para
afirmar-se vitorioso com os valores do espírito – poderão apre-
ciar ainda mais completamente o valor de sua concepção da vi-
da, aproveitando-se da procuradíssima edição italiana.
(a) A. S.
VÁRIAS CRÍTICAS
Das revistas: Ricerche Filosofiche e Palmi (Reggio Cala-
bria) – outubro/dezembro de 1937.
Pietro Ubaldi – As Noúres, Editor Hoepli – Milão, 1937.
Neste livro, além de serem encontrados pensamentos já co-
nhecidos no campo filosófico e científico, bem acolhidos aqui –
valor da consciência intuitiva, purificação ética e arrebatamento
simpático por um mais profundo, objetivo e amplo conheci-
mento, princípio animador de todas as coisas, sugestão do am-
biente – encontram-se também páginas literariamente vivas e
vibrantes, como aquelas sobre a história espiritual de Joana
D‟Arc, sobretudo um importante testemunho psicológico. A
originalidade da ultrafania do autor consistiria:
a) No fato de que ele determina ativamente, por si, as
condições (ascensão) para encontrar as correntes de emanação
espiritual (Noúres), as quais tendem a manifestar-se e exprimir-
se na dimensão humana do inteligível, mediante um processo
de transformação de dimensões;
b) Em que, durante a recepção, ele se mantém consciente
e, portanto, capaz de passar continuamente do estado super-
normal ao normal, e vice-versa. Durante essa passagem, pode
“registrar” as mensagens, o que lhe permite, outrossim, dar-se
conta plenamente do fenômeno e, portanto, descrevê-lo.
Se, no entanto, fossem pedidas provas do autor, mesmo ló-
gicas (seu próprio testemunho é apenas uma prova subjetiva e
psicológica), que sua mediunidade seja verdadeiramente inspi-
rativa, isto é, provas de que ele recebe de correntes estranhas a
ele e sobretudo – como afirma – impessoais, mesmo que elas
emanem como todas as outras que percorrem o cosmos do úni-
co centro que é Deus, não se acharia a resposta.
Estando no terreno da recepção, poder-se-ia admitir que,
num estado de hipersensibilidade, pode-se captar irradiações de
outros seres vivos pensantes, talvez mesmo habitantes de outros
planetas, num estágio evolutivo muito superior ao nosso, para
explicar que o produto é superior – como o afirma o autor – às
suas capacidades intelectuais e culturais (as quais, não obstante,
neste livro se mostram bastante amplas), quando não se queira
pensar em elaborações que afloram de uma herança culta ou – o
que é mais conveniente – de uma inspiração subjetiva proveni-
ente das próprias condições de pureza e de sugestão em que o
autor consegue colocar-se; mas a impersonalidade só pode ser
uma ilusão subjetiva, também devida talvez à falta de aprofun-
damento do processo despersonalizador, universalizador e obje-
tivante do pensamento teorético (com efeito, o autor refere-se
ao modo como escreveu A Grande Síntese).
Quanto ao fato de ser difícil a tradução das correntes noúri-
cas (em que o autor sair da consciência normal à supernormal)
na estorvante e inadequada linguagem humana – trata-se apenas
de um resumo – representa na minha opinião um processo típi-
co de criação espiritual, quando se verifica não ser fácil expri-
mir o que se intuiu e pensou numa tensão ardente de consciên-
cia e procura-se voltar ao ponto focal da inspiração, ou seja,
tornar a colocar-se naquela tensão e intensidade de consciência,
na qual se passa e repassa num contínuo esforço, sobre o qual
Bergson escreveu páginas admiráveis, em Deux Sources.
(a) D. A. Cardone
Da revista La Ricerca Psichica, ano 39, no
9, setembro de
1939.
Pietro Ubaldi, Ascese Mística, Editor Hoepli – Milão, 1939.
Sem dúvida, não é fácil apreciar as obras dos místicos, por-
que se sabe que o místico não “demonstra”, mas “afirma”, base-
ado em luzes que, segundo ele, lhe chegam de um plano superior
ao humano. Por isso muitos dos que foram chamados para mani-
festar seu juízo a respeito desta obra, verdadeiramente interes-
sante e merecedora do prêmio que lhe foi adjudicado, recusa-
ram-se a fazê-lo, concluindo que “há obras, como estas, que são
recebidas como se apresentam, indiferentes e invulneráveis à
crítica, porque ou se acredita nelas, ou não se acredita”.
Este é um conceito geral, aplicável a todas as categorias e
formas de misticismo, mas, no caso presente, a questão da “in-
vulnerabilidade” se torna ainda mais séria, quando se pensa que
Ubaldi apenas descreve suas próprias experiências psíquicas e
dá razão pública de seus estados de alma.
Nós, que até agora não tivemos a sorte de nos elevar-nos às
sublimes alturas a que parece ter chegado o autor, não estamos,
para falar francamente, autorizados a analisar e criticar o que
por sua natureza transcende a lógica ordinária e a crítica. De
qualquer forma, procuraremos pôr em relevo rapidamente o que
nos parece mais utilizável, neste volume, para os fins da educa-
ção espiritual e da investigação psíquica.
Apresenta-nos o autor a inspiração como o resultado da evo-
lução da mediunidade, que, de passiva e incipiente, sobe a maior
altura espiritual ao se tornar ativa e consciente. Tem importância
muito particular o que escreve a respeito da técnica da inspira-
ção. Esta ocorreria mediante o contato entre os dois termos: o
centro emanante (onda-pensamento) e a consciência do médium.
Quanto mais perfeito for este trabalho de sintonização e harmo-
nização, tanto maior é a eficiência da emanação dos centros noú-
ricos (das noúres) em relação às consciências individuais.
Notemos, a este propósito, que a ideia do sujeito, que sobe
com poderoso esforço volitivo até ao objeto de sua contempla-
ção, e do objeto, que responde a esse contato com descida aná-
loga, constitui o núcleo do ensinamento místico. A teologia
cristã canonizou esse estado com a teoria bastante conhecida da
graça eficaz. Deus faz descer os raios vivificantes de Sua bon-
dade, particularmente, nas almas que não só põem em funcio-
namento todas as suas energias espirituais, para tornarem-se
dignas de sua origem divina, mas também que se enchem de
amor e o expandem.
Belíssimas palavras nos dá a ler o autor quando exalta o al-
truísmo e condena o egoísmo, pois o altruísmo se acha em cons-
tante comunicação com o todo, ao passo que o egoísta vive a
expensas do todo. O primeiro identifica o próprio bem com o de
seus semelhantes e neles revive; o segundo opera uma contração
das forças espirituais, tira a respiração da psique e a sufoca.
Digna de especial consideração parece-nos a teorização,
quase geométrico-matemática, dos planos de consciência.
Afirma o autor, de fato, que sentiu e viveu os estados místicos
que o conduziram à aquisição de uma noção adequada do me-
canismo da evolução, o que ele julga poder fixar em diagramas,
para maior evidência. Com estas projeções diagramáticas de
sua intuição, Ubaldi quer colocar-nos nas mãos a chave para
compreender as grandes linhas da evolução espiritual: a ascen-
são do ser a planos superiores de vida, em consequência da qual
verifica-se uma dilatação correspondente da consciência, com
uma progressiva superposição de individuações e fusão de
consciências em forma de existência coletiva.
A doutrina das “consciências coletivas” é, sem dúvida, ou-
tro dos traços mais importantes da intuição do autor, mas acre-
ditamos que ela necessite ulterior explicação, pois nos parece
que a harmonização a que devem as consciências constante-
mente tender, não seja muito compatível com a “fusão” de que
ele fala. Com efeito, dois ou mais campos de força e de consci-
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 61
ência que se fundem, perdem, ou pelo menos enfraquecem, os
traços característicos pelos quais se distinguem, de tal forma
que o campo A seja algo diverso do campo B e, sendo diverso,
possa harmonizar-se com ele. Está bem que, apesar desta, a in-
dividualidade se conservará, pelo fato de que a zona de não-
coincidência (1/2 – 1/4 – 1/8 – 1/16 etc.) jamais se anula, mas
parece-nos que a lei de atenuação do separatismo entre unida-
des de consciência e a correspondente lei de fusão de individu-
ações seja desvantajosa ao verdadeiro e próprio princípio da in-
dividuação, que pode ser considerado como o pressuposto da
harmonia e do amor, aos quais Ubaldi levanta hinos em termos
tão profundamente apaixonados. Numa palavra, o caminho do
espírito não pode ficar assinalado por um enfraquecimento da
individualidade, embora com aplicação mais vasta da boa von-
tade por parte de cada ser consciente.
É fácil perceber – ficando no domínio do racional – que os
termos: “amor, altruísmo, sacrifício” e também “coletividade”
implicam por si sós na existência e pluralidade das consciên-
cias, sendo representantes apenas dos vínculos morais que li-
gam umas às outras. É verdade, também, que quando duas ou
mais pessoas se amam desesperadamente, costuma dizer-se que
“suas almas se fundem”, mas aqui trata-se de figura retórica e
expressão poética.
No entanto merecem louvor incondicional os propósitos do
autor, de guiar a humanidade aos planos espirituais mais eleva-
dos, de ajudá-la a penetrar no domínio do “superconsciente”. Ele
exalta o amor e as mais altas virtudes, e o faz com tal linguagem,
que produz certamente impressão bem profunda, especialmente
naqueles que sentem a sugestão da “florescência” mística.
É preciso, sobretudo, apreciar estes trabalhos em vista do
bem e do conforto que trazem a uma parte da humanidade, de
modo particular quando ameaças graves pesam sobre ela. E, se
nos colocamos deste ponto de vista, temos de constatar que a
expressão favoreceu otimamente a intenção do escritor.
Às vezes Ubaldi cede de maneira excessiva ao próprio entu-
siasmo e, por assim dizer, carrega um pouco as tintas, e esse
“heroico furor” místico-pedagógico nem sempre é simpático.
Mas esta é uma simples observação, que não diminui o valor da
obra de que tratamos.
(a) R. Fedi
UM LIVRO REVELADOR
Do Jornal Fronte Unico, Roma – 30 de junho de 1939, e da
revista Il Loto – Florença, no 4, julho/agosto 1939.
Já lera A Grande Síntese quando, ditada por “Sua Voz”, apa-
recera em série na revista Ali dei Pensiero de Milão. Reli-a com
novo júbilo interior quando apareceu pela primeira vez em vo-
lume, publicada pela benemérita Casa Hoepli; tornei a lê-la pela
terceira vez, nesta segunda edição, saída a pequeno intervalo da
primeira, totalmente esgotada. E, de cada vez, pareceu-me ler
um livro novo, ofuscante de esplendor, livro harmonioso, que
tem o poder de unir as profundidades abismais da Terra com as
insondáveis alturas dos céus, que é como a demonstração prática
e científica do trimegistiano: “o que está em baixo é como o que
está em cima”. Ler este livro é como fazer uma viagem fantásti-
ca do mundo atômico ao mundo galáctico, do microcosmo ao
macrocosmo, e depois repousarmos, alegres e gratos, nos pater-
nais braços divinos. Surge então, no leitor atento e livre de pre-
conceitos doutrinais, a convicção de que este livro representa
para nós uma nova “revelação”. Não porque diga coisas novas
em si, mas porque revela à nossa humanidade contemporânea
um novo mistério do ser. Porque “revelação” não é apenas aque-
la que lança as bases de uma religião e que constitui infelizmen-
te o rosto imutável diante da perene mutação das coisas; revela-
ção é também todo contato da alma humana com o íntimo pen-
samento que existe no criado e que revela ao homem aspectos
novos e mais íntimos da verdade única. Nesta acepção, A Gran-
de Síntese que Pietro Ubaldi, de Gúbio, escreveu por mediuni-
dade inspirativa é, incontestavelmente, uma nova “revelação”.
Muitas críticas foram feitas à obra e ao autor – que antes
deveríamos chamar seu fiel e entusiasta amanuense – não tanto
pelo conteúdo, que encontrou, na Itália e no exterior, geral
aprovação e admiração, como pelo método de compilação, por-
que até homens de reconhecida elevação intelectual, enregela-
dos nos velhos sistemas conceituais, não admitem que A Gran-
de Síntese seja um livro escrito por “mediunidade inspirativa”,
como o esclarece o próprio autor.
Não é num artigo de apreciação que convém demonstrar o
engano de certas proposições. Parece-me, porém, que assim
faz-se a política do avestruz: cobrem-se os olhos para não ver a
luz. Em sua mais pura simplicidade, a situação é esta: Pietro
Ubaldi é um professor de língua inglesa num Real Ginásio de
província. Com a láurea em jurisprudência, não possui nenhu-
ma competência específica de problemas científicos, políticos,
artísticos, sociais, religiosos, e eis que ele escreve de jato, sem
consultar textos, um livro que tende a dar objetivo a tudo o que
contém nossa vida empírica: arte, direito, ética, luta, conheci-
mento, dor etc. Tudo fundindo-se e canalizando-se no mesmo
caminho das ascensões humanas! Além disso, o que deveria
aparecer como valor comprobatório a quem não conheça por
longa experiência esse fenômeno inspirativo de que Ubaldi é
um testemunho magnífico, é a sua sinceridade e modéstia. Nu-
ma época em que é moda revestir-se com as penas do pavão e
cobrir-se a própria nulidade com cínica desenvoltura do saber
alheio, Ubaldi tem a humildade de declarar que A Grande Sín-
tese não é propriedade sua, mas que ele foi um instrumento in-
teligente e consciente nas mãos de forças que o sobrepujam.
Ora, se apreciamos e admiramos o conteúdo do livro, pela altu-
ra e nobreza dos conceitos de que trata, pela profundidade dos
raciocínios e a genialidade das soluções, além do que pela ele-
gância segura do estilo, e se o autor confessa e demonstra em
seu outro livro, As Noúres, que foi apenas uma antena que re-
cebeu correntes de pensamento, temos o dever de reconhecer
que esse livro apresenta uma mensagem que nos vem de fonte
misteriosa e invisível, como um ensinamento e um aviso.
Que nos diz essa nova mensagem? Não é possível dar o
resumo, nem mesmo esquemático dele, porque A Grande Sín-
tese é um livro que se lê, mas não se resume, nem mesmo se
critica. A matéria tratada é tão vasta e profunda, representa
tão imponente massa de pensamento e de fé, tão rico e gran-
dioso equacionamento e solução de problemas, que o trabalho
de quem faz a apreciação é deveras difícil. O que se pode e se
deve dizer é que A Grande Síntese nos liga intimamente à tra-
dição mil vezes milenária do ocultismo, entendido não como
um empirismo em que se retemperam tantos desocupados ma-
níacos de aparecer aureolados de mistério, mas como uma
concepção eminentemente aristocrática do saber e do poder
humanos, reservados a poucos seres de exceção, capazes de
penetrar além dos limites das realidades sensíveis e chegar ao
conhecimento integral das leis e ao domínio inteligente e be-
néfico das forças que regem a vida universal.
Isto justifica ainda mais o que antes disse, isto é, que A
Grande Síntese é uma revelação no sentido de que nos dá uma
parcial “desocultação” de certos conceitos e de certas leis que
eram, há tempo, o apanágio cioso das assim chamadas ciências
ocultas; e isto é um sinal manifesto de que, efetivamente, a vida
é una, como una é a verdade, que já é toda contida na sabedoria
antiga e vem aos poucos revelando todo o seu esplendor, pro-
porcionando-o à inteligência dos povos, cada vez mais aberta e
receptiva. Da teoria atômica à doutrina da preexistência das al-
mas e à pluralidade das existências terrenas; da teoria da evolu-
ção cíclica do universo à conciliação entre ciência e fé, entendi-
das como dois aspectos de uma mesma verdade, como duas for-
62 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
ças invencíveis da evolução, A Grande Síntese desenvolve uma
série de conceitos e de doutrinas que todos os ocultistas conhe-
cem muito melhor que Ubaldi, mas que jamais tinham sido “de-
socultadas” e apresentadas ao público em palavra simples e con-
vincente, na refinada genialidade de demonstração com que
Ubaldi as apresenta neste valiosíssimo livro. Mas poderão obje-
tar-me que tudo isso – que a organização da matéria seja con-
forme à disposição planetária de nosso sistema solar; que a evo-
lução humana se desenvolva segundo uma lei cíclica que com-
porta fases alternadas de involução e evolução cada vez mais
amplas, determinando a progressiva ascese dos indivíduos e as
fases de decadência e de ascensão dos povos; que todas as for-
mas da vida sejam irmãs da nossa, lutando como nós para as-
cender à mesma meta espiritual, que é o objetivo da vida huma-
na – já fora intuído pelos filósofos da idade clássica, desde Tales
de Mileto a Zenon de Elea, desde Leucipo de Abdera a Platão de
Egina, que antecipam de 2.500 anos, mais ou menos, as conquis-
tas da ciência moderna. Isto é verdade. Mas o valor de A Grande
Síntese reside justamente nisto, que ela endossa a hodierna psi-
cologia científica como a única expressão susceptível de fazer
compreender aos homens deste século a beleza inefável e a res-
plendente realidade dos mistérios que foram intuídos pelos filó-
sofos da época clássica, que a ciência oficial só agora começa a
revelar e que A Grande Síntese esclarece e desenvolve.
Falei de mistérios. Evidentemente, entrando nesta atmosfera,
A Grande Síntese não pode deixar de tocar num problema de
importância primordial e fundamental, que é o problema e até o
mistério por excelência: Deus. Em todo o desenvolvimento de A
Grande Síntese, Deus está sempre presente. E é a meta luminosa
para a qual conduz. Mais até, é ao mesmo tempo a vida e a meta.
Mas, aqui, Deus perde aquelas características antropomórficas
tão queridas às religiões tradicionais e, não sendo absolutamente
algo de externo, de distinto, de estranho à sua criação, torna-se a
grande alma que está no centro do universo, uma potência ínti-
ma a nós e a todas as coisas criadas, onde opera profundamente,
expandindo-se até dominar soberana e sem contraste.
Para Ubaldi, ou melhor, para “Sua Voz”, a alma do homem e
a alma das coisas estão em planos diversos de evolução, expres-
sões diversas de Deus, pois ambas tendem igualmente a Deus,
obedecendo a uma única lei, essa lei que é a ideia central do
universo, o sopro divino que o anima, o dirige, o move. Essa lei
– que é Deus – mesmo manifestando-se em mil aspectos dife-
rentes, permanece sempre uma lei de bondade e de justiça, que,
em nosso concebível, acha sua mais digna e genuína expressão
no Evangelho de Jesus Cristo, cuja substancial compreensão por
parte da humanidade significará a realização do Reino de Deus.
Assim colocado o problema humano, cósmico e divino, é
fácil imaginar as orientações e desenvolvimento que A Grande
Síntese dá ao problema artístico e ao ético, ao social e ao da au-
toridade a ele ligado, e ao problema econômico. Seria interes-
santíssimo examiná-los um a um, mas isto excederia os limites
de uma crítica. Limito-me a dizer – e é intuitivo pelo que até
agora escrevi – que todos os problemas que interessam à vida
associativa, desde o altíssimo e nobre da arte ao mais humano e
atormentado como o econômico, desenrolam-se e se resolvem
num desenvolvimento harmônico com o problema espiritual, à
sombra de uma lei benéfica, única em sua essência e multíplice
em suas manifestações, não estranhos, mas intimamente ligados
a toda a complexa vida fenomênica; daí transparece evidente
que toda atividade, desde a do homem à dos astros, através de
mudanças alternadas de derrotas e vitórias, de quedas e ascen-
sões, de involuções e evoluções, converge para o mesmo alvo:
unificação com o primeiro princípio, o Eterno. Falou-se de pro-
fetismo. E por que não? Se não estivermos cristalizados na
ideia de que, também no século XX, um profeta tenha de ser
necessariamente um homem que se veste com pelos de cabra e
se nutre de mel silvestre e gafanhotos, como o Precursor, nada
impede de considerar Ubaldi como um profeta deste nosso
atormentadíssimo século, se por profeta entendemos aquele
que, em tempo de crise moral e espiritual, fazendo-se eco do
pensamento do Eterno, leva aos homens nova mensagem, reve-
la aos corações ansiosos um novo mistério do ser.
