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53 2014 - set -dez. - n. 3 - v. 24 - A LETRI A COMUNIDADES ESSENCIAIS, LEGIÕES DEMONÍACAS Dostoiévski, a multidão revolucionária e o pessimismo moderno Dostoiévski, a multidão revolucionária e o pessimismo moderno Dostoiévski, a multidão revolucionária e o pessimismo moderno Dostoiévski, a multidão revolucionária e o pessimismo moderno Dostoiévski, a multidão revolucionária e o pessimismo moderno ESSENTIAL COMMUNITIES, DEMONIC LEGIONS: DOSTOEVSKY, THE REVOLUTIONARY MULTITUDE AND MODERN PESSIMISM Alemar Rena* Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) R ESUMO ESUMO ESUMO ESUMO ESUMO Este artigo busca lançar luz sobre alguns substratos da crítica de Dostoiévski a respeito dos movimentos revolucionários na Rússia da segunda metade do século XIX e suas demandas “ocidentalistas”. Para tanto, analisamos o pessimismo do autor em relação à modernidade ocidental por um ângulo ético, ontológico e político. Nossa tese é que, para Dostoiévski, a sociedade civil ocidental descendente do contrato social rousseauniano corromperia a realização secular da Rússia enquanto uma ortodoxia baseada no amor de todos por todos e de todos pelo czar. Tecemos, por um lado, uma crítica a essa idealização harmônica e unificada do povo eslavo, ao mesmo tempo que, por outro, reconhecemos a relevância da suspeita dostoievskiana para o exame da filosofia política moderna. Dostoiévski parece demandar uma inversão sem a qual não poderia haver verdadeira política: não a política enquanto utilitarismo racional a ditar a vida, mas a vida – a essência originária compartilhada e a prática constituinte do amor – a escrever continuamente a política. P ALAVRAS ALAVRAS ALAVRAS ALAVRAS ALAVRAS - CHAVE CHAVE CHAVE CHAVE CHAVE Comunidade, multidão, socialismo, Dostoiévski, pessimismo moderno, riqueza comum * [email protected] eISSN 2317-2096 DOI 10.17851/2317-2096.24.3.53-68

Comunidades essenciais, legiões demoníacas: Dostoiévski, a multidão revolucionária e o pessimismo moderno

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Este artigo busca lançar luz sobre alguns substratos da crítica de Dostoiévski a respeito dos movimentos revolucionários na Rússia da segunda metade do século XIX e suas demandas “ocidentalistas”. Para tanto, analisamos o pessimismo do autor em relação à modernidade ocidental por um ângulo ético, ontológico e político. Nossa tese é que, para Dostoiévski, a sociedade civil ocidental descendente do contrato social rousseauniano corromperia a realização secular da Rússia enquanto uma ortodoxia baseada no amor de todos por todos e de todos pelo czar. Tecemos, por um lado, uma crítica a essa idealização harmônica e unificada do povo eslavo, ao mesmo tempo que, por outro, reconhecemos a relevância da suspeita dostoievskiana para o exame da filosofia política moderna. Dostoiévski parece demandar uma inversão sem a qual não poderia haver verdadeira política: não a política enquanto utilitarismo racional a ditar a vida, mas a vida – a essência originária compartilhada e a prática constituinte do amor – a escrever continuamente a política.

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    COMUNIDADES ESSENCIAIS, LEGIES DEMONACASD o s t o i v s k i , a m u l t i d o r e v o l u c i o n r i a e o p e s s i m i s m o m o d e r n oD o s t o i v s k i , a m u l t i d o r e v o l u c i o n r i a e o p e s s i m i s m o m o d e r n oD o s t o i v s k i , a m u l t i d o r e v o l u c i o n r i a e o p e s s i m i s m o m o d e r n oD o s t o i v s k i , a m u l t i d o r e v o l u c i o n r i a e o p e s s i m i s m o m o d e r n oD o s t o i v s k i , a m u l t i d o r e v o l u c i o n r i a e o p e s s i m i s m o m o d e r n o

    ESSENTIAL COMMUNITIES, DEMONIC LEGIONS: DOSTOEVSKY,THE REVOLUTIONARY MULTITUDE AND MODERN PESSIMISM

    Alemar Rena*Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

    RRRRR E S U M OE S U M OE S U M OE S U M OE S U M OEste artigo busca lanar luz sobre alguns substratos da crticade Dostoivski a respeito dos movimentos revolucionrios naRssia da segunda metade do sculo XIX e suas demandasocidentalistas. Para tanto, analisamos o pessimismo do autorem relao modernidade ocidental por um ngulo tico,ontolgico e poltico. Nossa tese que, para Dostoivski, asociedade civil ocidental descendente do contrato socialrousseauniano corromperia a realizao secular da Rssiaenquanto uma ortodoxia baseada no amor de todos por todose de todos pelo czar. Tecemos, por um lado, uma crtica a essaidealizao harmnica e unificada do povo eslavo, ao mesmotempo que, por outro, reconhecemos a relevncia da suspeitadostoievskiana para o exame da filosofia poltica moderna.Dostoivski parece demandar uma inverso sem a qual nopoderia haver verdadeira poltica: no a poltica enquantoutilitarismo racional a ditar a vida, mas a vida a essnciaoriginria compartilhada e a prtica constituinte do amor aescrever continuamente a poltica.

    PPPPP A L A V R A SA L A V R A SA L A V R A SA L A V R A SA L A V R A S ----- C H A V EC H A V EC H A V EC H A V EC H A V EComunidade, multido, socialismo, Dostoivski,

    pessimismo moderno, riqueza comum

    * [email protected] 2317-2096

    DOI 10.17851/2317-2096.24.3.53-68

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    Aconselho-vos o amor ao prximo? Ainda prefiroaconselhar-vos a fuga do prximo e o amor do distante!

    Friedrich Nietzsche

    Orlando Figes mostra, em seu estudo sobre a Revoluo Russa A Peoples Tragedy ,que a crena na terra sagrada, reiterada entre intelectuais eslavfilos1 no sculo XIX,descendia do incio do sculo XVII, quando, ocasio da fundao da dinastia moscovitados Romanovs, a conscincia nacional fora colocada em termos de uma defesa daOrtodoxia. Nessa lenda corrente na Rssia oitocentista, a dinastia dos Romanov foraeleita por todo o povo no rastro da guerra civil e da interveno da Polnia durante umperodo de conturbaes (1598-1613). Sob o comando severo dos Romanov, Mikhailhaveria salvo a Rssia contra os catlicos.2 Esse nacionalismo reverberaria nos picos enas canes folclricas de Cossack desde fins do sculo XVII. Enquanto o mito popularda Rssia sagrada santificava o povo e seus costumes, o mito oficial santificava o Estadona pessoa do czar. Ser russo significava ser cristo e membro da f ortodoxa. No deixade ser sugestivo, portanto, que a palavra russa para campons (Krestianin), que emtodas as outras nacionalidades europeias origina-se da ideia de campo ou terra, se misturecom a palavra para cristo (Khristianin).

