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www.ts.ucr.ac.cr 1 COMUNICAÇÃO E PASSIVIZAÇÃO: UM ESTUDO SOBRE A PARTICIPAÇÃO DOS REPRESENTANTES DE USUÁRIOS E TRABALHADORES DE SAÚDE NA GESTAO DA POLITICA DE SAÚDE NO ESTADO DE PERNAMBUCO 1 ALBUQUERQUE, Maria do Socorro Veloso de 2 E-mail: [email protected] INSTITUIÇAO : Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste/SUDENE EIXO TEMÁTICO 3 : PARTICIPAÇÃO E GOVERNO LOCAL MESA DE TRABALHO: POLÍTICAS E GESTAO SOCIAL PALAVRAS-CHAVES: Comunicação; Hegemonia; Participaçao; Gestão Social, Grupos Subalternos ENDEREÇO : RESUMO Este trabalho é parte dos resultados da dissertação de mestrado da autora, desenvolvida pela Universidade Federal de Pernambuco/Brasil, que estudou a comunicação como construção de consenso/consentimento no processo de participação dos grupos subalternos, inseridos no Conselho Estadual de Saúde/CES-PE, na gestão da Política Estadual de Saúde de Pernambuco. A comunicação foi analisada a partir da tríade teórica: participação, no processo decisório em Saúde; informação institucional; comunicação dos grupos subalternos, no sentido da interrelação dos representantes dos usuários e trabalhadores de saúde entre si, com suas entidades de base, com os movimentos sociais e com a sociedade em geral, na problematização coletiva dos temas a serem enfrentados na esfera do CES/PE, portanto, do re -contar a realidade a partir da visão de mundo dos grupos subalternizados. Trata-se de um estudo de caso, com abordagem qualitativa, que teve como sujeito os conselheiros estaduais de saúde, representantes de usuários e trabalhadores de saúde. Os resultados da pesquisa indicam que o espaço do CES/PE configurou-se no período estudado, muito mais como mecanismo de passivização, no qual os grupos subalternos têm participado sem 1 Este trabalho é parte do capítulo de resultados da dissertaçao de Mestrado da autora: ALBUQUERQUE, Maria do Socorro Veloso de. Comunicação e Passivização: um Estudo sobre a participação dos representantes de usuários e trabalhadores de saúde na Gestão da Política de Saúde no Estado de Pernambuco . Recife, 2000. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal de Pernambuco. 2 Assistente Social Sanitarista. Mestre em Serviço Social (Política de Saúde) pela UFPE; Especialista em Saúde Pública pelo Núcleo de Saúde Coletiva/NESC-PE/FIOCRUZ.. Técnica do Projeto de Desenvolvimento Local Sustentável PNUD/SUDENE.

COMUNICAÇÃO E PASSIVIZAÇÃO: UM ESTUDO SOBRE A … · a serem enfrentados na esfera do CES/PE, portanto, do re-contar a realidade a partir da visão de mundo dos grupos subalternizados

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COMUNICAÇÃO E PASSIVIZAÇÃO: UM ESTUDO SOBRE A

PARTICIPAÇÃO DOS REPRESENTANTES DE USUÁRIOS E

TRABALHADORES DE SAÚDE NA GESTAO DA POLITICA DE

SAÚDE NO ESTADO DE PERNAMBUCO1

AALLBBUUQQUUEERRQQUUEE,, MMaarriiaa ddoo SSooccoorrrroo VVeelloossoo ddee22

E-mail: [email protected]

IINNSSTTIITTUUIIÇÇAAOO:: SSuuppeerriinntteennddêê nncciiaa ddee DDeessee nnvvoollvviimmee nnttoo ddoo NNoo rrddeessttee//SSUUDDEENNEE

EIXO TEMÁTICO 3: PARTICIPAÇÃO E GOVERNO LOCAL

MESA DE TRABALHO: POLÍTICAS E GESTAO SOCIAL

PALAVRAS-CHAVES: Comunicação; Hegemonia; Participaçao; Gestão Social, Grupos Subalternos ENDEREÇO:

RESUMO

Este trabalho é parte dos resultados da dissertação de mestrado da autora, desenvolvida pela Universidade Federal de Pernambuco/Brasil, que estudou a comunicação como construção de consenso/consentimento no processo de participação dos grupos subalternos, inseridos no Conselho Estadual de Saúde/CES-PE, na gestão da Política Estadual de Saúde de Pernambuco. A comunicação foi analisada a partir da tríade teórica: participação, no processo decisório em Saúde; informação institucional; comunicação dos grupos subalternos, no sentido da interrelação dos representantes dos usuários e trabalhadores de saúde entre si, com suas entidades de base, com os movimentos sociais e com a sociedade em geral, na problematização coletiva dos temas a serem enfrentados na esfera do CES/PE, portanto, do re -contar a realidade a partir da visão de mundo dos grupos subalternizados. Trata-se de um estudo de caso, com abordagem qualitativa, que teve como sujeito os conselheiros estaduais de saúde, representantes de usuários e trabalhadores de saúde. Os resultados da pesquisa indicam que o espaço do CES/PE configurou-se no período estudado, muito mais como mecanismo de passivização, no qual os grupos subalternos têm participado sem 1 Este trabalho é parte do capítulo de resultados da dissertaçao de Mestrado da autora:

ALBUQUERQUE, Maria do Socorro Veloso de. Comunicação e Passivização: um Estudo sobre a participação dos representantes de usuários e trabalhadores de saúde na Gestão da Política de Saúde no Estado de Pernambuco. Recife, 2000. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal de Pernambuco.

2 Assistente Social Sanitarista. Mestre em Serviço Social (Política de Saúde) pela UFPE; Especialista em Saúde Pública pelo Núcleo de Saúde Coletiva/NESC-PE/FIOCRUZ.. Técnica do Projeto de Desenvolvimento Local Sustentável PNUD/SUDENE.

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alterar e/ou confrontar, significativamente, a lógica que permeia a política e o sistema de saúde em Pernambuco/Brasil . CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A retórica sobre a abertura de canais institucionais de participação social,

principalmente a partir da criação do Sistema Único de Saúde/SUS, pretende

propiciar que sujeitos políticos escolham seus representantes para participar e

deliberar em instâncias consideradas decisórias no processo de formulação e

implementação das políticas de saúde. Para autores, como CACCIA-BAVA

(1994), os conselhos, como os de saúde, são maneiras de representação

associada às idéias de “democracia representativa, combinada com a democracia

direta.” Assim, o elemento-chave do processo de democratização da gestão em

saúde, seria a participação de representantes da sociedade nos processos

decisórios de governo.

No âmbito deste trabalho, pretende-se estudar a comunicação como construção

de consenso/consentimento no processo de participação dos grupos subalternos,

inseridos no Conselho Estadual de Saúde-CES/PE, na gestão da Política Estadual

de Saúde de Pernambuco.

A hipótese central que sustenta a presente pesquisa é que o processo de

comunicação estabelecido na esfera do Conselho Estadual de Saúde explicita as

contradições da proposta de participação social na gestão pública em saúde,

restringindo-a, muitas vezes ao âmbito das estratégias de passivização. Desta,

provém como hipótese secundária que às formas de comunicação estabelecidas

no âmbito do CES expressam um difícil acesso as informações em saúde por

parte dos segmentos subalternizados, fragilidade da inter-relação dos

conselheiros representantes de usuários e trabalhadores em saúde em relação às

suas entidades e bases de representação e uma incipiente influência desses

segmentos na agenda governamental. Todas estas questões potencializam o

espaço do CES/PE enquanto elemento do processo de passivização, onde as

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classes subalternas participam sem alterar a lógica global que permeia o

sistema.

Trata -se de um estudo de caso, com abordagem qualitativa, que teve como sujeito

os conselheiros estaduais de saúde, representantes de usuários e trabalhadores

de saúde. As principais técnicas e fontes de dados utilizadas foram: a observação

participante nas reuniões do CES/PE; as entrevistas semi-estruturadas e

conversas informais com os conselheiros; pesquisa documental através das atas,

leis, decretos, resoluções, relatórios e eventos do CES/PE e alguns documentos

da Secretaria Estadual de Saúde, Bipartite e Ministério da Saúde; bem como de

pesquisa bibliográfica.

O discurso foi analisado tomando-se a comunicação como construção de

hegemonia, a partir da tríade teórica participação, informação institucional e

comunicação dos grupos subalternos. A concepção de participação aparece

como intervenção consciente desses segmentos na gestão em saúde; a

informação institucional como acesso e controle social sobre a gestão da mesma

e, finalmente, a comunicação no sentido da interrelação dos representantes dos

usuários e trabalhadores de saúde entre si, com suas entidades de base, com os

movimentos sociais e com a sociedade em geral, no sentido de problematização

coletiva dos temas a serem enfrentados na esfera do CES/PE, portanto, do re-

contar a realidade a partir de sua visão de mundo, a do segmentos

subalternizados.

2. O PAPEL DO CONSELHO ESTADUAL DE SAÚDE DE PERNAMBUCO/CES-

PE: O “CONSENSO DO DISCURSO E O DISSENSO DA PRÁTICA”

Há um consenso historicamente construído na atual política de saúde no Brasil,

fruto das lutas sociais e instituído por uma base legal, de que os conselhos de

saúde devem ter caráter deliberativo sobre as políticas de saúde.