O que dá eficácia e valor a um livro é sempre a nobreza de
seu ensinamento e a altura dos objetivos que se propõe atingir.
Pessoalmente julgo A Grande Síntese como um livro que deve
ser lido e meditado com pureza de coração e de inteligência.
Sem dúvida, muitas coisas são por ele demolidas, mas são de-
molições impostas pela necessária e urgente cura de nossa
consciência moral e espiritual. São demolições que alargam o
horizonte de nossa concepção e permitem que nossa alma se-
denta se inebrie de uma luz mais pura e mais vivida.
(a) G. V.
MISTICISMO MODERNO
Do opúsculo Comentários da Imprensa às Obras de Pietro
Ubaldi, da Sociedade Tipográfica Oderiso – Gúbio, 1940.
Pode parecer anacronismo piegas falar de misticismo em
pleno século vinte e, mais particularmente, nesta nossa pertur-
bada e atormentada época, tão ávida de gozos fáceis, tão clara-
mente orientada para um materialismo utilitário e, mais ainda,
tão saturada de ódios e egoísmos. No entanto nada é mais natu-
ral, nada é mais perfeitamente coerente e harmônico. Os perío-
dos de decadência espiritual, de crise social, de crasso materia-
lismo, são os que melhor preparam o aparecimento de aspira-
ções místicas, criando aquelas poderosas ondas de renascimen-
to espiritual, que devem depois salvar da inevitável ruína das
civilizações apodrecidas os mais altos valores que elas produzi-
ram. Nenhuma surpresa, pois, que a Casa Editora Hoepli publi-
que a Ascese Mística de Pietro Ubaldi, a quem devemos o livro
mais orgânico, mais completo e substancioso de nossos tempos:
A Grande Síntese.
Já Ubaldi nos dera As Noúres, explicação da técnica intuitiva
e inspirativa que originara e produzira A Grande Síntese. Em
Ascese Mística, Ubaldi estuda a evolução progressiva do fenô-
meno inspirativo até à fase mística, que ele viveu plenamente. O
livro está dividido em duas partes distintas: uma de caráter teó-
rico, em que o autor analisa a si mesmo em função da grande
corrente evolutiva em que se sente enquadrado, esquematizando
com muita clareza o fenômeno místico no mundo conceitual
moderno e expondo, com apoio de uma representação diagramá-
tica das várias fases da ascensão espiritual, o seu aspecto técni-
co-científico e a técnica profissional. Na segunda parte, median-
te um trabalho de introspecção, o autor descreve sua experiência
pessoal, ou seja, aquele processo que o levou do íntimo e lanci-
nante tormento da carne à mais alta felicidade espiritual.
É preciso dizer que Ubaldi, mesmo enquadrando-se na lon-
ga teoria dos místicos cristãos, que a Igreja oficial elevou às
honras do altar, se destaca nitidamente daquele misticismo está-
tico, passivo, deprimente, dissolvente, com cilícios, em suma
negativo, que caracteriza os místicos medievais. Espírito pro-
fundamente latino e homem de seu século, Ubaldi foge de tudo
o que é negativo, porque percebe com sensibilidade finamente
cristã que o “isolamento do mundo e de seus semelhantes é
sempre um pouco de isolamento de Deus”. Segue-se daí que
seu misticismo não é uma estéril concentração mental, que rou-
ba à sociedade uma alma e uma atividade, mas uma fecundação
operada pelo Divino no homem, para que se expanda o que é
humano e se multiplique por sua ascensão. Trata-se, pois, de
um misticismo ativo, vibrante, dinâmico, tal como convém a
um homem do século vinte, que age, portanto, não como uma
agressão à vida, mas como um auxílio à mesma.
À primeira vista, parece que deva haver nítida e radical in-
compatibilidade entre misticismo e dinamismo. É que não sa-
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 63
bemos imaginar hoje, após séculos de deformado e absurdo en-
sinamento católico, um misticismo que não ache seu alimento
na solidão e no mais mortificante automartírio, tanto estamos
nós longe e esquecidos do ensino de Cristo, que jamais disse a
seus discípulos: “abandonai o mundo, e vossos irmãos, e sede
eremitas em tétrica furna por amor ao meu nome”. Não! Disse
exatamente o contrário. A seus discípulos deu um grande man-
damento: “ide e pregai”. Portanto o verdadeiro discípulo de
Cristo, aquele que tem intenção de segui-Lo em sua senda e re-
alizar totalmente a ordem soberana de amar o próximo como a
si mesmo, deve viver no mundo. Mas, vivendo no mundo, não
precisa ser do mundo. Esta é a clara e severa ordem que o divi-
no mestre galileu deixou a seus sequazes e nisto reside o segre-
do da verdadeira vida mística. Portanto traem clara e conscien-
temente esta ordem aqueles que, na intenção de seguir o ensi-
namento crístico, abandonam o mundo e se isolam de toda ati-
vidade humana. Longe de seus próprios semelhantes, como po-
dem amá-los? O amor não é simpatia estéril, mas ação inces-
sante. Eram místicos, e verdadeiros místicos cristãos, ou seja,
ativos, vibrantes e dinâmicos, cada um em seu próprio caminho
e sua missão a cumprir, Francisco de Assis e Joana D‟Arc.
Sem dúvida, lendo este livro, pode-se medir o caminho per-
corrido por Ubaldi desde as primeiras Mensagens Espirituais e
da própria A Grande Síntese. Com a Ascese Mística, Ubaldi se
transfere para uma zona de espiritualidade ardente, que escapa,
até como fenômeno, a demonstrações científicas e a especula-
ções conceituais. Para poder entendê-lo e compreendê-lo com-
pletamente, seria preciso estar sintonizado com suas mesmas vi-
brações, ter chegado a seu plano de evolução. Quando, ao seguir
Ubaldi em sua subida espiritual, passando de esplendor em es-
plendor, de fervor em fervor, chegamos com ele ao círculo abra-
sado do amor e avistamos o medonho desmoronamento de tudo
o que é humano na unificação da alma com Deus, que o torna
uno com o Todo, onipresente no espaço e coexistente no tempo,
que funde sua vida na vida de todas as criaturas, nos pobres ho-
mens “naturais”, ansiosos mas incapazes de atingir esferas tão
adoráveis, só podemos admirar em silêncio reverente ou sorrir
de compaixão. Porque, de acordo com o nosso modo de sentir,
temos que definir Ubaldi como um santo ou como um louco.
Ora, dada a imperante mentalidade positivista e racionalista,
compreendo perfeitamente como é dificílimo a muitos homens
de nosso tempo – mesmo se acreditando sinceramente – admitir
que um seu semelhante, que toma parte em sua vida mesma
turbilhonante e atormentada, que tem uma família para manter
e uma profissão para exercitar, possa ter sido verdadeiramente
“arrastado na esteira luminosa de Cristo”, possa “ter visto o ros-
to divino do Mestre” e ter ouvido, como já Moisés no Horebe, a
voz doce e terrível do Eterno. Na melhor das hipóteses, dá-se-
lhe uma piedosa comiseração. Pessoalmente, mesmo se não es-
tivera intimamente convencido de que um homem como nós, de
nosso tempo, pode perfeitamente chegar à plena unificação com
o Eterno, devo confessar lealmente que não me sinto com o di-
reito de dizer a um meu semelhante, que com simplicidade e
sinceridade me dissesse “eu vi” ou “eu ouvi”: não é verdade! E
só porque eu não estou em grau de ver e de ouvir o que ele
afirma ter visto e ouvido. Nem se pode duvidar de sua sinceri-
dade e perfeita boa fé. Senão era preciso admitir-se que este
homem mentiu durante dez anos seguidos, e continua mentindo
com muita perseverança, com inteligência retilínea e com muita
sabedoria, produzindo obras que sua cultura empírica não con-
seguiria justificar sozinha, mas todas trazendo a marca inequí-
voca de uma espiritualidade viva e profunda.
E qual é dos leitores de Mensagens Espirituais, de A Gran-
de Síntese, de As Noúres e de Ascese Mística, que sente poder
afirmá-lo? Então, vem espontânea a pergunta: é possível que
um ser humano possa atingir alturas espirituais tão inefáveis, ou
talvez tenhamos de considerar esses místicos como fatos pato-
lógicos, iludidos ao pensar que alcançaram certos níveis espiri-
tuais, que são apenas produto de sua emotividade? Para mim, a
resposta é clara e nítida: sim, é possível. Nossa incredulidade é
função de nossa ignorância das leis que governam a vida, nas
quais um ensinamento filosófico religioso, falseado desde as ra-
ízes, não nos permite penetrar. Se todos os homens nascem em
condições de perfeita igualdade moral, intelectual e espiritual,
como explicar que em idênticas condições de tempo, de lugar e
de ambiente, desenvolvam-se de modo tão desigual, produzindo
o culto e o ignorante, o forte e o fraco, o ladrão e o filantropo, o
violento e o santo? Isto deve levar-nos à reflexão. E como po-
dem os que creem num Ente Supremo, que é justiça, harmonia,
amor, admitir que a justiça, a harmonia e o amor possam gerar
ódio, desarmonia, injustiça? Aqui está o ponto. Se a árvore boa
dá bom fruto, e não pode dar mau fruto, quer dizer que nossos
conhecimentos na matéria estão errados. E o estão mesmo. A
antiga sabedoria, à qual viramos as costas com muita desenvol-
tura, afirma a preexistência das almas e a pluralidade das exis-
tências, esclarecendo luminosamente o mistério da vida huma-
na e seu desenvolvimento natural.
Diz-se que nosso mundo é grande e severa escola para os
homens. E é verdade. E tal como em nossa organização escolar,
também na escola da vida há vários graus de instrução e, em ca-
da grau, diversas séries, que vão desde o jardim de infância, dos
povos primitivos e selvagens, até às faculdades universitárias,
dos povos de alta civilização. Cada regresso nosso, regulado pe-
la Lei, traz-nos à Terra, com a nossa bagagem de experiências
adquiridas anteriormente, que nos permite ingressar numa classe
superior àquela em que antes exercitamos nossa capacidade, ten-
tando conseguir adiantamento e promoção. E será assim até
chegarmos a um alto grau de civilização, não só – evidentemen-
te – industrial, mecânica e intelectual, mas também, e mais par-
ticularmente, moral e espiritual. Assim compreendido, o fenô-
meno Ubaldi não nos parecerá nem impossível, nem digno de
uma clínica neurológica. Muito provavelmente, Ubaldi tem lon-
go passado de profundas experiências religiosas; por isso, reto-
mando em nosso plano, com uma consciência mais ampla e com
forças mais substanciais, o seu caminho, ele se destacou da mas-
sa, não pelo fato de receber divinas graças extraordinárias, mas
por íntima capacidade evolutiva, a fim de servir a nós, à massa,
de exemplo, de incitamento e de aviso. Assim explico o fenô-
meno Ubaldi e não creio possa ser diversamente explicado.
Tendo dado minha plena adesão a Pietro Ubaldi e testemu-
nhando-lhe mais uma vez minha simpatia fraterna, tenho de le-
almente fazer algumas observações a respeito deste último li-
vro. Cada homem tem os defeitos de suas virtudes. Ubaldi, que
evidentemente não vive e, logicamente, não pode viver em es-
tado de perene inspiração, cometeu alguns erros de caráter es-
pecificamente humano, que, embora não atinjam a substância
do livro, serão fielmente anotados.
Para narrar a sublimidade de suas visões, Ubaldi julgou
não houvesse na linguagem e na mente humana palavra bas-
tante bela e imagem suficientemente luminosa e escreveu com
uma harmonia pictórica, de exuberante riqueza, a qual, a meu
ver, prejudica um pouco a narração de sua experiência, que
talvez lucraria mais se houvera sido exposta em estilo mais
simples, mais grave portanto. De outro lado, obrigado forço-
samente a falar de si mesmo em quase trezentas páginas do
volume, Ubaldi dá a impressão não só de querer impor sua
doutrina como único e geral meio de ascese, mas também as-
sume – no fervor de sua exaltação – o ar de novo messias, de
novo salvador da humanidade. Sei bem que não é este o pen-
samento de Ubaldi, cuja natural modéstia e simplicidade são
garantia da pureza de suas intenções. Aliás, ele mesmo, ao ve-
rificar esse perigo, procura humilhar-se profundamente a cada
passo. Mas quem lê tem infelizmente essa impressão, e isso
tem o efeito de nuvens num céu sereno.
64 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
Mas há algo de mais substancial, em que não concordo ab-
solutamente com Ubaldi, e é a oportunidade e conveniência
discutidíssima de revelar ao mundo o terrível segredo. Que ele
tenha feito um voto solene e supremo na tumba de Francisco de
Assis; que tenha oferecido sua vida ao Eterno, pela salvação da
humanidade, é coisa tão sagrada, que ele não pode mais dispor
dela. Toda oferta feita ao Eterno, ao Eterno pertence, não mais
aos homens. Também aqui, Ubaldi deve ter-se equivocado
quanto aos seus contemporâneos, pensando que eles podiam
compreendê-lo e receber seu dilacerante grito de alma! Se ano-
to estas faltas, não é, evidentemente, para pôr a cruz sobre os
ombros de Ubaldi. Ele pressentiu para si um destino trágico, e
lendo-se certas páginas comovidas de Ascese Mística, tem-se a
exata impressão de que para isso ele se preparou com firmeza
de coração. Talvez seja mesmo chamado a dar um grande tes-
temunho, não de palavras apenas, mas de ação. É indispensável,
por isso, sustentá-lo com o nosso respeito e a nossa simpatia.
Tudo o que até agora ele escreveu para o nosso aprendizado
e nossa elevação é supremamente belo, mas permanece no
campo teórico.
Faço votos de que bem rapidamente possa documentar aos
incrédulos, mas não apenas aos incrédulos, com obras de vida, a
genuína pureza de sua espiritualidade e a altura de sua missão.
(a) G. V.
◘ ◘ ◘
Publicamos, com prazer, o artigo junto, mas fazemos algu-
mas reservas quanto às conclusões a que chegou seu autor. Pare-
ce-nos, de fato, que a esplêndida e real contribuição que Pietro
Ubaldi dá ao mundo com suas obras não pode ser considerada
apenas testemunho de palavras, e não de ação, e que, portanto, a
elas devem seguir-se “obras de vida”, como documentação. A
nosso ver, parece que foi esquecido ou ficou ignorado o enorme
esforço interior, moral e espiritual, vivido por Ubaldi, do qual as
próprias obras são justamente a manifestação e expressão exte-
rior; parece-nos que isso é não sentir o poderoso hálito da vida
que promana de suas próprias obras, como magnetismo sutil,
provocando exatamente a ressonância nas almas alheias! Que
sejam ainda poucos, e muito poucos, infelizmente, os que po-
dem vibrar em uníssono com a poderosa vibração que permeia e
exala das páginas de A Grande Síntese e de Ascese Mística, isso
é dolorosamente compreensível; se assim não fora, não se acha-
ria o mundo no estado em que se encontra; mas não considerar
essas obras como reais “obras da vida”, por parte daqueles que
sentem e lhes apreciam o poderoso influxo espiritual, parece-nos
diminuir e desconhecer a importância e o valor da real contri-
buição trazida por Ubaldi. Não podem escrever-se páginas da-
quelas, descrever semelhantes experiências interiores, se elas re-
almente não foram vividas – e ainda mais, se a vida comum co-
tidiana não estiver em perfeita harmonia com o espírito, no qual
se realiza semelhantes experiências – e é justamente esse ele-
mento de vida vivida o espírito real e profundo que permeia as
obras de Ubaldi e, por isso, tem o poder de agir em profundida-
de sobre as consciências alheias. E tal “ação”, no mais alto plano
do pensamento e do espírito, não será talvez coisa essencial aos
fins da evolução espiritual humana, digna, portanto, de ser con-
siderada como verdadeira “obra de vida”?
A Redação
HISTÓRIA DE UM HOMEM
Da revista Risanamento Médico – Roma, no
2, novembro,
1942.
O livro de Pietro Ubaldi que traz o título acima não é ro-
mance, é mais do que romance ou drama vivido. Não é biogra-
fia, a não ser que seja considerada inversamente, ou seja, como
negativo diante do positivo fotográfico. É uma paixão, uma sé-
rie de ascese intercaladas com breves paradas; um processo
místico feito por um homem a si mesmo, terminando com uma
ascensão espiritual que faz pensar em Francisco de Assis.
Um homem que nasce rico, que poderia gozar dos bens da
Terra, mas que vê deles o aspecto repugnante, os pútridos fru-
tos, a força corruptora, a ofensa à Divindade, e deixa que lhe
carreguem tudo e arrasa a própria riqueza, de modo a achar-se
um dia pobre, sabendo-o e querendo-o, e isso após haver bene-
ficiado a muitos, material e espiritualmente; este é o esqueleto
da História de um Homem.
Numa época materialista como a nossa do século XX, tal
modo de agir seria depressa definido – ou melhor, diagnostica-
do – como doença mental. Mas, quando o homem que consci-
entemente se abandonou a essa “doença” consegue, com os
próprios esforços, superar as dificuldades da vida mediante um
trabalho assíduo, sabendo que a ele apenas, e só a ele, deve o
conforto da família e o próprio; quando um homem encontra
nesse resultado o objetivo ansiado, que o aproxima cada vez
mais de um tipo de perfeição espiritual que a maioria evita se-
quer procurar, então pode-se dizer que esse homem não está
doente. E não podemos ter compaixão dele – como a temos dos
doentes – porque nesse sacrifício, que para ele foi alegria, é que
encontrou o próprio ideal, a justificação da própria vida.
Poder-se-ia pensar, ao lê-lo com espírito cético, que os esta-
dos concretos materiais e sociais, as situações de pessoas e as
visões de ambiente descritos no livro, fazem compreender um
modo todo particular de encarar a vida. E é assim mesmo. Mas
não é o modo de encarar a vida e de agir de uma pessoa que é
vítima de certo estado de alma; ao contrário, é o de uma pessoa
que domina e dirige esse estado de alma.
Poder-se-á objetar também que as mesmas coisas aparecem
diferentemente a pessoas diferentes. Não resta dúvida. Mas é
mister investigar qual seja o certo ou, em todo caso, qual seja o
melhor modo de ver. Justamente pelo fato de que somos todos
diferentes e cada um julga e obra de modo próprio, o julgamen-
to de uma parte das pessoas sobre esse estado de alma particu-
lar vale só para elas, não para as que sentem à maneira do escri-
tor. A subjetividade domina toda nossa vida psíquica, mas nisto
Ubaldi teria uma superioridade, porque ele domina o próprio
eu, e não é dominado pela materialidade; esta pode ser instru-
mento necessário de medida para quem viva materialmente,
mas não para quem viva espiritualmente. O modo de escolher a
própria estrada, de bem colocar o próprio tesouro, segundo a
parábola de Jesus, é diferente para cada um de nós, e ninguém
pode fazer sobre os outros julgamentos que não sejam subjeti-
vos e, portanto, parciais e viciados.
Sem dúvida, a figura de homem que Ubaldi representa co-
mo ele mesmo, é uma figura de alta exceção; seu plano moral é
absolutamente superior; sua expressão é elevadíssima. Neste li-
vro, escrito de forma impecável e com uma força de sentimento
de comover, achamos, para nosso tempo, uma figura mais do
que proeminente; alguma coisa que tem sabor de legendário pa-
ra a maioria dos contemporâneos e que, portanto, escapa à
apreciação com os meios de que dispõe nossa época.
