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  Filosofia e História da Biologia , São Paulo, v. 9, n. 2, p. 141-160, 2014. 141  Análise da s visões s obre a nat ureza da c iência em produções científicas que se reportam a livros didáticos Elda Cristina Carneiro da Silva    Joanez Aparecida Aires § Resumo:  A abordagem histórico-filosófica aplicada à educação em ciências  vem, ao longo d os anos, ganhando mais espaço, p or meio de estudos, anál i- ses e propostas sobre suas possíveis contribuições para enfrentar muitos dos problemas apresentados na educação em ciências. O presente artigo discorre acerca dessa abordagem ao investigar quais visões sobre a natureza da ciên- cia são veiculadas por artigos publicados no periódico Filosofia e História da Biologia , de 2006 a 2014, quando fazem referência a livros didáticos, conside- rando seu papel na construção de visões sobre a natureza da ciência pelos alunos. As categorias de análise definidas a priori foram construídas para investigar possíveis deformações que a educação em ciências pode estar transmitindo, de forma velada ou explícita, no que diz respeito à compreen- são da natureza do trabalho científico e, consequentemente, acerca das vi- sões sobre a ciência (Gil-Pérez et al., 2005). Durante a análise houve também a emergência de uma nova categoria ( a posteriori  ). Os re sultados i ndicam que todos os trabalhos analisados enquadram-se em categorias a priori  e a   posterio- ri  que se contrapõem às visões deformadas da ciência. Isto sugere que os artigos desenvolvidos por um coletivo de pesquisadores que se ocupam em  Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e em Mate- mática, Universidade Federal do Paraná. Av. Cel. Francisco Heráclito dos Santos, 210, Jardim das Américas, Curitiba, PR, CEP 81531-970. E-mail: el- [email protected] §  Departamento de Química e Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciên- cias e em Matemática, Universidade Federal do Paraná. Coordenadora Institucional do PIBID. Av. Cel. Francisco Heráclito dos Santos, 210, Jardim das Américas, Curi- tiba, PR, CEP: 81.531-980   Caixa Postal 19032. E-mail: [email protected]

Concepções Sobre NdC

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Artigo sobre Concepções em Natureza da Ciência

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  • Filosofia e Histria da Biologia, So Paulo, v. 9, n. 2, p. 141-160, 2014. 141

    Anlise das vises sobre a natureza da cincia em produes cientficas que se reportam a livros

    didticos

    Elda Cristina Carneiro da Silva

    Joanez Aparecida Aires

    Resumo: A abordagem histrico-filosfica aplicada educao em cincias vem, ao longo dos anos, ganhando mais espao, por meio de estudos, anli-ses e propostas sobre suas possveis contribuies para enfrentar muitos dos problemas apresentados na educao em cincias. O presente artigo discorre acerca dessa abordagem ao investigar quais vises sobre a natureza da cin-cia so veiculadas por artigos publicados no peridico Filosofia e Histria da Biologia, de 2006 a 2014, quando fazem referncia a livros didticos, conside-rando seu papel na construo de vises sobre a natureza da cincia pelos alunos. As categorias de anlise definidas a priori foram construdas para investigar possveis deformaes que a educao em cincias pode estar transmitindo, de forma velada ou explcita, no que diz respeito compreen-so da natureza do trabalho cientfico e, consequentemente, acerca das vi-ses sobre a cincia (Gil-Prez et al., 2005). Durante a anlise houve tambm a emergncia de uma nova categoria (a posteriori). Os resultados indicam que todos os trabalhos analisados enquadram-se em categorias a priori e a posterio-ri que se contrapem s vises deformadas da cincia. Isto sugere que os artigos desenvolvidos por um coletivo de pesquisadores que se ocupam em

    Mestranda do Programa de Ps-graduao em Educao em Cincias e em Mate-mtica, Universidade Federal do Paran. Av. Cel. Francisco Herclito dos Santos, 210, Jardim das Amricas, Curitiba, PR, CEP 81531-970. E-mail: [email protected] Departamento de Qumica e Programa de Ps-Graduao em Educao em Cin-

    cias e em Matemtica, Universidade Federal do Paran. Coordenadora Institucional do PIBID. Av. Cel. Francisco Herclito dos Santos, 210, Jardim das Amricas, Curi-tiba, PR, CEP: 81.531-980 Caixa Postal 19032. E-mail: [email protected]

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    investigar a Histria e Filosofia da Biologia tm o potencial de colaborar para o enfrentamento das vises deformadas do trabalho cientfico. Palavras-chave: educao em biologia, natureza da cincia; histria e filoso-fia da cincia; histria e filosofia da biologia; livros didticos

    Analysis of conceptions about the nature of science in scientific productions when referring to textbooks