    A religiosidade do campons fora e ainda um dos mitos mais duradouros nahistria da Rssia. O campons nunca possura mais do que um lao parcial com areligio ortodoxa. Apenas uma camada de Cristandade fora pintada sobre sua antigacultura folclrica pag (p. 66).3 Ele demonstrava externamente devoo, fazia o nomeda cruz continuamente, ia missa regularmente e at ocasionalmente participava deperegrinaes a templos sagrados. Mas por mais que intelectuais como Dostoivski eSoljentsin desejassem ver isso como sinal de grande apego f ortodoxa, a religio docampons estava longe do Cristianismo livresco do clero. Na verdade, havia em seuscostumes uma grande mistura de valores vernaculares que envolviam cultos pagos,magia e feitiaria adaptados a suas precrias vidas. Tradicionalmente, os camponesesno tinham alta estima por seus pastores, cujas caractersticas como baixa escolaridade,frequente tendncia corrupo, subservincia elite, conexes com a polcia ealcoolismo contribuam para uma imagem desgastada.

    Uma parte considervel da intelectualidade russa nos oitocentos, incluindo-se aDostoivski, fora relutante em aceitar tais teses. No se tratou apenas de uma querelade carter histrico. Em jogo estava o prprio destino da Rssia: de um lado, oocidentalismo, i.e., a defesa de uma maior aproximao do pas ao Ocidente, s novas

    1 Os eslavfilos conformavam o grupo de nacionalistas contra o ocidentalismo. Os ocidentalistas eram afavor da modernizao do Estado russo, do ingresso no universo de valores da Europa Ocidental,especialmente Frana e Inglaterra, da importao de referncias culturais, polticas, filosficas, etc.ocidentais.2 FIGES. A Peoples Tragedy, p. 61-62.Todas as tradues de obras estrangeiras citadas neste texto so de responsabilidade de seu autor (N.E.).3 No original: But in reality the Russian peasant had never been more than semi-detached with theorthodox religion. Only a thin coat of Christianity had been painted over his ancient pagan folk-culture.

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    tendncias democrticas, socialistas e at capitalistas que do Oeste decorriam. De outro,o eslavofilismo: a defesa da tradio, da harmonia e da unidade da ptria sob a fortodoxa. O ocidentalismo implicava uma luta contra o czarismo e contra uma longatradio poltica que misturava f e poder. Ao defender a harmonia e a unidade do povoe contrap-las intelligentsia ocidentalista, o eslavofilismo questionava a prprialegitimidade dos diferentes grupos que buscavam, pela luta poltica e s vezes armada,implementar na Rssia as tendncias estrangeiras que, para os pensadores eslavfilos,somente podiam ser eticamente inferiores s formas polticas baseadas nas comunasagrrias e na proteo das fronteiras pelo czar. Com efeito, Dostoivski zombaria dosintelectuais da esquerda que acreditavam haver qualquer semelhana entre a multidorussa e a multido revolucionria da Frana de 1793; para o autor, esses pensadoresamavam o povo negativamente, imaginando nele algum tipo de ideal, um povo russoque, atravs de um processo involuntrio nas mentes de certos lderes representativosda maioria, levava a forma da multido parisiense.4 O idealismo a localizado no naimagem de uma nao unida sob a harmonia da f, mas na suposta resistncia opressoe s condies violentas da vida tanto no campo quanto no emergente ambienteindustrial urbano.

    Na atmosfera de disputas que rondava a Rssia dos 1860 em diante e portantoaps a emancipao dos servos por Alexandre II, ao mesmo tempo em que retrata ocontexto ideolgico que engolfa a intelectualidade, Dostoivski define as tendnciasparticulares de sua prpria viso, qual temos acesso mais direto nos escritos para aimprensa. Em muitos casos, seus romances ganham os primeiros esboos nesses escritos,que so posteriormente ampliados e reelaborados na fico. Nessas manifestaes noficcionais, principalmente, o autor desenvolve aquele que considerado seu maiscontroverso ponto de vista tico-poltico: a destinao dos eslavos para liderar o mundoem direo harmonia universal sob a lei do amor crist. Essa ideia que colocaDostoivski em descompasso tanto com a esquerda socialista quanto com a direita liberal largamente devedora das teorias do francs Augustin Thierry (1795-1856), reafirmadasna Rssia pelo historiador conservador M. P. Pogodin que, juntamente do amigo StepanShevyrev, editou o jornal eslavfilo Moskvityanin. De acordo com Thierry, as lutas declasse na Inglaterra, Frana e outros Estados decorrem do fato de que esses Estadosoriginaram-se da conquista de um povo por outro, tal como os anglo-saxes pelosnormandos e dos gauleses pelos francos. A Rssia, por outro lado, teria sido fundadano na conquista armada, mas no voluntrio acordo entre os povos com identidadetnica compartilhada, e por essa razo era essencialmente livre de lutas e conflitos; aocontrrio, baseava-se no respeito mtuo e afeio de todos os elementos da populao.5

    A teoria de Thierry no avanou sem resistncia entre os intelectuais; Bielnski

    4 DOSTOIVSKI. A Writers Diary vol. I (1873-1876), p. 126. No original: this ideal people, through aninvoluntary process in the minds of certain leading representatives of the majority, took the form of theParis mob of 1793.5 SCANLAN. Dostoevsky the Thinker, p. 204. No original: (...) in voluntary agreement among peoplewith a shared ethnic identity, and for that reason it was essentially free of class struggle and conflicts;rather, it was based on the mutual respect and affection of all the elements of the population.

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    reconhecia que os primeiros eslavos poderiam at ter conhecido relaes gentis epatriarcais, mas a histria subsequente documentada, argumentou em seu Survey ofRussian Literature for 1846, marcada por violncia e discrdia.