Mas o que é preciso dizer ao leitor, para que não pense ser
esta obra uma das habituais biografias, mais ou menos trans-
cendentais, é que, nela, a análise de si mesmo, de sua alma, é
continuamente feita e refeita, cem vezes, com palavras e pontos
de vista diferentes; é o exame de um ser sob os mais variados
pontos de vista e com todas as variantes do espírito, onde elas
são mais numerosas de quantas possam encontrar-se na mais
complicada e abstrusa fórmula matemática. Livro de apostolado
de uma ideia e de um ideal; livro de combate ao revés, em rela-
ção à corrente mundana; livro de profunda psicologia analítica
introspectiva, em que se vê a alma retorcer-se, atormentar-se
como uma serpente no fogo que a consuma, mas onde a vemos
também libertar-se do fogo, elevar-se, aperfeiçoar-se aos pou-
cos, para um tipo de sublimidade que só achamos na história
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 65
dos mártires do passado. Junto a isso, uma profunda filosofia,
que não esquece as distâncias entre religião e humanidade e
mostra as proporções entre elas, bem como entre a divindade e
o homem. Um martírio procurado, que se torna apoteose.
A Redação
Da revista La Veritá, Roma, 31 de outubro 1942, no 10.
Pietro Ubaldi – História de Um Homem, Editor Bocca – Mi-
lão, 1942.
Com História de um Homem, Pietro Ubaldi escreveu seu
melhor livro. Também porque, falando de si mesmo e das mais
dolorosas provas de sua vida espiritual, soube achar acentos de
tão profunda paixão, que conseguiu dar-nos muitas páginas em
que o pensamento e o artista se completam, num equilíbrio
quase perfeito.
Parece-nos, também, que as vicissitudes de que este livro é
o reflexo tenham contribuído para esclarecer e pôr no ponto
exato o pensamento do autor, que, nos livros anteriores, podia
parecer aqui e ali um pouco incerto e confuso.
Ao narrar, porém, os desenvolvimentos psicológicos e filo-
sóficos que o conduziram à visão das coisas e da vida, apresen-
tada nestas suas recentes e entusiásticas páginas, Ubaldi dá de-
masiada importância à passividade passional de episódios exte-
riores, que, para um pensador e filósofo, ao contrário, não deve-
riam ter nenhuma.
Por exemplo, a condenação ao Índex de duas obras suas
precedentes não deveria perturbá-lo, nem produzir-lhe aquele
choque nervoso que o faz escrever páginas belíssimas do lado
artístico, mas deploráveis para um homem de pensamento todo
dedicado a resolver as razões últimas da vida e da realidade.
Sem falar que já não estamos mais no tempo de Giordano
Bruno, especialmente depois do episódio de Galileu, a condena-
ção ao Índex, mesmo para um crente, não pode ter valor defini-
tivo, tratando-se de um órgão falível da Igreja, e que já várias
vezes reconheceu seus erros e voltou atrás em suas decisões.
Dado que Ubaldi esclareceu tão notavelmente seu pensa-
mento, esperamos dele agora uma obra filosófica serena e defi-
nitiva, que o leve às conclusões das fecundas premissas anunci-
adas até aqui.
A Redação
TERCEIRA PARTE – A CONDENAÇÃO
CONDENAÇÃO DO SANTO OFÍCIO
(Decreto da Suprema Congregação
Sagrada do Santo Ofício)
Do Osservatore Romano – Roma, 15 de novembro de 1939,
no 268, segunda edição.
São condenados dois livros escritos por PIETRO UBALDI.
Quarta-feira, dia 8 de novembro de 1939.
Na reunião geral da Suprema Congregação Sagrada do Santo
Ofício, os Eminentíssimos e Reverendíssimos Senhores Carde-
ais encarregados de zelar pelas coisas da fé e dos costumes, ten-
do ouvido o voto dos Reverendos Senhores Consultores, conde-
naram e mandaram inserir no INDEX dos livros proibidos dois
livros escritos por PIETRO UBALDI, cujos títulos são:
Ascese Mística e A Grande Síntese
E, no dia seguinte, quinta-feira, 9 do mesmo mês e ano, o
Santíssimo Senhor Nosso Pio XII, Papa pela Divina Providência,
na habitual audiência concedida ao Excelentíssimo Senhor As-
sessor do Santo Ofício, aprovou, confirmou e mandou publicar a
resolução dos Eminentíssimos Padres, apresentada a Si mesmo.
Dado em Roma, no Palácio do Santo Ofício, no dia 10 de
novembro de 1939.
Romulo Pantanetti
Chanceler da Suprema Congregação Sagrada do Santo Ofício
UBALDI CONDENADO PELA IGREJA
Da revista Light – Londres, 22 de fevereiro de 1940.
Caiu sob a excomunhão da Igreja aquele sensível e altamen-te espiritualizado escritor, Pietro Ubaldi, e suas duas últimas
obras, A Grande Síntese e Ascese Mística, foram condenadas. A
última foi publicada há alguns meses apenas, mas a primeira teve sua segunda edição antes que fossem descobertas suas qua-
lidades perigosas (?).
Realmente, quando pensamos na sinceridade de Ubaldi e em
seu profundo sentimento religioso, em sua vida de renúncia e em sua simplicidade franciscana, admiramo-nos da mesquinhez de
pensamento dos que nos dias de hoje podem censurá-lo.
Entretanto os que cometem o atentado de querer silenciar os pioneiros do ensino espiritual, colhem geralmente o efeito
oposto ao que desejavam e, neste caso, eles liderarão um au-mento de interesse em torno de Ubaldi e de suas obras.
O seguinte trecho pitoresco apareceu num artigo, que é evi-
dentemente da autoria de um eclesiástico, na Gazzetta di Folig-no: “Desde que, nos assuntos religiosos, o pensador não é – se-
gundo a metáfora comum de Ubaldi – uma „estação transmisso-ra‟, mas apenas uma „estação receptora‟, segue-se que o sistema
destrói a base dogmática da religião católica, que tem a origem
da sua revelação em Deus, e não na hipotética criação do inte-lecto humano. O autor expressa a esperança de que „o escritor‟
se submeterá com docilidade à sentença, reconhecendo e deplo-rando os erros de sua mente poderosa que, sem intenção de pe-
cado, foi envolvida nas nebulosas abstrações do Kantismo, da mediunidade e da ultrafania”.
Tudo isto, em flagrante contraste com um artigo publicado
num jornal do governo italiano, Gerarchia, que entusiastica-mente aponta Ubaldi como o verdadeiro sucessor dos místicos
medievais, dizendo que ele reviveu a tradição da Úmbria depois de um silêncio de cinco séculos.
A Redação
A GRANDE SÍNTESE NO ÍNDEX
Da revista Reformador – Rio de Janeiro, novembro de 1939.
Em telegrama de 14 do corrente, da “Cidade do Vaticano”,
noticiaram os jornais cariocas que a Suprema Congregação do Santo Ofício (o ofício é mesmo santo) resolveu pôr no “Ín-
dex” ou inserir na lista dos livros proibidos as duas obras: A Grande Síntese e Ascese Mística, de Pietro Ubaldi, que tratam
de questões teológicas. Será mesmo disso, na acepção católica dos termos, que tratam as duas obras citadas? Afirmando-o co-
mo o fez, segundo a notícia acima, somos levados a crer que a
Suprema Congregação as condenou “por palpite” ou, o que é mais provável, porque leu e não entendeu.
Não nos interessam, porém, os motivos da condenação, nem temos tempo agora para apreciá-los. Registrando o fato, sem
comentários, que ficarão para depois, queremos apenas prevenir
do perigo a que se acham expostos, se lançarem inadvertida-mente os olhos sobre as mencionadas obras, aqueles de nossos
irmãos cujos espíritos, com a Igreja em pleno século vinte, con-servam-se dentro da Idade Média, e congratularmo-nos com os
que já se evadiram da prisão espiritual de tão remota época, pe-la consagração real que do seu valor altíssimo e da sua sabedo-
ria profunda obteve A Grande Síntese, cuja segunda edição na
Itália já se acha quase esgotada, pouco faltando para que se es-gote a sua primeira edição brasileira.
Quanto à outra obra condenada pela Suprema Congrega-ção, no seu santíssimo ofício de condenar, a Ascese Mística,
embora de muito menor porte do que aquela, é também um
trabalho digno da “consagração” que acaba de obter, como os nossos leitores não tardarão a verificar, pois que em breve en-
cetaremos a sua publicação em nossas colunas.
A Redação
66 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
A CONDENAÇÃO DE A GRANDE SÍNTESE
Da revista Constancia – Buenos Aires, 1o de março de
1940.
A notícia da inclusão no “Índex” das duas obras de Pietro
Ubaldi, A Grande Síntese e Ascese Mística, embora pressentida,
não deixou de ocasionar certa perplexidade e desagrado nos
meios espíritas desta parte da América.
Desagrado não tanto pelo fato violento em si, mas porque
feriu sentimentos muito nobres e dignos de serem tidos em con-
ta, coisa que a Cúria – devido a sua rigidez – não soube consi-
derar, apesar de seus constantes protestos de amor e compaixão.
Perdeu a Igreja uma bela ocasião de atrair simpatias, uma
circunstância propícia para procurar fazer olvidar muitos res-
saibos, unindo todas as forças espirituais dispersas, e, em vez
de unir, tornou a aumentar as distâncias.
Compreenderemos que não podia proceder de outro modo –
dado seu absolutismo – pois, apesar de algumas boas intenções
e grandes desejos de entender-se com uma parte do mundo que
hoje lhe é contrária, está presa a seu passado, que pesa e obriga.
Ela o sabe e também o teme.
Sabe também que, ao condenar essas obras, que foram li-
das com ânsias de febricitantes sedentos de verdade, ela se
condena a si mesma, pois basta que a condenação se espalhe
pelo mundo, para que o mundo, aguilhoado por impulso de
curiosidade, se lance à leitura dos dois livros; mesmo muitís-
simos de seus adeptos (não tenha dúvidas o Santo Ofício) –
apesar do extremo rigor que será usado – hão de ler suas pá-
ginas furtivas e secretamente, tão grande é o anseio de sair do
caos de misérias e vilezas em que hoje se debatem as almas.
E, não obstante as tenazes resistências ou rebeldias, algo des-
sa leitura ressoará no âmago das consciências. Esse pouco se-
rá suficiente para fazer tremer profundamente a estreita urdi-
dura de dogmatismo tecida em seu redor. Essas consciências
já não serão tão servis nem tão presas.
Lamentamos sinceramente a medida extrema. Lamentamo-
la porque, silenciosamente e com a timidez das almas simples
que esperam e anseiam – anseiam sempre o bem – confiáva-
mos numa digna e realmente religiosa reconsideração de um
passado prenhe de responsabilidades. Novamente esvaiu-se
toda a esperança.
Muitos diários e revistas italianas e do mundo inteiro fi-
zeram ouvir suas vozes e seus clamores, coincidindo todos
na afirmação de que se procedeu com critério muito pouco
cristão.
A Redação
AS OBRAS DE PIETRO UBALDI NO INDEX
Da Revista La Verità Roma, dezembro de 1939, no 12.
O Santo Ofício condenou as obras A Grande Síntese e Asce-
se Mística, de Pietro Ubaldi, nosso apreciado colaborador.
A condenação surpreendeu profundamente, de modo parti-
cular, a quem, como nós, conhece, além das obras, o próprio
autor.
Porque Pietro Ubaldi – é útil que também os leitores o sai-
bam – é um cristão convicto e ardente seguidor de São Francis-
co de Assis.
O “fenômeno Ubaldi” merece toda a atenção dos homens de
estudo e de pensamento. Um fato positivo, irrefutável, que nos
deixa verdadeiramente pensativos, é que as obras de Ubaldi não
são frutos de sua capacidade doutrinal. E então?
No século do rádio e da televisão, quando os problemas
do espírito tornam a interessar um grupo cada vez maior de
adeptos, não basta uma condenação à revelia para confutar e
persuadir.
A Redação
REFLEXÕES
Lançando um olhar, ainda que sumário, às grandes escolas
filosóficas, afastando as de conteúdo expressamente anticatóli-
co, que poderíamos relegar para as expressões de pensamento
polêmico ou sectário, perguntamo-nos se a substância e a forma
da filosofia escolástica fazem parte integral do dogma, ou se
são possíveis orientações de pensamentos diferentes, sem afas-
tar-se das verdades fundamentais da Igreja Católica.
Ninguém nega a São Tomás a sólida base da concepção fi-
losófica, nem a nega a todos os neo-escolásticos, que, nas pe-
gadas do grande Aquino, formaram na disciplina do pensamen-
to várias gerações da Idade Média, da era moderna e da filoso-
fia escolástica contemporânea. Mas, que podemos dizer?!
São Tomás terá sido mais do que um gênio, digamos mes-
mo mais que um grande gênio, mas sempre com as limitações
do gênio humano. Aqui não se trata de “revelação”, que exorbi-
ta das capacidades individuais ou coletivas do poder humano.
Trata-se de uma corrente de pensamento, a qual, ainda que
coincidindo com a revelação, não é revelação. É corrente de
pensamento, assim como o foram as de Aristóteles, de Sócrates,
de Platão, de Santo Agostinho, de Scott, de Bacon, de Galileu,
de Hobbes, de Locke, de Descartes, de Leibnitz, de Hume, de
Rousseau, de Kant, de Hegel, de Spencer, de Lotze, de Benede-
tto Croce, de Gentile, para não falar senão dos maiores.
Ora, que a Igreja se defenda contra aquelas correntes de pen-
samento, que põem em sério perigo a organicidade de seu con-
teúdo doutrinal, isso é tanto mais natural e legítimo quanto deve
ser. Mas com isto não se quererá dogmatizar a filosofia escolás-
tica e especialmente o sentido fixado de suas fórmulas. Assim
teríamos de supor que a Revelação não terminou com São João
Evangelista, mas se tenha prolongado até são Tomás de Aquino.
E sabemos que a Igreja considera isto heresia. E então?
Se Kant, que não julgamos nem polemista nem sectário,
mas puramente filósofo, afastou-se da orientação escolástica e
abriu caminho ao criticismo, fazendo florescer, no vasto campo
do pensamento humano, tantas e tão diversas tentativas para
atingir a verdade, não o reputamos, por isso, réu de abuso raci-
onal, mas simplesmente um ousado inovador, e não vamos por
isso colocar-lhe a cruz às costas. E a propósito de cruz (“croce”
em italiano), se Benedetto Croce pôde tumultuar o mundo com
sua concepção neo-hegeliana, em evidente contradição com o
pensamento tomista, nem por isso pode ser colocado entre os
hereges, desde que não teve intenção de pronunciar-se contra o
patrimônio teológico-dogmático da Igreja, mas simplesmente
sim de responder a uma preocupação de sua razão em busca da
verdade. Passando deste a Giovanni Gentile, que se diz ter des-
truído toda verdade objetiva, tão teimosamente mantida pela
escolástica mediante o caminho dos sentidos, nem ele também
deve ser colocado entre os hereges, porque jamais se pronunci-
ou contra as fórmulas dogmáticas da Igreja Católica.
A filosofia não pode levar em conta, como tal, limitações e
inibições da teologia, que tem sua base sólida na fé. Mas tanto
Kant como Croce e Gentile, assim como qualquer outro cultor
das disciplinas filosóficas, são expressões claras de sistemas
tendencialmente transitórios, nem mais nem menos de quanto o
foi o filósofo Aquino.
Por que querer ligar o fenômeno “revelação” ao fenômeno
razão, a ponto de dogmatizar uma expressão de caráter pura-
mente humano, que a experiência e a evolução científica podem
sobrepujar? E, então, os séculos que passaram depois de São
Tomás, com seus grandes pensadores, nada puderam trazer de
verdadeiro e de bom? Custamos a acreditar nisso. Proclama-
mos, ao invés, a contínua ascensão do pensamento humano,
mesmo permanecendo fixado o termo da “revelação”, pelo
simples fato de que esta se limitou a determinado ciclo históri-
co, ao passo que o progresso do pensamento humano continua
com a história e forma ele próprio, em grande parte, a história.
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 67
Após estas considerações de caráter geral, vamos ao caso
particular de Ubaldi, deste forte e genial expositor do pensa-mento, que absolutamente não pensou em criar novo sistema fi-
losófico e, muito menos, valorizar outros sistemas precedentes, mas simplesmente fazer vibrar seu pensamento irradiado de
planos superiores conceituais; estes, sem ligar aos estreitos li-
mites de velhos e modernos sistemas, derrama-se ousadamente num mundo quase novo, sintetizando harmonicamente os cam-
pos explorados do passado e adivinhando o futuro.
Ubaldi não pretendeu nem demolir princípios nem criar pre-
cisos e determinados campos racionais. Colocado diante da própria consciência, arcanamente reveladora, evitando o fracio-
namento de uma batida análise experimental, acumulando tudo
quanto a ciência, de um lado, e a introspecção mental, do outro, lhe puderam fornecer, penetrou os mais graves e delicados pro-
blemas cosmológicos, históricos, psicológicos e éticos, buscan-do uma fórmula sintética de tudo o que pode interessar a função
conceitual do intelecto humano.
A suprema tentativa de Ubaldi não pôde subtrair-se ao fe-
nômeno religioso, especialmente ao evangélico, que ele viu,
tratou e, como as outras compreensões intuitivas, enquadrou no seu vasto e complexo sistema “em síntese”.
Para Ubaldi, a integridade do homem não pode cindir-se numa oposição de individualidades separadas em relação aos
diversos fenômenos humanos; ao contrário, ele a coloca inteira
e compacta diante de todo o mundo fenomênico, tirando daí ati-tudes novas e sinteticamente harmônicas com a verdade e com
o bem que o homem deve conquistar através das ilusões e desi-lusões, quer da parte do intelecto, quer da vontade. Em A
Grande Síntese, Ubaldi não poupou uma atitude laboriosa e ci-entificamente objetiva, para os últimos resultados cosmológicos
e biológicos, obtendo o aplauso incondicional de peritos de va-
lor, para tudo o que diz respeito às suas conclusões experimen-tais e suas intuições racionais.
Os primeiros 63 capítulos de A Grande Síntese dedicam-se ao complexo estudo da cosmologia, para passar ao da psicolo-
gia e desta à ética, nada descuidando quanto à religião e ao Es-
tado, com os próprios cânones naturais e positivos, que serão impostos e sancionados, cada um em seu próprio campo, na
consciência individual e coletiva do homem.
Páginas cheias de pensamento e vazias de floreados retóri-
cos, que cingem o leitor a um exame ponderado e nada fácil a respeito das conclusões do autor. A frase assume colorido e ca-
lor de novidade e, por isso, de especial dificuldade, exatamente
interpretativa.
A materialidade da expressão verbal nem sempre, de fato,
decide clara e univocamente para determinado sentido. Intelec-tualmente formado pelas conclusões analíticas de vários siste-
mas filosóficos, Ubaldi quis audaciosamente destacar-se deles, para conceber grandioso quadro sintético, que, elaborado em
seu espírito, ele fixou nas páginas de A Grande Síntese, trope-
çando aqui e ali na acidentalidade dos termos. Evidentemente, por causa dessa transplantação para o campo da materialidade
da expressão sonora, ele teve de servir-se de termos que, dada a mentalidade de diversas orientações filosóficas, trouxeram
tal confusão, que Ubaldi, para permanecer fiel à verdade da
Igreja Católica, várias vezes projetou e desejou corrigir, adap-tando-os ao sentido preciso e comum da teologia católica. No
livro igualmente condenado, Ascese Mística, parece-nos que o autor esteja maduro, mais do que por ocasião do frio raciocínio
de A Grande Síntese, a equilibrar-se no alto, muito alto, nas es-feras do sentimento, do dever e do amor. Esta é sua fase de as-
censão final, para a qual transporta toda a sua introspecção
profundamente psicológica, no deleite da verdade atingida com a mais elevada dedicação ao bem, entrevisto nos ensinamentos
e exemplos do Cristo. Em Ascese Mística, pode-se dizer que terminou o esforço da subida racional realizada em A Grande
Síntese, para repousar e enlevar-se na contemplação do pano-
rama terrestre e celeste. E aí se acham, desse modo, páginas
sublimes, reavivadas por uma fraseologia ardente e cortante, como justamente convém ao tema, e que não é fácil achar em
outras tentativas desse gênero, com tanta densidade de pensa-mento e elevação de forma.