Seu principal papel (...) é de formulador da política de saúde. (representante do segmento usuário)

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Isto significaria ir além do papel de análise da execução da política de saúde. No

entanto, a própria legislação define que as deliberações dos conselhos devem ter

a homologação do poder executivo (no caso do CES/PE, o Secretário de Saúde,

que também preside o Conselho), para ter validade legal. Assim sendo, em

situação hipotética do executivo discordar e decidir diferentemente da deliberação

do Pleno do Conselho, o respaldo legal será do executivo. O que torna frágil o

chamado caráter deliberativo do CES/PE, conforme pode-se observar no

depoimento a seguir:

Acontece que as decisões nossas quando chegam ao Secretário, aquilo que convier a favor do governo fica e aquilo que não convier a favor do governo é retirado. (...) Aqueles projetos que passam para a gente dar uma definição, muitos deles são atendidos e outros não. Como é o caso da privatização da COMPESA e o LAFEPE, que a gente tinha decidido contrário, o Secretário nem assinou a nossa deliberação. O governo já decidiu a privatização. Então quer dizer que o papel do Conselho ainda está meio restrito. Outra questão é que em muitos casos passa-se no executivo para depois vir para o Conselho. Por exemplo, o caso da COMPESA e o LAFEPE, foi encaminhado o projeto pelo governador para Assembléia Legislativa, depois que foi aprovado lá é que veio para nós. (representante do segmento usuário)3

Por outro lado, acredita-se que este processo expressa uma contradição entre o

arcabouço jurídico e a efetivação do papel deliberativo do Conselho, no sentido

de implantação do que é definido. Isto expressa a centralização do poder nas

mãos do executivo. Além disto, vem reforçar o caráter de seletividade estrutural

do Estado capitalista, que se dá pelo sistema de filtros, pelo que é selecionado,

pelo que deve e pelo que não deve penetrar a agenda governamental,

implantando-se, na maioria das vezes, as ações que já compõem esta, ou

aquelas que não interferem na lógica dominante de funcionamento do sistema de

saúde.

O depoimento a seguir revela a centralização do poder na esfera do governo, do

poder executivo do Estado. Deixam-se explícita a problemática dos chamados

instrumentos democráticos ou gestão participativa uma vez que, dada a sua

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fragilidade estes são constantemente ameaçados pela cultura política autoritária,

que rege, na maioria das vezes, as políticas públicas no Brasil.

A democracia ainda não é vivenciada, já vem decidido. O conselho não tem poder.( representante do segmento Usuário)

Pode-se dizer que no âmbito governamental uma das principais dificuldades

encontradas pela proposta de participação social no SUS em Pernambuco, no

contexto atual, é a resistência à sua operacionalização, apesar do consenso

estabelecido no plano do discurso, conforme pode-se perceber na fala a seguir:

Eu gostaria de dizer que em momento nenhum esta secretaria quer o conselho fraco. (...) este conselho tem que ter uma sede própria. Eu, inclusive, já com toda crise, já autorizei a engenharia para localizar um canto, ou uma casa próxima , que seja próxima da gente aqui, mas que possa mostrar autonomia para fortalecimento do conselho. (representante do segmento Gestor)4

Esta fala indica a frágil autonomia do CES/PE e a tentativa de conquista do

consenso por parte do representante do segmento gestor, através da aprovação

de algumas das reivindicações dos conselheiros. Desse modo, busca transformar

suas ações em elementos que garantiriam “autonomia” do CES/PE.

CES/PE tem que ter uma estrutura de funcionários, tem que ter estrutura jurídica, tem que ter autonomia. Porque um CES/PE forte, significa uma Secretária de Saúde forte. (representante do segmento gestor)

Assim sendo, o discurso da “autonomia do CES/PE” vem atrelado ao de

fortalecimento da Secretaria de Saúde, numa dimensão simbiótica entre

sociedade política e sociedade civil. No entanto, sabe-se que mesmo sendo

necessária ao Conselho a dotação de toda a infra-estrutura para seu

funcionamento, a autonomia diz respeito não ao conselho em si, mas aos

segmentos subalternizados, ora representados pelos usuários e trabalhadores de

saúde. A autonomia se expressa pela capacidade do sujeito social em re-elaborar

3 No que diz respeito ao LAFEPE posteriormente houve um recuo do governo do Estado no processo de privatização, em face de pressões de várias instâncias. 4 Todas as falas transcritas do segmento gestor foram resultantes da gravação da reunião do CES/PE de 14/07/1999, uma vez que as entrevistas foram realizadas apenas com representantes de usuários e trabalhadores de saúde.

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as determinações externas em função daquilo que define como interesses das

classes subalternas. Ou seja, autonomia é a capacidade de elaboração de sua

própria identidade e de projetos coletivos de mudança social a partir de uma

perspectiva de classe.(CARDOSO, 1995).

Desta forma, a autonomia proposta para o Conselho em sua totalidade parece

caminhar no sentido da hegemonia passiva, ou seja pela neutralização das

práticas das classes subalternas, a partir do “referencial de convivência

democrática das diferenças” e da cidadania enquanto negação da luta de classes.

Mas, entende-se que a autonomia dos grupos subalternos dependerá da clareza

que tais segmentos tenham em relação aos projetos a serem defendidos por estes

na esfera do CES/PE, ou seja, na esfera dos aparelhos de Estado.

Além disso, a perspectiva da “gestão democrática” na atualidade, apresenta

contradições entre a visão de estabelecimento de uma “democracia”

fundamentada em bases locais (o Conselho sendo um dos seus instrumentos) e o

monopólio das macro-decisões sobre a política de saúde manter-se, ora com o

governo estadual, federal, para não se falar dos grandes interesses privados

nacionais e internacionais que têm peso na conformação da política de saúde

historicamente no país.

Acho que o CES/PE deveria participar da definição de prioridades em saúde, mas na minha avaliação isto tem ficado mais a cargo do gestor. (representante do segmento trabalhador de saúde)

Por outro lado, para alguns dos entrevistados, a conjuntura atual da SES/PE

direciona-se para encaminhamentos que procuram reduzir o papel do CES/PE ao

âmbito consultivo, forçando-se a adoção, por completo, deste caráter, uma vez

que a lei prevê esta dimensão apenas para algumas das atividades dos

conselhos, conforme exposto anteriormente, a partir do parecer de DODGE

(1998):

Hoje a gente entende que para o governo, você estar discutindo a reestruturação das unidades de saúde não é papel do CES, você estar discutindo teto financeiro não é papel do CES, tá certo? A PPA não é papel do CES. No HEMOPE eles criarem uma fundação privada de apoio, não é papel do CES. Então, eu acho que a gente está lidando com o seguinte encaminhamento, eu acho que o atual governo está tentando tornar o CES meramente consultivo, eu acho

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que nem consultivo está sendo, está sendo meramente informativo, porque consultivo ainda ouve, não é?(representante do segmento usuário)

A socialização da política proposta pelo Movimento da Reforma Sanitária e

expressa no SUS, implicaria na participação dos conselheiros de saúde no

planejamento, na definição do orçamento e controle sobre o Fundo Estadual de

Saúde, ou seja na socialização dos “ meios e processos de governar”. Nesta

pesquisa pode-se constatar que o Conselho Estadual de Saúde de

Pernambuco/CES-PE não tem conseguido expressar-se como “espaço

democrático de negociação de interesses”. O depoimento a seguir, explicita essa

colocação:

Como o papel do CES/PE está muito assim, exíguo, assim ... de muito pouco peso. Ele muito pouco tem interferido nas políticas do governo, na verdade. (...) Tanto no governo Arraes como Jarbas. (representante do segmento trabalhador de saúde)

Na Constituição Federal de 1988 não ficou estabelecido um percentual do

orçamento fiscal a ser destinado para a saúde. Assim sendo, os recursos

originários das fontes que compõem o orçamento da Seguridade Social5 não

foram devidamente estabelecidos em termos de critérios para partilha dos

mesmos. Desta forma, a cada ano, a LDO e a Lei Orçamentária definem o

percentual de recursos destinados para a saúde, ficando a parte destinada à

política de saúde, a depender da correlação de forças que se estabelece em torno

da questão do orçamento das políticas públicas6.

A princípio, os recursos investidos no setor deveriam estar em consonância com

os respectivos planos de saúde (levando-se em consideração o perfil

5 Fontes que custeiam as Seguridade Social: Contribuição Social sobre a Folha de Salários (INSS); Contribuição Social sobre o Faturamento das Empresas (COFINS); Cont ribuição Social sobre o Líquido das Empresas; Contribuição sobre o Programa de Integração Social (PIS) e sobre o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP); recursos provenientes da União, Estados, Distrito Federal e dos Municípios (impostos, taxas etc.) 6 Com o intuito de enfrentar esta problemática há tramitando no Senado Federal uma proposta de Emenda Constitucional, PEC-169, já aprovada pela Câmara dos Deputados, aguardando apreciação do Senado, a qual prevê 30% dos recursos da seguridade social e, no mínimo 10% dos orçamentos da União, Estados e Municípios para investimentos no setor saúde. No entanto, enquanto esta não é aprovada, permanece o percentual do orçamento sendo definido através da LDO e L.O, em cada esfera de gover no.

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epidemiológico de cada realidade), mas, na verdade, os planos com suas

prioridades, se adequam aos recursos destinados. Estes são resultantes da luta

entre os diversos setores pelo “fatiamento” do orçamento em cada esfera de

governo. Embora não seja possível detalhar no âmbito deste artigo, este estudo

demonstrou que o Estado de Pernambuco, durante os últimos cinco anos, não

ultrapassou o percentual máximo de 7,3% dos recursos destinados à saúde.

Sendo que a maior parcela destes recursos ficou comprometida com o pagamento

de folha de pessoal. Portanto, o Estado tem investido muito pouco no custeio das

ações e serviços de saúde.

Além disto, o planejamento das ações no SUS, a partir da prerrogativa de controle

social, deveria privilegiar a participação da sociedade organizada em todo o

processo de construção, definição e aprovação, principalmente, através dos

Conselhos de Saúde7. Assim, a Lei Orgânica da Saúde define por exemplo, que

os conselhos devem atuar como órgãos deliberativos sobre a elaboração das

propostas orçamentárias, em cada nível de governo (Lei 8080/90, art. 36),

cronograma de transferências de recursos financeiros aos estados, Distrito

Federal e Municípios, consignado ao Sistema Único de Saúde (Lei 8142/90 art.

1o. & 2o. e decreto 99.438/90, art. 1o. – III). No entanto, pode-se dizer que, no caso

do CES/PE, no período estudado (1999), este processo não refletiu,

principalmente para os segmentos de usuários e trabalhadores, uma deliberação

que pudesse representar as prioridades de tais segmentos. Tudo isto, apesar da

apresentação de algumas emendas formuladas individualmente por alg umas

entidades, no caso da LDO especificamente.