    Abstract: The historical-philosophical approach applied to the science of education has gained notorious importance over the years through studies, analyzes, and proposals on their possible contributions to address many of the problems in the science of education. This paper investigates which conceptions about the nature of science are conveyed by articles in the jour-nal Philosophy and History of Biology from 2006 to 2014, referring to textbooks, considering its role in the students construction of conceptions about the nature of science. The category analyses defined a priori were constructed from the possible deformations that science education may be transmitting, covertly or explicitly, in respect to understanding the nature of scientific work and, consequently, about the visions of science (Gil-Prez et al., 2005). During the analysis, there was also the emergence of a new category (a poste-riori). The results indicate that all studies reviewed fall into a priori and a posteriori categories and oppose the deformed views of science. Thus this study suggests that the articles developed by a collective of researchers who are engaged in investigating the History and Philosophy of Biology have the potential to work together in order to confront the deformed distorted views of scientific work. Key-words: biology education; nature of science; history and philosophy of science; history and philosophy of biology; textbooks

    1 INTRODUO

    Nas ltimas dcadas, o uso didtico da histria e filosofia da cin-cia (HFC) tem sido recomendado por diversos pesquisadores que investigam as potencialidades dessa abordagem na educao em cin-cias (Martins, 1998, 2005; Peduzzi, 2001; Delizoicov, 2006; Forato, 2009; Martins, 2006; Tavares & Prestes, 2012). O presente artigo discorre acerca dessa abordagem na educao em biologia, com nfa-se nas concepes sobre a natureza da cincia transmitidas por traba-lhos desenvolvidos por um coletivo de pesquisadores que se ocupa em investigar a histria e filosofia da biologia.

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    Partindo do pressuposto que, de maneira geral, a insero da HFC na educao em cincias ocorre basicamente por meio dos livros didticos e que estes so considerados um dos principais instrumen-tos no processo de ensino-aprendizagem, o recorte desta investigao corresponde a uma anlise de produes cientficas que se reportam a livros didticos de biologia.

    Tendo por base esta compreenso, pretendemos examinar essas produes no que concerne s vises sobre a natureza da cincia nelas veiculadas, considerando os aspectos pedaggicos da aborda-gem histrico-filosfica descritos na literatura. Especificamente, o presente artigo tem por objetivo investigar quais vises sobre a natu-reza da cincia so veiculadas por artigos que constam no peridico Filosofia e Histria da Biologia (2006 a 2014), quando fazem referncia aos livros didticos, considerando que o livro didtico de cincias parece desempenhar, segundo Quesado (2012), um papel muito im-portante na construo de uma imagem de cincia, a qual se apresenta por diversas vezes sem compromisso com uma viso adequada da natureza desta.

    Pesquisas indicam que a utilizao da abordagem histrico-filosfica na educao em cincias pode possibilitar que os estudantes adquiriram conhecimento adequado sobre a natureza da cincia (Mar-tins, 2006; Forato, 2009).

    Nossa posio quanto ao significado da expresso natureza da cin-cia que devem ser trabalhados com os estudantes est alinhada com a de Lederman (2006), ao afirmar que refere-se tipicamente s caracte-rsticas do conhecimento cientfico que so derivadas de como o conhecimento desenvolvido (Lederman, 2006, p. 2).

    Contudo, Henrique, Zanetic e Gurgel (2012) destacam que peri-goso estabelecer uma suposta concepo adequada da cincia como se existisse uma nica viso correta, tal como se considera inadequada a viso dogmtica e fechada da cincia. Nesse sentido, Eflin, Glennan e Reisch (1999) afirmam que:

    O conceito de natureza da cincia parece pressupor: (a) que existe uma natureza da cincia para ser descoberta e ensinada aos estudan-tes; (b) que uma lista de tpicos pode descrever a natureza da cincia; e (c) que para uma disciplina ser considerada cientfica, cada um dos tpicos deve ser verdadeiro para essa disciplina. No jargo filosfico, essa uma viso essencialista da cincia, em que se acredita que h

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    uma essncia da natureza ou um conjunto de critrios que descreve todas e somente as atividades de investigaes que so consideradas cientficas. A maior parte dos filsofos da cincia e educadores que refletiram sobre essa questo considera que essa viso essencialista no pode ser sustentada [...]. (Eflin, Glennan, Reisch, 1999, p. 108)

    No entanto, Eflin, Glennan e Reisch (1999) fazem a ressalva que, pedagogicamente, o essencialismo sobre a natureza da cincia pode ser apropriado, sendo uma deciso que deve ser feita levando-se em conta o grau de desenvolvimento dos estudantes em questo.

    Seguindo uma perspectiva que nos parece semelhante, diversos pesquisadores da rea da educao concordam quanto a quais so os aspectos gerais da natureza da cincia mais relevantes no mbito do ensino (McComas, Almazroa & Clogh, 1998; Gil-Prez et al., 2001; Lederman, 2006).

    Alguns dos aspectos consensualmente considerados relevantes no mbito do ensino dizem respeito a no existncia de um mtodo cientfico universal, provisoriedade do conhecimento cientfico, influncia de fatores externos na atividade cientfica, necessidade de combate concepo emprico-indutivista da cincia. Isso significa que, apesar das controvrsias referidas anteriormente, no se pode ignorar as conformidades no que se refere aos pressupostos aceitos como adequados para descrever a natureza da cincia no mbito do ensino.