Os corteses críticos dos erros de Ubaldi, que lhe consegui-
ram a condenação do Supremo Tribunal da Cúria Romana, não deixarão de dedicar sua mais vigilante e objetiva atenção a es-
tas páginas de cristalino ardor, remodelando-se com o conhe-
cimento íntimo e talvez pessoal do autor, que, a um intelecto são e a um coração de ouro, une harmoniosamente uma alma
profunda e sentidamente cristã.
(a) Lapis
UMA “CONDENAÇÃO”
Há vários anos vêm sendo publicadas obras de Pietro Ubal-di – o místico da Úmbria – primeiro em série na revista Ali dei
Pensiero, no Correio da Manhã do Rio de Janeiro, na revista Constancia de Buenos Aires, e depois em volumes, traduzidos,
desde 1933, em muitas línguas.
As obras são: As Noúres, A Grande Síntese e Ascese Mística.
Mister dizer de imediato que Pietro Ubaldi não vendeu seus direitos autorais; cedeu-os gratuitamente, permitindo publica-
ções sucessivas em volumes; pelo que, hoje, suas obras não são
mais propriedade do autor, mas divulgadas em todas as nações civilizadas, tendo-se tornado de domínio público.
Dizemos “domínio público”, quando nos referimos à pro-
priedade intelectual, perdida agora pelo autor; mas diremos que o domínio público é restrito a limitadíssimo círculo de leitores,
se nos referimos ao conteúdo dos próprios escritos.
É conhecido e reconhecido que a produção intelectual de Ubaldi não só não se adapta – absolutamente – à possibilidade
de ser entendida pela massa amorfa de leitores, mesmo que esta
tivesse mais gosto pelas fábulas que pela verdade, mas não se acomoda nem sequer às mentalidades medíocres, às criaturi-
nhas superficiais que até talvez a achassem atraente.
Só as mentes de pensamento elevado e profunda cultura fi-losófica podem ler as obras de Ubaldi com aquele plácido espí-
rito de observação e crítica, como convém aos que se dedicam
a conhecer e julgar uma nova obra, uma nova orientação espi-ritual, sobre a qual podem levantar-se vozes concordes ou sur-
gir dissensões, mas sobre a qual sem dúvida, foi chamada a atenção e o interesse e promovida a pesquisa das mais altas
atividades do espírito.
Nesta comunidade intelectual e internacional, suscitou sur-presa e não pôde ser justificada a condenação repentina e rude-
mente expressa pela Congregação do Santo Ofício, que em seu
decreto de 8 de novembro de 1939, colocou no “Índex” os dois livros: A Grande Síntese e Ascese Mística.
Os vários apologistas e comentadores da condenação,
mesmo exaltando por dever de ofício ou de missão o ato, não puderam calar e negar, a si mesmos e aos outros, que algo de
bom e de verdadeiro há nas obras de Pietro Ubaldi, mesmo quando, no ardor da polêmica unilateral, transcreveram, com
censura e escárnio excessivos, trechos destacados e avulsos de
um conjunto, atribuindo-lhes um significado e um objetivo que não estão de acordo com as intenções de quem teve a ins-
piração. Entretanto o próprio fato da distinção específica im-plica o reconhecimento de que, ao menos, não é a obra toda
que é repudiada e condenada.
Daí não poder causar surpresa o fato de que a condenação, ocorrida seis anos depois da publicação inicial da obra, obteve
efeito totalmente contrário ao esperado, ou pelo menos deseja-
do. De fato, foi e será feito um vazio em redor das obras de Ubaldi por parte daquelas mentes que estão impossibilitadas de
entender e julgar, por incapacidade íntima, e que se entregam caladas e submissas ao julgamento alheio. Todavia a condena-
ção excitou, ao invés, o interesse e despertou a observação e a
68 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
investigação de todos aqueles que, com o ânimo isento de pre-
conceitos doutrinários e de excessos de supina e cega submis-são, estão em condições espirituais de entender e apreciar a
obra que provocou os rigores dos tutores da fé.
Mas, se é fácil e simples impor proibições ao rebanho inco-
lor e uniforme, que tem apenas a força de resistência da massa, mas não a energia criadora, não é outro tanto simples nem fácil
embargar o caminho às forças do espírito, que, só elas e en-quanto tais, não podem ser contidas nem comprimidas numa
mordaça estática, em limites fixos e invariáveis, de acordo com
concepções e objetivos egoísticos e utilitários, de uma negação oposta como princípio absoluto.
Dessa forma, sempre que aparece contraste entre a resistên-cia estática e a evolução do espírito, o obstáculo é abatido, com
grave, evidente e permanente dano do oponente. E a história de todas as conquistas espirituais e científicas deveria estar presen-
te às mentes dos julgadores.
Já transcorreram três séculos da condenação de Galileu Gali-
lei por parte da Congregação do Santo Ofício, no entanto, entre os muitíssimos erros, essa sentença é sempre recordada como
uma prova inegável da cega teimosia e do egoísmo doutrinário
cada vez que a ciência e a fé, uma ideia e um sistema, o espírito e a matéria, formaram objeto de exame dessa congregação.
Ao menos desde essa época, adeja em torno dessa congre-gação uma auréola de surpresa incrédula, de desinteresse gene-
ralizado, de disfarçada irreverência, que ofendem ainda mais a majestade da congregação; a fé e o sentimento religioso de to-
dos nós que, como católicos convictos e praticantes, desejaría-
mos que todos os valores representativos de nossa santa religião não sofressem intromissões, restrições nem observações de es-
pécie alguma; de todos aqueles que, na pátria e fora dela, com a pena e com a voz, sempre repeliram e combateram a ofensa, o
escárnio e os sarcasmos que chegaram como consequência dos erros e das resistências cegas, como justificação das separações
e dos desvios pelos quais a vida da Igreja do Redentor sempre
foi atribulada e ferida em todos os tempos.
Não é pois necessário aumentar o número dos que duvidam,
dos que desconfiam, dos dissidentes, sobretudo quando a sepa-ração tende a verificar-se não somente na massa incolor e iner-
te, mas nas aristocracias do espírito e do saber.
Muitas vezes, no curso de sua história, a Igreja de Cristo foi
salva pela paixão e pela fé dos humildes de coração mas eleva-díssimos no espírito e na doutrina; e estes jamais condenaram
nem excomungaram, mas pregaram e persuadiram. Contudo es-tes humildes não se confundiam com a massa, com o número,
pois elevavam-se sobre todos, em alturas espirituais inacessí-
veis, de ascetismo e inspiração divina, em que a praxe dogmáti-ca e a mesquinhez doutrinária tem apenas artificioso e restrito
direita de permanência.
E, agora, contemplando as obras que Ubaldi escreveu, sem
dúvida não por própria sabedoria – pois ele confessa não possu-ir o conhecimento intelectual e científico a essa altura – temos
de concluir que, se aquelas páginas contém só erros e sacrilé-gios, a condenação chegaria tarde e não teria efeito algum, por-
que a consciência dos crentes já as teria repelido e reprovado;
se, ao invés, aquelas páginas contêm mais “verdades” que er-ros, então a condenação não só se revela inútil, arbitrária e ve-
xatória, mas consegue efeitos exatamente contrários aos visa-dos pelo ato condenatório, porque, naquelas páginas, o julga-
mento de todos os que têm força intelectual para compreender o
valor delas já foi expresso e confirmado.
Mais uma vez se mostra, aí, como a violência contra o espí-
rito deve ser substituída, na defesa da fé, pelo amor e pela per-suasão, pelo caminho em direção à luz, pela compreensão dos
humildes de coração.
De outra forma, aquela violência, “cobrem habet, substanti-
am veronullam” (“tem aparência, mas nenhuma substância”).
(a) B. G.
ORIENTAÇÃO
Esclarecimentos sobre a condenação de
A GRANDE SÍNTESE e ASCESE MISTICA ao Índex
Da revista La Verità – Roma, fevereiro de 1940, no 2.
“Que conteúdo mais alto pode dar-se à vida, senão o de lu-
tar e sofrer por um ideal?”.
Esta máxima resume meu estado de alma atual. O público,
que esperava de mim uma explicação após a condenação ao
“Índex” de meus dois volumes, A Grande Síntese e Ascese
Mística, compreende que eu não podia falar senão no fim, com
a pendência resolvida ou a situação definida, para concluir.
Mas nem hoje posso fazê-lo, enquanto lentas e complexas se
desenvolvem as negociações para esclarecimento, entre Roma
e Gúbio, minha cidade. Este, portanto, é um artigo apenas de
orientação, à espera das conclusões, um artigo em que, nesta
minha hora veemente, procuro uma focalização mais exata de
minha obra, tão diversamente discutida e julgada, especial-
mente hoje. E coloco sinceramente, sobre a mesa, todos os
elementos de que posso dispor.
Por outra razão calei e em alguns pontos quero calar, porque
o público não sabe tudo nem deve compreender tudo. Trata-se
de uma matéria grave e palpitante, que não pode ser oferecida
totalmente ao seu olhar apressado e distraído. O público não
tem direito de assistir – às vezes por pura curiosidade – a uma
polêmica à custa da Igreja que eu respeito, julgando, por prin-
cípio, ser dever de todo homem de bem o respeito à autoridade.
Minha finalidade é o bem e limito-me ao bem. Meu método é o
Evangelho: o amor fraterno. Tenho o dever de informar aos ho-
nestos em todos os campos, e não de dar satisfações aos vãos,
curiosos e agressivos. Tudo em meu derredor deve manter-se
no plano de espiritualidade, de onde estão excluídos os baixos
sentimentos de todo gênero.
Este tempo de espera – que me impus severamente à minha
consciência, quando é humano saltar em defesa própria, especi-
almente quando se sente que se está com a razão – foi para mim
uma hora trágica e palpitante, em que voltei ao meu âmago, on-
de Deus fala, para sopesar tudo de novo diante Dele, particu-
larmente as minhas responsabilidades, porque costumo começar
pelos meus deveres, e não pelos dos outros. Tremendo esforço
de espírito, hoje pouco em moda, mas necessário para preparar
aquela psicologia heroica de martírio, sem a qual nada de sério
pode fazer-se na vida.
Espalhei pela imprensa diária vários artigos explicativos,
mas certa imprensa não convergente dispersa o pensamento. Fiz
minhas afirmações fundamentais no capítulo “Minha Posição”,
do volume Ascese Mística. Não fui compreendido. Inútil repetir
essas coisas. Meu caso é complexo e foi mal-entendido por
muitos, porque é um fenômeno em rápida evolução e está fora
das formas comuns do pensamento de nosso tempo. Fui defini-
do como médium, espiritualista, estudioso, homem de ciência,
filósofo, inspirado e, enfim, místico. A psicologia moderna
compreende e quer o especialista que se tranca numa gaveta do
cognoscível já conhecido, e não quem se acha diante desses fe-
nômenos dinâmicos em rápida ascensão. A mentalidade domi-
nante analítica e racional exclui essa universalidade sintética e
intuitiva. Assim, cada um me viu com seu olho particular e me
catalogou – pensando que definitivamente – no seu campo, en-
quanto eu o atravessava, e pescou-me com a rede de sua classi-
ficação, da qual, pouco tempo depois, eu já havia saído. Isto,
quanto à medicina, à economia, à sociologia, à filosofia, à arte,
à ciência, à mediunidade, ao espiritualismo, à religião. Daí os
mais variados julgamentos. Mas eu sou apenas eu, um fenôme-
no em movimento. Neste trajeto, tive a sensação viva de quan-
tos podem ser, no relativo, os aspectos em que refrange a uni-
dade da verdade absoluta, que não pode ser sentida pela razão
nem pelo estudo neste plano, mas só por intuição num plano
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 69
superior, como eu a experimentei. Fui medido, assim, pelos me-
tros mais diferentes, e cada um disse a sua medida. Cada um
aprovou ou condenou, conforme os comprimentos coincidissem
ou não com a medida usada.
“Last but no least” (“Por fim, nem por isso com menor im-
portância”), chegou a Escolástica. E todo o meu trabalho é
medido também com o metro teológico. Em minha orientação
simples, prática, aderente à vida, isto não estava previsto. Não
via empregada corretamente, nas medições sociais, aquela uni-
dade de medida, que me parecia, antes, colocada em grande
honra, entre as coisas históricas, exumadas nas escolas pelos
estudiosos. Instintivamente segurava-me à vida, à natureza
operante em que tão vivamente sinto Deus presente, à natureza
que faz e conclui tão bem, sem necessidade de laboriosas cons-
truções racionais. Instintivamente me achei mais preso à forma
mental hodierna, que é científica, mesmo porque devia falar a
ela. Jamais, pois, tive intenção de fazer um tratado teológico
ou escolástico, nem pretendi absolutamente entrar naquele
campo em que, sinceramente, por mais que houvesse perscru-
tado, nada havia achado que me tivesse impressionado e sacia-
do. Será talvez um erro crer que se possam compreender os fe-
nômenos naturais, como a vida e a morte, a dor e a culpa e
também a moral e a ascese, o bem e o mal, simplesmente ob-
servando-os e perguntando a eles somente o “porquê” deles?
Deus não é onipresente? E todos eles, não são, então, a expres-
são do pensamento de Deus? Olhei tudo isso com o amor apai-
xonado de São Francisco pelas criaturas. E vêm dizer-me que
isso é panteísmo. Mas eu sinto e amo Deus nas criaturas. Por
que pretender demolir com acusações filosóficas esta minha
alegria? Então São Francisco era panteísta?
Aparecem, desse modo, as razões da não-coincidência com
esse metro. Meu caminho é intuitivo, de místico; aquele é cami-
nho de razão. Com todo o respeito por aquela sutil técnica con-
ceitual, que é o pensamento aristotélico, que só o gênio e a san-
tidade de um Tomás podiam assimilar a uma Igreja filha do
Evangelho – francamente, eu, por temperamento místico e pelo
método intuitivo, sinto-me mais próximo das formas de verdade
primordiais do cristianismo do que das sucessivas, deduzidas.
Aliás, se a filosofia do mundo oscila entre a forma mental de
Platão e a de Aristóteles, isto é, entre a intuição e a razão, como
a vida entre o coração e o cérebro, ou a própria Igreja entre San-
to Agostinho e São Tomás, é evidentemente lógico que, a algu-
mas mentalidades místicas – e não só a elas – repugne tremen-
damente toda coação lógica de razão em matéria de fé, que elas
sentem antes como uma doação de si, espontânea e total, a Deus,
por ato de amor, e não como uma conclusão racional. A estas
mentes, aqueles silogismos, que parecem acrobacias e bravuras,
podem despertar uma santa repugnância, como algo de irreligio-
so, como uma negação de espírito de amor do Evangelho, como
uma contrafação do sentimento de Cristo, que queria convencer
por meio de amoroso exemplo, e não por força de argumenta-
ção. Não foi Ele o inimigo dos doutores e dos sábios? Compre-
ende-se, todavia, que certas formas mentais e métodos tenham
sido necessários para desempenhar a função histórica de salvar a
Igreja em outros tempos, quando, na Idade Média, a vida era
confiada à espada, fazendo-se necessária a força, até dos argu-
mentos, para proteger a verdade. Mas, se os tempos tivessem
mudado e, hoje, a coação lógica, ao invés de persuadir, afastas-
se? Diz-se que nenhum silogismo jamais persuadiu ninguém.
Parece, ao contrário, que a convicção seja um estado psicológico
que não resulta de puros elementos racionais. Seres eminentes,
como São Francisco e o próprio Cristo, persuadiram muito mais
por meios simples do que por força de argumentação. Aliás, é
também conforme à justiça divina que a verdade não seja patri-
mônio apenas dos eruditos, mas de todos. Cristo empregou o sis-
tema da descida do Espírito Santo. Parece-me que as coisas di-
vinas devem ser simples e puras, sinceras e ardentes, e não difí-
ceis, artificiosas, enfeitadas de erudição. Sinto para mim que, se
a razão pode demonstrar, também pode errar; que o coração não
demonstra, mas não se engana, apesar do que dizem os doutores.
A verdade é ampla, e vejo que pode abarcar os dois extremos,
não contrários, mas complementares. Esta é a posição dos místi-
cos. Há lugar, portanto, para todos, para se completarem, e não
para se excluírem e demolirem.
Fui definido um místico. É esta, com efeito, minha última
fase. Hoje se abusa tanto da palavra místico, que não se sabe
mais o que ela signifique. O materialismo – cor psicológica do
século – espalha sua cor sobre tudo, tornando incompreensí-
veis certas atitudes de espírito, em que muitos se sobressaíram
em outros grandes séculos. Nenhuma posição mais delicada e
ousada do que a minha, mais passível de ser mal-entendida
em nosso mundo, que exalta outros valores. Aparecerei, pois,
como fanático, alucinado, rebelde, sei-o bem. A incompreen-
são me vem de todo o meu tempo. Falamos duas linguagens
diferentes: uma, eu; outra, o mundo. E não nos entendemos.
Mas é um fato que a psicologia de determinada fase não pode
compreender a psicologia de uma fase mais elevada. No en-
tanto o místico, bem compreendido, é o tipo ao qual tende a
evolução. Experimentei-o, senti-o, vivi-o. Depois, achei a
confirmação disso na leitura das experiências dos místicos.
Mas trata-se de sentidos, de capacidade intuitiva, de formas de
vida psíquica, diferentes das comuns. Houvera aqui espaço
para citações, e enviaria o leitor, por meio do argumento pre-
cedente, aos direitos da consciência diante da autoridade, à
carta que o Cardeal Newman escreveu, em 1874, ao Duque de
Norfolk e a inúmeros trechos da Sagrada Escritura e de escri-
tores eclesiásticos. E, neste assunto, gostaria de citar as pala-
vras de J. G. Fichte, em suas lições na Universidade de Ber-
lim, em 1813. Ele explica como não se pode fazer os cegos
compreenderem as cores: eles buscarão tocá-las e se iludirão
de tê-las compreendido por caminhos indiretos, ao passo que
apenas estropiaram, falsearam e alteram seu conceito.
Que é, pois, um místico? Devo definir claramente minhas
relações com o mundo. Existem aqui indivíduos espiritualmen-
te isolados em seu egoísmo, feitos de desejos, de direitos, agru-
pados por interesses em choque, instintivos, ignaros do porquê
da vida. Sabemos quem é o homem; o que vamos fazer com es-
se material? O místico sabe do funcionamento orgânico do uni-
verso, com o qual está em consciente relação de colaboração.
Ele existe em função do todo, só tem vontade em função do to-
do, isto é, só tem como vontade própria a vontade de Deus.
Possui uma vontade altruísta e universal, pacífica e orgânica.
Não é mais separatista, mas se harmoniza com o todo. É o tipo
que a evolução biológica prepara para o futuro, hoje antecipado
irregularmente, mesmo do fundo da atual descida involutiva
materialista. O mundo atual não se está arruinando todo por fal-
ta desse espírito unitário? Os seres de antecipação o preparam,
como base para a porvindoura civilização. Qual a tendência das
leis, senão levar o indivíduo de uma vontade individualista de
desordem para uma vontade coletiva de ordem? O místico não
olha, pois, apenas o fenômeno religioso e espiritual, mas tam-
bém o fenômeno biológico e social. Como homem total, ele é
lutador viril e dinâmico até nos mais altos planos do espírito. A
sociedade precisa de células como essas.
