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COMUNICAÇÃO E PASSIVIZAÇÃO: UM ESTUDO SOBRE A
PARTICIPAÇÃO DOS REPRESENTANTES DE USUÁRIOS E
TRABALHADORES DE SAÚDE NA GESTAO DA POLITICA DE
SAÚDE NO ESTADO DE PERNAMBUCO1
AALLBBUUQQUUEERRQQUUEE,, MMaarriiaa ddoo SSooccoorrrroo VVeelloossoo ddee22
E-mail: [email protected]
IINNSSTTIITTUUIIÇÇAAOO:: SSuuppeerriinntteennddêê nncciiaa ddee DDeessee nnvvoollvviimmee nnttoo ddoo NNoo rrddeessttee//SSUUDDEENNEE
EIXO TEMÁTICO 3: PARTICIPAÇÃO E GOVERNO LOCAL
MESA DE TRABALHO: POLÍTICAS E GESTAO SOCIAL
PALAVRAS-CHAVES: Comunicação; Hegemonia; Participaçao; Gestão Social, Grupos Subalternos ENDEREÇO:
RESUMO
Este trabalho é parte dos resultados da dissertação de mestrado da autora, desenvolvida pela Universidade Federal de Pernambuco/Brasil, que estudou a comunicação como construção de consenso/consentimento no processo de participação dos grupos subalternos, inseridos no Conselho Estadual de Saúde/CES-PE, na gestão da Política Estadual de Saúde de Pernambuco. A comunicação foi analisada a partir da tríade teórica: participação, no processo decisório em Saúde; informação institucional; comunicação dos grupos subalternos, no sentido da interrelação dos representantes dos usuários e trabalhadores de saúde entre si, com suas entidades de base, com os movimentos sociais e com a sociedade em geral, na problematização coletiva dos temas a serem enfrentados na esfera do CES/PE, portanto, do re -contar a realidade a partir da visão de mundo dos grupos subalternizados. Trata-se de um estudo de caso, com abordagem qualitativa, que teve como sujeito os conselheiros estaduais de saúde, representantes de usuários e trabalhadores de saúde. Os resultados da pesquisa indicam que o espaço do CES/PE configurou-se no período estudado, muito mais como mecanismo de passivização, no qual os grupos subalternos têm participado sem 1 Este trabalho é parte do capítulo de resultados da dissertaçao de Mestrado da autora:
ALBUQUERQUE, Maria do Socorro Veloso de. Comunicação e Passivização: um Estudo sobre a participação dos representantes de usuários e trabalhadores de saúde na Gestão da Política de Saúde no Estado de Pernambuco. Recife, 2000. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal de Pernambuco.
2 Assistente Social Sanitarista. Mestre em Serviço Social (Política de Saúde) pela UFPE; Especialista em Saúde Pública pelo Núcleo de Saúde Coletiva/NESC-PE/FIOCRUZ.. Técnica do Projeto de Desenvolvimento Local Sustentável PNUD/SUDENE.
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alterar e/ou confrontar, significativamente, a lógica que permeia a política e o sistema de saúde em Pernambuco/Brasil . CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A retórica sobre a abertura de canais institucionais de participação social,
principalmente a partir da criação do Sistema Único de Saúde/SUS, pretende
propiciar que sujeitos políticos escolham seus representantes para participar e
deliberar em instâncias consideradas decisórias no processo de formulação e
implementação das políticas de saúde. Para autores, como CACCIA-BAVA
(1994), os conselhos, como os de saúde, são maneiras de representação
associada às idéias de “democracia representativa, combinada com a democracia
direta.” Assim, o elemento-chave do processo de democratização da gestão em
saúde, seria a participação de representantes da sociedade nos processos
decisórios de governo.
No âmbito deste trabalho, pretende-se estudar a comunicação como construção
de consenso/consentimento no processo de participação dos grupos subalternos,
inseridos no Conselho Estadual de Saúde-CES/PE, na gestão da Política Estadual
de Saúde de Pernambuco.
A hipótese central que sustenta a presente pesquisa é que o processo de
comunicação estabelecido na esfera do Conselho Estadual de Saúde explicita as
contradições da proposta de participação social na gestão pública em saúde,
restringindo-a, muitas vezes ao âmbito das estratégias de passivização. Desta,
provém como hipótese secundária que às formas de comunicação estabelecidas
no âmbito do CES expressam um difícil acesso as informações em saúde por
parte dos segmentos subalternizados, fragilidade da inter-relação dos
conselheiros representantes de usuários e trabalhadores em saúde em relação às
suas entidades e bases de representação e uma incipiente influência desses
segmentos na agenda governamental. Todas estas questões potencializam o
espaço do CES/PE enquanto elemento do processo de passivização, onde as
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classes subalternas participam sem alterar a lógica global que permeia o
sistema.
Trata -se de um estudo de caso, com abordagem qualitativa, que teve como sujeito
os conselheiros estaduais de saúde, representantes de usuários e trabalhadores
de saúde. As principais técnicas e fontes de dados utilizadas foram: a observação
participante nas reuniões do CES/PE; as entrevistas semi-estruturadas e
conversas informais com os conselheiros; pesquisa documental através das atas,
leis, decretos, resoluções, relatórios e eventos do CES/PE e alguns documentos
da Secretaria Estadual de Saúde, Bipartite e Ministério da Saúde; bem como de
pesquisa bibliográfica.
O discurso foi analisado tomando-se a comunicação como construção de
hegemonia, a partir da tríade teórica participação, informação institucional e
comunicação dos grupos subalternos. A concepção de participação aparece
como intervenção consciente desses segmentos na gestão em saúde; a
informação institucional como acesso e controle social sobre a gestão da mesma
e, finalmente, a comunicação no sentido da interrelação dos representantes dos
usuários e trabalhadores de saúde entre si, com suas entidades de base, com os
movimentos sociais e com a sociedade em geral, no sentido de problematização
coletiva dos temas a serem enfrentados na esfera do CES/PE, portanto, do re-
contar a realidade a partir de sua visão de mundo, a do segmentos
subalternizados.
2. O PAPEL DO CONSELHO ESTADUAL DE SAÚDE DE PERNAMBUCO/CES-
PE: O “CONSENSO DO DISCURSO E O DISSENSO DA PRÁTICA”
Há um consenso historicamente construído na atual política de saúde no Brasil,
fruto das lutas sociais e instituído por uma base legal, de que os conselhos de
saúde devem ter caráter deliberativo sobre as políticas de saúde.
Seu principal papel (...) é de formulador da política de saúde. (representante do segmento usuário)
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Isto significaria ir além do papel de análise da execução da política de saúde. No
entanto, a própria legislação define que as deliberações dos conselhos devem ter
a homologação do poder executivo (no caso do CES/PE, o Secretário de Saúde,
que também preside o Conselho), para ter validade legal. Assim sendo, em
situação hipotética do executivo discordar e decidir diferentemente da deliberação
do Pleno do Conselho, o respaldo legal será do executivo. O que torna frágil o
chamado caráter deliberativo do CES/PE, conforme pode-se observar no
depoimento a seguir:
Acontece que as decisões nossas quando chegam ao Secretário, aquilo que convier a favor do governo fica e aquilo que não convier a favor do governo é retirado. (...) Aqueles projetos que passam para a gente dar uma definição, muitos deles são atendidos e outros não. Como é o caso da privatização da COMPESA e o LAFEPE, que a gente tinha decidido contrário, o Secretário nem assinou a nossa deliberação. O governo já decidiu a privatização. Então quer dizer que o papel do Conselho ainda está meio restrito. Outra questão é que em muitos casos passa-se no executivo para depois vir para o Conselho. Por exemplo, o caso da COMPESA e o LAFEPE, foi encaminhado o projeto pelo governador para Assembléia Legislativa, depois que foi aprovado lá é que veio para nós. (representante do segmento usuário)3
Por outro lado, acredita-se que este processo expressa uma contradição entre o
arcabouço jurídico e a efetivação do papel deliberativo do Conselho, no sentido
de implantação do que é definido. Isto expressa a centralização do poder nas
mãos do executivo. Além disto, vem reforçar o caráter de seletividade estrutural
do Estado capitalista, que se dá pelo sistema de filtros, pelo que é selecionado,
pelo que deve e pelo que não deve penetrar a agenda governamental,
implantando-se, na maioria das vezes, as ações que já compõem esta, ou
aquelas que não interferem na lógica dominante de funcionamento do sistema de
saúde.
O depoimento a seguir revela a centralização do poder na esfera do governo, do
poder executivo do Estado. Deixam-se explícita a problemática dos chamados
instrumentos democráticos ou gestão participativa uma vez que, dada a sua
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fragilidade estes são constantemente ameaçados pela cultura política autoritária,
que rege, na maioria das vezes, as políticas públicas no Brasil.
A democracia ainda não é vivenciada, já vem decidido. O conselho não tem poder.( representante do segmento Usuário)
Pode-se dizer que no âmbito governamental uma das principais dificuldades
encontradas pela proposta de participação social no SUS em Pernambuco, no
contexto atual, é a resistência à sua operacionalização, apesar do consenso
estabelecido no plano do discurso, conforme pode-se perceber na fala a seguir:
Eu gostaria de dizer que em momento nenhum esta secretaria quer o conselho fraco. (...) este conselho tem que ter uma sede própria. Eu, inclusive, já com toda crise, já autorizei a engenharia para localizar um canto, ou uma casa próxima , que seja próxima da gente aqui, mas que possa mostrar autonomia para fortalecimento do conselho. (representante do segmento Gestor)4
Esta fala indica a frágil autonomia do CES/PE e a tentativa de conquista do
consenso por parte do representante do segmento gestor, através da aprovação
de algumas das reivindicações dos conselheiros. Desse modo, busca transformar
suas ações em elementos que garantiriam “autonomia” do CES/PE.
