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Psychê ISSN: 1415-1138 [email protected] Universidade São Marcos Brasil Passos Friche, Izabel Christina; Beato Soares da Fonseca, Mônica Concepções e práticas sociais em torno da loucura: alcance e atualidade da História da Loucura de Foucault para investigações etnográficas Psychê, vol. VII, núm. 12, dezembro, 2003, pp. 137-158 Universidade São Marcos São Paulo, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=30701210 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

Concepções e Práticas Sociais Sobre a Loucura

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Concepções de loucura

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Psychê

ISSN: 1415-1138

[email protected]

Universidade São Marcos

Brasil

Passos Friche, Izabel Christina; Beato Soares da Fonseca, Mônica

Concepções e práticas sociais em torno da loucura: alcance e atualidade da História da Loucura de

Foucault para investigações etnográficas

Psychê, vol. VII, núm. 12, dezembro, 2003, pp. 137-158

Universidade São Marcos

São Paulo, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=30701210

Como citar este artigo

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Concepções e práticas sociais em torno da loucura:

alcance e atualidade da História da Loucura de

Foucault para investigações etnográficas

Izabel Christina Friche Passos

Mônica Soares da Fonseca Beato

Resumo

Este artigo propõe a discussão da relevância de investigações sobre concepções e práticasem relação à loucura na sociedade atual. Especialmente, discute o embasamento teóriconecessário para realização de pesquisa etnográfica sobre estratégias sociais de inclusão eexclusão do louco, expondo a opção teórica das autoras pela perspectiva de análisefoucaultiana no desenvolvimento de estudos de casos concretos.

Unitermos

Loucura; práticas discursivas; inclusão e exclusão social; saúde mental; pesquisa etnográfica.

Introdução

m dos principais desafios da Reforma Psiquiátrica, em curso, tem sidovencer dificuldades que surgem na interação dos serviços substitutivosdo hospital psiquiátrico com a comunidade onde esses serviços se in-

serem. Parece haver certa defasagem entre o que se supõe saber sobre o quepensam as pessoas a propósito da loucura e das atuais mudanças na psiquia-tria, e o que as pessoas efetivamente pensam, representam e praticam. Háainda poucas pesquisas no Brasil que abordam relações sociais e significaçõesem torno do sofrimento mental na população em geral, ou entre pessoas nãopertencentes ao meio profissional especializado. Em levantamento recentesobre a evolução da publicação no campo da Reforma (Passos, 2000a), naamostra pesquisada foi encontrado um baixo percentual de trabalhos relaciona-dos a pesquisas sócio-antropológicas: 4,6%, contra 34,6% de publicações rela-cionadas a organização de serviços, 23,1% de análises teóricas da Reforma,

U

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14,1% de estudos clínicos, 11,3% de estudos epidemiológicos em saúde mentale 12,3% de outras publicações. De um lado há pouco conhecimento aprofundadodos serviços sobre a comunidade (seus valores, concepções e comportamentoscotidianos), e de outro há ainda pouca informação da comunidade sobre osprincípios da Reforma, mesmo por parte de profissionais com os quais os ser-viços precisariam dialogar permanentemente (como é o caso dos juízes, porexemplo). Contrapõe-se a esse quadro a grande divulgação na mídia do tra-dicional tratamento médico-biológico via internação psiquiátrica, que aindaconfigura, em grande parte, a demanda que chega aos serviços.

O conhecimento de formas e estratégias sociais de convivência com olouco, e de significação da loucura, presentes em uma dada sociedade, podelançar luzes sobre a capacidade de mudança e sobre a existência ou não derecursos “naturais” da própria comunidade para fazer avançar os processos demudança. Uma abordagem sócio-antropológica, que vise penetrar as significa-ções e as práticas pertinentes de uma dada comunidade, grupo ou instituiçãoem estudo, permite a identificação e valorização desses recursos naturais, evi-tando-se a prescrição normativa de comportamentos que, no mais das vezes,tendem ao fracasso.

Neste artigo, a partir da leitura de Foucault da história da loucura ([1961]1993), e de sua proposta arqueológica de análise do discurso (1987), é apre-sentada uma abordagem teórica que entende o termo loucura como desprovi-do de uma essência semântica universal. Para demonstrar a diversidade depráticas discursivas nesse domínio de experiência humana, são revistas algu-mas concepções sobre a loucura ao longo da história ocidental. Finalmente,com base nessa revisão, mostra-se a aplicabilidade da perspectiva foucaultianapara pesquisas sociais, a partir de um exemplo extraído de pesquisa etnográficae comparativa, em desenvolvimento pelas autoras e na qual, mediante análisede práticas discursivas concretas e contextualizadas, faz-se opção por umavisão mais pragmática da loucura.

A perspectiva foucaultiana

Certa periodização histórica, não exatamente adotada mas de certomodo dedutível da obra História da loucura na Idade Clássica, de MichelFoucault ([1961]1993), refere-se à produção de estratégias modernas deinclusão e de exclusão do louco pela sociedade no mundo ocidental. Se-gundo a leitura que fazemos de Foucault, seria possível identificar práticas

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discursivas que poderíamos qualificar como pré-modernas, e práticas mo-dernas e contemporâneas de relação social com a loucura. Nessa obra, oautor vê o crescente predomínio da prática psiquiátrica de internação dosloucos não apenas como resposta socialmente adequada às condições sócio-históricas de emergência das sociedades moderna e contemporânea, mastambém como relacionada a certa mudança fundamental na percepção socialda loucura. Tal mudança diz respeito à redução da loucura à categoria médica dedoença mental, operada pelo discurso psiquiátrico a partir do final do séculoXVIII, principalmente com Philippe Pinel.

Dito de modo muito sucinto, segundo Foucault, a internação de loucoscomo prática social é tipicamente moderna, isto é, nascida de uma duplanecessidade das sociedades industriais capitalistas emergentes. Por um lado,da necessidade de saneamento e ordenação do espaço urbano, pela distri-buição e controle da circulação dos indivíduos; por outro, da necessidade dedisciplinar seus corpos e mentes, por meio da criação e proliferação de insti-tuições apropriadas. É nessa categoria que se enquadraria, para Foucault, ainstituição psiquiátrica em seu modelo asilar originário, que se consolidouao longo do século XIX, perdurando de forma quase inalterada em seusfundamentos até meados do XX. Só a partir da segunda metade do séculopassado esse modelo asilar entraria em sua mais significativa crise de legi-timidade social, dando lugar a modalidades diversas de questionamento ede transformação institucional. São exemplos de transformações, em umavertente desconstrutivista do saber-poder psiquiátrico: a antipsiquiatria in-glesa, a psicoterapia institucional francesa, a desinstitucionalização italianae, em uma perspectiva reformadora, as diversas propostas reformistas pla-nificadas, implantadas por governos de países do chamado primeiro mundo,tais como a psiquiatria social anglo-saxônica e a psiquiatria de setor france-sa. Sobre a psiquiatria reformada do século XX multiplicam-se as análises.Sugerimos a leitura do resumo do curso de Foucault, ainda não publicado naíntegra, O poder psiquiátrico (1994), e os trabalhos de Desviat (1999),Amarante (1996 e 2000) e Passos (2000b).