O místico bem sabe que o mundo existe para voltar a Deus,
e que a Deus só se volta através da dor. Portanto, diferentemen-
te do mundo, que teme, foge e combate a dor, o místico a abra-
ça e a ama, como um meio de libertação. Estamos nos antípo-
das. Enquanto o mundo se atordoa, engolfando-se cada vez
mais na matéria, na ilusão, no relativo (ciência analítica e utili-
tária), o místico vai por estradas opostas e liberta-se dela, até à
união com Deus. Vivi e descrevi isto em Ascese Mística, e não
fui compreendido. Para o místico, o mundo é cego; para o
mundo, o místico é louco. Eu bem o sei. Mas sempre houve luta
70 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
entre os solitários antecipadores e a maioria, que visa esmagar
os primeiros pela inércia da massa e pela quantidade numérica.
No entanto ensina-nos a história que o progresso – isto é, a ação
divina que impele à evolução, que é o retorno fatal do universo
a Deus – se opera sempre através desses canais de exceção. Es-
tes, porque bem sabem qual a função biológica que executam
em sua posição de antena, sentem Deus, seu pensamento e von-
tade, melhor que os outros e se sacrificam alegremente para ex-
pressá-los. O tipo comum, que necessita de certezas para seu
repouso e segurança, tem horror e terror desses lampejos sobre
tais certezas para ele seguras, lampejos que os lançam no abis-
mo do infinito. A vertigem o descontrola, e ele se rebela. Estes
estados e correntes psicológicas influem inconscientemente so-
bre todas as manifestações do espírito. A massa inerte odeia o
esforço e o risco do inexplorado, assusta-se com aquelas des-
continuidades da certeza levada à dúvida, que implica no tor-
mento de achar uma nova certeza, ainda que mais alta, portanto
coloca obstáculos a estes impulsos criadores em que Deus se
revela. Eterna luta da luz contra as trevas. Querer-se-ia deter o
progresso. Mas parar é morrer, e a vida o sabe, estremece e
avança. O místico, como o herói, o gênio, o mártir e o santo, é
um tipo de antecipação e tem essa função. O homem normal,
medindo as coisas com a unidade da quantidade numérica, quer
nivelar o que está fora dela, fora da massa, fora da vida. Julga
que sua vida seja toda a vida, de todos e para todos. A antena
que perscruta o amanhã e o antecipa não interessa à maioria, no
entanto a antena é o cérebro, e a maioria é o ventre do mundo.
Pode ser irreligioso esse tipo de homem? É concebível um
ato de autoridade e de condenação contra ele? É evidente que
um ser desses não pode ser atingido pela vontade de um homem,
a não ser até o ponto em que isto exprima a vontade de Deus, de
quem ele vive. É inútil procurar negá-lo: quando se está num
plano espiritual e se faz questão unicamente de consciência, o
ser é livre, humanamente incoercível. E isto constitui uma justi-
ça de Deus, porque é merecido prêmio de grandes esforços. O
espírito não pode ser atingido por meios humanos, mas só por
caminhos divinos. O homem poderá infligir dor, mas o místico
ama a dor, conhece-a bem, emprega-a constantemente para seu
progresso. Não a teme. Assim lhe é oferecido um precioso ins-
trumento. A luta se baseia numa incompreensão originada por
uma linguagem diversa. O mundo assalta, o místico sofre, a sen-
sação da presença de Deus faz-se cada vez mais forte e o torna
cada vez mais feliz. Ele está a postos. O mundo se afoga e mais
tarde se arrepende. Foi sempre assim. Como se pode lutar contra
tal indivíduo, como constrangê-lo, se ele ama a dor como meio
de redenção e nela aceita com alegria a vontade de Deus? Como
se pode julgar este e suas obras? Para julgar, é mister usar a
mesma medida segundo a qual a obra foi construída, colocar-se
no mesmo plano em que ela foi concebida. De outra forma, co-
mo fazer um julgamento exato? E serão os métodos de razão
competentes para medir os produtos da intuição e da inspiração?
Para julgar um místico é necessário subir num plano mais eleva-
do que a razão, no plano em que fala o espírito. Será a razão su-
ficiente para compreender as coisas de Deus?
Dir-me-ão: tudo isso é orgulho. Velha acusação, para deter-
me; conheço-a. No entanto, nestes dias, realizei a máxima humi-
lhação da minha pessoa que me era possível (mais não podia pe-
la minha verdade). Pergunto agora: enquanto eu nego a paterni-
dade de A Grande Síntese, declarando-a obra não-minha, escrita
por inspiração (e portanto não retratável), como se insiste em
negar esta inspiração, para atribuir-me essa paternidade, que, pa-
ra mim, constituiria o mais monstruoso orgulho? Então não sou
mais orgulhoso e tudo me é concedido, quando isto torna fácil a
demolição de minha obra? Por que não existe, nos julgamentos
que de mim fazem, aquela coerência que eles me pedem?
O leitor viu, assim, surgir diante do mundo e diante da Igre-
ja a questão da consciência, a questão da origem inspirativa de
minhas obras, em relação à recente nota. No próximo número
da revista, espero poder dar, quanto ao mérito, pormenores
mais preciosos, resumindo os acontecimentos, mesmo na sua
repercussão na imprensa estrangeira. Espero, enfim, poder con-
cluir, esclarecendo diante de Deus, da Igreja e do mundo a mi-
nha posição atual.
Pietro Ubaldi
CONCLUSÕES SOBRE A CONDENAÇÃO
Do opúsculo Comentários da Imprensa às Obras de P.
Ubaldi, por ocasião da condenação do Santo Ofício, da Socie-
dade Tipográfica Oderiso – Gúbio, maio de 1940.
“Tudo o que se faz contra a consciência, prepara a condena-
ção” – 4o Concílio de Latrão.
É hora de resumir e concluir, conforme prometi.
Numa tarde de 15 de novembro do ano passado (1939), fe-
riu-me repentinamente a leitura do decreto de 8 de novembro
de 1939, condenando ao “Índex” meus dois volumes: A Grande
Síntese e Ascese Mística. Golpe duro, após tantos anos de fadi-
ga. Tal entre filho e mãe, condenar uma obra é também um
pouco matar o autor. Mas, quando há equilíbrio dentro da cons-
ciência tranquila, diante de Deus, as reviravoltas exteriores têm
pouco poder. O que faz adoecer não é tanto o ataque do micró-
bio, que existe em toda parte, quanto a vulnerabilidade orgâni-
ca. Assim, no campo moral, o que abate não é tanto o ataque
externo, quanto a fraqueza de uma consciência que trabalha
sem Deus. Um novo e intenso exame rápido interior foi feito.
Tudo em harmonia com Deus. Nada pois que temer. E, de ime-
diato, voltou a paz, a alegria, a confiança.
É preciso perdoar ao reverendo Padre M. Cordovani um arti-
go que foi julgado por todos os que o leram áspero e excessivo.
Perdoar porque certamente o creio de boa fé, e, pelo modo como
se exprime, transparece evidente que ele está absolutamente ig-
naro da realidade dos fatos. Por isso, se aquele artigo devesse ser
compreendido como interpretação oficial do decreto (já que apa-
receram ambos lado a lado), sem dúvida que ele tenderia mais a
demoli-lo que a explicá-lo. Tomando como base de julgamento
só a letra, apenas uma pequena parte da letra, e nada absoluta-
mente do espírito, provoca-se assim um mal-entendido funda-
mental, que nos acompanhará até o fim. Agradeço ao reverendo
padre Fr. M. Gaetani, S. J. por ter honrado A Grande Síntese
com sua crítica, na aula inaugural do Instituto de Cultura Supe-
rior Religiosa, na “Gregoriana”, de Roma. Agradeço a uma de-
zena de revistas e jornais católicos, por terem comentado a con-
denação, e a cerca de 60 jornais italianos, que trouxeram a notí-
cia. Propaganda não solicitada, gratuita, vantagem para o editor,
não para mim, pois não ganho nestas coisas, pois sabe-se que o
público, que não é santo, gosta mais das coisas proibidas que das
lícitas. Mas a culpa não é minha. Nem mesmo tenho culpa de
me terem chegado centenas de cartas, que me traziam um cla-
mor de solidariedade a meu favor, que não pedira. Mas, nos que
haviam sido beneficiados por aquela leitura, a reação era espon-
tânea, como a de um ataque à própria fé que os salvara e à qual
se haviam apegado por terem sentido um grande bem.
Eu observava, meditava e calava. Eu não o quisera. Então
assim quis Deus, para fins mais altos. Não surgia em mim o di-
lema: obedecer ou rebelar-me. Mas surgia o problema de con-
seguir fazer chegar à grande autoridade a minha pobre voz, para
fazer compreender o grande mal-entendido. E me impus este
novo esforço, mas obriguei-me ao silêncio na imprensa. Agora
não posso deixar de explicar-me, pelo mesmo motivo pelo qual
escrevi Ascese Mística, ou seja, porque o que diz respeito ao
meu caso não é mais coisa minha, mas do público. Uma primei-
ra “declaração de obediência” partia de Gúbio para Roma, no
Natal de 1939. Foram motivos dela: 1o) A minha fé é sincera e
meu objetivo é o bem das almas (não tenho, portanto, o direito
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 71
de escandalizar o rebanho); 2o) Julgo dever de todo homem reto
o respeito à autoridade em todos os casos (ninguém poderá ne-
gar que este seja um princípio de ordem necessário à vida soci-
al); 3o) Sinto-me cristão, isto é, seguidor de Cristo a todo custo
(como se pode deixar de admirar Cristo e o Evangelho?). Por
estes três motivos, eu dizia: “humilho minha pessoa aos pés da
Igreja”. O objetivo é, desde agora, e será até o fim, fazer o bem.
Com isto, abaixava o meu orgulho, o que era a necessidade
mais urgente. Aliás, de minha pessoa sou dono, e ninguém po-
derá dizer-me que não posso dispor dela. Mas isto não bastou, e
tornou-se necessária, embora oferecida como simples retoque
da precedente, uma nova e explícita declaração de “reprovação
e retratação” dos erros contidos nos dois livros citados. E, ao
mesmo tempo, pediam-me para retirar do mercado todas as edi-
ções, mesmo as estrangeiras, de que perdi todo o controle.
Esta, que me vinha apresentada como mera formalidade e
simples questão de palavras, era para mim, ao invés, gravíssima
questão de substância. Abria-se assim uma nova fase, em que
se me impunha, não provocado por mim, o problema de consci-
ência, que para mim era gigantesco. E eu tinha que enfrentá-lo
em cheio, enquanto perdurava o mal-entendido. Se eu podia
submeter minha pessoa, de que sou dono, não podia “reprovar e
retratar” uma verdade que não era minha, mas fora recebida por
inspiração, uma verdade que eu sentira com sincera e profunda
convicção, que não podia renegar sem mentir. Dediquei os vo-
lumes As Noúres e Ascese Mística a explicar isto e não o repito.
Poder-se-á não ver e negar, mas para mim tudo continua sendo
um fato objetivo, experimentado, controlado, solenemente de-
clarado há tempo, convicção inabalável. Como é possível, nes-
sas condições, desmentir tudo, sem sentir-se culpado diante de
Deus, diante de Quem sempre trabalhei (obtendo a aprovação
mesmo de venerandas personalidades eclesiásticas) e de Quem
“vi” o auxílio prodigioso contínuo? Retratar seria, aqui, apro-
priação indébita, seria trair a missão aceita. A quem obedecer: à
Igreja ou a Deus? Não se pode negar, no meu primeiro ato –
que espero venha a demolir a acusação de orgulho – toda a mi-
nha espontânea boa vontade de obedecer. Não sou, pois, um re-
belde. E por que deveria aparecer como se o fora? Em Ascese
Mística, no capítulo “A Minha Posição”, disse: “Prefiro morrer,
a pensar que eu possa deixar de manter as minhas afirmações”.
Se eu mudasse uma palavra, seria, portanto, perjuro. Até que
ponto deve pois chegar meu sacrifício? É possível que haja
apenas condenação para quem busca os caminhos da dor, para o
bem alheio? Realiza-se, então, a cena final daquele livro: “Pai-
xão”? Levanta-se em mim uma tempestade de problemas, e len-
ta se arrasta minha tortura moral. Sou apenas um instrumento.
Obedeci antes e continuo a obedecer, mas a quem o farei agora?
Como podem ser abaladas convicções tão profundas, que se
formaram diante da sensação de Deus presente? Durante este
trabalho interior, entretanto, amadurecia meu espírito: trabalho
precioso. Meu lema era: sinceridade e fé.
Continua o drama interior. Acho-me entre Cila e Caribdes.
Não retratar-me já é uma atitude de rebelião, mas fazê-lo é
mentir, atribuindo-me intenções que não tenho. Retratar-me é
trair uma verdade afirmada sem reservas. De qualquer modo
que eu faça, resta uma mentira, uma dor, um mal, única com-
pensação de tanto trabalho. Como se pode constranger a própria
convicção, sincera e profunda? Nem a própria vontade pode
tanto. Ou rebelde ou traidor; ou traidor ou rebelde. Não podia
achar forças para impor a mim a negação de uma verdade pela
qual daria a vida. Estou onerado e cansado, no entanto o repou-
so está a um passo, e poderia chegar a ele saturado de bênçãos
eclesiásticas. Mas diz-me a consciência que não se pode ceder a
outrem, a ninguém, ao menos nos casos como o meu, a respon-
sabilidade do próprio modo de agir.
Nessa conjuntura, informo a Roma sobre meu caso de cons-
ciência, e, como se nada houvera dito e nada houvesse de ver-
dadeiro em meu palpitante caso, respondem-me com o mesmo
pedido de retratação, formulado de outra maneira. No entanto
eu ignoro os erros que deveria rejeitar. Eu o pergunto, mas não
tenho direito de sabê-lo. Há um grande número de almas sim-
ples que se escandalizam com uma desobediência, e elas mere-
cem respeito. Trata-se do bem das almas, de meu constante e
maior motivo. A maioria, que nada sabe, exige um grande ho-
locausto, porque os maiores devem viver e sacrificar-se pelos
menores. Este é um argumento que me faz estremecer: o bem
de certas almas. De qualquer forma é preciso realizá-lo. Mas há
outro grupo de espíritos que acreditaram nas verdades que eu
disse, que nelas acreditam e delas tiram proveito. Se eu as retra-
tasse, eu lhes furtaria uma conquista e autorizaria estas almas,
que do materialismo haviam tornado à fé, do desolado ceticis-
mo à esperança, a não mais acreditarem em nada e tornarem a
se jogar na lama. Não posso fazer esse mal. E quem está mais
perto de Deus, quem merece mais atenção: quem O procura
mesmo ansioso e dolorosamente, ou quem O recebe passiva-
mente, sem esforço, pela ensino da autoridade?
Mas precisemos. Minha atitude diante da Igreja, delineada
em Ascese Mística e no prefácio à 2a edição de A Grande Sínte-
se, não é de hostilidade, embora possa tê-lo parecido; ao contrá-
rio! E daqui vem o mal-entendido. Por que interpretar a adver-
tência apaixonada de um amigo como censura agressiva de um
inimigo? Não dei prova de submissão? Um inimigo não faz is-
so. Compreendam-me. A minha luta não é contra a Igreja, mas
apenas contra uma particular atitude filosófica escolástica, e is-
to porque ela se me apresenta como uma forma mental que eu
sinto ser um perigo, diante dos gravíssimos tempos iminentes.
Aliás, não declarava São Paulo que não se apoiava em argu-
mentos humanos, mas sim na força do espírito? Diz a Imitação
de Cristo: “Que nos importam gêneros e espécies”? E São Ber-
nardo conclui que a filosofia de Aristóteles é a oficina do diabo.
Naquela forma mental, o ardor da fé – cotidianamente necessá-
ria para a ascese, que é a vida das almas – adormece na ilusão
da segurança que provém da conquista racional conseguida. Es-
ta atitude leva à inércia, aos acomodamentos terrenos, à crista-
lização do espírito, à imobilidade do sono, que não é paz, segu-
rança ou grandeza, mas pode ser morte. A vida caminha, e o
que não caminha morre. Abate-me esta idolatria da letra, que
está nos antípodas das grandes paixões do espírito. E em mim
só se viu a letra. Já expliquei no artigo precedente a psicologia
do místico. Com isto, não nego a grande função da Igreja, de
conservar. Mas há também elementos ativos e criativos, porque
a vida religiosa é dada não só pelo elemento social (hierarquia)
e pelo elemento intelectual (teologia), mas também pelo ele-
mento espiritual (profetas, místicos, santos), e só está completa
com os três elementos. Descuidar e desconhecer a contribuição
inspirativa do místico tem o mesmo peso que o erro teológico e
a rebelião à hierarquia. As religiões, como ciclos de vida hu-
mana – pois também o são – cansam-se, esgotam-se e ameaçam
– após superar certa maturidade de pensamento e desenvolvi-
mento – cair no farisaísmo, contra o qual justamente Cristo tan-
to lutou. O perigo já apareceu no fim do século IV a São Jerô-
nimo, que escrevia: “Vae nobis, in quos vitia pharisaeorum
transierunt” (Ai de nós em quem passaram os vícios dos fari-
seus). É necessário de vez em quando, especialmente nos mo-
mentos mais críticos, um novo lampejo de espírito, e os místi-
cos são feitos para isso. Será verdade isso que se diz, ou seja,
que o sentimento seja um elemento perturbador, e a consciência
pessoal uma perene emboscada? Pode ser assim para a massa
inerte e rebelde, mas não em casos particulares, excepcionais. É
preciso compreender bem a exceção. Além disso, mesmo em
sentido geral, será o cristão apenas um soldado para ser enqua-
drado, ou é também uma alma viva que deve ser elevada? O es-
pírito dos Evangelhos está muito longe de coações racionais e
exteriores, e, para São Paulo e os grandes místicos, o “affectus”
72 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
está sempre acima do “intellectus”. “Nosso Deus não é um teo-
rema de geometria”, escreveu Pascal. Não nego a necessidade
do enquadramento racional e hierárquico; mas ai de nós se es-
quecermos que o objetivo dele é o espírito. Move-se a Igreja
entre dois extremos, que são duas necessidades, mas também
dois perigos: de um lado, a hierarquia, a escolástica, a raciona-
lização da verdade, o transcendentalismo, que podem degenerar
em cristalização, farisaísmo, materialismo religioso; do outro, o
misticismo individualista, o imanentismo, que pode ser disper-
são e chegar até à rebelião e à anarquia do livre exame. A unila-
teralidade é um perigo. É indispensável o equilíbrio entre os
dois termos complementares. Um organismo organicamente
perfeito pode desmoronar por falta de forças espirituais.
Estas não são acusações, mas verificações benévolas, para o
bem de todos, porque a Igreja é patrimônio universal, que deve
ser salvo a todo custo. Gostaria de citar o que Giovanni Papini
escreveu em sua História da Literatura Italiana, vol. I, a res-
peito de Santa Catarina de Siena. Mas prefiro trazer as palavras
do Abade Henrique de Tourville, num opúsculo: A Piedade
Confidente, edição da “Opera della Regalità di N. S. Gesù Cris-
to”. Diz o autor: “As coisas ocorrem igualmente em toda a par-
te no mundo, no clero e na vida religiosa; há um conflito entre
o que convinha às necessidades antigas e o que é indispensável
imperiosamente às necessidades novas, inteiramente opostas. A
grande massa, assim como os carneiros, ainda se alinha de
acordo com o que fazia dantes; emerge uma minoria muito li-
mitada (...). Mas é justamente dessa minoria que devemos fazer
parte, quando Deus nos colocou aí, por vocação interna e por
atitudes naturais (...). Deus semeia no mundo, em todos os tem-
pos, precursores que agem por conta própria ou ao menos sa-
bem, dentro deles, as coisas que acontecerão (...). Ninguém é
pioneiro por achar-se repentinamente numa grande companhia
(...). Estamos numa época de transição, em que muitas coisas
separam o presente – particularmente o futuro – do passado
(...). O grande interesse deste tempo é que o mundo se renove
(...). Neste século, tudo temos de refazer, mesmo aquilo que em
si mesmo não muda. Haverá talvez mudado a natureza? No en-
tanto vedes que, em vossa química e em vossa física, mudou a
maneira de estudá-la. Os métodos melhoram, e as mesmas coi-
sas se veem melhor; é justamente isso que se requer na fé”.