CES/PE tem que ter uma estrutura de funcionários, tem que ter estrutura jurídica, tem que ter autonomia. Porque um CES/PE forte, significa uma Secretária de Saúde forte. (representante do segmento gestor)
Assim sendo, o discurso da “autonomia do CES/PE” vem atrelado ao de
fortalecimento da Secretaria de Saúde, numa dimensão simbiótica entre
sociedade política e sociedade civil. No entanto, sabe-se que mesmo sendo
necessária ao Conselho a dotação de toda a infra-estrutura para seu
funcionamento, a autonomia diz respeito não ao conselho em si, mas aos
segmentos subalternizados, ora representados pelos usuários e trabalhadores de
saúde. A autonomia se expressa pela capacidade do sujeito social em re-elaborar
3 No que diz respeito ao LAFEPE posteriormente houve um recuo do governo do Estado no processo de privatização, em face de pressões de várias instâncias. 4 Todas as falas transcritas do segmento gestor foram resultantes da gravação da reunião do CES/PE de 14/07/1999, uma vez que as entrevistas foram realizadas apenas com representantes de usuários e trabalhadores de saúde.
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as determinações externas em função daquilo que define como interesses das
classes subalternas. Ou seja, autonomia é a capacidade de elaboração de sua
própria identidade e de projetos coletivos de mudança social a partir de uma
perspectiva de classe.(CARDOSO, 1995).
Desta forma, a autonomia proposta para o Conselho em sua totalidade parece
caminhar no sentido da hegemonia passiva, ou seja pela neutralização das
práticas das classes subalternas, a partir do “referencial de convivência
democrática das diferenças” e da cidadania enquanto negação da luta de classes.
Mas, entende-se que a autonomia dos grupos subalternos dependerá da clareza
que tais segmentos tenham em relação aos projetos a serem defendidos por estes
na esfera do CES/PE, ou seja, na esfera dos aparelhos de Estado.
Além disso, a perspectiva da “gestão democrática” na atualidade, apresenta
contradições entre a visão de estabelecimento de uma “democracia”
fundamentada em bases locais (o Conselho sendo um dos seus instrumentos) e o
monopólio das macro-decisões sobre a política de saúde manter-se, ora com o
governo estadual, federal, para não se falar dos grandes interesses privados
nacionais e internacionais que têm peso na conformação da política de saúde
historicamente no país.
Acho que o CES/PE deveria participar da definição de prioridades em saúde, mas na minha avaliação isto tem ficado mais a cargo do gestor. (representante do segmento trabalhador de saúde)
Por outro lado, para alguns dos entrevistados, a conjuntura atual da SES/PE
direciona-se para encaminhamentos que procuram reduzir o papel do CES/PE ao
âmbito consultivo, forçando-se a adoção, por completo, deste caráter, uma vez
que a lei prevê esta dimensão apenas para algumas das atividades dos
conselhos, conforme exposto anteriormente, a partir do parecer de DODGE
(1998):
Hoje a gente entende que para o governo, você estar discutindo a reestruturação das unidades de saúde não é papel do CES, você estar discutindo teto financeiro não é papel do CES, tá certo? A PPA não é papel do CES. No HEMOPE eles criarem uma fundação privada de apoio, não é papel do CES. Então, eu acho que a gente está lidando com o seguinte encaminhamento, eu acho que o atual governo está tentando tornar o CES meramente consultivo, eu acho
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que nem consultivo está sendo, está sendo meramente informativo, porque consultivo ainda ouve, não é?(representante do segmento usuário)
A socialização da política proposta pelo Movimento da Reforma Sanitária e
expressa no SUS, implicaria na participação dos conselheiros de saúde no
planejamento, na definição do orçamento e controle sobre o Fundo Estadual de
Saúde, ou seja na socialização dos “ meios e processos de governar”. Nesta
pesquisa pode-se constatar que o Conselho Estadual de Saúde de
Pernambuco/CES-PE não tem conseguido expressar-se como “espaço
democrático de negociação de interesses”. O depoimento a seguir, explicita essa
colocação:
Como o papel do CES/PE está muito assim, exíguo, assim ... de muito pouco peso. Ele muito pouco tem interferido nas políticas do governo, na verdade. (...) Tanto no governo Arraes como Jarbas. (representante do segmento trabalhador de saúde)
Na Constituição Federal de 1988 não ficou estabelecido um percentual do
orçamento fiscal a ser destinado para a saúde. Assim sendo, os recursos
originários das fontes que compõem o orçamento da Seguridade Social5 não
foram devidamente estabelecidos em termos de critérios para partilha dos
mesmos. Desta forma, a cada ano, a LDO e a Lei Orçamentária definem o
percentual de recursos destinados para a saúde, ficando a parte destinada à
política de saúde, a depender da correlação de forças que se estabelece em torno
da questão do orçamento das políticas públicas6.
A princípio, os recursos investidos no setor deveriam estar em consonância com
os respectivos planos de saúde (levando-se em consideração o perfil
5 Fontes que custeiam as Seguridade Social: Contribuição Social sobre a Folha de Salários (INSS); Contribuição Social sobre o Faturamento das Empresas (COFINS); Cont ribuição Social sobre o Líquido das Empresas; Contribuição sobre o Programa de Integração Social (PIS) e sobre o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP); recursos provenientes da União, Estados, Distrito Federal e dos Municípios (impostos, taxas etc.) 6 Com o intuito de enfrentar esta problemática há tramitando no Senado Federal uma proposta de Emenda Constitucional, PEC-169, já aprovada pela Câmara dos Deputados, aguardando apreciação do Senado, a qual prevê 30% dos recursos da seguridade social e, no mínimo 10% dos orçamentos da União, Estados e Municípios para investimentos no setor saúde. No entanto, enquanto esta não é aprovada, permanece o percentual do orçamento sendo definido através da LDO e L.O, em cada esfera de gover no.
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epidemiológico de cada realidade), mas, na verdade, os planos com suas
prioridades, se adequam aos recursos destinados. Estes são resultantes da luta
entre os diversos setores pelo “fatiamento” do orçamento em cada esfera de
governo. Embora não seja possível detalhar no âmbito deste artigo, este estudo
demonstrou que o Estado de Pernambuco, durante os últimos cinco anos, não
ultrapassou o percentual máximo de 7,3% dos recursos destinados à saúde.
Sendo que a maior parcela destes recursos ficou comprometida com o pagamento
de folha de pessoal. Portanto, o Estado tem investido muito pouco no custeio das
ações e serviços de saúde.
Além disto, o planejamento das ações no SUS, a partir da prerrogativa de controle
social, deveria privilegiar a participação da sociedade organizada em todo o
processo de construção, definição e aprovação, principalmente, através dos
Conselhos de Saúde7. Assim, a Lei Orgânica da Saúde define por exemplo, que
os conselhos devem atuar como órgãos deliberativos sobre a elaboração das
propostas orçamentárias, em cada nível de governo (Lei 8080/90, art. 36),
cronograma de transferências de recursos financeiros aos estados, Distrito
Federal e Municípios, consignado ao Sistema Único de Saúde (Lei 8142/90 art.
1o. & 2o. e decreto 99.438/90, art. 1o. – III). No entanto, pode-se dizer que, no caso
do CES/PE, no período estudado (1999), este processo não refletiu,
principalmente para os segmentos de usuários e trabalhadores, uma deliberação
que pudesse representar as prioridades de tais segmentos. Tudo isto, apesar da
apresentação de algumas emendas formuladas individualmente por alg umas
entidades, no caso da LDO especificamente.
7 Neste sentido, o Conselho Nacional de Saúde Pública a experiência do Conselho Municipal de Campo Grande, no que diz respeito à participação desse Conselho na programação que subsidiou a proposta orçamentária da Secretaria de Saúde. Neste processo, contou-se com a participação dos 38 conselhos gestores de unidades de saúde existentes. Assim, cada conselho gestor discutiu, juntamente com os agentes comunitários e o pessoal técnico da Fundação Nacional de Saúde, os problemas existentes na área, suas causas, seus indicadores e ações necessárias. As programações foram consolidadas por distrito sanitário e encaminhadas `a Secretaria de Saúde. Esta acrescentou às atividades de coordenação, colocando os custos em linguagem orçamentária. O documento final foi enviado as entidades de usuários e trabalhadores e depois, discutido em conjunto, em reunião extraordinária. Assim, a versão final foi encaminhada à Secretaria de Planejamento e Finanças para ser apresentada à Câmara Municipal.
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Não houve, portanto, um processo de discussão coletiva dos segmentos com
suas bases de representação. Para não se falar do difícil acesso às informações
institucionais e da não participação na definição do percentual do tesouro
estadual para a saúde. Desta forma, tais segmentos tiveram pouca influência tanto
no percentual do tesouro estadual estabelecido na LDO, como na prioridades aí
definidas. Isto também se deu em relação à L.O e ao Teto Financeiro do Estado.
Os depoimentos a seguir, são exemplares desse processo:
Acho que o caso da LDO foi um exemplo bastante ilustrativo. Na verdade, quando chegou para reunião do CES já tinha se esgotado o prazo para fazer qualquer tipo de sugestão e encaminhamento. Nós tivemos que solicitar que fosse pedido um prazo maior para a SES/PE para que o conselho pudesse mandar suas sugestões. Inclusive, a própria Secretaria Estadual de Saúde já tinha enviado a dela, sem sequer passar pelo Conselho. Mas, conseguimos, de certa forma, encaminhar as sugestões do CES/PE. (representante do segmento trabalhador de saúde) (...) Acho que nós usuários não temos nos reunido para discutir as nossas necessidades, as que devemos lutar para serem incorporadas na LO, por exemplo. Nós não temos nem informações das demandas, imagine. (representante do segmento usuário)
Já o teto financeiro do Estado, definido através de portaria Ministerial (Portaria
GM/MS no 531, de 30 de abril de 1999 e Portaria Conjunta no. 4, de 24 de maio
de 1999), estabelece a programação dos recursos destinados ao custeio da
assistência ambulatorial, de média e de alta complexidade e hospitalar , e trata da
composição dos recursos destinados à atenção básica. Esta Portaria orientou o
processo de negociação na Comissão Intergestora Bipartite, sobre a distribuição
dos recursos para os municípios, demandando a realização de nove (09) reuniões.