A hipótese foucaultiana de uma mudança na percepção social da loucuraé fundamental em sua análise sobre as origens da instituição psiquiátrica, poisesta mudança não só acompanha, mas, mais que isso, possibilita e sustenta aconsolidação da prática de internamento e o discurso psiquiátrico no Ocidente.Elucidá-la será, propriamente, o objetivo da arqueologia feita por Foucaultsobre a problemática da loucura na referida obra.

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Neste texto, retomaremos a leitura foucaultiana sobre a transforma-ção da loucura em alienação, e posteriormente em doença mental, em umlongo processo que vai da Renascença à Modernidade. Esta transformaçãoé tributária de uma mudança no modo de significação dessa experiênciahumana, e ao mesmo tempo, produto e produtora de um novo lugar socialque passa a ser designado ao louco. Ao final do artigo anexamos um qua-dro esquemático, elaborado a partir de nossa leitura da História da loucura,de Foucault.

Antes, no entanto, é preciso esclarecer que tomaremos como referênciapara nossa discussão não apenas aquele que foi o primeiro grande livro doautor, como também consideraremos a elaboração teórica posterior de Foucaultsobre formações e práticas discursivas (1987). Nessa outra obra, ele fornecepistas novas para se pensar a enorme complexidade dos objetos sociais –extremamente úteis para a problematização da questão da loucura. ParaFoucault, é importante considerar, na problematização de um objeto, para alémdas condições epistêmicas de possibilidade de seu aparecimento e das rela-ções discursivas internas ao próprio discurso no qual o objeto se situa, “asrelações estabelecidas entre instituições, processos econômicos e sociais,formas de comportamentos, sistemas de normas, técnicas, tipos de classifica-ção, modos de caracterização que o tornam possível” (1987, p. 51). Estas rela-ções não seriam condições imanentes ao objeto, nem definiriam uma supostaessencialidade do mesmo, mas seriam as condições “que lhe permitem apare-cer na história, justapor-se a outros objetos, situar-se em relação a eles, definirsua diferença, sua irredutibilidade e, eventualmente, sua heterogeneidade;enfim, ser colocado em um campo de exterioridade” (p. 51). Isto significa dizerque, para se compreender a doença mental como um novo objeto, precisa-mos ir além de uma discussão puramente teórica, epistemológica ou históricada noção no interior do corpo de saber que lhe deu origem – a psiquiatria.O que está em jogo é a própria emergência de determinado tipo de formaçãodiscursiva como totalidade, isto é, os enunciados e dispositivos de poder quedão sustentação ao objeto.

Como diz Foucault, a propósito de sua análise do campo discursivo:

(...) trata-se de compreender o enunciado na estreiteza e singularidade de sua

situação; de determinar as condições de sua existência, de fixar seus limites da

forma mais justa, de estabelecer suas correlações com os outros enunciados a que

pode estar ligado, de mostrar que outras formas de enunciação exclui. Não se

busca, sob o que está manifesto, a conversa semi-silenciosa de um outro discurso:

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deve-se mostrar por que não poderia ser outro, como exclui qualquer outro, como

ocupa, no meio dos outros e relacionado a eles, um lugar que nenhum outro pode-

ria ocupar. (...) A questão pertinente [seria]: que singular existência é esta que vem

à tona no que se diz e em nenhuma outra parte? (1987, p. 31-3).

Na concepção de Foucault, “não se trata de interpretar o discursopara fazer através dele uma história do referente” (p. 54), ou uma redefiniçãode sua essência. Neste sentido, não estaremos partindo de, nem perse-guindo, uma suposta essência da loucura como fenômeno. Muito menosconsiderando que o conteúdo adquirido com o aparecimento das forma-ções discursivas médico-psiquiátricas e psicológicas corresponda a uma talsuposta essencialidade.

A diversidade de práticas discursivas sobre a loucura

Uma breve retomada da interpretação grega antiga da loucura poderáajudar-nos a situar, por contraste, o problema da variedade das práticasdiscursivas nesse campo de problemática humana, e a esclarecer melhor oprocesso histórico que, paulatinamente, irá tornar dominante, e em algunscasos hegemônica, a interpretação médica nas sociedades contemporâneas.Para a análise da variação histórica do significado da loucura utilizamos a nos-sa periodização das práticas discursivas em pré-modernas ou pré-psiquiátri-cas, e modernas ou medicalizadas. Nesse recuo histórico vamos recorrer aoutro autor, também leitor de Foucault.

Peter Pal Pelbart, no livro Da clausura do fora ao fora da clausura (1989),revê diferentes percepções sócio-históricas sobre a loucura, desde a antigüi-dade grega até as concepções modernas, começando por Sócrates e Platão.Para Platão, haveria dois tipos de loucura (também chamada “mania” grega):a loucura humana, ligada às perturbações do espírito pelo desequilíbrio docorpo; e a loucura divina, que nos tira dos hábitos cotidianos, e que seriasubdividida em profética, ritual, poética e erótica. Principalmente no que serefere às modalidades de loucura divina, a loucura grega se aproxima darazão, dialoga com ela, gerando uma relação muito estreita entre sabedoriae delírio. Pelbart não vê nessa concepção platônica o oposto da visão médicamoderna (para a qual, na interpretação foucaultiana, subscrita por Pelbart,loucura se oporia à razão, como veremos adiante); tampouco procura iden-tidades entre elas. Se em Platão está presente um sentido para a loucurahumana, que o aproxima da interpretação médica moderna como afetação

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ou desequilíbrio do corpo, tal sentido está longe de esgotar a relação desua época com a loucura. Além do mais, a idéia de um desequilíbrio docorpo que afeta o espírito nada tem a ver com a idéia moderna de interio-ridade psicológica, e menos ainda com a idéia de seu distúrbio. Esta cons-trução de uma interioridade subjetiva, passível de sofrer perturbação, éessencialmente moderna.