    1. 1. 1. 1. 1. A A A A A LEGIOLEGIOLEGIOLEGIOLEGIO DEMONACADEMONACADEMONACADEMONACADEMONACA

    Em 1872, Dostoivski publicou Os demnios com o objetivo prenunciado deridicularizar a face demonaca da elite intelectual ocidentalista. A argumentaocentral para o romance vai vir a ele a partir do famoso episdio envolvendo o assassinato,em 1869, de um membro da organizao clandestina Justia Sumria do Povo (NardnaiaRasprava) levado a cabo por seu comandante S. G. Nietchiev. Nietchiev retornarade Genebra, onde Dostoivski por acaso se encontrava poca, com ordens do lderrevolucionrio Baknin para acionar em solo russo uma clula do movimento que jliderava da Sua. Caracterizado no romance como um jovem ressentido e nitidamentedesequilibrado, os fatos reais do indcios de que Nietchiev havia determinado que,para manter a unio e a cumplicidade entre os membros da organizao, nenhumaestratgia poderia ser mais apropriada do que o assassinato, cometido por ele e outrosquatro companheiros, de um dos integrantes do grupo; a vtima I. I. Ivanov, que haviaentrado em discrdia com a liderana truculenta de Nietchiev. Dostoivski, queconhecia muito bem os movimentos radicais, e que em Genebra acompanhava cominquietao toda a movimentao dos emigrantes revolucionrios russos, v nesse episdioa oportunidade ideal para mostrar a todos os adversrios, de uma vez por todas, afutilidade, a irresponsabilidade e a crueldade sanguinria em que afundavam asatividades da jovem intelectualidade ocidentalista.

    A recuperao da ptria das convices, mais do que progressistas, subversivas edestrutivas da intelligentsia corresponde, no desfecho de Os demnios, puniocategrica dos simpatizantes da esquerda radical. Tratava-se, por um lado, de colocarem evidncia as antinomias dos ideais revolucionrios, e, de outro, seus mtodosexecrveis. Numa passagem derradeira do romance, Stiepan Trofmovitch pede queSfia Matvievna leia uma parbola bblica em que Cristo confronta a legio demonacaque havia tomado o corpo de um homem. Nesse trecho, os demnios, sob o comando deJesus, entram numa manada de porcos, que precipitam despenhadeiro abaixo, se afogandoem um lago. Em seguida, Trofmovitch conclui: isso tal qual acontece na Rssia.Esses demnios, que saem de um doente e entram nos porcos, so todas as chagas, todosos miasmas, toda imundcie, todos os demnios e demoniozinhos que se acumularam nanossa Rssia grande, doente e querida para todo o sempre, todo o sempre!.6

    Trofmovitch est seguro de que a Rssia ser varrida dessa multido demonaca, e,como na parbola, reabilitada aos ps de Jesus.

    Para Hardt e Negri, em uma recente leitura sociopoltica de Os demnios emMultido, Stiepan Trofmovitch (e o prprio Dostoivski) tenta aplacar seus medos

    6 DOSTOIVSKI. Os demnios, p. 633.

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    com uma viso ingnua do exorcismo das multides demonacas e da redeno crist daRssia [] Pode ser uma concepo consoladora, mas o que ele no parece aceitar que a verdadeira fora demonaca a prpria multido russa. A libertao dos servose os grandes movimentos radicais da dcada de 1860 desencadearam uma onda deagitao que ameaou a velha ordem e nos anos subsequentes haveria de lev-la aocolapso.7 Em outras palavras, se em parte o diagnstico de Dostoivski preciso, isto ,se ele no somente antecipa a multiplicidade de ideias que a intelligentsia faz circular,mas d-lhe, como notara Bakhtin no clssico Problemas da potica de Dostoivski, a formaliterria polifnica extraordinariamente original e capaz de capturar sua extremainstabilidade e heterogeneidade, a multido russa em Os demnios parece reduzir-se aum idealismo de povo harmnico sombra da ortodoxia e da tradio. No longo discursoque d a Zossima em Os irmos Karamazov, escrito alguns anos mais tarde, esse idealismoganha contornos ainda mais ntidos: nosso povo ainda cr incessantemente na verdade,reconhece Deus, chora comovido. O intelectual e as clulas revolucionrias, afundadosno seu niilismo, um caso mais complicado: seguem a cincia, querem organizar-se demaneira justa s por meio de sua inteligncia, mas j sem Cristo, como antes.8 Se portoda a Europa ocidental o povo se subleva contra as classes historicamente dominantes ecomete assassinatos porque o intelectual lhe ensina que sua clera justa, o Senhorsalvar a Rssia como j a salvou muitas vezes, e do povo vir a salvao, de sua f ehumildade. Padres e mestres, protegei a f do povo e no esses devaneios: durante toda aminha vida impressionou-me em nosso grande povo sua magnfica e verdadeira dignidade,eu mesmo a presenciei, eu mesmo posso testemunhar, vi e fiquei admirado (p. 428).

    Hardt e Negri observam ainda que, se a velha ordem social estivesse sob ameaade conspirao unificada, ou localizada entre grupos intelectuais bem circunscritos,como imaginava Dostoivski, ela poderia ser conhecida, confrontada, derrotada. Ouento, se houvesse muitas ameaas sociais isoladas, tambm seria possvel lidar comelas. A multido, contudo, excede a intelligentsia, legio; ela composta de inmeroselementos que se mantm diferentes uns dos outros, e ainda assim se comunicam,colaboram e agem em comum. Que poderia ser mais demonaco?!.9

    De 1881, quando Alexandre II assassinado, aos eventos extremos que levariam Revoluo de 1917, passando pela Revoluo de 1905 e a instaurao da Duma, amultido russa, que misturava diferentes extratos de insatisfao em relao ao czarismoe s condies precrias de vida nas cidades e nos campos, foi personagem constante. certo que as lideranas polticas e intelectuais tiveram papel fundamental nasinsurgncias contra o poder dinstico, mas a insatisfao e a fora revolucionria queculmina na tomada do poder pelos bolcheviques em 1917 possui em seu corao a prpriamultido, composta, entre outros grupos, pelos Conselhos Operrios autogovernados(os Sovietes), por partes do exrcito que j no mais demonstravam lealdade ao poderdo velho governo, por massas de camponeses famintos, por trabalhadores e sindicatos

    7 HARDT; NEGRI. Multido: guerra e democracia na era do Imprio, p. 188.8 DOSTOIVSKI. Os irmos Karamazov, p. 428.9 HARDT; NEGRI. Multido: guerra e democracia na era do Imprio, p. 189.