Na esfera do CES/PE, limitou-se à exposição feita pelo gestor estadual (após
solicitação dos conselheiros) sobre as decisões da Bipartite quanto à distribuição
dos recursos do teto financeiro. O depoimento a seguir define este processo:
(...) É nós assim fomos informados somente no final do processo, fomos informados o que já foi definido a nível da bipartite, porque quando chegou no CES, qual foi a interferência que a gente pode dar se as coisas já estavam tão amarradas, já discutido com todos os municípios. A gente ia interferir em quê? Quer dizer, não se tinha mais como você ter uma interferência, já se tinha definido tudo, o que seria gasto nesse teto, quanto ia ser de AIH para cada
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município, tudo isso já estava definido. (representante do segmento usuário) 3. A COMUNICAÇAO NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO
CONSENSO(CONSENTIMENTO)
Ø FRAGILIDADE NA RELAÇÃO CONSELHEIRO E ENTIDADE
Durante as entrevistas, tanto os conselheiros representantes do segmento
usuários, como dos trabalhadores de saúde, com raras exceções, foram
categóricos em localizar a não existência de um vínculo mais direto e freqüente
entre o conselheiro e sua entidade de origem, no sentido de um maior
envolvimento desta nas questões discutidas ou a serem debatidas no âmbito do
CES/PE. O que pode ser um forte indicador explicativo do baixo peso político
destas entidades no CES/PE, uma vez que a participação trilha, em muito, o
caminho da formalidade. Nos depoimentos a seguir, representantes de usuários e
trabalhadores expressam a problemática entre delegado e organização.
(...) sempre essa distância que as entidades têm do CES, pois os conselheiros não ficam nas suas entidades somente para isso, para ser conselheiro. Aí o ativismo dentro das entidades é tão grande que fica isso distante. Eu, acho que também a maioria não tem se reunido com freqüência na entidade para discutir questões de saúde, questões do CES/PE. (representante do segmento usuário) (...) às vezes os dirigentes sindicais vêm, elegem um representante para o CES/PE, colocam um representante no CES/PE e muitos desses representantes ficam lá isolados, a entidade não se envolve, é como quem já cumpriu seu papel somente em botar uma pessoa lá”. (representante do segmento usuário) Eu acho que a própria representação dos conselheiros é uma coisa assim: parece que as entidades colocam ali os conselheiros porque têm que ter um representante formal, mas não tem um fluxo de participação. Um canal de participação até com relação às próprias entidades que se representa, quanto mais com relação a sociedade como um todo. (representante do segmento trabalhador de saúde)
Desta forma, pode-se dizer que é a fragilidade atual dos movimentos popular e
sindical que está comprometendo, em parte, a participação dos segmentos
subalternos no CES/PE. Desse modo, o padrão de organização dos movimentos
sociais urbanos ou rurais, sobretudo no que diz respeito ao direito à saúde,
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influencia o modo como, por exemplo, os usuários se envolvem nas atividades do
Conselho. Sobretudo quanto à clareza do projeto a ser defendido nesta esfera de
participação institucionalizada.
Ø ACESSO À INFORMAÇÃO INSTITUCIONAL
A discussão sobre o acesso e a gestão das informações em saúde parte do
princípio que a informação é um instrumento que pode apoiar os segmentos dos
trabalhadores de saúde e usuários, presentes no CES/PE na disputa pelo
direcionamento da política de saúde no Estado. No entanto, como já dito
anteriormente, sabe-se que no campo institucional da saúde, no âmbito dos
aparelhos do Estado, há um poder que “seleciona, levanta, organiza, filtra e
dissemina a informação, segundo sua racionalidade, ou seja, segundo seus
interesses”. Assim, a construção da hegemonia (consentimento) se dá, dentre
outras questões, pelo controle das informações produzidas pelos aparelhos de
Estado. Embora se saiba que o processo de construção da hegemonia é um
espaço contraditório, onde as classes subalternas poderão, inclusive, através da
luta pela gestão da informação e pela construção da “contra-informação” ter
práticas nem sempre funcionais para o sistema.
Ø INFORMAÇÕES DE “FÁCIL” ACESSO
A Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco/SES-PE, enquanto produtora de
informação institucional, atua sob um modelo de gestão centralizada da
informação. Assim, decide dentro da racionalidade administrativa e política, que
itens de informações podem ser estocados e/ou disponibilizados. Neste sentido,
pode-se dizer que a SES/PE, tem condições de manipular a disponibilidade e o
acesso às informações em saúde. Conforme observa BARRETO (1994:4), “os
produtores de informação não podem dizer ao indivíduo o que pensar, mas podem
induzir sobre o que pensar”. Desta forma, a relação da SES/PE com o CES/PE,
tem presente esta problemática, apesar da apregoada necessidade de
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transparências das informações na consolidação da gestão participativa no SUS.
Os depoimentos abaixo, de representante de usuários, bem como de
trabalhadores de saúde confirmam a relação entre poder e informação
Espontâneas somente chega ao conselheiro matérias que o gestor precisa deliberar. Aquilo que interessa ao gestor. O que ele quer que o CES/PE aprove, apenas. (representante do segmento trabalhador de saúde) Vamos atrás de informação, sobre orçamento, dotação orçamentária, mas, é a gente que vai buscar. As outras informações que chegam são aquelas que eles querem que a gente discuta. As outras sobre gastos, cortes, te to financeiro, chegam depois que a gente pede, né? (representante do segmento usuário)
Outra questão levantada durante as entrevistas é o tempo de acesso a um
determinada informação, quando esta é disponibilizada pela SES/PE. Sobretudo,
se estas visam, a princípio, subsidiarem algumas das deliberações do CES/PE.
Pelos depoimentos dados e pelo que se pode constatar durante a observação
participante, a disponibilização com antecedência das informações, depende
muitas vezes da atitude de cobrança que os conselheiros possam ter
(representantes de usuários e trabalhadores de saúde). A opinião unânime
expressas nos depoimentos sobre esta questão pode ser sintetizada na fala
abaixo:
Algumas chegam com ”antecedência” se a gente cobrar, aí ela chega com antecedência’, muitas chegam no momento, perto da reunião, sem muito tempo de análise e outras chegam após eles definirem o que deveria ser feito. Por exemplo, a gente já teve alguns programas que já estavam na Assembléia [Legislativa], antes de passar pelo CES/PE. Por exemplo, a política de saúde do trabalhador, plano de orçamento já havia saído da SES/PE para a SEPLANDES e etc. Muitas vezes vai para a Assembléia, porque já passou na Bipartite, inclusive, isto não é apenas desta gestão, acontecia na gestão anterior. (representante do segmento usuário)
Por outro lado, os conselheiros apontam uma série de dificuldades com as
informações disponibilizadas pela SES/PE. Estas vão desde não decodificação
da retórica técnica para uma retórica mais próxima de seu universo; passando
pela coexistência de superinformação e subinformaçao; bem como pela
abundância e/ou escassez de informação. Assim, as informações disponibilizadas
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não perseguem e nem operacionalizam o objetivo de se tornarem “públicas”, no
sentido de assimiláveis e contestáveis, mas parecem se configurar como
“informação de governo”, obedecendo toda racionalidade que permeia este locus
de poder. Neste contexto, a informação institucional não vem promovendo uma
interlocução, mas a busca de uma aceitação das propostas pseudodemocráticas.
Durante as entrevistas, um dos representantes de usuários e trabalhadores de
saúde falou das dificuldades em relação ao conhecimento técnico e da falta de
antecedência no recebimento dos relatórios encaminhados pela SES/PE.
Temos dificuldades com o conteúdo; linguagem; tempo de acesso ao documento/grau de antecedência de recebimento; tamanho. Por exemplo, o relatório de gestão, geralmente é assim documento que tem uma quantidade de páginas considerável. Já teve reunião de discussão de relatório de gestão, de apenas dois conselheiros terem lido o relatório de gestão. Então, fica aquela história, a Secretaria [de Saúde] diz: ‘nós mandamos com antecedência’, mas apenas dois estavam se colocando. Aí você vai ver, mas porque isso? Primeiro, a quantidade de páginas, depois você tem que saber fazer uma leitura daquele relatório de gestão. Já a prestação de contas ela não dá uma visibilidade, ela não é tão compreensível para você. ( representante do segmento usuário) (...) As informações são técnicas, algumas pessoas não têm acesso, ou seja, não entendem o que realmente esta sendo repassado. Outra coisa é o atraso nas informações, que não dá tempo, assim não podem ser vistas com antecedência. (representante do segmento trabalhador de saúde)
Ø INFORMAÇÕES DE “DIFÍCIL” ACESSO
Partindo do pressuposto formulado para os conselhos como “(...) locus de
manifestação de interesses plurais freqüentemente conflitivos e negociáveis, tendo
como horizonte as políticas públicas e de saúde” vêm sendo formuladas, como já
foi visto anteriormente, proposições sobre a necessidade de se efetivar o acesso
às informações. Desse modo, observa -se que não se pode negar que a
propagada capacidade de “negociação” dependerá, dentre outras coisas, da
conexão entre ação política e acesso a meios, dados e informações. No entanto,
no caso do CES/PE o referido acesso não vai além de uma mera proposta, que
não vem se efetivando na prática.