Algumas conclusões importantes são tiradas por Pelbart da visão antiga.A primeira é que na Antigüidade a palavra delirante não era relegada ao “não-ser”, isto é, não era desqualificada em relação à razão, ao logos; a segunda éque loucura e pensamento nem sempre foram excludentes ou incompatíveis;a terceira é que havia uma “dimensão de saber” na “mania” grega, que re-presentava uma outra forma, aliás privilegiada, de acesso à verdade divina.O logos grego não tinha contrário, o desatino divino só podia ser pensadocomo um além da razão, o outro absoluto da razão, com o qual a razão dialoga-va, completava-se. A conclusão final, à qual o autor nos encaminha ao longode todo o livro, é a de que nem sempre o que chamamos de loucura significou,apenas ou prioritariamente, doença.

O interesse dessa leitura de Pelbart, em conformidade com Foucault, estáem sua intenção explícita de mostrar que cada cultura atribui ao desatino umafunção diferente, e também inventa um modo específico de ser ou estar louco.

Pelbart adverte que a visão de Platão não deve ser entendida como avisão singular de um filósofo. Ao contrário, muito provavelmente ela incorporaconcepções correntes de sua época, assim como ocorreria com a visão de Hegelmuitos séculos mais tarde. Pelbart continua sua análise pela Idade Média eRenascimento. Foucault, como sabemos, não estuda a Idade Média, fazendoapenas referências esparsas ao longo do livro para melhor esclarecer, por con-traste, certas particularidades da Renascença. Já sobre a Renascença, Foucaulttecerá um longo comentário, pois irá tomá-la como berço da ruptura modernado diálogo entre razão e loucura, e a paulatina identificação desta última comodesrazão. Esta identificação loucura-desrazão irá consolidar-se na Idade Clássica(séculos XVII e XVIII) ao adquirir novos conteúdos fundamentais a partir daprática do Grande Internamento, que caracterizará a época.

No primeiro capítulo de História da loucura, denominado “Stultíferanavis”, Foucault irá tomar a figura da nau dos insensatos não apenas comoprática real, comum no século XV, mas como metáfora de uma relação nova,ambígua e contraditória da Renascença para com a loucura e os loucos. Só

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relembrando, a nau foi uma figura retórica, presente na comédia de costumesda época, nas farsas e zotismos, para ironizar certos personagens ou caracte-rísticas das pessoas. Para Foucault, é uma

composição literária, emprestada sem dúvida do velho ciclo dos argonautas (...),

cuja equipagem e heróis imaginários, modelos éticos ou tipos sociais, embarcam

para uma grande viagem simbólica que lhes traz, senão a fortuna, pelo menos a

figura de seus destinos ou suas verdades (1993, p. 9).

A grande curiosidade apontada por Foucault é que parece que, dentretodas as naus inventadas, a única que se concretizou como prática foi a Nau dosLoucos. As cidades, querendo se ver livres de seus loucos, embarcavam-nos,fazendo-os percorrer principalmente os rios do norte e leste europeus, e a cadacidade que aportavam, eram reembarcados. Foucault lê nesse gesto, que impingeao louco uma condição de prisioneiro da passagem – isto é, de passageiroeterno, sem destino e de origem ignorada – uma metáfora do modo ambíguo eprenhe de significações como a loucura é percebida na Renascença. Diz ele:

(...) esta circulação dos loucos, o gesto que os escorraça, sua partida e seu desem-

barque não encontram todo seu sentido apenas ao nível da utilidade social ou da

segurança dos cidadãos. Outras significações mais próximas do rito sem dúvida

aí estão presentes; e ainda é possível decifrar alguns de seus vestígios. Assim é

que o acesso às igrejas é proibido aos loucos. (...) Acontecia de alguns loucos

serem chicoteados publicamente, e que, no decorrer de uma espécie de jogo,

eles fossem, a seguir, perseguidos numa corrida simulada e escorraçados da

cidade a bastonadas (p. 11).

Não significa que os loucos fossem corridos das cidades de modo siste-mático. Existiram, durante toda a Idade Média e a Renascença, casas dedetenção para os insanos, as quais não tinham qualquer objetivo de trata-mento, só aceitando os loucos da própria cidade. Eram principalmente osestrangeiros os escorraçados. Foucault ressalta essa prática porque parececorresponder ou metaforizar certas significações sobre a loucura dominan-tes na época. Assim, predomina uma visão da loucura muito próxima damorte, do inumano, do sobrenatural. No Renascimento, o mundo está povoa-do pelo Diabo, por seres imaginários tenebrosos. Nessa barca louca, o loucoparte para um destino incerto. Simbolicamente ele parte para o outro mun-do (“todo embarque é potencialmente o último”), e é do outro mundo quechega o louco que desembarca na cidade. Se na Idade Média a loucura eraapenas um dentre os vícios ou fraquezas do espírito humano, digna de pie-dade – banhada em uma interpretação místico-religiosa, mas não necessaria-mente vista como possessão diabólica, como se tornou comum representá-la,

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na Renascença a loucura abandona esse “lugar modesto”, diz Foucault, parahabitar e mesmo dominar o imaginário da época.

A loucura verdadeiramente “assombra a imaginação do homem oci-dental”. É fundamentalmente identificada com a desrazão que habita omundo. Seja esta desrazão interpretada como trágica e cósmica, isto é, comoaquela que põe a loucura nos mistérios e confins insondáveis do mundo e dohumano; seja a que vê a loucura como crítica – isto é, que põe a loucura nolugar da revelação da mediocridade da realidade das coisas – que “numalinguagem de parvo, que não se parece com a da razão”, denuncia a comédiada vida, o outro lado da verdade das coisas: o enamoramento dos namora-dos, a vaidade e mediocridade dos orgulhosos, dos insolentes, dos mentiro-sos. Em ambas as percepções da loucura como desrazão está presente suaoposição à razão, que se por um lado determina a exclusão do louco, poroutro põe a loucura em diálogo com a razão humana, como seu outro ladoobscuro, e nesse sentido como portadora de uma verdade. As duas “ver-sões” da desrazão renascentista encontrariam suas formas de expressão,respectivamente, em uma versão trágica e cósmica, nas obras de arte e lite-rárias da época (Bosch, Brueghel, Marchand) e em uma versão crítica, nasreflexões filosóficas (Brant, Erasmo, Montaigne).