7 Neste sentido, o Conselho Nacional de Saúde Pública a experiência do Conselho Municipal de Campo Grande, no que diz respeito à participação desse Conselho na programação que subsidiou a proposta orçamentária da Secretaria de Saúde. Neste processo, contou-se com a participação dos 38 conselhos gestores de unidades de saúde existentes. Assim, cada conselho gestor discutiu, juntamente com os agentes comunitários e o pessoal técnico da Fundação Nacional de Saúde, os problemas existentes na área, suas causas, seus indicadores e ações necessárias. As programações foram consolidadas por distrito sanitário e encaminhadas `a Secretaria de Saúde. Esta acrescentou às atividades de coordenação, colocando os custos em linguagem orçamentária. O documento final foi enviado as entidades de usuários e trabalhadores e depois, discutido em conjunto, em reunião extraordinária. Assim, a versão final foi encaminhada à Secretaria de Planejamento e Finanças para ser apresentada à Câmara Municipal.

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Não houve, portanto, um processo de discussão coletiva dos segmentos com

suas bases de representação. Para não se falar do difícil acesso às informações

institucionais e da não participação na definição do percentual do tesouro

estadual para a saúde. Desta forma, tais segmentos tiveram pouca influência tanto

no percentual do tesouro estadual estabelecido na LDO, como na prioridades aí

definidas. Isto também se deu em relação à L.O e ao Teto Financeiro do Estado.

Os depoimentos a seguir, são exemplares desse processo:

Acho que o caso da LDO foi um exemplo bastante ilustrativo. Na verdade, quando chegou para reunião do CES já tinha se esgotado o prazo para fazer qualquer tipo de sugestão e encaminhamento. Nós tivemos que solicitar que fosse pedido um prazo maior para a SES/PE para que o conselho pudesse mandar suas sugestões. Inclusive, a própria Secretaria Estadual de Saúde já tinha enviado a dela, sem sequer passar pelo Conselho. Mas, conseguimos, de certa forma, encaminhar as sugestões do CES/PE. (representante do segmento trabalhador de saúde) (...) Acho que nós usuários não temos nos reunido para discutir as nossas necessidades, as que devemos lutar para serem incorporadas na LO, por exemplo. Nós não temos nem informações das demandas, imagine. (representante do segmento usuário)

Já o teto financeiro do Estado, definido através de portaria Ministerial (Portaria

GM/MS no 531, de 30 de abril de 1999 e Portaria Conjunta no. 4, de 24 de maio

de 1999), estabelece a programação dos recursos destinados ao custeio da

assistência ambulatorial, de média e de alta complexidade e hospitalar , e trata da

composição dos recursos destinados à atenção básica. Esta Portaria orientou o

processo de negociação na Comissão Intergestora Bipartite, sobre a distribuição

dos recursos para os municípios, demandando a realização de nove (09) reuniões.

Na esfera do CES/PE, limitou-se à exposição feita pelo gestor estadual (após

solicitação dos conselheiros) sobre as decisões da Bipartite quanto à distribuição

dos recursos do teto financeiro. O depoimento a seguir define este processo:

(...) É nós assim fomos informados somente no final do processo, fomos informados o que já foi definido a nível da bipartite, porque quando chegou no CES, qual foi a interferência que a gente pode dar se as coisas já estavam tão amarradas, já discutido com todos os municípios. A gente ia interferir em quê? Quer dizer, não se tinha mais como você ter uma interferência, já se tinha definido tudo, o que seria gasto nesse teto, quanto ia ser de AIH para cada

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município, tudo isso já estava definido. (representante do segmento usuário) 3. A COMUNICAÇAO NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO

CONSENSO(CONSENTIMENTO)

Ø FRAGILIDADE NA RELAÇÃO CONSELHEIRO E ENTIDADE

Durante as entrevistas, tanto os conselheiros representantes do segmento

usuários, como dos trabalhadores de saúde, com raras exceções, foram

categóricos em localizar a não existência de um vínculo mais direto e freqüente

entre o conselheiro e sua entidade de origem, no sentido de um maior

envolvimento desta nas questões discutidas ou a serem debatidas no âmbito do

CES/PE. O que pode ser um forte indicador explicativo do baixo peso político

destas entidades no CES/PE, uma vez que a participação trilha, em muito, o

caminho da formalidade. Nos depoimentos a seguir, representantes de usuários e

trabalhadores expressam a problemática entre delegado e organização.

(...) sempre essa distância que as entidades têm do CES, pois os conselheiros não ficam nas suas entidades somente para isso, para ser conselheiro. Aí o ativismo dentro das entidades é tão grande que fica isso distante. Eu, acho que também a maioria não tem se reunido com freqüência na entidade para discutir questões de saúde, questões do CES/PE. (representante do segmento usuário) (...) às vezes os dirigentes sindicais vêm, elegem um representante para o CES/PE, colocam um representante no CES/PE e muitos desses representantes ficam lá isolados, a entidade não se envolve, é como quem já cumpriu seu papel somente em botar uma pessoa lá”. (representante do segmento usuário) Eu acho que a própria representação dos conselheiros é uma coisa assim: parece que as entidades colocam ali os conselheiros porque têm que ter um representante formal, mas não tem um fluxo de participação. Um canal de participação até com relação às próprias entidades que se representa, quanto mais com relação a sociedade como um todo. (representante do segmento trabalhador de saúde)

Desta forma, pode-se dizer que é a fragilidade atual dos movimentos popular e

sindical que está comprometendo, em parte, a participação dos segmentos

subalternos no CES/PE. Desse modo, o padrão de organização dos movimentos

sociais urbanos ou rurais, sobretudo no que diz respeito ao direito à saúde,

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influencia o modo como, por exemplo, os usuários se envolvem nas atividades do

Conselho. Sobretudo quanto à clareza do projeto a ser defendido nesta esfera de

participação institucionalizada.

Ø ACESSO À INFORMAÇÃO INSTITUCIONAL

A discussão sobre o acesso e a gestão das informações em saúde parte do

princípio que a informação é um instrumento que pode apoiar os segmentos dos

trabalhadores de saúde e usuários, presentes no CES/PE na disputa pelo

direcionamento da política de saúde no Estado. No entanto, como já dito

anteriormente, sabe-se que no campo institucional da saúde, no âmbito dos

aparelhos do Estado, há um poder que “seleciona, levanta, organiza, filtra e

dissemina a informação, segundo sua racionalidade, ou seja, segundo seus

interesses”. Assim, a construção da hegemonia (consentimento) se dá, dentre

outras questões, pelo controle das informações produzidas pelos aparelhos de

Estado. Embora se saiba que o processo de construção da hegemonia é um

espaço contraditório, onde as classes subalternas poderão, inclusive, através da

luta pela gestão da informação e pela construção da “contra-informação” ter

práticas nem sempre funcionais para o sistema.

Ø INFORMAÇÕES DE “FÁCIL” ACESSO

A Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco/SES-PE, enquanto produtora de

informação institucional, atua sob um modelo de gestão centralizada da

informação. Assim, decide dentro da racionalidade administrativa e política, que

itens de informações podem ser estocados e/ou disponibilizados. Neste sentido,

pode-se dizer que a SES/PE, tem condições de manipular a disponibilidade e o

acesso às informações em saúde. Conforme observa BARRETO (1994:4), “os

produtores de informação não podem dizer ao indivíduo o que pensar, mas podem

induzir sobre o que pensar”. Desta forma, a relação da SES/PE com o CES/PE,

tem presente esta problemática, apesar da apregoada necessidade de

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transparências das informações na consolidação da gestão participativa no SUS.

Os depoimentos abaixo, de representante de usuários, bem como de

trabalhadores de saúde confirmam a relação entre poder e informação

Espontâneas somente chega ao conselheiro matérias que o gestor precisa deliberar. Aquilo que interessa ao gestor. O que ele quer que o CES/PE aprove, apenas. (representante do segmento trabalhador de saúde) Vamos atrás de informação, sobre orçamento, dotação orçamentária, mas, é a gente que vai buscar. As outras informações que chegam são aquelas que eles querem que a gente discuta. As outras sobre gastos, cortes, te to financeiro, chegam depois que a gente pede, né? (representante do segmento usuário)

Outra questão levantada durante as entrevistas é o tempo de acesso a um

determinada informação, quando esta é disponibilizada pela SES/PE. Sobretudo,

se estas visam, a princípio, subsidiarem algumas das deliberações do CES/PE.

Pelos depoimentos dados e pelo que se pode constatar durante a observação

participante, a disponibilização com antecedência das informações, depende

muitas vezes da atitude de cobrança que os conselheiros possam ter

(representantes de usuários e trabalhadores de saúde). A opinião unânime

expressas nos depoimentos sobre esta questão pode ser sintetizada na fala

abaixo:

Algumas chegam com ”antecedência” se a gente cobrar, aí ela chega com antecedência’, muitas chegam no momento, perto da reunião, sem muito tempo de análise e outras chegam após eles definirem o que deveria ser feito. Por exemplo, a gente já teve alguns programas que já estavam na Assembléia [Legislativa], antes de passar pelo CES/PE. Por exemplo, a política de saúde do trabalhador, plano de orçamento já havia saído da SES/PE para a SEPLANDES e etc. Muitas vezes vai para a Assembléia, porque já passou na Bipartite, inclusive, isto não é apenas desta gestão, acontecia na gestão anterior. (representante do segmento usuário)

Por outro lado, os conselheiros apontam uma série de dificuldades com as

informações disponibilizadas pela SES/PE. Estas vão desde não decodificação

da retórica técnica para uma retórica mais próxima de seu universo; passando

pela coexistência de superinformação e subinformaçao; bem como pela

abundância e/ou escassez de informação. Assim, as informações disponibilizadas

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não perseguem e nem operacionalizam o objetivo de se tornarem “públicas”, no

sentido de assimiláveis e contestáveis, mas parecem se configurar como

“informação de governo”, obedecendo toda racionalidade que permeia este locus

de poder. Neste contexto, a informação institucional não vem promovendo uma

interlocução, mas a busca de uma aceitação das propostas pseudodemocráticas.