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    diretamente ligados ao partido bolchevista, etc. Se j em 1905 e mesmo antes Leninabertamente defendia que qualquer movimento insurgente espontneo deveria estar, aprincpio, a servio da revoluo e, ao fim, incorporado ao poder centralizador do partido,essas consideraes, antes de comprovarem que a tomada de poder viria principalmentedas lideranas polticas de cima para baixo, evidenciam que, sem a fora espontneae heterognea da multido no processo de insurgncia, a tomada efetiva do poder teriasido impraticvel.10

    Porm, preciso reconhecer que a oposio ou mesmo o no reconhecimento deDostoivski dos movimentos libertrios multitudinrios que insurgiam contra a soberaniaczarista no se tratou de conservadorismo tout court. Em meio a sua defesa da f ortodoxae da unidade nacional, parece haver um elemento tico excntrico que, de todo modobastante distinto de outros pessimistas novecentistas, pode ajudar a revelar os indciosde uma aporia no ethos da modernidade. Para tentarmos lanar luz sobre esse conflito,precisamos nos perguntar por quais motivos Dostoivski, que outrora lutara pelalibertao da multido de servos nos campos da Rssia, se transfigurava mais tarde numantirrevolucionrio. Trata-se de uma busca que abarca, antes mesmo de uma visopoltica do mundo, uma determinao tica que beira o misticismo, sem no entantonele mergulhar por completo.

    2. 2. 2. 2. 2. EEEEEGOSMOGOSMOGOSMOGOSMOGOSMO, , , , , EXPERINCIAEXPERINCIAEXPERINCIAEXPERINCIAEXPERINCIA AFETIVAAFETIVAAFETIVAAFETIVAAFETIVA EEEEE OSOSOSOSOS LIMITESLIMITESLIMITESLIMITESLIMITES DADADADADA RAZORAZORAZORAZORAZO

    No mago do projeto literrio de Dostoivski encontra-se, como avalia LuigiPareyson, a constatao da realidade inquebrantvel do mal. Contra o otimismo idealistae positivista de Hegel, para o qual o mal um elemento dialtico a ser superado ou umepisdio passageiro do progresso da humanidade, ele recorda que a realidade do mal eda dor, do pecado e do sofrimento, da culpa e da pena, do crime e do castigo, pordemais efetiva e iniludvel, que confere condio do homem um carter eminentementetrgico.11 Ainda, a realidade do mal algo de muito mais potente e impotente, porque fruto de uma fora vigorosa e robusta, como a presena eficaz do demonaco, por umlado, e a resoluta vontade do arbitrrio, por outro (p. 44). por a identificando ondee como Dostoivski percebia a existncia do mal, no somente na natureza humana,mas na sua interao com as disposies polticas e ideolgicas da sociedade moderna que podemos comear a compreender suas razes conservadoras que, consideradas poroutro ngulo, podem revelar-se mais revolucionrias (embora por vezes no menosutpicas) do que primeira vista.

    Central em sua tica encontra-se a convico, defendida em seus escritos noficcionais mas igualmente problematizada em seus romances , de que a alma constitui-se no s como uma dimenso ontolgica separada, mas superior ao corpo. Somente naalma encontra-se uma espcie de verdade original, que oferecida ao homem como

    10 A respeito da relao dos bolcheviques e Lenin com extratos dispersos e espontneos da multidorevolucionria, ver NEGRI. Communist desire and the dialectic restored.11 PAREYSON. Dostoivski: filosofia, romance e experincia religiosa, p. 41.

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    ddiva. Essa doutrina sustenta a plataforma axiolgica em sua crtica dialtica e cincia como formas limitadas de conhecimento subordinadas ao esprito. Oestranhamento entre alma e fisicalidade, inscrito na condio humana, toma formanuma passagem de Os irmos Karamazov em que o velho monge Zossima anuncia: muitacoisa na Terra nos est oculta, mas em troca nos foi dada a sensao misteriosa e arcanada nossa ligao viva com outro mundo, com o mundo das alturas e superior; alis, asrazes dos nossos pensamentos e sentimentos no esto aqui, mas em outros mundos.12

    H limites para a razo porque existe, antes, uma conexo a ser exercida e que precedea conscincia racional; somente a podemos fazer sentido do universo material ao qualestamos atrelados.

    Ao afirmar a razo como origem do valor, a essncia da realizao humana estorvada. Ou, o que ainda pior, o homem impelido a explicar a existncia pelas viasde um egosmo utilitrio. Por outro lado, a experincia do amor e a entrega irrestrita aooutro no leva escravizao ou supresso da singularidade, mas perfeitaemancipao, na medida em que o homem se realiza essencialmente no dar-setotalmente para cada outro, sem divises ou egosmo. Liberdade no enquantoautossatisfao de necessidades, mas livre desenvolvimento de si com ou ainda, pelo o outro. Por isso, em Crime e castigo Dostoivski nega a Rasklnikov ir alm do bem e domal, mas tampouco avaliza a soluo positiva da formao dialtica em direo ao bem,do aperfeioamento racional da alma at sua forma nobre, sublime, tantas vezes ironizadaem seus romances por meio da crtica aos ideais romnticos de Schiller (essas belasalmas schillerianas, dir ironicamente Rasklnikov).13 Sua resposta ntida; nas palavrasde Pareyson: s quando no prprio crime se perfila o castigo, s quando a culpa engendraa dor, s quando o pecado sentido como sofrimento, s ento comea a obra da redenoe o nascimento do homem novo,14 pois a dor revela a essncia no desenvolvimento desi enquanto acontecimento inseparvel do outro, enquanto con-diviso da existncia.

    3. 3. 3. 3. 3. O O O O O SOCIALISMOSOCIALISMOSOCIALISMOSOCIALISMOSOCIALISMO EEEEE ASASASASAS BASESBASESBASESBASESBASES DODODODODO DISSENSODISSENSODISSENSODISSENSODISSENSO

    Com essas colocaes, podemos dar um primeiro passo a fim de divisar o pessimismode Dostoivski em relao modernidade ocidental por um ngulo ontolgico e tico. ainda munido dessas desconfianas que o autor empreende um embate no campopoltico, oferecendo aos leitores da poca uma indireta e livre crtica ao contrato socialde Rousseau. Para Dostoivski, a soberania civil naturalizada pelo nascimento, que seconstitui como elemento central do contrato rousseauniano, corromperia a origem danecessidade, que o outro. Tal suspeita nada teria a ver com uma defesa da vida naturalcontra a poltica, mas com uma inverso sem a qual no poderia haver verdadeira poltica:no a poltica utilidade a ditar a vida, mas a vida a essncia originria com e

    12 DOSTOIVSKI. Os irmos Karamazov, p. 435.13 DOSTOIVSKI. Crime e castigo, p. 58.14 PAREYSON. Dostoivski: filosofia, romance e experincia religiosa, p. 85.