Já na Idade Clássica (séculos XVII e XVIII), para Foucault ocorre umatorção na visão crítica da loucura, que a opõe à razão, operando uma identifi-cação do louco com outros tipos de desviantes sociais (vagabundos, delin-qüentes, prostitutas e marginais de toda ordem). Esta visão crítico-moral, aserviço do saneamento das cidades, passa a ser cada vez mais dominante,fazendo praticamente desaparecer a visão trágica renascentista, e inscrevendoa loucura no lado da desordem a ser contida ou reprimida.

Entrando na Modernidade pós-revolucionária, encontraremos o médicoPhilippe Pinel e com ele o nascimento do modelo asilar de tratamento do louco.Pinel publica em 1800 a primeira edição de seu Tratado médico-filosófico, obraconsiderada inaugural do alienismo (Roudinesco, 1994). No final do século XVIII,Pinel será o principal responsável, senão pela anexação definitiva da loucurapela Razão, e sua correspondente dominação por meio da consolidação da per-cepção da loucura como desrazão, erro e ilusão (operada pelo racionalismo), aomenos por sua transformação em doença do espírito ou da mente.

Sem nos determos na descrição de nuanças históricas do desenvolvi-mento desse modelo asilar, temos necessariamente de relembrar sua força

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social e política, que teve seus pilares plantados na dupla face disciplinar eassistencialista da psiquiatria francesa iniciada por Pinel e Esquirol no séculoXIX. Podemos caracterizá-lo, grosso modo, por seu caráter repressivo fun-damental. Retomando a análise de Passos (2000b, p. 45-46), baseada emFoucault (1993) e Castel (1978), podemos resumir em três grandes eixos ascaracterísticas da instituição psiquiátrica tradicional que sustenta o modeloasilar. Primeiro, a associação da noção de periculosidade social – que há maisde um século vinha fundamentando a prática de exclusão social e confi-namento do louco junto com todo tipo de desviante social, nos grandeshospitais gerais europeus do século XVII – ao conceito de doença mental.Decorre desta associação a perpetuação da ligação entre loucura e peri-culosidade social, bem como a superposição de punição e tratamento. Umsegundo eixo, decorrente do primeiro, é a instauração da relação de tutelacom o louco, com restrição de direitos e deveres. E o terceiro é a disputacom a Justiça pelo poder de seqüestro do louco como alguém mentalmenteirresponsável, portanto juridicamente inimputável. Nessa disputa, a insti-tuição psiquiátrica irá consolidar-se como aquela que regulará, em con-sonância com o poder administrativo público, mas com métodos médico-repressivos próprios, a população constituída por esse tipo de indivíduo,doente e perigoso.

Ainda segundo Foucault, esse modelo asilar teria encontrado suas con-dições históricas de possibilidade no “grande internamento” que teve lugarna Europa nos séculos XVII e XVIII. Internando-se os loucos (ainda não indivi-dualizados como tais) em hospitais gerais, junto com todo tipo de indesejáveissociais, o grande gesto do internamento foi produzindo uma mudança funda-mental nas percepções anteriores da loucura (míticas, religiosas etc.) comodesrazão, lançando as bases de um novo tipo de domínio – o silenciamento ea segregação do louco do convívio social. Esses hospitais gerais não tinhamqualquer finalidade terapêutica, nem significação médica, e o nome hospitalvinha da idéia de hospedaria.

Com o advento da psiquiatria, em fins do século XVIII, ocorre a críticado internamento generalizado, e institui-se o asilo como lugar de confinamentoe tratamento especialmente destinado aos loucos. O alienismo, como foidenominada essa primeira psiquiatria, consolida-se nesse espaço asilar refor-mado, produzindo uma nova percepção da loucura que se torna dominante, einscrevendo-a no domínio médico como doença e incapacidade para o trabalho,ou impossibilidade de integração social.

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O modelo alienista, a um tempo repressivo-tutelar e assistencial, vemgarantir o direito a uma proteção especial para essas pessoas. Em oposição, éa partir de então que as pessoas assim qualificadas passam a ser condenadas aum destino institucional quase obrigatório, e na maioria das vezes definitivo.

Esse aspecto repressivo e assistencial, correcional e disciplinar ficaevidenciado, por exemplo, no tratamento moral preconizado por Pinel, comsuas quatro técnicas para remodelar os reclusos recém-libertados dos grilhõesdo hospital geral. Agora enclausurados no asilo, no hospital psiquiátrico, osloucos terão: 1) o seu silêncio institucional (esvaziamento dos delírios pelosilenciamento e isolamento do louco); 2) o seu julgamento perpétuo (interio-rização da culpa e consciência da loucura); 3) a ridicularização de sua loucura(a convocação, pelo médico, do absurdo da loucura de um louco como espe-lho para evidenciar a loucura de outro, e assim invalidar ambas); 4) a auto-ridade máxima do médico quanto ao saber sobre a loucura (Foucault, 1993,p. 489-503).

A loucura começa a ser pensada como involução a um estágio precoceda civilização e do indivíduo, mas ao mesmo tempo estágio terminal, resultadodos males e excessos da civilização.

Pelbart vê um movimento similar em Hegel, filósofo contemporâneo eleitor de Pinel, para quem a loucura não é ausência de razão, nem é umaespécie de razão, mas é, isto sim, uma relação interior à razão (uma contradi-ção na razão). Enquanto o sujeito são é aquele que tem sua consciência emordem, em hierarquia, no louco essa totalidade é quebrada, e o sujeito ficapreso a uma particularidade do sentimento de si. A loucura em Hegel estáintimamente ligada à linguagem – “é na medida em que o homem fala e signi-fica que um sentido do dito pode vir a substituir e desalojar a efetividade doser” (Pelbart, 1989, p. 51). O homem é um ser dotado da capacidade de imagi-nação, que põe uma distância entre a consciência da realidade e a subjetividadeimaginária, sendo a loucura “prova da transcendência do homem em relaçãoao seu ser bruto, mas também prova da transcendência de sua consciência emrelação a essa imaginação” (p. 51). Ainda em Hegel, quanto mais intacta esti-ver a razão de um louco, maior será sua loucura, pois maior será seu conflito.Pelbart acrescenta que em Hegel loucura não é insensatez do discurso, maso alto conflito interior que gera essa insensatez. O sujeito são é aquele quesupera esse conflito, fazendo da loucura uma etapa necessária do eu no seuprocesso de autonomia. Conclui que a ligação entre Hegel e o alienismo dá-se apenas na medida em que a loucura, passando a ser vista como fissura,

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subjetividade dilacerada e sofrida, pôde abrir-se para o comércio terapêu-tico, passando, portanto, a ser curável. Em Hegel, ao contrário de Platão(em que a mania é exterior ao logos), não há um além da Razão, a loucurasendo interior à razão. Estamos ainda vivendo as conseqüências dessaracionalidade hegeliana.