    McComas (2008) observa que, apesar de haver consenso na defi-nio do teor de natureza da cincia adequado para o ensino de con-tedos cientficos, esta temtica representa um desafio para professores, autores de livros didticos e elaboradores de currculos.

    Ao analisar as imagens de cincia nos manuais de qumica portugueses, Campos e Cachapuz (1997) fazem algumas constataes que tambm se aplicam aos livros didticos de outras disciplinas:

    frequente os manuais de cincias apresentarem uma cincia descontextualizada, separada da sociedade e da vida cotidiana; conceberem o mtodo cientfico como um conjunto de regras fixas para encontrar a verdade, comeando a abordagem dos temas invariavelmente pela observao dos fenmenos, e apresentarem uma imagem estereotipada do cientista como gnio isolado que descobre teorias, omitindo-se o papel da comunidade cientfica na construo e validao dessas teorias. (Campos & Cachapuz, 1997, p. 23)

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    Gil-Prez e colaboradores (2001) sistematizam esta problemtica ao realizar um estudo sobre o esteretipo da construo do conheci-mento cientfico, no qual identificam sete vises consideradas vises deformadas do trabalho cientfico. Em trabalho posterior (Gil-Prez et al., 2005), os autores reiteram as deformaes identificadas e acrescentam a dimenso tecnolgica, classificando-as como possveis vises deformadas da cincia e da tecnologia, as quais o ensino de cincias refora, seja por ao ou omisso1. So elas: viso descontextualizada; individualista e elitista; emprico indutivista e aterica; rgida; aproblemtica e ahist-rica, exclusivamente analtica; cumulativa e linear.

    Conscientes das dificuldades relatadas tanto no campo epistemolgico quanto no campo da educao em cincias, consideramos relevante o apoio de materiais produzidos por pesquisadores do campo da histria e filosofia da biologia, partindo-se do pressuposto da possibilidade de que colaborem para a divulgao de vises sobre a natureza da cincia mais alinhadas com os pontos de consenso descritos na literatura.

    2 METODOLOGIA

    O levantamento dos trabalhos para a presente anlise foi feito por meio da busca direta no site da Associao Brasileira de Filosofia e Histria da Biologia (ABFHiB), no qual existem os links de acesso aos volumes e fascculos da revista Filosofia e Histria da Biologia desde o volume inicial, no ano de 20062, at o presente.

    A seleo dos trabalhos analisados nesta pesquisa foi efetuada a partir de busca com a palavra-chave livro didtico por meio de um re-curso oferecido pelo sistema operacional Windows ativado pelas teclas ctrl + f. Alm disso, foram lidos os resumos de todos os artigos para garantir a seleo adequada dos trabalhos. Quando os trabalhos estavam escritos na lngua inglesa e espanhola, as palavras-chaves foram textbooks e libros de texto/manuales, respectivamente.

    1 De acordo com Gil-Prez et al. (2005), entendemos por ao toda forma de meno ou explicao que incide explicitamente em vises deformadas da atividade cientfica, enquanto a omisso relaciona-se ausncia de referncias a elementos que poderiam evitar incorrer nessas vises. 2 A partir do ano de 2010 as publicaes passaram a ser semestrais.

  • 146

    Os artigos selecionados foram codificados por (A) seguido de

    numerao especfica. Foi identificada a rea da biologia privilegiada

    por cada um deles e, finalmente, foi realizada a investigao referente

    s vises sobre a natureza da cincia veiculadas nos mesmos. Foram

    considerados nesta anlise tanto os trabalhos que realizaram pesquisa

    emprica diretamente com os livros didticos em relao a algum

    tema especfico da histria e filosofia da biologia, quanto aqueles que

    discutem um determinado tema da rea e se reportam apresentao

    desse contedo nos livros didticos. Foram analisados os trabalhos

    desenvolvidos na educao bsica e superior, por acreditarmos que

    essa problemtica merece ateno em ambos os nveis de ensino,

    sendo identificados por EB (educao bsica) e ES (educao superi-

    or).

    Para a anlise foram utilizados elementos da metodologia da anli-

    se de contedo proposta por Moraes (1999), com a elaborao de

    categorias e a descrio quali-quantitativa dos resultados. Seguindo as

    orientaes de Moraes (1999), para atender ao critrio de validade das

    categorias definidas a priori utilizadas neste trabalho, as mesmas foram

    construdas a partir das reflexes sobre as possveis deformaes que

    podem estar sendo transmitidas e difundidas por meio do ensino de

    cincias, de forma velada ou explcita, no que diz respeito compre-

    enso da natureza do trabalho cientfico e, consequentemente, sobre

    as vises de cincia (Gil-Prez et al., 2001; Gil-Prez et al., 2005) cita-

    das anteriormente. Estas vises, segundo os autores, podem ser anali-

    sadas sob diferentes enfoques, sendo que um deles corresponde a

    investigar, o que nos textos, livros, artigos, etc., se assinala em torno

    da natureza do trabalho cientfico (Gil-Prez et al., 2005, p. 54).