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    compartilhada a escrever continuamente a poltica. Se o contrato social tonifica oindividualismo (ter direito felicidade, ao bem-estar, ao conforto, etc.), a liberdadetorna-se, como afirma Zossima em sua longa fala aos padres e aos professores em Osirmos Karamazov, s escravido e suicdio!. Porque o mundo diz: tens necessidadese por isso satisfaze-as, porque tens os mesmos direitos que os homens mais ilustres ericos.15

    Se h a uma vigorosa crtica sociedade de consumo em seus estgiosembrionrios, o pessimismo de Dostoivski para com as ideias que descendem diretamenteou indiretamente do contrato social de Rousseau e da tica socialista no menosrelevante. O socialismo e o capitalismo no se confundem completamente, mascertamente compartilham uma fixao num materialismo utilitrio que acaba por torn-los em muitos sentidos indistinguveis. Trata-se de dois lados de uma mesma moeda.Rousseau indica em Do contrato social uma composio entre indivduo e coletivo queleva em conta, por um lado, os interesses privados, e, por outro, os interesses pblicos:quando essa multido reunida assim num corpo, dir, no se pode ofender um deseus membros sem atacar o corpo; menos ainda ofender o corpo sem que os membros seressintam. O pensador idealiza as relaes de interdependncia entre o Estado queagora corporifica a multido e o indivduo: quem se recusar a obedecer vontadegeral ser forado a faz-lo por todo o corpo, o que significa que ser forado a serlivre.16 Livre porque, no puro fato do nascimento, torna-se portador de direitos e realiza-se enquanto ente civil no acordo tcito que organiza as relaes materiais da bio; ou,como afirma Agamben em uma leitura contempornea, a vida natural que, inaugurandoa biopoltica na modernidade, assim posta base do ordenamento, dissipa-seimediatamente na figura do cidado, no qual os direitos so conservados.17

    H uma dificuldade, por parte de Dostoivski, em aceitar o apelo de uma tica para ele indistintamente predominante no ocidentalismo e nos movimentos socialistas que se guia por um contrato. Compreendemos melhor essa resistncia ao notarmos,com Nancy, que o horizonte filosfico-poltico moderno, de Rousseau a Marx, encalhafrente s formulaes de comunidades essenciais: de maneira a ser efetiva, tal relaorequer um processo essencializador, que precisamente o sacrifcio. Se olhamos comocuidado, podemos identificar o lugar do sacrifcio em toda filosofia poltica (ou melhor,podemos encontrar o desafio do abstrato, que sacrifica a singularidade concreta). Masenquanto origem singular, a existncia insacrif icvel.18 Para Dostoivski, precisamente o sacrifcio da essncia a perdio, aqui entendida como perda essencial que, num momento posterior, leva srie infindvel de novas necessidades. Mais doque um conjunto de pequenas vontades no exercidas, no contrato o prprio princpiooriginrio que corrompido. Com efeito, a questo com a qual Dostoivski parece

    15 DOSTOIVSKI. Os irmos Karamazov, p. 426.16 ROUSSEAU. Do contrato social, p. 68-70.17 AGAMBEN. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua, p. 124.18 NANCY. Being singular plural, p. 25. No original: if one looks carefully, one can find the place ofsacrifice in all political philosophy (or rather, one will find the challenge of the abstract, which makes asacrifice of concrete singularity). But as singular origin, existence is unsacrificable.

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    debater-se se o ideal igualitrio fundado sob uma identidade genrica capaz defazer justia singularidade ou mesmo considerar as dificuldades de assim faz-lo.Segundo Nancy, tudo isso foi indicado pela palavra que segue igualdade no sloganrepublicano francs: fraternidade (p. 25). Essa supostamente a soluo para as aporiasda igualdade. O que falta, no entanto, a comum origem do comum, que emDostoivski vem na forma da origem pr-individual, que o exerccio livre do amor.

    Numa passagem sobre a burguesia francesa em Notas de inverno sobre impressesde vero, ele aborda frontalmente a questo da fraternidade no contrato social e nolema revolucionrio:

    A fraternidade. Ora, este o ponto mais curioso e, deve-se confessar, constitui no Ocidente,at hoje, a principal pedra de toque. O ocidental refere-se a ela como a grande fora quemove os homens, e no percebe que no h de onde tir-la, se ela no existe na realidade.O que fazer, portanto? preciso criar a fraternidade, custe o que custar. Verifica-se,porm, que no se pode fazer a fraternidade, porque ela se faz por si, concede-se por si, encontrada na natureza. Todavia, na natureza do francs e, em geral, na do homem doOcidente, ela no encontrada, mas sim o princpio pessoal, individual, o princpio daacentuada autodefesa, da autorrealizao, da autodeterminao em seu prprio Eu, daoposio deste Eu a toda a natureza e a todas as demais pessoas, na qualidade de princpioindependente e isolado, absolutamente igual e do mesmo valor que tudo o que existealm dele. Ora, uma tal afirmao no podia dar origem fraternidade. (...) Que fazerento? No se pode fazer nada, mas preciso que tudo se faa por si, que exista na natureza,que seja compreendido inconscientemente na natureza de todo um povo, numa palavra,que haja um princpio fraterno, de amor: preciso amar.19

    O que deveria, portanto, significar a fraternidade? Dostoivski no nos ofereceuma resposta concreta e taxativa, mas indica que tudo passa de forma inelutvel pelarealizao social da poltica, e no por uma transcendida poltica do social. Uma realizaofora da transcendncia, porque o comum, como a fraternidade, no pode (ou pelo menosno pode integralmente) ser fabricado no plano de uma abstrao. O Estado republicano,ele problematiza com a preciso de um autntico antimoderno, no compreende o comumcomo origem contnua criao tica pela exposio ao outro , apenas como destino.Na origem objetificada do direito abstrato h apenas o pblico versus, com, para, atravsdo privado e vice-versa. Uma base abstrata fundadora designada, mas seu sentidoainda aliena o comum, que o com da origem e sua contnua expanso.