Gauchet e Swain (1980), críticos de Foucault, afirmam que com oalienismo as formas antes vistas como diferentes por essência (o louco, ofeminino, o anão...) foram perdendo sua estranheza e sendo trazidas à identi-dade universal do humano – o que representaria, para os autores, uma formade inclusão social. Pelbart defende (seguindo Foucault) que isso significou, naverdade, o fim de um “fora” simbólico e sua transformação em um “fora”concreto (o enclausuramento asilar). Concordando com Gauchet e Swain deque há um ganho no direito de ser cuidado ou tratado, mas reafirmando apertinência da leitura de Foucault, o direito ao cuidado corresponderá, daí emdiante e por mais de dois séculos, à perda, muitas vezes total, da liberdade defato, e a subjugação do louco ao saber/poder psiquiátrico. À inclusão de direito,que Gauchet e Swain marcam como conquista do processo democrático revo-lucionário (referência à Revolução Francesa), corresponde uma exclusãode fato da loucura e do louco.

O que importa ressaltar em uma comparação entre percepção/visãoantiga e percepção/concepções modernas, considerado todo o percurso de trans-formação da percepção da loucura desde a Renascença, é o processo deinteriorização da loucura como experiência subjetiva de um sujeito. Experiên-cia esta fundada no distúrbio como resultado de processos subjetivos queescapam ao próprio sujeito. Estão dadas as condições para que se instale, demodo cada vez mais hegemônico, a percepção científica sobre a loucura, sejaela dada em sua primeira versão, pelo saber médico-moral ou alienista, sejanas outras versões que se irão suceder: a médico-organicista, a fenomenológica,a psicanalítica. Não entraremos aqui no mérito das especificidades e grandesdiferenças que separam cada uma dessas propostas; interessa-nos a especiali-zação do saber sobre a loucura suposta nas idéias de doença, psicose, desvioou distúrbio. A partir da desrazão feita loucura, durante o que Foucault chamade Idade Clássica, correspondente aos dois primeiros séculos da modernidade(séculos XVII e XVIII), que teriam respectivamente em Descartes e Kant seusmáximos representantes, e com o alienismo do século XIX, há uma torçãosubjetiva que conclui o ciclo de dominação da loucura ao transformá-la emdoença mental (Pelbart, 1989, p. 55).

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Entre a Antigüidade e a Modernidade teria ocorrido um longo deslizamentoda loucura em direção a um novo lugar social (o asilo) e simbólico (a doença).E acompanhando tal deslizamento, uma nova relação se estabelece com olouco: “Se é verdade que a Antigüidade grega manteve com o louco uma pro-ximidade de fato e uma distância absoluta de direito, (...) à época moderna aidentidade com ele é de direito e a distância é de fato” (Pelbart, 1989, p. 43).Ou seja, na Modernidade a loucura naturalizada e interiorizada como experiên-cia humana passa a designar ao louco um novo e paradoxal lugar ou estatutosocial: o direito ao cuidado, a um tratamento especial e especializado, que odiscrimina de outras formas de desviantes sociais (o criminoso, o vagabundo,o delinqüente etc.), mas que engendra, no mesmo gesto, a alienação de suasubjetividade e cidadania no saber/poder médico, na maioria das vezes comperda do direito ao convívio social.

Aplicabilidade do pensamento foucaultiano a pesquisas sociais

Nas investigações que temos realizado sobre as estratégias de inclusãoe exclusão do louco adotadas pela sociedade, interessa-nos identificar a exis-tência ou não de modos singulares de significação ou de percepção social daloucura e dos loucos, o entrelaçamento dessas significações com práticas con-cretas e o grau de continuidade ou descontinuidade (Machado, 1981) dessaspercepções e práticas com aquelas que supomos mais consolidadas, ou insti-tuídas de forma mais hegemônica em nossa sociedade: as pertinentes aosdiscursos médico e psicológico.

Em investigação sobre práticas discursivas, pensando com HowardBecker, não se trata de afirmar qualquer superioridade de um tipo de repre-sentação sobre outro, ou da necessidade de superação de um por outro. Aocontrário, “parece ser mais útil (…) pensar sobre todas as maneiras de repre-sentar a realidade social como perfeitas – para alguma coisa. A questão é saberpara que cada uma daquelas maneiras é boa” (1994, p. 140). Interessa-nos emnosso estudo comparativo descobrir e analisar o sentido que cada práticadiscursiva sobre a loucura tem para as próprias comunidades discursivas emquestão (Maingueneau, 1989), tomando como referência para a análise o con-texto sócio-cultural e histórico próprio a cada uma delas.

Na pesquisa etnográfica em curso estamos analisando e comparandomodos particulares de convivência social com a loucura e os loucos nas cida-des mineiras de Prados e Barbacena, distantes entre si poucos quilômetros.

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São estudados discursos e práticas que indicariam modos diversos de signifi-car e lidar com a questão da loucura e dos loucos nas duas cidades. O interessepor Prados surgiu de informações esparsas, a partir de falas de moradores, emesmo de profissionais da área da saúde mental, de que os loucos da cidadedificilmente são enviados para hospitais psiquiátricos, encontrando na própriadinâmica da vida comunitária alguma forma de amparo ou assistência – sejapela ajuda espontânea das famílias, seja por meio de algum tipo de ação daIgreja e de instituições ou associações locais. Prados já foi mencionada porimportantes expositores em eventos científicos da área. Quanto a Barbacena,é conhecida nacionalmente como cidade manicomial pela histórica concentra-ção de instituições psiquiátricas, públicas e privadas. Enquanto Prados seriaum caso representativo de um tipo de comunidade onde predominam estraté-gias pré-modernas para se lidar com a loucura, em Barbacena, dada sua longahistória manicomial, supomos que a percepção social dominante esteja muitomais mediada pela redução da loucura à categoria médica de doença mental,produzida pelas práticas médicas que lhe são correspondentes.