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Dentre as categorias de informações em saúde, trabalhadas durante as
entrevistas, estão as informações financeiras, contábeis e orçamentárias e a
questão da dificuldade de acesso, ora resultante do controle por parte da
SES/PE, ora pelas dificuldades que os conselheiros apresentam em absorvê-las –
evidencia-se em grande parte porque estas estão organizadas pela racionalidade
da burocracia estatal que as disponibiliza de forma pontual e fragmentada. Além
do aspecto de conhecimento técnico que as perpassa, a visibilidade pública de
tais informações pode colocar em evidência núcleos de poder e interesses
privilegiados nas políticas públicas. Neste caso, dois dos representantes de
trabalhadores de saúde destacam:
Ah, sem dúvida é questão financeira, onde temos mais dificuldade de saber como se está aplicando o dinheiro. Para a gente conseguir saber a questão do teto financeiro do Estado, essa questão da verba, como era gasto, e tudo, é a duras penas. (representante do segmento trabalhador de saúde) (...) hoje eles apresentaram depois que a coisa estourou, estourou inclusive, os cortes de AIHS na imprensa e pressionamos também para saber do teto, houve uma reunião em que exigimos que fosse apresentado o teto. (representante do segmento trabalhador de saúde)
No que se refere à dificuldade de acesso às informações referentes ao percentual
de recursos próprios do tesouro estadual destinado à saúde, não há
homogeneidade nas respostas dos entrevistados em ambos os segmentos. Para
alguns, estas dificuldades perpassam todas as gestões, conforme pode-se
perceber no depoimento de um dos representantes de trabalhadores de saúde, a
seguir:
(...) Essa prática ela acontece em todos os governos, qualquer que seja o governo. Ele não solta com clareza as informações. Ele faz lá aqueles amontoados de números, letras, gráficos, dizendo é assim. (representante do segmento trabalhador de saúde)
já para outro representante do segmento trabalhador de saúde, como também
para um dos representantes de usuários esta é uma dificuldade vivenciada na
atualidade.
(...) No governo Arraes o governo discutiu com o CES/PE. No mínimo sabíamos porque não podia aumentar. Agora neste atual
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quando perguntamos sobre este percentual, o próprio secretário diz não saber até o momento quanto é o percentual, o que geralmente é muito estranho né? Sabe que está se tendo uma discussão para um aumento de 4 milhões, mas que ele mesmo não sabe como é que vai ficar para o próximo ano, de como está essa discussão. Por aí você sabe né? Se o próprio secretário diz que não sabe, imagina... (Representante do segmento usuário) Neste governo, sabemos porque fomos atrás, exigimos. (representante do segmento trabalhador de saúde)
No entanto, uma questão é comum a todos os depoimentos: a definição do
percentual do orçamento não vem passando pela discussão e negociação na
esfera de atuação do CES/PE. As informações sobre gastos com pessoal, obras,
medicamentos e outras despesas são disponibilizadas no relatório de prestação
de contas e analisadas, a princípio, pela Comissão de Acompanhamento da
Programação e Execução Orçamentária. No entanto, para a maioria dos
conselheiros, tais informações não tem “valor de uso”, uma vez que não se
apresentam de forma que seja possível compreendê-las:
Eles nos entregam nos relatórios de prestação de contas mas, acho que esses relatórios são de difícil compreensão pela maioria dos conselheiros (representante do segmento trabalhador de saúde). Poderíamos dizer que, em termos da maioria dos conselheiros, grande parte das informações disponibilizadas pela SES/PE é pouco compreensível. (representante do segmento usuário)
Apesar do CES/PE legalmente deliberar sobre as diretrizes a serem
observadas na elaboração dos planos de Saúde, em função das características
epidemiológicas e da organização dos serviços (Lei 8080/90, Art. 37 e Decreto
99.438/90,art. 1o. –II), as informações epidemiológicas são disponibilizadas
esporadicamente, quando há interesse do gestor que o CES/PE aprove
determinada matéria de seu interesse. Além da restrição cotidiana de acesso a
este tipo de informação, pode-se dizer que sua disponibilidade, por exemplo no
relatório de gestão, conforme aparece neste último depoimento, acaba
assumindo a função de justificativa das ações já implantadas pela SES/PE.
Essas informações sobre mortalidade e morbidade elas chegam ao conselho não do jeito que deveria chegar. Elas as vezes chegam através de outra via, por exemplo, no momento que a gente tem que
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estar aprovando um relatório de gestão , tá certo? (representante do segmento de usuário)
As informações sobre o funcionamentos dos serviços de saúde (locus tanto do
poder médico, como dos tantos interesses que permeiam a produção do serviços
em saúde, tanto público como os privados conveniados) foram também apontadas
pelos conselheiros, sobretudo representantes de usuários, como informações
que provocam grande resistência a torná-las públicas.
Pronto, uma coisa que é muito difícil, não é somente nesse governo não. Já no passado, quando nós solicitamos um relatório das AIHS, a nível do Estado, isso foi uma confusão para a gente conseguir, para a gente saber o que realmente estava sendo gasto no sistema hospitalar. (representante do segmento usuário) Eu não sei, por exemplo: quantas AIHS são repassadas para os hospitais? (..) Quais são os recursos que tem cada hospital desse? eu não falo nem do privado, e sim do público, mas estão sucateando tudo. (representante do segmento usuário)
Ø A GESTÃO DA INFORMAÇÃO EM SAÚDE
A propagada e não exercida “disponibilizaçao” das informações em saúde
(oriundas dos aparelhos de Estado), direciona os segmentos subalternizados a
perspectiva da mera reivindicação de acesso a informação, restrita a égide de um
“pólo receptor de uma informação que já vem filtrada pelo olhar do
produtor”(MORAES,1998:247). O que traz à tona o debate sobre a gestão da
informação institucional, partindo da premissa que esta informação é pública e não
de governo. Enquanto informação pública implicaria na participação de outros
segmentos nas definições de sua produção e disseminação. Por sua vez, a
discussão reduzida ao mero acesso as informações não rompe com a crença de
que a forma como estas se configuram tem uma “neutralidade” técnica.
A fala a seguir explicita a não interferência do CES/PE na gestão das
informações produzidas ou a serem produzidas pela SES/PE.
O Conselho nunca participou de discussão sobre que informações que ele precisa sobre mortalidade, sobre movimentação de AIH, sobre informações ambulatórias, isso não. Nós pedimos, muito
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timidamente, para eles; nos dão aquilo que eles dizem ter, da forma que querem mostrar. (representante do segmento usuário)
Sabe-se, por exemplo, que a SES/PE tem diversos sistemas de informações em
saúde, a maioria de base nacional como: SIM, SIH/SUS, SIA/SUS, SINASC,
SINAN. Os Mesmos já possuem no Estado uma rotina de registro regular e
cobertura razoável. Desses citados sistemas, é retirada, na medida do que podem
oferecer, uma gama de informações que visa subsidiar a atuação do gestor8.
Claro que isto se dá a partir da intencionalidade subjacente a informação
produzida. No entanto, ao se indagar sobre o uso destes sistemas para produção
de informações direcionadas para o CES/PE (principalmente para os conselheiros,
representantes do segmento de usuário e trabalhador de saúde), constatou-se
que os mesmos são, na maioria das vezes, voltados às demandas dos gestores
do Sistema Estadual de Saúde, conforme destaca um dos representantes do
segmento trabalhador de saúde.
Mas a gente não tem acesso. Então é aquilo que eu falei, eu acredito que a gente deveria ter acesso a essas informações, da gente ter aqui um terminal de computador que a gente pudesse acessar, até para poder discutir ou entender, junto com o gestor, o planejamento da saúde do Estado, ver as prioridades, discutir com o gestor se realmente aquilo que ele fez era para ser realmente feito. O CES/PE não vai poder nunca discutir com o gestor em pé de igualdade se ele não tiver acesso a isso, a essas informações. Como é que ele vai saber se o dinheiro que foi aplicado em determinado programa é o que precisava, se aquilo ali não foi ingerência política, se foi realmente uma necessidade da população. Se ele não conhece o perfil epidemiológico, não conhece a distribuição dos serviços. (representante do segmento trabalhador de saúde)
O que evidencia a questão formulada por MORAES (1998:245): “grande
transparência da sociedade para o Estado e opacidade do Estado para a
sociedade”. Nesta, acrescente-se, opacidade para os grupos subalternos.
Por outro lado, os conselheiros se localizam num espaço muito próximo do que se
pode considerar como “muro das lamentações” pela falta de informações. A não
8 Com isto não se está afirmando que a atuação e as definições institucionais são embasadas meramente em informações técnicas, mas ressaltar e identificar o sujeito que freqüentemente tem direcionado a produção da informações oriundas dos registros administrativos.
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existência de uma ação mais propositiva, em termos da gestão da informação, por
parte dos conselheiros guarda relação com o papel que os conselheiros
“internalizam” para si e pela configuração que se vem dando à proposta de gestão
participativa da política de saúde no Estado de Pernambuco. Mas, é importante
salientar que a proposta de participação na Gestão da Informação não garantiria
a implantação de decisões tomadas colegiadamente a este respeito, uma vez que
o “jogo democrático” muitas vezes não passa de mera “intenção”. No entanto, a
existência de um projeto dessa natureza ou as prováveis dificuldades no decorrer
de sua execução poderiam resultar em um processo de desmistificação do
discurso falacioso da transparência de uma determinada gestão em saúde e num
embate político que poderia fortalecer os segmentos subalternos.