    As categorias a priori foram elaboradas inicialmente a partir da ca-

    racterizao das vises deformadas sobre a cincia. A partir dessas

    categorias a priori, elaboramos um segundo conjunto de categorias, as

    quais dizem respeito ao enfrentamento destas concepes.

    No quadro a seguir encontra-se uma sntese dos dois conjuntos de

    categorias utilizados na anlise.

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    VISES DEFORMADAS

    SOBRE A CINCIA

    CATEGORIAS REFERENTES A

    VISES DEFORMADAS

    SOBRE A CINCIA

    CATEGORIAS REFERENTES AO

    ENFRENTAMENTO DE VISES

    DEFORMADAS SOBRE A CINCIA

    Descontextualizada. (1) Cincia no influencia-da por fatores externos.

    (8) Cincia influenciada por fatores externos.

    Individualista e elitista. (2) Cincia como atividade individual.

    (9) Cincia como atividade coletiva.

    Emprico-indutivista e aterica.

    (3) Observao neutra e em busca da descoberta cientfica.

    (10) Observao influenci-ada pela teoria.

    Rgida. (4) Mtodo cientfico clssico.

    (11) Pluralismo metodol-gico.

    Aproblemtica e ahis-trica.

    (5) Conhecimento cientfi-co verdadeiro e definitivo.

    (12) Carter histrico e dinmico da cincia.

    Exclusivamente anal-tica.

    (6) Fragmentao e/ou simplificao do conheci-mento.

    (13) Unificao do conhe-cimento cientfico.

    Cumulativa e linear. (7) Linearidade da cincia. (14) Rupturas e controvr-sias cientficas.

    Quadro 1: Categorias a priori utilizadas na anlise dos artigos desenvolvidas a partir das vises deformadas sobre a cincia.

    Conforme previsto por Moraes (1999, p. 10), categorias podero ir emergindo ao longo do estudo, constituindo-se em categorias a posteriori.

    A categoria a posteriori em questo corresponde ao combate concepo teleolgica3 (15), a qual surgiu ao longo da anlise, devido a uma peculiaridade encontrada em um dos artigos analisados (A2). Esse artigo apresenta como um dos seus objetivos: compreender aspectos histricos do conceito de evoluo biolgica e sua relao com a viso de progresso (A2, p. 107). Os autores justificam que o termo progresso tem sido relacionado com o conceito de evoluo, e utilizam como uma das categorias de progresso o termo finalidade, ou

    3 Viso de mundo finalista que prevalecia antes de Darwin, baseada na ideia de obje-

    tivo, de propsito na natureza (Mayr, 2005).

  • 148

    seja, a ideia de que a evoluo biolgica culmina sempre em um obje-tivo. Esse fato nos remeteu s discusses sobre a teleologia no mbito da filosofia da biologia, nos levando criao desta categoria.

    3 RESULTADOS E DISCUSSO

    Os artigos que constam no peridico Filosofia e Histria da Biologia seguidos dos nveis de ensino relacionados e das suas respectivas reas4 esto identificados e codificados no quadro seguinte:

    Artigo Vol./Nmero/Ano Ttulo/ Nvel de ensino rea

    A1 v.1/2006 O conceito de interao na organizao dos seres vivos. (EB) e (ES)

    Ecologia

    A2 v.1/2006

    Recorrncia da idia de progresso na histria do conceito de evoluo biolgica e nas concepes de professores de biologia: interfaces entre produo cientfica e contexto scio-cultural. (EB)

    Evoluo

    A3 v.2/2007 O sistema de grupo san-guneo Rh. (EB)

    Gentica

    A4 v. 2/2007 Filosofa diacrnica de la ciencia: el caso de la gen-tica clssica (ES)

    Gentica

    A5 v.3/2008

    Aspectos histricos e filosficos do conceito de vida: contribuies para o ensino de biologia. (EB)

    Diversas

    A6 v.3/2008

    As interpretaes dos estudos de Avery, MacLe-od e Maccarty sobre a natureza qumica do fator transformante em bact-rias. (ES)

    Biologia Molecular

    A7 v. 4/2009 As estruturas celulares: o estudo histrico do ncleo

    Citologia

    4 A rea definida como diversas engloba uma variedade de reas da biologia ou de conceitos/termos e foi representada por um trabalho, cerca de 5,3%.