Nossa intenção teórica é olhar para cada comunidade como uma realida-de complexa e singular, guardando aspectos comuns por pertencerem a con-textos sócio-históricos muito próximos, mas portadoras de singularidades, nasquais enunciados como a de “cidade que não interna seus loucos”, correntesno caso de Prados, seguramente encontram suas condições de possibilidadenão só em dimensões sociais e econômicas concretas específicas, mas igual-mente em dimensões da cultura histórica local e regional. Em Prados, ondeestamos concluindo o primeiro estudo de caso da pesquisa, temos constata-do formas de significação da loucura e de relações sociais com os loucosculturalmente muito arraigadas, e que não se identificam de forma predo-minante com o modelo médico e/ou psicológico, cada vez mais dominanteem nossa sociedade. Os resultados desse estudo estão sendo organizadosem outro artigo, mas muito sinteticamente e sem entrar nas nuanças e con-tradições identificadas entre os discursos de moradores, de profissionais dasaúde e da justiça, podemos afirmar que de modo geral Prados inclui os“loucos” em sua vida social, integrando-os e fazendo-os contribuir de algummodo para os ritos e rotinas da vida comunitária. No entanto, há uma distin-ção entre os “loucos” que vivem nas ruas e os “loucos” das famílias tradicio-nais da cidade, tanto no que se refere à forma como se fala sobre sua condição,quanto às formas de ajuda oferecidas e buscadas. Embora haja estratégias queoferecem uma nova localização e identidade social para a pessoa que precisade ajuda, prevalece um tipo de ordem societária tradicional e hierárquica

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(Velho, 1987 e 1994), que supomos responsável pela diferença de tratamentoentre os casos de família e os “loucos de rua”, com grande silenciamento sobreos primeiros. Tradicionalmente, na cidade as pessoas só eram enviadas parainternação na presença de algum ato de agressão considerado grave. Tambémeram raros os casos de inimputabilidade com alegação de doença mental. Atual-mente, em função da presença de instituições de saúde e da “modernização”da Justiça local, tem aumentado o número de encaminhamentos parainternação em outras cidades, dado que a cidade não dispõe de nenhum tipode serviço de saúde mental.

Ao longo do estudo de caso encontramos pesquisas similares à nossa,mas com diferentes recortes teórico-metodológicos, e sobre tipo diferente depopulação. Rabelo et al. (1999) apresentam e analisam dados de pesquisasetnológicas realizadas pelos autores em bairros pobres de Salvador/BA, sobrecomo as pessoas dessa população (caracterizada como classe operária de peri-feria urbana) lidam e significam experiências vividas em torno do adoecimentomental – adotado como o objeto de investigação das pesquisas. Os autoresbuscam compreender, a partir de narrativas, as experiências vividas no pro-cesso de identificação, explicação e trato da doença. Partem do pressuposto deque concepções e práticas relativas à doença mental criam-se e se recriamcontinuamente, com base nas interações que os indivíduos doentes estabele-cem com pessoas pertencentes às suas redes de relações sociais. Rede social,segundo Mitchell (apud Rabelo et al., 1999), é um conjunto de ligações entrepessoas, sendo que as características dessas ligações podem ser usadas parainterpretar seus comportamentos sociais. A premissa que norteia as investi-gações desses autores é a de que os significados associados à experiência dadoença mental são construções culturais herdadas e utilizadas em situaçõesde aflição (Corin et al. apud Rabelo et al., 1999). Os pesquisadores da Bahiaconcluem que indivíduos imersos em uma rede social de relações altamenteinterconectada adiarão o momento de busca de ajuda médica. As concepçõesleigas, populares, acerca da enfermidade são fornecidas nesses grupos, eos considerados doentes resistem por mais tempo a procurar o médico.Os estudos sobre redes sociais concluem que quanto mais forte for um laçosocial, como a relação entre cônjuges, parentes próximos e amigos íntimos,maior será a probabilidade de que este funcione como apoio, bem como atendência a aumentar o auxílio que se pode obter por seu intermédio. Nessecaso, enquanto os laços fortes têm um papel mais decisivo que os laços fracos(relações relativamente superficiais e não íntimas), quando se trata de ofere-cer apoio, os laços mais fracos fornecem outros tipos de ajuda secundária e

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não decisiva. No caso de Prados, de forma semelhante ao de Salvador, temosconstatado, ao contrário, que os laços fracos são determinantes do adiamentoou da ausência de internação psiquiátrica do louco, bem como da busca deoutras alternativas de ajuda. Há mesmo uma prevalência dos laços comunitá-rios sobre os laços ditos fortes (íntimos) no caso dos loucos de rua, muitosdeles oriundos de famílias da zona rural. São os “loucos das famílias tradicio-nais” que acabam fazendo a chamada trajetória psiquiátrica. Uma das hipó-teses que levantamos é a de que os laços fracos, em Prados, são tributáriosda grande religiosidade popular presente na comunidade, que desencadeia aação solidária e caritativa de ajuda aos loucos de rua, evitando, segundoafirmam os moradores, enviá-los ao manicômio.

Também Ferraz (1998) estuda o papel do chamado “louco de rua” noimaginário popular, por meio da apreensão do lugar por ele ocupado no con-junto de narrativas que constituem a história e a tradição oral da cidade deCambuí/MG. A loucura é vista, nesse trabalho, como determinada historica-mente entre as modalidades trágica e crítica (Foucault) – esta identificadacom a psiquiatria. Ferraz diferencia a “loucura de domínio público”, repre-sentada pelos “doidos oficiais” da cidade, da “loucura de domínio privado”(p. 74-97), e conclui que a primeira é uma espécie de remanescente da lou-cura trágica do Renascimento, que embora tenha escapado à institucionalizaçãomédica, vive sua loucura em uma ilha cercada pela concepção crítica, oriundado discurso e das práticas médicas.

Os trabalhos acima – tanto pela abordagem dos pesquisadores, quanto porseus achados – têm sido importantes fontes de confronto para nossa pesquisa.

Finalmente, a preocupação com a contextualização das realidades estu-dadas tem indicado a necessidade de recorrermos a autores da sociologia e daantropologia cultural brasileira, como Gilberto Freire (1963), Gilberto Velho(1987 e 1994) e Roberto Da Matta (1987), que nos têm ajudado a pensar olugar da tradição e da modernização das relações sociais na formação dacultura brasileira, via processos de individualização.

Conclusão: por uma interpretação pragmática da loucura

Ao introduzirmos um panorama histórico sobre os modos de relaçãocom a loucura no ocidente, o propósito não é tomá-los como moldes nos quaispoderíamos encaixar as realidades estudadas, o que não faria qualquer sentido.