Ø REPASSE DE INFORMAÇÕES E A
QUESTAO DA REPRESENTATIVIDADE E RELAÇÃO
Observa-se que há freqüentes discussões, tanto em conferências, como em
encontros de conselheiros, seja em nível nacional ou estadual sobre a
necessidade dos Conselhos em: “financiar, com recursos orçamentários próprios
e com outras fontes, jornais, boletins informativos e outras publicações, com linha
editorial autônoma e edição periódica, divulgando resoluções, informando sobre a
aplicação dos recursos dos Fundos de Saúde”. No decorrer deste estudo pode-se
perceber uma invisibilidade pública das decisões e atuação do CES/PE para a
sociedade, uma vez que este apenas tem feito uso do Diário Oficial para
divulgação de suas deliberações (quando homologadas pelo poder executivo).
Isto, por sua vez, agrava a fragilidade da legitimidade desse espaço de
deliberação sobre a política de saúde, ao não consegue ter visibilidade pública9,
nem através dos meios tradicionais de comunicação de massa.
Por outro lado, o repasse de outras informações, por parte dos representantes dos
segmentos usuários e trabalhadores, sobretudo aquelas referentes a temas de
9 Por visibilidade pública, conforme visto na introdução deste trabalho, entende-se a capacidade de tornar públicas e visíveis suas atividades. No âmbito desta pesquisa considerou -se que o Diário Oficial é um veículo de difícil acesso para a maioria da população.
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discussão ou deliberações do CES/PE tem sido feito, na maioria das vezes, para
entidade de origem do Conselheiro ou em alguns casos no ambiente de trabalho,
conforme pode-se observar nos depoimentos a seguir:
Acho que assim parcialmente, tento na medida do possível, estar repassando para minha entidade (...) no meu espaço de trabalho a gente consegue fazer isso. (representante do segmento trabalhador de usuários) Sempre que eu estou reunido com a nossa representatividade, gostaria de repassar não somente para minha entidade, mas para a população do estado de Pernambuco (...). A freqüência destas reuniões depende das entidades, não é em todas as reuniões, é naquelas que eu estou presente. (representante do segmento usuário) Olha, eu repasso para a instituição que eu represento. (...) Inclusive assim, para subsidiar a minha ação no próprio CES, porque eu entendo que não posso estar ali falando em meu nome, eu represento uma instituição. (...) Agora eu acho isso muito pouco, porque, assim primeiro, porque fica restrito ao grupo da entidade. (representante do segmento trabalhador de saúde)
Ø USUÁRIOS E TRABALHADORES DE
SAÚDE COMO FONTES PRODUTORAS DE INFORMAÇÕES: O poder de
re-contar a realidade
Parte-se do princípio de que o mero repasse de informações do CES/PE para a
população, por mais amplo que possa ser, não possibilitaria por si só, um diálogo
entre representantes e representados. Por isso mesmo, apenas seriam divulgadas
decisões já tomadas, temas já selecionados ou quando muito, informações
institucionais sob o ponto de vista de um produtor, a SES/PE. Buscou-se, no
decorrer da entrevista, investigar as atividades promovidas pelo CES/PE
(principalmente pelos representantes dos usuários e trabalhadores de saúde) que
possibilitariam a tais segmentos, consolidar informações a partir dos dados
fornecidos pela população. Assim, investigou-se como o CES/PE, através dos
segmentos usuários e trabalhadores vinha por exemplo, promovendo fóruns de
discussão diretamente com a população ou outras atividades que incentivassem
debates sobre, problemas existentes na política de saúde. Desse modo, abrir-se-
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iam espaços para a análise das causas desses problemas e da responsabilidade
do Estado, tornando assim públicas as informações elaboradas a partir sobretudo
do referencial dos usuários do SUS.
Pode-se constatar que os representantes dos segmentos usuários e
trabalhadores de saúde não vêm, de forma geral, salvo algumas exceções,
desenvolvendo estratégias de comunicação com suas bases de representação e
com a população em geral. Assim sendo, não vem sendo dada maior visibilidade
e expressão às suas demandas e necessidades. Nos depoimentos que seguem,
os representantes de usuários e trabalhadores reconhecem a falta de articulação
e discussão com a sociedade:
O Conselho trabalha em regimento fechado. (representante do segmento usuário) (...) Ele precisaria ter essa articulação com a sociedade no sentido de estar traduzindo demandas, né? ( representante do segmento usuário) Eu acho que o CES/PE, um dos grandes problemas que a gente tem , veja é essa questão da articulação com a sociedade. A gente ainda consegue fazer, apesar de considerarmos importante, porque nessa articulação a gente conseguiria também estar trazendo para o CES/PE as demandas da sociedade. (representante do segmento usuário) O CES/PE fica uma coisa de gabinete. Uma coisa de quatro paredes que não tem repercussão na sociedade. (representante do segmento trabalhador de saúde) Acho que o segmento usuário e trabalhador não tem insistido com isso. (representante do segmento trabalhador de saúde) Não como atividades especificas do Conselho, de forma mais ampla para a população, não. No passado existiram as Plenárias de Saúde, que era uma articulação extra CES/PE, acho que de 1994 a 1996. (representante do segmento usuário) Olha, eu acho que o CES/PE é um “ovinho” fechado, discute aquilo ali e morre ali mesmo. O CES/PE não discute com a sociedade. Falta à gente um diálogo com a sociedade. (representante do segmento trabalhador de saúde)
Observou-se a falta de estudos mais aprofundados que possibilitassem aos
conselheiros do CES/PE , a compreensão do ponto de vista dos usuários e
trabalhadores de saúde, sobre o funcionamento dos serviços de saúde. É
importante salientar que isto ocorre, apesar da existência de uma comissão criada
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para avaliar também os serviços oferecidos. Os entrevistados, a princípio, indicam
a falta de consenso entre representantes de usuários e trabalhadores de saúde
quanto ao papel do CES/PE e da referida comissão.
Nós temos uma comissão de avaliação sobre o funcionamento dos serviços de saúde, mas esta nunca funcionou, devido a problemas de choque de entendimento dentro da própria comissão. ( representante do segmento usuário)
Já para um dos representantes dos trabalhadores de saúde o problema é a falta
de tempo dos conselheiros.
(...) Disponibilidade de tempo por parte dos conselheiros para fazer isso. Porque são essas comissões que iriam trabalhar independentes das reuniões do Conselho. (representante do segmento trabalhador de saúde)
Nos depoimentos a seguir os representantes de usuários destacam a fragilidade
das entidades sindicais e do movimento popular, a fragmentação da atuação de
tais entidades e a falta de informações. Por isso mesmo, reforça-se a condição
subalterna da população usuária do SUS e dos trabalhadores de saúde enquanto
fontes produtoras de informações para os seus representantes no CES/PE.
(...) As entidades sindicais estão frágeis, o movimento popular também, então isso dificulta. Hoje a gente se depara com alguns depoimentos, que algumas entidades têm dificuldade de fazer reuniões, na sua base de representação. (representante do segmento usuário) As entidades atuam, quando muito, individualmente. Não há uma ação conjunta para potencializar atividades desse tipo. (representante do segmento usuário) (...) Falta rede de informação, incluindo os jornais, rádios, programas de rádio. Com certeza, se isso fosse concretizado, seria um grande avanço. Mas, cadê os recursos? (representante do segmento usuário)
Já no depoimento a seguir, o representante dos trabalhadores de saúde destaca:
Acho que as dificuldades são de varias ordens para fazer isso: primeiro é o entendimento do conselheiro para isso. Segundo, o entendimento das entidades, de que esse é um papel e que tem que abrir para a sociedade(...) temos falta de estrutura econômica e financeira para viabilizar esse processo, não dominamos o processo de alocação orçamentária dos recursos do CES/PE, ficamos
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dependentes do Gestor. (representante do segmento trabalhador de saúde).
Assim, o CES/PE tem comprometido o processo de legitimidade das decisões
aprovadas, tanto em termos de divulgação das deliberações, das atividades do
CES/PE, como em termos do acesso a informações institucionais por parte dos
conselheiros e da produção das informações a partir de dados fornecidos pelos
usuários e trabalhadores para os conselheiros e entidades representativas de tais
segmentos.
Neste sentido, pode-se afirmar que há uma estreita relação entre a fragilidade da
organização dos segmentos subalternos no CES/PE e a informação 10. Assim
sendo, observa-se que deixa de existir um espaço estratégico de disputa de
interesses que se expressam na própria conformação das informações
institucionais, na sua disponibilidade, como também na impossibilidade de
geração de outras informações por parte dos conselheiros sob a ótica dos
representados.
Ø IDENTIFICAÇÃO E INCORPORAÇÃO DE DEMANDAS
Sabe-se que as prioridades contempladas pelas políticas públicas são decididas
pelo Estado, mas se originam na sociedade civil, embora fiquem em permanente
disputa, uma vez que a sociedade civil não é homogênea. Desse modo, as
prioridades são incorporadas à agenda governamental quando adensam forças e
pressões e ganham visibilidade. É importante lembrar que a sociedade civil não é
expressão de interesses universais, não contraditórios e sem caráter classista. Na
sociedade civil estão organizados tanto os interesses da classe burguesa, que
exerce sua hegemonia através de seus aparelhos "privados", reprodutores de sua
ideologia, quanto os interesses das camadas de classes subalternas. É a partir
dela portanto, que se dá a luta pela construção da hegemonia, tanto no plano das
idéias como no plano da materialidade.
10 No âmbito desse estudo, informação é a representação dos fatos da realidade com base em uma determinada visão de mundo.
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Os conselhos como espaços institucionais de formulação de política, são também
componentes do aparelho do Estado, mas trazem em si a representação da
sociedade civil, e nela há uma diversidade de interesses, por vezes antagônicos.