Durante as entrevistas, um dos representantes de usuários e trabalhadores de

saúde falou das dificuldades em relação ao conhecimento técnico e da falta de

antecedência no recebimento dos relatórios encaminhados pela SES/PE.

Temos dificuldades com o conteúdo; linguagem; tempo de acesso ao documento/grau de antecedência de recebimento; tamanho. Por exemplo, o relatório de gestão, geralmente é assim documento que tem uma quantidade de páginas considerável. Já teve reunião de discussão de relatório de gestão, de apenas dois conselheiros terem lido o relatório de gestão. Então, fica aquela história, a Secretaria [de Saúde] diz: ‘nós mandamos com antecedência’, mas apenas dois estavam se colocando. Aí você vai ver, mas porque isso? Primeiro, a quantidade de páginas, depois você tem que saber fazer uma leitura daquele relatório de gestão. Já a prestação de contas ela não dá uma visibilidade, ela não é tão compreensível para você. ( representante do segmento usuário) (...) As informações são técnicas, algumas pessoas não têm acesso, ou seja, não entendem o que realmente esta sendo repassado. Outra coisa é o atraso nas informações, que não dá tempo, assim não podem ser vistas com antecedência. (representante do segmento trabalhador de saúde)

Ø INFORMAÇÕES DE “DIFÍCIL” ACESSO

Partindo do pressuposto formulado para os conselhos como “(...) locus de

manifestação de interesses plurais freqüentemente conflitivos e negociáveis, tendo

como horizonte as políticas públicas e de saúde” vêm sendo formuladas, como já

foi visto anteriormente, proposições sobre a necessidade de se efetivar o acesso

às informações. Desse modo, observa -se que não se pode negar que a

propagada capacidade de “negociação” dependerá, dentre outras coisas, da

conexão entre ação política e acesso a meios, dados e informações. No entanto,

no caso do CES/PE o referido acesso não vai além de uma mera proposta, que

não vem se efetivando na prática.

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Dentre as categorias de informações em saúde, trabalhadas durante as

entrevistas, estão as informações financeiras, contábeis e orçamentárias e a

questão da dificuldade de acesso, ora resultante do controle por parte da

SES/PE, ora pelas dificuldades que os conselheiros apresentam em absorvê-las –

evidencia-se em grande parte porque estas estão organizadas pela racionalidade

da burocracia estatal que as disponibiliza de forma pontual e fragmentada. Além

do aspecto de conhecimento técnico que as perpassa, a visibilidade pública de

tais informações pode colocar em evidência núcleos de poder e interesses

privilegiados nas políticas públicas. Neste caso, dois dos representantes de

trabalhadores de saúde destacam:

Ah, sem dúvida é questão financeira, onde temos mais dificuldade de saber como se está aplicando o dinheiro. Para a gente conseguir saber a questão do teto financeiro do Estado, essa questão da verba, como era gasto, e tudo, é a duras penas. (representante do segmento trabalhador de saúde) (...) hoje eles apresentaram depois que a coisa estourou, estourou inclusive, os cortes de AIHS na imprensa e pressionamos também para saber do teto, houve uma reunião em que exigimos que fosse apresentado o teto. (representante do segmento trabalhador de saúde)

No que se refere à dificuldade de acesso às informações referentes ao percentual

de recursos próprios do tesouro estadual destinado à saúde, não há

homogeneidade nas respostas dos entrevistados em ambos os segmentos. Para

alguns, estas dificuldades perpassam todas as gestões, conforme pode-se

perceber no depoimento de um dos representantes de trabalhadores de saúde, a

seguir:

(...) Essa prática ela acontece em todos os governos, qualquer que seja o governo. Ele não solta com clareza as informações. Ele faz lá aqueles amontoados de números, letras, gráficos, dizendo é assim. (representante do segmento trabalhador de saúde)

já para outro representante do segmento trabalhador de saúde, como também

para um dos representantes de usuários esta é uma dificuldade vivenciada na

atualidade.

(...) No governo Arraes o governo discutiu com o CES/PE. No mínimo sabíamos porque não podia aumentar. Agora neste atual

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quando perguntamos sobre este percentual, o próprio secretário diz não saber até o momento quanto é o percentual, o que geralmente é muito estranho né? Sabe que está se tendo uma discussão para um aumento de 4 milhões, mas que ele mesmo não sabe como é que vai ficar para o próximo ano, de como está essa discussão. Por aí você sabe né? Se o próprio secretário diz que não sabe, imagina... (Representante do segmento usuário) Neste governo, sabemos porque fomos atrás, exigimos. (representante do segmento trabalhador de saúde)

No entanto, uma questão é comum a todos os depoimentos: a definição do

percentual do orçamento não vem passando pela discussão e negociação na

esfera de atuação do CES/PE. As informações sobre gastos com pessoal, obras,

medicamentos e outras despesas são disponibilizadas no relatório de prestação

de contas e analisadas, a princípio, pela Comissão de Acompanhamento da

Programação e Execução Orçamentária. No entanto, para a maioria dos

conselheiros, tais informações não tem “valor de uso”, uma vez que não se

apresentam de forma que seja possível compreendê-las:

Eles nos entregam nos relatórios de prestação de contas mas, acho que esses relatórios são de difícil compreensão pela maioria dos conselheiros (representante do segmento trabalhador de saúde). Poderíamos dizer que, em termos da maioria dos conselheiros, grande parte das informações disponibilizadas pela SES/PE é pouco compreensível. (representante do segmento usuário)

Apesar do CES/PE legalmente deliberar sobre as diretrizes a serem

observadas na elaboração dos planos de Saúde, em função das características

epidemiológicas e da organização dos serviços (Lei 8080/90, Art. 37 e Decreto

99.438/90,art. 1o. –II), as informações epidemiológicas são disponibilizadas

esporadicamente, quando há interesse do gestor que o CES/PE aprove

determinada matéria de seu interesse. Além da restrição cotidiana de acesso a

este tipo de informação, pode-se dizer que sua disponibilidade, por exemplo no

relatório de gestão, conforme aparece neste último depoimento, acaba

assumindo a função de justificativa das ações já implantadas pela SES/PE.

Essas informações sobre mortalidade e morbidade elas chegam ao conselho não do jeito que deveria chegar. Elas as vezes chegam através de outra via, por exemplo, no momento que a gente tem que

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estar aprovando um relatório de gestão , tá certo? (representante do segmento de usuário)

As informações sobre o funcionamentos dos serviços de saúde (locus tanto do

poder médico, como dos tantos interesses que permeiam a produção do serviços

em saúde, tanto público como os privados conveniados) foram também apontadas

pelos conselheiros, sobretudo representantes de usuários, como informações

que provocam grande resistência a torná-las públicas.

Pronto, uma coisa que é muito difícil, não é somente nesse governo não. Já no passado, quando nós solicitamos um relatório das AIHS, a nível do Estado, isso foi uma confusão para a gente conseguir, para a gente saber o que realmente estava sendo gasto no sistema hospitalar. (representante do segmento usuário) Eu não sei, por exemplo: quantas AIHS são repassadas para os hospitais? (..) Quais são os recursos que tem cada hospital desse? eu não falo nem do privado, e sim do público, mas estão sucateando tudo. (representante do segmento usuário)

Ø A GESTÃO DA INFORMAÇÃO EM SAÚDE

A propagada e não exercida “disponibilizaçao” das informações em saúde

(oriundas dos aparelhos de Estado), direciona os segmentos subalternizados a

perspectiva da mera reivindicação de acesso a informação, restrita a égide de um

“pólo receptor de uma informação que já vem filtrada pelo olhar do

produtor”(MORAES,1998:247). O que traz à tona o debate sobre a gestão da

informação institucional, partindo da premissa que esta informação é pública e não

de governo. Enquanto informação pública implicaria na participação de outros

segmentos nas definições de sua produção e disseminação. Por sua vez, a

discussão reduzida ao mero acesso as informações não rompe com a crença de

que a forma como estas se configuram tem uma “neutralidade” técnica.

A fala a seguir explicita a não interferência do CES/PE na gestão das

informações produzidas ou a serem produzidas pela SES/PE.

O Conselho nunca participou de discussão sobre que informações que ele precisa sobre mortalidade, sobre movimentação de AIH, sobre informações ambulatórias, isso não. Nós pedimos, muito

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timidamente, para eles; nos dão aquilo que eles dizem ter, da forma que querem mostrar. (representante do segmento usuário)

Sabe-se, por exemplo, que a SES/PE tem diversos sistemas de informações em

saúde, a maioria de base nacional como: SIM, SIH/SUS, SIA/SUS, SINASC,

SINAN. Os Mesmos já possuem no Estado uma rotina de registro regular e

cobertura razoável. Desses citados sistemas, é retirada, na medida do que podem

oferecer, uma gama de informações que visa subsidiar a atuação do gestor8.

Claro que isto se dá a partir da intencionalidade subjacente a informação

produzida. No entanto, ao se indagar sobre o uso destes sistemas para produção

de informações direcionadas para o CES/PE (principalmente para os conselheiros,

representantes do segmento de usuário e trabalhador de saúde), constatou-se

que os mesmos são, na maioria das vezes, voltados às demandas dos gestores

do Sistema Estadual de Saúde, conforme destaca um dos representantes do

segmento trabalhador de saúde.

Mas a gente não tem acesso. Então é aquilo que eu falei, eu acredito que a gente deveria ter acesso a essas informações, da gente ter aqui um terminal de computador que a gente pudesse acessar, até para poder discutir ou entender, junto com o gestor, o planejamento da saúde do Estado, ver as prioridades, discutir com o gestor se realmente aquilo que ele fez era para ser realmente feito. O CES/PE não vai poder nunca discutir com o gestor em pé de igualdade se ele não tiver acesso a isso, a essas informações. Como é que ele vai saber se o dinheiro que foi aplicado em determinado programa é o que precisava, se aquilo ali não foi ingerência política, se foi realmente uma necessidade da população. Se ele não conhece o perfil epidemiológico, não conhece a distribuição dos serviços. (representante do segmento trabalhador de saúde)

O que evidencia a questão formulada por MORAES (1998:245): “grande

transparência da sociedade para o Estado e opacidade do Estado para a

sociedade”. Nesta, acrescente-se, opacidade para os grupos subalternos.