E como não mudou a natureza, então não se combate nem
se discute os dogmas, mas busca-se esclarecê-los e torná-los
mais razoavelmente aceitáveis. Não pode ser heresia, creio,
precisar pontos não resolvidos, mesmo contra a opinião corren-
te, que não é um dogma. Há sem dúvida imenso material cientí-
fico, formado depois da escolástica, que pode ser utilizado.
Uma Igreja que conseguiu assimilar Aristóteles, pode assimilar
também coisas bem diferentes. Mas por que a opinião da gran-
de massa inerte dos fiéis deve pesar tanto, mesmo nos dirigen-
tes iluminados, a ponto de torná-los medrosos de toda inovação,
fazendo que as forças da vida não possam confiar essa iniciati-
va senão a pessoas isoladas e a preço de martírio? Mas a Igreja
vive e caminha... De fato, ela não se completou assim, assimi-
lando de todos os lados?
Desse modo, meu drama de espírito move-se no cenário da
intensa hora histórica, das grandes maturações espirituais do
século, e talvez as sintetize e resuma. Sinto que, na minha ân-
sia, repercute a ânsia do mundo, que está diante de novas e
formidáveis interrogações. Por vezes, tenho a visão terrível de
uma multidão cega e inconsciente, lançada contra imenso abis-
mo. Vejo aí os monges bizantinos, que – enquanto os turcos,
que haviam entrado em Constantinopla, queimavam tudo a fer-
ro e fogo – continuavam a disputar se a luz do Tabor era criada
ou incriada. Vejo a corte da França, que, na vigília da revolu-
ção, fazia questão de etiqueta. Grita-se que eles são loucos,
mas, em redor, estão as forças do mundo, ansiosas por precipi-
tar-se às conclusões do ciclo milenário de nossa civilização.
Quem se apresenta à frente, para prepará-las? E devemos calar?
Não pode ocorrer que a iminência dos tempos gravíssimos jus-
tifique a explosão dessas vozes isoladas e desusadas? Por que
deveriam ser elas imediatamente sufocadas? Por que impor a
esses seres um doloroso caminho de condenações, para que
possam cumprir seu dever?
Meu mal-entendido é, portanto, fundamental; é um mal-
entendido de uma época. Este é o meu drama, de que os dois li-
vros no “Índex” são apenas um episódio, talvez querido por
Deus, para que eu enfrentasse em público este problema muito
mais grave. Quem se inflama nas grandes paixões de espírito,
treme diante da idolatria da letra. Tenho a sensação de que,
quem está atento a distinguir e a catalogar conceitos, não pode
levantar-se para agir. O mal-entendido aqui está no duelo entre a
forma e a substância, entre a letra e o espírito. Mas quem se in-
flama não liga às palavras, como nelas não pensavam os márti-
res cristãos. Quanta largueza de formas, neles, mas quanta seve-
ridade na substância! Estes dois fatores parecem estar em razão
inversa, como na arte estão a inspiração e a técnica. No fim de
cada ciclo evolutivo, a letra tende a substituir-se ao espírito, e
sobrevém a ameaça do farisaísmo. Não podemos acreditar que
ele constitua um perigo constante para todas as religiões, ou até
mesmo uma fase ultramadura de sua evolução, fase de que não é
possível emergir senão com novos contatos com o Divino, com
injeções de espírito vivificante na letra morta? Estes ciclos estão
nas leis da vida. Em todos os organismos, quer físicos ou espiri-
tuais, há um perigo final de massificação, de onde a vida só po-
de ressurgir recomeçando desde o princípio, alcançando nova-
mente Deus. Nesse período, a letra se substitui e quer julgar o
espírito. Mas a razão está para a intuição como a superfície para
o volume. E me pergunto: teologia e escolástica, sendo um pro-
duto da razão aplicado “a posteriori” à revelação, podem apli-
car-se como unidade de medida aos produtos de inspiração?
É necessário equilibrar-se entre estes dois extremos, que são
forma e substância, letra e espírito, razão e intuição, autoridade
e consciência, Terra e Céu. É indispensável que nenhum dos
dois impulsos contrários e suplementares sobrepuje o outro e
nos empurre para uma das calçadas, quando temos de caminhar
no meio da estrada. É mister respeito recíproco entre autoridade
e consciência, porque a ambas está confiada uma tarefa sagra-
da. A autoridade existe como função da consciência, que é o
objetivo, e a consciência deve reconhecer na autoridade a fun-
ção da conservação. Autoridade e consciência, disciplina e li-
berdade, obediência e independência, não podem separar-se
sem que a segunda, por libertar-se, caia no abismo do arbítrio e
da fantasia, e a primeira, por dever de conservação, termine na
letra morta, na cristalização formal, no esmagamento e na dis-
secação das consciências, que culmina naquele indiferentismo,
chaga bem merecida de nosso tempo. Não é possível entendi-
mento entre quem usa a linguagem da forma e quem usa a da
substância e do espírito. O julgamento sobre os dois volumes
condenados deve ser confiado não apenas a um exame crítico
racional, por sua forma exterior, mas também a um “sentido es-
piritual”, por sua substância. Poderia dizer, com São Paulo, que
“o homem físico não entende as coisas do espírito”. A inspira-
ção é responsável pela violenta chama interior que lança as
ideias, e o autor é responsável pela fidelidade de seu instrumen-
to, que deve entregar-se à obra com todos os seus recursos. E
isto eu fiz. Para mim, a roupa é a roupa, mas o corpo está ali,
inteiro. “A letra mata, o espírito vivifica”. Minha verdadeira pa-
lavra é de esforço, de dor, de dedicação e de amor. A roupa é
humana, transitória, relativa; mas a substância – e quem tiver
sentido espiritual a capta – não pode ser renegada.
Neste ponto de minha discussão, chega-me a nova fórmula
de retratação de que falei. Ela me coloca apenas diante da reve-
lação, e nada mais. Ora, nenhuma fonte necessita tanto da in-
terpretação da substância, de preferência à literal, quanto a re-
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 73
velação. Com efeito, vindo de Deus a revelação, não pode ha-
ver nenhum antagonismo entre ela e a verdadeira inspiração.
Então, a concordância é implícita. Portanto, nada que retratar.
Dessa forma, o mal-entendido chega ao fim.
Examinada assim a questão em profundidade, saber agora
se virá ou não o ato formal da retratação tem muito menos in-
teresse. Porque o mal-entendido permanece, faça-se o ato ou
não. Que valor substancial teria ele? Não tenho o dever de res-
peitar a autoridade? Pois bem, como já me submeti, agora me
retrato. Não tenho o dever de não perturbar as almas simples?
Como me submeti, retrato-me, agora. Aliás, não sou um rebel-
de e meu primeiro ato o demonstra; e por que deveria parecer o
que não sou? Tenho o dever de testemunhar também esta parte
da verdade, para não cair na falsidade. E assim se executaria o
ato. Agora, coloco a questão moral e jurídica, se será válido
um ato de vontade dirigido para um objeto desconhecido. Já
disse que não pude, não obstante meus pedidos, saber quais
são os erros a retratar. Não tenho motivos para crer que nos
dois volumes haja erros contra o dogma, mas apenas contra
opiniões correntes, que não constituem obrigação de fé. Assim,
a retratação teria apenas um sentido de genérico ato de respeito
à autoridade, coisa já feita, repetição inútil. Afirmei sempre, na
imprensa, a origem inspirativa de minhas obras, repeti agora a
afirmação e expus à autoridade todo o meu caso de consciên-
cia. Responderam-me como se nada disso existisse. Eu respei-
to a autoridade, porque me submeti, mas a autoridade respeita
a consciência? Isto é grave, máxime quando o acusado faz ape-
lo, a cada passo, ao testemunho de Deus, o que é um contínuo
juramento de verdade. A autoridade – é justo, pois que ela o é
– decide e ordena; não discute nem entra em negociações. O
jeito é obedecer. Mas os fatos permanecem e não são tidos em
conta. Eu não posso dispor do que não é meu, do que está fora
de meu poder de disponibilidade, do que está acima de qual-
quer ato meu de aceitação ou retratação, coisa sobre a qual mi-
nha vontade nada manda. Cada retratação é substancialmente
nula para mim, quando estou convencido de estar com a ver-
dade. Uma convicção sincera, formada na presença de Deus, é
inviolável, porque não pode obedecer nem sequer à vontade do
próprio indivíduo, sendo humanamente impossível impor-se
uma convicção diferente da que espontaneamente se tem. E eu
não sei mentir. A força dessas posições está toda em encontrar-
se totalmente no plano do espírito, acima da razão e da maté-
ria. Enquanto, em A Grande Síntese, naquele primeiro tempo,
tivemos de recorrer à demonstração científica por necessidade
de nos fazermos compreender pela mentalidade materialista de
nossa época, só agora, que estou diante da Igreja, em posição e
em momento diferente, posso formular este supremo apelo às
forças do espírito e à substância das obras.
Eis minha atual posição diante de Deus, da Igreja e do mun-
do. Até agora, a imprensa inglesa e sul-americana que às mi-
nhas mãos tem chegado, comentou deplorando a condenação.
Não é culpa minha se as coisas assim se apresentam. Quando
um pobre homem sincero se encontra diante de um emaranhado
desta ordem, apresentado a ele pela sociedade humana ou ao
menos por uma parte dela, com tão bem combinadas contradi-
ções, nada mais pode fazer senão confessar-se em público, co-
mo o fiz, e simplesmente responder-lhe: eis o que fiz, o que sei
fazer e o seu valor. Agora, julgue-se como quiser. Que resulta-
do se obteve na minha consciência e na consciência dos outros?
Cada um responda por si. Uma “nota de redação”, no fim de
um dos muitos artigos a meu respeito, ventilava a hipótese de
eu ser um ladino trapaceiro. E é naturalíssimo, pois, em pleno e
civilizadíssimo século XX, esta é a primeira ideia que o próprio
semelhante desperta nos outros. É tão normal hoje em dia, tão
universalmente presumida, que não ofende mais. Isto demons-
tra que estamos imersos na mentira até o pescoço. Mas peço
apenas que se vá até o fundo, se meus juízes, em todos os cam-
pos, tiverem a vontade e a força de atingi-lo. Quanto a mim, es-
tou fortissimamente sustentado pela minha consciência, por ha-
ver lutado e sofrido pelo bem. Talvez a obra já tenha terminado
e seja indestrutível acima de toda a minha vontade. Tudo está
lançado e não mais se pode deter. Quanto a mim, não fui defi-
nido como um místico? Não olho, pois, para as coisas da Terra
senão como uma missão, nem tenho já agora outras relações
sociais, a não ser de dever e de sacrifício. De outra forma, após
estes golpes, seria fácil perder a fé. Todas as minhas alegrias
estão e estarão sempre no céu. Este é o meu caminho. A psico-
logia humana, sabe-se, é bem diferente, e eu me afasto dela ca-
da vez mais. E me entrego tranquilo nas mãos de Deus, para a
Ele obedecer, sempre.
A publicação deste último artigo, já composto para a im-
pressão na revista La Verità, de março de 1940, foi proibida,
como foi proibido, em toda a imprensa, que eu ou qualquer pes-
soa escrevesse sobre este assunto.
Esta foi a resposta e o esclarecimento que consegui.
Diante de tais atitudes, não me resta hoje, em consciência,
senão o silêncio.
Com isso, verificou-se e continua a verificar-se tudo quanto
foi claramente pressentido, quando ainda não se falava em con-
denação, no volume Ascese Mística, especialmente nos capítu-
los “Paixão” e “A Minha Posição” e no fim do prefácio à se-
gunda edição de A Grande Síntese, em língua italiana.
Pietro Ubaldi
PIETRO UBALDI E A IGREJA
Da revista Alba Spirituale – no 3, março de 1948.
A Congregação do Santo Ofício, com o decreto de 8 de no-
vembro de 1939, condenou e colocou no “Índex” as duas maio-
res obras de Pietro Ubaldi: A Grande Síntese e Ascese Mística.
Seguiram-se à condenação apaixonados debates de numerosa
imprensa, na Itália e no estrangeiro. A católica, mais ou menos
qualificada, fazia coro com as decisões do Santo Ofício, assu-
mindo às vezes uma linguagem particularmente áspera e ofen-
siva; a espiritualista independente tomava, ao invés, a defesa do
condenado, contra-atacando também asperamente.
A linguagem de ambas as partes, de qualquer forma, era ex-
cessiva e pouco condizente com a delicadeza da controvertida
questão.
A condenação colheu de surpresa o autor e lhe provocou
surpresa e profundo sofrimento. No Natal de 1939, ele envia-
va a Roma uma primeira declaração de obediência, na qual
humilhava-se diante da Igreja. Declarava que sua fé era since-
ra, que seu objetivo era o bem das almas, que respeitava a au-
toridade da Igreja, que se sentia profundamente cristão. Mas
isto não bastou. Foi-lhe pedida declaração explícita de repro-
vação e retratação dos erros contidos nos dois livros. Exigia-
se dele, além disso, que retirasse do mercado todas as edições,
mesmo as estrangeiras, de que ele havia perdido o controle.
Impunha-se ao autor um problema de consciência. Ele pediu
que lhe fossem indicados os erros para que os pudesse retra-
tar. Ou seja, pediu que se discutisse. A Igreja não aceitou a
discussão. Assim, Ubaldi não se retratou, e os dois contendo-
res encerraram a pendência com o silêncio.
Feita esta premissa, passemos agora a examinar o compor-
tamento das duas partes e procuremos penetrar suas razões. A
Igreja foi coerente com seus princípios. Ela devia condenar,
sem faculdade de defesa nem de apelação para o condenado. Os
princípios teológicos da Igreja são conhecidos, estão codifica-
dos em dogmas bem definidos, que se aceitam ou se rejeitam;
de qualquer modo, nenhum católico os pode aceitar sob condi-
ções ou com reservas, mas só integralmente e sem discutir. A
Igreja se declara infalível, e qualquer dúvida no mérito pode ser
considerada heresia.
74 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
Pietro Ubaldi terá sido coerente na mesma medida? Aparen-
temente, parece que não. Mas, examinando mais profundamen-
te o caso, teremos de concluir que, também de sua parte, houve
coerência. Ubaldi humilhou-se diante da Igreja, declarou obedi-
ência a ela, mas não se retratou. Como se concilia isso com a
coerência? A resposta só pode vir depois que tiverem sido
compreendidos o pensamento e os sentimentos do autor.
Comecemos afirmando que Ubaldi é cristão. É um místico
cristão, que vive uma atividade religiosa muito intensa, que
constitui a nota dominante de sua vida. Quem conhece suas
obras e conhece de perto sua pessoa não pode pô-lo em dúvida.
A igreja católica, como todas as igrejas de quaisquer confissões
religiosas, cristãs ou não, vive uma atividade religiosa de trípli-
ce natureza: a mais importante é a mística, que tem sua origem
nas forças da alma e do coração; segue-se uma segunda ativi-
dade, a teológica, que constitui o invólucro intelectual da pri-
meira, que tem sua origem na razão; vem depois a terceira ati-
vidade, externa às duas primeiras, e é a litúrgica, que tem sua
origem numa necessidade dos sentidos. A atividade mística é o
conteúdo essencial de toda atividade religiosa, é a alma vital de
qualquer confissão religiosa digna desse nome. Alonga as pró-
prias raízes bem no âmago da alma, onde Deus fala; enxerta-se
nas fontes arcanas da vida. Este é, portanto, o conteúdo essen-
cial da vida religiosa da Igreja. Ela perderia toda a sua vitalida-
de se não haurisse nessa fonte sublime. Deus fala aos homens
através dos grandes místicos; são estes os intérpretes e traduto-
res do pensamento de Deus, o maravilhoso elo que une o Céu à
Terra. Os místicos falam uma linguagem extraordinariamente
eficaz; levam-nos a um plano em que o contingente cessa e o
universal domina. Neste plano está a vitória do verdadeiro, do
bom e do belo, que se acham fundidos em admirável harmonia,
que ilumina a mente e dá paz ao coração. Todos os místicos da
Terra, de todos os tempos, de todas as religiões, vivem as mes-
mas experiências místicas, falam a mesma linguagem, enunci-
am os mesmos princípios morais. No plano místico, calam to-
das as controvérsias religiosas e estabelece-se aquele ponto de
contato que liga e irmana todas as religiões professadas no
mundo. No plano místico não há lugar para a discórdia, para a
divisão, para a intolerância; não há lugar também para a conde-
nação, para a luta. Aí reina o amor, a paz, a concórdia.
Ubaldi é um místico e, como tal, não podia ter sido conde-
nado. Mas a Igreja o condenou da mesma forma, pois o julgou
um falso místico. Baseada em que considerações, pôde a Igreja
exprimir um julgamento tão grave? A resposta a este quesito foi
dada pela imprensa católica: o misticismo de Ubaldi se afasta
dos princípios teológicos do catolicismo, por isso foi condena-
do. Mas o que é a teologia, e de onde tira seus princípios? A te-
ologia representa o pensamento filosófico da Igreja, ou melhor,
dos padres da Igreja, de seus doutores. A teologia é um produto
do pensamento humano e só tem relações indiretas com a mís-
tica; portanto não está isenta de todos os defeitos do pensamen-
to humano, sendo o primeiro deles a falibilidade. Analisando-se
bem o caso de Ubaldi, podemos verificar com facilidade que a
Igreja quis condenar o pensamento não ortodoxo dele. Mas, pa-
ra condenar o pensamento, devia também condenar a alma mís-
tica. A Igreja não pode admitir que um homem seja bom cris-
tão, sem que também participe de seu pensamento teológico.
Por quê? Porque no pensamento teológico se ergue o edifício
social da própria Igreja – derrubem o edifício teológico e des-
moronará todo o edifício social da Igreja. Ubaldi tocou a teolo-
gia e, portanto, tocou diretamente esse edifício social. A Igreja
defendeu-se, condenando. Através de uma experiência de milê-
nios, a Igreja formou a sua atual estrutura, que ela julga a mais
condizente para a sua conservação e o cumprimento de sua
missão entre os homens. Tem uma sólida organização hierár-
quica, experimentada durante séculos, grandes meios financei-
ros, escolas, partidos políticos que a protegem externamente,
uma magistratura interna própria, e, quando o pode, serve-se
também do braço secular. Ela luta arduamente para manter o
próprio domínio sobre as massas. Porém o meio mais poderoso
de domínio é o controle das mentes dos homens, fazendo-os
pensar segundo suas ideias. Quem diverge de suas ideias traz
confusão à mente dos homens e ameaça sua existência, portanto
ela o condena inexoravelmente. É preciso reconhecer que o
pensamento filosófico de Ubaldi, expresso nos dois volumes
condenados, contrasta em muitos pontos com o pensamento
oficial da Igreja. Dessa forma, esta não podia deixar de conde-
ná-lo. Bastaria sua concepção monística e imanentista do uni-
verso, para criar um contraste insanável com a Igreja.
Apesar de tudo isso, Ubaldi fez ato de submissão à Igreja.