Por exemplo, sabe-se que a associação Nordestina de Hospitais, faz parte da
sociedade civil, representando os interesses dos hospitais privados conveniados
com o SUS, no CES/PE. Por outro lado, também é parte da mesma sociedade
civil e tem lugar no CES/PE a Central de Movimentos Populares. No entanto,
quando se discute a questão da subalternidade, de acordo com o explicitado no
capitulo II, observa-se a posição de subalternidade da Central de Movimentos
Populares no que concerne a questão do poder.
Quanto à questão da fragmentação das demandas, pode-se dizer que a dinâmica
de participação desses segmentos sociais no CES/PE é marcada, na maioria das
vezes, pela apresentação de propostas individualizadas por entidade. Daí
poderia ser compreendidas as dificuldades no estabelecimento de uma agenda
comum, mesmo entre os representantes de usuários e trabalhadores de saúde. A
fala seguinte, exemplifica esta questão:
Em termos de propostas as entidades que compõem os segmento dos usuários vão apresentando individualmente. Apesar, veja só, porque isso não é uma coisa tão estanque, isso tem tudo a ver com a própria História do CES. Existiu momento que a gente já conseguiu fazer essas propostas em bloco. (...) Existe muita dificuldade de articulação entre os usuários. A proposta que a gente tem, passa de forma muito individualizada, por entidade,de forma muito fragmentada. (representante do segmento usuário)
Ao se observar o processo de identificação das demandas e prioridades de
saúde, pode-se dizer que os conselheiros representantes de usuários e
trabalhadores identificam, de forma geral, como prioridade originária da
população efetivamente usuária do SUS, a melhoria do atendimento em saúde. No
entanto, poucas entidades chegam a delimitar ações mais propositivas, e quando
o fazem, como por exemplo, o Fórum de Mulheres e a própria CUT, apresentam
demandas muito específicas.
Na maioria das vezes, estas prioridades apresentadas não ultrapassam o caráter
de meta a ser alcançada - melhoria dos serviços de saúde - conforme pode-se
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observar nos depoimentos de representantes de usuários e trabalhadores de
saúde.
Olha, são os atendimentos. Uma melhor qualidade dos serviços de saúde. Isso é uma queixa que é constante. Porque o que a população usuária coloca é que ela tenha uma qualidade, um atendimento de saúde melhor. (representante do segmento usuário) Uma política de medicamentos real e não apenas a cesta básica. (...) A população necessita de atendimento medico hospitalar e preventivo correto. Hoje a população se ressente de uma atendimento médico digno, eles se ressentem por exemplo da falta de medicação. (representante do segmento trabalhador de saúde)11
Por outro lado, a incorporação da principal demanda dos usuários (a melhoria dos
serviços de saúde) na pauta do CES/PE decorre de muita pressão por parte dos
conselheiros. Além disso, na maioria das vezes, não se tem promovido discussões
que englobem a totalidade do sistema de saúde, mas apenas de levantamentos
de problemas pontuais das unidades de saúde.
Um dos representantes dos trabalhadores de saúde destaca que: Tem sim, a questão de medicamento, tem a questão do Hospital da Restauração/HR, isso tem sido ponto de pauta de discussão do CES. (representante do segmento trabalhador de saúde)
Já na fala a seguir, um representante de usuário destaca as dificuldades de
incorporação, na pauta de discussão do conselho, de ações que possam interferir
na qualidade dos serviços de saúde, inclusive de ações que o governo vem
discutindo com o corpo técnico.
(...) O que existe assim é até uma pressão de algumas entidades representativas do CES/PE para que a gente discuta isso. Por exemplo, quando a gente fez um documento escrito na SES/PE, a gente quer discutir esse projeto de reestruturação das unidades de saúde, porque isso implica na qualidade do atendimento que vai ser prestado à população. E a gente fez um documento e deu entrada
11 Sobre a política de medicamentos, uma das entidades representativas dos trabalhadores de saúde apresentou individualmente muitas propostas de emendas ao projeto apresentado pelo governo no primeiro trimestre do ano de 1999. Já o Plano de Assistência Farmacêutica para o ano 2000, o Gestor na reunião ordinária de 07/12/99 (ver ata da 130 ª sessão do CES/PE) solicita a apreciação do Conselho ao Plano, o qual deveria ser encaminhado ao Ministério da Saúde até 20 de dezembro de 1999. Os conselheiros na ocasião, ressaltam a não participação do CES/PE na elaboração do plano. Inclusive, o plano até, o momento, não havia chegado nas “mãos” dos conselheiros.
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na semana passada pedindo que esse assunto fosse apresentado na reunião do CES/PE e inclusive o que vem sendo discutido pelos gestores. (representante do segmento usuário)
Constatou-se que há uma tímida incorporação das prioridades levantadas pelos
representantes de usuários e trabalhadores na agenda governamental. Mesmo
aquelas discutidas e deliberadas no pleno do Conselho. Isto se dá sobretudo, se
tais prioridades remetem a questões financeiras, conforme salientam
representantes de usuários e trabalhadores de saúde.
O que a gente observa é que algumas coisas que não vão mexer com a questão econômica, financeira, isso é mais fácil de ser implantado e de ser negociado. As que vão mexer com a questão econômica e financeira já é mais difícil de ser negociado e implantado. (representante do segmento usuário) A dificuldade é essa, o que os conselheiros discutem, deliberam, definem, não anda. É aí que está o nó. Você chega lá, delibera, diz como é, protesta isso, protesta aquilo, e lá vai e encaminha. Então eu sou o gestor e digo: isso que vocês deliberam aqui eu também estou de acordo, mas só que eu digo que não vamos fazer por que não tem dinheiro. Ë muito sério o problema lá. (representante do segmento usuário)
Ø ARTICULAÇÃO DOS CONSELHEIROS INTRA E EXTRA CONSELHO
Neste item, considerou-se que dentro da institucionalidade democrática, expressa
pela proposta de participação dos segmentos sociais na gestão em saúde, estaria
o desenvolvimento de um processo de articulação intra e extra conselho
principalmente do ponto de vista do fortalecimento da atuação dos segmentos
trabalhadores de saúde e usuários no CES/PE12. No entanto, pode-se constatar
uma incipiente articulação entre as entidades representativas dentro do mesmo
segmento e entre os segmentos (usuários e trabalhadores de saúde). Além disso
há fragilidade na relação entre o conselheiro e sua entidade de origem, entre o
conselheiro e sua base de representação. Isto pode ser constatado na seguinte
fala:
12 O presente estudo partiu da premissa de uma maior proximidade entre os interesses de usuários e trabalhadores de saúde. Desta forma, buscou-se identificar atividades que conduzissem a uma atuação mais conjunta de tais segmentos.
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Aliança, não temos, eu acho que não. Eu vejo assim que existe mais entrosamento, por exemplo, entre o segmento de trabalhador de saúde com o segmento do usuário, uma empatia maior do que com o segmento dos gestores e prestadores, né? (representante do segmento trabalhador de saúde)
Nos dois próximos depoimentos a seguir, representantes de usuários enfatizam a
tentativa de construção de um processo de articulação entre os segmentos.
(...) Isso a gente está tentando retomar agora. (...) Quando a gente decidiu que toda primeira terça do mês, que antecede a reunião do CES/PE, os representantes dos segmentos de usuários e trabalhadores iriam se reunir, porque isso é uma forma de estratégia e de fortalecimento. (representante do segmento usuário) A gente tem discutido, dentro da entidade que se representa. Mas, em termos do segmento como um todo não. Isso acontece esporadicamente. Fizemos um reunião para discutir HR, mas foram poucos, tinham 6 pessoas. (representante do segmento usuário)
Por sua vez, o depoimento de um dos representantes de trabalhadores de saúde
explicita a predominância de atividades na esfera das re uniões oficiais do
CES/PE.
Na verdade o CES/PE somente existe como conselho nos dias das reuniões. Quer dizer, é uma coisa muito pontual. Quer dizer, tem a reunião do CES/PE, você passa ali o dia inteiro né? E acabou a reunião, acabou, cada um vai para o seu lado. Quer dizer, o CES na verdade ele não existe ao longo do tempo, ele não tem vida própria, está entendendo? É um grupo de pessoas que se reúnem, um vez, duas, três. Tem-se reuniões extraordinárias, sei lá quantas, mas ele só existe enquanto as pessoas estão reunidas ali. (representante do segmento trabalhador de saúde)
Para os representantes de usuários, a incipiente articulação entre os segmentos
sociais é permeada por duas questões: corporativismo e não previsão das
questões de pauta. Na primeira questão levantada a seguir, os segmentos
voltam-se para a busca da satisfação dos interesses imediatos, reproduzindo a
fragmentação do grupos subalternos e reforçando a hegemonia burguesa. Já a
segunda questão (não previsão das questões de pauta), conforme já se viu em
itens anteriores, indica o domínio da pauta pelo gestor. Isto se faz a partir das
prioridades advindas da racionalidade administrativa, ou seja, das questões para
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as quais o gestor necessita da aprovação do Conselho, bem como das demandas
pontuais de alguma entidade.
Neste sentido, pode-se dizer que não existe, na atualidade, na esfera
dos segmentos subalternos, a promoção sistemática de mecanismos que
potencializem um poder aglutinador dos interesses de tais segmentos. Esta
ausência inviabiliza discussões que deveriam preceder às reuniões do CES/PE.