    Rousseau, seguimos ainda em Nancy, revelou a aporia de uma comunidade queteria que ser precedida por si mesma para se constituir (p. 24). Ao conceber o contrato,sua formulao no considera o social como diviso original, mas, ao contrrio, comoo encerramento da diviso original entre as singularidades. Marx, por outro lado, emboracertamente mais radical em sua demanda pela dissoluo da poltica em todas as esferasda existncia (p. 24), parcialmente ignora que a dis-posio da origem no suportaformas de incluso por excluso classe, ordem, comunidade impostas pela autoridadepoltica, mas se expe continuamente no exerccio constitutivo da existncia social.Por mais que aquilo que chamamos de comunismo seja potente para pensar a real

    19 DOSTOIVSKI. O crocodilo e Notas de inverno sobre impresses de vero, p. 132-134.

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    relao e o que chamamos de indivduo, o comunismo ainda no compreende aexistncia-em-comum como algo distinto de comunidade (p. 24).20

    A concepo marxiana da comunidade certamente ambgua; mas se ela emmuitos momentos no escapa apologia comunidade essencial na forma de classes,conserva ao menos um elemento radical que ainda inscreve Marx como o horizonteinescapvel para o pensamento de uma singularidade que se quer ao mesmo tempoplural. J nos Manuscritos econmico-filosficos, o jovem Marx procura substituir arelao promscua com a propriedade por uma que descubra a produo enquantosignificao humana e, portanto, social, pois ela [a relao social] o elo passivo quedeixa sentir ao homem a maior riqueza, o outro homem como necessidade (Bedrfnis).A dominao da essncia objetiva em mim, a irrupo sensvel da minha atividadeessencial a paixo, que com isto se torna a atividade da minha essncia.21 nesseponto, portanto, que podemos dizer que Marx ultrapassa os limites da classe paraconceber o comum no como uma associao de iguais que se perdem numasingularidade geral, mas como o ser-em-comum anterior comunidade, capaz de tornar-se singular na e pela atividade social. O que Marx chama de paixo, Dostoivskichamar, sem rodeios, de amor.

    Todavia, ao olharmos o desenvolvimento histrico do comunismo por um nguloexpandido para alm dos escritos filosficos marxianos l ainda veremos uma inverso:a comunidade essencial da classe , em ltima instncia, o delineamento necessriopara revelar a riqueza social, ou, em outras palavras, o projeto de revoluo das formasprodutivas como a prpria emancipao da socialidade. precisamente nesse sentidoque Dostoivski teme que o socialismo poder perdoem-nos o jargo jogar fora obeb com a gua do banho. Embora admita que as necessidades materiais so genunase at bsicas, e que parece ser bastante interessante a determinao a priori de satisfaz-las para em seguida perseguir o desenvolvimento espiritual, por outro lado receia que,no caminho, a vida ser subestimada e tudo ser perdido. possvel que o prpriodesenvolvimento material dependa primeiro do desenvolvimento espiritual e, sem este,talvez nem mesmo as necessidades bsicas pudessem ser atendidas. De barriga cheia ouvazia, Dostoivski argumenta, o homem insistir em expressar livremente sua vontadeegosta. Assim, a ordem material necessria poderia no ser aceita pela prpria multido,a no ser pela fora, quer dizer, pela imposio do poder constitudo, dado e acabado.

    20 No original: Rousseau revealed the aporia of a community that would have to precede itself in orderto constitute itself: in its very concept, the social contract is the denial or foreclosure of the originarydivision [dliaison] between those singularities that would have to agree to the contract and, thereby,draw it to a close. Although assuredly more radical in his demand for the dissolution of politics in allspheres of existence (which is the realization of philosophy), Marx ignores that the separation betweensingularities overcome and suppressed in this way is not, in fact, an accidental separation imposed bypolitical authority, but rather the constitutive separation of disposition. However powerful it is forthinking the real relation and what we call the individual, communism was still not able to thinkbeing-in-common as distinct from community.21 MARX. Manuscritos econmico-filosficos, p. 113.

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    Tendo em vista o destino do comunismo avanado na Rssia e a carnificina em quedesemboca, quo mais proftica essa viso poderia ser?22

    No devemos descreditar a exigncia de Dostoivski. Apesar de todas as incoernciaspossveis de serem levantadas, ao reconectar poltica e amor e inseri-los a contrapelo naequao do materialismo, ela expe uma aporia, no mago da filosofia poltica ou dapoltica filosfica moderna, que se encontra ainda hoje por ser articulada. Hardt eNegri nos lembram que os elementos tericos que hoje e outrora deram conta da multidocomo biopoltica social capaz de promover o xodo do comando capitalista correm o riscode permanecerem inertes sem mais um elemento que os junte e anime-os em um projetocoerente. O que falta amor.23 Nossa falha em interrogar ou desenvolver o amor enquantoconceito, diro, a causa da fraqueza do pensamento poltico e filosfico contemporneo:no sbio deixar o amor para padres, poetas ou psicanalistas (p. 179).24 Uma das fontess quais recorrem, portanto, o pensamento de Spinoza, para quem a vida o prprio atoativo do amor: o amor, diz Spinoza com sua preciso geomtrica, alegria, isto , oaumento do nosso poder para agir e pensar, juntamente com o reconhecimento da causaexterna. Atravs do amor formamos uma relao para com esta causa e procuramosrepetir e expandir nossa alegria, formando novos, mais poderosos corpos e mentes (p.181). Para Spinoza, o amor a produo do comum que constantemente quer se elevar,procurando criar mais com sempre mais poder, at o ponto do engajamento com o amorde Deus, que o amor da natureza como um todo, o comum em sua imagem mais expansiva.Dizer que o amor ontologicamente constitutivo quer dizer, simplesmente, que o amorproduz o comum (p. 181).25

    22 Essas argumentaes ficam claras no artigo Mr. Shchredin que escreve em resposta concepomaterialista de Shchredin, para quem ao se resolver as necessidades humanas bsicas se pode eliminarconsequentemente as situaes das quais as aes ruins derivam. Nesse artigo Dostoivski sugere aShchredin que, se algum disser-lhe eu quero pensar, eu sou atormentado por questes eternas eirresolutas; eu quero amar [], que ele responda imediatamente, decididamente e enfaticamenteque toda essa espcie de nonsense a metafsica puro luxo, sonhos de criana, coisas desnecessrias,que em primeiro lugar vem a barriga. Em seguida Dostoivski sugere que responda: se coar muitoque ele pegue uma tesoura e corte a parte que coa. Eu quero danar corte as pernas. Eu queropintar corte as mos. Eu quero sonhar corte a cabea. A barriga, a barriga, e somente a barriga isto [] a grande convico! (DOSTOIVSKI apud SCANLAN. Dostoevsky the Thinker, p. 78). Nooriginal: if someone should say to you I want to think, I am tormented by the unresolved, eternalquestions; I want to love, I long for something to believe in, I seek a moral ideal, I love art, or anythingof that sort, answer him immediately, decisively, and boldly that all of that is nonsense, metaphysics,that its all a luxury, childish dreams, unneeded things, that first and foremost is the belly [...]. Andrecommend to him, finally, that if he itches so much, he should take a pair of scissors and cut off the partthat itches. I want to dance cut off his legs. I want to paint cut off his hands. I want to pine anddream off with his head. The belly, the belly, and only the belly that [] is the great conviction!23 HARDT; NEGRI. Commonwealth, p. 179. No original: risk lying inert beside one another without onemore element that pulls?them together and animates them in a coherent project. What is missing is love.