Por quê? Ubaldi sente-se profundamente cristão, individua no
corpo místico da Igreja o anelo de sua alma de místico, está
perfeitamente consciente da função vital dessa instituição mile-
nar e, portanto, sente o dever e a necessidade de respeitar a
Igreja. Ela tem, verdadeiramente, uma alta missão; é um orga-
nismo que, no interesse da vida, merece ser conservado e aju-
dado a viver. Massas ingentes de fiéis haurem na Igreja guia,
conforto e inspiração. Não se pode deixar de levar em conta tu-
do isso, pois constitui um benefício imenso para os fiéis e para
toda a sociedade, enquanto uma educação inspirada pelos prin-
cípios cristãos reforça os sentimentos de bondade, de altruísmo,
de honestidade e de convivência pacífica entre os homens. Por
isso Ubaldi fez ato de submissão à Igreja. É uma homenagem
justa à autoridade daquela Igreja, que ele respeita, da qual se
sente filho espiritual; Igreja que se compenetra da alma mística
de Cristo, que é também vida e conforto de sua alma. Não po-
dia rebelar-se sem, ao mesmo tempo, rebelar-se contra tudo o
que há de mais sagrado nele, sem perturbar as consciências de
todos quantos creem na Igreja e da Igreja recebem consolo.
Mas, então, por que não se retratou?
Não podia retratar-se por três motivos importantes. Primei-
ro, ele teria realizado um ato contrário à sua consciência, por-
que está persuadido de estar com a verdade. Sem esta profunda
convicção, ele não teria escrito, nem escreveria. Além disso, re-
tratando-se, ele teria transgredido também um princípio da pró-
pria Igreja, que foi sancionado pelo 4o Concílio de Latrão. Diz
ele: “quid quid fit contra conscientiam, sedificat ad gehennam”
(Tudo o que se faz contra a consciência, prepara a condenação).
Segundo, a condenação foi, em grande parte, efeito de um mal-
entendido. Olhou-se a letra, e não o espírito dos livros. Ele es-
clareceu seu pensamento em obras posteriores, desconhecidas
de quem o condenou. Para ele, a imanência não exclui a trans-
cendência. Ele diz com Santo Agostinho: “Deus est superior
summo, interior intimo meo” (Deus é o ser supremo, e é o mais
íntimo do meu ser). Terceiro, ele está plenamente convencido
de que tudo quanto há de místico e de conceitual em suas obras,
não pertence às suas faculdades pessoais, mas tem origem ins-
pirativa, que parte de um plano conceitual que o transcende, de
onde se comunica uma sublime entidade que ele chama “Sua
Voz”. Julga que falou por virtude inspirativa, e tudo quanto dis-
se não lhe pertence. Não tem, portanto, a faculdade de se retra-
tar; se o fizesse, trairia a Divindade. Achou-se ele então em
tremendo dilema: ou trair tudo quanto para sua alma havia de
mais sagrado, ou rebelar-se contra a Igreja. Ele não pode ser
traidor nem rebelde. Se traísse, cometeria uma monstruosidade
que mataria sua consciência; caso se rebelasse contra a Igreja,
cometeria um matricídio espiritual. Ele é cristão e não quer per-
turbar as consciências dos fiéis à Igreja. Não está aqui para tra-
zer a guerra e dividir, mas para trazer a paz e unir, sobretudo
para unir, que é o imperativo dos novos tempos.
Por que a Igreja quer impor uma coisa que contrasta com a
liberdade de consciência, sancionada por ela mesma no 4o Con-
cílio de Latrão? Por que a Igreja, atualmente, vive esse contras-
te? O absolutismo, a intolerância teológica, chocam-se às vezes
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 75
contra a consciência do homem. A Igreja é prisioneira da teolo-
gia e de sua filosofia particular em que se formou a teologia ca-
tólica. Então, o caso Ubaldi adquire um valor que o transcende
e se torna um dos tantos casos que condenam a atitude da Igre-
ja, em confronto com todo o pensamento moderno.
A filosofia da Igreja, como toda a escolástica, está permea-
da do pensamento aristotélico. Mas São Bernardo não concluía
que a filosofia de Aristóteles era a oficina do diabo? Não decla-
rava São Paulo que não se apoiava em argumentos humanos,
mas na força do espírito? Não diz a Imitação de Cristo: “que
nos importam os gêneros e as espécies”? Os grandes místicos
disseram que “Deus é mais íntimo a nós, do que nós mesmos”,
que ''Deus é a superessência de nossa alma”. Indubitavelmente,
o “ipse dixit” da escolástica perdeu seu valor, porque, depois de
Aristóteles, o pensamento humano caminhou muito e continua
a caminhar. Como pode considerar-se errado um pensamento só
pelo fato de que conclui partindo de premissas e com método
diversos do de Aristóteles e da escolástica? Não vemos nisto
nada de herético, mas apenas um pensamento humano que, im-
pelido pelo amor à verdade e ao bem, caminha pela estrada da
evolução. Razão e consciência levam a concluir que podemos
ser bons cristãos, mesmo não aceitando determinado pensamen-
to filosófico, embora seja este abraçado oficialmente pela Igre-
ja. Trata-se, com efeito, de um pensamento que, por sua nature-
za e origem, pode errar ou ser insuficiente. Não escapa, porém,
à verificação de que – como acima dissemos – a teologia católi-
ca nasceu sobre aquele pensamento, e dela saíram os dogmas e
as instituições da Igreja. Portanto, uma vez derrubado esse pen-
samento, a Igreja se acharia numa posição insustentável e deve-
ria renovar-se ou então morrer.
Mas, se os tempos estivessem realmente maduros para uma
renovação, e de fato fosse necessário o emparelhamento da
Igreja com o progresso dos tempos que correm, não seria da-
noso para a própria Igreja insistir em posições indefensáveis?
A resposta será dada pelo tempo. Fazemos votos para que a
Igreja tenha uma justificação que a nós escapa. Mas, se tal não
acontecer, poderá ser uma desgraça para o cristianismo e para
a humanidade.
(a) Paolo Soster
NOTA DA REDAÇAO – O artigo do Dr. Soster é interes-
sante, pois nos faz conhecer a personalidade do Professor
Ubaldi em seu aspecto místico, em contraste com a Igreja cató-
lica. A ela, porém, não deve ser atribuída a responsabilidade
dos julgamentos que os homens que a representam pronuncia-
ram em certos períodos da história; os julgamentos desses ho-
mens foram às vezes enganosos e injustos, até cruéis além de
injustos, porque o sentimento da justiça estava obscurecido ne-
les pela consciência dogmática. A esse respeito, é necessário
lembrar que a maioria dos místicos que a Igreja santificou tive-
ram suas manifestações intelectuais ditadas pela inspiração,
além daquelas duas linhas com que Krishnamurti representou
as religiões dogmáticas, que assinalam a existência das almas
comuns no caminho da vida...
Também Santa Teresa de Ávila, que definiu o paraíso e o
inferno como modos de ser das almas, e não lugares, podia ter
sido, da mesma forma, condenada pela Igreja, e não o foi...
Quem leu os dois livros de Ubaldi condenados pela Igreja,
compreendeu facilmente a razão da condenação: o conceito da
imanência divina, que inspira os dois livros, é o que a Igreja re-
jeita, porque contraria a concepção dogmática da Divindade.
Diante dessa condenação, pronunciada num momento de
trágica luta da espiritualidade contra o materialismo ateu, a con-
denação dos dois livros de Ubaldi, que são a apoteose do espíri-
to, poderá parecer, mais do que inoportuna e injusta, paradoxal!
Mas não é igualmente paradoxal a atitude dos homens re-
presentantes da Igreja diante da ciência metapsíquica, que po-
deria ser utilizada para demonstrar cientificamente a transcen-
dência da vida e a imortalidade do espírito humano, para con-
forto e apoio do ensino religioso?
É supérfluo recordar aqui os contraditórios julgamentos dos
homens que encarnam a Igreja na distância dos tempos, como
por exemplo, a respeito do conceito heliocêntrico do universo,
aceito por Copérnico e condenado por Galileu Galilei.
O Professor Ubaldi fez bem em ser coerente com sua cons-
ciência, não retratando o que escreveu sob inspiração mística; e
a Congregação do Santo ofício talvez tivesse feito melhor se
não cometesse o excesso de zelo dogmático, pondo no “Índex”
os dois livros que tanto conforto deram às consciências cristãs e
despertaram a fé em outros que a haviam perdido !
O PONTO DE VISTA TEOLÓGICO
Para que a documentação de tudo o que ocorreu até hoje se-
ja completa, e para que o leitor reverente à Igreja Católica saiba
que erros, do ponto de vista teológico, ele pode achar no texto
de A Grande Síntese, aqui trazemos a resposta sobre os mes-
mos. Ela nos chegou às mãos em 14 de agosto de 1940, alguns
meses depois da publicação dos artigos precedentes (confronte
as datas). Esta resposta compõe-se de duas partes:
I – Uma carta da autoridade religiosa, da qual extraímos os
trechos mais importantes;
II – O anexo pró-memória, da mesma autoridade (o Bispo
de Gúbio), que reproduzimos na íntegra, traduzido do latim as
partes referentes aos dogmas católicos.
Quanto aos erros contidos no volume Ascese Mística, tam-
bém condenado, nada podemos dizer, pois até agora nada nos
chegou sobre o mesmo.
Trechos da Carta do Bispo de Gúbio
Diante das afirmações contidas em A Grande Síntese, estão
assinaladas aquelas contrárias às ensinadas pela Igreja Católica.
A doutrina católica foi extraída dos Símbolos, das Defini-
ções, Declarações e outros documentos autênticos do Magisté-
rio Eclesiástico, colecionados sistematicamente para facilitar
sua procura num Manual (Henchiridion), de Denzinger (...).
No “pró-memória”, não foram transcritas todas as proposi-
ções contrárias ao dogma católico. Há muitas outras, mas creio
inútil catalogá-las, porque, em vosso livro, é a substância que
se opõe à doutrina católica, e aí existe a mais estreita coerência
entre princípios e consequências: derrubados aqueles, desmo-
rona todo o resto.
Dois são os princípios dos quais se originam vossas teori-
as: o primeiro é o do panteísmo evolucionista, por vós aber-
tamente professado, e não menos abertamente condenado pela
Igreja, como podereis ver no “pró-memória”; o segundo é o
da imanência filosófica e teológica, condenada na Encíclica
“Pascendi”, contra o modernismo, definido como a “síntese de
todas as heresias”.
Se, de fato, quereis ter o trabalho de ler aquela Encíclica,
aí achareis condenado todo o vosso livro, porque ele repete,
quase que literalmente, a filosofia e a teologia modernista. Por
que arriscar-vos assim, sem uma adequada preparação, no
problema religioso?
Não é o caso de insistir sobre a pretendida revelação divina,
a vós pessoalmente feita, de certas verdades. Tratar-se-ia de
uma revelação interna, em oposição à revelação externa, de que
a Igreja é a depositária. E então recaís no erro dos modernistas,
condenado na Encíclica “Pascendi”; e naquele pseudo-
misticismo já condenado no século XVII em Miguel Molinos,
que sustentava justamente haver nele uma luz superior a todo
conhecimento humano e teológico, que lhe fazia conhecer a
verdade com certeza interna; luz que, certamente, chegava a ele
76 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
do alto, porque ele a recebia com a certeza de que tal luz provi-
nha de Deus, e não lhe deixava nenhuma dúvida em contrário
(...) (cfr. Denzinger, 1273). Como vedes, certas atitudes mentais
não são nada novas, e a Igreja, fiel à sua divina missão, sempre
interveio imediatamente para chamar os que erram ao sulco lu-
minoso e seguro da revelação e tradição cristã. Pensai que caos
haveria nos espíritos, se a qualquer indivíduo fosse lícito im-
pingir-se como termo de uma revelação ou inspiração divina!
Pró-Memória do Bispo de Gúbio
Das principais afirmações contrárias ao dogma católico – e
portanto à revelação – contidas na obra A GRANDE SÍNTESE
de Pietro Ubaldi.
Premissas – A linguagem nova torna a obra de interpretação
não muito fácil. Muitas afirmações, oportunamente esclareci-
das, poderiam também conciliar-se com os princípios da fé ca-
tólica. Destas não nos ocupamos, mesmo reconhecendo que,
tomadas no contexto da obra, é bem difícil interpretá-las no
sentido da Igreja. Limitar-nos-emos, por isso, a notar apenas o
que abertamente é contrário à doutrina católica.
DEUS
O autor professa abertamente um panteísmo evolucionista.
“(...) conceito de um Deus que „é” a criação (...). Este é o
conceito mais completo de Deus (...), a grande Alma do univer-
so, centro de irradiação e de atração; Aquele que é tudo, o prin-
cípio e as suas manifestações”.
Deus imanente na natureza: “(...) a mão de Deus (...), é um
conceito que é a alma das coisas; (...) adoro-Te, recôndito Eu
do universo, alma do todo (...)”.
Todas as coisas emanam de Deus: “(...) Quem serás tu, en-
tão, se já me arrasa a incomensurável complexidade destas
Tuas emanações? (...) Eu Te adoro, supremo princípio do todo,
em Tua veste de matéria, em Tua manifestação de energia, no
inexaurível renovar-se de formas sempre novas e sempre belas,
eu Te adoro. Conceito, sempre novo e belo, Lei animadora do
universo(...)”. (Trechos de A Grande Síntese). Em muitas outras
páginas o autor desenvolve os mesmos conceitos.
DOUTRINA CATÓLICA
Ela é diametralmente oposta. As afirmações acima são heré-
ticas porque contrárias aos dogmas da fé católica definida:
(Concílio Vaticano, Sessão III, Cânone 3):
“Se alguém disser que é uma e a mesma substância ou es-
sência de Deus e de todas as coisas, seja condenado” (Denzin-
ger, 1803).
Cânone 4: “Se alguém disser que as coisas finitas, quer
corporais, quer espirituais, ou mesmo apenas as espirituais,
emanaram da substância divina, ou a essência divina, pela
manifestação e emanação de si, torna-se todas as coisas, ou
finalmente, que Deus é o Ser universal ou indefinido que, de-
terminando-se, constitui a universalidade das coisas, distinta
nos gêneros, nas espécies e nos indivíduos, seja condenado”
(Denzinger, 1804).
Além disso, na Constituição Dogmática, do mesmo Concí-
lio do Vaticano, foi dito:
“A Santa Igreja Católica Apostólica Romana crê e confessa
haver um só Deus vivo e verdadeiro (...) que, como é uma subs-
tância espiritual única, singular, simples absolutamente e inco-
mutável, deve ser confessado distinto, na coisa e na essência,
do mundo, em si e por si felicíssimo, e inefavelmente elevado
acima de todas as coisas que podem conceber-se e que existem
além dele” (Denzinger, 1782).
A CRIAÇÃO
A criação, como obra de Deus “ad extra”; é absurda:
“A vossa concepção de um Deus que cria fora de si e além
de si (...) é absurda concepção antropomórfica; Deus não pode
ser algo de mais e de externo, de distinto da criação (...). Deus é
também o universo físico, pois que este é apenas um átimo de
seu eterno tornar-se, em que Ele se manifesta (...). Deus é o
princípio e a sua manifestação (...). Deus é conceito e matéria,
princípio e forma, causa e efeito, cerrados, incindíveis”.
É negada a possibilidade da criação a partir do nada: “(...) é
absurda, como sempre, uma criação a partir do novo” (Trechos
de A Grande Síntese).
DOUTRINA CATÓLICA
É de fé que “Deus praedicandus est re et essentia a mundo
Distinctus” (Deus é distinto do mundo por seus atributos e por
sua essência), de acordo com a Constituição Dogmática do
Concílio Vaticano, supra citada. E o Concílio de Latrão, 4o
(1215): “O qual (Deus), por Sua onipotente virtude, concomi-
tantemente, desde o princípio do tempo, criou do nada a criatu-
ra, espiritual e corporal” (Denzinger, 428).
A Bula “Cantate Domino”, de Eugênio IV: “(...) Firmissi-
mamente crê (...) que Deus (...), Criador de todas as coisas, o
qual criou todas as criaturas, porque do nada foram feitas”
(Denzinger, 706).
CONHECIMENTO DE DEUS
Deus não pode ser conhecido com a razão, mas apenas com
a intuição: “(...) este é o único meio que leva ao conhecimento
do Absoluto (...), deixareis de lado (...) aquela vossa psique ex-
terior e de superfície, que é a razão, porque só com esta psique
interior, que está no âmago de vós mesmos, podereis compre-
ender a realidade mais verdadeira, que está no âmago das coisas
(...). Falei-vos da vossa razão (...), afirmando (...) sua insufici-
ência, como meio para a conquista de conhecimento do Absolu-
to” (Trechos de A Grande Síntese).
DOUTRINA CATÓLICA
Ela é de fé contrária, Concílio Vaticano, Sessão III, Capítu-
lo II, Cânone 1o: “Se alguém disser que Deus único e verdadei-
ro, nosso Criador e Senhor, não puder ser conhecido pelas coi-
sas que foram feitas, com certeza, pela luz da natural razão hu-
mana, seja condenado” (Denzinger, 1806).
CONHECIMENTO DOS MISTÉRIOS
É negada a existência dos mistérios propriamente ditos:
“(...) o que antes, por outras formas intelectivas, devia ser for-
çosamente dogma e mistério de fé, será questão de puro racio-
cínio, será demonstrável” (Trecho de A Grande Síntese).
DOUTRINA CATÓLICA
Ela é de fé contrária, Concilio Vaticano, Sessão III, Capítu-
lo IV, Cânone 1o:
“Se alguém disser que, na revelação divina, nenhum verda-
deiro e próprio mistério é contido, mas que todos os dogmas da
fé podem ser compreendidos e demonstrados, pelos princípios
naturais, por uma razão devidamente culta, seja condenado”
(Denzinger, 1816).
E na Constituição Dogmática do mesmo Concílio: “Isto
também é o perpétuo consentimento da Igreja Católica, que
manteve e mantém: é duplo o plano do conhecimento, não só
distinto pelo princípio, mas também pelo objeto; pelo princípio,
porque conhecemos de um lado pela razão natural, de outro pe-
la fé divina; pelo objeto, porém, porque, além daquelas coisas a
que pode chegar a razão natural, devem ser propostos a nós pa-
ra crer nos mistérios escondidos em Deus, os quais, se não fo-
rem divinamente revelados, não podem ser conhecidos” (Den-
zinger, 1795).
O SOBRENATURAL – OS MILAGRES
Da premissa de que “Deus é a Criação”, deduz-se logica-
mente a negação do sobrenatural e do milagre, tomado este no
sentido católico de fato maravilhoso que ocorre fora da ordem
estabelecida e comumente observada nas coisas. Com efeito:
“(...) a natureza é expressão divina, e não pode haver um “quid”
acima dela (...). Sobrenatural e milagre são conceitos absurdos
diante do absoluto, aceitáveis apenas dentro do vosso relativo,
aptos a exprimir vossa maravilha diante do novo, para nós, e
Pietro Ubaldi COMENTÁRIOS 77
nada mais (...). Esta (a Divindade) é superior a todo prodígio e
o exclui como exceção, como retorno ao já feito, retoque ou ar-
rependimento e sobretudo como vontade de desordem no equi-
líbrio da Lei (...)” (Trechos de A Grande Síntese).
DOUTRINA CATÓLICA
O conceito do sobrenatural é fundamental para a teologia
católica e é base de fé:
Pio V condenou, em 1567, a proposição de Miguel Bay, que assim dizia: “A sublimação e exaltação da natureza humana em
consórcio com a natureza divina, deve ser chamada natural, e não sobrenatural” (Denzinger, 1021).
Pio IX, na carta “Gravissimus inter”, de 11 de dezembro de 1862: “(...) como os fins são certíssimos e conhecidos por todos,
além dos quais a razão, por sua capacidade, nunca passou nem
pode passar. E a dogmas desta espécie se referem todas aquelas coisas, máxima e claramente, que dizem respeito à elevação so-
brenatural do homem, e à relação sobrenatural com ele, e as coi-sas reveladas são conhecidas para esse objetivo. E, sem dúvida,
estando dogmas acima da natureza, naturalmente não podem ser atingidos pela razão nem pelos princípios naturais. Nunca, com
efeito, pode tornar-se idônea a razão, com seus princípios natu-
rais, a tratar desses dogmas com sabedoria. E se eles ousarem asseverar temerariamente estas coisas, saibam que eles não estão
se afastando da opinião de alguns doutores, mas da doutrina co-mum e jamais mudada da Igreja” (Denzinger, 1671).