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Ao tomarmos como pano de fundo teórico a leitura filosófica desenvolvidaanteriormente, estamos tentando justificar nossa opção tanto por evitar assu-mir uma interpretação médica ou psicológica como modelo paradigmático deinterpretação para a questão que nos ocupa, quanto por uma visãoetnopsiquiátrica, cujo relativismo culturalista acaba mantendo a crença emum substrato universal do psicopatológico. Por exemplo, para GeorgesDevereux, segundo Pelbart, “trata-se de ver apenas como cada cultura orga-niza o material étnico para manifestar essa psicopatologia” (1989, p. 199).

Ao utilizarmos o termo loucura, mesmo optando por não lhe atribuirpreviamente um conteúdo conceitual determinado, colocamo-nos diante deuma enorme dificuldade: sua definição. É um termo que se mostra extrema-mente polissêmico, não só em sentido diacrônico – quando olhamos para osdiversos sentidos históricos discutidos anteriormente e nos deparamos comuma enorme diversidade de conteúdos e formas de experiências e percep-ções –, mas também em sentido sincrônico, quando percebemos em nossalinguagem corrente usos e sentidos os mais variados. Assim, loucura podeser empregada para qualificar algo surpreendente, excepcional ou maravi-lhoso; para designar um ato, fala ou demonstração de alegria extravagantes –algo que ultrapasse o convencional ou as regras sociais; um tipo de experiên-cia subjetiva de perda do autocontrole, da razão ou da consciência de si; umdistúrbio ou alteração mental; uma atitude imprudente, insensata; uma paixãodesmedida etc. (Houaiss, 2001).

Do ponto de vista teórico, a questão é importante e desdobrar-se-ia emdois aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, podemos indagar: é legítimoprocurarmos uma identidade semântica para termos tão diversos quanto o de-satino e a mania, tematizados pelos gregos antigos; a desrazão/trágica e cósmi-ca em embate com a desrazão/irônica e crítica dos homens da Renascença; adoença mental dos psiquiatras contemporâneos? A revisão histórica que fize-mos a partir de Foucault e Pelbart está indicando que não. Mas permanece umsegundo aspecto: aquilo que nos instiga a comparar essas diferentes percepçõesda loucura é a pressuposição de algo em comum entre elas, já que aquilo que ésuposto ser totalmente outra coisa não gera o problema de sua diferença ouidentidade. A identidade decorre precisamente de uma regra de oposição àquiloque não se é, mas ao qual se assemelha ou do qual se aproxima.

Então, resta a questão de como definir uma identidade para a loucuracomo uma experiência humana persistente no tempo. Mas como? Se osparadigmas das épocas lhe impingem conteúdos tão diversos? O próprio Foucault

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escapou do enfrentamento claro de tal questão. Esse problema, no entanto, étanto mais pertinente à nossa investigação, quando se procura não estar assu-mindo, como categorias de análise das práticas e discursos concretos, as defini-ções dominantes, traduzidas pelos discursos especializados (médico, psicológicoetc). Portanto, temos de enfrentar a questão: se a loucura é um construto, o quenos autoriza a falar da loucura, se os paradigmas e os sentidos mudam?

Para entendermos melhor a identidade que persiste em sentidos tãodiversos, podemos fazer uma analogia com a morte, que é reconhecidamenteum evento universal, demarcado pelo fim da vida biológica ou da integridadebiológica de um ser vivo. A morte adquire significações, evoca experiências,sentimentos, representações as mais diversas – seja entre culturas ou épocashistóricas diferentes, seja em termos de variações individuais dentro de ummesmo grupo social. A “identidade” da morte é ser um evento específico eúnico em uma vida, uma experiência à qual todos estarão submetidos, mas daqual ninguém detém o conteúdo, só podendo representar, mas não saber o queela é. O sentido que a morte possui é sócio-culturalmente criado ou recriado acada momento histórico.

Podemos tentar uma aproximação da identidade da loucura pensando-atambém como experiência limite, insondável, mas com uma particularidade: ade ser um evento que, embora guardando contigüidade com outras experiên-cias humanas, como a arte, que pode falar e ser falada, não se encaixa em,nem se reduz a, qualquer outro. Embora seja uma experiência deste mundo, éportadora de uma diferença radical, de um non-sens em relação ao sentidosocialmente instituído, de um sentido que não se encaixa no universo de sig-nificação comum, corrente. O que aproxima a loucura da morte, e de resto dequalquer experiência humana fundamental, é a falta de um conteúdo absolutoou de um referente final. O que a distancia, e a torna ao mesmo tempo nossaestranha e familiar hóspede, é que ela enuncia algo, não é uma experiênciaabsolutamente muda como a morte.

Em uma tal perspectiva pragmática, que se contenta em não buscar umreferente final para a loucura, o que importa é a descrição contextualizadadesse evento como um acontecimento, no sentido propriamente humano des-se termo. Isto é, como um evento prenhe de sentido sócio-historicamenteconstruído, portanto não necessário ou não fixável em um conteúdo univer-sal. Quanto mais perseguirmos uma descrição genérica, no melhor dos ca-sos, mais vazia de sentido ela será; no pior, será apenas uma projeção indevidaou extemporânea de sentido para experiências outras. Ao modo spinoziano,

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talvez devamos perseguir não uma definição genérica, mas uma definiçãogenética (da origem), que neste caso é essencialmente histórica: buscar areconstrução do sentido que reveste a experiência da loucura, tomada comouma forma de percepção e vivência a cada momento histórico, particular.

É por isso que a reflexão de Joel Birman (2000), para quem a loucuraabrange todas as experiências que representam uma ruptura com o universoda Razão, ainda que tal ruptura seja indireta ou parcial, para nós ainda ficapresa a um determinado modo de significação, que de fato é o mais próximoda nossa experiência contemporânea, em que a razão continua sendo a maiorreferência. No entanto, é importante registrar que ele está tentando recupe-rar, nessa oposição com a razão, uma dimensão fundamental da loucura, emgeral desprezada por nossa cultura, que é a capacidade de enunciação de umoutro tipo de verdade, oposta à razão, mas não inferior a ela. Birman querrecuperar para a loucura o significado trágico que ela adquiriu na Renascença,principalmente por meio das artes e da literatura, como detentora de certosaber, certa verdade sobre o humano.

Podemos, então, ensaiar uma descrição um pouco mais ampliada, masainda pobre, e dizer que a loucura é um acontecimento que põe uma diferençaradical de sentido, ou uma ruptura com o sentido comum de experiência com-partilhada pelo grupo social. Seria um tipo de experiência de ruptura ou detransgressão do sentido comum e compartilhado ou, para falarmos ao modowittgensteiniano, uma certa transgressão dos jogos de linguagem ordinários.Sobre esta interpretação lingüística da loucura, na forma do delírio, como umatransgressão no uso das regras dos jogos de linguagem, é interessante umaconsulta ao texto de Serpa Jr. (1994).