Por outro lado, os conselheiros se localizam num espaço muito próximo do que se

pode considerar como “muro das lamentações” pela falta de informações. A não

8 Com isto não se está afirmando que a atuação e as definições institucionais são embasadas meramente em informações técnicas, mas ressaltar e identificar o sujeito que freqüentemente tem direcionado a produção da informações oriundas dos registros administrativos.

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existência de uma ação mais propositiva, em termos da gestão da informação, por

parte dos conselheiros guarda relação com o papel que os conselheiros

“internalizam” para si e pela configuração que se vem dando à proposta de gestão

participativa da política de saúde no Estado de Pernambuco. Mas, é importante

salientar que a proposta de participação na Gestão da Informação não garantiria

a implantação de decisões tomadas colegiadamente a este respeito, uma vez que

o “jogo democrático” muitas vezes não passa de mera “intenção”. No entanto, a

existência de um projeto dessa natureza ou as prováveis dificuldades no decorrer

de sua execução poderiam resultar em um processo de desmistificação do

discurso falacioso da transparência de uma determinada gestão em saúde e num

embate político que poderia fortalecer os segmentos subalternos.

Ø REPASSE DE INFORMAÇÕES E A

QUESTAO DA REPRESENTATIVIDADE E RELAÇÃO

Observa-se que há freqüentes discussões, tanto em conferências, como em

encontros de conselheiros, seja em nível nacional ou estadual sobre a

necessidade dos Conselhos em: “financiar, com recursos orçamentários próprios

e com outras fontes, jornais, boletins informativos e outras publicações, com linha

editorial autônoma e edição periódica, divulgando resoluções, informando sobre a

aplicação dos recursos dos Fundos de Saúde”. No decorrer deste estudo pode-se

perceber uma invisibilidade pública das decisões e atuação do CES/PE para a

sociedade, uma vez que este apenas tem feito uso do Diário Oficial para

divulgação de suas deliberações (quando homologadas pelo poder executivo).

Isto, por sua vez, agrava a fragilidade da legitimidade desse espaço de

deliberação sobre a política de saúde, ao não consegue ter visibilidade pública9,

nem através dos meios tradicionais de comunicação de massa.

Por outro lado, o repasse de outras informações, por parte dos representantes dos

segmentos usuários e trabalhadores, sobretudo aquelas referentes a temas de

9 Por visibilidade pública, conforme visto na introdução deste trabalho, entende-se a capacidade de tornar públicas e visíveis suas atividades. No âmbito desta pesquisa considerou -se que o Diário Oficial é um veículo de difícil acesso para a maioria da população.

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discussão ou deliberações do CES/PE tem sido feito, na maioria das vezes, para

entidade de origem do Conselheiro ou em alguns casos no ambiente de trabalho,

conforme pode-se observar nos depoimentos a seguir:

Acho que assim parcialmente, tento na medida do possível, estar repassando para minha entidade (...) no meu espaço de trabalho a gente consegue fazer isso. (representante do segmento trabalhador de usuários) Sempre que eu estou reunido com a nossa representatividade, gostaria de repassar não somente para minha entidade, mas para a população do estado de Pernambuco (...). A freqüência destas reuniões depende das entidades, não é em todas as reuniões, é naquelas que eu estou presente. (representante do segmento usuário) Olha, eu repasso para a instituição que eu represento. (...) Inclusive assim, para subsidiar a minha ação no próprio CES, porque eu entendo que não posso estar ali falando em meu nome, eu represento uma instituição. (...) Agora eu acho isso muito pouco, porque, assim primeiro, porque fica restrito ao grupo da entidade. (representante do segmento trabalhador de saúde)

Ø USUÁRIOS E TRABALHADORES DE

SAÚDE COMO FONTES PRODUTORAS DE INFORMAÇÕES: O poder de

re-contar a realidade

Parte-se do princípio de que o mero repasse de informações do CES/PE para a

população, por mais amplo que possa ser, não possibilitaria por si só, um diálogo

entre representantes e representados. Por isso mesmo, apenas seriam divulgadas

decisões já tomadas, temas já selecionados ou quando muito, informações

institucionais sob o ponto de vista de um produtor, a SES/PE. Buscou-se, no

decorrer da entrevista, investigar as atividades promovidas pelo CES/PE

(principalmente pelos representantes dos usuários e trabalhadores de saúde) que

possibilitariam a tais segmentos, consolidar informações a partir dos dados

fornecidos pela população. Assim, investigou-se como o CES/PE, através dos

segmentos usuários e trabalhadores vinha por exemplo, promovendo fóruns de

discussão diretamente com a população ou outras atividades que incentivassem

debates sobre, problemas existentes na política de saúde. Desse modo, abrir-se-

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iam espaços para a análise das causas desses problemas e da responsabilidade

do Estado, tornando assim públicas as informações elaboradas a partir sobretudo

do referencial dos usuários do SUS.

Pode-se constatar que os representantes dos segmentos usuários e

trabalhadores de saúde não vêm, de forma geral, salvo algumas exceções,

desenvolvendo estratégias de comunicação com suas bases de representação e

com a população em geral. Assim sendo, não vem sendo dada maior visibilidade

e expressão às suas demandas e necessidades. Nos depoimentos que seguem,

os representantes de usuários e trabalhadores reconhecem a falta de articulação

e discussão com a sociedade:

O Conselho trabalha em regimento fechado. (representante do segmento usuário) (...) Ele precisaria ter essa articulação com a sociedade no sentido de estar traduzindo demandas, né? ( representante do segmento usuário) Eu acho que o CES/PE, um dos grandes problemas que a gente tem , veja é essa questão da articulação com a sociedade. A gente ainda consegue fazer, apesar de considerarmos importante, porque nessa articulação a gente conseguiria também estar trazendo para o CES/PE as demandas da sociedade. (representante do segmento usuário) O CES/PE fica uma coisa de gabinete. Uma coisa de quatro paredes que não tem repercussão na sociedade. (representante do segmento trabalhador de saúde) Acho que o segmento usuário e trabalhador não tem insistido com isso. (representante do segmento trabalhador de saúde) Não como atividades especificas do Conselho, de forma mais ampla para a população, não. No passado existiram as Plenárias de Saúde, que era uma articulação extra CES/PE, acho que de 1994 a 1996. (representante do segmento usuário) Olha, eu acho que o CES/PE é um “ovinho” fechado, discute aquilo ali e morre ali mesmo. O CES/PE não discute com a sociedade. Falta à gente um diálogo com a sociedade. (representante do segmento trabalhador de saúde)

Observou-se a falta de estudos mais aprofundados que possibilitassem aos

conselheiros do CES/PE , a compreensão do ponto de vista dos usuários e

trabalhadores de saúde, sobre o funcionamento dos serviços de saúde. É

importante salientar que isto ocorre, apesar da existência de uma comissão criada

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para avaliar também os serviços oferecidos. Os entrevistados, a princípio, indicam

a falta de consenso entre representantes de usuários e trabalhadores de saúde

quanto ao papel do CES/PE e da referida comissão.

Nós temos uma comissão de avaliação sobre o funcionamento dos serviços de saúde, mas esta nunca funcionou, devido a problemas de choque de entendimento dentro da própria comissão. ( representante do segmento usuário)

Já para um dos representantes dos trabalhadores de saúde o problema é a falta

de tempo dos conselheiros.

(...) Disponibilidade de tempo por parte dos conselheiros para fazer isso. Porque são essas comissões que iriam trabalhar independentes das reuniões do Conselho. (representante do segmento trabalhador de saúde)

Nos depoimentos a seguir os representantes de usuários destacam a fragilidade

das entidades sindicais e do movimento popular, a fragmentação da atuação de

tais entidades e a falta de informações. Por isso mesmo, reforça-se a condição

subalterna da população usuária do SUS e dos trabalhadores de saúde enquanto

fontes produtoras de informações para os seus representantes no CES/PE.

(...) As entidades sindicais estão frágeis, o movimento popular também, então isso dificulta. Hoje a gente se depara com alguns depoimentos, que algumas entidades têm dificuldade de fazer reuniões, na sua base de representação. (representante do segmento usuário) As entidades atuam, quando muito, individualmente. Não há uma ação conjunta para potencializar atividades desse tipo. (representante do segmento usuário) (...) Falta rede de informação, incluindo os jornais, rádios, programas de rádio. Com certeza, se isso fosse concretizado, seria um grande avanço. Mas, cadê os recursos? (representante do segmento usuário)

Já no depoimento a seguir, o representante dos trabalhadores de saúde destaca:

Acho que as dificuldades são de varias ordens para fazer isso: primeiro é o entendimento do conselheiro para isso. Segundo, o entendimento das entidades, de que esse é um papel e que tem que abrir para a sociedade(...) temos falta de estrutura econômica e financeira para viabilizar esse processo, não dominamos o processo de alocação orçamentária dos recursos do CES/PE, ficamos

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dependentes do Gestor. (representante do segmento trabalhador de saúde).

Assim, o CES/PE tem comprometido o processo de legitimidade das decisões

aprovadas, tanto em termos de divulgação das deliberações, das atividades do

CES/PE, como em termos do acesso a informações institucionais por parte dos

conselheiros e da produção das informações a partir de dados fornecidos pelos

usuários e trabalhadores para os conselheiros e entidades representativas de tais

segmentos.

Neste sentido, pode-se afirmar que há uma estreita relação entre a fragilidade da

organização dos segmentos subalternos no CES/PE e a informação 10. Assim

sendo, observa-se que deixa de existir um espaço estratégico de disputa de

interesses que se expressam na própria conformação das informações

institucionais, na sua disponibilidade, como também na impossibilidade de

geração de outras informações por parte dos conselheiros sob a ótica dos

representados.