O Concílio Vaticano, Sessão III, Cânone 4: “Se alguém dis-
ser nenhum milagre poder ser feito e, portanto, que todas as narrativas acerca dos mesmos, ainda que contidas nas Sagradas
Escrituras, devem ser relegadas entre as fábulas e os mitos; ou que nunca se poderão conhecer com certeza os milagres nem
provar por eles a origem divina da religião cristã, seja condena-do” (Denzinger 1813).
A SS. TRINDADE
Eis como se pretende explicá-la: “Ômega = Deus. Alfa (es-
pírito), Beta (energia), Gama (matéria): três modos de ser de
Ômega”.
“Assim a equação da substância sintetiza o conceito da
Trindade, isto é, da Divindade una e trina, que já vos foi reve-lada sob o véu do mistério e que achais nas religiões. A Lei de
que falamos e o pensamento da Divindade, seu modo de ser como Espírito. O pensamento que é concomitantemente von-
tade de ação, energia que obra, tornar-se que cria, é seu se-
gundo modo de ser (...). Uma forma de matéria em ação é seu terceiro modo de ser; é o criado que existe, o universo físico
que vedes. Três modos de ser distintos e, no entanto, identi-camente os mesmos”.
Volta-se ao mesmo conceito (Trindade da substância) e é
reafirmado o mesmo pensamento, onde se acrescenta: “(...) eu exponho à vossa maturidade intelectual, com evidente demons-
tração e com exatidão científica, o que às mentes primitivas não podia ser dito senão sob forma de imagens e sob o véu do mis-
tério (...). Com a ciência demonstro e confirmo o mistério” (Trechos de A Grande Síntese).
DOUTRINA CATÓLICA
Eis o dogma católico: Um só Deus em três pessoas iguais e
distintas (pessoas, porém, não modos de ser), espirituais (não
matéria e energia), coeternas (não evoluindo uma da outra). Inumeráveis são os documentos da Igreja que ilustram a sua
doutrina a esse respeito. Basta citar, em lugar de todos, o céle-bre Symbolum Athanasianum (Denzinger, 39) e se verá como
a explicação da Trindade dada acima é simplesmente herética,
porque contrária a uma verdade revelada, e como tal proposta pela Igreja à crença.
Além disso, já dissemos que é de fé que há mistérios que não podem conhecer-se, e muito menos demonstrar apenas com a
razão natural. É absurda, pois, a pretensão de querer expor, com evidente demonstração, o primeiro e maior mistério da religião
católica, que é justamente o mistério da Santíssima Trindade.
TODAS AS RELIGIÕES SÃO BOAS?
Assim parece: Religião sintética do futuro, feita com a for-
ça do espírito e com a bondade. “(...) meu sistema aceita fra-
ternalmente qualquer fé, desde que seja fé, e não condena ne-
nhuma, desde que seja sincera (...). Todas as religiões se apro-
ximaram da verdade; a de Cristo mais do que todas; mas a ver-
dade não poderia ter sido plenamente atingida nem pela de
Cristo... As religiões – imperdoável erro – (...) todas em luta
entre si, exclusivistas na posse da Verdade (...). Eu não venho
para combater nenhuma religião, mas para coordená-las todas,
como tantas aproximações diferentes da verdade, que é Una
(...). Coloco, porém, no mais alto posto, na Terra, a revelação e
a religião de Cristo, como a mais completa e mais perfeita en-
tre todas (...). Mais perfeita parece a religião proposta, e que se
poderia chamar a religião do Monismo. (...) como do polite-
ísmo passastes ao monoteísmo, isto é, à fé num só Deus (mas
sempre antropomórfico, enquanto faz sua criação fora de si),
agora passais ao monismo, isto é, ao conceito de um Deus que
e a criação” (Trechos de A Grande Síntese).
DOUTRINA CATÓLICA
A doutrina católica ensina que é uma só a verdadeira reli-
gião, a cristã-católica, revelada como tal por Cristo-Deus, que
contém toda e somente a verdade, guardada e ensinada pela
Igreja, a quem Cristo a confiou, como a mestra infalível.
Portanto o erro condenado no Sílabo: “ É livre a todo ho-
mem abraçar e professar aquela religião, que, pela luz da razão,
alguém for levado a crer verdadeira” (Denzinger, 1715).
Se nem a religião de Cristo ensinou toda e somente a verda-
de, mas é apenas uma aproximação mais perfeita desta, então,
por consequência lógica, dever-se-á negar a divindade de Cris-
to, o magistério infalível da Igreja etc., ou seja, os dogmas fun-
damentais do catolicismo (...), portanto outros tantos erros con-
tra a verdade de fé definida (Denzinger, 40, 86, 1793 etc.).
Se por Monismo se entende “o conceito de um Deus que é a
criação” caímos no panteísmo, como se disse acima, porque se
Deus “é a criação”, então todas as coisas são Deus (...), são
emanações de Deus (...) etc. (Veja condenação do Concílio Va-
ticano, Sessão III, Cânones 4 e 5, em Denzinger, 1804).
ALMA HUMANA
A alma é o resultado da evolução: “Vimos como, na evolu-
ção, o ser, ascendendo da matéria ao espírito (...). A evolução
ascende da matéria à energia, à vida, ao espírito (...)”. O concei-
to é ratificado, pode dizer-se, a cada página e é consequência
lógica do sistema.
A alma não é criada: “é absurda, como sempre, uma criação
a partir do novo, mesmo na gênese da personalidade humana”.
A alma eterna: “(...) a existência de um princípio psíquico é
evidente, ele deve ser imortal; e imortalidade só pode ser eter-
nidade (...), se tudo o que existe é eterno, vós, se existirdes,
sois eternos (...). Vossa consciência latente é vossa verdadeira
alma eterna, aquela que preexiste ao nascimento e sobrevive à
morte corpórea”.
Pré-existência e reencarnação: “(...) alma eterna, que pre-
existe ao nascimento (...). Sobrevivência do espírito é sinô-
nimo de reencarnação”. Conceitos semelhantes, consequên-
cias do sistema, acham-se ainda a cada passo da obra A
Grande Síntese.
DOUTRINA CATÓLICA
É de fé que a alma humana não é produto da evolução.
Condenada a proposição 20, de Rosmini: “Não repugna que a
alma humana se multiplique pela geração, de tal forma que se
compreenda que ela procede do imperfeito, isto é, do grau sen-
sível, ao grau intelectivo” (Denzinger 1910). Com tanto mais
razão, a condenação vale para a tese que pretende a evolução da
matéria ao espírito.
A alma é criada por Deus a partir do nada: “Cremos que a
alma do homem não é divina substância, nem parte de Deus,
78 COMENTÁRIOS Pietro Ubaldi
mas dizemos que a criatura é criada pela vontade divina” (Den-
zinger, 20). “Creio que a alma não é parte de Deus, mas criada
do nada” (Denzinger, 348). A alma não é eterna, justamente
porque é criada.
A alma não preexiste: “Se alguém diz ou pensa que as al-
mas dos homens preexistem, como tendo sido antes mentes e
santas virtudes, e terem gozado da sociedade da divina contem-
plação, e terem-se tornado piores e, por isso, se terem resfriado
do amor de Deus e daí se chamarem em grego “psyche”, ou se-
ja almas, a terem sido lançadas nos corpos por causa do sofri-
mento, seja condenado” (Denzinger, 203). “Se alguém diz que
as almas humanas primeiro pecaram na habitação celeste e por
isso foram lançadas nos corpos humanos na Terra, como disse
Prisciliano, seja condenado” (Denzinger, 236).
A reencarnação é insustentável e inconciliável com a dou-
trina católica: “Está decretado que o homem morre uma só
vez, e depois disso vem o julgamento”. Concilio de Florença:
“Mas, por causa de diversos erros, introduzidos pela ignorân-
cia de alguns e pela malícia de outros, diz e confessa: (...) que
as almas daqueles que, depois de terem recebido o Santo Ba-
tismo não incorreram em nenhuma mancha de pecado e tam-
bém aquelas que, depois de terem contraído a mancha do pe-
cado, ou permanecendo em seus corpos, ou dos mesmos des-
vestidas, como acima ficou dito (sobre o Purgatório) e estão
limpas, são recebidas imediatamente no Céu. As almas daque-
les, porém, que morrem em pecado, ou só com o original, des-
cem imediatamente ao inferno, mas são punidas, porém, com
penas diferentes” (Denzinger, 464).
Pietro Ubaldi
FIM
O HOMEM
Pietro Ubaldi, filho de Sante Ubaldi e Lavínia Alleori Ubaldi, nasceu em 18 de agosto de 1886, às 20:30 horas (local). Ele escolheu os pais e a cidade
onde iria nascer, Foligno, Província de Perúgia (capital da Úmbria). Foligno fi-
ca situada a 18 km de Assis, cidade natal de São Francisco de Assis. Até hoje, as cidades franciscanas guardam o mesmo misticismo legado à Terra pelo
grande poverelo de Assis, que viveu para Cristo, renunciando os bens materiais
e os prazeres deste mundo.
Pietro Ubaldi sentiu desde a sua infância uma poderosa inclinação pelo
franciscanismo e pela Boa Nova de Cristo. Não foi compreendido, nem poderia
sê-lo, porque seus pais viviam felizes com a riqueza e com o conforto proporci-onado por ela. A Sra. Lavínia era descendente da nobreza italiana, única herdei-
ra do título e de uma enorme fortuna, inclusive do Palácio Alleori Ubaldi. As-
sim, Pietro Alleori Ubaldi foi educado com os rigores de uma vida palaciana.
Não pode ser fácil a um legítimo franciscano viver num palácio. Naturalmen-
te, ele sentiu-se deslocado naquele ambiente, expatriado de seu mundo espiritual.
A disciplina no palácio, ele aceitou-a facilmente. Todos deveriam seguir a orien-tação dos pais e obedecer-lhes em tudo, até na religião. Tinham de ser católicos
praticantes dos atos religiosos, realizados na capela da Imaculada Conceição, no
interior do palácio. Pietro Ubaldi foi sempre obediente aos pais, aos professores, à família e, em sua vida missionária, a Cristo. Nem todas as obrigações palacianas
lhe agradavam, mas ele as cumpriu até à sua total libertação. A primeira liberdade
se deu aos cinco anos, quando solicitou de sua mãe que o mandasse à escola, e aquela bondosa senhora atendeu o pedido do filho. A segunda liberdade, verdadei-
ro desabrochamento espiritual, aconteceu no ginásio, ao ouvir do professor de ci-
ência a palavra “evolução”. Outra grande liberdade para o seu espírito foi com a leitura de livros sobre a imortalidade da alma e reencarnação, tornando-se reen-
carnacionista aos vinte e seis anos. Daí por diante, os dois mundos, material e es-
piritual, começaram a fundir-se num só. A vida na Terra não poderia ter outra fi-nalidade, além daquelas de servir a Cristo e ser útil aos homens.
Pietro Ubaldi formou-se em Direito (profissão escolhida pelos pais, mas ja-
mais exercida por ele) e Música (oferecimento, também, de seus genitores), fez-se poliglota, autodidata, falando fluentemente inglês, francês, alemão, espanhol, por-
tuguês e conhecendo bem o latim; mergulhou nas diferentes correntes filosóficas e
religiosas, destacando-se como um grande pensador cristão em pleno Século XX. Ele era um homem de uma cultura invejável, o que muito lhe facilitou o cumpri-
mento da missão. A sua tese de formatura na Universidade de Roma foi sobre A Emigração Transatlântica, Especialmente para o Brasil, muito elogiada pela ban-
ca examinadora e publicada num volume de 266 páginas pela Editora Ermano
Loescher Cia. Logo após a defesa dessa tese, o Sr. Sante Ubaldi lhe deu como prêmio uma viagem aos Estados Unidos, durante seis meses.
Pietro Ubaldi casou-se com vinte e cinco anos, a conselho dos pais, que es-
colheram para ele uma jovem rica e bonita, possuidora de muitas virtudes e fina educação. Como recompensa pela aceitação da escolha, seu pai transferiu para
o casal um patrimônio igual àquele trazido pela Senhora Maria Antonieta Sol-
fanelli Ubaldi. Este era, agora, o nome da jovem esposa. O casamento não esta-va nos planos de Ubaldi, somente justificável porque fazia parte de seu destino.
Ele girava em torno de outros objetivos: o Evangelho e os ideais franciscanos.
Mesmo assim, do casal Maria Antonieta e Pietro Ubaldi nasceram três filhos: Vicenzina (desencarnada aos dois anos de idade, em 1919), Franco (morto em
1942, na Segunda Guerra Mundial) e Agnese (falecida em S. Paulo - 1975).
Aos poucos, Pietro Ubaldi foi abandonando a riqueza, deixando-a por con-ta do administrador de confiança da família. Após dezesseis anos de enlace ma-
trimonial, em 1927, por ocasião da desencarnação de seu pai, ele fez o voto de
pobreza, transferindo à família a parte dos bens que lhe pertencia. Aprovando aquele gesto de amor ao Evangelho, Cristo lhe apareceu. Isso para ele foi a
maior confirmação à atitude tão acertada. Em 1931, com 45 anos, Pietro Ubaldi
assumiu uma nova postura, estarrecedora para seus familiares: a renúncia fran-ciscana. Daquele ano em diante, iria viver com o suor do seu rosto e renunciava
todo o conforto proporcionado pela família e pela riqueza material existente.
Fez concurso para professor de inglês, foi aprovado e nomeado para o Liceu Tomaso Campailla, em Módica, Sicilia – região situada no extremo sul da Itália
– onde trabalhou somente um ano letivo. Em 1932 fez outro concurso e foi
transferido para a Escola Média Estadual Otaviano Nelli, em Gúbio, ao norte da Itália, mais próximo da família. Nessa urbe, também franciscana, ele trabalhou
durante vinte anos e fez dela a sua segunda cidade natal, vivendo num quarto
humilde de uma casa pequena e pobre (pensão do casal Norina-Alfredo Pagani – Rua del Flurne, 4), situada na encosta da montanha.
A vida de Pietro teve quatro períodos distintos (v. livro Profecias – “Gêne-
se da II Obra”): dos 5 aos 25 anos formação; 25 aos 45 anos maturação in-
terior, espiritual, na dor; dos 45 aos 65 anos Obra Italiana (produção concep-
tual); dos 65 aos 85 anos Obra Brasileira (realização concreta da missão).
O MISSIONÁRIO
Na primeira semana de setembro de 1931, depois da grande decisão fran-ciscana, Cristo novamente lhe apareceu e, desta vez, acompanhado de São
Francisco de Assis. Um à direita e outro à esquerda, fizeram companhia a Pie-
tro Ubaldi durante vinte minutos, em sua caminhada matinal, na estrada de Colle Umberto. Estava, portanto, confirmada sua posição.
Em 25 de dezembro de 1931, chegou-lhe de improviso a primeira mensa-gem, a Mensagem de Natal. Por intuição ele sentiu: estava aí o início de sua
missão. Outras Mensagens surgiram em novas oportunidades. Todas com a
mesma linguagem e conteúdo divino.
No verão de 1932, começou a escrever A Grande Síntese, a qual só termi-
nou em 23 de agosto de 1935, às 23h00min horas (local). Esse livro, com cem capítulos, escrito em quatro verões sucessivos, foi traduzido para vários idio-
mas. Somente no Brasil, já alcançou quinze edições. Grandes escritores do
mundo inteiro opinaram favoravelmente sobre A Grande Síntese. Ainda outros compêndios, verdadeiros mananciais de sabedoria cristã, surgiram nos anos se-
guintes, completando os dez volumes escritos na Itália:
01) Grandes Mensagens
02) A Grande Síntese - Síntese e Solução dos Problemas da Ciência e do Espírito
03) As Noúres - Técnica e Recepção das Correntes de Pensamento
04) Ascese Mística
05) História de Um Homem
06) Fragmentos de Pensamento e de Paixão
07) A Nova Civilização do Terceiro Milênio
08) Problemas do Futuro
09) Ascensões Humanas
10) Deus e Universo
Com este último livro, Pietro Ubaldi completou sua visão teológica, além
de profundos ensinamentos no campo da ciência e da filosofia. A Grande Sínte-
se e Deus e Universo formam um tratado teológico completo, que se encontra ampliado, esclarecido mais pormenorizadamente, em outros volumes escritos
na Itália e no Brasil, a segunda pátria de Ubaldi.
O Brasil é a terra escolhida para ser o berço espiritual da nova civiliza-
ção do Terceiro Milênio. Aqui vivem diferentes povos, irmanados, indepen-
dentes de raças ou religiões que professem. Ora, Pietro Ubaldi exerceu um ministério imparcial e universal, e nenhum país seria tão adaptado à sua mis-
são quanto a nossa pátria. Por isso o destino quis trazê-lo para cá e aqui com-
pletar sua tarefa missionária.
Nesta terra do Cruzeiro do Sul, ele esteve em 1951 e realizou dezenas de
conferências de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Em oito de dezembro do ano se-guinte, desembarcaram, no porto de Santos, Pietro Ubaldi acompanhado da es-
posa, filha e duas netas (Maria Antonieta e Maria Adelaide), atendendo a um
convite de amigos de São Paulo para vir morar neste imenso país. É oportuno lembrar que Ubaldi renunciou aos bens materiais, mas não aos deveres para
com a família, que se tornou pobre porque o administrador, primo de sua espo-
sa, dilapidou toda a riqueza entregue a ele para gerencia-la.
Em 1953, Pietro Ubaldi retornou à sua missão apostolar, continuou a re-
cepção dos livros e recebeu a última Mensagem, Mensagem da Nova Era, em São Vicente, no edifício “Iguaçu”, na Av. Manoel de Nóbrega, 686 – apto. 92.
Dois anos depois, transferiu-se com a família para o Edifício “Nova Era” (coin-
cidência, nada tem haver com a Mensagem escrita no edifício anterior), Praça 22 de janeiro, 531 – apto. 90. Em seu quarto, naquele apartamento, ele comple-
tou a sua missão. Escreveu em São Vicente a segunda parte da Obra, chamada
brasileira, porque escrita no Brasil, composta por:
11) Profecias
12) Comentários
13) Problemas Atuais
14) O Sistema - Gênese e Estrutura do Universo
15) A Grande Batalha
16) Evolução e Evangelho
17) A Lei de Deus
18) A Técnica Funcional da Lei de Deus
19) Queda e Salvação
20) Princípios de Uma Nova Ética
21) A Descida dos Ideais
22) Um Destino Seguindo Cristo
23) Pensamentos
24) Cristo
São Vicente (SP), célula mater. do Brasil, foi a terceira cidade natal de Pie-
tro Ubaldi. Aquela cidade praiana tem um longo passado na história de nossa pátria, desde José de Anchieta e Manoel da Nóbrega até o autor de A Grande
Síntese, que viveu ali o seu último período de vinte anos. Pietro Ubaldi, o Men-
sageiro de Cristo, previu o dia e o ano do término de sua Obra, Natal de 1971,
com dezesseis anos de antecedência. Ainda profetizou que sua morte acontece-
ria logo depois dessa data. Tudo confirmado. Ele desencarnou no hospital São
José, quarto No 5, às 00h30min horas, em 29 de fevereiro de 1972. Saber quan-do vai morrer e esperar com alegria a chegada da irmã morte, é privilégio de
poucos... O arauto da nova civilização do espírito foi um homem privilegiado.
A leitura das obras de Pietro Ubaldi descortina outros horizontes para uma
nova concepção de vida.
Vida e Obra de
Pietro Ubaldi
(Sinopse)