Fazemos em nossa pesquisa uma opção pela abordagem etnográfica, sempartir de uma posição teórica apriorística de definição conceitual da loucura, esem tomar posição sobre qual seria a melhor maneira de tratá-la. Portanto,além dessas questões de ordem filosófico-epistemológicas e éticas, temos nosorientado por autores que estudam a realidade brasileira para a compreensãodos contextos estudados, apontando características culturais que marcamdiferentes práticas e discursos em torno da loucura.

Esperamos que este tipo de pesquisa contribua com informações quepossibilitem uma maior adequação das propostas transformadoras das práti-cas de saúde mental à realidade social onde se inserem, de modo a ampliar aparticipação e o envolvimento efetivo da comunidade.

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RENASCIMENTOFins da I.M. ao séc. XVI

Início da ruptura entre ra-

zão e desrazão, mas ainda

há lugar para esta última.

A desrazão fecunda, de

certa forma, a própria ra-

zão. Por sua vez, a Loucu-

ra não está totalmente

identificada com a perda

da razão, como desrazão,

nem como pura negati-

vidade. Ao contrário, a

Loucura, ao ser dessacra-

lizada (ruptura com a I.M.),

passa a habitar o mundo

humano, a inquietar os es-

píritos. Por isso, encontra

um lugar fulgurante na li-

teratura e nas artes. São

exemplos eloqüentes o

Quixote de Cervantes, o

Rei Lear de Shakespeare,

a pintura de Jerôme Bosch.

Há um diálogo, ainda que

como balbucio, como diz

Foucault, entre razão e

loucura. A “Nau dos in-

sensatos”, embarque dos

loucos, sem qualquer des-

tino, fazendo-os vagar

indefinidamente pelos

rios e mares europeus,

tem o sentido simbólico de

um início do isolamento

da Loucura, mas por meio

de uma errância, de um

desterro do louco, que

corresponderia ao próprio

enigma da Loucura, a

qual não se sabe de onde

vem, o que é, onde habi-

ta. Domina um olhar trá-

gico sobre a Loucura.

IDADE CLÁSSICAséculos XVII e XVIII

Era do Grande Enclausu-

ramento do louco junto

com todo tipo de inde-

sejados sociais: pobres,

malfeitores, indigentes,

licenciosos, vagabun-

dos. Em 1656 é criado o

Hospital Geral em Paris.

Os hospitais gerais, her-

deiros dos antigos lepro-

sários, nada têm de insti-

tuição médica, são ape-

nas casas de reclusão.

Nesses lugares a loucu-

ra mistura-se a todo tipo

de desvio social. Em ter-

mos de pensamento, o

Iluminismo bane a desra-

zão. A loucura, agora to-

talmente identificada com

a desrazão (e esta com o

oposto da razão), é perce-

bida como insanidade,

como perda da razão,

como animalidade e des-

vio inaceitável. A loucura

não é diferenciada ou des-

tacada de outros desvios,

apenas torna-se um den-

tre outros objetos da Ca-

ridade leiga ou religiosa.

Ocorre o que Foucault

chama de silenciamento

da loucura.

MODERNIDADEFins do século XVIII e século XIX

Era do Nascimento do Hospital Médico, do

Asilo e da Psiquiatria. A crítica ao grande

internamento no hospital geral leva à se-

paração dos loucos, sua diferenciação como

doentes mentais ou, no termo científico da

época, como alienados. Carregando as mar-

cas da instituição carcerária que era o hos-

pital geral, surge nesse espaço, agora sa-

neado, o asilo para alienados.Com Philippe

Pinel (1792) nasce a Psiquiatria como sa-

ber da Loucura, transformada em objeto

de ciência (doença), e como prática es-

pecializada. Os loucos são desacorrentados,

ganham direito a um novo estatuto de do-

entes e a um tratamento médico especial.

Na Idade de Ouro do Alienismo (expressão

de Robert Castel), o século XIX verá o mo-

delo manicomial reinar soberano, apenas

oscilando em uma gangorra instável entre

um humanismo terapêutico, iniciado pelo

Tratamento Moral de Pinel, que procurará

resgatar a humanidade do louco, e um

biologismo cético e eugenista, que verá na

doença uma degeneração irreparável. De

todo modo, seja pela via da docilização do

louco, seja pela da mera contenção, apri-

sionamento ou abandono, sua institucio-

nalização responderá às necessidades de

uma sociedade disciplinar moderna, em

que o poder é exercido pela ordenação e

disciplinarização dos corpos e mentes. Os

dispositivos institucionais da psiquiatria

acompanham, consolidam e resultam (tudo

isto ao mesmo tempo) da interiorização da

Loucura no homem como perturbação

mental doentia, dando origem à sua

medicalização, psicologização, confina-

mento e controle. Nesse silenciamento da

desrazão, reduzida à patologia, o que re-

siste fica relegado a coisa de poetas-lou-

cos e filósofos malditos (Nerval, Sade,

Hölderlin, Nietzsche).

Quadro esquemático, baseado na História da loucura de Foucault ([1961]1993)

Quadro elaborado por Izabel Friche Passos, a título puramente didático,sem intenção de reducionismo da complexa reflexão foucaultiana.

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Concepts and Practices Related to Madness: Scope and Actualityin Foucault’s History of Madness for Ethnographic Research

Abstract

This article discuss the relevance of concepts and practices that define madness in ourpresent society. It specifically centres on the theoretical basis necessary for the realisationof ethnographic research of social strategies for the inclusion and exclusion of the mentallyill. The Foucaultian analysis was chosen to evaluate the development of actual case studies.

Keywords

Madness; discursive practices; social inclusion and exclusion; mental health;ethnographic research.

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Izabel Christina Friche Passos

Professora de Psicologia Social; Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP; Laboratóriode Pesquisa e Intervenção Psicossocial/Departamento de Psicologia da UniversidadeFederal de São João Del Rei/MG

Praça Dom Helvécio, 74 – 36300-000 – Dom Bosco – São João Del Rei/MGtel/fax: (32) 3379-2457e-mail: [email protected]

Mônica Soares da Fonseca Beato

Psicóloga pela Universidade Federal de São João Del Rei/MG; Bolsista de IniciaçãoCientífica PIBIC/CNPq.e-mail: [email protected]

– recebido em 30/01/03 –– aprovado em 22/07/03 –