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    e sua contribuio para o ensino de biologia. (EB)

    A8 v. 4/2009 Pasteur e a gerao espon-tnea: uma histria equivo-cada. (EB)

    Microbiologia

    A9 v. 4/2009

    As origens da classificao de plantas de Carl von Linn no ensino de biolo-gia. (EB)

    Taxonomia

    A10 v.4/2009

    O modelo de DNA e a Biologia Molecular: inser-o histrica para o Ensino de Biologia. (EB)

    Biologia molecular

    A11 v. 4/2009

    Os estudos de Joseph Priestley sobre os diversos tipos de ares e os seres

    vivos. (EB)

    Fisiologia

    A12 v. 4/2009 Alfred Wallace e o princ-pio de seleo natural. (EB)

    Evoluo

    A13 v. 4/2009

    O arranjo curricular do ensino de evoluo e as relaes entre os trabalhos de Charles Darwin e Gre-gor Mendel. (EB)

    Evoluo

    A14 v.5/n.1/2010 A herana genotpica proposta por Wilhelm Ludwig Johannsen. (ES)

    Gentica

    A15 v.5/n.2/2010

    Histria e Filosofia da Biologia como ferramenta no Ensino de Evoluo na formao inicial de profes-sores de Biologia. (ES)

    Evoluo

    A16 v.6/n.1/2011 As concepes histricas de sucesso ecolgica e os livros didticos. (EB)

    Ecologia

    A17 v.6/n.2/2011

    Investigao sobre a inclu-so do episdio histrico da teoria genotpica de Wilhelm Ludwig Johann-sen na formao inicial de professores e pesquisado-res. (EB)

    Gentica

    A18 v.7/n.2/2012 Contribuies da episte-mologia e da histria da

    Ecologia

  • 150

    ecologia para a formao de professores e pesquisa-dores. (ES)

    A19 v.8/n.3/2013 Frederic Edward Clements e o conceito de sucesso ecolgica.

    Ecologia

    Quadro 2: Artigos publicados na revista Filosofia e Histria da Biologia de 2006 a 2014 que fazem referncia a livros didticos, nveis de ensino relacionados

    e suas respectivas reas.

    Do total de 183 artigos publicados em 14 edies do peridico Fi-losofia e Histria da Biologia5, 19 reportam-se a livros didticos, o que significa aproximadamente 10,4% das publicaes.

    As reas mais frequentes foram Evoluo, Ecologia e Gentica, com 4 trabalhos publicados de cada, o que corresponde a aproximadamente 21% cada uma, seguidas pela rea de Biologia Molecular, abordada em 2 trabalhos (aproximadamente 10,5%).

    Vale ressaltar o encontro temtico ocorrido no ano de 2008 sobre a utilizao da histria da biologia no ensino mdio, que resultou na publicao de um volume especial de Filosofia e Histria da Biologia (volume 4, ano 2009) contendo textos referentes histria da biologia destinados a estudantes e professores de ensino mdio. Dos oito artigos dessa edio, apenas um no fez referncia a livros didticos, o que indica o grau de importncia que atribudo a esse recurso e a quase inevitvel associao que se faz dele com o processo educativo, quando se pretende estabelecer uma interface entre a abordagem histrico-filosfica da cincia e a educao em cincias.

    Conforme podemos observar no quadro 3 a seguir, todos os tra-balhos analisados enquadram-se nas categorias a priori (8 a 14 no Quadro 1), que enfrentam as vises deformadas sobre a cincia elen-cadas por Gil-Prez et al. (2001) e Gil-Prez et al. (2005). No foram observadas as categorias (de 1 a 7 no Quadro 1), que se referem a vises deformadas sobre a cincia, fato esperado pela natureza dos

    5 Incluindo o Fascculo Especial Fontes Primrias da Histria da Biologia, volume 8, nmero 3, que trata de tradues inditas de trechos de obras originais. Na ltima edio, volume 9, nmero 1, do ano de 2014 no h referncia a livros didticos.

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    trabalhos analisados. Alm disso, foi tambm detectada uma categoria a posteriori, conforme ser discutido adiante.

    O quadro 3 refere-se identificao dos trabalhos conforme a co-dificao dos quadros anteriores e as frequncias das vises sobre a natureza da cincia relacionadas s categorias a priori.

    Os exemplos extrados dos artigos so citaes referentes a expli-caes diretas sobre a natureza da cincia ou sobre os contedos biolgicos especficos, os quais indiretamente nos fornecem reflexes sobre o processo de construo do conhecimento cientfico.

    No que concerne s categorias a priori (Quadro 3), a categoria 8, que caracteriza a cincia influenciada por fatores externos e a categoria 12, carter histrico e dinmico da cincia, foram as mais frequentes, encontradas em 68,4% dos artigos cada uma.

    CATEGORIAS ARTIGOS N F(A) %

    (8) Cincia influenciada por fatores externos.

    A2;A4;A5;A7;A8;A9;A10;A11;A12; A13;A14; A15;A18.

    13 68,4%

    (12) Carter histrico e dinmico da cincia.

    A2;A3;A5;A6;A7;A8;A9;A10;A11; A12;A13;A15; A19.

    13 68,4%

    (9) Cincia como atividade coletiva.

    A3;A4;A6;A7;A9;A10;A11;A12;A13;A14;A16;A17.

    12 63,2%

    (14) Rupturas e controvr-sias cientficas.

    A2;A3;A4;A6;A8; A9;A10;A11;A12;A13;A14.

    11 57,9%

    (13) Unificao do conhe-cimento cientfico.

    A1;A7;A11; A13;A16;A17;A18.

    7 36,8%

    (10) Observao influenci-ada pela teoria.

    A7;A8;A11;A14; A18.

    5 26,3%

    (11) Pluralismo metodol-gico.