    24 No original: it is unwise to leave love to the priests, poets, and psychoanalysts.25 No original: love, Spinoza explains with his usual geometrical precision, is joy, that is, the increase of ourpower to act and think, together with the recognition of an external cause. Through love we form arelation to that cause and seek to repeat and expand our joy, forming new, more powerful bodies andminds. For Spinoza, in other words, love is a production of the common that constantly aims upward,

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    O amor, no entanto, enquanto nica fonte de fora no mundo, , como o comum,profundamente ambivalente e sujeito a corrupes. O amor que imagina achar o parperfeito, o amor das comunidades essenciais, o amor da ptria, o amor da raa, enfim, oamor que faz da diferena o mesmo ou que sacrifica o eu para se (con)fundir no outro.Dessa perspectiva, populismos, nacionalismos, fascismos e vrios fundamentalismosreligiosos no so exatamente baseados no dio, mas no amor uma forma terrivelmentecorrompida do amor identitrio (p. 182).26 Para Nancy, o amor do eu, nesse sentido,no o egosmo enquanto preferncia por si no lugar do outro, mas ainda assim egosmono sentido de privilegiar o prprio eu como modelo, a imitao da qual provm o amorpelo outro. preciso amar o seu prprio eu no outro, mas, reciprocamente, o prprio euem mim o outro do ego. uma intimidade escondida.27 O antdoto, diro Hardt eNegri, ao amor identitrio que constantemente repete o mesmo e que, como notaNancy, apenas uma variao do amor de si o amor da alteridade, do estranho, doque se encontra longe. Aqui tem-se um outro sentido do amor como evento biopoltico:ele no somente marca a ruptura com o existente e a criao do novo, mas tambm aproduo de singularidades e a composio de singularidades numa relao comum.28

    Est bastante claro que o amor como criao ou como expresso de uma origemontolgica no tampouco a exigncia judaico-crist de amar o prximo como a simesmo. O amor como mandamento expressa o custo infinito daquilo que estinfinitamente retirado: a incomensurabilidade do outro. Como resultado, o mandamentodo amor coloca a incomensurabilidade pelo que ela : acesso ao inacessvel.29 (Por issotalvez Dostoivski precise negar a razo frente demanda de uma singularidade maisessencial). Nietzsche nos d uma ainda mais dura interpretao desse amor corporificadopor Cristo, mrtir que exigia ser amado e nada alm, a histria de um pobre insaciadoe insacivel no amor, que teve de inventar o inferno para povo-lo dos que no queriamam-lo [] que se compadece do amor humano, to msero, to insciente!.30 porque

    seeking to create more with ever more power, up to the point of engaging in the love of God, that is, thelove of nature as a whole, the common in its most expansive figure. Every act of love, one might say, is anontological event in that it marks a rupture with existing being and creates new being, from povertythrough love to being. Being, after all, is just another way of saying what is ineluctably common, whatrefuses to be privatized or enclosed and remains constantly open to all. (There is no such?thing as a privateontology.) To say love is ontologically constitutive, then, simply means that it produces the common.26 No original: from this perspective we might say that populisms, nationalisms, fascisms, and variousreligious fundamentalisms are based not so much on hatred as on love but a horribly corrupted formof identitarian love.27 NANCY. Being singular plural, p. 79. No original: the love of self, here, is not egoism in the sense ofpreferring oneself over others (which would contradict the commandment); it is an egoism in the senseof privileging one-self, ones own-self [le soi-propre], as a model, the imitation of which would providethe love of others. It is necessary to love ones own-self in the other, but reciprocally, ones own-self inme is the other of the ego. It is its hidden intimacy.28 HARDT; NEGRI. Commonwealth, p. 183. No original: here then is another meaning of love as abiopolitical event: not only does it mark rupture with the existent and creation of the new, but also it isthe production of singularities and the composition of singularities in a common relationship.29 NANCY. Being singular plural, p. 80.30 NIETZSCHE. Alm do bem e do mal: preldio para uma filosofia do futuro, p. 185, 269.

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    o prximo est, nessa tradio, por completo removido que a relao precisa se darcomo o amor de mim mesmo e imperativo do amor, sob pena do purgatrio. O amorno se iguala ao egosmo, mas ainda assim pressupe imperativamente o ego ao coloc-lo como modelo da relao amorosa com o outro.

    Mas podemos concluir que esse amor corrompido o amor identitrio que seconfunde com o amor egosta (porque ama a sua prpria imagem no outro) o amor aque Dostoivski buscou dar o devido valor at a morte? Se h alguma forma de amoridentitrio em seus escritos e certamente h, j a princpio porque no consegue sedistanciar completamente da ortodoxia , ele ao mesmo tempo parece ser ofuscado porsua forma expandida, isto , o amor da alteridade. De fato, este parece ser o ponto desua dissenso com o socialismo: pressupor o imperativo do amor na constituio de umcontrato material, quando somente a livre experincia pode revel-lo. Por essa razo,ele vai falar de uma unidade harmoniosa, que absorve a diferena, e no uma associaode iguais. A unio para Dostoivski , em certa medida, utpica e teleolgica, ecorresponde (ao fim do desenvolvimento do esprito) ao amor de todos por todos, masno, em ltima medida, a uma identidade universal. Por outro lado, ao no subestimara presena inquebrantvel do mal, ele reconhece, talvez melhor do que qualquer outro,as formas sociais corrompidas, a comear pelo amor ilimitado de si ou do amor daalteridade pela imagem de si. Hardt e Negri notam que fundamental que no nosenganemos sobre a realidade do mal: acreditar que as pessoas so o que queremos queelas sejam e que a natureza humana fundamentalmente boa perigoso por que minaas ferramentas polticas e conceituais necessrias para confrontar e restringir o mal.31

    Importantes pensadores na modernidade, de Thomas Hobbes e sua noo de guerracontra todos a Helmuth Plessner e sua proposio de uma antropologia poltica naqual os humanos so caracterizados por agressividade intra-espcie ilimitada, preferiramfocar em como os humanos so perigosos e, especificamente, destacar como a naturezahumana caracterizada pela discrdia, pela violncia e pelo conflito, acreditando quetais teorias poderiam tratar esse mal, cont-lo, e deste modo construir uma sociedadeque mantm o mal sob vigilncia (p. 190). Se os seres humanos no so necessariamentebons, o problema com esse pessimismo que ele coloca o mal como algo igualmentefundamental, como elemento invarivel da natureza humana (p. 190).32 Assim, como

    31 HARDT; NEGRI. Commonwealth, p. 190.32 No original: indeed such a realist or, really, pessimistic position is the dominant view in Euro-Atlantic political philosophy, from Thomas Hobbess notion of a war of all against all to HelmuthPlessners proposition of a political anthropology in which humans are characterized by potentiallyunlimited intraspecies aggressiveness. From this perspective, a political anthropology based on love,which does not take into account the evil that lurks in human hearts, is naive at best. Believing thatpeople are what we want them to be and that human nature is fundamentally good is dangerous, infact, because it undermines the political and conceptual tools necessary to confront and restrain evil.By focusing instead on how dangerous humans are, such authors maintain, and specifically on howhuman nature is characterized by discord, violence, and conflict, such a theory can treat this evil,contain it, and thereby construct a society that holds evil in check. [...] The problem with the pessimisticconceptions of political anthropology, however, is that after justly dismissing any fundamental goodness,they pose evil as an equally fundamental, invariable element of human nature.