Ø IDENTIFICAÇÃO E INCORPORAÇÃO DE DEMANDAS

Sabe-se que as prioridades contempladas pelas políticas públicas são decididas

pelo Estado, mas se originam na sociedade civil, embora fiquem em permanente

disputa, uma vez que a sociedade civil não é homogênea. Desse modo, as

prioridades são incorporadas à agenda governamental quando adensam forças e

pressões e ganham visibilidade. É importante lembrar que a sociedade civil não é

expressão de interesses universais, não contraditórios e sem caráter classista. Na

sociedade civil estão organizados tanto os interesses da classe burguesa, que

exerce sua hegemonia através de seus aparelhos "privados", reprodutores de sua

ideologia, quanto os interesses das camadas de classes subalternas. É a partir

dela portanto, que se dá a luta pela construção da hegemonia, tanto no plano das

idéias como no plano da materialidade.

10 No âmbito desse estudo, informação é a representação dos fatos da realidade com base em uma determinada visão de mundo.

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Os conselhos como espaços institucionais de formulação de política, são também

componentes do aparelho do Estado, mas trazem em si a representação da

sociedade civil, e nela há uma diversidade de interesses, por vezes antagônicos.

Por exemplo, sabe-se que a associação Nordestina de Hospitais, faz parte da

sociedade civil, representando os interesses dos hospitais privados conveniados

com o SUS, no CES/PE. Por outro lado, também é parte da mesma sociedade

civil e tem lugar no CES/PE a Central de Movimentos Populares. No entanto,

quando se discute a questão da subalternidade, de acordo com o explicitado no

capitulo II, observa-se a posição de subalternidade da Central de Movimentos

Populares no que concerne a questão do poder.

Quanto à questão da fragmentação das demandas, pode-se dizer que a dinâmica

de participação desses segmentos sociais no CES/PE é marcada, na maioria das

vezes, pela apresentação de propostas individualizadas por entidade. Daí

poderia ser compreendidas as dificuldades no estabelecimento de uma agenda

comum, mesmo entre os representantes de usuários e trabalhadores de saúde. A

fala seguinte, exemplifica esta questão:

Em termos de propostas as entidades que compõem os segmento dos usuários vão apresentando individualmente. Apesar, veja só, porque isso não é uma coisa tão estanque, isso tem tudo a ver com a própria História do CES. Existiu momento que a gente já conseguiu fazer essas propostas em bloco. (...) Existe muita dificuldade de articulação entre os usuários. A proposta que a gente tem, passa de forma muito individualizada, por entidade,de forma muito fragmentada. (representante do segmento usuário)

Ao se observar o processo de identificação das demandas e prioridades de

saúde, pode-se dizer que os conselheiros representantes de usuários e

trabalhadores identificam, de forma geral, como prioridade originária da

população efetivamente usuária do SUS, a melhoria do atendimento em saúde. No

entanto, poucas entidades chegam a delimitar ações mais propositivas, e quando

o fazem, como por exemplo, o Fórum de Mulheres e a própria CUT, apresentam

demandas muito específicas.

Na maioria das vezes, estas prioridades apresentadas não ultrapassam o caráter

de meta a ser alcançada - melhoria dos serviços de saúde - conforme pode-se

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observar nos depoimentos de representantes de usuários e trabalhadores de

saúde.

Olha, são os atendimentos. Uma melhor qualidade dos serviços de saúde. Isso é uma queixa que é constante. Porque o que a população usuária coloca é que ela tenha uma qualidade, um atendimento de saúde melhor. (representante do segmento usuário) Uma política de medicamentos real e não apenas a cesta básica. (...) A população necessita de atendimento medico hospitalar e preventivo correto. Hoje a população se ressente de uma atendimento médico digno, eles se ressentem por exemplo da falta de medicação. (representante do segmento trabalhador de saúde)11

Por outro lado, a incorporação da principal demanda dos usuários (a melhoria dos

serviços de saúde) na pauta do CES/PE decorre de muita pressão por parte dos

conselheiros. Além disso, na maioria das vezes, não se tem promovido discussões

que englobem a totalidade do sistema de saúde, mas apenas de levantamentos

de problemas pontuais das unidades de saúde.

Um dos representantes dos trabalhadores de saúde destaca que: Tem sim, a questão de medicamento, tem a questão do Hospital da Restauração/HR, isso tem sido ponto de pauta de discussão do CES. (representante do segmento trabalhador de saúde)

Já na fala a seguir, um representante de usuário destaca as dificuldades de

incorporação, na pauta de discussão do conselho, de ações que possam interferir

na qualidade dos serviços de saúde, inclusive de ações que o governo vem

discutindo com o corpo técnico.

(...) O que existe assim é até uma pressão de algumas entidades representativas do CES/PE para que a gente discuta isso. Por exemplo, quando a gente fez um documento escrito na SES/PE, a gente quer discutir esse projeto de reestruturação das unidades de saúde, porque isso implica na qualidade do atendimento que vai ser prestado à população. E a gente fez um documento e deu entrada

11 Sobre a política de medicamentos, uma das entidades representativas dos trabalhadores de saúde apresentou individualmente muitas propostas de emendas ao projeto apresentado pelo governo no primeiro trimestre do ano de 1999. Já o Plano de Assistência Farmacêutica para o ano 2000, o Gestor na reunião ordinária de 07/12/99 (ver ata da 130 ª sessão do CES/PE) solicita a apreciação do Conselho ao Plano, o qual deveria ser encaminhado ao Ministério da Saúde até 20 de dezembro de 1999. Os conselheiros na ocasião, ressaltam a não participação do CES/PE na elaboração do plano. Inclusive, o plano até, o momento, não havia chegado nas “mãos” dos conselheiros.

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na semana passada pedindo que esse assunto fosse apresentado na reunião do CES/PE e inclusive o que vem sendo discutido pelos gestores. (representante do segmento usuário)

Constatou-se que há uma tímida incorporação das prioridades levantadas pelos

representantes de usuários e trabalhadores na agenda governamental. Mesmo

aquelas discutidas e deliberadas no pleno do Conselho. Isto se dá sobretudo, se

tais prioridades remetem a questões financeiras, conforme salientam

representantes de usuários e trabalhadores de saúde.

O que a gente observa é que algumas coisas que não vão mexer com a questão econômica, financeira, isso é mais fácil de ser implantado e de ser negociado. As que vão mexer com a questão econômica e financeira já é mais difícil de ser negociado e implantado. (representante do segmento usuário) A dificuldade é essa, o que os conselheiros discutem, deliberam, definem, não anda. É aí que está o nó. Você chega lá, delibera, diz como é, protesta isso, protesta aquilo, e lá vai e encaminha. Então eu sou o gestor e digo: isso que vocês deliberam aqui eu também estou de acordo, mas só que eu digo que não vamos fazer por que não tem dinheiro. Ë muito sério o problema lá. (representante do segmento usuário)

Ø ARTICULAÇÃO DOS CONSELHEIROS INTRA E EXTRA CONSELHO

Neste item, considerou-se que dentro da institucionalidade democrática, expressa

pela proposta de participação dos segmentos sociais na gestão em saúde, estaria

o desenvolvimento de um processo de articulação intra e extra conselho

principalmente do ponto de vista do fortalecimento da atuação dos segmentos

trabalhadores de saúde e usuários no CES/PE12. No entanto, pode-se constatar

uma incipiente articulação entre as entidades representativas dentro do mesmo

segmento e entre os segmentos (usuários e trabalhadores de saúde). Além disso

há fragilidade na relação entre o conselheiro e sua entidade de origem, entre o

conselheiro e sua base de representação. Isto pode ser constatado na seguinte

fala:

12 O presente estudo partiu da premissa de uma maior proximidade entre os interesses de usuários e trabalhadores de saúde. Desta forma, buscou-se identificar atividades que conduzissem a uma atuação mais conjunta de tais segmentos.

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Aliança, não temos, eu acho que não. Eu vejo assim que existe mais entrosamento, por exemplo, entre o segmento de trabalhador de saúde com o segmento do usuário, uma empatia maior do que com o segmento dos gestores e prestadores, né? (representante do segmento trabalhador de saúde)

Nos dois próximos depoimentos a seguir, representantes de usuários enfatizam a

tentativa de construção de um processo de articulação entre os segmentos.

(...) Isso a gente está tentando retomar agora. (...) Quando a gente decidiu que toda primeira terça do mês, que antecede a reunião do CES/PE, os representantes dos segmentos de usuários e trabalhadores iriam se reunir, porque isso é uma forma de estratégia e de fortalecimento. (representante do segmento usuário) A gente tem discutido, dentro da entidade que se representa. Mas, em termos do segmento como um todo não. Isso acontece esporadicamente. Fizemos um reunião para discutir HR, mas foram poucos, tinham 6 pessoas. (representante do segmento usuário)

Por sua vez, o depoimento de um dos representantes de trabalhadores de saúde

explicita a predominância de atividades na esfera das re uniões oficiais do

CES/PE.

Na verdade o CES/PE somente existe como conselho nos dias das reuniões. Quer dizer, é uma coisa muito pontual. Quer dizer, tem a reunião do CES/PE, você passa ali o dia inteiro né? E acabou a reunião, acabou, cada um vai para o seu lado. Quer dizer, o CES na verdade ele não existe ao longo do tempo, ele não tem vida própria, está entendendo? É um grupo de pessoas que se reúnem, um vez, duas, três. Tem-se reuniões extraordinárias, sei lá quantas, mas ele só existe enquanto as pessoas estão reunidas ali. (representante do segmento trabalhador de saúde)

Para os representantes de usuários, a incipiente articulação entre os segmentos

sociais é permeada por duas questões: corporativismo e não previsão das

questões de pauta. Na primeira questão levantada a seguir, os segmentos

voltam-se para a busca da satisfação dos interesses imediatos, reproduzindo a

fragmentação do grupos subalternos e reforçando a hegemonia burguesa. Já a

segunda questão (não previsão das questões de pauta), conforme já se viu em

itens anteriores, indica o domínio da pauta pelo gestor. Isto se faz a partir das

prioridades advindas da racionalidade administrativa, ou seja, das questões para

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as quais o gestor necessita da aprovação do Conselho, bem como das demandas

pontuais de alguma entidade.