    A12. 1 5,3%

    Quadro 3: Identificao dos artigos, quantidade em nmeros e frequncia das vises sobre a natureza da cincia relacionadas s categorias a priori.

  • 152

    Ao discorrer sobre a utilizao da histria da cincia na educao em biologia, Martins (1998) considera que por meio dessa abordagem o aluno poder compreender que a aprovao ou a crtica a uma pro-posta/teoria no dependem apenas de aspectos internos cincia, sua fundamentao cientfica, mas que tambm nesse processo po-dem estar envolvidos aspectos externos cincia, como aspectos sociais, polticos, econmicos, filosficos ou mesmo religiosos. Logo, essa categoria tem o potencial de superar a viso descontextualizada do trabalho cientfico.

    Um exemplo da categoria 12 pode ser encontrado em A5, no qual visando dar contribuies compreenso sobre o conceito de vida, objeto de estudo da biologia, o trecho a seguir enfatiza a influncia religiosa e filosfica no pensamento cientfico sobre este conceito:

    Segundo a tradio crist a vida aquilo que nos salva da morte e da aniquilao. Essa definio de vida vai persistir durante toda a Idade Mdia e, juntamente com os pensamentos aristotlicos ir influenciar diversos pensadores [...]. (A5, p. 24)

    O carter histrico e dinmico da cincia (categoria 12) pode ser obser-vado no seguinte trecho em A13:

    [...] Antes de atingir um consenso mnimo sobre essas questes, seria impossvel perceber a fora que o modelo mendeliano ganharia no decorrer do sculo XX e isso, em larga medida, explica a lentido da percepo da comunidade cientfica. (A13, p. 249)

    A ideia simplista e distorcida sobre as teorias pode ser enfrentada por meio do estudo histrico, especialmente com consultas em fontes primrias, as quais tm o potencial de ajudar os autores de livros did-ticos a no incorrer na viso aproblemtica e ahistrica. Em A19, onde encontramos a traduo de uma fonte primria referente aos conceitos e s causas da sucesso ecolgica, os autores sustentam que:

    O entendimento da sucesso ecolgica envolve muitas interpreta-es. Diferentes representaes deste fenmeno podem ser encon-tradas nos livros-texto atuais e esto presentes nos relatos de pesqui-sas relacionadas a esse assunto. No entanto, muitas vezes, baseiam-se em literatura secundria, distorcendo as teorias iniciais do estudo de sucesso ecolgica [...]. (A19, p. 618)

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    Em A10 detectamos que o processo de construo do modelo da molcula de DNA serve de pano de fundo para reforar a relao entre o carter histrico e dinmico da cincia (categoria 12) e a cincia como atividade coletiva (categoria 9), como podemos constatar neste excerto:

    Uma vez que se identifica a construo do modelo como um proces-so dinmico de elaborao do conhecimento cientfico para explicar e prever fenmenos o aluno se apropria do carter coletivo dos pro-cessos da cincia. (A10, p. 153)

    A categoria 9, que apresenta a cincia como atividade coletiva, apresen-tou a segunda maior frequncia nos trabalhos (63,2%), onde temos uma forma de enfrentamento concepo individualista e elitista da cincia, na qual, segundo Martins (2005) alguns indivduos so apre-sentados nos relatos histricos como gnios que tiraram suas ideias e contribuies do nada enquanto outros faziam tudo errado.

    Um exemplo desta categoria pode ser encontrado em A6:

    Os trabalhos citados anteriormente, praticamente contemporneos aos estudos de Avery, MacLeod e McCarthy foram fundamentais pa-ra que eles desenvolvessem os procedimentos metodolgicos que adotaram em seus experimentos. Isso evidncia o processo de cons-truo do conhecimento cientfico, a partir dos trabalhos de grupos de pesquisas que refutam ou corroboram as idias de outros. Essas idias podem ser aceitas e utilizadas pela comunidade cientfica ou no. (A6, p. 78)

    A categoria 14 esteve presente em 57,9% dos artigos. Em relao s categorias 12 e 14, a proximidade de frequncia talvez possa ser de certa forma explicada pela caracterizao da dinamicidade e proviso-riedade da cincia embutidas em ambas as categorias, as quais tm o potencial de superar, respectivamente as vises aproblemtica e ahistrica e cumulativa e linear, o que se reflete na recorrncia da identificao coincidente de ambas em muitos artigos.

    Sobre o combate viso aproblemtica e ahistrica, Allchin (2004) sa-lienta que a interpretao aproblemtica de evidncias merece ateno quando se quer identificar a pseudo-histria nos livros didticos e, corroborando a importncia da perspectiva histrica, o autor afirma que os detalhes histricos podem moldar a percepo dos alunos sobre a natureza da cincia.