Eu acho que o que dificulta a articulação é que temos uma visão muito corporativista (...) os próprios conselheiros, às vezes a vaidade de cada um, as vezes até o tempo que a gente tem. (representante do segmento usuário) (...) Porque a gente lida com determinadas situações que é ali na hora, como se diz, o aqui e o agora, é que você vai ter que estar encaminhando mesmo, né. Então isso dificulta bastante. (representante do segmento usuário)
Além disso, não há uma interlocução freqüente e sistemática, condutora de
troca de informações, entre as várias esferas de conselhos de saúde no estado de
Pernambuco. Esta articulação poderia conter elementos essenciais para uma
possível atuação conjunta e coordenada, se não entre os conselhos como um todo
(uma vez que estes têm segmentos com interesses por vezes antagônicos), mas,
sobretudo entre os representantes dos segmentos usuários e trabalhadores de
saúde nos diversos conselhos existentes.
Conforme dados coletados durante as entrevistas com representantes de usuários
e trabalhadores de saúde, as articulações ocorrem esporadicamente, quando do
momento das plenárias de conselhos, encontros de conselheiros, ou diante de
alguma denúncia que é encaminhada pelos conselhos municipais ou Conselhos
Gestores ao CES/PE:
Olhe, não, essas articulações têm ocorrido mais quando a gente realiza as plenárias de conselheiros. Porque é um momento onde a gente consegue juntar tanto o CES/PE, como os conselhos municipais e conselhos gestores. (representante do segmento usuário) Quando se recebe alguma informação desses conselhos é na forma de alguma denúncia, de algum município ou de conselhos gestores de unidades de saúde no Estado. (representante do segmento trabalhador de saúde)
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Quanto ao processo de articulação extra esfera do CES/PE, pode-se constatar
que o Conselho não tem articulado, com freqüência, redes de entidades e grupos
de interesses na área de saúde, no sentido de aglutinar forças na luta pela
implementação do SUS 13.
Assim, no que diz respeito à influência nas decisões governamentais, as formas
de ação que ampliam o debate em saúde, bem como as que conduzem à reação
pública às decisões tomadas no setor vêm ocorrendo, na maioria das vezes, fora
do diâmetro de atuação do CES/PE14. Conforme pode-se observar no depoimento
a seguir:
Não, ele mobiliza e articula apenas momentaneamente, por exemplo, na realização de uma Plenária Estadual, na realização de um seminário. Um exemplo disto é que aquela articulação de entidades que foram à Brasília, (Associação Nordestina dos Hospitais, CREMEPE, Sindicato dos Médicos etc.) discutir o corte dos recursos que o Estado sofreu, não teve a participação do CES/PE, inclusive essa articulação teve algumas entidades que fazem parte do CES/PE e que até tiveram conhecimento, teve uma participação, mas não teve a preocupação de informar o CES/PE, no sentido do CES/PE ser um sujeito nesse processo. (representante do segmento usuário) Não, essa mobilização a gente não tem feito não. (representante do segmento usuário)
Na chamada “gestão participativa das políticas públicas”, no Brasil, existem
conselhos que também teriam o papel de formular, acompanhar e fiscalizar
outras políticas sociais. No entanto, o CES/PE não vem promovendo atividades
que possam desencadear uma interlocução com esses conselhos. Desta forma,
os vários conselhos criados em torno das políticas sociais acabam reproduzindo a
lógica da compartimentação da questão social. Desse modo, as políticas públicas
13 Isto ocorre esporadicamente, mas não tem conseguido envolver, de forma ampla, outras entidades, ou movimentos sociais no debate em saúde. 14 Diante de uma conjuntura política que beneficia o direcionamento de uma política de saúde para uma perspectiva neoliberal no país e no Estado de Pernambuco, da fragilidade dos espaços de controle social, em março de 2000, lideranças dos movimentos sociais em saúde e entidades representativas das classes subalternas retomam a Plenária Estadual de Saúde, uma vez que esta não vinha sendo realizada desde 1996. A finalidade deste fórum é discutir e traçar estratégias de enfrentamento político das questões de saúde no Estado. Algumas das entidades promotoras da plenária, diga-se de passagem, compõem o CES/PE. No entanto, a participação dos conselheiros estaduais, na primeira reunião da retomada da plenária estadual, foi muito incipiente.
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se expressam através da fragmentação da realidade, direcionando-se para o
preenchimento de agendas e arenas, nas quais tendem a ficar confinados os
debates e reivindicações. (OLIVEIRA, 1983) Não tocando-se dessa forma, no
cerne das questões que perpassam sobretudo hoje, as políticas públicas.
Percebe-se que os segmentos subalternos, atuantes na esfera da sociedade civil,
carecem de uma articulação política que os capacite para atuar como alicerce a
um outro projeto de hegemonia, além do diâmetro de grupos de interesses em
busca de consolidação de direitos, atuando fragmentadamente nos diversos
conselhos. Para DIAS(1999:82), caberá aos intelectuais dos movimentos sociais e
entidades dos trabalhadores o papel de formação político-ideológica, “com e não
sobre as classes subalternas”, através de um processo no qual possa-se pensar
“a problemática do controle social dos meios de comunicação de massa,
organização dos trabalhadores, educação pública e gratuita e a construção de
um projeto de saúde sob o controle dos trabalhadores” .
Ø RELAÇÃO COM OS MEIOS DE
COMUNICAÇÃO DE MASSA
Nesta pesquisa, o acesso aos meios de comunicação de massa foi um aspecto
considerado de relevância, no sentido de promoção de uma maior visibilidade
pública às atividades, deliberações ou problemáticas em saúde que envolveriam, a
princípio, O CES/PE. A luta pelo direito à saúde envolve estratégias políticas que
colocam em jogo a importância da visibilidade pública de posicionamentos,
denúncias, apoios, embates e outras formas de manifestação, envolvendo a
utilização dos recursos midiáticos. No entanto, ao se indagar sobre o possível uso
dos conselheiros, representantes de usuários e trabalhadores de saúde, dos
meios de comunicação de massa como rádio, televisão, jornal percebe-se que
estes não os utilizam freqüentemente para a publicização dos debates sobre a
saúde coletiva. O depoimento seguinte destaca esta questão:
Veja, no sentido da gente se pronunciar, acho que é muito pouco o relacionamento entre o conselheiro e a imprensa, acho que é muito pequena. (representante do segmento trabalhador de saúde)
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Os conselheiros enumeram algumas questões que perpassam a dificuldade de
acesso. Para um dos representantes dos trabalhadores de saúde o que mais
prejudica é o CES/PE não ter uma assessoria de imprensa que pudesse articular
um espaço na mídia.
A primeira coisa é que até hoje o CES/PE não definiu uma assessoria de imprensa, eu acho que isso é complicador para gente. (representante do segmento trabalhador de saúde)
Já um representante de usuários destaca o próprio caráter plural do CES/PE, já
que os interesses entre gestor, trabalhadores de saúde e usuários não são os
mesmos. O que implicaria em diferentes pautas a serem publicizadas.
O gestor não tem interesse que isto aconteça, acho que até dificulta. Porque se a imprensa chegar lá e colocam no ar, a posição, por exemplo, do representante (...) dos usuários e dos trabalhadores, e aí iria criar um conflito na máquina do governo. O Secretário de Saúde não quer isso. Além disso, não lutamos por isso. (representante do segmento usuário)
Por outro lado, sabe-se que a dificuldade de acesso dos segmentos subalternos
aos meios de comunicação de massa é permeada também pela relação
contraditória entre Estado e interesses privados, no qual o sistema de concessão
de canais de comunicação, longe de ser balizado pelo interesse público, molda-se
aos interesses de grupos privados, que gera um certo “desinteresse’ por grande
parte das demandas e necessidades sentidas pelos movimentos sociais,
entidades representativas das classes subalternas. Acrescente -se a isto a
incipiente visibilidade do SUS nos meios de comunicação de massa, o SUS como
modelo de atenção mais adequado à satisfação das necessidades da maioria da
população. Neste sentido, o que aparece é um “hiato” representado por um
silenciamento ou por uma não defesa por parte dos principais meios de
comunicação. O que demonstra a não neutralidade dos meios de comunicação de
massa15.
15 A forma como as questões relacionada à política de saúde aparecem na mídia tem uma dimensão fenomênica (“o caos da saúde pública”), ausente de dados que permitam uma análise aprofundada da problemática que envolve a saúde pública no país.
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Por outro lado, sabe-se que há uma prévia seleção dos sujeitos, portadores de
falas “competentes” de fácil acesso aos recursos de comunicação de massa. Uma
vez que o acesso a grupos de interesses – produtores de informação – aos meios
de comunicação , sobretudo aqueles de largo alcance, é seletivo, dependente
muitas vezes de relações político-partidárias, ideológicas, mercadológicas e
privatistas, conforme fica explicito na fala a seguir.
Você tem sempre notícias sobre as questões de saúde, várias entidades são ouvidas e ninguém nunca vai perguntar a opinião do CES/PE. Eles vão, perguntar para o Conselho Regional de Medicina, para o Sindicato dos Médicos, para o Sindicato dos Hospitais Privados né?, mas nunca para o CES/PE. (representante do segmento trabalhador de saúde)
No entanto, é preciso fazer-se uma ressalva a esta afirmação: “ninguém vai
perguntar a opinião do CES/PE”, diga-se de passagem, a opinião dos
representantes dos segmentos de usuários e trabalhadores de saúde, uma vez
que o Secretário de Saúde (presidente do CES/PE) é um dos sujeitos de
expressão nos principais meios de comunicação de massas.
Embora saiba-se da complexidade que envolve o tema dos meios de
comunicação de massa, concorda-se com a posição de IANNI apud MORAES
(1998:256), no que diz respeito ao papel jogado pelos meios de comunicação de
massa, em tempos de globalização:
Ainda o que predomina é a existência de multidões de populações ou coletividades nacionais enquanto membros de uma aldeia global. Articulados pelo alto, a partir de centros decisórios desterritorializados que vêm recebendo mais ou menos as mesmas informações em todos os lugares, sendo levados a pensar os problemas, sejam os locais ou mundiais, de uma forma aproximadamente homogênea. Uma pervesa aldeia global onde está dispersa uma imensa multidão de solitários, inventada pelo alto, satelizada, eletrônica, desterritorializada.