Neste sentido, pode-se dizer que não existe, na atualidade, na esfera

dos segmentos subalternos, a promoção sistemática de mecanismos que

potencializem um poder aglutinador dos interesses de tais segmentos. Esta

ausência inviabiliza discussões que deveriam preceder às reuniões do CES/PE.

Eu acho que o que dificulta a articulação é que temos uma visão muito corporativista (...) os próprios conselheiros, às vezes a vaidade de cada um, as vezes até o tempo que a gente tem. (representante do segmento usuário) (...) Porque a gente lida com determinadas situações que é ali na hora, como se diz, o aqui e o agora, é que você vai ter que estar encaminhando mesmo, né. Então isso dificulta bastante. (representante do segmento usuário)

Além disso, não há uma interlocução freqüente e sistemática, condutora de

troca de informações, entre as várias esferas de conselhos de saúde no estado de

Pernambuco. Esta articulação poderia conter elementos essenciais para uma

possível atuação conjunta e coordenada, se não entre os conselhos como um todo

(uma vez que estes têm segmentos com interesses por vezes antagônicos), mas,

sobretudo entre os representantes dos segmentos usuários e trabalhadores de

saúde nos diversos conselhos existentes.

Conforme dados coletados durante as entrevistas com representantes de usuários

e trabalhadores de saúde, as articulações ocorrem esporadicamente, quando do

momento das plenárias de conselhos, encontros de conselheiros, ou diante de

alguma denúncia que é encaminhada pelos conselhos municipais ou Conselhos

Gestores ao CES/PE:

Olhe, não, essas articulações têm ocorrido mais quando a gente realiza as plenárias de conselheiros. Porque é um momento onde a gente consegue juntar tanto o CES/PE, como os conselhos municipais e conselhos gestores. (representante do segmento usuário) Quando se recebe alguma informação desses conselhos é na forma de alguma denúncia, de algum município ou de conselhos gestores de unidades de saúde no Estado. (representante do segmento trabalhador de saúde)

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Quanto ao processo de articulação extra esfera do CES/PE, pode-se constatar

que o Conselho não tem articulado, com freqüência, redes de entidades e grupos

de interesses na área de saúde, no sentido de aglutinar forças na luta pela

implementação do SUS 13.

Assim, no que diz respeito à influência nas decisões governamentais, as formas

de ação que ampliam o debate em saúde, bem como as que conduzem à reação

pública às decisões tomadas no setor vêm ocorrendo, na maioria das vezes, fora

do diâmetro de atuação do CES/PE14. Conforme pode-se observar no depoimento

a seguir:

Não, ele mobiliza e articula apenas momentaneamente, por exemplo, na realização de uma Plenária Estadual, na realização de um seminário. Um exemplo disto é que aquela articulação de entidades que foram à Brasília, (Associação Nordestina dos Hospitais, CREMEPE, Sindicato dos Médicos etc.) discutir o corte dos recursos que o Estado sofreu, não teve a participação do CES/PE, inclusive essa articulação teve algumas entidades que fazem parte do CES/PE e que até tiveram conhecimento, teve uma participação, mas não teve a preocupação de informar o CES/PE, no sentido do CES/PE ser um sujeito nesse processo. (representante do segmento usuário) Não, essa mobilização a gente não tem feito não. (representante do segmento usuário)

Na chamada “gestão participativa das políticas públicas”, no Brasil, existem

conselhos que também teriam o papel de formular, acompanhar e fiscalizar

outras políticas sociais. No entanto, o CES/PE não vem promovendo atividades

que possam desencadear uma interlocução com esses conselhos. Desta forma,

os vários conselhos criados em torno das políticas sociais acabam reproduzindo a

lógica da compartimentação da questão social. Desse modo, as políticas públicas

13 Isto ocorre esporadicamente, mas não tem conseguido envolver, de forma ampla, outras entidades, ou movimentos sociais no debate em saúde. 14 Diante de uma conjuntura política que beneficia o direcionamento de uma política de saúde para uma perspectiva neoliberal no país e no Estado de Pernambuco, da fragilidade dos espaços de controle social, em março de 2000, lideranças dos movimentos sociais em saúde e entidades representativas das classes subalternas retomam a Plenária Estadual de Saúde, uma vez que esta não vinha sendo realizada desde 1996. A finalidade deste fórum é discutir e traçar estratégias de enfrentamento político das questões de saúde no Estado. Algumas das entidades promotoras da plenária, diga-se de passagem, compõem o CES/PE. No entanto, a participação dos conselheiros estaduais, na primeira reunião da retomada da plenária estadual, foi muito incipiente.

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se expressam através da fragmentação da realidade, direcionando-se para o

preenchimento de agendas e arenas, nas quais tendem a ficar confinados os

debates e reivindicações. (OLIVEIRA, 1983) Não tocando-se dessa forma, no

cerne das questões que perpassam sobretudo hoje, as políticas públicas.

Percebe-se que os segmentos subalternos, atuantes na esfera da sociedade civil,

carecem de uma articulação política que os capacite para atuar como alicerce a

um outro projeto de hegemonia, além do diâmetro de grupos de interesses em

busca de consolidação de direitos, atuando fragmentadamente nos diversos

conselhos. Para DIAS(1999:82), caberá aos intelectuais dos movimentos sociais e

entidades dos trabalhadores o papel de formação político-ideológica, “com e não

sobre as classes subalternas”, através de um processo no qual possa-se pensar

“a problemática do controle social dos meios de comunicação de massa,

organização dos trabalhadores, educação pública e gratuita e a construção de

um projeto de saúde sob o controle dos trabalhadores” .

Ø RELAÇÃO COM OS MEIOS DE

COMUNICAÇÃO DE MASSA

Nesta pesquisa, o acesso aos meios de comunicação de massa foi um aspecto

considerado de relevância, no sentido de promoção de uma maior visibilidade

pública às atividades, deliberações ou problemáticas em saúde que envolveriam, a

princípio, O CES/PE. A luta pelo direito à saúde envolve estratégias políticas que

colocam em jogo a importância da visibilidade pública de posicionamentos,

denúncias, apoios, embates e outras formas de manifestação, envolvendo a

utilização dos recursos midiáticos. No entanto, ao se indagar sobre o possível uso

dos conselheiros, representantes de usuários e trabalhadores de saúde, dos

meios de comunicação de massa como rádio, televisão, jornal percebe-se que

estes não os utilizam freqüentemente para a publicização dos debates sobre a

saúde coletiva. O depoimento seguinte destaca esta questão:

Veja, no sentido da gente se pronunciar, acho que é muito pouco o relacionamento entre o conselheiro e a imprensa, acho que é muito pequena. (representante do segmento trabalhador de saúde)

www.ts.ucr.ac.cr 30

Os conselheiros enumeram algumas questões que perpassam a dificuldade de

acesso. Para um dos representantes dos trabalhadores de saúde o que mais

prejudica é o CES/PE não ter uma assessoria de imprensa que pudesse articular

um espaço na mídia.

A primeira coisa é que até hoje o CES/PE não definiu uma assessoria de imprensa, eu acho que isso é complicador para gente. (representante do segmento trabalhador de saúde)

Já um representante de usuários destaca o próprio caráter plural do CES/PE, já

que os interesses entre gestor, trabalhadores de saúde e usuários não são os

mesmos. O que implicaria em diferentes pautas a serem publicizadas.

O gestor não tem interesse que isto aconteça, acho que até dificulta. Porque se a imprensa chegar lá e colocam no ar, a posição, por exemplo, do representante (...) dos usuários e dos trabalhadores, e aí iria criar um conflito na máquina do governo. O Secretário de Saúde não quer isso. Além disso, não lutamos por isso. (representante do segmento usuário)

Por outro lado, sabe-se que a dificuldade de acesso dos segmentos subalternos

aos meios de comunicação de massa é permeada também pela relação

contraditória entre Estado e interesses privados, no qual o sistema de concessão

de canais de comunicação, longe de ser balizado pelo interesse público, molda-se

aos interesses de grupos privados, que gera um certo “desinteresse’ por grande

parte das demandas e necessidades sentidas pelos movimentos sociais,

entidades representativas das classes subalternas. Acrescente -se a isto a

incipiente visibilidade do SUS nos meios de comunicação de massa, o SUS como

modelo de atenção mais adequado à satisfação das necessidades da maioria da

população. Neste sentido, o que aparece é um “hiato” representado por um

silenciamento ou por uma não defesa por parte dos principais meios de

comunicação. O que demonstra a não neutralidade dos meios de comunicação de

massa15.

15 A forma como as questões relacionada à política de saúde aparecem na mídia tem uma dimensão fenomênica (“o caos da saúde pública”), ausente de dados que permitam uma análise aprofundada da problemática que envolve a saúde pública no país.

www.ts.ucr.ac.cr 31

Por outro lado, sabe-se que há uma prévia seleção dos sujeitos, portadores de

falas “competentes” de fácil acesso aos recursos de comunicação de massa. Uma

vez que o acesso a grupos de interesses – produtores de informação – aos meios

de comunicação , sobretudo aqueles de largo alcance, é seletivo, dependente

muitas vezes de relações político-partidárias, ideológicas, mercadológicas e

privatistas, conforme fica explicito na fala a seguir.

Você tem sempre notícias sobre as questões de saúde, várias entidades são ouvidas e ninguém nunca vai perguntar a opinião do CES/PE. Eles vão, perguntar para o Conselho Regional de Medicina, para o Sindicato dos Médicos, para o Sindicato dos Hospitais Privados né?, mas nunca para o CES/PE. (representante do segmento trabalhador de saúde)

No entanto, é preciso fazer-se uma ressalva a esta afirmação: “ninguém vai

perguntar a opinião do CES/PE”, diga-se de passagem, a opinião dos

representantes dos segmentos de usuários e trabalhadores de saúde, uma vez

que o Secretário de Saúde (presidente do CES/PE) é um dos sujeitos de

expressão nos principais meios de comunicação de massas.