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    Quanto s rupturas e controvrsias cientficas (categoria 14) podemos destacar em A14 o seguinte trecho:

    [...] Durante o desenvolvimento histrico da gentica, conceitos fo-ram modificados e inseridos em diferentes contextos de pesquisa. O conceito de gene sofreu modificaes, assumindo ora o significado de uma unidade estrutural ora um conceito apenas instrumental. (A14, p. 56)

    Convm destacar que o uso de episdios histricos na educao em cincias, tal como apresentado em A14, como muitos apresenta-dos nos trabalhos analisados, pode colaborar para superar a viso cumulativa e linear se considerarmos que uma das contribuies da histria da cincia para a educao descrita por Martins (1998) o fato de que a mesma mostra, por meio de episdios histricos, que ocorreu um desenvolvimento processual de conceitos at se chegar s concepes aceitas atualmente.

    Em relao categoria 13 unificao do conhecimento cientfico en-contrada em 36,8% dos artigos, temos em A7 um exemplo explcito de contribuio:

    Para uma adequada integrao de aspectos histricos aos contedos escolares, necessrio uma ruptura com a estrutura esttica presente na maioria dos livros didticos. Assim, sugerimos que ao abordar de forma histrica a identificao do ncleo, o texto apresentado anteri-ormente seja o eixo norteador de discusso em sala de aula. Essa es-tratgia proporciona estabelecer relaes entre diversas temticas, como, por exemplo, botnica, citologia e microscopia, normalmente expostas de forma fragmentada [...]. (A7, p. 40)

    De modo geral, as categorias que apareceram com menor fre-quncia foram aquelas relacionadas ao enfrentamento do mtodo cientfico clssico (categorias 10 e 11). Provavelmente este fato explicado por no ser considerado aspecto relevante ao tema das pesquisas em questo ou por falta de interesse dos autores em explo-rar essa rea.

    Encontramos em A12 uma contribuio relativa ao reforo da ca-tegoria 11 pluralismo metodolgico na biologia:

    [...] a anlise do surgimento do princpio de seleo natural mostra que alguns princpios fundamentais da cincia no se basearam em

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    estudos empricos ou em um mtodo cientfico (como se costuma defender nos livros didticos). (A12, p. 229)

    Em relao a essa questo, podemos considerar algumas peculia-ridades da cincia biologia, conforme Mayr (2008) esclarece:

    Na biologia em que o acaso, o pluralismo, a histria e a singulari-dade de eventos desempenham papis to importantes, um sistema flexvel de construo e teste de teorias parece mais apropriado do que a adoo de princpios rgidos. (Mayr, 2008, p. 87)

    Logo, entendemos que tais especificidades abrem uma gama de possibilidades para que a questo do mtodo na biologia seja discuti-da com maior frequncia nos trabalhos, uma vez que este aspecto da natureza da cincia to importante quanto os demais e, portanto, merece maior ateno. Dessa forma, a contraposio viso emprico indutivista e aterica e viso rgida da cincia passaria a ter maior visibi-lidade.

    Sobre a observao influenciada pela teoria (categoria 10), presente em 26,3 % dos artigos, temos o seguinte respaldo extrado de A18:

    [...] a teoria fator relevante e base para a construo do conheci-mento cientfico; porm, a contribuio terica de eclogos brasilei-ros escassa e a produo de conhecimentos nessa rea ainda mui-to dependente da obteno de dados empricos. (A18, p. 190)

    Em relao ao enfrentamento viso emprico-indutivista da cincia nas prticas educativas, Peduzzi (2001, p. 157) considera que introdu-zir a histria e filosofia na educao pode colaborar para desmistifi-car o mtodo cientfico, dando ao aluno os subsdios necessrios para que ele tenha um melhor entendimento do trabalho do cientista.

    O quadro 4 apresenta a categoria a posteriori, com identificao do artigo e frequncia da viso sobre a natureza da cincia relacionada a essa categoria.

    CATEGORIA ARTIGO N F(A) %

    (15) Combate concepo teleolgica. A2 1 5,3%

    Quadro 4: Identificao do artigo, quantidade em nmero e frequncia da viso sobre a natureza da cincia relacionada categoria a posteriori.

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    O combate concepo teleolgica aparece em um artigo relacionado evoluo biolgica, rea em que historicamente a teleologia foi alvo de complexas discusses. Apesar da apenas uma ocorrncia nos tra-balhos analisados, faz-se necessrio algumas consideraes sobre essa temtica, devido o destaque das discusses relativas teleologia na educao em biologia.

    Muitos evolucionistas ps-darwinianos postulavam a existncia da ortognese, uma fora intrnseca e diretora que impelia o mundo na direo ascendente de perfeio e, para explicar esse fenmeno, fazi-am uso da teleologia (Mayr, 1998; 2005).