Diante disto, na atualidade, os movimentos sociais estão ampliando a prática de
não “ se esperar” pela aderência dos meios de comunicação de massa. Apesar
de não ser possível ignorá-los, têm-se intensificado estratégias de comunicação
com meios próprios ou junto a outros meios de comunicação de massa, como por
exemplo, emissoras comunitárias de rádios. Sobretudo, no sentido de re-contar a
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realidade sob o ponto de vista das classes subalternas. Embora saiba-se que a
utilização destes meios, por sua vez, apresenta muitas contradições. Isto ocorre,
uma vez que o elemento que marca a diferença não é simplesmente o uso dos
meios (os recursos em si mesmos), mas as mediações16. A supremacia das
mediações aos meios se dá porque os movimentos dos grupos ou classes
subalternas jamais chegaram a afirmar-se como sujeito de sua história. Sequer
elaboram e vivenciam uma própria e autônoma concepção ético político de
mundo, através do estabelecimento de processos que elevam moral e
intelectualmente tais classes.
Neste sentido, a comunicação no CES/PE, não pode ser resumida à existência de
meios de comunicação, já que devem ser considerados os processos que
conduzem o papel, a ação dos conselheiros e dos agentes institucionais da
saúde, entendendo-os como unidades produtoras e difusoras de informação ou
seja, informações como representações de fatos da realidade com base em uma
determinada visão de mundo .
Na III Plenária Estadual de Conselheiros de Saúde de Pernambuco, em 1999, os
conselheiros elaboram proposições permeadas pelo conceito de comunicação
centrada nos meios, na qual a comunicação aparece reduzida à difusão,
divulgação, modalidades comunicativas unidirecionais, acesso à informação,
praticadas em grande escala com o suporte da tecnologia. O depoimento a seguir
é ilustrativo desta questão:
(...) O CES/PE produzir jornais, rádios, programas de rádio. Com certeza isso seria um grande avanço, porque aí eu não repassaria apenas para a minha comunidade e sim para a população. (representante do segmento usuário)
Estas ações são por vezes necessárias, mas não suficientes para preencher as
lacunas e os silêncios que conformam hoje a relação entre os representantes de
usuários e trabalhadores de saúde dentro CES/PE e a população usuária do SUS
no Estado. Incluindo também, a relação destes com os movimentos sociais e a
relação entre o próprio representante e sua entidade de base. Neste sentido, a
16 Ver mais sobre o tema em: PERUZZO, C. M. K. Comunicação nos movimentos populares: a
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produção de um jornal, por exemplo, não resolveria a insuficiência da relação
orgânica entre representante e representados, no CES/PE. Sobretudo podendo
trilhar. Pois, aqui o que está em jogo são as mediações (BARBERO,1998) e não os
instrumentos em si mesmos.
Faz-se preciso salientar, portanto, que a força da comunicação para as classes
subalternas não se encontra meramente nos aparatos comunicacionais, mas
sobretudo, no processo capaz de potencializar a participação massiva, a
organização e a mobilização. É a totalidade dos processos comunicativos que
permeiam a atuação dos representantes dos segmentos subalternizados com suas
bases no âmbito do CES/PE. Assim, o uso de recursos, como por exemplo, a
produção de jornais, boletins, dentre outros recursos a serem utilizados pelo
CES/PE, precisariam estar articulados - principalmente por parte das entidades
que representam os segmentos de usuários e trabalhadores de saúde - a um
processo sócio-pedagógico de produção de sujeitos. Além disso, no caso de um
jornal do CES/PE, é importante lembrar que este teria que retratar não apenas os
interesses desses segmentos, mas, a princípio, todos os interesses plurais e
antagônicos presentes no CES/PE. Dentre estes, podem-se citar por exemplo, os
interesses do próprio Secretário de Saúde e da Associação Nordestina de
Hospitais.
4. CONSIDERAÇOES FINAIS
A política de saúde na atualidade, no Estado de Pernambuco/BRASIL, expressa a
contradição existente entre o discurso do poder local, da participação social e o
processo de centralização do poder na esfera do executivo estadual ou federal,
com graves restrições orçamentárias e consolidação de uma política de corte
neoliberal. Apesar do avanço conquistado pelo setor saúde, o sistema ainda
mantém um misto entre público e privado, um processo de sucateamento do
setor público, com uma grande expansão do setor privado.
Neste sentido, a pesquisa revelou que há, na gestão da política de saúde do
Estado de Pernambuco uma centralização do poder nas mãos do executivo,
participação na construção da cidadania, 1998.
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sobretudo no processo de alocação dos recursos, tanto no que diz respeito à
implementação da política de saúde, como as atividades do CES/PE.
A existência de diversos interesses e demandas conflitantes no âmbito do CES/PE
tem dificultado o custeio (sobretudo porque mesmo o CES/PE tendo dotação
orçamentária para suas atividades, o processo de alocação dos recursos é
controlado pelo gestor) e a operacionalização de atividades. Assim sendo, torna-
se cada vez mais difícil o fortalecimento dos interesses de usuários e
trabalhadores de saúde, que expressam, a princípio, as demandas da população
usuária do SUS.
A relação entre representantes e representados apresenta muitas dificuldades.
Dentre estas pode-se dizer que os primeiros, pouco traduzem e dão visibilidade
política às demandas e necessidades deste último. Há uma explícita fragilidade na
relação do conselheiro com sua entidade de origem, uma incipiente articulação
dos conselheiros entre si e entre os segmentos sociais acima mencionados.
Assim, na esfera do CES/PE, tais grupos subalternos têm se apresentado com
poucas condições de, coletivamente, explicitar seus projetos, diferenciando-os de
outros existentes na arena institucional. Por sua vez, não têm conseguido unificar
uma agenda pública em saúde e fazer dela um instrumento de luta para influir na
agenda governamental.
A informação institucional em saúde que é disponibilizada, não vem promovendo
uma interlocução, mas, na maioria das vezes, tem buscado legitimar as propostas
institucionais. Os conselheiros têm dificuldade de acesso a informações simples,
objetivas, regulares e confiáveis, o que por sua vez, impossibilita o exercício do
controle social sobre os serviços. As dificuldades de acesso e o não controle da
gestão da informação institucional, por parte dos segmentos subalternizados,
evidenciam a relação de poder desigual entre os representantes dos segmentos
usuários, trabalhadores de saúde e os gestores. Os conselheiros estaduais de
saúde, por sua vez, não têm produzido e nem sistematizado informações em
saúde, a partir de dados oriundos dos usuários e trabalhadores de saúde, no
sentido de poder re-contar a realidade da política e dos serviços de saúde, sob o
ponto de vista desses segmentos sociais.
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Além disso, os representantes de usuários e trabalhadores de saúde não têm tido,
na maioria das vezes, acesso, em “pé de igualdade” com os gestores, aos meios
de comunicação de massa como rádio, televisão, jornal, etc. Portanto, seus
posicionamentos, denúncias, apoios, embates, têm pouca visibilidade pública.
Outrossim, fazem pouco uso de outras formas de manifestação e estratégias que
envolvam a utilização de recursos midiáticos. Tudo isso somado à apresentação
de demandas fragmentadas, quase sempre despolitizadas e inseridas na lógica
burocratizante do Estado.
Desta forma, a participação dos segmentos subalternos na gestão em saúde
desenvolve-se no âmbito da construção da hegemonia burguesa, uma vez que
esta se expressa:
(...) quando todos os interesses representados ainda que divergentes e conflitantes, não se revelam acima do corporativo, ou seja da efetivação dos interesses limitados e específicos de cada categoria ou grupos sociais, que podem ser assimilados pela ordem capitalista vigente. (GALLO E NASCIMENTO,1995:101)
A participação dos segmentos sociais no CES/PE e na gestão da política estadual
de saúde tem se limitado ao espaço da micro política, sem articulação com a
grande política, sobretudo, no sentido de contribuir com o processo de criação de
uma nova hegemonia dos grupos subalternos.
A participação dos segmentos sociais no CES/PE e na gestão da política estadual
de saúde tem se limitado ao espaço da micro política, sem articulação com a
grande política, sobretudo, no sentido de contribuir com o processo de criação de
uma nova hegemonia dos grupos subalternos.
Finalmente, pode-se dizer que o “desenho comunicacional” da participação
social em saúde em Pernambuco, através do CES/PE é permeado pela
concepção de Estado plural e pelo arcabouço de participação nele subjacente:
fragmentação da dimensão de classe e privilegiamento das práticas de “grupos
de interesses”, no interior do Estado. Assim sendo, a problemática da
comunicação na esfera do CES/PE apresentou-se enquanto “espelho” do
processo de construção de hegemonia burguesa. Desta forma, esta pesquisa
considera que, no período estudado, o espaço do CES/PE e o processo
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comunicacional nele presente, se configuram, muito mais como mecanismos de
passivização. Assim sendo, as classes subalternas têm participado sem alterar
e/ou confrontar significativamente, a lógica que permeia a política e o sistema de
saúde. Os conselheiros estaduais têm exercido, de forma incipiente, as atividades
de controle social. Havendo, portanto, pouca influência destes no direcionamento
da política de saúde no Estado de Pernambuco.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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PERUZZO, C. M. K. Comunicação nos movimentos populares: a participação na construção da cidadania, 1998.
OLIVEIRA, J. A A . Interesses e mecanismos de representação: a política de saúde no Brasil pós-64. Rio de Janeiro: ENSP/Fiocruz, 1983. (mimeo)