Embora saiba-se da complexidade que envolve o tema dos meios de

comunicação de massa, concorda-se com a posição de IANNI apud MORAES

(1998:256), no que diz respeito ao papel jogado pelos meios de comunicação de

massa, em tempos de globalização:

Ainda o que predomina é a existência de multidões de populações ou coletividades nacionais enquanto membros de uma aldeia global. Articulados pelo alto, a partir de centros decisórios desterritorializados que vêm recebendo mais ou menos as mesmas informações em todos os lugares, sendo levados a pensar os problemas, sejam os locais ou mundiais, de uma forma aproximadamente homogênea. Uma pervesa aldeia global onde está dispersa uma imensa multidão de solitários, inventada pelo alto, satelizada, eletrônica, desterritorializada.

Diante disto, na atualidade, os movimentos sociais estão ampliando a prática de

não “ se esperar” pela aderência dos meios de comunicação de massa. Apesar

de não ser possível ignorá-los, têm-se intensificado estratégias de comunicação

com meios próprios ou junto a outros meios de comunicação de massa, como por

exemplo, emissoras comunitárias de rádios. Sobretudo, no sentido de re-contar a

www.ts.ucr.ac.cr 32

realidade sob o ponto de vista das classes subalternas. Embora saiba-se que a

utilização destes meios, por sua vez, apresenta muitas contradições. Isto ocorre,

uma vez que o elemento que marca a diferença não é simplesmente o uso dos

meios (os recursos em si mesmos), mas as mediações16. A supremacia das

mediações aos meios se dá porque os movimentos dos grupos ou classes

subalternas jamais chegaram a afirmar-se como sujeito de sua história. Sequer

elaboram e vivenciam uma própria e autônoma concepção ético político de

mundo, através do estabelecimento de processos que elevam moral e

intelectualmente tais classes.

Neste sentido, a comunicação no CES/PE, não pode ser resumida à existência de

meios de comunicação, já que devem ser considerados os processos que

conduzem o papel, a ação dos conselheiros e dos agentes institucionais da

saúde, entendendo-os como unidades produtoras e difusoras de informação ou

seja, informações como representações de fatos da realidade com base em uma

determinada visão de mundo .

Na III Plenária Estadual de Conselheiros de Saúde de Pernambuco, em 1999, os

conselheiros elaboram proposições permeadas pelo conceito de comunicação

centrada nos meios, na qual a comunicação aparece reduzida à difusão,

divulgação, modalidades comunicativas unidirecionais, acesso à informação,

praticadas em grande escala com o suporte da tecnologia. O depoimento a seguir

é ilustrativo desta questão:

(...) O CES/PE produzir jornais, rádios, programas de rádio. Com certeza isso seria um grande avanço, porque aí eu não repassaria apenas para a minha comunidade e sim para a população. (representante do segmento usuário)

Estas ações são por vezes necessárias, mas não suficientes para preencher as

lacunas e os silêncios que conformam hoje a relação entre os representantes de

usuários e trabalhadores de saúde dentro CES/PE e a população usuária do SUS

no Estado. Incluindo também, a relação destes com os movimentos sociais e a

relação entre o próprio representante e sua entidade de base. Neste sentido, a

16 Ver mais sobre o tema em: PERUZZO, C. M. K. Comunicação nos movimentos populares: a

www.ts.ucr.ac.cr 33

produção de um jornal, por exemplo, não resolveria a insuficiência da relação

orgânica entre representante e representados, no CES/PE. Sobretudo podendo

trilhar. Pois, aqui o que está em jogo são as mediações (BARBERO,1998) e não os

instrumentos em si mesmos.

Faz-se preciso salientar, portanto, que a força da comunicação para as classes

subalternas não se encontra meramente nos aparatos comunicacionais, mas

sobretudo, no processo capaz de potencializar a participação massiva, a

organização e a mobilização. É a totalidade dos processos comunicativos que

permeiam a atuação dos representantes dos segmentos subalternizados com suas

bases no âmbito do CES/PE. Assim, o uso de recursos, como por exemplo, a

produção de jornais, boletins, dentre outros recursos a serem utilizados pelo

CES/PE, precisariam estar articulados - principalmente por parte das entidades

que representam os segmentos de usuários e trabalhadores de saúde - a um

processo sócio-pedagógico de produção de sujeitos. Além disso, no caso de um

jornal do CES/PE, é importante lembrar que este teria que retratar não apenas os

interesses desses segmentos, mas, a princípio, todos os interesses plurais e

antagônicos presentes no CES/PE. Dentre estes, podem-se citar por exemplo, os

interesses do próprio Secretário de Saúde e da Associação Nordestina de

Hospitais.

4. CONSIDERAÇOES FINAIS

A política de saúde na atualidade, no Estado de Pernambuco/BRASIL, expressa a

contradição existente entre o discurso do poder local, da participação social e o

processo de centralização do poder na esfera do executivo estadual ou federal,

com graves restrições orçamentárias e consolidação de uma política de corte

neoliberal. Apesar do avanço conquistado pelo setor saúde, o sistema ainda

mantém um misto entre público e privado, um processo de sucateamento do

setor público, com uma grande expansão do setor privado.

Neste sentido, a pesquisa revelou que há, na gestão da política de saúde do

Estado de Pernambuco uma centralização do poder nas mãos do executivo,

participação na construção da cidadania, 1998.

www.ts.ucr.ac.cr 34

sobretudo no processo de alocação dos recursos, tanto no que diz respeito à

implementação da política de saúde, como as atividades do CES/PE.

A existência de diversos interesses e demandas conflitantes no âmbito do CES/PE

tem dificultado o custeio (sobretudo porque mesmo o CES/PE tendo dotação

orçamentária para suas atividades, o processo de alocação dos recursos é

controlado pelo gestor) e a operacionalização de atividades. Assim sendo, torna-

se cada vez mais difícil o fortalecimento dos interesses de usuários e

trabalhadores de saúde, que expressam, a princípio, as demandas da população

usuária do SUS.

A relação entre representantes e representados apresenta muitas dificuldades.

Dentre estas pode-se dizer que os primeiros, pouco traduzem e dão visibilidade

política às demandas e necessidades deste último. Há uma explícita fragilidade na

relação do conselheiro com sua entidade de origem, uma incipiente articulação

dos conselheiros entre si e entre os segmentos sociais acima mencionados.

Assim, na esfera do CES/PE, tais grupos subalternos têm se apresentado com

poucas condições de, coletivamente, explicitar seus projetos, diferenciando-os de

outros existentes na arena institucional. Por sua vez, não têm conseguido unificar

uma agenda pública em saúde e fazer dela um instrumento de luta para influir na

agenda governamental.

A informação institucional em saúde que é disponibilizada, não vem promovendo

uma interlocução, mas, na maioria das vezes, tem buscado legitimar as propostas

institucionais. Os conselheiros têm dificuldade de acesso a informações simples,

objetivas, regulares e confiáveis, o que por sua vez, impossibilita o exercício do

controle social sobre os serviços. As dificuldades de acesso e o não controle da

gestão da informação institucional, por parte dos segmentos subalternizados,

evidenciam a relação de poder desigual entre os representantes dos segmentos

usuários, trabalhadores de saúde e os gestores. Os conselheiros estaduais de

saúde, por sua vez, não têm produzido e nem sistematizado informações em

saúde, a partir de dados oriundos dos usuários e trabalhadores de saúde, no

sentido de poder re-contar a realidade da política e dos serviços de saúde, sob o

ponto de vista desses segmentos sociais.

www.ts.ucr.ac.cr 35

Além disso, os representantes de usuários e trabalhadores de saúde não têm tido,

na maioria das vezes, acesso, em “pé de igualdade” com os gestores, aos meios

de comunicação de massa como rádio, televisão, jornal, etc. Portanto, seus

posicionamentos, denúncias, apoios, embates, têm pouca visibilidade pública.

Outrossim, fazem pouco uso de outras formas de manifestação e estratégias que

envolvam a utilização de recursos midiáticos. Tudo isso somado à apresentação

de demandas fragmentadas, quase sempre despolitizadas e inseridas na lógica

burocratizante do Estado.

Desta forma, a participação dos segmentos subalternos na gestão em saúde

desenvolve-se no âmbito da construção da hegemonia burguesa, uma vez que

esta se expressa:

(...) quando todos os interesses representados ainda que divergentes e conflitantes, não se revelam acima do corporativo, ou seja da efetivação dos interesses limitados e específicos de cada categoria ou grupos sociais, que podem ser assimilados pela ordem capitalista vigente. (GALLO E NASCIMENTO,1995:101)

A participação dos segmentos sociais no CES/PE e na gestão da política estadual

de saúde tem se limitado ao espaço da micro política, sem articulação com a

grande política, sobretudo, no sentido de contribuir com o processo de criação de

uma nova hegemonia dos grupos subalternos.

A participação dos segmentos sociais no CES/PE e na gestão da política estadual

de saúde tem se limitado ao espaço da micro política, sem articulação com a

grande política, sobretudo, no sentido de contribuir com o processo de criação de

uma nova hegemonia dos grupos subalternos.

Finalmente, pode-se dizer que o “desenho comunicacional” da participação

social em saúde em Pernambuco, através do CES/PE é permeado pela

concepção de Estado plural e pelo arcabouço de participação nele subjacente:

fragmentação da dimensão de classe e privilegiamento das práticas de “grupos

de interesses”, no interior do Estado. Assim sendo, a problemática da

comunicação na esfera do CES/PE apresentou-se enquanto “espelho” do

processo de construção de hegemonia burguesa. Desta forma, esta pesquisa

considera que, no período estudado, o espaço do CES/PE e o processo

www.ts.ucr.ac.cr 36

comunicacional nele presente, se configuram, muito mais como mecanismos de

passivização. Assim sendo, as classes subalternas têm participado sem alterar

e/ou confrontar significativamente, a lógica que permeia a política e o sistema de

saúde. Os conselheiros estaduais têm exercido, de forma incipiente, as atividades

de controle social. Havendo, portanto, pouca influência destes no direcionamento

da política de saúde no Estado de Pernambuco.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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PERUZZO, C. M. K. Comunicação nos movimentos populares: a participação na construção da cidadania, 1998.

OLIVEIRA, J. A A . Interesses e mecanismos de representação: a política de saúde no Brasil pós-64. Rio de Janeiro: ENSP/Fiocruz, 1983. (mimeo)