    No entanto, a teoria de Darwin exclua a existncia de qualquer fa-tor finalstico como agente do processo evolutivo, sem negar a pro-gresso evolutiva visvel. Nas palavras de Mayr (1998):

    Uma anlise cuidadosa de tudo o que Darwin escreveu sobre pro-gresso evolutivo mostra que ele no entrou em contradio consigo mesmo. As objees dele eram em relao ao finalismo, isto , a crena em um pendor intrnseco para a perfeio, controlado por leis naturais. Onde Darwin encontra melhoramentos no curso da evo-luo, julga que eles podem ser facilmente explicados como o resul-tado a posteriori, da variao e da seleo natural. O progresso evoluti-vo, quando acontece, no um processo teleolgico [...]. (Mayr, 1998, p. 593)

    Com base em pesquisa histrica realizada pelas autoras deste tra-balho, foi possvel encontrar, em A2, um esclarecimento sobre as ideias de Darwin no sentido de rejeio s causas finais na natureza, em:

    Darwin rejeita a idia de que a evoluo tenha uma fora diretiva ou algum objetivo [...] e, portanto, no possvel atribuir-lhe as categori-as de mecanismos diretivos e finalidade. (A2, p. 111)

    Segundo Azevedo (2007), explicaes teleolgicas parecem negar todo o processo de seleo natural pelo qual os seres vivos passaram ao longo da histria. O mesmo autor afirma, no entanto, que explica-es teleolgicas so comumente utilizadas em sala de aula e ressalta que se encontram na literatura argumentos favorveis e contrrios ao uso da teleologia.

    Pela importncia da compreenso dos fenmenos biolgicos pelos estudantes, o que d significado ao objeto de estudo da biologia a

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    vida acreditamos que seria muito enriquecedora a produo de um maior nmero de trabalhos que explorem o campo das explicaes biolgicas pelo vis da teleologia a partir da abordagem histrico-filosfica aplicada educao em cincias sobre contedos diversos, a fim de reafirmar ou romper com essa concepo.

    As categorias a priori e a posteriori identificadas refletem a natureza esclarecedora dos trabalhos investigados, fundamental para cumprir o papel de colaboradores no enfrentamento da viso empobrecida e distorcida do trabalho cientfico que muitas vezes propagada pela educao em cincias e, consequentemente por outras vias, tais como os meios de comunicao social, as tomadas de decises polticas e o posicionamento de cidados (ou a falta dele) frente a questes pol-micas que envolvem a produo cientfica.

    4 CONSIDERAES FINAIS

    No peridico analisado so apresentados trabalhos que abordam os mais diferentes temas dentro da filosofia e histria da biologia e suas interfaces. Considerando que uma das interfaces possveis com a educao em cincias, o objeto deste estudo foram especificamente os artigos que fazem referncia a livros didticos, ferramentas histori-camente muito utilizadas no processo ensino-aprendizagem. Em nmeros absolutos, foram investigados 19 artigos no que concerne s vises sobre a natureza da cincia difundidas pelos mesmos.

    Como constatamos que predominou nos artigos o enfrentamento s vises deformadas sobre a cincia, consideramos que eles se tor-nam instrumentos com potencial para serem utilizados pelo professor nas aulas de biologia, colaborando dessa forma para o enfrentamento daquelas vises, as quais a educao cientfica, principalmente por meio dos livros didticos, em geral, tem reforado, segundo Gil-Prez et al. (2005), seja por ao ou omisso.

    Esta constatao nos permite sugerir que esses trabalhos sejam explorados pelos professores de cincias/biologia, tanto como mate-rial complementar na sua formao continuada, quanto como materi-al didtico em sala de aula.

    No entanto, fazemos a ressalva de que alguns aspectos sobre a na-tureza da cincia poderiam ser abordados com maior frequncia e/ou maior abrangncia nos artigos, tais como a questo dos mtodos na

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    biologia e reflexes sobre as explicaes biolgicas (com referncia teleologia).

    Seria tambm muito enriquecedor para a educao em cin-cias/biologia se os autores de livros didticos levassem em considera-o estudos histricos-filosficos dos contedos, tais como os anali-sados neste trabalho, e inclussem essas ideias no desenvolvimento deles, ou pelo menos, estivessem atentos para a fidedignidade das informaes na elaborao dos boxes que contemplam contedos da histria da cincia, que geralmente aparecem separados do texto principal no livro. Outra sugesto seria uma parceria com historiado-res da cincia especializados nos mais diversos assuntos da rea, a fim de que se tenha equilbrio entre uma linguagem acessvel e adequada aos estudantes, sem minimizar os complexos processos histricos ocorridos.

    Um aspecto que merece ser destacado o fato de que as ideias lanadas anteriormente no eximem os professores da responsabili-dade de estarem aptos para desenvolverem, nas suas aulas, contedos com fundamentao epistemolgica adequada. Isso torna imprescin-dvel uma formao continuada que busque materiais atualizados, participao em eventos que promovam a abordagem histrico-filosfica das cincias e da biologia ou mesmo cursos especficos na rea, uma vez que no comum haver tal abordagem na formao inicial dos professores.

    As discusses expostas reforam a ideia dos benefcios do uso di-dtico da histria e filosofia da cincia na educao em cin-cias/biologia no sentido de que essa prtica propicia discusses sobre a natureza da cincia. O uso de materiais produzidos por pesquisado-res da rea apontam para uma superao de vises simplistas, tenden-ciosas e distorcidas da cincia, algo indispensvel formao cientfi-ca.

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    Data de submisso: 20/09/2014 Aprovado para publicao: 06/10/2014