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    havia intudo Dostoivski, a forma da lei contratual constituiu nesse enquadramentometafsico o complemento transcendental de uma ontologia do mal radical.

    Para Hardt e Negri, o pensamento moderno tem, desde o princpio, colocado essaproblemtica de forma equivocada. A questo no que invariveis definem a naturezahumana, mas o que a natureza humana pode tornar-se. O fato mais importante da naturezahumana (se ainda quisermos usar estes termos) que ela pode e est sendoconstantemente transformada (p. 190).33 importante no negar o mal, mas compreend-lo, em primeiro lugar, como contingente, de maneira que sua genealogia seja possvel enos oferea igualmente a chave para combat-lo. Em segundo lugar, o mal comosecundrio em relao ao amor ele no possui uma natureza originria ou primria,mas constitui-se como o amor corrompido precisa ser confrontado pelo esforo constanteem produzir o comum, ou seja, em constituir o xodo das instituies do comumcorrompidas, se afastando das demandas identitrias, se retirando da subordinao e daservido (p. 195).34 Nesse sentido, produzir o amor, como possibilidade de enfrentamentodo dio, esse falso sentimento cuja hiptese do trgico inescapvel insiste em fazerressurgir no pensamento de tempos em tempos, implica superar a distncia, a separaoe, por conseguinte, o medo. O amor, nesse sentido, toma a forma da indignao,desobedincia, antagonismo, e pressupe a luta por sua realizao. Mesmo a um desafiointerminvel e inacabado saber se se luta de fato pela subordinao ou libertao: aspessoas com frequncia lutam pela servido, como se fosse a libertao, diria Spinoza.

    A esperana socialista, certamente uma esperana ambgua e repleta de pontoscegos, e compreendida pelo pessimismo moderno como truque, talvez tenha reveladoum sentido para muito alm da poltica como simples oposio reificao: o sentidoque violentamente se manifestou atravs dela, foi muito mais lcido, escreve Nancy.No se tratou de uma simples substituio do poder dessas pessoas pelo poder daquelas,ou da dominao das massas por aquela de seus mestres. Tratou-se, antes, de substituira soberania da dominao em geral por uma soberania entendida no como o exercciodo poder, mas como prxis de sentido. As soberanias tradicionais (a ordem poltico-teolgica), no entanto, no perderam poder, j que o poder apenas sempre muda delugar, mas perderam a capacidade de fazer sentido. Como decorrncia, o sentido em simesmo isto , o ns exigiu o que lhe era devido.35

    33 No original: but what human nature can become. The most important fact about human nature (if westill want to call it that) is that it can be and is constantly being transformed.34 No original: exodus is one means we identified earlier of combating the corrupt institutions of thecommon, subtracting from claims of identity, fleeing from subordination and servitude.35 NANCY. Being singular plural, p. 42. No original: if the socialist hope as such had to be understoodas an illusion or a trick, then the meaning that carried it along, the meaning which violently manifesteditself through it, was all the better illuminated. It was not a question of substituting the rule of thesepeople for the rule of those people, substituting the domination of the masses for that of their masters.It was a question of substituting a shared sovereignty for domination in general, a sovereignty ofeveryone and of each one, but a sovereignty understood not as the exercise of power and dominationbut as a praxis of meaning. The traditional sovereignties (the theologico-political order) did not losepower (which only ever shifts from place to place), but lost the possibility of making sense. As a result,meaning itselfthat is, the wedemanded its due, if one can talk in these ways.

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    precisamente essa exigncia pela substituio da dominao, expressa nodesgastado modelo de soberania do czarismo, que, por meio da luta, o socialismo realiza,ainda que de forma contraditria. A indignao e o antagonismo das multidesrevolucionrias foram, em suas formas conflitantes, precisamente a busca pelo sentidode um ns que antecede as formas soberanas. Ao rechaar a revoluo, Dostoivskirepulsa a potncia (e busca) desse novo sentido. Por outro lado, nesse mesmo movimentoele nos coloca diante de questes centrais para a filosofia poltica ao hesitar frente aoapriorismo utilitrio, racional e contratual da modernidade. Ao insistir que, antes mesmoda constituio da soberania sob a forma da lei, uma poltica anterior revela-se peloexerccio do amor constituinte incondicional amor enquanto singularidade porqueno mediado pelo apriorismo de condies contratuais Dostoivski indica uma tensono cerne das formulaes democrticas e socialistas, uma tenso que nos parece estar,ainda hoje, por ser devidamente desenredada e que muito pode dizer sobre a atual crisedas democracias ocidentais.

    AAAAA B S T R A C TB S T R A C TB S T R A C TB S T R A C TB S T R A C TThis article seeks to shed light on some substrates ofDostoevskys crit icism concerning the revolutionarymovements in Russia in the second half of the 19th centuryand their occidentalist demands. To this end, we analyze theauthors pessimism in relation to Western modernity by anethical, ontological, and political angle. Our thesis is that forDostoevsky the civil society which descends from Rousseaussocial contract corrupts the realization of Russia as anorthodoxy based on the love of all by all and the love of theCzar by all. We establish, on the one hand, a critique of thisharmonious and unified idealization of the Slavic people, while,on the other, we recognize the relevance of Dostoevskyssuspicion for the examination of modern political philosophy.Dostoevsky seems to demand a reversal without which therecould be no real politics: not politics as rational utilitarianismdictating life, but life the shared essence and the originalconstituent practice of love to continuously write politics.

    KKKKK E Y W O R D SE Y W O R D SE Y W O R D SE Y W O R D SE Y W O R D SCommunity, multitude, socialism, Dostoevsky,

    modern pessimism, commonwealth

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